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Page 1: Espuma Mecânica

126 QUÍMICA NOVA, 22(1) (1999)

CIÊNCIA DE ESPUMAS - APLICAÇÃO NA EXTINÇÃO DE INCÊNDIOS

Rita C. R. Figueredo, Fabiana A. L. Ribeiro e Edvaldo SabadiniInstituto de Química - Universidade Estadual de Campinas - CP 6154 - 13081-970 - Campinas - SP

Recebido em 31/3/98; aceito em 1/6/98

SCIENCE OF FOAMS - APPLICATION IN FIRE-FIGHTING. The structural characteristics offoams are responsible for a broad range of applications of this system. Foams produced by aqueoussolutions of surfactant concentrates are used in fire-fighting due to their special properties as extin-guishing agents. In the present paper we discuss the main aspects involved in fire-fighting, based onsome properties of foams. Thermal and chemical stability, good wetting of surfaces, cooling effect bywater drained from the bubbles, isolation of the air from the burning surface and suppression offlammable vapors are some of the factors involved in the extinguishment of fire by foams.

Keywords: foam; fire-fighting; perfluorinated surfactants.

DIVULGAÇÃO

INTRODUÇÃO

Há alguns anos temos estudado espumas usadas em incêndi-os em líquidos inflamáveis (incêndios classe B). O principalenfoque do nosso estudo envolve o emprego de polímeros re-dutores de atrito hidrodinâmico em espumas extintoras, aplica-ção potencial no campo da extinção de incêndios. Agentes re-dutores do atrito hidrodinâmico1,2 produzem significativa redu-ção na energia necessária para o deslocamento de um fluido,atribuindo maior eficiência e flexibilidade ao combate. Emnosso trabalho, contamos com a colaboração de um dos princi-pais grupos técnicos que lidam com a extinção de incêndios, oPAM (Plano de Auxílio Mútuo de Paulínia), que congrega al-gumas indústrias próximas à Refinaria do Planalto da Petrobrás(Replan). Pretendemos divulgar neste artigo processos envolvi-dos na extinção de incêndios por espumas, com uma brevereferência à ciência de espumas.

CIÊNCIA DE ESPUMAS

As espumas são sistemas termodinamicamente instáveis queapresentam uma estrutura tridimensional constituída de célulasgasosas envolvidas por um filme líquido contínuo. Essa estru-tura origina-se do agrupamento de bolhas geradas ao se disper-sar um gás em um líquido que contenha agentes espumantes,como surfatantes solúveis ou impurezas. Moléculas dosurfatante difundem-se na solução em direção à interface gás-líquido formando uma monocamada adsorvida que estabiliza abolha de gás e retarda sua rápida coalescência. A destruiçãodas bolhas é termodinamicamente favorável pois provoca redu-ção da elevada área superficial da espuma e expansão do gáscontido nas células e, consequentemente, redução da energialivre da espuma.

O processo de dispersão do gás pode ser desencadeado poragitação ou batimento do líquido e por borbulhamento do gásno líquido, e influi diretamente sobre as características da es-puma. Espumas formam-se também quando há redução de pres-são ou aumento de temperatura em soluções supersaturadas degás. Pelo borbulhamento, é possível estimar o tamanho das cé-lulas geradas através da dimensão do borbulhador3 . A uniformi-dade na distribuição e no tamanho de suas bolhas, grau dedispersidade, está sujeita às irregularidades do dispositivo atra-vés do qual o gás é introduzido4. Entretanto, fatores como velo-cidade do gás e concentração de surfatante nas células e, sobre-tudo, a natureza química dos agentes estabilizantes5,6 são signi-ficativos na estruturação da espuma. Assim como o tamanho da

bolha, o volume de espuma formado em relação ao volume desolução utilizado para gerá-la, ou coeficiente de expansão deuma espuma7, é delimitado pela natureza química do sistema epelas condições em que é produzido. O coeficiente de expan-são é um parâmetro com o qual se pode relacionar intrinseca-mente o volume de gás e o de líquido presente na espuma.

A geometria normalmente observada em bolhas de espumapode ser poliédrica ou esférica. Células esféricas possuem fil-mes líquidos espessos e são frequentemente vistas no estágioinicial da formação de uma espuma. Conforme o líquido drena,os filmes afinam-se, diminuindo a distância entre as bolhas degás, as quais adquirem formato poliédrico. Células poliédricastambém estão presentes em espumas formadas a partir de lí-quidos de baixa viscosidade. O modelamento da estrutura deuma espuma tem apresentado controvérsias. Bolhas de espu-mas típicas são consideradas como dodecaedros pentagonais8,mas o arranjo das células com essa geometria não preenchetodo o espaço. Além disso, espumas reais possuem não só fil-mes pentagonais mas também hexagonais e tetragonais, e onúmero médio de filmes que compõem uma célula está próxi-mo a catorze. Alguns pesquisadores9 consideram o b-tetradecaedro, poliedro formado por quatro superfícies hexago-nais, duas tetragonais e oito pentagonais, o modelo que melhorrepresenta as células da espuma.

O arranjo das bolhas geralmente segue as leis postuladaspor Plateau10,11, governadas pela tendência à minimização desua área superficial. Segundo essas leis, três filmes adjacentesencontram-se ao longo de uma linha curva com ângulos de120o entre eles, ou quatro linhas, cada uma formada pelaintersecção de três filmes, encontram-se em um ponto, comângulos de 109o28’16'’ (ângulo tetraédrico) entre cada par delinhas adjacentes. Quando ocorre a ruptura de um filme daespuma, as bolhas rearranjam-se de modo a manter essa con-formação. As colunas de líquido formadas pelo encontro dosfilmes, os chamados canais de Plateau, assemelham-se a umtriângulo de faces curvas. Esses canais estão interconectadospelos filmes, estruturando a rede que constitui a fase líquida daespuma (Fig. 1).

A partir do momento de formação de uma espuma, três pro-cessos podem ocorrer simultaneamente13-18: rearranjo das célu-las, devido à difusão de gás entre as bolhas, drenagem do lí-quido intralamelar pelos filmes e canais de Plateau, levando aoafinamento do filme, e ruptura da célula. A progressão dessesprocessos determina o tempo de vida da espuma.

As células de uma espuma rearranjam-se com o tempo de-vido à expansão do gás e à contração dos filmes, sendo através

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desses eventos que vai diminuindo parte da energia livre daespuma. A expansão do gás ocorre através de ruptura de filmese difusão entre as bolhas. Estas abrigam gás a diferentes pres-sões entre elas, conforme a desigualdade nos seus raios decurvatura, e a uma pressão maior do que a pressão atmosféricaexterna. A transferência de gás por difusão ocorre das célulasmenores, nas quais é maior a pressão do gás aprisionado, paraas células adjacentes maiores, resultando em mudanças na dis-tribuição dos tamanhos inicialmente verificada. A espuma podese tornar monodispersa ou mais polidispersa dependendo damobilidade dos filmes em relação à rapidez com que o gás ex-pande. A difusão torna-se mais pronunciada quando os filmesatingem espessura de poucas centenas de angstrons e é afetadapela permeabilidade do gás através das lamelas. Quanto maior apolidispersidade da espuma, maior o efeito desse processo.

A drenagem do líquido presente nos filmes e nos canaisocorre, inicialmente, sobretudo pela ação da força gravitacionale por sucção capilar do líquido intralamelar pelos canais. Ocanal de Plateau desempenha um importante papel na drena-gem da espuma, pois essa região, pela curvatura de sua super-fície, apresenta grande diferença de pressão entre as fases lí-quida e gasosa. O líquido é então succionado da região lamelarem direção aos canais, onde há menor pressão local. Com oescoamento do líquido, os filmes afinam até uma espessuracrítica a partir da qual interações de van der Waals e proprie-dades elétricas da superfície, entre outros fatores, passam agovernar o processo de afinamento do filme.

Conforme o líquido drena, moléculas do surfatante são carre-gadas com o fluxo produzindo irregularidade na sua concentra-ção ao longo da superfície. Devido à variação local de tensãosuperficial, as moléculas difundem-se tentando restabelecer atensão de equilíbrio, provocando uma força oposta ao fluxo. Essahabilidade do filme de espuma em restaurar deformações locaisé resultado do efeito combinado da elasticidade de Gibbs, queconsidera uma tensão superficial de equilíbrio, e da elasticidadede Marangoni, efeito este mais superficial, associada às varia-ções instantâneas de tensão superficial. Havendo aumento natensão superficial causado por estiramento em um ponto do fil-me, a região contrai-se e em direção a ela avançam as áreasadjacentes para restabelecer a tensão inicial, movimento não sósuperficial, pois carrega líquido presente entre as interfaces. Aelasticidade aumenta a resistência do filme e contribui para quesua espessura seja mantida por mais tempo.

O afinamento do filme pode ser acompanhado através dascores de interferência produzidas pela reflexão da luz inciden-te. O fenômeno de interferência produzido em um filme deespuma deve-se ao formato angular de seu perfil lateral, resul-tante da drenagem de líquido intralamelar. Sucessivas bandasde cores espectrais tornam-se visíveis quando o filme está ex-posto à luz branca e tem espessura da ordem de 104 Å10,19.Essas bandas são formadas pela interferência entre o raio lumi-noso refletido logo após o feixe incidir sobre a superfície fron-tal e o raio que emerge dessa superfície após ser refratado no

filme e refletido pela superfície posterior. Todos os compri-mentos de onda visíveis contribuem, após sucessivas etapas deinterferência construtiva e destrutiva, para a cor e a intensida-de do raio refletido em cada ponto do filme, características queserão determinadas pela espessura do filme.

Com o escoamento do líquido, as superfícies ficam mais pró-ximas na parte superior do filme e as bandas de interferênciavão se tornando mais espaçadas, enquanto a base do filme, maisespessa, apresenta um número maior de bandas. Quando a dis-tância entre as superfícies está em torno de 300 a 1200 Å, surgena área envolvida uma banda cinza e o filme começa a escure-cer. Eventualmente, podem aparecer pequenos pontos cinzas emdecorrência de um afinamento irregular. O afinamento do filmepode terminar com sua ruptura ou com o estabelecimento deuma espessura de equilíbrio (menor do que 300 Å) em que asduas superfícies estão paralelas e de dimensão muito menor doque o comprimento de onda da luz visível. Dessa forma, a luzrefletida pelas superfícies frontal e posterior do filme é destrutivapara todos os comprimentos de onda visíveis e a sua intensidadeé praticamente nula. A banda torna-se negra e aumenta até queo filme fique completamente negro, formando o chamado ‘filmenegro comum’. Num filme negro, de espessura entre 50 e 250Å, as duas interfaces estão separadas apenas por poucas cama-das de moléculas de água e contraíons. Na Figura 2 está repre-sentado um filme negro típico; diversos tipos de filmes podemser formados, dependendo da polaridade, carga e estruturamolecular do composto adsorvido. Alguns filmes sofrem umafinamento posterior até uma espessura crítica, atingindo o está-gio do ‘filme negro de Newton’. Sua dimensão está em torno de30-50 Å, correspondente ao comprimento das duas cadeiasmoleculares que compõem, longitudinalmente, as monocamadas.

Figura 1. Estrutura de uma espuma12, constituída por uma fase gasosae uma fase líquida (filmes e canais de Plateau).

Figura 2. Representação idealizada da estrutura de um filme negro típi-co20, constituído de moléculas de água e contraíons (a) e monocamadasde surfatante: grupo hidrofílico (b); cadeia carbônica (c).

Teorias mais recentes consideram que as interfaces não per-manecem planares durante o afinamento, mas adquirem um per-fil oscilatório. A amplitude das oscilações nas interfaces crescepróximo à espessura crítica, aumentando a velocidade com queas superfícies vão se aproximando21,22. Essa característica é deconsiderável importância uma vez que a espessura crítica édeterminada essencialmente pela velocidade de afinamentopróxima a ela.

Na fase de filme negro, as deformações superficiais come-çam a crescer e as forças no filme tornam-se mais importantes.Derjaguin23 definiu o balanço de forças que atuam no filme eo qual determina sua estabilidade como pressão de ruptura.Esse conceito envolve forças repulsivas eletrostáticas, devido àexistência de duplas camadas elétricas nas suas superfícies, e,opondo-se a elas, forças atrativas de van der Waals. Enquantoa repulsão eletrostática tende a manter o filme, evitando que asatmosferas iônicas das interfaces sobreponham-se e impedindoo colapso, as forças de dispersão fazem com que as moléculassejam atraídas para regiões mais espessas do filme, provocan-do a aproximação das duas superfícies e a ruptura da lamela.Em monocamadas formadas por moléculas não-iônicas, apenasforças repulsivas de natureza não-eletrostática, como forçasestéricas, contribuem para a repulsão mútua entre as interfaces,e a pressão de ruptura perde seu efeito estabilizador.

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Um estado metaestável é atingido com o equilíbrio entre acomponente eletrostática e a componente molecular da pressão deruptura, mas perturbações térmicas e mecânicas no filme podemacelerar sua ruptura. Segue-se, à ruptura do filme, a coalescênciadas bolhas adjacentes, e quanto mais rápidas as alterações na es-puma, menor sua estabilidade, ou seja, menor a resistência dalamela à diminuição da área interfacial da estrutura.

Como resultado da drenagem, o grau de dispersidade, a áreainterfacial e a concentração de surfatante nas células são fun-ções de sua posição na espuma, pois cada seção transversalapresenta células em estágios diversos de drenagem. A rupturade filmes provoca redistribuição de surfatante nas células vizi-nhas e mudança na distribuição das células, a diminuição naespessura dos filmes e canais e o consequente aumento na pres-são capilar provocam uma maior taxa de drenagem e as célulasinferiores possuem maior volume de líquido intralamelar. Olíquido resultante da drenagem tende a restituir a solução gera-dora da espuma, mas possui surfatante em concentração maiordo que na solução inicial, pelos efeitos de evaporação, e menorem relação aos filmes, onde constantemente sofre alterações.

Um bom critério para a avaliação da estabilidade da espumaé a medida do tempo em que ocorre algum evento, como otempo decorrido desde a formação até a ruptura total das bo-lhas. Obtém-se, neste caso, o tempo de vida da espuma, deter-minado por dois processos que são o afinamento e o colapsodos filmes. Soluções diversas podem formar espumas cujo tem-po de vida pode ser de apenas alguns segundos ou de até cen-tenas de meses. A evolução dos processos vai depender danatureza química do agente espumante, considerando-se queseu papel consiste basicamente em estabilizar os filmes deespuma, e do controle de efeitos externos.

Diversos fatores exercem influência direta sobre a estabili-dade da espuma. A viscosidade do líquido presente nas bolhascontribui ao retardamento de qualquer tipo de movimento nofilme e impõe resistência mecânica a ele. Com um escoamentomais lento, a velocidade de drenagem é alterada principalmen-te nos momentos iniciais após a formação da espuma. É desdeesse momento que os efeitos Marangoni e Gibbs participam daestruturação dos filmes. Deformações na superfície que levama um gradiente de tensão superficial, mesmo em filmes negros,fortalecem o filme permitindo que ele resista aos distúrbioslocais.

Um filme de espuma pode ser desestabilizado se exposto aflutuações térmicas24,25; sob redução de temperatura, sua elas-ticidade pode ser reduzida, enquanto a elevação de temperaturapode provocar dessorção do agente espumante da interface ediminuição da viscosidade e da resistência superficial. A umatemperatura mais elevada, a evaporação da água é acelerada,estimulando a desidratação do filme e induzindo, para com-pensar a diminuição da tensão superficial resultante, o seu es-tiramento e a aproximação das camadas de adsorção. A sobre-posição das interfaces é um processo entropicamente desfavo-rável, que exerce papel desestabilizador sobre o filme e levaao colapso26. A hidratação das interfaces retarda a interpene-tração das moléculas adsorvidas, mantendo a espessura do fil-me. Pela presença de eletrólitos ou aditivos20, as forças deestabilização nos filmes de espuma também são modificadas.A introdução de eletrólitos provoca compactação da camadaelétrica difusa, diminuindo a magnitude da componente ele-trostática da pressão de ruptura. A espessura de equilíbrio di-minui gradualmente conforme a concentração de eletrólito au-menta. Distúrbios mecânicos, como correntes de ar, vibraçõese choques, expõem os filmes da espuma a sofrerem antecipa-damente a ruptura em relação ao que se processaria com estesfatores controlados. Variações rápidas de pressão e espalha-mento de agentes sobre o filme que arrastam a solução intrala-melar podem provocar um afinamento rápido até a espessuracrítica, aumentando a probabilidade da ruptura.

O tempo de vida da espuma e sua estabilidade são determinados

por diversos fatores; sua existência depende, basicamente, danatureza do agente espumante, da composição relativa de to-dos os componentes presentes no filme e das condições a quea espuma está submetida.

ESPUMAS EM EXTINÇÃO DE INCÊNDIOS

A estrutura particular apresentada pelas espumas garanteuma vasta aplicação desse sistema. Espumas produzidas comsoluções aquosas são utilizadas em combates a incêndios porapresentarem propriedades que, juntamente com as da água,tornam-nas um eficiente agente extintor. A eficiência da águaem incêndios deve-se ao efeito refrigerador provocado pelo seucalor de vaporização (40,66 kJ.mol-1), o qual remove calor doprocesso de combustão e resfria o material em chamas. Outrapropriedade extintora está associada à diminuição da concen-tração de oxigênio do ar pelo vapor de água produzido nocombate. Mas a água apresenta algumas limitações, e as espu-mas extintoras foram desenvolvidas a fim de contorná-las. Aalta tensão superficial da água dificulta a molhabilidade dasuperfície em chamas e a penetração no material, e sua baixaviscosidade provoca escoamento rápido pelas superfícies, difi-cultando a atuação da água sobre elas, principalmente as su-perfícies verticais. Além disso, os jatos de água podem provo-car transbordamento de um líquido em chamas, levando à pro-pagação do incêndio.

As espumas foram desenvolvidas para se obter melhor ade-rência ao material em chamas, produzindo um recobrimentocontínuo sobre ele. Como apresentam baixa densidade, espa-lham-se sobre a superfície do material em combustão, abafan-do-a e isolando-a do contato com o oxigênio atmosférico. Tan-to a supressão do vapor comburente como o resfriamento domaterial em chamas, pelo líquido presente na espuma, previ-nem a reignição. Para aperfeiçoar tais características, espumascom estruturas cada vez mais resistentes e fluidas tem sidoobtidas para diferentes classes de incêndio, visando-se garantira rapidez e a segurança do combate.

As espumas utilizadas atualmente em incêndios, chamadas‘mecânicas’27-30, são geradas através da introdução de ar, poração mecânica, em soluções preparadas a partir de ‘líquidosgeradores de espuma’ (LGE). Esses concentrados contêmsurfatantes específicos e outros aditivos que conferem alta es-tabilidade às espumas extintoras. A partir do desenvolvimentoda espuma mecânica, mais econômica e de aplicabilidade maisfácil, o emprego da espuma ‘química’, largamente utilizada noinício do século, tem sido cada vez mais restrito a extintoresportáteis. A espuma química é formada com a liberação dedióxido de carbono pela reação entre sulfato de alumínio ebicarbonato de sódio em solução aquosa, que contém proteínashidrolisadas como agentes espumantes. São espumas densas,viscosas e resistentes ao calor mas, como espalham-se lenta-mente, tem baixo poder de extinção.

As primeiras espumas mecânicas foram produzidas a partirde extratos protéicos, para extinções em derivados de petróleo,e surgiram por volta de 1937, na Alemanha e na Inglaterra. Osconcentrados protéicos são formulados com derivados de di-gestão química e de hidrólise de proteínas naturais, como asencontradas em soja e chifres e cascos de boi. Esses compos-tos proporcionam elasticidade, resistência mecânica e maiorhidratação aos filmes da espuma. Também contém alginatos epectinas, que estabilizam a espuma e inibem a corrosão e ocrescimento bacterial, sais metálicos e solventes orgânicos, queproporcionam uniformidade à estrutura. A espuma resultante édensa, viscosa e altamente estável, mas a velocidade de espa-lhamento e de extinção são baixas.

O desenvolvimento de uma espuma de base protéica commaior capacidade de extinção (no caso, velocidade de espalha-mento) e compatível com o pó químico, específica para apli-cação em derivados de petróleo, ocorreu principalmente na

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Inglaterra, em 1965. Surgiram os concentrados flluoroprotéicos,de formulação semelhante ao LGE protéico, contendosurfatantes fluorados que melhoram a fluidez da espuma e aresistência à temperatura, propriedades que aumentam a rapi-dez do combate.

A mais versátil espuma para extinção em líquidos inflamá-veis foi desenvolvida em 1962, pela marinha americana, a par-tir de surfatantes fluorados sintéticos, devido às limitações dasespumas de base protéica. Os concentrados, conhecidos comoAFFF (‘aqueous film-forming foam’), produzem espumas queformam um fino filme aquoso sobre a superfície em chamas, oqual é resultante do processo de drenagem e tem a propriedadede espalhar-se rapidamente sobre regiões não totalmenterecobertas pela espuma. Como em outras espumas, seu meca-nismo de extinção consiste em evitar o contato do oxigênio doar com o combustível e a liberação de vapores inflamáveis; apresença do filme aquoso ajuda no resfriamento do combustí-vel e na supressão dos vapores, prevenindo a reignição domaterial. Menos viscosas, estas espumas apresentam maior flui-dez e alta velocidade de extinção, e sua eficiência permite re-dução na quantidade de água, equipamentos e extrato utilizada.As espumas AFFF são compatíveis com o pó químico e tam-bém podem ser aplicadas em incêndios classe A (madeira, te-cido, plástico,…), pois a baixa tensão superficial do líquidodrenado (até cerca de 15 dyn.cm-1) possibilita a umectação domaterial incendiado, penetrando sob as superfícies expostas eextinguindo os focos de fogo.

Para aplicação em solventes polares foram formulados con-centrados AFFF contendo um polissacarídeo solubilizado que,conforme a espuma drena, produz uma membrana poliméricadevido à pequena solubilidade desse componente no solvente.Essa membrana protege o filme aquoso e a espuma da destrui-ção pelo solvente, resultando em maior tempo de resistência àreignição do combustível. A formulação desses extratos é muitoimportante no Brasil, devido ao grande volume de etanol esto-cado, e também é eficiente no combate a incêndios envolvendoderivados de petróleo. LGE protéicos e fluoroprotéicos paraaplicação em incêndios envolvendo solventes polares, apesarde formarem espumas altamente estáveis, não são muito efici-entes em função de sua baixa fluidez, característica que difi-culta seu espalhamento.

A produção da espuma mecânica é realizada em dois está-gios, que são proporcionamento e formação. Durante oproporcionamento, o extrato é introduzido no fluxo de águacom dosagem controlada. Concentrados AFFF são geralmenteaplicados a 3% (massa de LGE/volume de água) para incêndi-os em hidrocarbonetos e 6% para solventes polares. A forma-ção da espuma ocorre apenas no estágio final, quando ocorre aintrodução de ar no esguicho lançador. Diferentes equipamen-tos hidráulicos são utilizados na produção da espuma, de acor-do com as condições do combate, e a maior parte deles apre-senta tanto a introdução do LGE como a do ar ocorrendo atra-vés de simples tubos Venturi, que provocam a sucção para ofluxo de linha31,32 (Figura 3). Segue-se então a aplicação daespuma, que deve ser suave e feita sobre anteparos paraminimizar a perda pelas chamas, a uma velocidade própria paracada caso; segundo normas como ABNT e NFPA, a taxa deaplicação mínima recomendada sobre a área atingida está emtorno de 4.1 Lmin-1m-2 em hidrocarbonetos e 6.9 Lmin-1m-2

em solventes polares.As propriedades dos LGE são periodicamente avaliadas,

segundo normas como NFPA (‘National Fire ProtectionAssociation’)33; para testes de qualidade, determina-se a capa-cidade de produção de espuma pelo concentrado (medidas docoeficiente de expansão), que tem tempo máximo de estoquede dez anos. Testes de estabilidade são realizados por medidasdo tempo de drenagem, geralmente o tempo necessário paraque drene 25% da amostra da espuma, produzida segundo con-dições específicas.

As espumas produzidas com concentrados AFFF são de bai-xa expansão, com coeficiente de até 20. Para incêndios emambientes fechados e de difícil acesso, como minas de carvão,foram desenvolvidos LGE de tensoativos sintéticos que produ-zem espumas de alta expansão, apropriadas para provocar inun-dações. Seu coeficiente de expansão está entre 200 e 1000, e seuuso tem sido restrito a áreas fechadas, pois são espumas de den-sidade baixa e sua eficácia pode ser comprometida pelas condi-ções climáticas. Elas podem ser aplicadas tanto em incêndiosclasse A como classe B, mas cuidados devem ser tomados quan-do estão envolvidos ambientes pequenos, pois o ar provenienteda espuma pode elevar a concentração de oxigênio e, caso amistura com o vapor combustível exceda a concentração limitepara ignição, pode inevitavelmente provocar uma explosão.

A eficiência de espumas geradas com extratos do tipo AFFFdeve-se fundamentalmente à estrutura molecular dos surfatantespresentes em sua formulação. Surfatantes perfluorados de fór-mula geral CF3-(CF2)n-hidrocarboneto-X, sendo 6<n<10 e Xum grupo hidrofílico34, são usualmente encontrados na compo-sição de LGE. Através de análises para a caracterização doextrato AFFF com o qual estudamos, observamos que a estru-tura básica do surfatante é constituída por uma cadeia carbônicafluorada (6≤m≤10) e por um grupo sulfonato:

CF3-(CF2) m-(CH2)-SO3-K+

Essa estrutura molecular, através das ligações C-F e do gru-po sulfonato, atribui alta estabilidade térmica e química aosurfatante. A natureza aniônica do surfatante confere proprie-dades particulares à interface dos filmes da espuma, atribuindoum efeito estabilizante, através do componente eletrostático, àsforças de estabilização existentes na lamela.

O extrato AFFF foi aplicado com sucesso no incêndio ocor-rido na Replan35, em 8 de janeiro de 1993, o maior incêndio jáocorrido em refinarias de petróleo no Brasil (Figura 4). Umtanque que possuía 15 milhões de litros de óleo diesel, suacapacidade máxima, foi atingido por um raio que provocou aignição da mistura de gases inflamável nele contida e, imedi-atamente, uma explosão seguida de incêndio. A eficiência docombate de um incêndio de tais proporções é de extrema im-portância. As chamas atingiram uma área de 4300 m2, comlabaredas de mais de 40 m de altura, produzindo fumaça queapresentava mais de 50 km de extensão. O grande risco inicialera de que o fogo se alastrasse e atingisse os tanques vizinhos,provocando um prejuízo incalculável e representando umaameaça ao ambiente. Bombeiros da Replan iniciaram, então, aextinção do fogo que atingia as bacias de contenção com apli-cação de jatos de espuma (AFFF) e o resfriamento do tanque

Figura 3. Produção de espuma mecânica com extrato formador defilme protetor (tipo AFFF).

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atingido e dos adjacentes utilizando jatos de água, enquantoestratégias de combate eram definidas pelos técnicos da Replan,em colaboração com o Corpo de Bombeiros de Campinas e oPAM. No total, foram 12 horas para o controle e a extinção dofogo, sendo consumidos 4 milhões de litros de óleo diesel egastos 37 mil litros de LGE, num prejuízo total de cerca deUS$ 1.900.000,00, entre diesel consumido, combate ao fogo ereparo dos equipamentos. Cerca de 100 bombeiros, civis emilitares, mobilizaram-se para conter esse incêndio.

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35. Informações obtidas através do SESIN/REPLAN.

Figura 4. Combate ao incêncido ocorrido na Replan com espumasextintoras do tipo AFFF. Foto gentilmente cedida pelo SESIN/Replan