espiritualidade e qualidade de vida (evilázio francisco borges teixeira)

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A experiência tem mostra do que sem sen ti do ningué co ns egue viver por muito tempo. Talvez urna das pergun ta  mais in quietantes  n o final de século passado e neste início d e milênio s eja: qual é o  sentido da vi da? Qual a finalidade do  vive e do mor re r? Hoje se fala muito em espiritual id ade e místi c a. termo en co ntra sua de rivação no adjetivo gr ego mys t ko s co rrelacionado ao verbo myo que signifi ca  fechar os olhos e a par a a transformação inte rio r num mis tério . A mística e espir itu alidade tê m a ver om o amor. O am or constitui a manei ra  de apreender um  outro ser huma no no mais de s ua  personali da de. ão é po ssível ter consciência da e ss ência última de outro se m amá-lo. . N.C h am 248 E Título : Espiritualidade e qualidade de vida. 02418963 Ac . 271.646 PUC Minas BH

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  • A experincia tem mostrado que sem sentido ningu consegue viver por muito tempo. Talvez urna das pergunta , mais inquietantes no final de sculo passado e neste incio de milnio seja: qual o sentido da vida? Qual a finalidade do vive e do morrer? Hoje se fala muito em espiritualidade e mstica. q termo encontra sua derivao no adjetivo grego mystikos correlacionado ao verbo myo que significa fechar os olhos e a para a transformao interior num mistrio. A mstica e espiritualidade tm a ver com o amor. O amor constitui a

    maneira de apreender um outro ser humano no mais de sua personalidade. No possvel ter conscincia

    da essncia ltima de outro sem am-lo.

    if ,,,.

    N.Cham 248 E77 Ttulo: Espiritualidade e qualidade de vida.

    11111111111111111111111111111111 111111111111111111 02418963 Ac. 271.646

    PUC Minas - BH

  • g Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Chanceler: Dom Dadeus Grings

    Reitor: Norberto Francisco Rauch

    Vice-Reitor: Joaquim Clotet

    Conselho Editorial: Antoninho Muza Naime

    Antonio Mario Pascual Bianchi Dlcia Enricone

    Helena Noronha Cury Jayme Paviani

    Jussara Maria Rosa Mendes Luiz Antonio de Assis Brasil e Silva

    Marlia Gerhardt de Oliveira Mrian Oliveira

    Urbano Zilles (presidente) Diretor da EDIPUCRS: Antoninho Muza Naime

    Espiritualidade e

    Qualidade de Vida o

    Organizadores: Evilzio Francisco Borges Teixeira

    Marisa Campio Mller Juliana Dors Tigre da Silva

    BDIPUCRS

    Porto Alegre 2004

  • E77

    EDIPUCRS, 2004

    Capa: Bruna D'Martini

    Prepafadb de originais: Eurico Saldanha de Lemos Reviso: dos organizadores

    Editorao e composio: Suliani Editografia

    Impresso e acabamento: Grfica EPEC

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Espiritualidade e qualidade de vida I Organizadores: Evi-lzio Francisco Borges Teixeira, Marisa Campio Ml-ler, Juliana Dors Tigre da Silva. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. 224p. Apresenta artigos do Encontro Gacho de Espirituali-

    dade e Qualidade de Vida, PUCRS, 2003. ISBN 85-7430-444-1 1. Espiritualidade. 2. Qualidade de Vida. 3. Religio e

    Cincia. I. Teixeira, Evilzio Francisco Borges. li. Ml-ler, Marisa Campio. III. Silva, Juliana Dors Tigre da.

    CDD 248 215

    Ficha Catalogrfica elaborada pelo Setor de Processamento Tcnico da BC-PUCRS

    Proibida a reproduo total ou parcial desta obra sem autorizao expressa da Editora.

    EDIPUCRS Av. lpiranga, 668/- Prdio 33

    Caixa Postal /429 906/9-900- Porto Alegre- RS

    Brasil Fone/fax: (51) 3320.3523 www.pucrs.br/edipucrs/

    E-mail: [email protected]

    Apresentao

    Todas as religies, todas as artes e todas as cincias so o ramo de uma mesma rvore. Todas essas aspi-raes visam ao enobrecimento da vida humana, ele-vando-a acima da esfera da existncia puramente ma-terial e conduzindo o indivduo para a liberdade.

    (Einstein) A dimenso espiritual na vida humana vem encontrando espaos crescentes nas melhores comunidades acadmicas.

    Um grupo interdisciplinar e interinstitucional teve a louvvel iniciativa de organizar um Encontro Gacho de Espiritualidade e Qualidade de Vida.

    Telogos, mdicos, psiclogos, educadores, filsofos e outros cientistas, independentemente de vinculaes eclesiais ou grupos espiritualistas, reuniram-se na PUCRS e dialogaram com muita li-berdade acadmica e esprito fraterno sobre o tema citado.

    A obra que tenho a satisfao de apresentar representa o con-tedo desenvolvido nesse evento que foi coroado de xito.

    Apresentamos os cumprimentos aos conferencistas, painelistas e participantes, fazendo votos de que futuros Encontros dessa natu-reza se repitam tomando cada vez mais realidade a previso de An-dr Malraux e Arnold Toynbee:

    "A prxima idade do homem ser mstica ou no ser nada. "

    Irmo NORBERTO FRANCISCO RAUCH Reitor da PUCRS

  • Sumrio

    Apresentao Norberto Francisco Rauch ........................................................ 5

    Introduo Marisa Campio Mller ........... ................................................... 9

    Espiritualidade crist Urbano Zilles ........................................................................... 11

    O conceito de pessoa - da Trindade modernidade Evilzio Francisco Borges Teixeira ........................................ 23

    Um estado de conscincia Juan Jos Mourifo Mosquera ................................................. 37

    A religiosidade e suas interfaces com a Medicina, a Psicologia e a Educao: o estado da arte

    Paulo L. R. Sousa, Ieda A. Tillmann, Cristina L.Horta, Flvio M. de Oliveira .................................. 51

    Espiritualidade: uma dimenso essencial na experincia significativa da vida

    Leda Lsia Franciosi Portal.. ................................................... 65

    Sade, bem estar espiritual e qualidade de vida: pressupostos tericos e pesquisas atuais

    Jorge Castell Sarriera .......................................................... 77

    O retorno do conceito do sagrado na cincia Rai'ssa Cavalcanti .................................................................... 87

  • Prece e cura Carlos Eduardo Tosta .................................................................. 101

    Espiritualidade e qualidade de vida: pesquisas em psicologia Geraldo Jos de Paiva ........................................................... 119

    Universidade, cincia e espiritualidade Malvina do Amaral Dorneles ................................................ 131

    Psicoterapia e espiritualidade: convergncia possvel e necessria

    Jlio Peres ............................................................................. 139

    Espiritualidade e sade Gilson Lus Roberto ............................................................... 151

    Religiosidade, sade e qualidade de vida: uma reviso da literatura

    Neusa Sica da Rocha Marcelo Pio de Almeida Fleck .............................................. 165

    Espiritualidade e qualidade de vida: uma viso psicanaltica Lucio Boechat ........................................................................ 181

    Educao, qualidade de vida e espiritualidade Mauro Luiz Pozatti ................................................................ 193

    Ncleo Interdisciplinar de Estudos Transdisciplinares sobre Espiritualidade

    Malvina do Amaral Do meles Ccero Marcos Teixeira Dinor Fraga da Silva; Carlos Tho Lahorgue Miriam Benigna; Monika Clemente; Valquiria Pezzi Parode Neusa Junqueira Armellini; V era Regina dos Santos Wolff .. 207

    Autores ........................................................................................ 221

    Introduo

    Marisa Campio Mller

    Como se pode definir espiritualidade? Espiritualidade viver com esprito e, portanto, uma dimenso constitutiva do ser humano. Espiritualidade uma expresso para designar a totalidade do ser humano enquanto sentido e vitalidade, por isso espiritualidade sig-nifica viver segundo a dinmica profunda da vida. Isso significa que tudo na existncia visto a partir de um novo olhar onde o ser humano vai construindo a sua integralidade e a sua integrao com tudo que o cerca.

    A idia de que cincia e espiritualidade so reas antagnicas j faz parte do passado. Pesquisas feitas em pases como Brasil, Cana-d e Estados Unidos buscam provar como experincias de carter espiritual ajudam a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Essa tendncia vem se firmando h alguns anos e ganha maior destaque com o aumento dos estudos sobre o assunto.

    O presente livro oriundo do Encontro Gacho de Espirituali-dade e Qualidade de Vida realizado na PUCRS em outubro de 2003. O Evento foi organizado pela Faculdade de Psicologia e Cen-tro de Pastoral com a participao de outras duas Universidades: Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Catli-ca de Pelotas, juntamente com a Sociedade Sul-Rio-Grandense de Medicina Psicossomtica, Sociedade Brasileira de Psicooncologia -Regional Sul e Instituto Junguiano do Rio Grande do Sul. Estive-ram presentes bilogos, historiadores, mdicos, pedagogos, psic-logos, filsofos telogos, estudantes dessas reas, assim como a comunidade geral, para tratar dos temas espiritualidade e religiosi-dade, nas diversas dimenses da vida pessoal e social.

    Introduo 9

  • Inmeras pesquisas hoje indicam que pessoas que professam uma f apresentam alguns resultados benficos distintos na psicote-rapia. Existe uma associao entre a dimenso de f e o trabalho psicoterpico. Um potencializa o outro, gerando uma melhor quali-dade de vida, bem-estar e alvio dos sintomas. Em termos emocio-nais, a espiritualidade propicia uma maneira diferenciada de tratar as dificuldades, que podem ser vistas como experincias de vida. Existem alguns indicativos que, de fato, aquele com uma prtica re-ligiosa, um apoio espiritual de alguma natureza, mostra-se mais be-neficiado em relao aos outros.

    A idia primeira deste Encontro teve como cenrio, os grama-dos da USP. Na ocasio, juntamente com a professora Maria Hele-na Souza Presidente da Sociedade Sul-Rio-Grandense de Medicina Psicossomtica, participvamos do Congresso Brasileiro de Psicos-somtica. Aps a apresentao de uma mesa de trabalho sobre o tema espiritualidade, comeamos a sonhar a possibilidade de algo semelhante para o nosso amado Rio Grande do Sul, onde, de um modo interdisciplinar e de "cara limpa" pudssemos fazer um en-contro para refletirmos sobre o tema. A rea psi sempre se manteve distante deste tema entendendo como no pertinente, e s recente-mente esse aspecto passa a ser objeto de estudo. O fato de poder-mos organizar este Encontro tornou-se um trabalho essencialmente prazeroso, pois pela primeira vez em solo gacho a psicologia esta-ria liderando a organizao de um evento com este tema.

    O livro rene profissionais de diferentes reas e credos, o que torna o percurso muito enriquecedor. Os artigos perpassam diversos enfoques, abordando questes como: espiritualidade, educao, o conceito de pessoa, o sagrado na cincia, o poder da prece, aspectos relacionados religiosidade, sade e qualidade de vida, alm de pesquisas recentes em psicologia. Esperamos que seja uma obra que possa contribuir com todos aqueles que dela abeberarem-se.

    10 Marisa Campio Mller

    Espiritualidade crist

    Urbano Zilles

    Em meados do sculo XX, muitos temiam que o processo de se-cularizao no s minaria as bases da f, mas tambm eliminaria o espao da religio. Apostava-se na cincia e na tcnica como cami-nho para a soluo de todos os problemas humanos. E tudo indica que o subconsciente espiritual se vingou. Nunca houve tamanha proliferao religiosa como na segunda metade do sculo XX. To-mou-se conscincia no s dos limites da cincia e da tcnica, mas que a religio brota de fontes profundas do homem. A sociedade ocidental crist, marcada pela racionalidade cientfica e despreo-cupada de promover o cultivo da orao contemplativa, importou gurus da ndia, do Paquisto e de alhures para orientar seus jovens na busca do contato com o Deus transcendente. Milhares de jovens universitrios procuram "ashams" hindus para exercitar a medita-o transcendental ou se fecham nos mosteiros zen-budistas para iniciar-se e progredir nas fortes experincias extra-sensoriais ou no relacionamento imediato com Deus.

    Por outro lado, encontramos em nossa juventude grandes inter-rogaes: Que significa, por exemplo, o consumo alarmante de nar-cticos? Neste fenmeno complexo certamente h fuga, alienao, hedonismo. Mas no expressar este fenmeno uma aspirao para algo transcendente? No ser um substitutivo para um vazio reli-gioso?

    Nos ltimos anos, em alguns ambientes acadmicos, percebe-se no s certa valorizao positiva da religio, mas surge uma revita-lizao da vida religiosa, uma recuperao do sentido de Deus. En-tre os cristos podemos exemplificar com o movimento de orao

    Espiritualidade crist 11

  • carismtica. Ensaiam-se muitas formas, estilos e mtodos para avanar na experincia de Deus. H, sem dvida, uma forte busca do espiritual.

    H cerca de trs sculos, a palavra espiritualidade passou a ser muito usada no Ocidente cristo. Mas, quando se indaga pelo signi-ficado constatamos que este vago, como vago o significado da palavra esprito, que lhe deu origem. Ocorre um processo seme-lhante ao desgaste de moedas em circulao durante muito tempo, que falsificadores facilmente substituem e multiplicam.

    Quando se indaga a filsofos e telogos "o que espiritualida-de?" as respostas so evasivas ou vagas. Parece uma daquelas pala-vras que todo o mundo pode usar sem medo de equivocar-se. Desta maneira, por um lado, encontramo-nos diante de uma realidade di-fcil de definir e, por outro, difcil de excluir do vocabulrio.

    Conceituao de espiritualidade

    Para os filsofos, em geral, trata-se mais de uma qualidade que de uma entidade. Contrape-se materialidade. Refere-se a uma qualidade que transcende toda materialidade. Assim Deus, os anjos, a alma, so exemplos perfeitos de seres espirituais. Neste caso em-prega-se espiritual como negao de material. Espiritual ento a qualidade que convm a seres situados fora do espao e do tempo. Via de regra a pra a eloqncia dos filsofos.

    Os telogos, por sua vez, conhecem diferentes respostas. Al-guns repetem mais ou menos os filsofos. Outros se referem aos es-critos e aos ensinamentos da teologia. Recorrem, ento, ao binmio da ascese e da mstica.

    Para conhecer a histria dos tratados de espiritualidade, preci-so voltar ao sculo XVI. Naquela poca, os "espirituais", desejosos de ampliar seu pblico e fazer-se entendidos pelos leigos, abando-naram a linguagem aristotlica e tentaram expressar-se na lingua-gem popular. Alguns textos de So Paulo estimularam certa liber-dade em relao a uma espiritualidade por demais especulativa, pois, "o homem dotado de esprito pode examinar todas as coisas, mas ele no pode ser examinado por ningum"- (lCor 2, 15). De acordo com Blaise Pascal, "honram devidamente natureza aqueles

    12 Urbano Zilles

    que se convencem de que esta pode falar de tudo, inclusive de teo-logia". Ora, se o homem cado foi resgatado pelo sacrifcio de Cris-to, agora se encontra numa situao melhor que na "natureza pura". O Verbo de Deus, fazendo-se homem, integrou-se na humanidade, nela permanecendo misteriosamente, podendo Pascal afirmar que "o homem supera infinitamente o homem".

    Por vezes o termo espiritualidade foi extrado de uma filosofia, ideologia ou sntese doutrinai: espiritualidade judaica, espirituali-dade crist, a ortodoxa, a protestante e at a marxista ... Algumas vezes recorreu-se espiritualidade para designar a reivindicao de homens que se negavam identificar-se com meras mquinas: espiri-tualidade do trabalho, dos doentes, dos mdicos, da ao catlica. Outras vezes designa uma demanda religiosa: a espiritualidade dos sacerdotes diocesanos, dos leigos ...

    Mais complexo torna-se o termo quando empregado para de-signar a identidade religiosa de confrarias, ordens, congregaes e institutos ou movimentos leigos. Quer mostrar-se que tais comuni-dades ou coletividades situam-se numa ordem diferente, como dizia Pascal, na ordem do "corao que sente a Deus" (Penses, 424). Todos e cada um queriam ser memria viva dos "estados de Jesus" e portadores do esprito de Jesus. Na ordem efmera das coisas vi-sveis queriam sinalizar a ordem invisvel e intemporal graas sua adeso inspirao religiosa de seu fundador. A espiritualidade de um instituto religioso supunha, pois, uma maneira de ser fiel ao Es-prito de Deus vivo na Igreja, um modo humano-divino de ser seu intermedirio e de secundar a obra de regenerao do mundo.

    Se examinarmos os mltiplos usos da palavra "espiritualidade" podemos encontrar o sentido fundamental da espiritualidade crist e situ-la no contexto da revelao. Para o judeu-cristianismo, a pala-vra esprito, da qual deriva espiritualidade, no designa esprito do homem, mas o Esprito de Deus, o Esprito Santo. Quando a Bblia fala do esprito do homem refere-se no a uma parte do homem, mas ao todo em sua relao com Deus. Desta maneira, a espirituali-dade no a excluso da materialidade, mas a relao ou unio do homem todo - corpo e alma- com o Esprito de Deus.

    Espiritualidade crist 13

  • Conceito cristo

    Sob certo aspecto, a espiritualidade o lado subjetivo da reli-gio. Para o cristo, a espiritualidade no se reduz interioridade da pessoa, nem ao sentimento ( Schleiermacker) ou necessidade sub-jetiva (modernismo). Relaciona, antes de mais nada, o homem fini-to com a realidade divina, com Deus que se revela na obra da cria-o e no mistrio de Cristo.

    O conceito de espiritualidade moderno, no se encontrando como tal nos antigos. Estes preferiam falar de teologia espiritual, de ascese e de mstica ou, simplesmente, de vida crist e evanglica. Chegaram at ns alguns escritos, como a Didaqu, o Pastor de Hermas e outros que espelham a vida espiritual vivida nas comuni-dades. A Didaqu descreve as prticas de jejuns, oraes e obras. A Carta de Barnab apresenta uma espiritualidade do batismo e acon-selha que o cristo no trabalhe pela salvao na tristeza, mas fi-lho da alegria (4, 11). Todos esses textos judaico-cristos, em parti-cular a Didaqu, acentuam a escatologia, que polariza toda a vida espiritual.

    Em Incio de Antioquia, a vida espiritual realiza-se na igreja, nas assemblias, lugar das oraes, na eucaristia. Na vida indivi-dual, a espiritualidade consiste em revestir-se de Cristo, de sua pai-xo, morte e ressurreio. O martrio parece-lhe o caminho mais curto para encontrar Cristo.

    A Carta a Diogneto mostra a ao dos cristos no mundo: "os cristos so a alma do mundo" (6). Na literatura apcrifa encontra-mos a irrupo da redeno no mundo atravs de Cristo, recupera-o universal do cosmo pela ressurreio e exaltao da mulher-virgem.

    No sculo III dois centros principais, apesar das perseguies, brilham: Alexandria e Cartago. As comunidades vivem unidas. Ter-tuliano desenvolve temas espirituais: batismo, orao, martrio, cas-tidade, etc. Cipriano reflete sobre a Igreja una, a orao, o martrio, a vigilncia. Clemente convida imitao de Cristo. Mas o mais in-fluente torna-se Orgenes para a vida espiritual. Centra sua espiri-tualidade na presena de Deus e de Cristo na Escritura, na Igreja e no cristo.

    14 Urbano Zilles

    No perodo entre o conclio de Nicia (325) e o de Constanti-nopla (381 ), passadas as grandes perseguies, a espiritualidade concentra-se no convite converso e f atravs da vida evangli-ca. Santo Agostinho, com sua teologia da graa, sua Regra para os religiosos, seu itinerrio para Deus, exerceu influncia na Idade Mdia at nossos dias.

    A experincia do renascimento no Esprito de Verdade e de Amor, leva os escritos paulinos e joaninos a intuir no s a pessoa do Esprito Santo na Trindade, mas tambm a espiritualidade da existncia crist, seja do indivduo, da comunidade e da Igreja. As-sim, desde S. Paulo, pneumtiks torna-se o termo tcnico para a existncia crist (lCor 2, 13; 9, 11; 14, 1). O adjetivo spiritualis de-signa o corao da existncia crist. O substantivo correspondente, espiritualidade, expressa o aspecto formal da estrutura central da vida crist para designar a relao pessoal do homem com Deus.

    A espiritualidade crist enraza-se no acontecimento da revela-o de Deus e da concretizao histrica da revelao em Jesus Cristo como na tradio da Igreja. S. Paulo j teve que frear um en-tusiasmo mal-entendido dos dons do Esprito Santo na comunidade de Corinto. A busca do extraordinrio e milagroso permanece a ten-tao atravs dos tempos e j conta com a advertncia de Jesus (Mt 16, 1-4). Por outro lado, no menor a tentao de identificar mi-nistrios e normas com espiritualidade. H uma tenso autntica en-tre ministrio hierrquico e carisma. S. Francisco de Assis, em seu movimento entusistico de pobreza, sofreu as limitaes impostas pela hierarquia. Muitas iniciativas autnticas da espiritualidade cris-t, quem sabe, foram banidas e se estabeleceram fora da Igreja.

    Existem desvios ou pseudo-espiritualidades. Por exemplo, a tentativa de reduzir filosoficamente a espiritualidade ao estritamen-te racional ou psiqu dos psiclogos. Se admitimos um subcons-ciente psquico no temos porque no admitir um subconsciente es-piritual. A realizao humana global no se reduz ao saber racional. Tambm o dualismo- corpo e alma- cedo teve influncia negativa na espiritualidade crist, sobretudo certo menosprezo do material.

    Podemos resumir, dizendo que a espiritualidade crist tem al-gumas caractersticas essenciais:

    Espiritualidade crist 15

  • a) teocntrica. No se trata apenas de uma satisfao subjetiva, nem somente da salvao da alma, mas da entrega a Deus, a seu amor.

    b) cristocntrica. Em Cristo, como cabea, toda a criao est unida ao Pai. Atravs Dele recebe salvao e bno.

    c) eclesial. A Igreja o lugar no qual o Senhor rene os que se confiam a Ele na f, no amor e na esperana para a adorao.

    d) sacramental. Os sacramentos so maneiras pelas quais o Se-nhor glorifica o Pai na sua Igreja e conduz os homens salva-o.

    e) pessoal. Os sacramentos agem pela sua realizao, mas s frutificam na medida em que recebidos com f e amor e levados eficincia tica.

    f) comunitria. Por mais que se acentue o aspecto pessoal, o cristo ativa sua espiritualidade na comunidade.

    g) escatolgica. A espiritualidade crist marcada pela espe-rana. Esta mantm o cristo vigilante e o prepara para a paru-sia ou vinda gloriosa de Cristo no fim dos tempos.

    Em sntese, podemos dizer que espiritualidade crist a dimen-so do mistrio das verdades objetivas da doutrina traduzidas para a vida cotidiana. A espiritualidade vivida transcende a univocidade dos conceitos e no se identifica com espiritualismo, muito menos com espiritismo.

    Uma e muitas espiritualidades

    Todas as religies tm sua espiritualidade e mstica. O pensador francs H. Bergson dizia que uma religio sem mstica no passa de ideologia. Aqui nos limitaremos ao cristianismo.

    Se o Esprito de Deus um, num primeiro momento, podemos dizer que s h uma espiritualidade. Todos na Igreja so chamados santidade, embora esta se exprima de vrios modos (LG 5,39). Cristo pregou o mesmo Evangelho a todos, enviou o mesmo Espri-to Santo. Todos so chamados ao seguimento de Cristo, orao, aos sacramentos, caridade.

    16 Urbano Zilles

    Mas, sendo uma, a espiritualidade tambm mltipla, segundo a condio do sujeito, segundo seu carisma, os dons da natureza e da graa, a vocao de cada um. O conclio Vaticano II fala dos "vrios gneros e ocupaes de vida": os pastores, os presbteros, os clrigos, os esposos, pessoas vivas ou celibatrias etc. (LG, V, 41). Reconhece lugar importante, na Igreja, s almas consagradas pela Perfeio dos Conselhos Evanglicos. Mas o critrio de santi-dade o mesmo para todos: a caridade.

    A espiritualidade no um estado, mas uma forma de viver a f crist a partir de um impulso da graa para participar da vida divina na peregrinao terrestre, pois a consumao s ter lugar quando Deus ser tudo em todos (lCor 15, 28). A vida nova do homem exige algo mais que uma descomprometida adeso intelectual a Deus. Requer uma adeso de todo seu ser, uma entrega total a Deus. O Evangelho possibilita uma transformao atravs da renncia, obedincia at a morte na cruz, ressurreio e elevao, esvaziando-se de si mesmo e enchendo-se de Jesus Cristo. Por outro lado, a vi-vncia do evangelho pressupe um equilbrio emocional das pes-soas e no elimina a responsabilidade perante a razo. A imerso na gua do batismo simboliza a ao da morte e sepultura com Cristo e a emerso simboliza a ressurreio e a vida nova.

    A transformao crist no se realiza maneira dos esticos atravs de uma ao solitria para conquistar a santidade atravs do prprio esforo. No batismo e na crisma recebemos a seiva do Esp-rito de Cristo e de sua graa. O Esprito Santo, habitando em ns, concede-nos as inclinaes e disposies para seguir Jesus Cristo. Independentemente das formas e variedades dos meios propostos pelas diferentes escolas de espiritualidade, o objetivo nico e inva-rivel a unio com Deus j aqui na terra como preparao unio definitiva no alm.

    Para evitar um palavrrio vazio sobre espiritualidade crist, pois esta pode tanto evocar e proteger uma presena misteriosa e indefinvel como desviar nossa ateno dessa presena, cabe per-guntar: Como viver em Cristo e no Esprito, sendo Cristo, para ns, o caminho, a verdade e a vida? (Jo 14, 6). A existncia visvel, por maior que seja sua fascinao, temporal e provisria enquanto a existncia no Esprito e em Cristo, embora oculta, eterna (2Cor 4,

    Espiritualidade crist 17

  • 18). Atravs de que sinais, de que critrios, o cristo pode sentir-se seguro da presena nele da Santssima Trindade, que transcende to-da investigao sensvel e inacessvel inteligncia humana imer-sa na matria? Como o cristo pode avaliar, ainda que de maneira aproximada, suas atividades passadas e assim garantir uma melhor orientao para seu futuro? O certo que a espiritualidade, reduzida a uma sedimentao em conceitos e em doutrina, pode permanecer alheia verdadeira vida. A verdadeira vida no se descreve, expe-rimenta-se, vive-se.

    Atravs da histria da Igreja apareceram vrias escolas de espi-ritualidade. No essencial coincidem, pois propem o seguimento a Cristo. Entretanto se distinguem nos meios especiais e modos de santificao. Assim os cristos, no incio de nossa era, tinham o de-sejo de imitar Cristo no martrio. Acabadas as perseguies, o novo ideal passa a ser o ascetismo e a virgindade. Claro, por exageros e falta de orientao houve desvios e erros.

    Na idade patrstica, a mstica crist caracterizada pela con-juno de uma concepo teolgico-ontolgica e psicolgico-experimental. Caso tpico "mstica do lagos". Encontramo-la em Orgenes. A vida asctica, com a finalidade de conseguir a indife-rena s paixes, vista como condio indispensvel para a con-templao mstica e a unio com Deus. O centro da mstica crist, nesta poca, a humanidade de Cristo. Acentua-se, por vezes, a in-cognoscibilidade de Deus, como ocorre em Gregrio Nisseno e no Pseudo-Dionsio, e, por conseqncia, a obscura viso mstica (teo-logia negativa).

    Logo depois surgiu o monaquismo que se caracterizou pela fu-ga do mundo e pela vida contemplativa, seja na vida solitria dos anacoretas ou na forma de vida comunitria dos cenobitas. Assim, surgem os beneditinos, cuja espiritualidade est resumida no ora et labora. Da ordem beneditina, na Idade Mdia, originaram-se varias escolas como Cluny, Claraval e outros ramos. Trata-se de uma espi-ritualidade apoiada em trs princpios: trabalho, leitura e orao.

    Na Idade Mdia registra-se um paulatino regresso da viso teo-lgica em favor de uma mais psicolgica. Acentua-se sempre mais o elemento afetivo sobre o intelectual. A mstica afetiva do matri-mnio espiritual, da paixo e a do Corao de Jesus vividas por

    18 Urbano Zilles

    Bernardo de Claraval, Francisco de Assis, Catarina de Sena expres-sam uma riqueza da vida mstica medieval. Mas o carter eclesial empalidece sempre mais. A mstica toma-se uma ocupao de pou-cos privilegiados. s vezes difcil distinguir a verdadeira mstica da simples afetividade. A falta de preparao teolgica, no raro, conduz a um desenfreado sentimentalismo.

    So Francisco de Assis foi um apaixonado de Cristo e de sua humanidade, adotando o "evangelho sem glosa", o desprendimento das criaturas pela dama "pobreza". So Domingos descobriu o car-ter dinmico da Verdade que tinha que ser vivida e anunciada. As alturas do Carmelo ofereciam alma separada do mundo a perfeita contemplao de Deus sob o olhar de Maria: S. Joo da Cruz, Santa Teresa. Santo Incio de Loyola, sintetizando escolas anteriores, le-vado pelo lema "para a maior glria de Deus", cria a mstica do servio Igreja, fundando a ordem dos jesutas, formada por ho-mens temperados na asctica dos Exerccios (retiro). Mas a espiri-tualidade de cada escola transcende as mesmas, encontrando seus adeptos entre os leigos.

    Na Idade Moderna, Teresa d' vila aperfeioou a descrio psi-colgica da experincia mstica. Distingue sete "moradas" ou de-graus da subida mstica, dos quais os trs primeiros servem de pre-parao experincia de Deus que se desenvolve nos quatro se-guintes. Caminho semelhante segue So Joo da Cruz, com base mais teolgica.

    Espiritualidade e mstica

    O vocbulo mstico aparece no sculo V a.C. (squilo, Sfo-cles, Herdoto) significando algo concernente aos mistrios. No platonismo e no gnosticismo deixou de se referir relao cultuai com a divindade para significar o fundamento divino do ser do mundo, escondido e velado nos ritos, nos mitos e nos smbolos, acessvel somente a quem capaz de um tal tipo de conhecimento.

    No sculo V d.C., o telogo cristo Pseudo-Dionsio usa a pa-lavra teologia mstica no sentido de doutrina da subida aos degraus mais altos da experincia de Deus e da ntima unio com Ele. O

    Espiritualidade crist 19

  • termo relaciona-se com o mistrio, indicando um movimento para um "objeto" que est alm dos limites da experincia emprica. A mstica crist relaciona-se com o "mistrio" de Cristo.

    Para os padres gregos, a partir do sculo IV, a perfeio crist parece coincidir com a theoria ou contemplao. Segundo Plato (Rep. IV, 532c) esta v "aquilo que de mais alto existe nos seres", a "beleza divina", e nisto est o puro inteligvel. Desta maneira, os contemplativos cristos encontram-se diante do difcil problema: a experincia de Deus deve ser posta unicamente no plano intelectual ou se deve, ao invs, postular um contato direto com Ele, fora de toda mediao, seja ela conceito ou imagem. Mas a realidade "espi-ritual" no se pode identificar com a realidade "intelectual" dos gregos, pois mstica.

    H diferena entre espiritualidade e mstica, mas muitas vezes os dois termos so usados como sinnimos. Usa-se o termo mstica para designar a experincia ntima de uma realidade transcendente, a vivncia de ideologias fortemente arraigadas e absorventes ou, no que nos interessa, a comunho com Deus que o homem julga con-seguir mediante seu esforo (prtica generalizada entre as religies orientais) ou por condescendncia de Deus (concepo judaico-crist). Segundo os prprios msticos, a experincia mstica tem ca-rter repentino e breve do instante necessrio para esta experincia. Tal pode ser um xtase, uma sada ou perda de si mesmo, uma ir-rupo repentina do Absoluto. No se trata de um privilgio de poucos eleitos, mas de um aspecto e de um fruto da f e do amor-divino, dado por Deus. A causa imediata da experincia mstica de f o Esprito Santo. Seus carismas permitem-nos experimentar o amor de Deus e de Cristo como uma luz, inaugurando uma nova esperana, garantindo um novo modo de existir. Os dons do esprito so concedidos a cada um. Ningum recebe todos, mas cada um re-cebe alguns. a diversidade de dons que enriquece a vida em co-munidade.

    Em 1910 o grande escritor francs Peguy declarou: "Tudo co-mea pela mstica e termina na poltica" (Notre Jeunesse). O msti-co parece ver e perceber o que os demais no vem nem percebem.

    Os termos mstico, mistificao, misticismo e mstica cedo fo-ram despojados de sua raiz religiosa. A mstica existe antes e fora

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    do cristianismo. A palavra mstica, entretanto, no se encontra na Sagrada Escritura. H, por isso, nu Ocidente, toda uma Teologia mstica desvinculada da revelao, que uma teoria filosfica ou psicolgico-religiosa na qual se descrevem as etapas necessrias pa-ra chegar a certa unio com Deus. Mas quem este Deus? O orga-nizador do mundo, o demiurgo ou o Deus de Abrao, de Isaac e de Jac?

    O que a revelao crist nos d a conhecer de Deus e do ho-mem muito distinto do que nos apresentam Plato e Aristteles. Acaso algum amou o deus de Aristteles ou rezou a ele?

    Certamente na Sagrada Escritura, embora no ocorra a palavra mstica, h um impulso mstico que arrasta o povo de Deus. Mas es-te Deus no se parece com nenhum outro. Israel sabe isso, sente is-so, pois nenhum deus lhe to prximo nem to forte como o Deus de Israel. Os profetas de Israel, comeando por Moiss, foram sur-preendidos pela irrupo de Deus em sua vida.

    A presena de Deus est cercada, nos profetas de Israel, de uma obscuridade impenetrvel. Os profetas no encontram linguagem para expressar o inefvel de sua experincia de Deus. Moiss decla-ra: "Pobre de mim, Senhor! Nunca fui bom orador, nem antes, nem agora que falas a teu servo. A minha pronncia e a minha fala so pesadas" (Ex 4, 10). Jeremias clama: "Senhor Jav, no sei falar, pois sou um menino" (Jer 1, 6). Cristo resume os grandes profetas em sua pessoa.

    Para os cristos, os msticos autnticos so os que vivem de Deus pela f e a graa. Cristo a manifestao visvel e palpvel do amor do Pai aos homens. Por isso diz: "Quem me ama, ser amado pelo Pai e eu o amarei e a ele manifestar-me-ei" (Jo 14, 21). No amor de Cristo estamos em comunho com Ele. A mstica crist a experincia do amor de Cristo crucificado e ressuscitado que supera todo o conhecimento, pois a experincia do imenso amor do Pai. So Paulo considera a experincia da f caracterstica da mstica crist, pois inclui fundamentalmente a unio com Cristo, que entre-gou sua vida por amor. Limitar o objeto da mstica aos fenmenos extraordinrios inadmissvel, pois o conhecimento de Deus e a comunho com Ele no mais elevado grau no necessitam dessas manifestaes. A mstica de S. Paulo tem sua raiz sacramental no

    Espiritualidade crist 21

  • batismo (Rm 6, 3-11) e na Eucaristia. Tem seu carter social, a sua orientao para o "Corpo de Cristo", isto , para a comunidade dos irmos.

    Concluso

    As afirmaes bblicas sobre a experincia de Deus e de Cristo, que chamamos msticas, evoluram na histria da piedade crist nos seus diversos elementos. Esta evoluo , at certo ponto, um refle-xo das concepes teolgico-filosficas de uma determinada poca.

    A nova imagem do homem impede-nos de reduzir espirituali-dade interiorizao. A indissociabilidade de querer (vontade) e saber (cincia) humanos com fatores pr-pessoais e sociais leva-nos a desconfiar de dados puramente interiores. A tendncia moderna da objetividade dever indicar-nos o caminho para a realidade da revelao.

    No podemos ignorar, outrossim, a nova imagem de cosmo. Cada vez mais a tarefa do homem se desloca do conhecimento para a transformao do mundo. A viso de um Teilhard de Chardin do encontro com Deus na ao parece distante do tema tradicional da contemplatio x actio.

    Tambm a imagem da sociedade mudou. A vinculao da cons-cincia religiosa individual sociedade manifesta-se no dilogo com o marxismo e postula o retorno ao tema bblico do engajamen-to social da f crist. Hoje a tradio judaico-crist est em confron-to ou dilogo com outras tradies.

    Espiritualidade e mstica so caminhos para Cristo. No so metas, mas meios de perfeio crist com diferentes mtodos de vi-da. Todas as diferentes escolas de espiritualidade e mstica crists concordam no essencial, reconhecendo Cristo como Mestre. Distin-guem-se pela acentuao de uma ou de outra faceta no seguimento a Cristo em relao qual so iluminados os demais aspectos da vi-da crist.

    Espiritualidade e mstica proporcionam sentido transcendente vida passageira. Deus , antes de mais nada, este sentido. Com isso espiritualidade e mstica fazem bem no s vida da mente mas tambm do corpo, garantindo equilbrio existencial ao homem.

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    O conceito de pessoa -da Trindade modernidade

    Evilzio Francisco Borges Teixeira

    No devemos nos contentar com um Deus pensado Porque quando a razo nos abandona, nos abandona tambm Deus. (Mestre Eckart)

    Quanto mais profundo o pensamento do homem mais terno tambm o seu sentimento. (Nietzsche)

    O ser humano assemelha-se a uma Mesopotmia. Um dos rios a emocionalidade, a capacidade de permitir seus sentimentos, de vivenci-los, de experiment-los como correnteza caudalosa sui generis e deixar-se le-var por ela ... Sabemos que emoes nos do profun-didade e altura, mas que tambm nos podem trans-bordar e aprisionar. Mas tambm h o rio da raciona-lidade, da razo, da ordem, ou pode criar clareza, vi-so de conjunto e prudncia. Ambos os rios so de importncia, ambos so necessrios, e s quem ousa revigorar-se em ambos pode viver em equilbrio. (Halkes)

    Um pouco de histria

    O conceito de pessoa possui uma construo estratificada e plu-ralista. Este conceito aparece atravs do encontro de trs grandes

    O conceito de pessoa- da Trindade modernidade 23

  • culturas: aquela hebraica, aquela grega e aquela crist. Porm, se seguirmos o desenvolvimento da concepo de pessoa, ao lado da-quela trinitria, no esforo de explicitar adequadamente o mistrio trinitrio, veremos que o mais determinante contributo foi dado pela f crist. A palavra pessoa, do latim, persona e do grego, prsopon, inicialmente, recorda em sua origem os disfarces teatrais. impor-tante, porm, sublinhar, que o significado originrio e fundamental do Grego prsopon, assim como o equivalente latino persona no aquele de mscara - como foi freqentemente sustentado - mas significa aquilo que aparece debaixo dos olhos, que se pode ver. Palavras como: rosto, face, figura visvel do homem; somente em um sentido sucessivamente derivado indica o papel que um ator in-terpreta, ou mesmo a personalidade que ele representa.

    Pessoa um termo muito genrico. Apesar da distncia que existe entre Deus e todo o mortal, o termo persona no aplicado somente a Deus, mas tambm ao homem, no obstante a distncia que medeia entre a realidade da pessoa divina e humana.

    Agostinho, por exemplo, aceita o conceito de pessoa enquanto consagrado pela tradio, mas no se mostra to entusiasta em rela-o ao conceito de persona como termo trinitrio, j que para Ele o termo persona no implica alguma relao. "Persona deveria ex-primir isto que distingue Pai, Filho e Esprito Santo, o que somen-te relativo, que diz respeito somente relao recproca. Persona, ao contrrio, um conceito que parece absoluto". Os trs esto em relao enquanto Pai, Filho e Dom, porm, no enquanto "pessoas". Agostinho na verdade no pode ir alm. Viu que o plural em Deus vinha das relaes, porm o conceito de pessoa para ele um abso-luto. Desta aporia no pode sair.

    Como mostra Trap, em sua introduo ao De Trinitate: "A de-finio de pessoa amadurecer mais tarde como fruto das contro-vrsias cristolgicas: esta definio ser dada por Bocio e So Toms no Ocidente e Lencio de Biznsio no Oriente".

    Em outros termos Agostinho identifica a pessoa com o eu, in-troduzindo uma novidade revolucionria na filosofia ocidental. Neste sentido subjetivo, o significado de persona corresponderia melhor ao nico Deus. Na nica divindade no existem trs eus, mas modos de ser Deus, como Pai que sem princpio, como Filho

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    que deriva do ser do Pai, como Esprito Santo que procede tanto do Pai que do Filho. Deste modo Agostinho descobriu o conhecimento de si, a autoconscincia em toda a sua radicalidade. Esta concepo agostiniana do conceito de pessoa seguir pela estrada que conduzi-r subjetividade moderna. Pode-se perguntar, como ltima conse-qncia, tal concepo no conduz concepo de um Deus nico que se pensa e se ama? Utilizando uma expresso de Du Roy "comme un grand goiste" ou um "grand clibataire". A Sagrada Escritura, porm, no autoriza tal concepo. Agostinho um gran-de defensor da dimenso unitria da divindade. Sua reflexo vai, sobretudo, escrita na linha que evidencia a unidade de Deus. Isto no significa, porm, que o Bispo de Hipona no tenha levado em conta a dimenso relativa do conceito de pessoa. Para Greshake tal pensamento, segundo o qual a unidade de Deus reside na substncia divina, isto que em Deus distinto - em virtude das diversas pro-cessiones - vem entendido como relao, e de fato conduziu a uma concepo relaciona! de pessoa. Em base qual Deus mesmo um complexo relaciona!- em modo menos abstrato- um ser e uma vi-da caracterizada pelas relaes entre as pessoas, isto e communio.

    O pensamento medieval

    O pensamento cristo medieval se v envolvido na tarefa de aprofundar a doutrina trinitria. Diante da reserva de Agostinho com relao ao conceito de pessoa aplicado Trindade. Partia-se da unidade de Deus, e a partir desta se conclua a pluralidade. Na ten-tativa de compreender a pluralidade permanecia-se fortemente pre-so ao conceito agostiniano de relacionalidade de Trs que ao mes-mo tempo eram distintos em Deus, permanecendo assim inadequa-do o conceito de pessoa. O magistrio da Igreja no que se refere doutrina trinitria acentua a relacionalidade dos Trs, ao passo que o trabalho teolgico conceptual e cientfico prioriza a unidade espe-cfica e individual das trs Pessoas da Trindade. Entre os telogos medievais, Bocio coloca-se dentro desta perspectiva ao afirmar a pessoa como uma substncia individual de natureza racional: "Per-sana est naturae rationalis individua substantia". A partir deste con-ceito Bocio chega ao resultado que a pessoa no outra coisa que

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  • a individualidade de uma natureza racional, ou seja, a pessoa seca-racteriza pela sua autonomia. Para Bocio, utilizando uma expres-so de Auer: "A pessoa vem concebida a partir da autocompreenso social do patrcio romano, que se sente seguro da prpria indepf
  • indivduo. O "eu" como centro e ponto de partida e da cristalizao do conhecimento terico da realidade. Ou seja, o sujeito se auto-dermina no que diz respeito relao de dependncia com os ou-tros. O conceito moderno de sujeito (enquanto indivduo autno-mo), na verdade, liquida com o conceito de pessoa. Na medida em que tal concepo esconde a relao constitutiva da pessoa. Dito de outro modo - o conceito moderno de sujeito concebido de manei-ra no-trinitria, ou pior ainda, antitrinitria.

    Este modo de pensar inicia, sobretudo, com o pensamento no-minalista de Duns Scotus. Uma das intenes primrias do nomina-lismo aquela de determinar a absoluta liberdade de Deus, ou seja, Deus como um sujeito de vontade. Isto quer dizer que Deus dentro do nominalismo pensado primeiramente no como o supremo e ltimo princpio do ser da realidade, fundamento da ordem de tudo quanto criado, mas como pessoa radicalmente soberana e livre. No nominalismo Deus aparece como sujeito que no se pode alcan-ar porque se desprende substancialmente a tudo que objetiva-mente dado, ou seja, a qualquer objetivao. No vinculado e, por-tanto, em si subsistente, solitrio.

    Esta nova imagem de Deus vinculada ao nominalismo vai cor-responder a um novo julgamento de homem, segundo o qual ima-gem e semelhana de Deus, se compreende enquanto sujeito de vontade, quase divino. Assim como existem muitos sujeitos, assim tambm h muitas vontades que disputam entre si o poder e com os elementos dados da realidade no humana. de modo especial a partir da filosofia do Renascimento - com matriz nominalista - que se reflete a parte "terica" do homem, a sua mens. A mens humana compreendida como a medida de tudo o resto que existe no mun-do e como a medida do prprio homem. O mundo vem entendido como o mundo do homem que se coloca no centro. Dentro dessa perspectiva se coloca o pensamento de Ren Descartes que uma espcie de um reflexo da imagem nominalista de Deus. Para Des-cartes, o homem enquanto res cogitans, enquanto sujeito livre se coloca de fronte ao mundo - a tudo o resto - que res extensa, ob-jetos organizados unicamente por estruturas matemticas.

    No Discurso sobre o Mtodo e nas Meditaes, Descartes dis-tingue duas espcies de entidades: a matria e a alma. A essncia da

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    matria a sua extenso espacial; a essncia da alma a cogitatio. Toda a substncia possui um atributo principal, aquele da alma o pensamento, assim como aquele do corpo a extenso. No fim do sculo XVII a cincia ocupa-se com a natureza materialista e a filo-sofia com os espritos dotados de razo.

    A filosofia moderna permeada de subjetivismos em contrapo-sio do objetivismo dos antigos. Com Descartes, Discurso sobre o mtodo, o sujeito sempre vem recordado na primeira pessoa. o sujeito que percebe a experincia. O mundo antigo se baseia sobre o drama do universo enquanto que o mundo moderno se debrua so-bre o drama interior da alma. O objetivismo do Medievo e da anti-guidade passou para a cincia. O efeito deste antagonismo com re-lao filosofia foi igualmente nefasto tanto para a filosofia quanto para a cincia. A filosofia, rejeitada pela cincia, se retirou numa esfera subjetiva, enquanto que a cincia volta-se exclusivamente para o campo objetivista da matria.

    No que se refere ao campo da religio: durante os primeiros tempos da Igreja crist, o interesse teolgico se concentrava sobre a discusso da natureza de Deus, o significado da Encarnao e sobre as previses apocalpticas do fim do mundo. Com a reforma a po-lmica diz respeito sobre as experincias individuais dos crentes sobre a justificao. A grande questo de Lutero : como posso ser justificado? Enquanto que a pergunta dos filsofos consiste em co-mo tenho o saber? O acento cai sobre o sujeito da experincia. Du-rante sculos insistiu-se sobre o valor infinito da alma humana indi-vidual. Assim, o egosmo instintivo dos desejos fsicos. Acrescente-se ainda uma tendncia instintiva de justificar o egosmo intelec-tual. Cada ser humano o defensor natural da sua pessoal impor-tncia.

    Dentro de uma perspectiva da poca importante salientar trs elementos importantes: um elemento importante aquilo que diz respeito ao sujeito que se constitui- enquanto consciente de si- no interesse da prpria autonomia e liberdade frente a tudo o resto. Ou-tro aspecto que este "outro" do mundo se pode obter e conquistar. Aqui se coloca o pthos das cincias naturais - graas descoberta de seu complexo ordenadamente atemporal e de caracterstica ma-temtico-geomtrico. Por ltimo, muda o modo tradicional de pen-

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  • sa~ o s~r. que partia da diferenciada unidade de todo o real. o pr-pno SUJeito torna-se o princpio da unidade, instncia transcenden-tal de constit~io do mundo das coisas e o critrio segundo 0 qual deve ser medida a sua verdade. A construo do mundo a partir do eu torna-se o princpio unificador da idade moderna.

    ~ conseqncia desse modo de pensar que o mundo perde de per SI uma forma espiritual percebvel. O mundo torna-se uma es-pcie de cova de pedra, caracterizado por circunstncias mecnico-causais, a partir das quais o sujeito autnomo e livre cria o prprio mundo. Temos ento o homo faber que se constitui como patro do ~undo e de si mesmo, graas a sua razo analtica e criativa. Aquela relao entre o eu e o outro (Deus e o mundo ou os outros

    homens) que essencial para a compreenso tradicional de pessoa, se quebra".

    O sujeito vem concebido sob o imperativo da liberdade indivi-dual e autnoma, autodeterminao e auto-realizao. Como bem expressa Habermas a "fantasia de onipotncia do sujeito" que sere-

    v~ste ~e autonomia mostra o quanto este seja cerrado na prpria li-mitaao. A concepo moderna de pessoa se caracteriza essencial-mente pela autonomia do sujeito enquanto dispor-se de si mesmo. No que, diz respeito a este modo unilateral de conceber a pessoa exercera uma grande reserva na teologia que se v em dificuldade

    e~ explicit~ uma abordagem trinitria de Deus J que torna difcil evitar o pengo de uma concepo tritesta de Deus. Em sentido mo-?~rno no se podem conceber trs pessoas em Deus. Visto que 0 su-Jeito moderno se compreende no somente como nico e original, mas tambm como individual, ou ainda como solitrio. Deus mes-mo vem entendido como supremo sujeito absoluto e, portanto co-mo o arqutipo e o fundamento da autoconscincia e da liberdade human~. Na interpretao de Moltmann, Deus pensado como sujei-t? mumd? de razo perfeita e livre vontade o prottipo do homem hvre, racwnal e soberano, que dispe de si mesmo. Por este motivo este conceito de Deus modulado no mundo burgus do sculo XIX e XX como personalidade absoluta, ou ainda, como Deus pes-soal. O ponto de partida deste conceito moderno de Deus era e con-tinua sendo a compreenso do homem enquanto sujeito marcado pela subjetividade de cada conhecimento e relao.

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    Recuperar a importncia do outro

    A filosofia idealista, de modo especial, em Fichte e Hegel, evi-denciou a importncia do outro na constituio do sujeito. A liber-dade vem apresentada como um estar presente a si no outro e graas ao outro. Por outro lado o outro permanecia um conceito ambiva-lente. Trata-se realmente do outro ou do outro de si. Se o sujeito se encontra na medida em que est presente a si mesmo no outro e este outro verdadeiramente o outro, de tal modo o sujeito em si mesmo torna-se um outro. De modo que no mais o sujeito a ser a reali-dade compreensiva, mas o processo da histria de sua mudana, mediante o qual o sujeito alcana o prprio si concreto.

    Uma concepo filosfica ps-idealista de pessoa no parte nem da determinao pr-moderna, que postula a pessoa enquanto substncia, tampouco da moderna que afirma a pessoa como sujeito auto-consciente. Este ltimo ponto de partida de um certo modo vem sempre ameaado de um solipsismo transcendental no qual o peso sobre um Eu originrio que no acompanha tambm um Tu originrio me deixa no fundo sem partner. Uma espcie de egocen-trismo sublime que reduz o outro nos binrios da prpria realidade-eu, e ameaa realmente de afog-lo. Como bem observa Greshake embora a tese de fundo soe num sentido estritamente hegeliano, "eu sou graas ao outro", essa permanece de qualquer modo ambivalen-te, at que o outro no venha concebido como aquele que me vem ao encontro, mas somente como condio de mim mesmo. Ou mais ainda permanece um objeto ocasional da mia mesma estrutura do eu, seno uma espcie de inimigo concorrente, "outro" que aliena.

    Somente se o outro tambm se constitui como ponto de partida e participa de maneira substancial do prprio eu no sentido da cons-tituio do eu e do prprio mundo. E assim fazendo permanece com um estar "de fronte" autnomo, a hegemonia do eu coloca-se a ser-vio de uma comunialidade recproca, de comum autoconstituio. No somente o mito de Aristfanes no Banquete de Plato exprime a nostalgia do homem de fundir-se com um outro numa unidade in-distinta. E mesmo uma semelhante fuso seria o fim do amor, o fim do "mtuo reconhecimento, da consciente gratuidade e admirao" Quem quer ser do outro, no pode ser o outro. O eu no deve apri-sionar o tu ou mesmo o tu deixar-se aprisionar por esse. Ao contr-

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  • rio deve acolher, isto , aceitar o outro naquilo que d e como se d. Este dar e receber necessita, porm, de distncia ... Da dualidade do eu e do tu. O amor lcido ama a diferena.

    No se pode haver comunho sem uma opo por um decidido isolamento. Por esta razo afirmava Heidegger: "Somente moven-do-se de um isolamento decidido e neste o ser ai, Dasein, se toma realmente livre e aberto ao tu ... mas se funda sobre o autntico iso-lamento do singular, determinado pela presentificao compreendi-da como um momento". De um lado no se pode estar em comu-nho sem uma opo livre pelo isolamento, de outra parte existir ')unto com" dado primeiro, j que a relao vem antes que a pes-soa possua autonomia e alcance a autodeterminao; ou seja, a sin-gularidade, o ser si mesmo, vem mediado tambm pelo outro. Neste sentido se funda o dilogo com o tu que constitui o meu eu. Aqui est presente a convico de Martin Buber quando afirma: " no tu que a pessoa se toma um eu". Isto quer dizer que no a partir do cogito que o eu concebe a si mesmo e o prprio mundo, mas do co-gitar; do ser reconhecido pelo outro, ou melhor, de ser interpelado por este. O ns, portanto, no uma adio de pessoas j constitu-das, tampouco uma unidade que lhe supera sim uma unidade in-terpessoal, quer dizer, communio.

    A comunho no se limita a um eu isolado ou a um tu isolado, o ns se manifesta como uma grandeza complexa, a qual participa cada eu. O meu eu ao mesmo tempo a realidade mais individual e ao mesmo tempo mais universal. A prpria identidade no diz res-peito somente conscincia do eu, ou a autoconscincia, mas diz respeito tambm considerao que outros possuem de mim que pertencem minha identidade. O dilogo pessoal de um certo modo um colquio com alguma "coisa terceira". Eu falo com algum de alguma coisa, trabalho com algum em alguma coisa, me dirijo a algum por alguma coisa. E vice-versa, onde no h mais nada para dizer, termina qualquer encontro.

    Na relao de amor no amo somente o tu (e a mim mesmo), seno a comunho do tu e do eu. Pertence ao conceito de amor que se possa tambm amar uma "quase-pessoa", e que se deve am-la se si quer amar uma pessoa. Assim o cnjuge deve amar tambm o seu matrimnio, se quer amar de modo adequado o seu partner.

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    O que existe desde o princpio na verdade uma prioridade re-cproca. Enquanto ser contingente todos fazemos a experincia que no podemos refletir e fazer tudo ao mesmo tempo. Esta prioridade recproca diz respeito aos outros. J que no posso amar a mim mesmo, se antes no sou amado; no posso me deixar amar por ou-tras pessoas, se no sou primeiro algum que possa ser amado; tampouco posso amar o terceiro comum se antes o eu e o tu no se encontraram naquilo que lhes comum. Segundo Merleau-Ponty trata-se "de um agir comum, do qual nenhum de ns o iniciador". A verdade que tempos necessidade um do outro para existir. Exa-tamente pelo motivo da necessidade um do outro que tanto o um quanto o outro no so o ltimo motivo da existncia. Neste sentido porm, uma pergunta faz necessria: a partir da onde podemos exis-tir j que de fato somos e temos necessidade um do outro, e, no qual nos somos aquilo que somos? Este "de onde" permanece um mist-rio. Dentro de uma perspectiva teolgica a partir daqui ento que se pode falar de Deus. A partir dele todo ser humano: homem e mu-lher se recebem "inicialmente" de tal modo "como dom do homem ao homem". Como faz bem notar Greshake, sem Deus no se pode explicar o apriori transcendental do mtuo referimento do eu e do tu e o terceiro, tampouco a realizao factual, entendida enquanto realizao infinita daquela communio que aqui e a agora dada so-mente de maneira potencial e se realiza de modo fragmentrio. Nes-te contexto se poder falar do Deus trinitrio, cuja vida "trialgica" se representa no mundo humano pessoal e que na pluriformidade aparece a terceira relao, ou seja manifestao enquanto terceiro.

    Para Moltmann a Trindade deve ser entendida segundo a con-cepo neotestamentria do "estar de fronte" das trs Pessoas divi-nas e ao mesmo tempo da sua ntima comunho. Isto implica que: a doutrina trinitria dos trs sujeitos distintos deve proceder de tal histria. Do ponto de vista bblico o Pai, Filho e o Esprito Santo realmente sujeitos com vontade e intelecto, que falam entre si, se dirigem um ao outro com amor e junto so um. "[ ... ]. Eles no so um s, mas so uno (uma coisa s), verdadeiramente unidos, como vem expresso no plural ns. Somente assim haveria um carter pro-ttipo para a comunho dos homens na Igreja e na sociedade".

    O conceito de pessoa - da Trindade modernidade 33

  • A plenitude da vida est na qualidade de nossas relaes

    O Deus que se revela ao longo das Sagradas Escrituras, atravs da experincia histrica de um povo, no um Deus solitrio e fe-chado sobre si mesmo. O Deus bblico se revela como um Deus comunitrio e aberto relao. A esse mistrio de amor ns o cha-mamos de Trindade. Trindade a palavra usada para indicar que Deus, tal como se experimenta na f Crist, Pai, Filho e Esprito Santo.

    Deus seria solitrio caso no existisse a pluralidade de pessoas. "Porque a solido no se elimina por associao de algum de uma natureza estranha". No Gnesis se diz que o homem est em um grande jardim, e mesmo rodeado de plantas e animais, ainda assim encontra-se s. O ser humano enquanto criatura leva consigo a imagem do Deus tri-personal.

    O que a Pessoa? Pessoa isto que me distingue de todos o? outros. Que coisa distingue o Pai - o Filho - e Esprito Santo? E exatamente a sua relao. Portanto, Deus diz respeito pessoa e relao. Eu sou realmente enquanto relao com os outros. O ser de Deus na sua identidade mais profunda doao. A doao faz parte do ser mais profundo de Deus, relao esta que no quer dizer falta de algo mas sinnimo de "compaixo- amor".

    Aqui entra a espiritualidade enquanto capacidade de sentir compaixo. Toda autntica compaixo afeta a raiz mais profunda da pessoa enquanto ser espiritual. Freqentemente foi utilizado o ter-mo latino compassio no sentido de sofrer com. Melhor se fosse tra-duzido por experimentar com. Exegeticamente, compaixo significa que todas as entranhas se revolvem para sentir com todo o corpo a dor do outro. A compaixo, portanto, supe a identidade de todos os seres no fato de que a dor, no pertena exclusivamente aquele que padece, seno a todo o ser. Uma vez que tudo tem a ver com tudo e conseqentemente encontra unificao no corao de Deus.

    Na teologia crist fala-se do Esprito Santo, como amor que nos ensina por dentro, tornando-nos compassivos. Ainda sobre o Espri-to Santo vale a pena referir a conferncia de Upsala, em 1968, onde um metropolita oriental dizia no seu discurso inaugural: "O Esprito Santo a novidade atuando no mundo. Ele a presena de Deus conosco junto ao nosso esprito. Sem ele, Deus permanece distante,

    34 Evilzio Francisco Borges Teixeira

    Cristo permanece fixado no passado, o evangelho letra morta, a Igreja uma simples organizao, a autoridade uma dominao, a misso uma propaganda, o culto uma evocao e o agir cristo uma moral de escravos. Nele o cosmos se levanta e geme no parto do Reino, o homem luta contra a carne, Cristo Ressuscitado est a, o Evangelho potncia de vida, a Igreja significa a comunho trinit-ria, a autoridade servio libertador, a misso Pentecostes, a li-turgia memorial e antecipao, o agir deificao".

    A transcendncia e o transcendente constitui assim, a essncia do existncia humana. O essencial no a durao e sim a plenitude de sentido. Transcendncia enquanto sada de si mesmo, procurar o que fica na outra margem e, dessa forma, conseguir um encontro. A vida de todo o homem como um encontro, educao como um en-contro, vida da pessoa como esforo para o acesso ao inacessvel. Encontro com o mistrio

    Referncias

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    36 Evilzio Francisco Borges Teixeira

    Um estado de conscincia

    Juan Jos Mourio Mosquera

    Anoche, cuando dorma, Sofi, i bendita ilusin! Que una fontana flua Dentro de mi corazn. Di, l,POr qu acequia escondida, Agua, vienes hasta m. Manantial de nueva vida De donde nunca beb? 1

    A formao bsica dos pensamentos e atitudes dos seres humanos decorre evidentemente, de momentos histricos e situacionais.

    As probabilidades emergenciais de que os sentimentos possam influir so numerosas e esto marcadas pelo cunho pessoal, percep-es desenvolvidas no mundo e crenas partilhadas sobre a vida e sua continuidade.

    O problema da conscincia tem sido e continua sendo, farta-mente discutido nas Cincias Humanas, embora o homem esteja envolvido em constante vaivm perceptual e motivacional. O mun-do ntimo se enriquece atravs do valor e sentido que a pessoa d ao contedo do significado.

    Jourar (1974, p. 32) diz que a capacidade para a experincia do homem no mundo, se d atravs do enriquecimento e formas de avaliao desenvolvidas pela conscincia, proporcionando vida um sentido pessoal. Na medida em que a pessoa experimenta um

    1 In: MACHADO, Antonio. Poesas completas. 9. ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1962, p. 60.

    Um estado de conscincia 37

  • aprofundamento na sua conscincia, diminui sua insegurana mate-rial e toma-se mais radical na inquirio de si.

    necessrio, portanto, reconsiderar a nossa posio crtica no que diz respeito substncia da alma e espiritualidade. Certamente, no desenvolver histrico as crenas espirituais por estarem estereo-tipadas sofreram fortes abalos, talvez porque ao homem no lhe possvel abranger no seu esprito as verdadeiras categorias da razo. Jung (1968, p. 9) afirmava, com muita propriedade que, pensar de um modo diferente da corrente do momento, tem sempre carter clandestino e indecente e parece doentio ou blasfemo, conseqen-temente perigoso de maneira social para o indivduo.

    Na verdade apesar das muitas conquistas levadas a efeito no se descobriu ainda como funciona a conscincia e, muito menos, qual a matria bsica que a nutre.

    Por outro lado, a convico moderna que sustenta a primazia do fsico sobre o espiritual, nos coloca em ltima instncia ante uma psicologia sem alma, onde o psquico no pode ser seno um efeito bioqumica. Este estado nos mostra a profunda insegurana a qual temos chegado no que respeita ao hlito da vida e aos problemas extraordinrios do nosso destino e sorte.

    O homem contemporneo esqueltico, desprovido de espiri-tualidade, fortemente aferrado ao material e carente de toda e qual-quer situao de plena conscincia.

    Esta situao nos faz meditar profundamente a respeito das ilu-ses criadas marginalmente, a partir de aquilo que no se conhece ou que oferece perigo para o desenvolvimento e crescimento pes-soais.

    A marginalidade e misria humanas no so necessariamente gratuitas. Parece existir uma montagem desespiritualizante que tor-na o homem, cada vez mais, um joguete de foras econmicas, pol-ticas e sociais.

    A criatura no pode viver sem um vislumbre do seu criador. Mas quem este crisdor? Ser que na sua estpida vaidade o ho-mem pretende construir e destruir-se a si mesmo?

    Os estados de conscincia no so apenas iluses ou tentativas teolgicas, filosficas ou psicolgicas, so necessariamente as vir-tualidade e sentidos profundos que tomam a alma no marginal,

    38 Juan Jos Mouriiio Mosquera

    mas sim focal, onde o valor do sentimento se estrutura a partir da esperana. Podemos convir, entretanto, que na nossa poca a espe-rana e a virtude so fatores personalgicos extremamente pericli-tantes. Este homem despossudo tender, pois, agresso, fora e alienamento de si. No ocioso prever que desespiritualizao e negao da conscincia so lacras profundas que interrompem a as-censo do homem a valores supremos como pessoa e transcendente.

    Deste modo considerada a questo, pode-nos parecer intil o pensamento de que os malefcios residem apenas nas estruturas po-lticas ou sociais. Isto no verdadeiro. O malefcio est mais alm. Situa-se na csmica viso que o homem tem de seu destino e da si-tuao que lhe propiciada atravs de um desenvolvimento imper-feito e corrodo.

    A falta de valor pela existncia, massacre contnuo das convic-es, apodrecer dos verdadeiros direitos humanos, sofrimento e dor de inmeros seres neste momento histrico, bem evidenciam a im-perfeio do crescimento ou malcia e estultice dos falsos criadores de mitos e iluses.

    A existncia no fcil, pressupe um estado contnuo de emergncia, atravs do qual o homem vai superando as diferentes etapas do seu prprio construir-se. Esta construo s verdadeira, na medida em que o homem desenvolve uma viso ntida a respeito de si mesmo. Deste modo, a conscincia reflexiva. Ela supe an-tes de mais nada, a capacidade nica no s de perceber e recordar, mas imaginar um mundo que tem inmeras possibilidades, ao mes-mo tempo em que o homem um caminhante em praia inspita e sem limites.

    Por sua vez a conscincia toma a realidade mais significativa e profunda. Nos d significado do que fazemos e para o que fazemos. Por isto, a confirmao da nossa experincia acha-se no reconheci-mento daquilo que para nossa pessoa sadio, vlido e verdadeiro. Laing (1974, p. 23) diz que se formos despojados da experincia se-remos despojados dos nossos feitos. Os homens podem e destroem a humanidade de seus semelhantes. Da ser necessria.

    Laing (id., p. 22) afirma que o comportamento humano uma funo da experincia, agimos segundo nossa maneira de ver as coisas. Poderamos at dizer que a experincia constri a nossa vi-

    Um estado de conscincia 39

  • vncia significativa e nos oferece a dinmica de toda uma percep-o espiritual e social.

    O homem possui a capacidade de dividir ou unificar a sua conscincia. Esta unificao ou diviso mostra o quanto a cultura tem poder significativo ou age sobre a extrema marginalidade da pobreza humana, ao alterar o desenvolvimento da conscincia e re-duzi-la ao mnimo. Estas possibilidades so agudamente notrias na sociedade na qual vivemos.

    Temos vrias maneiras ou estados considerados normais de conscincia para desenvolver nossa pessoa e a dinmica significati-va da estrutura e energia pessoais. Naturalmente que o aspecto bsi-co da experincia a percepo.

    Perceber o mundo uma capacidade que nos abre de maneira multifacetria para o externo e interno. Nossos olhos no apenas re-cebem impresses, mas transmitem refraes que so resumidas pe-la luminosidade, espao e vibrao.

    A posio que ocupamos no universo um aspecto significante para poder entender as diferentes modalidades que a necessidade bsica humana procura atravs do significado. Quando nomeamos os objetos e lhes damos uma designao o fazemos por significa-es. Estas possibilitam a experincia do mundo o nos convidam a penetrar nos caminhos dos outros, pelos quais podemos achar, jus-tamente, os nossos caminhos.

    evidente que o ato de dar significado quando percebemos os seres e as coisas do mundo um ato de construo. Esta nos ofe-recida atravs dos padres que a cultura de forma manifesta nos co-loca e limita para poder estar na dinmica factual da nossa prpria vida. Parece que esta dinmica, curiosamente, impede desenvolvi-mentos maiores e melhores de penetrao em outros estados de conscincia, por isto necessrio que os conceitos, metforas e ana-logias no permaneam afastados do desenvolvimento cognitivo e emocional do homem.

    Grande parte do crescimento humano tem sido feito atravs de estereotipias e estas, infelizmente, tem condicionado um crescimen-to mais agudo e crtico.

    As lembranas, os pensamentos e a imaginao, so caminhos tambm para direcionar o homem no rduo sendeiro da procura da

    40 Juan Jos Mourifo Mosquera

    sua alma. Jung (1972, p. 105) colocou, de maneira genial, que o verdadeiro sentido da personalidade se encontra na medida em que a criatura acha o acesso para si mesma, para suas prprias e reais possibilidades.

    Ao eliminarmos as represses pessoais vai emergindo a indivi-dualidade e a psique coletiva fusionadas uma com a outra, liberan-do tambm as fantasias antes reprimidas. Segundo Jung, as fanta-sias e sonhos se apresentam desde agora com um aspecto diferente: o csmico que uma caracterstica inequvoca das imagens coleti-vas, das imagens onricas e fantasias que parecem ter relao com qualidades csmicas, da porque o infinito, o tempo e o espao, ad-quirem significados bastante profundos e misteriosos.

    Considera-se a conscincia como fonte do conhecimento hu-mano. Entretanto, esta se manifesta em diversos nveis de clareza e se dirige aos sentidos. Devemos, pois, entender que aquilo que a cultura materializada-industrial do sculo do sculo XX entende por conscincia nada mais que um estado de imperfeio desenvolvi-do na iluso do mecanicismo e do imediato material.

    O apelo feito aos sentidos, a visualizao extremada da cultura, a negatividade meditao, o experimentalismo exagerado, o pragmatismo acirrado, so condies ntidas de bombardeamento da conscincia humana e a sua reduo a nveis muito baixos de expectativa e valor.

    Uma cultura no se constri apenas com obras palpveis ou com grandes planos de industrializao. Simplesmente o dilema ca-pital versus trabalho tem nublado o panorama crtico do homem a respeito de sua prpria conscincia. Claro est que no se pretende entender conscincia em um simples e limitado sentido pseudo-religioso, mas a conscincia aqui entendida como participao csmica do plano de desenvolvimento do ser humano atravs da sua interioridade e no simplesmente exterioridade.

    Quando em um mundo como o nosso as formas agressivas se manifestam de maneira to patolgica de se prever que os estados de conscincia esto em nveis extremamente baixos. Isto porque a desconsiderao do mundo pessoal dos outros, a destruio siste-mtica de valores potenciais e o crime agudo atravs do bombar-deio ao ntimo, representam fatores dos mais sutis de domnio im-

    Um estado de conscincia 41

  • perativo das sociedades tecnolgicas de fins do sculo XX e princ-pios do sculo XXI, sem que se encontrem temas doutrinrios o su-ficientemente slidos, para justificar as suas inconcebveis e lamen-tveis mortandades contra a conscincia humana.

    Entretanto, apesar do seu brilho, as sociedades modernas, no puderam eliminar o problema da conscincia, e mascaradas atravs da luta contra a pobreza, misria, desigualdade, preconceitos e di-reitos humanos, se declara de maneira concreta que a conscincia est viva e palpitante embora o uso que se faa dela esdrxulo

    Nem o materialismo teve coragem para eliminar o incmodo problema da conscincia e ela reaparece atravs das reivindicaes sociais, embora envolvida nos problemas dos bens e consumo.

    Arnold (1975, p. 139) refere que Kierkegaard definiu a pessoa como um perder-se a si mesma na existncia, fato que fundamen-talmente alheio ao prprio animal. A rigor, a pessoa possui a capa-cidade da sua imagem, conscincia da sua linguagem e o que mais importante, capacidade de desespero, destacando a sua brevidade no mundo e o seu sentido como valor e experincia.

    Concordamos que no podemos reduzir os estados pessoais a simples frmulas. A conceitualizao do homem perigosa dif-cil, pois ao conceitualizarmos estamos reduzindo a dinmica huma-na e limitando o poder da conscincia.

    A explicao de que o homem tem um retorno que lhe pertence se constitui em uma tarefa significativa e importante. Na medida em que afastado deste poder de retorno sobre si e da contnua autoca-pacidade de se investigar, nos faz entender eu somente aqui o ho-mem estabelece uma relao de significado que o leva a desenvol-ver um mundo que no cpia nem reproduo do exterior a ele.

    Parece falacioso considerar a criatura humana apenas como um feixe de aprendizagens, no se nega o valor das aprendizagens e grande parte do nosso comportamento uma forma contnua de aprender. Entretanto, o que mais importa a qualidade da aprendi-zagem e o significado profundo que esta pode ter para o sujeito na construo do seu lar pessoal.

    A conscincia representa pois, aquilo que se poderia denominar de coisas-telhado isto , um refgio para a prpria segurana do homem e sua capacidade interior.

    42 Juan Jos Mourifio Mosquera

    Tart (1975a, p. 4-7) manifesta a importncia da conscincia no como algo dado de forma natural, mas como uma complexa cons-truo que o ser humano desenvolve a partir do seu ntimo, atravs do contato com as suas experincias na vida. E a conscincia, pois, representa uma forma de compreender tudo aquilo que nos faz es-pecialmente significativos no caminho da existncia.

    opinio quase unnime que as nossas conceituaes ociden-tais de conscincia esto em estado rudimentar. Ring ( 1978, p. 55-88) diz que uma das tarefas mais urgentes a serem realizadas pelos estudiosos do ser humano, est na construo de um mapa da cons-cincia. E o autor prope mapa concntrico que abrange desde a conscincia de viglia at o vcuo, passando pelo pr-consciente, inconsciente dinmico, inconsciente ontogentico, inconsciente transindividual, inconsciente filogentico, inconsciente extraterre-no, superinconsciente, terminando pelo vcuo.

    Estes diferentes estados nos mostram a necessidade de um ca-minho de penetrao e desenvolvimento. Se nos primeiros momen-tos a conscincia de viglia nos mantm alerta para com a vida, ela pode cristalizar-se e tornar a pessoa pobre e desprovida da capaci-dade de ir alm e desenvolver aquilo que se denomina fora do tem-po e do espao, sem as polaridades do bem e do mal, da luz e das sombras, da agonia e do xtase.

    de se perguntar, se a normalidade to desejada pela nossa cul-tura no contribui para um desenvolvimento patolgico da cons-cincia. At que ponto a pessoa idealmente adaptada no est per-turbando sua estabilidade emocional e vivencial? De que maneira podemos ter segurana de que o homem normalizado e domesticado no espcime mais doente que j foi produzido?

    Ser que a nossa civilizao no est a mostrar que a desejada normalidade no nada mais que uma patologia extremada?

    Alguns exemplos podem ser dados. As pessoas de bem trans-formam-se em verdadeiras feras no anonimato e ante veculos mo-torizados; as instituies criadas para o bem comum so cada vez mais annimas e multinacionais, evitando a possibilidade de um re-conhecimento imediato daqueles que as esto dirigindo e coman-dando outros seres humanos. As crenas na verdade e liberdade humanas nunca foram to enfatizadas e curiosamente, nunca to es-

    Um estado de conscincia 43

  • pezinhadas e destrudas. A patologia se evidencia atravs dos slo-gans, das humilhaes, desconhecimento e destruio continuada e macia.

    Assagioli (1978, p. 111-126) afirma que o critrio comum de normalidade geralmente representado pelo homem tpico que ob-serva as convenes sociais do ambiente em que vive e na verdade conformista. Por isto, parece que a tal normalidade de conscincia prope um tdio insuportvel e uma esterilidade mental que levam a conseqncias imprevisveis.

    Grande parte do mito da doena humana, salientado de maneira brilhante por Szasz (1978, p. 194) est fundamentado em conceitos infelizmente no comprovados. Citando Jaspers:

    Na doena fsica, assemelhamo-nos tanto aos animais que experimen-tos com estes ltimos podem ser usados para se chegar compreenso e ao conhecimento de funes vitais do corpo dos seres humanos, embora a aplicao possa no ser simples nem direta. Mas, o conceito de doena psquica humana introduz uma dimenso completamente nova. Neste caso, a imperfeio e vulnerabilidade dos seres humanos, assim como sua liberdade e infinitas possibilidades, constituem per se uma causa de doena. Em contraste com os animais, o homem carece de um padro inato e perfeito de adaptao. Ele tem que adquirir um modo de vida medida que avana nela.

    Perdeu-se a capacidade de sentir o gnio, o sbio, o santo, o he-ri e o iniciado. Talvez por isto, lamentavelmente sejam as perdas to melanclicas que a humanidade se encontra sem verdadeiros guias. Da porque a capacidade de introverso, aprofundamento no ntimo, elevao, despertar de novos horizontes, iluminao, forta-lecimento, amor compartilhado, peregrinagem, transmutao, re-nascimento, regenerao e libertao soem to falsas aos nossos ouvidos materiais e a nossa pauprrima capacidade de conscincia.

    medida que banalizamos nossa vida e a tornamos uma gigan-tesca mquina de operaes comerciais, estamos apelando fatal-mente para uma destruio, j marcada pelo descrdito e impotn-cia do homem contemporneo. Parece, pois, que alienao, que sig-nifica alheio a si mesmo, estranho para o outro, ou estar no alheio, a grande obra da mortalidade da conscincia. A gravidade consiste

    44 Juan Jos Mourifo Mosquera

    em que o homem alienado no aquilo que ele deveria ser, mas aquilo que os outros querem que ele seja.

    O grande problema est no mito da iluso de uma conscincia honesta marcada pela bondade e pelo cumprimento do dever, quan-do esta conscincia joguete dos interesses e desmandos de grupos humanos que no so o que deveriam ser, mas aquilo que infeliz-mente o banal, o medocre lhes dita, como fonte primeira da exis-tncia.

    A conscincia humana muito mais que um estar no mundo. Representa, segundo o caminho dos msticos espanhis do sculo XVI, citados por Tart (1975b, p. 414-419), uma via dolosa que le-va, entretanto, ao crescimento e emoo contidos e extravasados em um infinito mundo, nos mundos.

    primeiro passo a emancipao dos limites, um senso de per-cepo que ultrapassa ao simples processo intelectual, a compreen-so se aprofunda e gradual o entendimento do todo. Os limites agora, no so significativos, preparando-se para o segundo passo que a converso das criaturas no eterno. Pressupe isto que os conceitos e limites deixaram de existir e tudo emana de uma vida interior, extraordinria e perfeita.

    Se possvel, pois, em um terceiro passo penetrar mais a fundo de si mesmo e sentir que se faz parte de um todo que requer amor e considerao.

    O desprendimento de si e a consecuo da superioridade da chama do amor, descrita de maneira genial por San Juan de la Cruz quando sente que a conscincia torna-se agora um plano que leva converso da matria em profundo esprito, sendo este pois, o ponto bsico do desenvolvimento espiritual.

    Um incremento na delicadeza e na sutileza tornam ao homem mais sensvel para consigo mesmo e para com os outros. Sem dvi-da, a humanizao do homem o crescimento dominante da cons-cincia, o que representa o desenvolvimento da pessoa atravs da apreciao e transparncia.

    Os outros passos tm ntimo relacionamento, a liberao que significa sair do superficial para achar o mais significativo podero-so, e est em entender a anatomia do bem e a configurao da bele-

    Um estado de conscincia 45

  • za. A liberao leva unificao, sendo o homem um todo para procurar a purificao, a paz e finalmente o eterno.

    Todas estas possibilidades foram salientadas h sculos. Repre-sentam o homem no que tem de mais penetrante e agudo. As suas ambies no estavam necessariamente na conquista do externo, mas na penetrao do interno. Esta foi feita de maneira imperfeita galgando curiosamente o cosmos e permanecendo ano na sua inte-rioridade.

    A reflexo causa medo, impe pnico, traz uma tarefa suma-mente dolorosa para um homem marginal, caotizado e doente. A casa deste homem so os artefatos, os eletrodomsticos, as apare-lhagens sofisticadas; o seu lar o vazio ou melhor, dominado pelos males que se avolumam sobre a terra. Que iluses alimenta este homem? Quais so os seus problemas?

    Por que to barata a vida? E ao final a quem interessa uma conscincia? No ocioso o poema de Antonio Machado que ao dormir sonhava, oh iluso da vida, que uma fonte saa do seu cora-o e voltava para aliment-lo de uma nova existncia. Permita-se-me esta imagem, a conscincia a eterna fonte do esprito, o hli-to enriquecedor da vida, o sussurro do vento nas folhas das rvo-res, no campo do tempo, o sentido embora inexplicvel de sentir-se vivo, perene e assustadoramente lcido. Em fim, o alimento do esprito em um mundo que teima em nos afogar na mediocridade e perdio da nossa fora vital, isto , a capacidade de se reconhecer como possvel criador da sua criatura!

    46 Juan Jos Mouriiio Mosquera

    Mtodos de autodesenvolvimento: pessoal e transpessoal

    Modo de Experincia Mtodo de Desenvolvimento

    Ttulo Descrio

    1. Fsico Os 5 sentidos Conscincia sensorial, dana, dieta, esporte, massagem, exerccio, Hatha Y oga.

    2. Emocional Amor, dio, Psicoterapia, msica, arte, .-l tristeza, anlise trasacional, ludotera--o:x: alegria ... pia, bioenergtica, encontro, o C/) psicodrama, gestltico-C/)

    ~ aconselhamento. p...

    3. Mental Pensamento in- Pesquisa emprica, pesquisa telectual discur- acadmica, matemtica, sivo. linguagem, filosofia.

    4. Integrativo- Capacidade para Psicanlise, psicossntese, pessoal integrao na terapia existencial, terapia

    vida externa, no decisria direta, modificao mundo. do comportamento.

    5. Intuitivo Empatia, imagi- Imaginao espontnea, visua-nao. lizao, psicologia analtica,

    fantasia dirigida, anlise dos sonhos, auto-anlise.

    .-l 6. Psquico Fenmenos pa- Treinamento em bio-feedback, -o:x: o rapsicolgicos. cientiologia, psicodelismo, C/)

    meditao dirigida, yoga, C/) ~ treinamento psquico, astrolo-p... C/) gia, tarok. z

    ~ 7. Mstico Experincia de Dana, ascetismo, orao, E-< unicidade uni- bhakti yoga, meditao versa! unidade! silenciosa, meditao ativa.

    8. Integrativa Experincia si- Treinamento de Arica, mtodo pessoaU multnea de to- de Gurdjeff, psicologia transpessoal das as dimen- Zen-analtica, psicologia,

    ses psicossntese, yoga, budismo, sufismo.

    Um estado de conscincia 4 7

  • R?ALID~ FISICA

    R?ALID~ FISICA +-

    R?ALID~ FISICA +-

    REALIDADE FSICA___.

    ...__

    REALIDADE FSICA ___.

    ...__

    A natureza da conscincia - nascimento INFNCIA o

    SISTEMA o o o PAIS NERVOSO o 0 0 O 0 MUITOS ~ IMATURO 0 o 0 o POTENCIAIS o

    o o

    MENINCE ALGUNS SISTEMA o 0 o POTENCIAIS

    NERVOSO DESENVOLVIDOS O E MADURO FIXADOS,

    ALGUNS PERDIDOS. Afiliao bsica em realidade de consenso,

    algumas alternativas

    ADOLECNCIA ALGUMAS CRESCIMENTO MODIFICAES RPIDO

    :0 NOS POTENCIAIS,

    A MAIORIA PERDIDA . Afiliao mais ampla em realidade De consenso, poucas alternativas

    PAI s PRO FESSORES

    MPANHEIROS co ...__

    c N

    OMPA-HEIROS

    ...__

    ___.

    ESTABILIDADE POTENCIAIS CO MPA NHEIROS ALIZADOS

    LARGAMENTE

    ADULTA FIXADOS

    DECLINIO DETERIORIZAO DE POTENCIAIS, ESGOTAMENTOS

    PODEM ALTERAR AESTRUTRA. SENIL

    ~ MORTE.

    O processo de endoculturao

    ~ERN ___.

    COMPA NHEIROS ALIZADOS INTERN

    ...__

    ___.

    48 Juan Jos Mourifio Mosquera

    1. FSICO 2. EMOCIONAL 3. INTELECTUAL 4. PESSOAL INTE-

    GRADORA S. INTUITIVA 6. PSQUICO 7. MSTICO 8. PESSOAL-

    TRANSPESSOAL INTEGRADORA.

    NVEIS DE FUNCIONAMENTO HUMANO CONSCINCIA

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    Um estado de conscincia 49

  • A religiosidade e suas interfaces com a Medicina, a Psicologia e a Educao: o estado da arte

    Paulo L. R. Sousa, Ieda A.Tillmann, Cristina L. Horta, Flvio M. de Oliveira

    Se durante sculos religio e cincia estiveram ocupando dom-nios completamente separados, para no dizer em conflito e at ir-reconciliveis, esta virada de milnio reservou-nos viver uma revi-ravolta no assunto. De parte a parte, cincia e religio vm mos-trando um mtuo interesse de aproximao. Joo Paulo 111 marcou essa tendncia na encclica Fides et Ratio, de 1998, onde afirma que "a f e a razo constituem como que as duas asas pelas quais o esprito humano se eleva para a contemplao da verdade" (p. 5).

    Em sintonia com a abertura da Igreja, numerosos cientistas tm manifestado no somente o desejo de corresponder ao apelo apro-ximativo, mas, concretamente, vm eles realizando investigaes cientficas sobre as variadas circunstncias da religio na vida dos homens. Assim, hoje comum vermos o desenvolvimento de pes-quisas sobre a temtica, tanto nos veculos especializados, quanto nos meios variados da mdia.

    , em nosso entender, provvel que as manifestaes religiosas de Einstein, primeiramente expressas nos anos 1950,2 sejam, de parte do mundo cientfico da modernidade, um dos primeiros pas-sos facilitadores desta aproximao. Nesse ento, Einstein referiu que um cientista podia, efetivamente, ser um homem religioso. Ele,

    A religiosidade e suas interfaces com a Medicina, a Psicologia... 51

  • por exemplo, acreditava em uma perspectiva "csmica [ ... ], no antropomrfica", de Deus (p. 78-80). Apontava a que o antropo-morfismo era uma necessidade do homem comum para compre-ender a divindade. O cientista iria por outro caminho, mais abstrato, menos sincrtico. Mas, ambos, sujeito da multido e sujeito de cincia, podiam ver-se irmanados ante a circunstncia divina.

    Parece que esta posio de abertura de Einstein funcionou co-mo um ponto de ruptura do esteretipo que incompatibilizava cin-cia e religiosidade no mundo moderno, embora, vale frisar, bem defensvel a idia de que a cincia, para nascer, teve de afastar-se daquilo que o pensamento religioso guardava de dogmatismo, para poder constituir-se como domnio disciplinar, dentro de um outro paradigma.

    A partir de Einstein reduziram-se, um a um, os impedimentos de cercania para cincia e religio, a ponto de o prprio Joo Paulo II afirmar que religio sem cincia no boa religio, bem como ci-ncia sem religio no boa cincia. daquilo que o pensamento re-ligioso guardava de dogmatismo, para poder constituir-se como domnio disciplinar, dentro de um outro paradigma.

    Vejamos, no que se segue, algumas questes decorrentes das interfaces entre alguns ramos da cincia e religio. Nos prximos pargrafos percorreremos, sucintamente, a seqncia: medicina e religiosidade, psicologia e religiosidade, educao e religiosidade. O objetivo do presente ensaio elaborar uma reviso crtica dos principais textos sobre o tema, buscando-se apontar algumas sendas para futuras investigaes.

    Medicina e religiosidade

    seguramente a rea da sade uma das que mais precoce e pro-fundamente tem investigado a respeito.

    O setor mdico, em especial, dedica h algumas dcadas, sobre-tudo a dos anos 90, uma grande ateno ao tema. Quem no ficaria estarrecido at bem pouco, seja mdico, seja religioso, diante de afirmativas como:

    52 Paulo L. R. Sousa, Ieda A.Tillmann, Cristina L. Horta, Flvio M. de Oliveira

    (1) Estados de meditao profunda, de experincias msticas in-tensas ou de imerso religiosa associam-se com alteraes ele-troencefalogrficas. (2) Tcnicas de imagens cerebrais, tipo SPECT (single photon emission computed tomography) ou PET (positron emission tomography) ou ressonncia magntica mos-tram aumento de atividade em algumas reas cerebrais e dimi-nuio em outras, durante os estados mentais-