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número cinco maquiné 2018 WALMIR AYALA especial Diários Cartas Poemas Entrevista

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número cinco maquiné 2018

WALMIR AYALAespecialDiáriosCartasPoemasEntrevista

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número cincomaquiné | 2018

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ISSN: 2358-5609

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DIÁRIOS

CARTAS

POEMAS

ENTREVISTA(S)

SOBRE O ESCRITOR

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SUMÁRIO

número cincomaquiné | 2018

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IV

Sangue na boca

2-1-62

Retiro a folhinha velha do suporte da agenda. Fica uma poeira

acumulada como o suor dos dias, e já não sei mais o que

significa o ano que passou. Estou com toda a probabilidade de um tempo novo diante de mim. Mas o que fiz dos meus dias? Vejo na antiga agenda anotações e nomes que se pulverizaram. Por mais que eu tente recompor a circunstância, o rendimento é pouco. Estou, isto sim,

debruçado sobre o mar de tentação que é esta manhã do ano ainda novo.

E mergulharei. Pode ser este o ano da minha morte, da minha glória, da

minha miséria ‒ que sei eu de mim, em realidade? Mas disponho deste instante, deste meu corpo que resiste, desta minha alma que palpita.

Disponho para a alegria e para o abismo, e este dispor é minha arma.

5-1-62

Releio hoje a carta de Adalgisa Nery que, há seis anos, foi a

gota d’água para a minha transferência de Porto Alegre para o Rio de

Janeiro. Não me lembro mais com quem obtive seu endereço, só sei

que lhe escrevi uma carta mandando meu primeiro livro de poesia. Esta

carta é um retrato desta mulher de fibra: escrita a lápis, em letra correta e impositiva, o testemunho direto, o sentimento exposto.

***

A carta está datada de 17 de agosto de 1955 e eu tinha 22 anos.

Cinco meses depois eu comunicava à minha família, na mesa de jantar,

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Walmir Ayala

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que iria morar no Rio de Janeiro, e que embarcaria dois dias após. Apesar

de todos os prognósticos contra, aqui estou até hoje. O mais estranho é

que não estreitei laços de amizade com Adalgisa Nery. Nossos contatos foram muito formais e não era ela a fonte que me satisfaria. Minhas

afinidades estariam principalmente com Cecília Meireles e Lúcio Cardoso, e estou certo de que para sempre.

18-2-62

Não acredito em obra de arte literária construída sobre a

alegria. Na música talvez seja possível, assim mesmo a alegria de certas composições disfarça uma fundamental melancolia, e não há alegria

mais duvidosa do que a do carnaval, por exemplo. É uma espécie de

solidão delirante, e nada é mais fatal para o homem do que sua condição

de solitário, pois tudo acaba e ele morre só.

1-3-62

Quem estiver lendo a continuidade deste diário, inclusive em

seus volumes anteriores, há de pensar apressadamente que me coloco ao

lado da marginalidade. Estou, isto sim, desafiando o preconceito, seja ele qual for, porque sinto que o ser humano merece integrar dignamente o

reino que lhe foi preparado, e para o qual nasceu sem chance de opção.

Levo adiante esta luta, com certo orgulho. Quando encontro os limpos

de preconceitos então o meu orgulho arrefece e já nem me parece tão

heroica esta luta. Os que me aceitam é que me vencem. 

4-3-62

Que carne é esta que se aproxima de mim me desejando? Que olhos são estes que estranho e nos quais me reproduzo em repentino

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Diários

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entendimento? Que entrega é esta que me percorre o sangue como uma cegueira, e dentro da qual flutuo e reajo? O que é o amor, tão diferente disto? Depois de “fazer o amor” com quem não amamos, a sensação é simplesmente de um exercício exaustivo e quiçá rendoso do

ponto de vista da emoção. Mas só tocar no corpo da pessoa realmente

amada, é como um ato extremo. Por isso não registrarei aqui, jamais,

as simples entregas físicas com que me vitimo em minha antropofagia

exaltada e passional. Isto não interessa, porque não me interessa, e deixa

apenas a vaga sensação de flor pisoteada, e um amargo mal-entendido

na alma que sempre participa um pouco dessas fúrias. Aqui registrarei

sempre o milagre repetido e real do amor. Cada corpo é uma ilusão de

fácil acesso, cada alma é uma difícil fortaleza.

6-3-62

Penso em escrever um ensaio sobre o travesti, o que me interessa

por sua dramática sede de metamorfose. Metamorfose esta que assume

os mais variados aspectos: da perfeição ao grotesco, do belo ao exótico,

do humorístico ao degradado.

Imagino também o tema do que será o meu segundo romance:

a história de um adultério. O romance começa na primeira pessoa,

o verme falando ‒ o verme que corrói o corpo da jovem adúltera assassinada pelo marido. Lanço-me à aventura maravilhosa de imaginar

esta segunda história.

***

Cada vez mais o fantasma da morte me desafia. Penso no absurdo da vida, tão breve, tão precária, neste vale de lágrimas. E, se houver a

Vida Eterna, não a terei com os meus sentidos de agora. Estar integrado

em Deus será ser parte do “amor absoluto”. Eu terei que esquecer

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Walmir Ayala

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tudo para ser parte do que me criou e absorve. Aqui confirmo meu conhecimento do outro através de horas e horas de sedução. Do “outro lado” não precisarei dar provas. Se eu repousar em Deus estarei repleto dele, porque derramado nele, e esta perspectiva, para a minha pobre

concepção humana de felicidade, é um sofrimento.

7-3-62

Cada vez me convenço mais de que a paixão sexual tem pouco a ver com o amor. Ou, por outra, que o amor não depende de um

exclusivo entusiasmo sexual. Na ligação física há o interesse imediato e

fugaz que dura o tempo de um orgasmo e, quando muito, de uma sábia manutenção erótica. O amor, já num plano completamente estranho,

vive de muitas renúncias físicas, de uma doação integral, de uma

genuflexão humílima, de um temor, de uma esperança que a exaltação sexual não supre. E de tanto se amar, quando o amor é definitivo, chega-se ao êxtase. É certo que o objeto amado desperta sempre, ao

fim, um desejo de fusão corpórea, mas como um complemento que nada acrescenta à densidade inicial. Toda a loucura de amor, num par

fundamentalmente unido pelo espírito, é como a cobertura férrea que

contivesse uma rosa.

12-3-62

Reacionária, a meu ver, é toda atitude que vai contra a

liberdade. Ora, não admito obra de valor que seja contra a liberdade, o

que equivaleria a dizer: contra a justiça humana. Pode Miguel Ângelo, em função de ter esculpido a figura bíblica de Davi, e não a de um camponês italiano de seu tempo, ser chamado de reacionário? Pois

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Car

tas

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Walmir Ayala

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A VINICIUS DE MORAES

S.d. [década de 1960]

Prezado Vinicius,como é difícil encontrar você, resolvi escrever este mais bilhete

que carta, para pedir...pedir que numa folga, entre um poema e um

take, você me redija uma Carta a um jovem poeta brasileiro. É para um

livro que estou organizando. Você não imagina a plêiade de jovens poetas que cada dia abrem a boca faminta pedindo uma palavra. Não

quero dizer que a palavra de quem já se formou possa resolver o problema do poeta jovem, mas realiza esta caridade da comunicação, de que tanto necessitam. Esta carta pode ser de conselho, pode ser de

revisão e depoimento de uma experiência pessoal de formação poética,

pode ser até mesmo uma arte poética. Mas escreva. Sinto que este livro

será útil a muita gente, ao poeta jovem, ao leitor de poesia ou não, aos

poetas feitos (pela revisão de si mesmos ou conhecimento do exame

de consciência dos outros). Grato de me atenderes. Um abraço muito

forte do

Walmir Ayala

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Cartas

A CLARICE LISPECTOR

Rio, 8/3/66.

Clarice,

aí vai mais uma nota sobre teu livro. Li-o vertiginosamente.

Com pena de ti. Que mundo terrível o teu! Com pena de ti, sim. Porque

acho que assumiste a grande tragédia do nosso tempo lítero-nacional.

Única. Um livro como o teu não se escreve senão com sobre-humano

sofrimento. Sinto que em cada clímax, e são duzentos mil os teus, consumas uma morte. Faz-me lembrar aqueles fascinantes golpes de

morte dos filmes japoneses de samurai, um gesto, uma investida, um absoluto. Isto eu não disse no artigo mas vou registrar em meu diário.

Assisto dolorido a tua descida ao inferno, eu pecador por quem pagas

também. Gostaria de merecer as tuas milícias.

Um abraço,

Walmir Ayala

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Walmir Ayala

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A LUIZ CARLOS LACERDA

Rio, 19/7/67.

Querido queridíssimo Bigode,

muita e muita saudade também. Planos de ir até aí num próximo

fim de semana. Ontem colei no meu álbum particular um lindo retrato do Arduíno que o Júlio me deu, foto de O justiceiro. O Arduíno está

lá, com aquela cara franca e bela, que me devolve com tanta força as

atmosferas florentinas que nunca vi ‒ mas que sei como são, no fundo do meu coração sei como são.

Meu livro Um animal de Deus está na boca do forno. Sim, sobre

amor homossexual, 200 páginas de uma luta para provar que o espírito

é soberano, e o corpo um simples veículo, que o amor tem pouco

a ver com a carne, apenas nos arrasta aos paraísos da paixão, onde

começa o inferno e a glória. Eu queria gritar de beleza por estar te escrevendo! Tu estás aí com Arduíno e Nelson, o mestre. Ah, Luiz Carlos, não sei se percebeste a importância de amar e estar junto das

pessoas de qualidade. Esta é a única aristocracia, e a única chance

de sobrevivência. Eu fico quase sem respirar, de ter perto de mim estes produtos da inteligência e da graça... Não resisto a isso. Quanto

tempo ainda ficas aí? Tenho medo de não te encontrar, caso vá. Iria por dois dias, para te abraçar, para vos abraçar. Estou travando uma

luta linda aqui no Rio, depois te conto – espero vencer. Se não vencer

não perderei nada... mas se vitorioso será bom para todos, um novo

campo. A esta altura deves estar pulando de curiosidade. Pois vou

dizer: sou forte candidato à coluna de crítica de artes plásticas do Jornal do Brasil. Duas senhoras poderosas é que se erguem contra mim

no momento: Edila Mangabeira e Maria Martins. Contra os ministros

talvez eu possa pouco. Mas espero com uma confiança férrea. Também o Jayme Maurício está apavorado com a possibilidade de eu ter esta

coluna. Imagina ‒ ele sabe que não me controlará, que não serei um

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Cartas

eco do Correio da Manhã, como era o Harry Laus. Sinto a minha força,

pelo terror que inspiro nos mal-intencionados. Que bom não ser

mercadoria moral!

Estamos vivendo aqui as exéquias do Castelo Branco (que Deus

o tenha!). Por mais que me esforce não consigo achar uma ponta de

motivo para lamentar. Todos morrem, os bons e os maus. Por que

inverter a verdade só porque a morte os iluminou? Ninguém pode tirar a Castelo Branco a sua missão negativa e desumana. É triste ver como

se criou uma certa euforia com a sua morte. E eu que chorei tanto a

morte de Kennedy, de João XXIII, de Gandhi, atravessei de coração

seco todo o noticiário e o barulho da morte do ex-presidente. Será que

estou me transformando num monstro? Será justo isso? Tenho até um certo medo de estar faltando com a Caridade.

Meu querido, não adianta continuar mal-datilografando estas

palavras. Estou emocionado e feliz. Que Deus projeta vocês todos. Preciso urgentemente de uma boa foto do mestre para a minha coleção.

Meus álbuns estão ficando lindos, quentes de humanidade, se alargam como praias generosas. (Não queria entrar na nova página, que fazer?)

Abraço-te ainda uma vez.

Walmir

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Poem

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A MEU PAI

Cedro da minha unida tessitura,

aço do meu punhal contra o Infinito,pálio do meu jogral, sabre inaudito

na origem da ferida prematura.

Não te dera o silêncio onde permito

o marco desta mística escritura,

e não me entenderias na imatura

vindima deste cântico restrito.

Corcel que sobre mim voa e entre as rotas

apensas minhas lágrimas conserva

às ilhas mais subidas e remotas.

Retrato ao fim de todos os meus zelos,razão que nos meus mitos se observa,sedimento ancestral nos meus cabelos.

[Este sorrir, a morte, 1957]

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Walmir Ayala

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HOJE ME DÓI A VIDA COMO UM CRAVO

Hoje me dói a vida como um cravo

e morro de desejo de morrer,

sinto pelo meu sangue se acender

a aurora de infortúnio em que me lavo.

Que vale desta forma receber

o dom da luz, o lídimo conchavode cada dia, se a carpir me agravo

no sítio onde devera florescer?

Hoje me dói o sol na córnea gasta

de tanto pranto não vertido, e adeja

a asa da solidão na minha carne.

Percorro como um louco iconoclasta

o adro de mim, e grito, sem que veja

instrumento melhor para quebrar-me.

[O edifício e o verbo, 1961]

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Walmir Ayala

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Wal

mir

Aya

la

ANDRÉ SEFFRIN

Você veio de Porto Alegre com pouco mais de 20

anos, e sozinho. Poeta, queria se afirmar. Hoje, trinta anos depois, como vê essa aventura?

WALMIR AYALAEu tinha uma família, mas não sabia ver minha

família. Eu talvez exigisse deles o que não conseguia dar: tolerância. Assim nos desgarramos e eu

almejava um espaço para eles impossível, o da poesia.

Poesia como sistema de vida, como ar respirável.

Então vim com uma mala amarrada com um cinto,

dinheiro para a sobrevivência de uma semana, e muito

medo. Mais que medo, terror. Mas eu não imaginava

que se pudesse tirar do medo a força. Porque a poesia

era maior do que o medo, e eu não sabia. E a poesia

me fortaleceu, me deu esperança, me engrandeceu,

e me fez ver. Hoje eu amo a minha família. Eu os entendo e eles me entendem. O que esperar mais?

Ent

revi

sta(

s)

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Entrevista

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Walmir Ayala

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ANDRÉ SEFFRIN

E como foi, no começo, essa nova vida?

WALMIR AYALA

O emprego de um ano numa companhia de seguros. Os quartos alugados.

Depois a decisão de não mais me burocratizar, de viver do que escrevia. Muitos concursos literários, vencendo alguns, sobrevivendo disso, mais

um salário mínimo que meu pai me mandava. Colaborações em alguns

jornais, com remuneração simbólica. Amizades certas e apoio. Muito apoio humano, e muita força interior para não descer. Não desci nunca.

ANDRÉ SEFFRIN

Para isso os amigos foram imprescindíveis...

WALMIR AYALA

Sim. Cecília Meireles, Lúcio Cardoso, Maria Helena Cardoso, Júlio

José de Oliveira, Silvia Chalreo, Maria Ramos. Alguns me adotaram

integralmente. Todos me deram um exemplo maior. E os espaços

generosos de Aníbal Machado e Álvaro Moreyra, onde ia ver gente

convencionalmente chamada importante. E muitos o eram. Eu nesses

contatos todos, com meu orgulho e minha gana de conquistar um espaço.

Um Rio de Janeiro mais afável e manso que me abria portas. Poderia

escrever mil páginas. A boêmia, Amarelinho, bar Tucano, galeria Dezon, La Gôndola, Empanadas Chilenas. Esqueci de citar a importantíssima

Maria Muniz, amiga que me fez escrever romance. Como parâmetros eu poderia apontar Lúcio e Cecília, duas coisas tão diferentes e que se

completam, dois tempos espirituais. Com Lúcio a coragem de viver, com

Cecília a paixão pela transcendência. Deus foi generoso comigo, não me

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Entrevista

deixou cair, me ofereceu os caminhos corretos, e me deu discernimento

para permanecer neles.

ANDRÉ SEFFRIN

Nisso tudo, a década de 1960 era um caldeirão.

WALMIR AYALA

Foi definitiva. Ganhei muitos concursos que me serviam de plataforma de credibilidade. Pode até parecer que acredito muito em concurso.

Nada disso. Para um escritor novo era uma forma de ser notado, de

conseguir editoras, ganhar algum dinheiro, e sobretudo revisar originais

guardados. Aconselho qualquer escritor que se empenhe numa aventura

de mudança, como eu, a seguir este caminho. É um dos mais prováveis.

Os livros publicados me projetando. A preocupação de organizar antologias de novos, como eu. A aproximação com os pintores.

Apresentações, finalmente uma das colunas de arte mais importantes do país nas mãos. Tudo como num passe de mágica. E muito trabalho.

Muita predestinação. A poesia ainda e sempre meu refúgio, quando

tudo o mais me faltava. E a resistência.

ANDRÉ SEFFRIN

Falar em resistência, e a política na época? Você se envolveu?

WALMIR AYALA

Não participei da política dos anos 60 e 70 como ativista. Minha luta

pessoal era muito grande para que eu pudesse me desviar. Defendi

sempre a liberdade de expressão, tive minha casa invadida pelo

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Walmir Ayala

140

DOPS, pronunciei um discurso famoso contra a censura ao receber

um prêmio nacional de poesia em Brasília. Briguei publicamente com

um general que censurava um livro de poetas novos coordenado por

mim. Era minha forma de participar, sem provocar, mas defendendo

os pontos moralmente básicos da dignidade de viver. Não ostento

feridas nem prisões, porque Deus não quis. Nem me engajei nas causas

radicais da esquerda e da direita. Tinha certeza de que tudo ia passar e sobreviveríamos, não apenas individualmente, mas como nação. Sim,

sou otimista, acredito no futuro e num novo século de restauração

dos valores mais altos. Um tempo de maior espiritualidade, de mais

reflexão, de limpeza do lixo cultural que os conflitos de geração e de ideologia nos deixaram. Vejo a juventude desnorteada e aparentemente

sem caminho, mas não posso deixar de acreditar que ela levará a chama

adiante, para os que se preparam no silêncio, no mistério, na fatalidade

histórica, para as novas e grandes construções.

ANDRÉ SEFFRIN

A vida, a literatura como construção, como sistema de vida. E você

conciliou isso muito bem. O poeta se deixou multiplicar, e os gêneros

fluíram.

WALMIR AYALA

Escrever, o prazer de escrever, como disse Mário Faustino. Não me sinto inibido diante de nenhum gênero, e em todos sou eu mesmo, ou

seja, o poeta que um dia me estimulou à grande viagem. Este mesmo

poeta que me iluminará na última grande viagem. Escrevo ficção, poesia, diário, teatro, ensaio, literatura infantil. Cada momento me pede

um caminho, e eu trilho o que me dá maior felicidade. Todas as tristezas e júbilos da vida me pertencem, o que me faz simplesmente humano.