esoaço tempo e geohistoria

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 o  ESPAÇO-TEMPO E A  GEOfflSTORIA Maria Júlia  Ferreira Introdução A Geografia considera o tempo como uma dimensão importante do espaço, vendo as duas categorias como distintas mas em interacção. Existi rá um tempo sem um dado espaço? e o espaço sem as temporali da des que sobre ele actuam ? Haverá um espaço-tempo em vez de um tempo e um espaço? Os desenvolvimentos actuais da ciência defendem esta integração, havendo muitas teori as que a pressupõem. A junção dos dois conceitos leva à aproximação da Geografia e da História. A ligação destas duas ciências fraduz-se noufra área  cientiTica que,  em  França,  já tem raízes profunda s mas, no caso português, continua a ser um campo com muitas potencialidades por explorar. No Ensino Básico actual existe a disciplina História e Geografi a de Portugal que p re tende materializar essa integração embora a razão alegada para a sua infrodução tivesse sido a necessidade da menor dispersão temática (era também o resultado de interesses corporativist as de que a Geografia sairia subaltemizada pois, por circunstâncias várias, o ensino ficaria enfregue à História, de forma quase exclusiva). Acções de formação pontuais têm tentado ajustar a visão da História à Geografia mas, talvez porque os professores de Geografia a leccionar essa discipUna são em n úme ro muito reduzido, não houve a preocupação de aproximar a visão da Geografia à História. Departamento de Geografia e Planeamento Regional da FCSH Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas n. °  12, Lisboa, Edições Colibri, 1998, pp. 215-227

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geohistoria

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  • o ESPAO-TEMPO E A GEOfflSTORIA

    Maria Jlia Ferreira"

    Introduo A Geografia considera o tempo como uma dimenso importante do

    espao, vendo as duas categorias como distintas mas em interaco. Existir um tempo sem um dado espao? e o espao sem as temporalida-des que sobre ele actuam ? Haver um espao-tempo em vez de um tempo e um espao? Os desenvolvimentos actuais da cincia defendem esta integrao, havendo muitas teorias que a pressupem.

    A juno dos dois conceitos leva aproximao da Geografia e da Histria. A ligao destas duas cincias fraduz-se noufra rea cientiTica que, em Frana, j tem razes profundas mas, no caso portugus, continua a ser um campo com muitas potencialidades por explorar. No Ensino Bsico actual existe a disciplina Histria e Geografia de Portugal que pre-tende materializar essa integrao embora a razo alegada para a sua infroduo tivesse sido a necessidade da menor disperso temtica (era tambm o resultado de interesses corporativistas de que a Geografia sairia subaltemizada pois, por circunstncias vrias, o ensino ficaria enfregue Histria, de forma quase exclusiva). Aces de formao pontuais tm tentado ajustar a viso da Histria Geografia mas, talvez porque os professores de Geografia a leccionar essa discipUna so em nmero muito reduzido, no houve a preocupao de aproximar a viso da Geografia Histria.

    Departamento de Geografia e Planeamento Regional da FCSH

    Revista da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, n. 12, Lisboa, Edies Colibri, 1998, pp. 215-227

  • Tempo, Temporalidades, Duraes

    Essa rea cientfica, cenfrada no conceito "tempo-geografia" (idia geogrfica original que, segundo A. Pred, podia ajudar a resolver proble-mas intelectiiais e metodolgicos da disciplina)', tem vindo a consolidar-se, tendo j um corpo terico e conceptual, uma grafia adaptada inter-pretao dos processos espacio-temporais e princpios gerais formali-zados. Pretendemos, com esta reflexo, demonstrar algumas potencialida-des desta abordagem em que as temporalidades so quadades intrnsecas dos espaos e dar nfase coremtica como instrumento operativo na descrio dos processos e na franscrio dos princpios explicativos.

    O tempo-geografia na teoria contextual A integrao do tempo no objecto de estudo da Geografia cada vez

    maior, englobando agora no apenas as diversas temporalidades mas tambm o entendimento das dinmicas dos sistemas espaciais, da inrcia das formas espaciais, da arqueologia das paisagens, da espacializao do tempo (nomeadamente dos tempos do quotidiano). Reaparecem alguns ramos da Geografia que haviam perdido relevo em relao a oufros, como a Geografia Histrica, assumindo novas formas de abordar o binmio espao-tempo e novos insti^mentos operativos.

    A teoria contextual de Hggerstrand (que remete para Kant) parte do tempo-geografia, v o tempo e o espao como elementos intrinsecamente unidos (em confraste com a teoria composicional); os eventos desenvol-vem-se em situaes definidas pelo tempo-espao, tomam visibilidade atravs de processos de difuso e das anlises sobre o campo mdio da informao. O espao e o tempo so vistos como recursos que os indiv-duos gerem para realizar os seus projectos, sujeitos a consfrangimentos, que so interactivos, e a limites, nos quais se opera a competio enfre projectos (cfr. GREGORY, 1981). Neste campo terico os elementos estm-turantes so o "caminho/frajectria", o "projecto" e o "diorama" ( o arranjo produzido pela histria denfro do conjunto de projectos ou inten-es dos actores). A histria pode no materializar todos os projectos pois eles so em maior nmero do que os suportados pelas combinaes que constituem os dioramas.

    A teoria contextual cenfra a ateno na pessoa ou melhor nas seqncias dos eventos que constituem o quotidiano e a vida de cada indivduo e representa uma reaco excessiva especializao e frag-

    1 Com muitas potencialidades nos estudos das regies, paisagens, migraes, difuso e inovao e histria da Geografia.

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  • o Espao-Tempo e a Geohistria

    mentao para que tm tendido as cincias humanas, nomeadamente a Geografia; pretende ser uma abordagem mais sobre um contexto do que uma composio integradora das actividades e experincias humanas (Cfr. PRED, 1977 in J. AGNEW, 1996: 640); a abordagem "composicio-nal" procura responder questo "como dividir um conjunto de fenme-nos numa srie de partes componentes sobre as quais incide a anlise e como reconstituir o todo a partir das partes estudadas"; a contextual ao pretender "investigar os comportamentos dos fenmenos por coexistirem no tempo e espao", incide sobre as estmturas e os processos.

    Pred, discpulo de Hgersfrand, explorou a ligao tempo-geografia com a teoria da estmturao (contextual) e chegou aos conceitos de "lugar como um processo historicamente contingente que envolve prti-cas institucionais e individuais e factos estmturais" (nico suporte vlido para a reconstituio da geografia regional) e de regio, considerando este o pivot da geografia pois ele "activamente passivo", enfra com a estm-tura social e com a actividade de fransformao humana e gerador e condutor de estmturas. No campo da Geografia Regional, esta teoria leva a considerar como um todo, as pessoas, a sociedade local e regional, as idias, os valores e os smbolos, as instituies, a tecnologia e os ritmos naturais, sazonais e biolgicos, procurando as rotinas enraizadas no tempo-geografia (cfr. PRED, 1977: 643). A teoria contextual apresenta-se ainda muito eficaz no entendimento da sociedade, dos eventos e das rela-es entre indivduos e proporciona um corpo metodolgico para outios domnios que implicam o tempo longo, como o da histria da Geografia. A contextualidade da vida social o objecto central desta teoria (que leva sobretudo Geografia Cultural) para a qual o esquema de SIMONSEN pretende ser um contributo.

    O espao-tempo pode ser visto como um processo de convergncia por reduo do atrito da distncia, levando a um dos conceitos mais utili-zados na Geografia, "a acessibilidade", e a postulados importantes, por exemplo nas teorias da localizao, dos lugares centrais e da difuso (Cfr. GREGORY, 1981). Mas esse binmio pode ser entendido tambm como um processo divergente; as teorias que o defendem suportam viias for-mulaes nomeadamente a da estmturao de Giddens ao tentar entender os diferentes tipos de sociedades, a influncia do funcionalismo e as rela-es intersocietais. Elas consideram que s o espao-tempo pode explicar a produo do poder e a reproduo das estmturas de domnio, pres-supondo, por isso, uma Geografia do tempo longo e uma Geografia da Histria.

    217

  • Tempo, Temporalidades, Duraes

    Quadro 1 - Contextualizao da vida social segundo Simonsen

    espao

    prticas espaciais institucionais

    lugar

    prticas espaciais individuais

    tempo

    longa durao

    desenvolvimento

    socioespacial

    (geografia histrica)

    Histria Local (cultura e tradio) condicionantes

    histricas s prticas espaciais

    mdia durao

    estratgias de vida no contexto espacial

    biografia no tempo e no espao-identidades

    relao entre estrat--gias de vida e prticas espaciais

    durao do quotidiano

    condicionantes

    geogrficas s rotinas do quotidiano

    espacialidade baseada

    nas atitudes naturais

    rotinas tempo-espao do quotidiano

    tempo-geogra-fia)

    Fonte: GREGORY, D. (1981) - "Contextual theory" (adaptado)

    Geohistcria e Histogeo A Cincia Geogrfica nasceu muito ligada Histria e s Cincias

    da Terra mas a sua autonomia em relao primeira foi muito mais dif-cil. A ligao da Geografia com a Histria to fradicional e clssica que constitui uma especializao da disciplina em vrios pases, nomeada-mente na Frana onde a Historia-Geografia (ou Histo-Geo segundo os alunos) uma rea de ensino h muitos anos. Esta relao tem sido des-valoriante para a Geografia, facto que comprovado por expresses que a definem como: suporte da Histria (Alembert), olho da Histria (Daunou), metade da Histria (Duruy), ao servio da Histria (Claval, 1964), Cincia auxiliar ou parente pobre (Vallaux, 1911, 1925), disciplina que alimenta a Histria (Febvre, 1953).

    A Geografia nos curriculae da Histria foi sempre descritiva ficando muitas vezes apenas no registo cartogrfico das localizaes dos eventos e evoluiu sobretudo para a Geografia Poltica. A ligao entre elas teve um dos seus melhores representantes em F. Braudel (discpulo de Febvre) conhecido sobretudo pela obra publicada em 1949, "O Mediterrneo e o mundo Mediterrnico na poca de Filipe II", onde articula o tempo geogrfico das permanncias (o tempo-longo) e o curto, das conjunturas e dos acontecimentos. Para designar a sua abordagem usou o neologismo Geo-Histria (OZOUF-MARIGNIER, 1992: 99), que d nome ao presente trabalho.

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  • o Espao-Tempo e a Geohistria

    A Geografia, ao disputar os campos mais prximos da Histria, des-dobra-se em especiaUdades hbridas, difceis de distinguir: Geografia Histrica, Geohistria, Histria Geogrfica, Histria da Geografia, Geo-grafia Refrospectiva, Histria do Espao, Geografia Poltica, etc. Do lado da Histria a aproximao Geografia desenvolve tambm alguns prin-cpios e a designao de HistoGeo substitui por vezes a de Geohistria querendo significar a valorizao da Histria sobre a Geografia.

    possvel encontiar historiadores com viso geogrfica e gegrafos com uma boa viso da Histria. A ligao enfre as duas disciplinas manifesta-se na edio de muitas publicaes conjuntas em que a Histria faz a infroduo Geografia ou a Geografia Histria (nomeadamente nas obras de Michelet, 1833; Vidal de Ia Blache, 1903; Bmnhes, 1920; Burguire e Revel, 1989) ou na colaborao em projectos comuns e no ensino (nomeadamente, revista Historiens et Gographes, Annales, Revista Espaces-temps, projecto sobre Cartografia Histrica).

    A Geografia Histrica a raiz da Geohistria; aquela, depois de Vidal de Ia Blache que a marginalizara, seguiu duas orientaes princi-pais: a) Geografia Poltica, como estudo da gnese e extenso do Estado eda evoluo do seu territrio, das esfradas, das fronteiras, das capi-tais (seg. Bmnhes e Vallaux, 1920, continuados por A. Demangeon, 1920, 1927, 1935 e 1942), dos comportamentos polticos e eleitorais (A. Siegfield) e da relao enfre estiiituras demogrficas, fundirias e agrrias, b) Histria das paisagens, primeiro mrais (Bloch, Dion, 1933) e, mais tarde, identificando-se com a geografia refrospectiva. Em Portugal a tese de doutoramento de Maria Fernanda Alegria sobre os fransportes insere-se nesta abordagem em que a Geografia busca o entendimento na prpria Histria, nos processos e formas de evoluo dos arranjos do espao geogrfico.

    Nos anos cinqenta os acalorados debates enfre as duas disciplinas afastaram-nas e a Geografia aproximou-se mais da Economia. As discus-ses epistemolgicas foram muito profundas mas os historiadores foram longe demais ao afumarem a inexistncia do objecto da Geografia (Pguy, 1986; Roncayolo, 1989 e Grataloup, 1986). Muitos estudos recentes sobre a relao Histria-geografia incluem numerosas interrogaes sobre heranas, permanncias, inovaes e dinmicas dos sistemas espaciais, valorizando cada vez mais o tempo a partir da disciplina Geogrfica (Reynaud, 1979; Gay, 1982; Grataloup, 1984, 1985, 1986, 1991; Roncayolo, 1989, Gopoint, 1990).

    219

  • Tempo, Temporalidades, Duraes

    Os princpios da Geohistria Na Geohistria, e segundo as propostas do gegrafo, ou melhor geo-

    historiador, Christian Grataloup, podemos identificar princpios gerais que explicam a evoluo do espao-histria ou seja, dos "lugares da his-tria", dos espaos-tempo longos. Estes princpios ou modelos espacio--temporais so entendidos como dinmicas espaciais, como lgicas, ao mesmo tempo geogrficas e histricas, bastante simples para serem modelizadas e generalizadas; so ao mesmo tempo configuraes e cen-rios, so modelos geohistricos em que os processos podem ser de repro-duo (perodo) ou de fransformao (acontecimentos). Dos princpios enumerados por C. Grataloup (1996), podemos destacar os seis seguintes:

    princpio de Constantnopla a "descenfrao" de um espao-mundo em conseqncia de amea-

    as extemas que o fragilizam; ameaado, o lugar-sede do poder, desloca--se aproximando-se mais da fronteira ameaada, em posio de retaguar-da. Esta "descenfrao" da sede do poder provoca afastamentos no inte-rior do espao dominado e as reas mais distantes tomam-se mais frgeis e mais sensveis aos riscos vindos do exterior (a passagem da capital de Roma para Constantnopla uma situao emblemtica deste caso); a ameaa vinha de leste mas a deslocao da capital firagiUzou o exfremo oeste do imprio romano.

    princpio de Bagdad E a localizao de um lugar de desenvolvimento social antigo numa

    posio de encmzilhada, factor ao mesmo tempo de acumulao de riqueza e de fragiUdades constantes; so lugares geralmente sujeitos a muitos ciclos de riqueza e de declnio, em conseqncia dos numerosos ataques sofiidos e das potenciaUdades de acumulao de riqueza (Bagdad paradigmtica).

    princpio de Hakata E a localizao de um lugar de desenvolvimento tardio e bem fora

    das possibiUdades normais de invaso. O Japo um bom exemplo e o fracasso da invaso da MongUa afravs da famosa bataUia de Hakata serve como emblema.

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  • o Espao-Tempo e a Geohistria

    princpio de Aix (-la-Chapelle) E o nascimento de novos espaos por diviso de um antigo devido

    quebra do efeito da distncia sobre a difuso; a capital do imprio de Carlos Magno, Aix-la-Chapelle um exemplo tpico, tomando-se o cen-tro de um novo espao, como o resultado da partilha do mundo mediter-rneo.

    princpio de Reynaud a passagem de um espao-mundo policntrico a um mundo unifi-

    cado sob o efeito de subconjuntos perifricos. "Num espao-mundo em expanso (lgica da difuso) a tendncia vai geralmente para o fraccio-namento (princpio de Aix). Os subconjuntos que se constrem na perife-ria beneficiam no final de vantagens sobre os do centio. So maiores, enriquecem com fluxos provenientes do exterior (movimentos migrat-rios, importaes). Um deles, se a presso exterior for no sentido da unifi-cao, pode tomar vantagem em detrimento do antigo centro." (GRATA-LOUP, 1996: 200). Reynaud considerou que era o caso da China mas que se verificava tambm noufras situaes como, por exemplo, na unificao da bacia do Mediterrneo feita por Roma.

    princpio de Port-au-Prince a lgica de domnio de um subconjunto que era complementar de

    oufro. O espao de uma sociedade funciona assente na complementari-dade de lugares diferentes. Esta complementaridade pode ser imposta (lgica da colonizao) e, geralmente, implica que as distncias no sejam inibidoras; a aculturao forada das ilhas tropicais muito afastadas da Europa o arqutipo. A sede do que foi o smbolo das plantaes da cana do acar francesas d o nome a este modelo espacio-temporal, Port-au-Prince

    A modelzao na geohistria: os cronocoremas O esforo da Geografia em modelar o espao reflectiu-se tambm na

    disciplina que pretende fazer a simbiose enfre ela e Histria, tomando-se um desafio importante a modelizao grfica dos processos de mudana, os cronocoremas, e o fraado actual dos fenmenos passados, ou seja, os paleocoremas (como unidades elementares que pretendem explicar a

    221

  • Tempo, Temporalidades, Duraes

    organizao do tempo-espao). A elaborao de um corema a constm-o de um modelo que, por isso, pressupe elementos de estiiitura (sin-taxe) e elementos de significao (semntica); a traduo grfica de processos espacio-temporais que combinam fundamentalmente 7 sinais de base.

    Fig. 1 - Os sete sinais de base da escrita coremtica

    1. A rea

    2. 0 ponto

    3. Alinha

    4. 0 fluxo

    5. A passagem

    6. A variao ou polarizao

    7. O gradiente

    1

    *i

    ~] [~ e

    i^ ;

    >

    ^^^^^^^^^

    ^

    - X -+

    i^ 1

    I n

    \ \

    0 *

    -..I...I...I

    < - >

    >

    Fonte: ANDR et ai. (1990), (adaptado)

    Um corema um modelo grfico, logo um constiiito, uma criao do objecto geogrfico que implica discem* a especificidade do espao, compreender a sua organizao e conceptiializ-lo, ou seja, um saber operatrio (Cfr. CLARY, 1990:69). Pressupe uma dupla linguagem, evi-denciando "relaes socio-territoriais, prprias do homem, atravs de relaes geomtiicas, prprias das formas fsicas" (TORRICELLI, 1990:82, a propsito da carta temtica) ou seja, o domnio das estiuturas que sus-tentam os territrios.

    A Histria j usava modelos grficos para explicar processos espec-ficos (por exemplo o de Austerlitz e a rvore genealgica) mas a Geohis-222

  • o Espao-Tempo e a Geohistria

    tria infroduziu-os de forma mais sistemtica; destacam-se os modelos da rotao das culturas, o mercantil de Vance, o da colonizao dos E.U.A., em que o princpio da deciso na organizao do espao se sobrepe ao dos hexgonos de Christaller; modelos de formao de territrios e de desenvolvimento de redes, de povoamento, associados aos ciclos econ-micos, com destaque para os casos da Ausfrlia e do Brasil e modelos de evoluo das estmturas agrrias na Amrica do sul.

    Se tomarmos como exemplo os cronocoremas brasileiros propostos por THRY (1990:53), podemos verificar que eles permitem uma inter-pretao grfica da evoluo deste pas, considerando as suas 5 fases mais importantes, o ciclo do acar (sculo XVII), o ciclo do ouro (sculo XVIII), o ciclo do caf (sculo XIX), o ciclo de urbanizao dos anos ses-senta e o ciclo de mefropolizao dos anos oitenta e os efeitos destes ciclos na localizao e desenvolvimento da capital econmica, da capital poltica, da rede de fransportes e da formao de frentes pioneiras, pos-sibilitando a constmo de um modelo global.

    Todos estes coremas tm em comum a anlise dos processos histri-cos e do seu desenvolvimento espacial, pretendendo reconstmir o passado em que cada imagem "de qualquer forma um modelo grfico, formado de coremas, da situao numa data determinada, donde a idia de os designar cronocoremas, ou coremas datados" (THRY, 1990:54); eles permitem reconstmir estmturas antigas ou passadas atiavs dos paleoco-remas (por exemplo das feiras e estiadas comerciais na Idade Mdia, nos sculos XVin, XIX e XX). A anlise cronocoremtica, ao incorporar a dimenso temporal e espacial, uma espcie de geografia histrica ou histria espacial, pressupondo que "a gramtica elementar das formas de aco das sociedades sobre o espao se aplique ao passado e a todas as escalas" (THRY, 1990: 60).

    A coremtica exige a reflexo sobre os elementos estmturantes dos territrios, as linhas de fora e os princpios que se conjugam para dar especificidades a cada forma de organizao; a implantao urbana, a funo antiga como passagem, a economia antiga, as estaes tursticas, as densidades confrastadas e a dissemetria este-oeste podem combinar-se diferentemente. A cada um destes elementos corresponde um corema de base; dois a dois, formam modelos intermdios nos domnios urbano, econmico e geogrfico e no seu todo explicam os fracos essenciais desse territrio (Cfr. CLARY, M. 1990: 132).

    Em resumo, a coremtica uma lgica e um instiiimento que per-mite Geohistria:

    223

  • Tempo, Temporalidades, Duraes

    exprimir o essencial da realidade; representar uma organizao ou uma distiibuio, realando o

    dinamismo; proporcionar uma forma de investigao dedutiva, verificando

    passo a passo; partir do simples at chegar ao mais complexo (confrrio da sim-

    plificao); infroduzir novos instrumentos metodolgicos e a reflexo episte-

    molgica sobre eles; desenvolver um instmmento com potencialidades didcticas;

    ou seja, ela ajuda a investigar, representar e compreender os processos espacio-temporais

    Concluso O conceito tempo-geografia, ou espao-tempo, permite novas abor-

    dagens na disciplina Geogrfica quer no campo da teoria quer no da didctica e a teoria contextual, apesar de limitaes que encerra, continua a ser um bom instmmento para entender os processos socio-espaciais, pois pressupem uma Geografia dos tempos longos. A Geohistria mani-festa enormes potencialidades na explicao desses processos, articulan-do-os com as estmturas e permitindo identificar as unidades mnimas da anlise do espao (coremas, corotipos e cronocoremas, na Unguagem de R. Bmnet); a fraduo grfica, a partir dos sete sinais de base, facilita o entendimento da evoluo dos "lugares de histria" (no conceito formu-lado a part- da Geografia e no da Histria). O caracter geohistrico tambm se manifesta na dimenso temporal dos princpios enunciados como modelos de evoluo dos territrios, dos espaos das sociedades. A leitura da Histria, feita pela Geografia luz destes princpios, constitiii um importante desafio e permite descobrir tendncias encobertas noufras anlises feitas na base, por exemplo, de tempos mais curtos ou no valo-rizando o tempo-geografia.

    A interligao espao-tempo permite, portanto, uma viso integrada das cincias sociais, o entendimento dos processos socio-espaciais e a didctica de fenmenos complexos que expUcam as estruturas das socie-dades actuais. Ao utilizar grafias simplificadoras (coremas) e casos-tipo que servem como princpios explicativos para situaes da mesma natu-reza, a interpretao fica mais enriquecida e mais eficaz. A Geohistria

    224

  • o Espao-Tempo e a Geohistria

    parte de conceitos geogrficos bsicos em que se destacam os de "lugar, distncia, posio, cenfralidade, complementaridade, escala, difuso, eixo/barre-a, e confrolo territorial" (GRATALOUP, 1996:189) mas incor-pora as dicotomias temporais espao/tempo, passado/presente, presen-te/futuro, horizontal/vertical e sincronia (espao)/ diacrononia (tempo) como dimenses intinsecas do seu objecto de estudo.

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    UMBELINO, Jorge (1994) - "O tempo de frabalho e de no-frabalho. Anlise da sua evoluo e distribuio espacial", Actas do II Congresso da Geografia Portuguesa "A Geografia Portuguesa. Debater as mudanas. Preparar o futuro". Associao Portuguesa de Gegrafos, Lisboa, 1995, pp. 457-465.

    Resumo O conceito espao-tempo permite novas abordagens na disciplina Geogr-

    fica, nos campos quer da teoria quer da didctica. operativo no entendimento dos processos socio-espaciais, que pressupem uma Geografia dos tempos longos, e na identificao das unidades mnimas da anlise do espao (coremas, corotipos e cronocoremas); proporciona bons instmmentos didcticos na Geo-histria, pois articula a explicao dos processos espacio-temporais com as estmturas e, para evidenciar as relaes fundamentais, utiliza grafias simples, na base de sete sinais elementares. A evoluo dos territrios, dos espaos das socie-dades, pode assim ser interpretada afravs de modelos ou princpios da Geohist-ria, que associam a dimenso histrica dos eventos aos factos geogrficos. A luz destes princpios, a leitura da Histria constitui um importante desafio para os gegrafos, permitindo descobrir tendncias encobertas nas abordagens que valo-rizam tempos mais curtos ou a no integrao das categorias espao e tempo.

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  • o Espao-Tempo e a Geohistria

    Resume

    Le concept d'espace-temps permet de nouveaux abordages Tintricur de Ia discipline gographique, aussi bien dans les domaines de Ia thorie que de Ia didactque. Cest un concept opratoire lorsqu'il s'agit de Ia comprhension des processas sociospatiaux qui prsuposent une Gographie des temps longs et de l'identifcaton des units minimales d'analyse de 1'espace (cormes, corotypes, chronocormes). II faculte de bons instmments didactques Ia Gohistoire, car ce concept articule rexplicaton des processus spataux-temporels avec les stmctures et, afin de metfre en vidence leurs relatons fondamentales, utlise une criture simple, ayant pour base sept signes lmentaires. L'voluton des territoi-res, des espaces des socits, peut ainsi fre interprte fravers des modeles ou principes de Ia Gohistoire, qui associent Ia dimension historique des vnements aux aspects gographiques. Considrant ces principes. Ia lecture de rHistoire consttue un important dfit pour les gographes, permettant Ia dcouverte de tendances voiles dans les abordages qui valorisent des temps plus courts ou encore Ia non intgraton des catgories espace et temps.

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