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ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA – AJURIS CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA
ÍSIS BOLL DE ARAUJO BASTOS
A FUNGIBILIDADE COMO INSTRUMENTO DE CELERIDADE E EFETIVIDADE JURISDICIONAL EM SEDE DE TUTELA DE URGÊNCIA
PORTO ALEGRE
2008
1
ÍSIS BOLL DE ARAUJO BASTOS
A FUNGIBILIDADE COMO INSTRUMENTO DE CELERIDADE E EFETIVIDADE JURISDICIONAL EM SEDE DE TUTELA DE URGÊNCIA
Monografia realizada em atendimento a requisito para obtenção do grau em cumprimento ao 3º nível do Curso de Preparação à Magistratura.
ORIENTADOR: GILBERTO SCHÄFER
PORTO ALEGRE
2008
2
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, por todo o apoio ao longo dessa minha caminhada em busca do conhecimento, pelo carinho, pelo estímulo, e por acreditarem em mim, dedico-lhes mais essa conquista.
3
AGRADECIMENTOS
A meu orientador professor Gilberto Schäfer pelas palavras postas de forma tão correta e precisa, meu agradecimento e minha admiração.
Aos meus professores que ao longo destes anos compartilharam seus conhecimentos, em especial ao Professor Renato Caon, grande mestre e amigo dos tempos da universidade.
A meu namorado Éverton pelo apoio e paciência.
4
Justiça complicada é injustiça manifesta. É, na melhor
hipótese, Justiça tardia. Na pior, injustiça duplicada pelo
efeito do tempo. Complicar é verbo que deve ser odiado pelo
Judiciário.
Rui Barbosa
5
RESUMO
No presente trabalho será realizada uma pesquisa identificando a importância da
aplicação da fungibilidade nas tutelas de urgência em decorrência da inovação introduzida
pela Lei 10.444/02 que inseriu o parágrafo sétimo ao artigo 273. Trata-se de importante
inovação. Para tanto, faz-se uma abordagem distintiva entre princípios e regras jurídicas,
demonstrando a classificação entre os vários princípios constitucionais processuais,
passando pelo devido processo legal - garantia de todo cidadão – até o principio da
instrumentalidade, finalidade, dentre outros, como o principio da dignidade da pessoa
humana. Destaque especial foi dado às tutelas de urgência que em primeira análise parece
tema de fácil compreensão; entretanto, após estudo mais detalhado acerca do tema constata-
se que a linha que separa a tutela cautelar da tutela antecipada é tênue. Essa distinção, que
muitos consideram sutil, causa grande confusão entre os operadores do Direito. A diferença
entre tais institutos jurídicos deve ser feita. Como não existe a possibilidade de, em
determinados casos, definir qual dessas “duas técnicas” de tutela deva ser utilizada, a
jurisprudência e os doutrinadores, de um modo geral, houveram por fazer uso da
fungibilidade em detrimento do formalismo exacerbado. Tal desígnio tem como escopo
proporcionar às partes um amplo acesso à justiça com celeridade e efetividade jurisdicional,
evitando a insegurança jurídica e o descrédito da atividade jurisdicional.
Palavras-chave: Princípios. Tutelas. Urgência. Cautelar. Antecipada. Fungibilidade.
Celeridade. Efetividade.
6
ABSTRACT
In this paper, a research will be performed identifying the importance of the
fungibility application in the urgency protection as a result of the innovation introduced by
the Law 10.444/02 which inserted the seventh clause into article 273. It is a major
innovation. For that, a distinctive approach is made between principles and judicial rules,
showing the classification among various procedural constitutional principles, going
through the due legal process - warrant for each citizen - as far as the instrumentality
principle, finality, among others, as the human being dignity principle. Special enhance was
given to the urgency protections which at first sight seem a very easily understandable
theme, however, after a more detailed study concerning that, it is noticed that the line which
divides preventive measure protection from advance protection is thin. This distinction,
which many people consider subtle, causes a great confusion among Law operators. The
difference between such judicial institutes must be made. Since there is no possible
sometimes to define what of these ¨two techniques¨ of protection to use, jurisprudence and
instructors, in a general fashion, decided to use the fungibility principle in detriment of the
exaggerated formalism. Such design has the goal to provide a wide access to justice by
parts with swiftness and legal effectiveness, avoiding judicial insecurity as well as the
disrepute of the forensic activity.
Keywords: Protection. Urgency. Acceleration. Fungibility. Swiftness. Effectiveness.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................08 1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS....................................................................11 1.1 TEORIA DOS PRINCÍPIOS..........................................................................................11 1.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS..................................................20 2 A FUNGIBILIDADE NA TUTELA DE URGÊNCIA.................................................31 2.1 A FUNGIBILIDADE NO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO..............31 2.2 A TUTELA DE URGÊNCIA.........................................................................................39 2.3 A FUNGIBILIDADE NA TUTELA DE URGÊNCIA..................................................49 CONCLUSÃO.....................................................................................................................60 OBRAS CONSULTADAS..................................................................................................63
8
INTRODUÇÃO
Diante da nova sistemática impingida pelos estudiosos do processo civil, nota-se
uma grande preocupação com a efetivação do direito material. Baseado nos princípios
constitucionais processuais e com o objetivo de proporcionar ao jurisdicionado uma
adequada tutela, preocupam-se sobremaneira os estudiosos do Direito com o formalismo
exacerbado.
Atente-se, que o processo não é um fim em si mesmo. A formalidade exigida pela
legislação (regras) deve ser efetivada para que assegure a segurança jurídica. Vale lembrar
que a doutrina moderna considera, baseados na razoável duração do processo, devido
processo legal, dignidade da pessoa humana, entre outros, uma inversão de valores, ou seja,
a efetividade em detrimento da segurança jurídica.
Por tudo isso, nota-se cada vez mais a relativização das regras de Direito Processual,
com fundamento no princípio da proporcionalidade, para que um mero erro técnico de
nomenclatura, no momento do pedido da parte não sirva de entrave para que o juiz conceda
a tutela pretendida.
Vem corroborar essa nova perspectiva a norma da fungibilidade. Uma revisão
detalhada sobre a fungibilidade oferece a verdadeira noção sobre sua importância como
instrumento de celeridade, ponderação e razoabilidade no acatamento do pedido, evitando
9
que uma cautelar com denominação inconveniente se torne óbice quando no pedido
estiverem presentes os pressupostos que deveriam estar na que a forma correta exige.
Iniciaremos este trabalho onde realmente todos os estudos em Direito devem
começar, na base principiológica existente em nossa Constituição Federal, a fim de que seja
dado o correto entendimento da norma.
O primeiro capítulo se destina exatamente a demonstrar a diferença existente entre
regras e princípios, analisando os princípios e suas classificações e num segundo momento
relacionando os princípios constitucionais processuais, até que se chegue à origem do
princípio da fungibilidade.
No segundo capítulo denominado “A fungibilidade na tutela de urgência”
adentramos no objetivo central do presente estudo, que é definir os parâmetros para a
aplicação da fungibilidade entre as tutelas cautelar e antecipatória.
Primeiramente serão definidas nesse capítulo as diretrizes e fundamentos do
princípio da fungibilidade, implícito no texto constitucional e decorrente de dois
importantes princípios quais sejam o da instrumentalidade das formas e da economia
processual.
No que segue serão abordadas as tutelas de urgência, da qual são espécie a tutela
antecipada e a tutela cautelar, serão analisados matizes diferenciais, suas peculiaridades e
aplicabilidade, com enfoque para a efetividade e celeridade jurisdicional.
Por derradeiro vislumbraremos a aplicabilidade do princípio da fungibilidade no
âmbito das tutelas de urgência, como um instrumento a proporcionar às partes envolvidas
no processo um resultado útil e eficaz, de suas pretensões, não permitindo que um mero
erro de nomenclatura acarrete um dano, que por vezes tende a ser irreversível.
Desta forma no decorrer do trabalho se procurará demonstrar que o acesso ao
judiciário também é um grande instrumento de justiça e esta se apresenta como corolário da
dignidade humana.
10
Será demonstrado também que pela fungibilidade se poderá conseguir uma
igualdade processual e o princípio da isonomia agindo na efetividade e celeridade, com
efeito em qualquer jurisdicionado, indiferentemente de classes e dos pedidos e, ainda,
alicerçado pelo poder de cautela do magistrado em seu elastério no poder de julgar, pelo
caminho mais imparcial e justo possível.
11
1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
1.1 TEORIA DOS PRINCÍPIOS
A Constituição da República Federativa do Brasil regula todo o ordenamento
jurídico brasileiro. Dita suas diretrizes mediante princípios, preceitos e normas de maior
hierarquia porque obriga a todos a segui-la, seja por meio de leis complementares, seja por
de normas auto-aplicáveis.
Humberto Ávila conceitua e diferencia regras e princípios.
Regras como normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios como sendo normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado das coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.1
As regras são aplicadas conforme Dworkin2, no modo tudo ou nada (all or nothing),
estabelecendo deveres pretensamente definitivos, eliminando ou apenas diminuindo a
liberdade apreciativa do aplicador. Mas não se pode esquecer da característica de vagueza
das normas, o que acarreta por vezes, a decisão do intérprete por uma ou por outra regra. As
regras instituem obrigações absolutas, com a pretensão de decidibilidade.
1 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5 ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2006. p. 78 - 9. 2 DWORKIN apud ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5 ed. p.36.
12
No que se refere aos princípios, Dworkin afirma que possuem uma dimensão de
peso (dimension of weight), estabelecem deveres provisórios, indicando o fundamento a ser
utilizado pelo aplicador, são bases precisas de comportamentos, instituindo obrigações
prima facie, com a pretensão de complementaridade, agindo como norma finalística.
Porém, se as regras desde logo definem o modo e terminam a discussão, num
sistema somente composto por regras não teríamos flexibilidade. Tampouco podemos
contar apenas com um sistema somente de princípios, pela insegurança normativa diante
das características do nosso sistema civil law, que parte da norma genérica preestabelecida
do geral para o particular.
Neste sentido o julgador não deve utilizar nem da rigidez nem da flexibilidade,
extremas, pois somente com a aplicação do mecanismo de ponderação e razoabilidade será
evitado o caráter absoluto da regra. Não fosse assim, deveria a legislação ser exaustiva, não
abrindo possibilidade de outra interpretação que não fosse aquela dada pelo legislador, que
às vezes diz mais ou diz menos do que pretendeu declarar com a norma.
Assim, no momento em que colidem duas regras e as duas puderem ser aplicadas ao
mesmo caso, tal conflito, no plano abstrato é resolvido pelo critério da validade, havendo a
invalidação de uma delas. Isso é o que se tem por antinomia. Já no que diz respeito aos
princípios, quando colidirem, o que ocorre no plano concreto, usa-se o critério axiológico
em que o aplicador, conforme o caso, decide sopesando qual traz mais clareza conceitual e
se coaduna para resolver aquele conflito.
Nos princípios, analisa-se o fim a que se destina e verifica-se qual o meio mais
adequado, qual a conduta havida como necessária. Já no que tange às regras, exige-se uma
avaliação do conceito dos fatos e do conceito da norma e a finalidade que dá suporte, pois o
fato bruto não existe para o direito, o que existe é construído sobre o fato. Sendo assim as
regras vigem e os princípios valem.
Se partirmos do pressuposto da prioridade da norma para resolver um conflito,
poderíamos em uma breve análise depreender-se que a infração a ela seria mais grave que a
13
violação a um princípio, dado que o legislador quando elabora uma lei, retira a norma do
mundo fático e tipifica como algo que infringido afeta a sociedade nos seus valores éticos e
morais. Isso é norma jurídica3.
Quando o suporte fático ocorre incide a conduta à regra e traz as conseqüências
jurídicas que chamamos de efeitos, ou seja, é a adequação do fato ao tipo, sobre casos que o
legislador entende cruciais para um bom relacionamento entre as pessoas. Contudo, numa
análise mais profunda, tal presunção de superioridade da norma perante os princípios se
relativiza, porque os princípios apresentam um caráter de complementaridade e assumem
importante relevância quando o caso concreto exige a sua aplicação.
O ordenamento jurídico não abarca a solução uniforme para os diversos problemas
da sociedade, por esta encontrar-se em constante evolução e como as regras estão longe da
perfeição, necessitam, muitas vezes, de temperamento e/ou complemento.
Contudo há de se ter consciência que nenhuma norma ou regramento hoje pode ser
erigido sem os princípios. Mas é na análise do caso concreto que se pode afirmar
categoricamente o que viria a ser mais grave - se o desrespeito a uma regra ou a um
princípio -, já que uma norma ou regramento, como dito alhures pode não prever todo o
caso, necessitando recorrer a princípios gerais do Direito.
Tal discussão vem sendo alvo de inúmeras interpretações e diferentes conclusões,
mas somente se poderá aferir a prevalência de uma regra sobre um princípio ou vice-versa
conforme o fato da vida se apresenta, dentro de critérios como ponderação e razoabilidade,
outros princípios de suma importância nos casos não muito claros, melhor dizendo, quando
não há nitidez da norma.
O que se pode perceber consolidada em nossa Constituição Federal é uma variada
gama de princípios, alguns normatizados, explícitos outros implícitos, mas todos com
potencial de aplicabilidade. Aí esta sua importância: estarem consolidados no documento
3 Mais acerca do assunto em: REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
14
mais importante do ordenamento jurídico de um Estado, a “Lei Máxima” que reflete as
diretrizes formadoras de um Estado Social de Direito, resultado de um pacto social entre o
homem e o Estado4, criada para entabular os direitos e garantias fundamentais das pessoas,
a organização do Estado e a estruturação dos Poderes. Como bem refere Mônica Henning
ao falar sobre os princípios que estes “podem ser tidos como o reflexo dos valores
supremos eleitos pelos homens por ocasião do pacto”.5
Aliás, é de se ver que a Constituição, como expressão do pacto social, nada mais é
do que um pacto fundante de políticas, desenvolvidas em um espaço democrático, que
consente a consolidação histórica dos anseios sociais de um grupo, consolidando, hoje em
dia, não apenas aquilo que diga respeito única e exclusivamente aos seres humanos
individual, coletiva e difusamente, mas também os diversos fatores e seres que importam na
construção de um espaço e de um ser-estar digno do mundo.
Por isso, se os princípios são normas - já que estas não se erguem sem eles - de
grande importância a fim de proporcionar uma maior e melhor compreensão do sentido de
determinada regra, buscam o melhor meio de avaliação dos elementos do caso, e uma vez
“constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo”6 e fazem a diferença
do que hoje classificamos direitos humanos de direitos fundamentais. Aliás, numa
Constituição dirigente como a nossa e totalmente alicerçada em princípios explícitos e
implícitos, melhor chamar direitos fundamentais, apenas.
Este é o grande valor da nossa Constituição, abundante e quase ordinária a ponto de
hoje termos um direito processual constitucional, ou um direito constitucional processual,
tal sua força normativa.
Torna-se imprescindível também fazer uma referência ao conceito de princípio e o
de preceito, não caindo no erro de serem considerados sinônimos, já que o preceito 4 Idéia extraída do livro O Contrato Social de Jean Jacques Rosseau. 5 LEAL, Mônica Clarissa Henning. A constituição como princípio: os limites da jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Editora Manole Ltda, 2003. p. 49. 6 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.258.
15
fundamental é mais amplo, porque aponta para a autonomia dos estados, distrito federal, e
especialmente tudo que designa direitos e garantias constitucionais 7.
Para Gesta Leal, esta eterna polêmica entre princípios e normas atualmente deve ser
atenuada pelo fato simples que a validez de um não ocasiona prejuízo ao outro, pelo
contrário, há uma inter-relação indissociável entre os dois.8
Considerando os princípios como a base e os pilares de todo o ordenamento
jurídico, parece ser bem mais grave violar um princípio do que uma regra, porque a ofensa
seria a todo um sistema estruturado de comandos e não apenas a um comando em especial
(regra), pois “o princípio constitucional goza de amplitude extremamente superior às
demais regras jurídicas”9, e também “gozam de força suprema, vinculando, no caso, toda a
sistemática do processo às suas verificações e exigências”10.
Bonavides nos ensina que a juridicidade dos princípios se projeta em três fases
distintas: a jusnaturalista, a positivista e a pós - positivista.11
Na fase jusnaturalista, a mais antiga e aquela que diz respeito ao início da
civilização humana, os princípios gerais de Direito não eram tidos como suficientes,
possuíam uma normatividade nula, e um grande grau de abstração. Diante disso, para o
preenchimento das lacunas existentes nas leis, não se recorriam aos princípios decorrentes
do ordenamento, mas se buscava preencher a lacuna da lei com base no direito natural.
Com o surgimento da Escola Histórica do Direito houve uma significativa mudança, o qual
resultou no aparecimento da fase juspositivista.
7 SILVA, Floriano Correa Vaz da. Direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr,. 1977. p.530. 8 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p 154. 9 JÚNIOR, Galdino Luiz Ramos. Princípios Constitucionais do Processo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 10. 10. JÚNIOR, Galdino Luiz Ramos. Princípios Constitucionais do Processo. p. 11 11 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. p. 259.
16
Nesta fase juspositivista, os princípios gerais de direito passaram a fazer parte da
estrutura e do texto dos Códigos, mas apenas como fonte subsidiária, derivada do
ordenamento jurídico apenas para conceder integração e extensão da eficácia das leis. No
entanto, não possuíam eficácia jurídica, tinham apenas como objetivo o papel de completá-
las.
Como bem destaca Miguel Reale os princípios gerais são “enunciações normativas
de valor genérico”: “Alguns deles se revestem de tamanha importância que o legislador
lhes confere força de lei, com a estrutura de modelos jurídicos”.12
A partir da segunda Guerra Mundial, com as críticas de Dworkin ao positivismo e a
veemente contribuição de Alexy, podemos observar o surgimento da fase pós-positivista,
quando as novas Constituições colocam os princípios em destaque, como base do novo
constitucionalismo. Para Dworkin os princípios são tratados como direito, abandonando,
assim, a doutrina positivista e reconhecendo a possibilidade de que tanto uma constelação
de princípios quanto uma regra positivamente estabelecida podem impor obrigação legal.13
Em nosso sistema jurídico o termo princípio já era utilizado na Constituição de
1891, mas foi com a lei de introdução ao Código Civil em 1916 que este instituto tomou a
dimensão e a aplicabilidade que atualmente possui.
Os princípios, embora tenham a mesma valoração hierárquica, são divididos
conforme o papel que desenvolvem. Assim, para Barroso, temos os princípios
fundamentais, os princípios constitucionais gerais e os princípios setoriais ou especiais.14
Nos princípios fundamentais encontramos a síntese ou matriz de todas as normas
constitucionais, são os que contêm decisões políticas estruturais do Estado, temos como
exemplo: o princípio republicano (art. 1º caput CF), federativo (art. 1º caput CF), Estado
12 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 300 – 1. 13 BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional. 15 ed. p. 265. 14 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2004.
17
Democrático de Direito, separação de poderes (art. 2º CF), Princípio presidencialista (art.
76 CF) e o Princípio da livre iniciativa (art. 1º, IV CF).
Os princípios gerais podem ser encontrados por toda ordem jurídica, buscando
limitar o poder, são especificações, desdobramentos dos princípios fundamentais. Tais
princípios são: o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF), princípio da isonomia (art. 5º
caput, inciso I, CF), princípio da autonomia estadual e municipal (art. 18, CF), princípio do
acesso ao judiciário (art. 5º, XXXV, CF), princípio da irretroatividade das leis (art. 50,
XXXVI, CF), princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII, e LII, CF) e o princípio do devido
processo legal (art. 5º, LIV, CF).
Os princípios setoriais, sendo aqueles que se destinam a regular um específico
conjunto de normas sobre um determinado tema, capítulo ou título da Constituição, são
supremos sobre o que atuam, porém, não deixam de ser um detalhamento dos princípios
gerais. Por exemplo, no Capítulo VII da Administração Pública, temos o princípio da
legalidade administrativa, impessoalidade, moralidade, publicidade e do concurso público.
No Título IV da Organização dos Poderes encontramos o princípio majoritário,
proporcional, da publicidade e motivação das decisões judiciais, o princípio da
independência e da imparcialidade dos juízes e o princípio da subordinação das forças
armadas ao poder civil.
J.J. Gomes Canotilho adota diferente tipologia para classificar os princípios:
existem os princípios jurídicos fundamentais como sendo os princípios historicamente
objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica que encontram uma
recepção expressa ou implícita no texto constitucional; os princípios políticos
constitucionalmente conformadores que são aqueles que explicitam as valorações políticas
fundamentais do legislador constituinte; os princípios constitucionais impositivos que
subsumem-se todos os princípios que impõe aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador,
a realização de fins e a execução de tarefas; e por fim os princípios – garantia que como o
18
próprio nome já diz são princípios que visam a instituir direta e imediatamente uma
garantia dos cidadãos15.
Após percorrer os caminhos já analisados, os princípios gerais hoje são
considerados como fontes primárias de normatividade, ao passo de que o jurista espanhol F.
de Castro reconheceu três importantíssimas funções para os princípios: a função de ser
“fundamento da ordem jurídica”, com “eficácia derrogatória e diretiva”, e a de “fonte no
caso de insuficiência da lei e do costume”. 16
Ainda neste sentido como bem destaca Rita Vasconcelos os princípios possuem uma
tríplice função: a de fundamento do sistema jurídico; a de critério para interpretação das
outras normas; e, a de fonte integradora do ordenamento jurídico.17
Os princípios se tornam normas supremas e fundamentos do sistema jurídico dado o
reconhecimento de suas funções, a ponto de serem constitucionalizados.
A eficácia dos princípios, como destacado por Humberto Ávila se divide em
eficácia interna e externa.
Na eficácia interna o que se depreende é que os princípios atuam sobre as demais
normas, isto é, são imprescindíveis a um correto entendimento do sentido das regras. Pode
a eficácia interna se direta ou indireta, a primeira acontece quando os princípios atuam
diretamente sobre a regra sem intervenção de outro instituto seja um subprincípio ou outra
regra exercendo uma função integrativa; já a segunda ocorre com intervenção de um
subprincípio ou regra exercendo função definitória, interpretativa e bloqueadora.
Na eficácia externa os princípios atuam na compreensão dos próprios fatos e provas
e não só na de outras normas, dividindo-se em eficácia externa objetiva e subjetiva. A
15 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6.ed. Coimbra – Portugal: Almedina, 2002. p. 1150 – 3. 16 CASTRO apud BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional. 15 ed. p. 283. 17 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade Hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo. p. 27.
19
eficácia objetiva subdivide-se em: seletiva que determina os fatos pertinentes, e
argumentativa que valora o aspecto destes fatos, que pode ser de forma direta, buscando o
melhor meio ou de forma indireta indicando as razões que devem ser consideradas diante
do conflito. Na eficácia externa subjetiva os princípios funcionam como direitos subjetivos
quando proíbem determinadas condutas e exercem uma função protetora.
A interpretação constitucional, o que de fato é muito complicado e complexo, pode
ser obtida com a conjugação de vários métodos, mas é com o uso adequado dos princípios
que podemos dar ao caso concreto o significado que efetivamente irá solucionar o conflito,
pois “não existe, no direito, uma única solução correta, senão várias”18 e são os princípios
usados com ponderação que darão a correta interpretação e flexibilização à regra ou às
regras que se enquadram ao caso posto em discussão.
Eros Grau completa referindo que, “assim como jamais se interpreta um texto
normativo, mas sim o direito, não se interpretam textos normativos constitucionais
isoladamente, mas sim a Constituição, no seu todo”19, e que as soluções somente poderão
ser tidas como corretas quando de acordo com a ideologia da Constituição.
Estas soluções, as que devem ser mais adequadas, ao longo dos tempos vêm se
transformando e são “os princípios que vêm propiciar uma nova teoria da norma”20. São,
então, os princípios servindo como um norte a ser seguido para uma correta compreensão
do texto normativo.
Neste sentido Dworkin afirma que “Los jueces tienem la obligación de aplicar los
princípios porque forman parte esencial del derecho. Los princípios no son pseudorreglas.
18 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). 12.ed. São Paulo: Malheiros Editores , 2007. p. 163. 19 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). 12.ed. p. 166. 20 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica e aplicação do direito: os limites da modulação dos efeitos em controle difuso de constitucionalidade – o caso da lei dos crimes hediondos. Constituição, sistemas sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, n. 3, 2007. p.107.
20
(...) Dejar a la discrecionariedad del juez la cuestión de los derechos significa no tomarse
em serio los derechos”21.
1.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS
A expressão “princípios constitucionais processuais” se dá em face da necessária
distinção entre Direito Processual Constitucional que se refere às normas de caráter
processual e Direito Constitucional Processual, que seria o conjunto de princípios
constitucionais regulamentadores do processo. No que segue será abordado o tema com
base nos princípios constitucionais processuais22 como pontos básicos que servem para a
elaboração e aplicação do Direito quando da existência de falhas nas leis.
Quando diante de um caso concreto não é encontrada a solução mais adequada, os
princípios devem preencher estas lacunas estreitando assim a distância entre o “direito das
pessoas ao acesso à justiça e a ausência de regras jurídicas aplicáveis ao caso”23. A
utilização dos princípios é a base da interpretação constitucional.
Este estreitamento entre processo e Constituição pode ser visto sob dois ângulos, no
que se refere a tutela constitucional do processo onde a Constituição dá proteção, guarida as
normas processuais, emprestando sua densidade normativa à algumas normas processuais,
por exemplo podemos tomar o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, a
motivação, o duplo grau. E através do prisma da tutela processual constitucional, visto que
o processo civil vela pela força normativa da Constituição por meio de controle
concentrado e controle difuso de constitucionalidade.
21 DWORKIN apud. LEAL, Mônica Clarissa Henning. A constituição como princípio: os limites da jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Manole Ltda, 2003. p. 91. 22 JÚNIOR, Galdino Luiz Ramos. Princípios Constitucionais do Processo. p. 12 e NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 20 e 21. 23 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade: hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo.
21
Nosso direito processual é todo baseado na lógica da hierarquia da Carta e de sua
interpretação no âmbito constitucional, daí que os princípios constitucionais processuais,
nada mais são do que os princípios que norteiam o processo e estão consubstanciados na
Constituição Federal.
Os princípios constitucionais processuais são decorrência do princípio do devido
processo legal, cujas idéias se delinearam na Inglateraa em 1215 durante o reinado de João
Sem – Terra. Mas foi somente em 1352 que o devido processo nasceu com a expressão que
hoje temos “due process of law”. Foi com o Rei Henrique III em 1352 que a expressão
tomou o significado que hoje conhecemos, desde então ela foi sempre sendo revalidada,
mantida e ampliada, principalmente pela Suprema Corte Americana. Os americanos
tiveram o princípio incorporado em sua Constituição Federal em 1787. Portanto o devido
processo legal tem origem no direito anglo-saxão, mas seu aperfeiçoamento se deu pelo
constitucionalismo americano.
Nelson Nery Jr.24 afirma ser o devido processo legal um postulado fundamental do
direto constitucional (gênero), do qual derivam todos os outros princípios (espécies), e que
genericamente se manifesta pela proteção à vida-liberdade-propriedade em sentido amplo,
não indicando apenas tutela processual, mas sim geral.
O Supremo Tribunal Federal não delimita de forma expressa no corpo da decisão o
princípio do devido processo legal, apenas refere se diante do caso concreto se houve ou
não violação.25
Pode-se dizer, por conseguinte que “tudo o que tiver ligação com a vida, liberdade
ou propriedade, está sob o manto do devido processo legal”.26
24 NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 144. 25 MOTTA, Cristina Reindolf da. Due Process of Law. In: PORTO, Sérgio Gilberto (organizador). As garantias do Cidadão no Processo Civil: relações entre constituição e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 261 – 278.
22
De uma forma ampla e genérica podemos dizer que o devido processo legal diz
respeito ao trinômio “vida-liberdade-propriedade”27 em nossa Constituição encontramos
esta conceituação expressa no artigo 5º, inciso LIV que refere: “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Pode-se falar em devido processo legal em sentido legal ou material, também
conhecido como substantive due process, quando se tratar de um limite imposto ao
legislador que deverá elaborar as leis com justiça com razoabilidade, como bem refere o
artigo supra citado.
Em sentido processual, ou procedural due process, o devido processo legal garante
ao cidadão um procedimento justo com direito à ampla defesa e ao contraditório, deve-se
respeitar um procedimento previamente ordenado, como destacado no art. 5º, inciso LV, da
Constituição Federal “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes”.
O Brasil seguindo o exemplo dos países que já utilizavam o princípio do due
process of law adotou em sua Constituição Federal de 1988 para tal princípio servir de
garantia a todo cidadão brasileiro, em face do rompimento do período ditatorial e repressivo
em que o país viva, sendo considerado um princípio fundamental.
Sendo assim, o devido processo legal nada mais é do que uma garantia de que as
leis assegurem um acesso à justiça, de forma justa a respeitar os limites impostos na
Constituição Federal. Contextualizadas com todo o sistema jurídico, possa, além disso,
26 MOTTA, Cristina Reindolf da. Due Process of Law. In: PORTO, Sérgio Gilberto (organizador). As garantias do Cidadão no Processo Civil: relações entre constituição e processo. p. 261 – 278. 27 NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. p. 33.
23
permitir que o cidadão alcance seus objetivos jurídicos, sociais, políticos, éticos e
econômicos.28
Os princípios processuais são divididos em: princípios informadores de uma técnica
legislativa processual, e princípios propriamente estruturais do processo ou princípios
fundamentais ou ainda princípios gerais do processo.
Os princípios informadores tiveram origem com P. S. Mancini29, que os subdividiu
em outros quatro princípios, quais sejam:
Princípio Lógico: traduz a importância de que o processo deve seguir por meio de
seus atos de forma lógica e cronológica até atingir o seu fim. Pode-se citar como exemplo o
regime da prejudicialidade e os institutos da conexão ou continência.
Princípio Jurídico: este princípio destaca a importância de haver uma igualdade
entre as partes durante o trâmite do processo e haver justiça quando dada a decisão da lide.
Princípio Político: diz da própria instrumentalidade do processo, onde deve existir
um forte liame entre o cidadão e seus direitos, devendo assim, os direitos individuais serem
garantidos e respeitados.
Princípio Econômico: informa que o processo seja resolvido da forma mais rápida
e com o mínimo de despesa possível, mas sempre de forma justa e com a garantia de uma
solução efetiva para o litígio.
Rui Portanova acrescenta ainda aos princípios informativos, mais dois princípios,
quais sejam, “o instrumental e o efetivo”30.
28 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade Hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo. p. 45. 29 MANCINI apud LACERDA, Galeno. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 89. 30 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 19.
24
Princípio Instrumental: indica que o processo deve cumprir o fim social e político
a que se destina, a fim de que seja garantido ao cidadão um pleno acesso ao Judiciário.
Princípio Efetivo: o processo deve servir a uma efetividade social, diante do
objetivo do processo que é obtenção de uma pacificação social, devendo sempre prevalecer
o interesse social.
Galeno Lacerda refere que os princípios estruturais do processo direcionam a
atividade das pessoas dentro do processo, os dividindo em: Princípio dispositivo, da
eventualidade, da concentração processual, de imediação processual, da liberdade de
apreciação da prova, da oralidade e da publicidade.31
Para este autor o princípio dispositivo é o princípio fundamental do processo civil,
em face da sua característica de as partes ao formularem o pedido vinculam o juiz e a
sentença ao que foi requerido, ficando o magistrado adstrito ao pedido das partes, pois há
uma disponibilidade de interesses, quando sempre prevalecerá o interesse das partes.
Humberto Theodoro Júnior junta as duas classificações: os princípios processuais
civis são divididos em princípios fundamentais e devem ser considerados de duas formas:
os relativos ao processo e os relacionados ao procedimento.32
Segundo o autor são princípios informativos do processo: o do devido processo
legal, o inquisitivo e dispositivo, o do contraditório, o do duplo grau de jurisdição, o da boa
fé e o da lealdade processual e da verdade real.
No que se refere aos princípios informativos do procedimento destaca: o da
oralidade, o da publicidade, o da economia processual e o da eventualidade ou preclusão.
31 LACERDA, Galeno. Teoria Geral do Processo. p. 90 – 6. 32 THEODORO JR, Humberto. Princípios Gerais do Direito Processual Civil. Revista da AJURIS, Porto Alegre, n. 34, p. 161 – 84, Julho 1985.
25
Os autores Antônio Araujo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco
classificam em princípios informativos do processo e em princípios gerais do processo estes
divididos em: da imparcialidade do juiz, o da igualdade, o do contraditório e da ampla
defesa, o da ação, os da disponibilidade e da indisponibilidade, o dispositivo, o da livre
investigação das provas, o do impulso oficial, o da oralidade, o da persuasão racional do
juiz, o da motivação das decisões judiciais, o da publicidade, o a lealdade processual, o da
economia, o da instrumentalidade de formas e do duplo grau de jurisdição.33
No que se refere aos princípios processuais, inseridos na Constituição Federal de
1988 adotando a classificação de Nelson Nery Júnior34 temos:
O princípio da isonomia ou princípio da igualdade, quando a igualdade das partes
é assegurada pela garantia constitucional de que: todo cidadão deve ter igualdade de
tratamento perante a lei, este princípio, orienta que às partes deve ser dado o mesmo
tratamento, de forma idêntica, a fim de que não haja nenhuma forma de descriminação.
Como bem define o artigo 5º caput e inciso I da Constituição Federal, que todos são
iguais perante a lei, mas essa igualdade deve ser restringida. O tratamento deve ser feito
igualmente os iguais e de forma desigual aos desiguais. Essas desigualdades se referem ao
tratamento diverso dado à Fazenda Pública, ao Ministério Público, pelo fato de se tratar de
interesses públicos, portanto, com supremacia sobre o interesse privado, possuem prazo em
dobro ou em quádruplo por exemplo. A igualdade de que se trata é a igualdade
substancial/real e não uma isonomia meramente formal.
O princípio do juiz natural, que consagra que o juiz e somente ele é o órgão
investido de jurisdição e também impede a criação de tribunais de exceção, consta do artigo
5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição Federal que mencionam que “não haverá juízo
ou tribunal de exceção”; que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente”.
33 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 50 – 76. 34 NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. p. 43.
26
Este princípio apenas é aplicado no processo civil nos casos em que se trata de
competência absoluta, por se referir a um pedido da ordem pública. O indivíduo somente
poderá ser julgado por órgão preexistente e por membros deste órgão, devidamente
investido de jurisdição, não ofende este princípio o caso da escolha de um árbitro pelas
partes a fim de solucionar a lide.
O impedimento à criação de tribunais de exceção não é óbice para o surgimento de
justiças especializadas, pois estas são de atribuição da atividade jurisdicional do Estado, e
aquele criado depois que aconteceu o fato não sendo requisito a preexistência do tribunal.
Isso, com certeza, causaria grande insegurança e ferindo preceito constitucional, pois todo
cidadão deve ser julgado por juiz competente e a criação de tribunal de exceção causaria
uma parcialidade, visto que o juiz julgaria um caso e uma pessoa já determinada, não sendo
este o objetivo da justiça.
O princípio da inafastabilidade do controle constitucional especifica a garantia
constitucional do acesso à justiça, com fundamento no artigo 5º XXXV da Constituição
Federal que destaca “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou
ameaça de direito”.
Estendendo assim a apreciação do poder judiciário a qualquer forma de conflito ou
discussão, mas devendo a prestação jurisdicional ser dada de forma adequada, a fim de
realmente proporcionar as partes uma justa e efetiva decisão, sem obstacularizar o livre
acesso ao judiciário, neste sentido Kazuo Watanabe35 afirma “O direito de acesso à Justiça
é, fundamentalmente, direito de acesso à ordem jurídica justa”;
O princípio do contraditório diz que as partes no processo devem gozar dos
mesmos ônus e deveres. Está consolidado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal,
que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
35 WATANABE apud VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade Hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo. p. 39.
27
Para todos os que estiverem envolvidos no processo e que tiverem algum interesse,
alguma pretensão de direito material a ser esclarecida, inclusive a pessoa jurídica, poderão
invocar a tutela deste princípio. Deve ser dado às partes conhecimento de todos os atos
praticados no decorrer do processo, para que possa haver manifestação acerca de tais atos,
caso haja algum prejuízo. Sendo assim é que o princípio do contraditório tem caráter
absoluto, isto é, deve sempre ser proporcionado às partes sob pena de nulidade do processo.
Por derradeiro, podemos destacar três conseqüências deste princípio: a de que a
sentença só afeta as pessoas que foram parte no processo, ou seus sucessores, que só há
relação processual completa e eficaz após a de que toda decisão só será proferida depois de
ouvidas ambas as partes, ou pelo menos depois de ensejada oportunidade para que ambas se
manifestem.36
O princípio da proibição da prova ilícita: com amparo no artigo 5º, inciso LVI, da
Constituição Federal, refere que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por
meios ilícitos”, e o artigo 332 do Código de Processo Civil destaca que os meios de prova
admitidos no processo, “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda
que não especificados neste código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se
funda a ação e a defesa”. Desta forma somente se admite no processo civil provas lícitas e
moralmente legítimas.
Diante do princípio da proporcionalidade poderá haver por excepcional o aceite de
uma prova ilícita, no caso de um bem jurídico de grande importância ser violado, como no
exemplo dado por Nery Júnior onde um acusado grava clandestinamente a conversa entre
duas pessoas a fim de que seja inocentado. Houve violação da intimidade, mas o acusado
agiu em legítima defesa, causa de exclusão da ilicitude.37
36 THEODORO JR, Humberto. Princípios Gerais do Direito Processual Civil. Revista da AJURIS, n. 34, p. 173, julho 1995. 37 NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. p 151.
28
Neste contexto cabe definir o que seja prova ilícita e prova ilegítima, aquela
contraria normas de direito material, enquanto esta contraria normas de direito processual.
O princípio da publicidade dos atos processuais, tutela o direito à uma discussão
ampla das provas, a obrigatoriedade de motivação da sentença e a faculdade de intervenção
das partes e seus advogados em todas as fases do processo.38 Possibilitando, dessa forma,
que cada ato praticado no processo seja fiscalizado a fim de que nenhuma arbitrariedade
seja cometida e resulte por prejudicar alguma parte, trazendo assim maior segurança e
confiança às partes.
Este princípio esta na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LX, onde refere que
“a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade
ou o interesse social o exigirem”.
Sendo assim esta não é publicidade absoluta, pois como bem refere o artigo 93,
inciso IX, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse
público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e seus
advogados, ou somente a estes”.
Ainda há previsão no artigo 155 do Código de Processo Civil que menciona os
casos em que o processo correrá em segredo de justiça, mas somente em relação ao público
não envolvido no processo, pois no que se refere às partes, estas terão pleno acesso a todos
os atos processuais.
O princípio do duplo grau de jurisdição; quer dizer que se a parte não se
conformar ou achar injusta a decisão dada em primeira instância poderá procurar
novamente o judiciário para que seu processo seja revisto em grau de recurso por outro juiz,
obtendo assim um novo julgamento, mas isso depende da vontade da parte que pode querer
recorrer ou não, não há, portanto, nenhuma obrigatoriedade.
38 THEODORO JR, Humberto. Princípios Gerais do Direito Processual Civil. Revista da AJURIS, Porto Alegre, n. 34, p.178, julho 1985.
29
Este princípio não está demonstrado de forma expressa em nossa Constituição
Federal, porém no decorrer do texto constitucional, encontramos dispositivos que
claramente demonstram a possibilidade de revisão das decisões por órgão imediatamente
ou mediatamente superior.
O princípio da motivação das decisões; consta no artigo 93, inciso IX da
Constituição Federal e destaca “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, (...)”.
Bem como no princípio da publicidade, a fundamentação das decisões garante
segurança ao cidadão, que ao ver a sentença fundamentada, com as reais motivações que
levaram o magistrado a tomar determinada decisão, levando em consideração as provas
produzidas no processo e talvez deixando de lado outras.
Essa fundamentação que é exigida em qualquer tipo de decisão no âmbito do Poder
Judiciário que seja administrativa quer seja jurisdicional, faz com que o cidadão ao ler a
sentença perceba que o magistrado se preocupou em dar a melhor decisão ao caso a ele
apresentado, procurando ser justo e efetivo.
Por isso nem sempre uma peça jurídica deve ser levada ao “pé da letra”, como regra
positivada de forma inflexível entre outros problemas que acabam trazendo injustiça. Um
pequeno deslize ou desconhecimento da área pelo advogado, ainda que haja exigência
constitucional de acompanhamento deste profissional, quem o contrata é quem procura a
justiça no poder judicante. Aqui, temos uma inovação. O princípio da fungibilidade
consolidado em nosso sistema jurisdicional em face do surgimento de problemáticas
concretas e não de uma mera indagação jurídica, e que no plano de mais outros dois
princípios se fez relevante e igualmente justos, quais sejam: os princípios da economia
processual e da instrumentalidade das formas.
Dessa forma cabe explicitar cada um desses princípios, a fim de que se obtenha um
correto entendimento da fungibilidade, tópico central deste trabalho.
30
Em se tratando do princípio da economia processual podemos dizer que é um
princípio de suma importância dentro do processo civil visto que é um dos princípios
informadores do processo civil. É o princípio econômico, já referido anteriormente, que faz
com que o processo tenha um custo razoável, mas nunca deixando de lado a prestação da
tutela jurisdicional, devendo haver um balanço entre o gasto despendido e o benefício
gerado à parte.
O princípio da instrumentalidade das formas, fortemente relacionado ao da
economia processual, refere que as formas existem em razão de uma finalidade, e a lei que
as prevê deve ser interpretada e aplicada em função deste fim.39
Mas o que se percebe é que os operadores jurídicos são representantes de
necessitados de justiça, porém leigos, e que, como em tudo, principalmente na verdadeira
justiça a sociedade busca uma solução célere, eficaz e justa, para suas decisões e conflitos.
Cabe ao direito processual civil se adaptar a esses novos tempos; e a fungibilidade vem
exatamente tentar evitar que erros sanáveis provoquem morosidade jurídica, ou seja,
impedir que um mero erro ou equívoco do operador do direito cause danos irreparáveis à
parte que busca seu direito diante o Poder Judiciário e como conseqüência, proporciona
assim a todo cidadão um acesso a mais próxima justiça no sentido mais amplo.
39 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. p.188.
31
2 A FUNGIBILIDADE NA TUTELA DE URGÊNCIA
2.1 A FUNGIBILIDADE NO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO
Fungibilidade significa, no conceito jurídico, a substituição de uma coisa por outra.
Para que esta norma mereça incidência faz-se necessária a presença dos requisitos
da dúvida objetiva e a inocorrência de erro grosseiro.
Não há regra positivada em nosso ordenamento disciplinando a incidência de tal
norma, que deriva de dois princípios, quais sejam: o da economia processual e da
instrumentalidade das formas.
Embora já citados e comentados anteriormente, é oportuno relembrá-los, já que são
os alicerces para a fungibilidade.
O princípio da economia processual se refere ao custo-benefício, no qual a parte
deve ter sua tutela dada de forma efetiva e segura, porém nunca despendendo de grandes
quantias. Este princípio tem por escopo que haja um “máximo resultado na atuação do
direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais”40.
O processo deverá render ao máximo, com a menor atividade possível, como o que
ocorre nos casos de conexão, continência e litisconsórcio; mas nunca se descuidando de
prestar uma tutela jurisdicional efetiva com observância das garantias dos cidadãos.
Esta economia pode ser analisada sob quatro formas: economia de custos, de tempo,
de atos e eficiência da administração judiciária.41
40 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 19 ed. p.73. 41 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. p. 25.
32
O princípio da instrumentalidade das formas está consagrado no artigo 250 do CPC
que refere que “o erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que
não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários a fim de se
observarem, o quanto possível, as previsões legais”.
Muitos doutrinadores dizem que o princípio da instrumentalidade das formas não se
confunde com o da finalidade, embora entendam que ambos servem para o mesmo escopo,
pois o processo deve atender a um fim. Refere o art. 244 do CPC “quando a lei prescrever
determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se,
realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”.
Este princípio tem maior incidência no que se refere às nulidades processuais,
privilegia a finalidade do ato e evita o formalismo exagerado. Para que o processo sirva
como um instrumento dando sentido prático ao direito material, resolvendo as situações
com efetividade, proporcionando aos jurisdicionados meios hábeis a solucionar eficazmente
as tutelas pretendidas.
Como corolário desses dois princípios surge a norma da fungibilidade em que se
realiza uma maior operatividade do sistema: “as formalidades processuais cedem para
privilegiarem-se a finalidade e a função do processo”42.
Nasce a fungibilidade de uma necessidade eminentemente prática na qual se busca,
no caso concreto, um maior acesso à justiça, a fim de que não seja negado ao cidadão o seu
direito. Aplica-se tal norma como uma forma de aproveitamento dos atos processuais com
intuito de simplificar o sistema jurídico.
Esta fungibilidade, ao contrário do que muitos ainda possam pensar, não é limitada
apenas em sede de recursos cíveis como previa o artigo 810 do CPC de 1939, em que
apareceu pela primeira vez. O atual Código de Processo Civil de 1973, sob o argumento de
42 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade: hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo. p. 119.
33
que o sistema era de todo muito simples e qualquer erro seria considerado grosseiro não fez
uso da fungibilidade.
Analisando o direito sob a ótica dos direitos fundamentais, Ingo Wolfgang Sarlet43
declara que hoje o direito vem sendo discutido, estudado e pesquisado com o foco nos
princípios constitucionais, onde o direito processual deve ser um “instrumento para a
efetivação do direito material”.44
Hoje mais do que nunca o que interessa é a produção de resultados efetivos dentro
do processo que garantam a parte seu direito. Deve haver por parte do judiciário um real
compromisso em relação a prestar a melhor tutela. Dessa forma, o “Direito Processual deve
ser conceituado como o resultado da operação de um núcleo de direitos fundamentais”45 a
fim de que seja dada ao cidadão a melhor resposta para o seu conflito.
Partindo dessa mudança de raciocínio há uma maior flexibilização dos institutos no
processo civil. Percebe-se a maior incidência da fungibilidade porque a busca é pelo direito
do cidadão e não pela escolha correta do meio a ser utilizado nesta busca.
Por vezes, a situação concreta ao ser analisada indica mais de um caminho a ser
tomado. São as chamadas “zonas de penumbra”46 pelas quais há mais de uma solução a ser
dada à situação explicitada; e nesta dúvida deve-se acolher o caminho optado pela parte.
Nestes casos em que se esta diante de uma “zona de penumbra” não ocorre a
conversão de um meio pelo outro, mas por conseqüência desta dúvida que paira tanto na
43 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 44 LAMY, Eduardo de Avelar. Princípio da Fungibilidade no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 2007. p. 31. 45 LAMY, Eduardo de Avelar. Princípio da Fungibilidade no Processo Civil. p. 32. 46 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. O princípio da fungibilidade sob a ótica da função instrumental do processo. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 08, 2005. p. 740.
34
doutrina quanto na jurisprudência, ocorre então, por parte do magistrado o exame do pedido
da parte e aceitação do meio por ela interposto.47
Em tais situações de dúvida doutrinária ou jurisprudencial é que incide a
fungibilidade, pois nunca se deve esquecer o principal objetivo do processo, qual seja, dar
direito a quem o tem e resolver de uma vez por todas o problema.
Sendo assim, deve-se permitir um largo acesso à justiça com efetividade na tutela
prestada, não podendo a parte ser prejudicada por um eventual erro quanto ao caminho
utilizado para realizar um pedido dentro do processo. Por via de conseqüência, se o
magistrado deixar de aplicar a fungibilidade estará infringindo o princípio constitucional da
garantia do direito de ação.
A norma da fungibilidade possui diferente significado se tratada no âmbito
processual ou material. Como visto no Capítulo anterior a diferença entre princípios e
regras, como espécies do gênero norma, é de grande importância para a análise que segue.
Fungibilidade material pressupõe generalidade e substituição recíproca, constituindo
assim uma via de mão dupla. Desta forma se revela como uma norma de direito
expressamente reconhecida no ordenamento substancial, o que a classifica como regra, pois
a fungibilidade trabalha como elementos tudo ou nada, os quais independem de valoração,
sendo um comando em especial com característica de decidibilidade, ou seja, uma regra.
A fungibilidade entre as tutelas de urgência é uma regra pelo simples fato de estar
expressamente prevista no ordenamento jurídico e ser específica ao instituto sendo norma
imediatamente descritiva.
É o que se pode vislumbrar nos acórdãos do TJRS, que são claros ao demonstrar a
fungibilidade como se regra fosse, no que se refere às tutelas de urgência.48
47 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: A nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo. Ano 31, n. 137, Julho – 2006. p. 135.
35
Sob a ótica do Direito Processual temos a fungibilidade como princípio. Diante da
existência de vários meios “supostamente” adequados para atingir a mesma finalidade e a
parte escolhendo meio inadequado, deve o juiz sopesar dentre tais regras aquela que melhor
se enquadra na situação fática e melhor satisfaz o direito pleiteado. Tomamos como
exemplo a “zona de penumbra” existente entre a denunciação da lide e a nomeação à
autoria que pode levar a parte a erro na escolha do instituto adequado. Nesses casos
imperioso faz-se o uso da fungibilidade como principio, adequando a regra (meio) à
finalidade esperada pelo jurisdicionado. A fungibilidade processual serve para aceitar e
aproveitar um meio como se outro fosse.49
Assim é que se relaciona com o conceito de princípio, pois esses são normas
imediatamente finalísticas e com a característica de complementaridade.
Como anteriormente referido, no âmbito do processo, a fungibilidade trata da
substituição de meios processuais que possuam a mesma finalidade, vindo para “se tornar
um símbolo de otimização da formalidade processual”.50
48 APELAÇÃO CÍVEL. CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. FUNGIBILIDADE DO PROCESSO CAUTELAR E DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. O artigo 273, § 7º, do Código de Processo Civil, contém regra de fungibilidade processual recíproca entre as tutelas cautelares e antecipatórias, ademais, não há consenso na doutrina e jurisprudência sobre a natureza jurídica da pretensão de sustação do protesto. Constando dos autos prova do “fumus boni juris” e do “periculum in mora” é de ser sustado o protesto do título, mediante caução. APELO PROVIDO. (Apelação Cível n. 70013216452, 17ª Câmara Cível TJRS - Relator Des. Alzir Felippe Schimitz – 16.03.2006) [grifo nosso]. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM FORÇA NO ART. 267, I, C/C O ART. 295, III , AMBOS DO CPC. CLASSIFICAÇÃO DA PRETENSÃO DE DIREITO MATERIAL. EFETIVIDADE DO PROCESSO. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. A Lei 10.444, de 07/05/2002, introduzindo o § 7º no art. 273 do CPC, criou regra de fungibilidade processual recíproca entre as tutelas cautelares e antecipatórias, base nos princípios da finalidade do processo, instrumentalidade das formas e da efetividade da jurisdição. Sentença extintiva desconstituída, para prosseguimento regular do feito. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível n. 70013216452, 17ª Câmara Cível TJRS - Relatora Desa. Elaine Harzheim Macedo – 25.05.2006) [grifo nosso]. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 10 abril 2008. 49 Neste sentido: LAMY, Eduardo de Avelar. Princípio da Fungibilidade no Processo Civil. p. 95-100. 50 LAMY, Eduardo de Avelar. Princípio da Fungibilidade no Processo Civil. p.102.
36
No Processo Civil podemos notar a incidência da fungibilidade em inúmeros casos e
meios processuais nos quais o conceito de fungibilidade está relacionado com a troca, com
a substituição, com conversão. É entendido no sentido de um meio processual tido por
incorreto para aquela situação que há dúvida quanto ao que deve ser usado, poder ser
aproveitado nos mesmos moldes em que foi interposto, apenas havendo adequação dos atos
por parte do magistrado.
Ocorre a aceitação de um meio processual em vez de outro, havendo a adequação
dos atos do provimento pedido por outro não pedido, mas que no entender do julgador seria
mais adequado à situação prática. Importante é “que se afaste a idéia de que a
conversibilidade é pressuposto da possibilidade de incidência do princípio da
fungibilidade”51.
Inúmeros são estes casos com os quais se pode proporcionar uma adequada solução
para as situações. Portanto, caso fosse mantido o apego extremo à forma não seria possível
dar continuidade à lide.
A norma da fungibilidade foi tradicionalmente estudada na esfera recursal, e depois,
estendida aos demais meios processuais.
Tanta a influência da fungibilidade predominantemente nos recursos, que Rui
Portanova52 a classifica em seu livro dentro da parte que trata dos recursos, chamando este
de princípio da fungibilidade do recurso e como sinonímia o utiliza como princípio do
recurso indiferente, princípio da permutabilidade dos recursos e princípio da
conversibilidade dos recursos.
O requisito básico para que se possa utilizar um recurso ao invés de outro se
valendo da fungibilidade é o de que deve haver realmente dúvida quanto ao recurso
utilizado, mas uma dúvida fundamentada e argumentada, com base na doutrina ou na
51 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: A nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo. Ano 31, n. 137, p. 137, Julho – 2006. 52 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. p. 273.
37
jurisprudência. Esta dúvida objetiva é aquela dúvida derivada de impropriedades
terminológicas presentes no próprio código. Ocorre também quando houver divergência
tanto na doutrina quanto na jurisprudência sobre qual recurso seria cabível.53
Em sendo vislumbrada a polêmica, deve o recurso ser conhecido, sob pena de
denegação de justiça e ofensa às garantias constitucionais das partes54. A fungibilidade
proporciona que se possa conhecer mais de uma espécie de recurso, contra apenas uma
decisão judicial.
Não há de se falar em erro grosseiro, o que afasta totalmente a possibilidade de
aplicação da fungibilidade, pois este estaria configurado quando a parte faz uso de um
recurso, no lugar de outro, afrontando de maneira flagrante os princípios básicos do sistema
recursal do Código de Processo Civil ou quando a jurisprudência é absolutamente
indiscrepante quanto ao cabimento de outro recurso, que não o interposto, contra a decisão
requerida55.
A má-fé ocorre em usar o recurso inadequado de maior prazo, pois o recurso cabível
estaria perdido; usar o recurso de maior devolutividade para fugir da coisa julgada formal;
valer-se do recurso mais demorado para protelar o processo; ou, simplesmente, provocar
divergência na jurisprudência para, mais tarde, poder lançar mão de outro recurso.56
Desta forma, atualmente para que se possa admitir um recurso em vez de outro é
necessário que haja o reconhecimento de posições distorcidas e contrárias a respeito de qual
53 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade: hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo. p. 80. 54 PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel. Manual dos Recursos Cíveis. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2007. p. 41. 55 PINTO, Tereza Arruda Alvim. “Dúvida” Objetiva: único pressuposto para a aplicação do princípio da fungibilidade. Revista de Processo. Ano 17, n. 65. p. 60. Jan-Mar 1992. 56 PONTES DE MIRANDA apud VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade: hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo. p. 82.
38
o melhor recurso a ser interposto e que esta discussão gere realmente dúvida objetiva para a
parte recorrente.57
Quanto às formas de intervenção de terceiros podemos perceber a incidência da
fungibilidade no caso de dúvida entre a denunciação da lide e nomeação à autoria.
Por exemplo, podemos tomar uma demanda de reparação de dano decorrente de
acidente de trânsito, quando o réu (o legal proprietário do automóvel, inscrito no
DETRAN), não fez a transferência, no órgão responsável, para o nome do comprador de
seu carro, não há previsão de nomeação à autoria nos artigos que tratam do assunto,
havendo portando dúvida objetiva em saber qual instituto deve ser usado.
Nos procedimentos também se visualiza a figura da fungibilidade, na doutrina e na
jurisprudência há discussão, sobre se existe ou não procedimentos fungíveis, em mesmo
sendo este procedimento declarado como infungível pode haver a fungibilidade.
Mesmo havendo procedimentos diversos, ao analisar a situação concreta, poderá se
aproveitar um em razão do outro, como por exemplo, a ação rescisória e a ação anulatória;
a ação declaratória de inexistência de processo e a ação rescisória, estas ações mesmo ao
possuírem procedimentos diferentes podem ser aproveitáveis mutuamente, pois a
fungibilidade de procedimentos está diretamente ligada à fungibilidade das ações.58
Nos interditos possessórios, conforme o artigo 920 do CPC ao propor uma ação
possessória em vez de outra, não há impedimento quando a aceitação do juiz quanto ao
pedido conceda a proteção que entender mais adequada ao caso concreto.
Em uma situação hipotética, o autor requer uma manutenção de posse alegando a
turbação, mas, ao ser analisada a situação, fica provado que houve apenas receio ou
ameaça, e neste caso seria correto o mandado proibitório. Ocorre aqui a fungibilidade nos
interditos substituindo a manutenção pedida pelo autor pelo mandado proibitório por ser 57 Neste sentido: VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade: hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo. p. 85. 58 LAMY, Eduardo de Avelar. Princípio da Fungibilidade no Processo Civil. p. 136 – 138.
39
mais adequado à situação. Isso acontece por causa do objetivo principal do processo que é o
de dar efetividade à tutela jurisdicional.
Estes são apenas alguns exemplos de aplicação da fungibilidade dentro do processo
civil. Por óbvio que existem inúmeros outros meios que utilizam a fungibilidade como uma
forma de aproveitamento de um meio em vez de outro.
Apenas foram citados alguns casos para melhor vislumbrar a importância do estudo
da fungibilidade, pois esta norma possibilita a utilização do processo como instrumento
útil, tempestivo e justo na prestação jurisdicional.
No tocante ao tema principal deste trabalho no que se refere à aplicação da
fungibilidade no âmbito da tutela de urgência será objeto de estudo nos próximos tópicos
deste Capítulo.
2.2 A TUTELA DE URGÊNCIA
O Código de Processo Civil ao dividir os três tipos de tutela jurisdicional em
conhecimento, execução e cautelar, deu a cada um, Livro próprio dentro do esquema do
código. Proporcionou, assim, que cada procedimento com suas peculiaridades e diferenças,
fossem divididos e mais bem entendidos. No presente estudo o que nos interessa é a tutela
cautelar.
A ocorrência da tutela de urgência remonta do Direito Romano, quando existia a
cognição prima facie, como bem destaca o jurista Alemão do século XIX Briegleb, no
Brasil teve sua primeira aparição no Código de Processo Civil de 1973.
Tutelar como bem refere Zavascki, significa proteger, amparar, defender, assistir. A
tutela jurisdicional depende da ação do interessado, quando nenhum obstáculo poderá ser
posto ao direito de acesso ao Poder Judiciário; assim o conceito de tutela jurisdicional se
40
relaciona tanto com a atividade propriamente dita de atuar a jurisdição quanto com o de
resultado desta atividade.59
O Estado, órgão que detém o poder de tutelar, chama a si o monopólio do exercício
da tutela de direitos, ao proibir a autotutela. Elenca no texto constitucional situações em que
o indivíduo possa necessitar de seu amparo não somente para reparar uma lesão já sofrida,
mas também a fim de que possa evitar essa lesão. Essa tutela prevista é a chamada tutela-
padrão, de cognição exauriente, em que o Estado-Juiz ao final de todas as oportunidades
dadas às partes para discutirem seu direito, profere um resultado que deverá ser respeitado,
daí falar-se em tutela definitiva.60
A tutela jurisdicional pode ser definitiva ou provisória. A primeira ocorre quando se
tem uma cognição exauriente, há um amplo e profundo debate acerca do processo. Porém
esta tutela, certas vezes, não se dá com a rapidez esperada pelas partes, ou com a rapidez
necessária para resolver a lide, acarretando conseqüências indesejáveis, ensejando risco de
dano irreparável ou de difícil reparação. A segunda é baseada em cognição sumária e com a
característica de não ser definitiva, é acautelatória dos direitos. Essa tutela foi criada para
que não seja comprometida a efetividade da tutela jurisdicional. Ainda, dentro do gênero
tutela provisória temos a tutela antecipada e a tutela cautelar.61
59 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 5 – 6. 60 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 5 ed. p. 18 – 25. 61 A palavra cognição dentro do direito processual poderá assumir duplo significado, ora para definir a espécie de tutela jurisdicional que tem por finalidade reconhecer a existência de um direito lesado ou ameaçado, ora empresta significado ao exame dos argumentos das partes e das provas produzidas, com o intuito de exarar juízos de valor acerca das questões levantadas no processo, resolvendo-as. No processo cautelar o juiz exerce cognição sobre os requisitos de concessão da medida cautelarr: periculum in mora e fumus boni iuris. A cognição poderá ser analisada no sentido horizontal e vertical. No sentido horizontal a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo (tinômio: questões processuais, condições da ação e mérito), podendo ser plena quando todos os elementos do trinômio que constitui o objeto da cognição estiverem submetidos à atividade cognitiva do juiz, e será limitada ou parcial quando algum dos elementos do trinômio for eliminado da atividade cognitiva do juiz. No sentido vertical a cognição deve ser classificada segundo seu grau de profundidade, em exauriente ou completa, quando ao juiz só é lícito emitir seu provimento baseado num juízo de certeza, e será sumária ou incompleta quando o provimento jurisdicional deverá ser prolatado com base num juízo de probalidade, assim como ocorre ao se examinar um pedido de antecipação de tutela.
41
No Código de Processo Civil podemos observar a existência de regimes distintos
para as medidas cautelares e para as de tutela antecipada. Desse modo haverá sempre
dificuldade para distinguir uma da outra, devendo o juiz agir com flexibilidade, dando
maior atenção à função do processo proporcionando a mais ampla efetividade da tutela
jurisdicional.62
A denominada tutela de urgência para alguns doutrinadores como Humberto
Theodoro Jr. ou tutela provisória para outros como Zavascki e Fredie Didier se divide em
duas espécies, a tutela cautelar e a tutela antecipada. No decorrer do presente estudo será
utilizado o termo tutela de urgência.
As principais características do gênero tutela de urgência são a sumariedade, que
conduz o magistrado a um juízo de probabilidade e verossimilhança diante de uma análise
superficial do objeto da causa e a provisoriedade. Esta tutela especial é concedida em
caráter precário, por poder ser revogada e modificada a qualquer tempo e em caráter
temporário, pois tem eficácia limitada no tempo.
No que se refere à coisa julgada, é pacífica na doutrina a não-existência dessa em
sede de ação cautelar, pois como referido anteriormente, uma das características da tutela
de urgência é a precariedade, isto é, em havendo mudança em relação a fatos ou a prova
produzida no processo, poderá ser a decisão modificada ou revogada a qualquer tempo, não
incidindo assim o instituto da coisa julgada.
Este tipo de tutela especial ou para alguns, tutela jurisdicional diferenciada, tem por
objetivo central que o direito do autor não pereça ao ter de esperar o tempo
necessário/estimado para a tutela definitiva a qual não é instantânea. Porém, muitas vezes,
as partes não poderão esperar esta decisão sob pena de que seja posto em risco o resultado
(PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Cognição no Processo Civil - Plena e Limitada – Exauriente e sumária – conceituação. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/01de2004/cognicaonoprocessocivil.htm> Acesso em 14 abril 2008). 62 THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Processo Cautelar. 39.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 2v. p. 715.
42
útil e efetivo do processo, devendo então a tutela jurisdicional “satisfazer em termos
jurisdicionais, a pretensão à segurança”.63
Portanto, o autor necessita se valer da tutela de urgência para dispor de seu direito,
pois dependendo da natureza daquele a espera poderá acarretar danos irreparáveis como,
por exemplo, da prestação de alimentos. De outra banda poderão existir acontecimentos que
não permitam uma futura execução da sentença, como o que pode ocorrer no caso de o réu
dilapidar o bem objeto de reivindicação do autor. Assim é que essas situações podem pôr
em risco a efetividade do processo.
No que se refere à tutela de urgência há necessidade de relação com a tutela
definitiva, vinculação a uma tutela definitiva que poderá ser prestada no mesmo processo
(tutela antecipada) ou em ação autônoma (tutela cautelar).
A tutela cautelar e a tutela antecipada, espécies da tutela de urgência diferenciam-se,
basicamente, pelo efeito jurídico que produzem, embora ambas compartilhem da mesma
finalidade. Na tutela antecipatória o verbo é satisfazer e na cautelar o verbo é assegurar.
Outro elemento importante para diferenciá-las é “a manifesta diversidade da natureza do
receio da lesão”, no sentido de que a medida cautelar visa conservar, garantir o resultado
útil do processo, enquanto na antecipação de tutela o receio de lesão só poderá ser
prevenido com a antecipação dos próprios efeitos da sentença final.64
A antecipação de tutela somente foi inserida em nosso ordenamento no ano de 1994
com a Lei 8952 “como mais uma arma na luta pela efetividade do processo que outra coisa
não é senão o empenho pela adequação do processo à função instrumental de realização do
Direito”.65
63 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Considerações sobre a tutela cautelar. Revista da AJURIS, Porto Alegre, n. 37, p. 160, Julho 1986. 64 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Perfil dogmático da tutela de urgência. Revista da AJURIS: Porto Alegre, n. 70, p. 224 - 37, Julho 1997. 65 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Antecipação de tutela duas perspectivas de análise. Revista da AJURIS, Porto Alegre, n. 70, p. 84 – 101, Julho 1997.
43
Fredie Didier diz que a diferença esta em assumirem ou não um caráter satisfativo,
pois a tutela cautelar garante uma futura satisfação do direito material deduzido, não sendo
satisfativa; já a tutela antecipada antecipa a eficácia da decisão final, é a concessão imediata
de efeitos da tutela jurisdicional, pois, satisfativa, apesar de serem técnicas processuais
distintas possuem a mesma função que é a de abrandar os males do tempo66.
Para Calamandrei o que distingue a tutela cautelar da tutela antecipada é a diferença
entre o que é temporário e o que provisório, temporário é o que não dura para sempre, tem
por si mesmo duração limitada, já provisório é o que está destinado a durar até que
sobrevenha um evento sucessivo. Sendo a tutela cautelar temporária, tem eficácia limitada
no tempo e será sucedida por outra medida de igual natureza; já a tutela antecipada é
provisória e se destina a durar até que sobrevenha uma tutela definitiva com eficácia
semelhante que a sucederá.67
Ovídio Baptista68 afirma que quando se trata de tutela cautelar, esta apenas deve
limitar-se a assegurar futura realização do direito guerreado; e em se tratando de tutela
antecipatória, satisfaz-se desde logo a pretensão.
Zavascki faz uma diferenciação entre tutela cautelar e tutela antecipada que merece
ser demonstrada, pois elucida com precisão tais diferenças:
b) a medida cautelar é cabível quando, não sendo urgente a satisfação do direito, revela-se, todavia, urgente garantir sua futura certificação ou sua futura execução; a medida antecipatória tem lugar quando urgente é a própria satisfação do direito afirmado; c) na cautelar há medida de segurança para a certificação ou segurança para futura execução do direito; na antecipatória há adiantamento, total ou parcial, da própria fruição do direito, ou seja, há, em sentido lato, execução antecipada, como um meio para evitar que o direito pereça ou sofre dano (execução para segurança);
66 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Podivm. 2007. 2v. p. 513. 67 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 5 ed. p. 34 – 5. 68 SILVA, Ovídio Baptista da. Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. Porto Alegre: Lejur, 1986. p. 67.
44
d) na antecipatória há coincidência entre o conteúdo da medida e a conseqüência jurídica resultante do direito material afirmado pelo autor; na cautelar o conteúdo do provimento é autônomo em relação ao da tutela definitiva; e) o resultado prático da medida antecipatória é, nos limites dos efeitos antecipados, semelhante ao que se estabeleceria com o atendimento espontâneo, pelo réu, do direito afirmado pelo autor; na cautelar o resultado prático não guarda relação de pertinência com a satisfação do direito e sim com sua garantia; f) a cautelar é medida habilitada a ter sempre duração limitada no tempo, não sendo sucedida por outra de mesmo conteúdo ou natureza (isto é, por outra medida de garantia), razão pela qual a situação fática por ela criada será necessariamente desfeita ao término de sua vigência; já a antecipatória pode ter seus efeitos perpetuados no tempo, pois destinada a ser sucedida por outra de conteúdo semelhante, a sentença final de procedência, cujo advento consolidará de modo definitivo a situação fática decorrente da antecipação.69
Humberto Theodoro Jr. afirma ser o terreno sobre o qual a medida irá operar que
distinguirá uma da outra, pois as medidas cautelares são puramente processuais, já que
preservam o resultado final do processo. Porém a tutela antecipada proporciona à parte
medida provisoriamente satisfativa do próprio direito material, que poderá se tornar
definitiva no provimento jurisdicional de mérito.70
Tem o juiz dois mecanismos para formulação da “solução conformadora”71, que
dependendo do caso utilizará a tutela cautelar (fundada no artigo 798 CPC) ou a tutela
antecipada (artigo 273 CPC), pois em não havendo previsão legal deverá o próprio
julgador, analisar a situação escolhendo o caminho a ser seguido.
Os direitos fundamentais com sua característica de serem multifuncionais72 dão o
caminho para uma melhor interpretação da legislação. No direito brasileiro existe direito
69 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 5 ed. p.58 – 9. 70 THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Processo Cautelar. 39.ed. 2v. p. 659. 71 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 5 ed. p.70. 72 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais.
45
fundamental para se garantir uma tutela efetiva como no artigo 5º inciso XXXV CF onde “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Esta
proteção deve ser dada às partes em tempo razoável conforme o artigo 5º inciso LXXVIII
CF referindo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Assim é que
“seria a função constitucional das tutelas provisórias: a harmonização de tais direitos
fundamentais (segurança e efetividade) em tensão” 73.
No artigo 798 CPC, temos o chamado poder geral de cautela, que confere ao juiz o
poder de determinar e conceder medidas provisórias, mesmo que não previstas em lei, por
fundado receio de dano, lesão grave ou de difícil reparação. Temos aqui uma “previsão
legal de atipicidade da tutela cautelar” 74, porém somente poderá o magistrado deferir a
tutela cautelar se comprovada necessidade da parte.
Não havia previsão para o poder geral de antecipação da tutela, mas este passou a
ser inserido na prática forense, passando jurisprudencialmente a ser denominada de
“cautelar satisfativa”75. Sempre foi objeto de inúmeras críticas por parte dos doutrinadores.
Em 1994 com a reforma do artigo 273 e artigo 461 §3º foi inserida pela Lei 8.952 no texto
do Código, a concessão da antecipação de tutela para qualquer direito e não somente para
alguns como antes era previsto.
Não é possível confundir liminar com antecipação de tutela, como muitos assim o
fazem, a palavra liminar na visão de Adroaldo Furtado Fabrício76, pode ser entendida como
“aquilo que se situa no início, na porta, no limiar”. Adotando uma linguagem processual
temos que liminar é “palavra que designa o provimento judicial emitido in limine litis, no
73 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2v. p. 514. 74 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2v. p 518. 75 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 2v. p.69. 76 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Breves Notas sobre provimentos cautelares e liminares. Revista da AJURIS: Porto Alegre, n. 66, p. 13 – 6 Março 1996.
46
momento mesmo em que o processo se instaura”, assim é que “liminar é só o provimento
que se emite inaudita altera parte, antes de qualquer manifestação do demandado e até
mesmo antes de sua citação”.
Com isso, a liminar poderá ser dada em qualquer tipo de medida judicial, desde que
seja antes de ser dada à parte oportunidade do contraditório. Para ser dada a liminar, tanto
em processo de conhecimento, de execução, quanto cautelar ou administrativo, somente se
leva em conta o critério temporal, não se podendo, portanto, confundir a natureza das
cautelares com a das liminares.
Como é de se observar a antecipação de tutela pode ser dada tanto no início do
processo quanto em qualquer outro momento, ou seja, pode ser concedida por liminar ou
não.
A tutela cautelar que é auxiliar, subsidiária de forma que antecipa a prestação
jurisdicional prestada na ação principal, tem por requisitos o fumus boni iuris traduzindo a
aparência, a possibilidade de existir um direito em discussão na ação principal, havendo
assim um interesse que justifique o pedido da ação principal devendo a parte demonstrar
em tese a existência do seu direito, e o periculum in mora, no qual a demora da ação
principal poderá acarretar dano, existe um receio de dano em relação ao bem da vida, que
pela demora poderá tornar ineficaz o objeto da ação principal.
Na tutela cautelar sempre haverá relação com ação principal, como bem refere o
artigo 796 do CPC.
Os requisitos para a tutela antecipada, que adianta a prestação jurisdicional, estão
previstos no artigo 273 do CPC: a existência de prova inequívoca da verossimilhança da
alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou ainda a
caracterização da resistência da parte contrária.
47
Na antecipação de tutela, a satisfação que se obtém é um efeito jurídico, ou seja, é o
valor atribuído ao fato conforme enquadramento dado pela norma.77
Não há, assim que se confundir tutela cautelar com tutela antecipada, cada técnica
possui características e requisitos próprios, porém ambas possuem o mesmo objetivo qual
seja: amparar as partes e o Estado. Quando a parte se submete ao monopólio estatal da
justiça se vê em risco de sofrer lesão iminente em sua esfera jurídica. Este é o principal
objetivo das tutelas de urgência.
No que se refere à responsabilidade civil, nas tutelas de urgência a responsabilidade
é objetiva pelo fato de que não há de se falar em culpa, mas apenas em “risco criado pela
parte que se beneficia da tutela preventiva”78. Ocorrendo então prejuízo, o réu será
indenizado independentemente de culpa ou má-fé do autor.
E, conforme menciona o artigo 811 do CPC, deverá a medida cautelar ser
executada, para o réu poder ser indenizado, pois somente se pode falar em prejuízos
concretos, não basta assim o simples deferimento da medida. Oportuno ressaltar que, no
caso de insucesso da tutela de urgência por erro ou má-fé do advogado, caberá a parte que
for responsabilizada direito de regresso contra este.79
Não há que se falar em semelhança entre o julgamento antecipado da lide e a tutela
antecipada, porque naquela a decisão certifica com base em cognição exauriente o direito
discutido, fazendo assim coisa julgada. Antecipando o próprio julgamento final, a
77 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Perfil dogmático da tutela de urgência. Revista da AJURIS: Porto Alegre, n. 70, p. 225, Julho 1997. 78 THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Processo Cautelar. 39.ed. 2v. p. 725. 79 GALENO LACERDA apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Processo Cautelar. 39.ed. 2v. p. 731.
48
antecipação de tutela se funda em cognição sumária e satisfaz antecipadamente o direito
deduzido adiantando os efeitos do provimento final.80
A execução da medida cautelar se dá no próprio ato decisório no qual o juiz já
determina a forma que entende ser adequada para a execução da providência decretada, ou
seja, determina como ser executada sua decisão. Exemplo disso é a decretação do seqüestro
de um bem, na própria sentença já faz constar ordem para expedição do mandado de
execução imediata do seqüestro. Da mesma forma que na medida cautelar, a execução da
tutela antecipada também é declarada no momento em que o juiz defere a medida,
ordenando a forma de seu cumprimento. Ambas possuem as mesmas justificativas e a
obtenção de resultados semelhantes, qual seja, a garantia do efetivo acesso à justiça.81
A decisão proferida por juiz singular, que concede ou não a tutela antecipada, possui
natureza de decisão interlocutória, logo, conforme o artigo 522 CPC, o recurso apropriado é
o agravo de instrumento.
Porém a discussão doutrinária está em qual recurso seria cabível quando a
antecipação de tutela é concedida na sentença, pois há quem sustente que continua sendo o
recurso de agravo de instrumento e não apelação, já que a apelação possui efeito
suspensivo, o que impossibilitaria a produção dos efeitos da antecipação de tutela; os que
defendem que deva ser a apelação o recurso cabível, rebatem o óbice do efeito suspensivo
fundamentando-se no artigo 520, inciso VII, do CPC, cabendo, então apelação sem efeito
suspensivo.82
80 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2v. p. 530 – 1. 81 THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Processo Cautelar. 39.ed. 2v. p. 703 – 9. 82 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2v. p. 569 - 70.
49
Feitas essas breves considerações, não nos parece simples diferenciar uma ou outra
forma de tutela de urgência. No momento da interposição necessita o aplicador do direito
utilizar grande habilidade para distinguir uma da outra.
Após a doutrina e jurisprudência debaterem sobre as divergências existentes em
torno desse assunto, sobreveio no ordenamento processual civil brasileiro em 2002, o § 7º
no art. 273 do diploma processual civil fazendo previsão expressa à possibilidade de ser
deferida medida cautelar se o autor a requerer esta em sede de antecipação de tutela, a fim
de que a parte não seja prejudicada por um eventual erro instrumental e formal, fazendo
com que as partes possam gozar do livre acesso à Justiça.
2.3 A FUNGIBILIDADE NA TUTELA DE URGÊNCIA
Após análise da tutela de urgência e de suas duas espécies, tutela cautelar e tutela
antecipada, existem situações concretas como já referido anteriormente em que não se
consegue identificar a utilização de uma ou de outra, estando diante de uma “zona de
penumbra”83, em que nem a doutrina nem a jurisprudência encontram uma única solução,
em que não há consenso. Mas quando for dada uma resposta ao caso concreto deverá ser
esta dúvida decidida a favor dos direitos fundamentais.
José Carlos Barbosa Moreira ao fazer uma comparação entre o Direito e a vida
relata que “quase sempre se depara uma espécie de zona de fronteira, uma faixa cinzenta,
que nem o mais aparelhado cartógrafo saberia dizer com precisão em qual dos dois terrenos
estamos pisando”84.
83 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. O princípio da fungibilidade sob a ótica da função instrumental do processo. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 08, 2005, p. 740. 84 BARBOSA MOREIRA apud VAZ, Paulo Afonso Brum. Tutelas de urgência e o princípio da fungibilidade (§7º do art. 273 do CPC). Revista de Processo. Ano 32, n. 144, p. 26, Fev. 2007.
50
Existe por certo diferença entre o dano que uma ou outra tutela de urgência pretende
afastar. Embora distintos os institutos elas se legitimam pela “função de prevenção do
dano”, possuem assim a mesma função constitucional. Por esta razão, desde que não haja
incompatibilidade, podem seus regimes jurídicos se comunicar, mas “cada uma continua
com seu campo de incidência bem definido e intangível”.85
Do §7º do art. 273 do CPC, pode-se perceber que houve um abrandamento da regra
da vinculação do juiz ao pedido da parte, conferindo assim ao juiz a possibilidade de
conceder medida cautelar diferente da postulada. Esta inovação trazida pelo Código de
Processo Civil em 2002, também abriu mais as portas do sincretismo processual86
permitindo que o juiz conheça, acautele e execute.
Como leciona Lamy ao tratar do sincretismo processual, a possibilidade de se
obterem decisões de mérito de forma generalizada mediante a cognição sumária e a
produção de efeitos executivos fáticos imediatos é essencial para que se tutele a urgência.87
Embora a doutrina brasileira tenha se dedicado a diferenciar a tutela antecipada da
tutela cautelar, com o escopo de que elas não fossem confundidas, não foi de todo
suficiente para evitar o uso da fungibilidade.
A fungibilidade na tutela de urgência está diretamente ligada ao objetivo de dar
efetividade ao processo que nada mais é do que um direito constitucional elementar, tutela
esta de cognição sumária e de caráter instrumental.
A doutrina é praticamente unânime em utilizar a norma da fungibilidade quando se
refere a chamada fungibilidade de mão única, ou seja, ao ser pleiteada tutela antecipada,
mesmo em sendo caso de medida cautelar, aceita-se a medida antecipatória postulada
85 VAZ, Paulo Afonso Brum. Tutelas de urgência e o princípio da fungibilidade (§7º do art. 273 do CPC). Revista de Processo. Ano 32, n. 144, p. 26, Fev. 2007. 86 Expressão significando que, os atos de execução e cognição serão realizados em um mesmo procedimento. 87 LAMY, Eduardo de Avelar. Princípio da Fungibilidade no Processo Civil. p.34.
51
mesmo não sendo a mais indicada, a fim de que este equívoco não prejudique o direito da
parte. Esse entendimento já havia sido consolidado na prática forense e também em grande
parte da jurisprudência. A divergência se restringe em relação a aplicação da fungibilidade
no sentido inverso, pairando-se a discussão sobre a possibilidade de fungibilidade de mão
dupla, isto é, a possibilidade de um pedido a título de medida cautelar ser recebido como se
tutela antecipada fosse.
Já em 1997 o professor Carlos Alberto Álvaro de Oliveira ilustrava a possibilidade
da fungibilidade de mão dupla ao afirmar que “impossibilidade de o Juiz extinguir o
processo sem julgamento do mérito se por mero equívoco a parte denominou a antecipação
de cautelar ou vice-versa. O simples nome não apresenta qualquer relevância jurídica”.88
A regra do §7º do artigo 273 do CPC introduzida pela lei 10.444/02 se limitou a
explicitar aquilo que o artigo 798 do CPC já possibilitava pelo poder geral de cautela. Mas
a realidade prática tem consolidado o desapego às técnicas, entendendo Lamy89 que não se
faz sentido falar em fungibilidade de mão única, sustentando que é possível por meio
cautelar se obter medida antecipatória.
Ao explicar sua posição o autor menciona que a concessão da antecipação de tutela
deve ser condicionada, por conveniência, à emenda da petição inicial, caso tal antecipação
tenha sido requerida como medida cautelar.
O autor faz essa sustentação com base no fato de que as tutelas cautelar e antecipada
são apenas técnicas para a prestação da tutela urgente. Por conseguinte, são as técnicas
cautelar e antecipatória um meio e não um fim. Desta forma, poderia usar-se o princípio de
fungibilidade como flexibilização das técnicas que são os meios pelos quais se atinge o fim,
ou seja, a prestação da tutela.
88 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Perfil dogmático da tutela de urgência. Revista da AJURIS: Porto Alegre, n. 70, p. 237, Julho 1997. 89 LAMY, Eduardo de Avelar. Princípio da Fungibilidade no Processo Civil. p. 131 - 6.
52
Por fim destaca que por este motivo o §7º do art. 273 trata da mudança de uma
técnica por outra e não de uma tutela por outra, devendo-se assim entender a possibilidade
da fungibilidade de via dupla entre as medidas de urgência cautelares e antecipatórias.
Fazendo uma ressalva ao tratar da aplicação da fungibilidade no sentido da técnica cautelar
para a antecipatória, poderá o juiz converter o procedimento requerido para o rito comum
tanto ordinário como sumário. Poderá fazê-lo de ofício, contudo não deverá o julgador
indeferir medida de urgência sob fundamento de inadequação.
Basicamente no mesmo sentido é a manifestação do jurista Fredie Didier90, ao
afirmar que somente haverá concessão de provimento antecipatório requerido como
cautelar se vier acompanhado de uma mudança de procedimento, isso como uma solução
intermediária, na qual poderá o juiz conceder a medida, se convertido o rito para o comum,
com a devida intimação do autor para que antes da citação do réu este proceda às
adaptações na peça inicial se assim o desejar, caso contrário, o autor é categórico ao afirmar
que “não se pode conceder provimento antecipatório requerido como se cautelar fosse”.
Deixa claro o autor que, em hipótese alguma deverá o juiz extinguir o feito, com
base na ausência de interesse de agir, pois a conversibilidade de procedimento é corolário
do principio da instrumentalidade das formas.
Ao tratar do deferimento de cautelar que seja requerida como antecipatória, destaca
a necessidade, de fundada incerteza sobre qual tutela de urgência é adequada ao caso
concreto, mas em havendo erro grosseiro exclui totalmente a medida.
Paulo Afonso Brum Vaz91, também não vislumbra nenhum óbice para deferir
medida antecipatória em vez da medida cautelar postulada, porém enfatiza que devem
constituir “exceções restritíssimas” a concessão de antecipação de tutela por meio de
procedimento cautelar, devendo sempre observar os requisitos do artigo 273, do CPC, a
90 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 2v. p. 520 – 8. 91 VAZ, Paulo Afonso Brum. Tutelas de urgência e o princípio da fungibilidade (§7º do art. 273 do CPC). Revista de Processo. Ano 32, n. 144, Fev. 2007
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ausência de prejuízo para a defesa, e por último deve ser esta “flexibilização
procedimental” motivada.
Aduz que §7º do art. 273 autoriza o emprego do procedimento comum ordinário
para algumas medidas cautelares, o que possibilita cumular no mesmo processo pedido
cautelar e de pretensão de direito material, afirmando ser este o alcance da fungibilidade de
mão dupla, ou seja, caso a parte peça no processo de conhecimento medida cautelar poderá
o juiz conferir-lhe tutela antecipada, uma vez que o dispositivo autoriza a cumulação de
medida cautelar e de conhecimento.
No mesmo sentido de se admitir a fungibilidade de mão dupla cabe destacar os
doutrinadores, Cândido Rangel Dinamarco92, Márcio Louzada Carpena93 e Luiz Guilherme
Marinoni94, todos com suas particularidades, mas no geral comungando da mesma posição.
A fungibilidade de mão dupla está presente em vários julgados como bem podemos
destacar do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e do Superior Tribunal de
Justiça, como passo a demonstrar.
Em recente decisão do TJRS datada de 12 de julho de 2007, o relator Des. Ubirajara
Mach de Oliveira, da 6ª Câmara Cível, ao julgar o agravo de instrumento n. 70017498213,
destacou em seu voto a possibilidade de conceder a tutela cautelar em vez da medida
satisfativa pleiteada, ou vice-versa, sempre que os pressupostos específicos estiverem
configurados.95
92 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 91-92. 93 CARPENA, Márcio Louzada. Do processo Cautelar moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 108. 94 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 2v. p. 224. 95 AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. CAUTELAR INOMINADA. 1. IDENTIDADE FUNCIONAL ENTRE A MEDIDA CAUTELAR E A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, ENQUADRADAS NO GÊNERO “TUTELA DE URGÊNCIA”. FUNGIBILIDADE. PRECEDENTES. 2. LIMINAR. CIRURGIA DE CARÁTER EMERGENCIAL. COBERTURA. Preenchidos os requisitos do artigo 273 do CPC, é de se conceder a antecipação de tutela pleiteada para que a agravada forneça a cobertura
54
Esse entendimento se depreende de decisão do STJ, proferida pela Ministra Nancy
Andrighy em Recurso Especial n. 653.381, cujo voto afirma que hoje, não se pode perder
de vista que a exegese do Código de Processo Civil deve ser feita com temperamento,
deixando-se de lado o excessivo formalismo ou tecnicismo puramente acadêmico, para,
assim, buscar-se a efetividade do processo. O Direito, como sistema, deve ter no processo
um instrumento de realização da justiça, tendente à pacificação dos conflitos sociais.
Assim, deve o magistrado aplicar o direito processual, antes de tudo, buscando a realização
da justiça e pacificação social.96
Em sentido contrário ao acima explicitado temos Rita de Cássia Vasconcelos97,
dizendo que a Lei não autoriza a fungibilidade de mão dupla, pois a essa somente autoriza
que, em sendo pedida antecipação de tutela, seja dada medida cautelar. Isso acontece pelo
fato de serem os requisitos da tutela antecipada mais rigorosos. Por conseqüência, a tutela
antecipada seria o mais e a medida cautelar o menos, ou seja, aquela poderá abranger esta e
não vice-versa.
Compartilha desse mesmo entendimento Arruda Alvim98 ao destacar que há
fungibilidade em apenas uma direção, não podendo ocorrer reciprocidade, pois “em relação
à tutela antecipada para cautelar, ter-se-á pedido do mais restando concedido o menos”.
necessária à cirurgia de urgência da autora. RECURSO DESPROVIDO. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br > Acesso em 10 abril 2008. 96 Processual Civil. Recurso especial. Fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela. Art. 273, §7º, do CPC. Interesse processual. - O princípio da fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela confere interesse processual para se pleitear providência de natureza cautelar, a título de antecipação dos efeitos da tutela. Recurso Especial não conhecido. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br > Acesso em 10 abril 2008. 97 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade: hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo. p. 310 – 5. 98 ARRUDA ALVIM apud VAZ, Paulo Afonso Brum. Tutelas de urgência e o princípio da fungibilidade (§7º do art. 273 do CPC). Revista de Processo. Ano 32, n. 144, Fev. 2007, p.31.
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Este último entendimento foi entabulado por Humberto Theodoro Jr.99, pois o
professor deixa nítido seu posicionamento no sentido de existir fungibilidade em um só
sentido, ou seja, de antecipação de tutela para medida cautelar, somente se podendo aceitar
do mais rigoroso para o menos rigoroso.
De um modo geral podemos perceber a preocupação dos doutrinadores em dar
efetividade ao processo, em propiciar tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva,
deixando de lado o rigorismo formal para conceder às partes um amplo acesso à justiça
caso ocorram equívocos diante da nomenclatura utilizada. Porém esta flexibilidade deve ser
proporcionada sem esquecer a segurança tanto da parte autora como da parte ré.
Apesar de entendimentos diversos, todas as correntes concordam em determinados
pontos como, por exemplo, que o §7º permite a obtenção de medida cautelar no bojo do
próprio processo de conhecimento. Esse dispositivo prevê a fungibilidade de pedidos e não
de procedimentos, assim é que apesar das divergências, existem pontos em comum para os
defensores de cada corrente.
A fungibilidade das cautelares típicas ou nominadas também encontram
posicionamentos contrários na doutrina.
O entendimento de Paulo Afonso Brum Vaz100 é no sentido de que a fungibilidade
somente se aplica para as cautelares inominadas, pois no que se refere as cautelares típicas
com procedimento próprio no CPC, não há de se falar em confusão nem engano. O autor
assevera que, caso isso ocorra, deve ser entendido como erro grosseiro.
Em sentido contrário Rita de Cássia Vasconcelos101 afirma que não haveria
desrespeito à vinculação do juiz ao pedido, pelo simples fato de que presentes os requisitos
99 THEODORO JR, Humberto. Tutela de Emergência. Antecipação de Tutela e Medidas Cautelares. O Processo Civil no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 94 100 VAZ, Paulo Afonso Brum. Tutelas de urgência e o princípio da fungibilidade (§7º do art. 273 do CPC). Revista de Processo. Ano 32, n. 144, p.30, Fev. 2007. 101 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da Fungibilidade: hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo. p. 308 - 9.
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genéricos para conceder a medida não se percebe impedimento de o juiz conceder medida
cautelar diferente da postulada, não importando ser ela uma medida nominada ou
inominada. A autora entende que a fungibilidade refere-se ao pedido mediato, isto é, o bem
da vida e não ao tipo de provimento jurisdicional pleiteado (pedido imediato). Portanto o
que prevalece é a reparabilidade ou sustação do perigo/dano em detrimento da
nomenclatura utilizada pelo autor no momento do pedido.
Neste mesmo entendimento Tereza Arruda Alvim Wambier diz que há
fungibilidade entre as medidas típicas e atípicas, com o fundamento que “se a todo direito
corresponde uma ação, a todo direito corresponde também, e necessariamente, uma
cautela”102.
A jurisprudência, em sua maioria é em favor da fungibilidade entre as cautelares
típicas, como demonstra o acórdão do STJ, em Recurso especial n. 909.478 em 09.08.2007
pela Ministra Nancy Andrighi, destacando em seu voto que, tendo em mente as funções
instrumental e jurisdicional, se devem apreciar e interpretar as pretensões cautelares, e o
erro na indicação da medida cautelar não pode levar o Poder Judiciário a simplesmente
afirmar que o expediente jurídico é inadequado.103
Embora, à primeira vista, sejam possíveis, no caso, a duas hipóteses interpretativas,
é necessário estar preocupado com um processo efetivo e justo, pois para haver um
processo civil eficiente é necessário que este seja capaz de produzir resultados eficazes à
solução do conflito.
102 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. O princípio da fungibilidade sob a ótica da função instrumental do processo. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 08, 2005, p. 748. 103 DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO PARA ENTREGA DE COISA FUNGÍVEL. EXEQUIBILIDADE. MEDIDA CAUTELA DE ARRESTO. CABIMENTO. - É exeqüível o contrato para entrega de coisa fungível em data certa e futura, dede que o título contenha os requisitos da exigibilidade, certeza e liquidez. - O art. 813 do CPC deve ser interpretado sob o enfoque ampliativo, sitemático e lógico, de sorte a contemplar outras hipóteses que não somente as expressamente previstas no dispositivo legal. - O erro na indicação da medida cautelar não pode levar o Poder Judiciário a simplesmente afirmar que o expediente jurídico é inadequado. Cabe ao juiz, com base na fungibilidade das medidas cautelares, processar o pedido da forma que se mostrar mais apropriada. Recurso Especial conhecido e provido.
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O §7º do artigo 273 veio para atender aos anseios doutrinários e jurisprudências,
pois já havia este entendimento consolidado em lides jurídicas. A diferença entre as duas
tutelas de urgência é sutil, a ponto de que nem a doutrina, nem a jurisprudência em
determinados casos poderiam distinguir uma da outra, isso por uma “razão de lógica básica:
somente coisas distintas podem ser confundidas”104.
Com o objetivo de dar segurança jurídica e efetividade de jurisdição às tutelas de
urgência, caso o magistrado perceba-se da ocorrência de erro grosseiro, o melhor a se fazer
é afastar a possibilidade da aplicação da fungibilidade. Portanto, o equívoco deve ser
escusável para aplicação dessa norma.
A nosso ver parece plenamente possível a fungibilidade de mão dupla sem a
necessidade de conversão procedimental, pelo fato de que os princípios constitucionais
elencados em nossa Carta Magna proporcionam ao cidadão um acesso à justiça, com todas
as garantias inerentes à prestação de uma tutela jurisdicional justa e efetiva.
O objetivo central é impulsionar a instrumentalidade do processo e não favorecer a
morosidade e o desnecessário excesso de formalismo.
Tomamos por exemplo a sustação de protesto, objeto de grande discussão
doutrinária. Está arraigada na práxis forense a utilização da ação cautelar inominada/atípica
visando à sustação de protesto de título cambial. Isso se deve, pois antes da reforma de
1994, para satisfazer urgentemente um direito ameaçado, se utilizava a cautelar inominada
por ausência de previsão expressa e genérica do instituto da antecipação de tutela.
Com a reforma determinada pela Lei 8.952 de 13 de dezembro de 1994, nada mais
justifica a utilização de medida cautelar inominada para obter a sustação de protesto, diante
da natureza satisfativa deste instituto, pois como assevera Zavaski “a cautelar inominada de
sustação de protesto não tem natureza cautelar típica, mas é, isto sim, antecipação
104 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 2v. p. 224.
58
satisfativa da eficácia negativa do preceito contido na sentença”105. No entanto, os
Tribunais, apesar da distinção operada, continuam aceitando a medida cautelar de sustação
de protesto como se antecipatória fosse por força da regra da fungibilidade.
Há que se atentar, que não mais se trata de erro grosseiro confundir tais medidas,
mas privilegiando os princípios da economia processual, dignidade da pessoa humana e
instrumentalidade das formas bem como os demais inerentes ao processo já citados no
decorres deste trabalho acabam por privilegiar a finalidade em detrimento da forma.
Nas palavras do Des. Jorge Luiz Dall’Agnol em julgamento de pedido de ação
cautelar de sustação de protesto destaca-se que, desde que preenchidos os requisitos
necessários para seu deferimento é possível aceitar um meio por outro; não havendo razão
para não receber a ação proposta pelo apelante como cautelar, há de se conceder o pedido,
desde que preenchidos os requisitos necessários ao seu deferimento.106
O STJ em recente decisão acatou pedido de cautelar de sustação de protesto, com
base no poder geral de cautela existente no art. 798 do CPC e a regra da fungibilidade
prevista no §7º do art. 273. Resta consolidada neste tribunal, a possibilidade de suspensão
dos efeitos dos protestos quando há discussão judicial de débito, substituição pelo fato de
que o perigo de dano pode ser evitado com a substituição da sustação pela suspensão dos
seus efeitos. Caso o protesto já tenha sido lavrado na pendência da discussão judicial do
débito, que é o caso sob julgamento, entende o Superior Tribunal que a decisão cautelar de
sustação de protesto de título insere-se no poder geral de cautela, previsto no art. 798 do
CPC. Entende, também, que a sustação de protesto se justifica quando as circunstâncias de
fato recomendam a proteção do direito do devedor diante de possível dano irreparável e da
presença da aparência do bom direito e quando houver a prestação de contra-cautela. Resta
105 ZAVASKI, Teori Albino. Antecipação de Tutela e colisão de direitos fundamentais. Revista do Tribunal Regional Federal: 1ª Região. V.7, n. 3. p. 15 – 32. Julho – setembro 1995. 106 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70013482831, 17ª Câmara Cível, Decisão Monocrática Des. Jorge Luís Dall’Agnol – 29.11. 2005. No mesmo sentido destacamos o acórdão Apelação Cível n. 70016550683 – Relator Des. José Aquino Flores de Camargo – 27.09.2006. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em 10 abril 2008.
59
referir que cabe o provimento provisório, quer se trate de antecipar os efeitos do
provimento definitivo, quer se trate apenas de assegurar-se sua eficácia prática por força do
§7º do art. 273 do CPC.107
Deverá ser a fungibilidade utilizada em processos com uma dúvida a ser resolvida.
No caso da tutelas de urgência, por exemplo, cuja diferença entre tutela cautelar e tutela
antecipada, dependendo do caso, é muito tênue, havendo divergência doutrinária e
jurisprudencial. Neste momento a regra da fungibilidade é de suma importância na prática
forense, devendo ser aplicada em sede de tutela de urgência, pois a doutrina moderna
caminha neste sentido de uma maior flexibilização e célere solução da controvérsia.
Resta, então, ao julgador apreciar o fim a que se destina a causa, pois a regra
estipulada pelo §7º do art. 273 do CPC deve ser interpretada com base nos direitos
fundamentais da parte, não deixando de sopesar os princípios informadores da efetividade e
da instrumentalidade. A fungibilidade dará a correta interpretação e flexibilização,
indicando a melhor solução ao caso concreto.
A norma da fungibilidade tem íntima ligação com um princípio informador do
processo civil, qual seja, o econômico, de suma importância na atualidade já que informa
que o processo deve ser resolvido da forma mais rápida e com o mínimo de despesa.
Desta forma com base nos princípios constitucionais da economia processual e da
instrumentalidade das formas, temos a fungibilidade, tema de forte discussão doutrinária,
porém de grande utilidade para os cidadãos, a fim de que a eles seja assegurado o acesso à
justiça sem delongas ou empecilhos que o afastem do direito que buscam!
107 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 627.759, STJ – Relatora Ministra Nancy Andrighi – 25 de abril de 2006. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 10 abril 2008.
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CONCLUSÃO
A fungibilidade como foi demonstrado no decorrer deste estudo é um importante
instrumento de justiça e de efetividade do processo. Diante das últimas tendências do
processo civil moderno percebe-se que se está deixando de lado a preocupação exagerada
com a forma e caminha-se no sentido de privilegiar a efetividade da tutela jurisdicional,
fazendo com que a parte satisfaça sua pretensão de maneira mais completa e célere, nunca
deixando de lado a segurança jurídica. A fungibilidade vem ao encontro deste novo
processo, pois proporciona ao jurisdicionado, que por uma mera dúvida objetiva ou
subjetiva, não seja prejudicado na busca de seu direito.
Verifica-se que a fungibilidade não só existe no âmbito das tutelas de urgência,
tema central deste ensaio, mas também encontra respaldo no que se refere a outras
demandas jurisdicionais, o que faz da fungibilidade um instrumento indispensável dentro
do processo civil.
Na tutela de urgência a fungibilidade é de suma importância, pois na prática forense
tal regra oferece efetividade à demanda posta em discussão, de forma que se postulada ação
de antecipação de tutela com os requisitos de uma medida cautelar ou vice-versa, poder-se-
á fazer uso da fungibilidade para aceitar uma tutela em vez de outra.
Considera-se possível a fungibilidade entre as técnicas antecipatória e cautelar,
porém há discussão doutrinária a fim de se aceitar a fungibilidade de mão dupla, ou seja,
tanto da antecipatória para a cautelar ou da cautelar para a antecipatória. No âmbito da
jurisprudência colecionada neste estudo foi possível demonstrar o acatamento por parte dos
61
Tribunais, especificamente nosso Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça, a
possibilidade da fungibilidade de mão dupla, isto é, em ambos os casos se poderá fazer uso
da regra da fungibilidade para acatar pedido erroneamente pleiteado.
Tomamos como exemplos diversos casos, tais como o da sustação do protesto, no
qual há discussão sobre sua natureza jurídica. Na maioria dos casos são interpostas medidas
cautelares de sustação de protesto, quando na verdade trata-se de antecipação de tutela em
face de sua natureza satisfativa. Com respaldo no art. 273, §7º, do CPC, poder-se-á acatar a
ação cautelar a fim de que não se prejudique a parte na busca do seu direito.
Nas cautelares nominadas da mesma forma se admite a possibilidade de se aceitar
um arresto como se seqüestro fosse, pois sem dúvida podemos nos deparar com uma “zona
de penumbra”, cabendo ao juiz processar o pedido da forma que se mostrar mais apropriada
aos fins que o pleito almeja e não pura e simplesmente afirmar que o procedimento não é
adequado. Tal ato implica maior proteção à parte.
Nota-se que na prática, as referências antes tidas como absolutas estão
relativizando-se. Assim é que o direito deve ser encarado, como um sistema, mas um
sistema dinâmico que deve acompanhar a evolução da humanidade, não podendo se
contentar com conceitos estáticos.
Decorrente dos princípios da economia processual e da instrumentalidade das
formas a fungibilidade caracteriza-se como regra e não como princípio ao se tratar de tutela
de urgência. Daí falar-se em fungibilidade formal por se encontrar expressamente prevista
no ordenamento jurídico, não se olvidando do caráter de decidibilidade das regras, pois elas
instituem obrigações absolutas, definindo o modo e terminando com a discussão. Dessa
maneira, o §7º do art. 273 veio exatamente para indicar deveres pretensamente definitivos,
fazendo com que seja feita adequação do fato ao tipo.
Com isso, há de se destacar a revolução que tal princípio efetuou num sistema tido
como formal. Atualmente, pelo esforço conjunto dos doutrinadores, aplicadores do direito e
da jurisprudência dos Tribunais, vislumbra-se um direito mais humanizado, preocupado
62
com a pessoa. O escopo primordial buscado é proporcionar para os cidadãos a tutela de seu
direito de forma efetiva a fim de que possam desfrutar com plenitude o resultado obtido no
processo.
Assim é que a dignidade da pessoa humana nunca esteve tanto em voga, em
debates, palestras, seminários e discussões acadêmicas. Dessa forma, relativizando as
regras processuais é que se chegou a mecanismos como o da fungibilidade. O processo
deve aproximar-se dos acontecimentos sociais, não se resumindo apenas em discussões
acadêmicas infrutíferas que acabam por distanciar a “Lei do povo”. Não se está aqui
criticando a natureza científica do direito processual que muito fez para que o processo
chegasse ao que é atualmente. Queremos salientar apenas que os estudiosos do direito e
principalmente os “lidadores” do direito se apercebam da importância em abandonar o
formalismo exacerbado das regras de direito processual. Mais efetividade ao processo é o
“lema”. Assim, para assegurar todas as garantias inerentes ao homem, faz-se necessário um
processo efetivo, seguro e de acordo com o ordenamento constitucional.
63
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