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Escola de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Direito das Empresas A tributação autónoma no âmbito do IRC Walcemir de Azevedo de Medeiros Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito das Empresas Orientador: Professor Doutor Vasco António Branco Guimarães, Professor Coordenador do ISCAL. Junho, 2017

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Escola de Ciências Sociais e Humanas

Mestrado em Direito das Empresas

A tributação autónoma no âmbito do IRC

Walcemir de Azevedo de Medeiros

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em

Direito das Empresas

Orientador:

Professor Doutor Vasco António Branco Guimarães, Professor Coordenador do ISCAL.

Junho, 2017

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A Rosa, João, Dinei, Neca, Deno e Ley.

A Neuci, Renata e Flávia.

A Jolie.

Aos meus professores.

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Resumo

Controversas em alguns aspetos, há 26 anos foram as Tributações Autónomas instituídas no

âmbito do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas – IRC. A princípio extrafiscal, a

finalidade dessas tributações autónomas modificou-se com o passar do tempo. Hoje possuem

também relevância reditícia, eis que o produto de sua arrecadação já configura importante

componente da receita pública de Portugal. Em decorrência, já do outro lado do balcão, como

elementos integrantes dos gastos os contribuintes, as Tributações Autónomas em IRC afetam

significativa e negativamente o resultado económico das empresas. A propósito, sabe-se que, em

última análise, a cobrança de impostos caracteriza transferência compulsiva de riqueza das

famílias e empresas para o Estado. Nem sempre, todavia, essa transferência é feita de maneira

correta. Seja em virtude de falhas na edição, pelo legislador, ou de equivocada aplicação, pelo

fisco ou pelo próprio contribuinte, da norma jurídica que os institui ou regula, impostos em geral

podem vir a ser exigidos ou liquidados em desconformidade com a referida norma jurídica ou

com a Constituição da República e seus princípios. O prejuízo, em regra, é mesmo do

contribuinte. Com as Tributações Autónomas em IRC não é diferente. E o objetivo do presente

trabalho é fazer criteriosa análise das normas jurídicas que instituem ou regulam essas tributações

autónomas, de modo a verificar possíveis desconformidades com as normas jurídicas a elas

aplicáveis. Nessa análise, buscar-se-á compreender os elementos formadores dos enunciados

normativos que regulam as modalidades de Tributação Autónoma em IRC, suas vicissitudes e

particularidades, nomeadamente quanto à incidência e matéria coletável de cada uma delas.

Pretende-se, como resultado, produzir informações que possam ser aproveitadas, pelas

sociedades comerciais, em tomadas de decisão relacionadas à matéria. Tenciona-se ainda, a partir

dessa investigação, formular argumentos que possam ser úteis às empresas na defesa de seus

interesses em eventuais contenciosos fiscais acerca das Tributações Autónomas em IRC.

Palavras-chave: empresa, fiscalidade, tributação autónoma, IRC.

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Abstract

Controversial in some aspects, autonomous taxation was established 26 years ago within the

framework of corporate income tax (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, IRC).

Initially extrafiscal, the purpose of these autonomous taxes, changed in time. Today they are also

significant in terms of public credit, as this tax collection is an important component of the public

revenue in Portugal. Concurrently, as an integral component of taxpayer spending, autonomous

taxation with IRC has a significant negative impact on the economic performance of companies.

Ultimately, tax collection is the enforced transfer of wealth from families and companies to the

state. However, this transfer is not always done correctly. Either by error in the legal text (by the

legislator) or erroneous application of the legal standards that establish or regulate taxes (by the

tax authorities or the taxpayer), taxes in general may be demanded or settles without conforming

with the aforementioned legal standards or with the Constitution and its principles. As a rule, the

taxpayer is always negatively impacted. The case is no different with autonomous taxation. The

goal of this study is to carefully analyze the juridical norms establishing or regulating

autonomous taxes in order to verify possible nonconformities with the applicable legal standards.

This analysis seeks to understand the elements of the normative statements that regulate the

modalities of autonomous taxation by IRC, and their individual characteristics and peculiarities,

particularly with regard to incidence and tax base. The objective is to produce information that

can be used by commercial entities in their decision-making regarding this matter. It is hoped

that this research will also be used to formulate arguments that may be useful to businesses in

the defense of their interests in any disputes related to autonomous taxation.

Keywords: Company, taxation, autonomous taxation, IRC.

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Índice

Introdução e justificativa ............................................................................................................... 1

I - Objetivo .................................................................................................................................... 5

II - Delimitação do objeto ............................................................................................................. 6

III - Breve referencial teórico ........................................................................................................ 7

IV - Enquadramento genérico da TA em IRC ............................................................................... 9

V - Fundamento de validade da norma instituidora da TA no âmbito do IRC ........................... 12

VI - A instituição da TA no âmbito do IRC ................................................................................ 14

VII - TA em IRC sobre despesas não documentadas .................................................................. 15

VII.1 - TA em IRC sobre despesas não documentadas – casos práticos ................................ 18

VII.2 - TA em IRC sobre despesas não documentadas – a natureza jurídica sancionatória .. 20

VIII - TA em IRC sobre encargos com viaturas ......................................................................... 25

IX - A TA em IRC com gastos de representação ........................................................................ 30

IX.1 - A definição de despesas de representação: um caso prático ........................................ 31

X - A TA em IRC sobre pagamentos destinados a pessoas residentes fora de Portugal e sujeitas

a regime fiscal mais favorável ..................................................................................................... 34

XI - TA em ajudas de custo e compensação por deslocação em viatura do trabalhador ............ 44

XI.1 - TA em ajudas de custo: casos práticos ........................................................................ 46

XII - TA sobre lucros distribuídos .............................................................................................. 48

XIII - TA sobre encargos relativos a indemnizações, compensações, bónus e outras remunerações

variáveis a gestor, administrador ou gerente ............................................................................... 52

XIV - TA sobre as empresas de fabricação ou distribuição de produtos petrolíferos refinados . 56

XV - Outros dispositivos do artigo 88 do CIRC sobre as tributações autónomas ...................... 62

XVI - Aspectos genéricos sobre a TA no âmbito do IRC ........................................................... 68

Conclusões .................................................................................................................................. 77

Referencial bibliográfico ............................................................................................................ 81

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Índice de quadros

Quadro A.1 - Participação das TAs sobre o IRC liquidado ……………………...….…… 1

Quadro VIII.1 - Taxas de TA em IRC sobre encargos com viaturas …………………….. 28

Índice de figuras

Figura A.1 - Participação percentual das TAs sobre o IRC liquidado…………………….. 1

Figura XI.1 - Regime aplicável à incidência da TA do art. 88, n.º 9 do CIRC…………… 45

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Glossário de siglas

Ac. Acórdão

Art. Artigo

AR Assembleia da República

AT Autoridade Tributária e Aduaneira

CAAD Centro de Arbitragem Administrativa

CC Código Civil

CCOM Código Comercial

CSC Código das Sociedades Comerciais

CIRC Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

CIRS Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

CISV Código do Imposto sobre Veículos

CRP Constituição da República de Portugal

IRC Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

IRS Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

ISV Imposto sobre Veículos

LGT Lei Geral Tributária

N.º Número

OE Orçamento do Estado

OPA Oferta pública de aquisição

P. ex. Por exemplo

RGIT Regime Geral das Infrações Tributárias

Rel. Relator

SNC Sistema de Normalização Contabilística

SP Sujeito passivo

STA Supremo Tribunal Administrativo

STJ Supremo Tribunal de Justiça

TC Tribunal Constitucional

TA Tributação autónoma

TAs Tributações autónomas

Trad. Tradução

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Nota acerca da delimitação temporal do objeto de estudo

Como marco temporal, definiu-se como objeto de estudo desta dissertação as normas reguladoras

das Tributações Autónomas constantes no Código do IRC, com as alterações nele efetuadas até

a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março. Algumas modificações foram posteriormente introduzidas

ao regime das TAs pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado

para 2017, nomeadamente em relação aos números 7, 8 e 9 do artigo 88 do Código do IRC. Tais

modificações, entretanto, foram consagradas com a dissertação já terminada e não alteram a

posição do autor sobre a matéria.

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Introdução e justificativa

A carga fiscal em Portugal passou dos 34% do Produto Interno Bruto - PIB em 2015. Só a receita

fiscal proveniente do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas - IRC representou 3%

do PIB.1 Nessa receita, é cada vez maior a participação do valor arrecadado em tributação

autónoma - TA, conforme dados2 do Quadro A.1, que abrangem, a título de exemplo, os anos de

2005 a 2015, cujos números vão ilustrados na Figura A.1:

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

IRC liquidado 2 831 3 455 3 973 3 734 3 492 2 977 2 812 2 802 2 779 3 559 3 361

TAs 198 205 220 366 371 360 534 491 465 551 507

Proporção 7% 6% 6% 10% 11% 12% 19% 18% 17% 15% 14%

Quadro A.1 - Participação das Tributações Autónomas sobre o IRC liquidado

(Valores em milhões de euros)

Figura A.1 - Participação percentual das Tributações Autónomas sobre o IRC liquidado

1 Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, disponíveis em:

https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=249870103&DEST

AQUESmodo=2 2 Dados relativos a valores declarados, divulgados pela AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, disponíveis em:

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/

75%

80%

85%

90%

95%

100%

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

IRC liquidado Tributações Autónomas

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Como se percebe, o volume de recursos arrecadados a título de TA no âmbito do IRC, que

em 2005 era da ordem de 200 milhões de euros, já ultrapassou 550 milhões de euros em 2014. E

essa arrecadação, que em 2005 representava 7%, já chegou em 19% em 2011, e em 2015

representava 14% todo o volume de IRC liquidado. Portanto, ainda que a justificativa para sua

criação tenha sido a modulação de condutas no âmbito da extrafiscalidade; ainda que até hoje

sejam consideradas pelo Governo dentre as medidas extrafiscais, não se pode negar a enorme

importância que as TAs instituídas em IRC adquiriram, ao longo do tempo, como fonte de

recursos para a Fazenda Pública. Ganharam também, obviamente, pelo mesmo motivo, grande

relevância como gasto sob o ponto de vista do contribuinte.

É que sob enfoque do sujeito passivo - SP, tributos representam importantes

constrangimentos ao desenvolvimento da livre iniciativa e, ao mesmo tempo, nem sempre justa

transferência compulsiva de riqueza das famílias e empresas para o Estado. A teoria chega

mesmo a atribuir ao imposto a qualidade de agressor do “património dos entes com capacidade

económica”,3 ou mesmo “o mais importante ato ablativo do estado moderno sobre a iniciativa

privada”.4 Isso porque, apesar de necessário, o imposto acaba por configurar-se amputação de

parte do património de empresas e famílias. O Estado vale-se do imposto – essa amputação –

como meio para proporcionar o bem-estar às pessoas, que é o fim. E por motivos óbvios, o meio

não pode sobrelevar-se ao fim. São as empresas que empregam as famílias, e é o bem-estar das

famílias e das pessoas que constituem a razão de ser do Estado. A ablação, portanto, há-de ser

realizada com precisão, sob rigoroso controlo. “Há que se subordinar os impostos – “Direito

tributário” – ao quadro jurídico produzido pela pessoa humana em sociedade”.5 Num Estado de

direito democrático, como o é a República Portuguesa,6 esse controle é feito por intermédio da

Constituição e das leis.7 Por essa razão, além da necessária conformidade genérica à Constituição

da República como um todo,8 a lei que institui impostos precisa adequar-se em especial aos

contornos constitucionalmente definidos de incidência tributária, nomeadamente no que diga

respeito à sua criação, base tributável e taxa,9 sem que se descuide dos princípios constitucionais

3 Guimarães em Guimarães (coord.) et al, 2014: 92. 4 Vasques, 2011: 55. 5 Campos em Guimarães (coord.) et al, 2014: 126. 6 Constituição da República Portuguesa - CRP, artigo 2.º. 7 CRP, art. 3º, n.º 2. 8 CRP, artigo 3º, n.º 3. 9 CRP, art. 103, n.º 2.

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aplicáveis, em especial, no caso de tributação das empresas, do princípio da tributação pelo lucro

real.10 A observação dessas condições certamente consiste importante contributo para que não

haja constrangimento indevido à livre iniciativa, nem indevida transferência de recursos de

empresas e famílias para o Estado, mesmo porque a livre iniciativa, enquanto princípio

fundamental da organização económica,11 e a propriedade privada, enquanto direito

constitucional fundamental,12 são prerrogativas cuja garantia encontra-se dentre as tarefas

fundamentais do Estado português.13 Nem sempre, todavia, a norma tributária encontra-se dotada

desses pressupostos. Falta-lhe, às vezes, conformidade com primados constitucionais;14 falta-lhe,

outras vezes, precisão na elaboração,15 o que possibilita dúbias interpretações por parte de seu

aplicador, de forma a comprometer a previsibilidade e a segurança jurídica. E para que se constate

se os preceitos constitucionais tenham ou não sido realmente observados, seja quando da

construção dos enunciados da lei tributária, seja quando da sua aplicação pelos agentes do fisco,

é necessário que esses dispositivos legais sejam devidamente analisados e cotejados frente

aqueles princípios de modo a, em caso de constatação de não observância, possam ser

convenientemente articuladas possíveis teses que possam servir de subsídio às empresas em

defesa de seus interesses.

E nisto consistirá o percurso deste trabalho, sempre norteado pelos objetivos de

aprendizagem do curso ora em conclusão: após breve referencial teórico, tentaremos identificar

e enquadrar o instituto da TA em IRC, buscar seu fundamento de validade para, na sequência, a

partir de curta menção à origem do imposto, proceder à análise dos enunciados que instituíram

cada uma das modalidades de TA em IRC, bem como dos enunciados que são comuns a todas.

O curso de Mestrado em Direito das Empresas ministrado pelo ISCTE busca, dentre seus

objetivos de aprendizagem, propiciar ao aluno a, com autonomia, “apresentar aos gestores de

empresas medidas preventivas para enfrentar problemas”, e ainda “conceber e executar as

medidas de recurso aos tribunais necessárias à solução judicial dos conflitos”.16

10 CRP, 104, n.º 2. 11 CRP, artigo 80, c). 12 CRP, artigo 62, n.º 1. 13 CRP, art. 9º, al. b). 14 Ac. TC no Processo 310/2012, de 20/06/2012, Rel. João Cura Mariano e Ac. TC no Proc. 154/2004, de 12/07/2004,

Rel. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza. 15 Carvalho, 2007: 5 e 27. 16 Trata-se de um dos objetivos de aprendizagem do Curso de Mestrado das Empresas do ISCTE ao nível das

competências. Disponível em < http://iscte-iul.pt/cursos/mestrados/34506/objetivos_curso_mestrado_diremp.aspx>

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É, portanto, na conjunção desse objetivo de aprendizagem com a relevância económica

hoje assumida pela TA em IRC que se justifica, plenamente, no contexto do Mestrado em Direito

das Empresas, a análise das normas que instituíram esse imposto autónomo em busca de

subsídios úteis à proposição de medidas preventivas em matéria tributária, bem como à procura

de teses de defesa para as empresas em casos de possível relação contenciosa no âmbito fiscal.

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I - Objetivo

Busca-se, com esta dissertação, estudar e melhor compreender as normas que regulam as diversas

modalidades de TA no âmbito do IRC.

Pretende-se que no percurso da investigação possam ser satisfatoriamente respondidas

algumas questões prévias que se colocam: a TA em IRC é também IRC? Seria possível atribuir

a alguma de suas modalidades a qualidade de sanção por ato ilícito, o que a desqualificaria como

tributo? Que cuidados podem ser adotados em planeamento fiscal em relação às TA sobre

encargos com viaturas? Qual é a diferença entre despesas de representação e de publicidade para

efeitos de TA em IRC? É constitucional a TA sobre importâncias pagas ou devidas a residentes

em paraísos fiscais? Como ilidir a presunção contida na norma que regula a TA sobre pagamentos

a residentes em paraísos fiscais? Que controvérsias há acerca da TA sobre remunerações

variáveis, indemnizações e compensações a executivos? Quais são as inconsistências da TA em

IRC sobre diferença de mensuração de inventários nas despesas de distribuição de petróleo? É

constitucional a norma que veda a dedução do valor da TA ao lucro tributável pelo IRC? Que

suscetibilidades ou desconformidades afetam as modalidades de TA em IRC?

Objetiva-se, ao fim, produzir algumas assertivas acerca do imposto de maneira geral e

acerca de cada uma de suas modalidades em particular, assertivas essas que possam ser úteis às

sociedades comerciais, tanto em tomadas de decisão em relacionadas à incidência das TAs em

IRC, como também na formulação de argumentos de defesa em eventuais contenciosos fiscais

relacionados à matéria.

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II - Delimitação do objeto

Este estudo compreende análise de normas e tem por objeto as normas jurídicas que instituem as

várias expressões da TA no âmbito do IRC.

A título de delimitação material do objeto, fica estabelecido que serão alvos de análise tanto

os enunciados normativos do artigo 88 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas

Coletivas - IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, como também as

normas contidas no artigo 4º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro. Especial enfoque será dado

à análise do conteúdo normativo que diga respeito à incidência real e à matéria coletável das TAs

em IRC.

Como marco temporal, define-se como objeto de análise as normas constantes no Código

do IRC, com as alterações nele efetuadas até a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março. Em relação a

Tributações Autónomas em IRC instituídas fora do respetivo código, define-se como objeto de

estudo a versão original do artigo 4º da Lei n.º 64/2008, ainda em vigor.

No desenvolvimento da investigação, será adotada a pesquisa textual de leis, jurisprudência

e doutrina.

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III - Breve referencial teórico

Em seu decorrer, este ensaio fará menção a aspeto bem particular da noção de norma jurídica.

Para que se evite repetidas explanações sobre a matéria em cada uma dessas oportunidades,

tornou-se conveniente discorrer sobre ela, o que, de forma breve, será feito neste tópico. A norma

jurídica, que aqui é objeto de estudo, será, em algumas oportunidades bem pontuais, abordada

sob o enfoque estrutural, sintático, em que invariavelmente aparece na forma de juízo hipotético

prescritivo17 e coativo. Segundo esse enfoque, a significação dos enunciados normativos da

Constituição, das leis, decretos-leis, portarias é recomposta em um corpo mínimo, uma estrutura

fixa – aqui denominada norma jurídica – formada por “expressões irredutíveis de manifestação

do deontico”.18 Isso é possível porque, embora o texto em si dos enunciados da Constituição, da

lei, do decreto-lei sejam de maior compexidade, eis que formados pelas mais diversas palavras e

significados (heterogeneidade semântica), a estrutura ou sintaxe da norma é sempre a mesma

(homogeneidade sintática)19: dado o antecedente, deve ser o consequente. Essa estrutura é

composta de duas partes.20 Cada uma delas é formada por um antecedente ligado a um

consequente normativo,21 e estabelece uma relação jurídica distinta: uma relação jurídica de

regulação de conduta e outra relação jurídica sancionatória. Sob esse enfoque, a norma jurídica

completa pode ser representada pelo seguinte modelo:

<se P, então deve ser Q> e <se -Q, então deve ser S>

Nessa fórmula, P (antecedente de norma reguladora de conduta) contém a previsão do fato

jurídico,22 p. ex. obter – a sociedade comercial – rendimento; em Q (consequente da norma

reguladora), estatui-se a conduta, p. ex. obrigação de pagar IRC pela sociedade ao Estado;23 já

em -Q (antecedente da norma punitiva), há previsão do ilícito, no caso, a falta de pagamento do

IRC, que pode constituir crime ou contraordenação;24 e finalmente, em S (consequente da norma

punitiva), estatui-se a sanção aplicável àquela infração, p. ex. coima.25

17 Bobbio, 2001: 139. 18 Carvalho, 2008: 189. 19 Santi, 2001: 38. 20 Kelsen, 1986: 68. 21 Vilanova, 1997: 90. 22 LGT, art. 36, n.º 1: é o fato tributário que constitui a relação jurídica tributária. 23 CC, art. 397; RGIT, art, ll, alínea a). 24 Regime Geral Das Infrações tributárias - RGIT, art. 2º, n.º 2. 25 RGIT, art. 12, n.º 1 e art. 16, em caso de crime; RGIT, arts. 23 a 28, em caso de contraordenação.

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Em se tratando da norma jurídica tributária, a primeira parte dessa estrutura fixa, que é a

norma reguladora da conduta, pode ainda ser decomposta. A teoria costuma dar aos seus

componentes a denominação de critérios,26 elementos,27 aspetos,28-29 ou, ainda, núcleo,

elementos adjetivos e coordenadas de tempo e lugar.30 A previsão ou antecedente da norma

tributária reguladora de conduta contém os critérios material, espacial e temporal; já a estatuição

ou consequente da norma reguladora compreende os critérios quantitativo e pessoal.31 O critério

quantitativo pode ainda ser dividido em matéria coletável ou base de cálculo e taxa ou alíquota.

De todos esses componentes da norma tributária, merecem especial relevância o critério material

e a base de cálculo. O critério material, que se encontra no antecedente normativo, normalmente

traduzível num verbo pessoal e seu complemento, tem sua importância porque, ao definir a

incidência objetiva ou real do tributo, pretende identificar o gênero que lhe é atribuído pelo

enunciado, traduzindo-se tal critério no núcleo do antecedente normativo.32 Maior importância

ainda detém a matéria coletável ou base de cálculo33, contida no consequente, porque tem a

propriedade de, ao isolar uma fração da manifestação da riqueza tributada, identificar realmente

o tributo, independentemente da denominação que a ele tenha sido dada pela lei. A base de

cálculo expõe, por assim dizer, a impressão digital do tributo. Seus preceitos “limitam, sob um

ângulo peculiar (o quantitativo), o próprio facto tributário”.34 Possui mesmo a prerrogativa de

“confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto

normativo”.35 Portanto, ainda que o enunciado normativo da lei tributária indique determinado

evento como critério material, caracterizador da incidência real do tributo, será a matéria

coletável, ao separar um naco da riqueza manifestada, que revelará o que realmente se está a

tributar, independentemente, repita-se, até mesmo do nome que tenha sido atribuído na lei ao

referido tributo.

26 Carvalho, 2007: 265. 27 Xavier, 1974: 247. 28 Faustino em Guimarães (coord.) et al, 2014: 207. 29 Ataliba, 2000: 76. 30 Becker, 1998: 328. 31 Carvalho, 2007: 295. 32 Carvalho, 2007: 267. 33 Becker, 1998: 329. 34 Xavier, 1974: 252. 35 Carvalho, 2007: 344.

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IV - Enquadramento genérico da TA em IRC

Neste tópico, busca-se esclarecer o que são, afinal, as tributações autónomas em IRC. Por meio

das normas jurídicas que as instituíram, normas essas que aqui são objeto de estudo, estabelece-

se relação jurídica de prestação patrimonial do SP para com o Estado. Como a TA em IRC

implica transferência de riqueza das empresas para o Estado, então a TA em IRC é receita pública.

As classes de receitas públicas mais relevantes são as patrimoniais, as creditícias e as

tributárias.36 As patrimoniais provêm da exploração ou do usufruto do património do próprio

Estado. As receitas creditícias derivam da remuneração de capital nas operações de crédito em

que o Estado ocupa a posição de credor. A receita pública tributária é a que provém dos tributos

cobrados pelo Estado aos contribuintes. Por exclusão, não sendo receita creditícia nem

patrimonial, então a TA em IRC, como a denominação já sugere, é receita pública tributária. A

TA em IRC é um tributo.

A palavra tributo possui várias aceções. Aqui tomada com o mencionado significado de

uma das fontes de receita pública. Nessa aceção, a teoria majoritária37 considera tributo como

gênero do qual são espécies o imposto, a taxa e as contribuições financeiras, noção esta que se

assemelha com aquela contida na LGT.38 Dessas espécies tributárias, diferencia-se em especial

o imposto, por total ausência de sinalagma: “a pedra de toque na distinção entre os impostos e as

restantes categorias de tributos é a característica de unilateralidade absoluta dos primeiros”.39 E

as normas que instituem as várias modalidades de TA em IRC, como se verá, não fixam qualquer

contrapartida do sujeito ativo em face da prestação efetuada pelo contribuinte, de modo que já é

seguro antecipar-se que a TA em IRC é um imposto.

Essa assertiva parece ser um pleonasmo, mas não é. Embora tenham sido criadas dentro do

Código do IRC, como se fossem mesmo uma espécie de acréscimo ao IRC, as expressões do

imposto tributação autónoma possuem características completamente distintas em relação as do

imposto sobre o rendimento: (i) dos três indicadores de capacidade contributiva ou manifestações

de riqueza passíveis incidência de imposto,40 quais sejam o rendimento, património e consumo

36 Catarino em Guimarães (coord.) et al, 2014: 17. 37 Por todos: Carlos, 2014: 35 e Catarino em Guimarães (coord.) et al, 2014: 18. 38 LGT, art. 3º, n.º 2. 39 Carlos, 2014: 35. 40 CRP, art. 104 e LGT, art. 4º, n.º 1, em que se trata consumo ou despesa como se fosse utilização do rendimento.

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ou despesa,41 o IRC tem base no rendimento; mas as TAs em IRC, salvo a modalidade que afeta

lucros distribuídos em certas condições, incide sobre consumo ou despesa;42 (ii) o IRC é um

imposto direto, pois incide diretamente sobre a fração da riqueza, mas as TAs são impostos

indiretos, pois não incide diretamente sobre a riqueza, e sim sobre o encargo, ou seja, sobre “ato

que a pressupõe”;43 (iii) o IRC é um imposto periódico, porque corresponde a situações

permanentes ou estáveis, que “se renovam nos sucessivos períodos de tributação”,44 ao passo que

as TAs são impostos de obrigação única,45 porque tributam fatos isolados, que não se renovam.

(iv) o IRC possui finalidade fiscal, pois visa ao financiamento estatal, enquanto as TAs possuem,

em tese, finalidade extrafiscal na medida em que, como se verá, tenciona, pelo menos pelas

justificativas oficiais, induzir ou desincentivar determinadas condutas. A relação que se

estabelece entre os dois impostos é que ao desestimular certas condutas, a TA consiste, em última

análise, num mecanismo de supressão de uma parte dos gastos dedutíveis em IRC. E a conduta

que se pretende ser desincentivada pelo imposto extrafiscal é justamente aquela que resultaria

em sua incidência real ou objetiva, em outras palavras, no fato gerador do próprio imposto. Em

sua finalidade extrafiscal, visa a TA à inocorrência do próprio fato gerador. Assim, o sucesso da

função extrafiscal do imposto opera em sentido inverso ao sucesso de sua função reditícia: quanto

maior a arrecadação, menor a eficiência do imposto em termos extrafiscais. Quanto maior for a

arrecadação de cada uma das diversas modalidades TA, menor a sua eficiência na função

extrafiscal.

Com essas considerações, a questão sugerida ao início deste tópico pode, portanto, ser

respondida com a afirmação de que a TA em IRC é fonte de receita pública tributária na

qualidade de imposto que, em regra, incide sobre encargo ou sobre despesa efetuada. É imposto

indireto, de obrigação única e possui, em tese, finalidade extrafiscal. A TA em IRC não se

confunde, portanto, com o imposto sobre o rendimento,46 mesmo porque também incide em

situações em que não pode haver IRC, como nos casos em que o sujeito passivo apresenta

prejuízo fiscal, circunstância em que é até agravada.47

41 Catarino em Guimarães (coord.) et al, 2014: 24 e Nabais 2014: 33. Nuno Sá Gomes dá a esses três indicadores a

denominação de rendimento, capital e consumo, conforme Gomes, 2003, Vol.1: 138. 42 Carlos, 2014: 171 e Nabais, 2014: 543. 43 Carlos, 2014: 47. 44 Gomes, 2003, Vol.1: 131. 45 Nesse sentido também o Ac. TC 617/2012, Rel. João Cura Mariano. 46 Também nesse sentido o Ac. STA de 25/02/2015, Rel. Casimiro Gonçalves. 47 CIRC, art. 88, n.º 14.

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Contudo, há nessa resposta duas expressões comprometedoras do rigor com o qual deve

revestir-se um estudo acadêmico, razão pela qual precisam ser explicadas. Uma delas diz respeito

à incidência material; a outra, à finalidade do imposto. São elas: “imposto que, em regra, incide

sobre o encargo ou despesa efetuada” e “possui, em tese, finalidade extrafiscal”. A expressão

em regra quer significar que, dentre as várias expressões de TA em IRC, há exceção no que se

refere à incidência sobre a despesa, como se verá no decorrer dessa investigação. Há mesmo duas

modalidades em particular48 em que até a natureza de imposto da TA é discutível, mas isso

também será oportunamente explanado. Por sua vez, a expressão em tese denota a importância

económica que o valor hoje arrecadado a título de TA, como já visto no Gráfico 1, já assumiu

para os cofres da Fazenda Pública como instrumento financiador do Estado, o que significa que,

não obstante justificativas governamentais sobre a natureza de extrafiscalidade dessas

Tributações Autónomas, não há mais dúvidas sobre sua relevância de caráter fiscal.49 E essa

relevância opera em duas vertentes, uma direta e outra por via oblíqua: há relevância direta do

caráter fiscal da TA em razão do produto da arrecadação da própria TA, e há também relevância

indireta desse caráter fiscal na medida em que, ao evitar a conduta indesejada, e assim obtendo

algum sucesso na função extrafiscal, a TA acaba por indiretamente promover aumento de

arrecadação do IRC em razão da supressão parcial dos gastos dedutíveis para efeito de

determinação do lucro tributável pelo referido imposto sobre rendimentos. Também o termo

despesa é ambíguo: foi acima utilizado como sinónimo de consumo, enquanto uma das

expressões de riqueza sobre as quais recaem os impostos; comumente, todavia, assume também

o sentido de gasto ou encargo, que significam utilização, pela empresa, de meios de produção no

exercício de sua atividade; por vezes, ainda, assume aceção corrente no meio contabilístico a

significar a formalização da assunção da obrigação de fazer pagamento em contrapartida de

aquisição efetuada.

48 Trata-se das modalidades de TA instituídas pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro e pelos números 1 e 2 do artigo

88 do Código do IRC. 49 Nabais, 2014: 534.

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V - Fundamento de validade da norma instituidora da TA no âmbito do IRC

A validade não é um atributo da norma jurídica em si. A validade é a relação de pertinência da

norma ao sistema jurídico. A norma será considerada válida se ela pertencer ao sistema. E a

norma pertence ao sistema se nele houver sido introduzida pelo órgão para tal legitimado e

segundo o rito para tal estabelecido.50 Assim, o fundamento de validade de determinada norma,

ou sua fonte formal, encontra-se em outra norma, de maior hierarquia, que lhe autorizou a

produção, de modo a satisfazer um dos requisitos da pertinência ao sistema e, em decorrência,

da própria validade.51

A TA em IRC, conforme já demonstrado, é imposto novo, distinto do IRC. A primeira

modalidade de TA foi criada em 1990 por decreto-lei.52 Posteriormente, diversas outras

modalidades de TA em IRC foram criadas da mesma forma. Mas impostos precisam ser criados

por lei.53 O fato de não ter sido criada por lei, expõe a legitimidade da TA a ponto de comprometer

a obrigatoriedade da prestação tributária?54 Em caso de resposta negativa, qual seria o

fundamento de validade desses decretos-leis?

Embora seja da competência da Assembleia da República - AR fazer leis, essa competência

nem sempre é absoluta. Há matérias cuja competência legislativa é relativa, que são os casos em

que pode ser delegada ao Governo, como é o caso da criação de impostos.55 A autorização dada

pela AR ao Governo56 para legislar sobre a matéria reveste a forma de lei.57 Já a legislação

governamental nesses casos é feita sob a forma de decreto-lei,58 que deve mencionar a lei

autorizadora.59

E conforme será demonstrado quando do estudo de cada modalidade de TA, todas as suas

expressões que não foram criadas ou modificadas por lei, foram-no por meio de decretos-leis

devidamente autorizados por lei emanada da AR. É negativa, portanto, a resposta à primeira

50 Carvalho, 2007: 82. 51 Carvalho, 2007: 53. 52 DL 192/90, de 9 de junho. 53 CRP, art. 103, n.º 2. 54 CRP, art. 103, n.º 3. 55 CRP, artigo 165, n.º 1, alínea i). 56 CRP, art. 161, alínea d). 57 CRP, artigo 166, nº. 3. 58 CRP, artigo 198, n.º 1, alínea b). 59 CRP, artigo 198, n.º 1, alínea b).

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questão: o fato de que determinada modalidade de TA tenha sido criada ou modificada por

decreto-lei devidamente autorizado pela AR não compromete a obrigatoriedade da obrigação

tributária, isto é, não autoriza seu incumprimento. Quanto à segunda questão, o fundamento de

validade do decreto-lei criador ou modificador de cada modalidade de TA é a lei específica que

o autorizou, juntamente com a norma contida no artigo 198, nº 1, alínea b) da Constituição da

República.

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VI - A instituição da TA no âmbito do IRC

Após autorização legislativa dada pela Lei nº 101/89, de 29 de Dezembro, em seu artigo 25, n.º

3, editou-se o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, em cujo art. 4º instituiu-se em Portugal o

que seria a primeira modalidade de TA no âmbito do IRC. Incidia, à altura, sobre o valor de

despesas confidenciais ou não documentadas. Desde então, o tributo sofreu diversas alterações.

A partir da edição da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, a TA passou a assumir diversas expressões

ou diversas modalidades distintas, numa configuração parecida com a que tem atualmente,60 em

que incide sobre despesas não documentadas, encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou

de carga, motos e motociclos, despesas de representação, ajudas de custo e compensação pela

deslocação em viatura própria do trabalhador, lucros distribuídos a sujeitos passivos isentos e,

finalmente, sobre encargos, indemnizações, bónus ou outras remunerações variáveis pagas a

gestores. Todas essas expressões são previstas ao longo do enunciado do artigo 88 do Código do

Imposto Sobre as Pessoas Coletivas - IRC. Mas há também a TA subjetivamente incidente sobre

as empresas de fabricação ou distribuição de produtos petrolíferos refinados, que foi criada pelo

artigo 4º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro. Todas as normas hoje em vigor e que regulam a

exigência das diversas expressões de TA no âmbito do IRC serão, a seguir, objeto de análise

deste estudo.

60 Março de 2016, conforme esclarecido na delimitação temporal do objeto.

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VII - TA em IRC sobre despesas não documentadas

Essa modalidade de TA encontra-se prescrita por meio dos números 1 e 2 do artigo 88 do Código

do IRC:

1 - As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da

sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.

2 - A taxa referida no número anterior é elevada para 70 % nos casos em que tais despesas sejam

efetuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal,

atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda por sujeitos passivos que aufiram

rendimentos enquadráveis no artigo 7.º.

Dá-se a incidência real ou objetiva – ou critério material de incidência – sobre o ato de a

empresa efetuar despesa não documentada. A base de cálculo, matéria coletável ou critério

quantitativo é o valor da despesa não documentada. Pela regra geral, a taxa é de 50% ou, se

houver prejuízo no período, de 60%.61 No caso de ser a empresa total ou parcialmente isenta ou

ainda auferir rendimento proveniente de jogo, então a taxa é de 70%. Também de 70% será a

taxa aplicável a sujeitos passivos que não são empresas, isto é, que não pratiquem operações

económicas de caráter empresarial.62

Essa foi a precursora de todas as modalidades de TA em IRC. Encontra-se em vigor desde

1990, criada, como já visto, pelo artigo 4º do DL n.º 192/1990, de 9 de junho, após autorização

legislativa dada pelo art. 25, n.º 3 da Lei n.º 101/1989, de 29 de dezembro. Incidia inicialmente

sobre despesas confidenciais ou não documentadas. Porém, com a justificativa de atendimento a

recomendação do Relatório 2007 da OCDE, suprimiu-se o termo confidenciais63 do campo de

incidência real dessa TA, ali permanecendo apenas despesas não documentadas.64 Isso ocorreu

a partir da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro.

61 CIRC, art. 88, n.º 14. 62 CIRC, art. 3º, n.º 4. 63 O Ac. STA de 18/02/2009, Rel. Pimenta do Vale, oferece instigante explicação para a diferença entre despesas

confidenciais e a despesas não documentadas: “as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a

sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova

documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas

não comprovadas documentalmente”. Pedimos vénia por entender de forma contrária em relação às despesas não

documentadas: se são não documentadas é porque não existe documento, logo, também não poderá haver idoneidade

sobre quaisquer notícias outras acerca de natureza, origem ou finalidade. 64 Segundo entende o Governo, consoante preâmbulo do DL nº 235-f/1983, de 1º de junho: as despesas não

documentadas “se mostram necessárias ao bom prosseguimento das actividades empresariais”.

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Mas o que são, afinal, despesas não documentadas? Quais seriam os requisitos intrínsecos

do documento comprobatório de despesa? Em que se diferenciam daquilo que ficou conhecido

como encargos não devidamente documentados? As respostas a essas perguntas requerem prévia

distinção entre os conceitos de despesa e encargo.

Já se disse, o termo despesa é ambíguo. Pode aparecer como sinónimo de consumo, com o

sentido de manifestação de riqueza tributada; impropriamente, assume às vezes o sentido de

gasto ou encargo;65 outras vezes assume aceção contabilística: surgimento da obrigação de pagar

por determinada aquisição, que será o sentido adotado neste tópico. Encargo é utilizado pelo

CIRC como sinónimo de gasto. Gasto é bem diferente de despesa. Gasto decorre de diminuição

de benefício económico: efetiva absorção de bem ou serviço adquirido no contexto da obtenção

ou garantia do rendimento pela sociedade, independentemente do pagamento por esse bem ou

serviço adquirido. Gasto dá origem a fato contabilístico modificativo, caracteriza-se pela

diminuição de benefícios económicos e a decorrente redução do património líquido da empresa.66

O gasto diminui o lucro tributável pelo IRC,67 com o que se justifica que as informações sobre

gastos sejam de grande interesse da AT. Já a despesa, diferentemente, decorre de evento

financeiro: obrigação de pagar pela aquisição de bem, direito ou serviço independentemente de

sua utilização (evento económico) mas sempre associada a um pagamento (exfluxo monetário),

concomitante ou não. Despesa dá origem a fato contabilístico permutativo, intrínseco ao ativo ou

ao ativo e passivo, sem modificar o património líquido. Despesa não diminui o lucro tributável

pelo IRC. O interesse da AT sobre o controlo fiscal da despesa é justificável porque dela decorre,

concomitantemente ou não, efluxo monetário – saída de dinheiro ou equivalente – quando do seu

pagamento, efluxo monetário esse que, se destinado ao desconhecido, ao mercado informal,

certamente resultará em evasão fiscal.

Em razão dessas diferenças, existem regimes também distintos em relação à comprovação

de gastos e de despesas. Como o gasto diminui o lucro tributável pelo IRC, então é natural que

sua comprovação se sujeite a regime de maior rigor do que o regime aplicável à comprovação da

despesa, que não é dedutível na determinação do lucro tributável pelo imposto sobre o

rendimento. Daí, exige o CIRC que que todos os gastos dedutíveis em regra mais comuns, que

65 Essa ambiguidade, às vezes, é gerada dentro do próprio CIRC. Vide, por exemplo, a norma contida no art. 23-A,

n.º 1, alínea b), em que despesa não documentada é tratada como espécie do gênero encargo. 66 Aviso n.º 15652/2009, Despacho n.º 589/2009/MEF (Estrutura Conceitual do SNC) Parágrafo 69, al. b). 67 Exemplos de exceções em CIRC, art. 23-A.

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são os relativos à aquisição de bens e serviços, sejam devidamente justificados por documentos

que contenham dados do fornecedor, adquirente, do bem ou serviço adquirido, preço e data da

operação.68 E se o fornecedor for obrigado a emitir fatura ou documento a ela equiparado, então

o documento deve revestir-se dessa forma.69 Qualquer que seja a natureza do encargo, é também

necessário que o fornecedor esteja em situação regular perante o fisco.70 Diante disso, já se pode

responder à segunda pergunta e conceituar encargo não devidamente documentado como aquele

que esteja apoiado em documentos que não satisfaçam os requisitos exigidos, por lhes faltar esse

ou aquele elemento ou formalidade essencial.71 Tais gastos não devidamente documentados, a

exemplo das despesas não documentadas, também não são dedutíveis ao lucro tributável pelo

IRC. Para além dos requisitos apontados, as empresas precisam dispor de contabilidade

organizada, em que os lançamentos referentes às operações realizadas sejam apoiados em

documentos justificativos – e aí também incluídos os documentos comprobatórios dos gastos

efetuados – que devem ser guardados em boa ordem, durante o prazo de dez anos, para

apresentação sempre que necessário.72

Já em relação à comprovação da despesa, aplica-se somente essa última regra: necessidade

de documento justificativo, registado na contabilidade, guardado em boa ordem por dez anos e

apresentável, se necessário. Como se percebe, não há requisitos intrínsecos previstos em lei no

que se refere a documentos comprobatórios de despesas, de sorte que, com base no que até aqui

foi examinado, ainda não há elementos suficientes para oferecimento de resposta satisfatória à

segunda e à terceira questão, que versam sobre esses requisitos intrínsecos e sobre a diferença

entre despesas não documentadas e encargos não devidamente documentados.

Mas se despesa não se confunde com gasto, então, entendemos, não é correto que seja

tratada como se fosse, nomeadamente em relação aos requisitos exigíveis dos correspondentes

documentos comprobatórios. Gastos, já demonstramos, precisam ser comprovados mediante

documentos que contenham determinados predicados previstos em lei. A obrigatoriedade de

comprovação das despesas, também demonstramos, decorre mesmo de lei,73 mas sem imposições

quanto a requisitos internos, de modo que não pode haver incidência da TA sobre despesas não

68 CIRC, art. 23, n.º 4. 69 CIRC, art. 23, n.º 6. 70 CIRC, art. 23-A, n.º 1, al. c). 71 CIRC, art. 23-A, n.º 1, al. c). 72 CIRC, art. 123, n.º 1, n.º 2, al. b) e n.º 4. 73 CIRC, art. 123, n.º 2, al. a) e n.º 4; CCOM, art. 29 e 40.

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documentadas só pelo fato de que os documentos comprobatórios dessas despesas não

contenham aqueles requisitos especialmente exigidos pela lei para documentos comprobatórios

de gastos. A diferença é crucial: gastos e despesas precisam estar comprovados em documentos,

mas somente documentos comprobatórios de gastos possuem requisitos intrínsecos definidos em

lei.

Quais requisitos podem então ser exigidos pela AT para fins de cobrança de TA sobre

despesas não documentadas? Como gastos e despesas implicam situações distintas, com

desdobramentos económicos e fiscais distintos, deve-se, nesse caso, atender à substância

económica dos fatos.74 O que está em causa é a TA sobre despesas não documentadas, cuja

finalidade é desincentivar exfluxo monetário rumo ao desconhecido, exfluxo esse a partir do qual

qualquer incidência tributária é incerta. Acontece que essa finalidade pode ser perfeitamente

atendida se o documento comprobatório da despesa contiver elementos idóneos mínimos

necessários para neutralizar os efeitos da referida remessa de riquezas para o anonimato, tais

como data, valor, natureza da despesa e, principalmente, identificação do beneficiário. Eis aí,

portanto, a resposta à segunda pergunta, sobre requisitos do documento comprobatório de

despesa. Despesa não documentada é, portanto, o evento financeiro consubstanciado na aquisição

de bem, direito ou serviço, associado a evento monetário (pagamento) não necessariamente

concomitante, sem que haja documento justificativo idóneo que contenha dados suficientes para

impedir o referido exfluxo monetário (saída de dinheiro ou equivalente) para o mundo informal.

VII.1 - TA em IRC sobre despesas não documentadas – casos práticos

A propósito de TA sobre despesas não documentadas, destacam-se três julgados do STA

favoráveis à AT no sentido de que aquisição de tickets conhecidos como cheques-auto ou vales-

refeição representam mera troca de meios de pagamento, no sentido de que não devam ser

tratados como gastos, mas sim como despesas não documentadas, e como tal sujeitas a TA.75

Respeitosamente, contudo, discordamos em parte, pois consideramos que nesses julgados há

alguma confusão conceitual entre despesas e gastos ou encargos, sobre os quais já discorremos

74 LGT, art. 11º, n.º 3. 75 Nesse sentido, Ac. STA 18/02/2009, Pimenta do Vale, Ac. STA de 21/04/2010, Rel. Dulce Neto e Ac. STA de

07/07/10, Dulce Neto.

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acima. Entendemos que, nessas circunstâncias, compra dos tickets configura despesa, e que o

consumo do combustível ou da refeição, desde que num contexto de obtenção ou garantia de

rendimentos, caracteriza gasto. Nas situações julgadas, que se assemelham, deveria o gasto ser

comprovado, pois, em dois momentos. No primeiro deles, na aquisição, mediante troca dos

tickets pela refeição ou combustível. Isso poderia ser feito mediante apresentação de fatura ou

recibo emitido pelo fornecedor do combustível. No segundo momento, quando da verificação do

consumo do combustível ou da refeição, por documentos internos de controlo de gastos e seus

registos contábeis. Aconteceu, todavia, que os sujeitos passivos somente apresentaram os tickets.

Não levaram aos autos provas do gasto. Correto pois, o entendimento da AT e do STA no sentido

de que o valor correspondente não poderia ter sido deduzido quando da determinação do lucro

tributável pelo IRC, do que resultou glosa do valor deduzido e cobrança do respetivo IRC

adicional. Divergimos, todavia, na parte em que a AT exigiu TA sobre despesas não

documentadas, exação essa que foi depois corroborada no tribunal. O fundamento utilizado pelo

tribunal nos três acórdãos citados foi de que não se comprovou o destino dado ao produto

representado pelos tickets, ou seja, a aplicação dada aos tickets pelos sujeitos passivos. Aí está,

entendemos, a confusão conceitual estabelecida. O STA fundamentou as decisões na ausência de

comprovação do fluxo económico, quando deveria atentar-se para a prova do exfluxo monetário.

O acompanhamento dos desdobramentos económicos é inerente ao gasto, mas a discussão sobre

o gasto já se encontrava vencida, na medida em que a AT desconsiderou deduções e cobrou IRC

adicional. O que se encontrava então sob exame era somente a despesa. E a análise do STA sobre

a comprovação da despesa deveria ter-se pautado na necessidade de acompanhamento do exfluxo

monetário: saída de dinheiro ou equivalente para a entidade que forneceu os tickets. Como os

documentos apresentados pelos sujeitos passivos eram suficientes para identificar os exfluxos

monetários ocorridos, como data, valor, natureza da despesa e, principalmente, identificação do

beneficiário, que é a entidade fornecedora dos tickets, e não o fornecedor do combustível ou

refeição, porque não está a se falar em gasto e sim em despesa, então era de se considerar que a

despesa encontrava-se plenamente documentada. É nosso entendimento, pois, que a AT deveria

ter-se limitado a desconsiderar a dedução do valor dos tickets quando da determinação do lucro

tributável pelo IRC, e a cobrar o correspondente IRC adicional. Por absoluta inexistência do

critério material de incidência, não poderia ter cobrado, como fez, TA sobre despesas não

documentadas pelo valor dos referidos tickets. E é nesse sentido que, respeitosamente

entendemos, deveria ter julgado o STA.

De qualquer sorte, ao fazer uso desse tipo de ticket, deve a empresa ter o devido cuidado e

dar o adequado tratamento contabilístico em dois momentos distintos. Um deles é o da aquisição

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do ticket, o que configura a despesa, momento esse caracterizado por fluxo financeiro

independentemente de haver ou não pagamento, isto é, concomitante ou não ao exfluxo

monetário. Nesse primeiro momento, em contrapartida ao lançamento a crédito feito na conta

caixa ou equivalente, no caso de pronto pagamento, ou em contas de contas a pagar, no caso de

pagamento a prazo, deve ser debitada uma conta de ativo, eis que o ticket é um título, representa

um direito. Sugere-se, neste estudo, que se debite uma subconta da conta 281 - Gastos a

reconhecer, do Código de Contas do SNC. Trata-se de simples fato contabilístico permutativo,

sem modificação do património líquido da empresa. Não há que se falar ainda, portanto em gasto,

pois gasto implica diminuição do capital próprio, que não sejam relacionada com distribuições

aos participantes do capital próprio”.76 Já o segundo momento é aquele em que se dá a consumo

da alimentação ou do combustível recebido em troca – devidamente documentada – do ticket.

Aí, sim, configura-se o gasto, caracterizado pela diminuição dos benefícios económicos em

decorrência da absorção do bem ou serviço adquirido, diminuição essa também concomitante ou

não ao exfluxo monetário. Aqui deve ser feito outro lançamento contabilístico, debitando-se a

correspondente conta de gasto com refeições ou combustíveis em contrapartida ao crédito

daquela mesma conta do ativo – subconta de 281 - Gastos a reconhecer – que havia sido debitada

no momento anterior. Trata-se agora de um fato contabilístico modificativo, com diminuição do

património líquido. Com a adoção desse procedimento, não corre risco a empresa de que a

primeira operação seja alvo de incidência de TA sobre despesa não documentada, como ocorreu

nos casos relativos aos acórdãos aqui mencionados em nota. Não é demais repetir, contudo, que

para que o gasto seja considerado dedutível para fins de determinação do lucro tributável pelo

IRC, a documentação correspondente deve encontrar-se devidamente revestida dos pressupostos

legais,77 e que tenham sido incorridos ou suportados para manter ou obter rendimentos sujeitos

ao próprio IRC.78 Em relação a despesas, para que não haja incidência de TA sobre despesas não

documentadas, entendemos que bastam documentos idóneos que contenham data, valor, natureza

da despesa e, principalmente, identificação do beneficiário.

VII.2 - TA em IRC sobre despesas não documentadas – a natureza jurídica sancionatória

76Aviso n.º 15652/2009, Despacho n.º 589/2009/MEF (Estrutura Conceitual do SNC) Parágrafo 69, al. b). 77 CIRC, art. 23, n.º 4 e 6. 78 CIRC, art. 23, n.º 1.

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Sugere o senso comum ao meio académico voltado ao business law, que seja pouco usual que

empresas efetuem despesas desacompanhadas de documentos, mesmo porque, como visto, a lei

o proíbe. Nessa hipótese, a TA sobre despesas não documentadas em IRC poderia ser considerada

como uma espécie de sanção? A resposta requer abordagem à norma jurídica estruturada segundo

o modelo aqui já apresentado no referencial teórico: <se P, então deve ser Q> e <se -Q então

deve ser S>. Há para a empresa, já se demonstrou, a obrigação legal de embasar todas as

operações em documentos justificativos. Na linguagem utilizada em nosso referencial teórico,

significa dizer que há norma jurídica reguladora de conduta cujo antecedente normativo P,

operação realizada pela empresa,79 implica o consequente normativo Q, obrigação de refletir essa

operação em seus lançamentos contabilísticos80, devidamente “apoiados em documentos

justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário”81 pelo prazo

de 10 anos, durante o qual devem ser conservados em boa ordem.82 Logo, se a empresa realiza

uma despesa e não apresenta o correspondente documento, quer dizer, se não cumpre a obrigação

Q, então ela está a incorrer no ilícito -Q, que é antecedente de norma sancionadora caracterizado

pela não apresentação do dito documento, que, incoerentemente, entendemos, tem como

consequência direta a tributação autónoma S, estatuída pelo artigo 88, n.º 1 ou n.º 2 do Código

do IRC: TA à taxa de 50% ou de 70%, conforme o caso.83 Em outras palavras, pode-se afirmar

que o ato ilícito implica a incidência tributária.

Transposta a relação jurídica estabelecida pela TA sobre despesas não documentadas para

a fórmula adotada no referencial teórico tem-se:

<se operação, então deve ser documento> e <se não documento então deve ser TA>

Em resposta à questão formulada, portanto, pode-se categoricamente afirmar, consoante

referencial teórico adotado, que a TA incidente sobre despesas não documentadas efetuadas

pelas empresas possui sim natureza de sanção pela prática de ato ilícito. Esse fato, em tese,

79 Qualquer operação. Não há exceções previstas para despesas, sejam dedutíveis ou não. 80 CIRC, art. 17, n.º 3, al. b). 81 CIRC, art. 123, n.º 2, al. a), norma essa, a propósito, reforçada no âmbito do IVA, consoante CIVA, art. 29, n.º 1,

al. b) c/c CIVA, art. 36, n.º 5. 82 CIRC, art. 123, n.º 4. 83 Será de 70% se tratar-se se empresa total ou parcialmente isenta, ou se obtiver rendimentos provenientes de jogo.

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descaracteriza essa modalidade de TA como imposto,84 haja vista que, segundo a doutrina

majoritária, o imposto não pode ter essa natureza.85

Ademais, para além do ilícito correspondente à inexistência do documento, há também a

possibilidade de ocorrência de ilícitos outros, conexos com o exfluxo monetário com destino ao

mundo informal, correspondente à despesa não documentada. Nesse sentido, foi enfático o

Tribunal Constitucional em julgamento acerca da TA sobre despesas não documentadas:

“A lógica fiscal do regime assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública,

por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA

ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transacções efectuadas, ou se foram

declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros

tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto.

Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo directamente sobre um lucro, terá ínsita a

ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos

públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal.”86

Oportuno que se atente para a diferenciação entre a figura da (i) incidência de imposto

sobre rendimento produto ato ilícito e a do (ii) uso do imposto como se fosse sanção por ato

ilícito. A primeira hipótese é perfeitamente compatível com a lei.87 Diferentemente ocorre com

a segunda hipótese, sobre a qual poder-se-ia mesmo conjeturar, como exemplo, uma situação de

distribuição de bens da sociedade. Regra geral, essa distribuição obrigatoriamente requer prévia

deliberação dos sócios em assembleia.88 Distribuição de bens sem prévia autorização em

assembleia configura, pois, o ato ilícito - Q, que implica a pena S de multa de até 120 dias ao

gestor.89 Incompatível seria, entende-se aqui, edição de norma jurídica para estatuição de um

imposto, digamos, à taxa de 10%, sobre o valor do bem da sociedade distribuído sem prévia

deliberação, porque esse imposto teria a qualidade de sanção por ilicitude. Isso porque,

configurando o fato gerador tributário, o ilícito implicaria diretamente o tal imposto. Permitido,

84 Oportuno deixar registado o seguinte corte metodológico: independente da eventual constatação da

descaracterização de qualquer modalidade de TA como imposto, essa constatação permanecerá isolada, restrita ao

tópico e não influenciará no restante da investigação, em que a TA continuará genericamente considerada como

imposto. 85 Catarino em Guimarães (coord.) et al, 2014: 23; Carlos, 2014: 43; Gomes, V1, 2003: 69; Nabais 2014: 45 e Xavier,

1974: 63. 86 Ac. TC n.º 18/2011, de 12/01/2011, Rel. Carlos Cadilha. 87 CIRC, art. 1º. 88 CSC, art. 31, n.º 1. 89 CSC, art. 514, n.º 3.

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todavia, nesse caso, cobrança de imposto sobre rendimento decorrente de eventual incremento

patrimonial, pelo gestor, proveniente da tal distribuição ilícita de bens da sociedade, porque esse

incremento preencheria “os pressupostos das normas de incidência aplicáveis”90 ao IRS.91 Trata-

se, em resumo, da diferenciação entre meio e fim ou entre processo e produto: é permitido tributar

o produto do ilícito, mas não se pode tributar o ilícito como meio.

Isolada, deixada de lado a discussão pontual sobre o papel sancionatório, outra questão a

ser investigada é sobre o possível enquadramento da norma que instituiu a TA sobre despesas

não documentadas no gênero das normas antiabuso. Segundo aproximada noção legal, normas

antiabuso são aquelas que têm por finalidade tornar tributariamente ineficazes atos ou negócios

jurídicos artificiosamente ou fraudulentamente dirigidos à redução ou diferimento de impostos.92

Ocorre que sua incidência real, a despesa não documentada, é encargo93 não dedutível ao IRC.94

Se não é dedutível, então a despesa não documentada não tende a reduzir ou diferir o IRC devido,

logo, sob o ponto de vista do contribuinte que realiza a despesa por meio da aquisição do bem ou

serviço, a regra que criou essa modalidade de TA não pode, ao menos diretamente, ser

classificada como espécie do gênero das medidas antiabuso em face do IRC. De qualquer sorte,

o desencorajamento da prática das despesas não documentadas por meio da cobrança da TA

acaba por desempenhar, por via oblíqua, função fiscal, ao contribuir para repartição justa de

riqueza,95 na medida em que induz o contribuinte do IRC à aquisição de bens e serviços por meio

de operações que, por serem documentadas, permeiam o mercado formal e geram impostos. Sob

esse enfoque, a TA sobre despesas não documentadas enquadra-se, sim, como imposto

extrafiscal.96

Em relação ao objetivo extrafiscal, essa modalidade de TA em IRC seria um imposto

eficiente? Ora, a eficiência da função extrafiscal de qualquer imposto é necessariamente uma

grandeza inversa ao sucesso da função reditícia.97 Isso porque a finalidade principal dos impostos

extrafiscais é justamente “evitar ou obstar a verificação do respetivo pressuposto de facto ou

90 LGT, art. 10.º. 91 CIRS, art. 9º, n.º 1, al. d). 92 LGT, art. 38, n.º 2. 93 A rigor, é despesa e não encargo. Mas essa ambiguidade entre os termos despesa e encargo é gerada dentro do

próprio CIRC, conforme art. 23-A, n.º 1, al. a). 94 CIRC, art. 23-A, n.º 1, al. a). 95 Finalidade prevista na Constituição da República, art. 103, n.º 1. 96 Nabais, 2014, 386. 97 Gomes, 2003, 67.

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facto gerador”,98 ou seja, quanto maior o valor arrecadado pelo Estado, menos eficiente terá sido

a desejada modulação de conduta. E o oposto é verdadeiro: menor valor arrecadado implica maior

sucesso da função extrafiscal. No caso das tributações autónomas em IRC, entretanto, não é, a

rigor, possível a avaliação dessa eficiência, pois não há divulgação de informações oficiais sobre

valores arrecadados pela Autoridade Tributária em cada uma das modalidades de TA, apenas

sobre o valor total.

Em resumo do que foi visto sobre a TA sobre despesas não documentadas, releva-se o

seguinte: (i) tentativas de comprovação de gastos mediante apresentação de simples troca de

meios de pagamento, como vales-refeição ou cheques-auto, têm sido tratadas pela AT,

indevidamente entendemos, mas com respaldo nos tribunais, como despesas não documentadas;

(ii) se analisada estritamente sob os contornos do referencial teórico aqui apresentado, essa

modalidade de TA configura inadequada sanção pela prática de ato ilícito.

98 Nabais, 2014: 387.

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VIII - TA em IRC sobre encargos com viaturas

Houve um tempo em que a TA em IRC incidia apenas sobre despesas não documentadas. Porém,

a lei orçamentária para 2000, que foi a Lei n.º 3-B/2000, de 04 de abril, trouxe algumas novidades

em seu artigo 42, que alterou o artigo 4º do DL 192/90. Uma delas foi a inclusão, no campo de

incidência real da TA, dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros. A partir daí, esse campo

de incidência foi paulatinamente ampliado, até chegar à configuração atual99 dada pelo artigo 88

do IRC nos números 3, 5, 6, 17 e 18, que possuem o seguinte enunciado:

3 - São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que

não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza

comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras

de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos,

motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes

taxas:

a) 10% no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a € 25.000;

b) 27,5% no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 25.000 e inferior a €

35.000;

c) 35% no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 35.000.

(…)

5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos,

nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação,

combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com:

a) viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de

transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo; e

b) viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da

alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

(…)

17 - No caso de viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in, as taxas referidas nas alíneas a),

b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 5%, 10% e 17,5%.

99 Considera-se como atual o CIRC na versão modificada até a Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro.

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18 - No caso de viaturas ligeiras de passageiros movidas a GPL ou GNV, as taxas referidas nas

alíneas a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 7,5%, 15% e 27,5%.

Nessa modalidade de TA, o critério material de incidência – ou incidência real – recai sobre

os encargos efetuados ou suportados pelas empresas e relacionados a determinados veículos, que

são viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º

1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos - ISV, motos ou motociclos, excluindo os

veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, sejam eles próprios, sejam os que estejam

sob sua posse ou utilização, alugados, arrendados, ou mesmo em utilização pessoal por

trabalhador ou membro do órgão social, obviamente, nesse último caso, com encargos à

sociedade.

O conceito de encargo utilizado no enunciado do n.º 3 do artigo 88 do CIRC é abrangente.

A lista constante do n.º 5 daquele artigo cita “depreciações, rendas ou alugueres, seguros,

manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”.

Mas o termo nomeadamente ali contido indica que a lista não é exaustiva, mas sim

exemplificativa. Isso significa que se encontram também sujeitos à TA encargos outros como

parqueamentos, portagens, transportes, coimas, multas, juros de leasing, dentre outros que

possam ser associados à propriedade, posse ou utilização dos referidos veículos.100 Dentre esses

encargos, o que costuma ter o maior valor é o relativo à depreciação, haja vista que equivale, em

regra, ao valor da própria viatura uniformemente distribuído pelo seu período de vida útil,101

normalmente quatro anos, lembrando que a depreciação pode não ser dedutível, em sua

totalidade, ao IRC.102

Observe-se que a TA incide não só sobre encargos efetuados, mas também sobre os

suportados. Suportar significa ter sobre si, aguentar, tolerar, sofrer,103 o que importa dizer que

ainda que a sociedade sujeito passivo não efetue diretamente o encargo, haverá incidência se, ao

final, de qualquer modo, suporte, pague, assuma a despesa ou arque com o ônus relativo ao

100 Nesse sentido, decisão do Centro de Arbitragem Administrativa no Processo n.º nº 92/2013-T, datada de

25/11/2014 e disponível em: https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_irc=1&s_processo=92%2F2013-

T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=286 101 CIRC, art. 30, n.º 1. 102 CIRC, art. 34, n.º 1, al. e). 103 Dicionário Priberam, disponível em: http//www.priberam.pt .

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encargo com aqueles determinados veículos, independentemente de serem ou não de sua

propriedade.104

Ao listar os veículos, ainda que tenha feito remissão ao Código do CISV, o enunciado do

n.º 3 do artigo 88 não foi muito claro quanto à incidência real no que se refere à exata definição

de quais viaturas ligeiras de mercadorias teriam seus encargos sujeitos à TA. Mas possíveis

dúvidas foram posteriormente dissipadas por informação vinculativa da AT.105 Esclareceu-se,

nessa informação, que dentre as viaturas ligeiras de mercadorias, somente incide TA sobre

aquelas contidas na Tabela A constante do n.º 1 do art.º 7.º do Código do ISV. Para além disso,

ali ainda se justificou a inusitada tributação de despesas sobre esse tipo de viatura comumente

utilizado a serviço pelas empresas: pretendeu-se, segundo a AT tributar gastos com determinadas

viaturas ligeiras de mercadorias de menor porte e que tenham também utilidade como viaturas

de passageiros. Isso porque, dada essa versatilidade, poderiam essas viaturas, em tese, servir

como meio de pagamento a sócios, trabalhadores ou terceiros, com evasão ou elisão dos encargos

fiscais, parafiscais ou trabalhistas que incidem sobre esses pagamentos na esfera da sociedade

ou, principalmente, na da pessoa beneficiária. Uma alternativa, portanto, a ser considerada pelas

empresas que fazem uso de viaturas ligeiras de mercadorias seria a opção pelos veículos de maior

porte que não estejam enquadradas na Tabela A do CISV, porque sobre os correspondentes

encargos não incide essa modalidade de TA.

De qualquer sorte, há cinco regras que delimitam negativamente a incidência real dessa

TA. Três delas em função da tecnologia de propulsão do veículo; as outras duas em função do

uso que a empresa dá ao veículo. Em função da tecnologia de propulsão, há uma exclusão

objetiva, total, que é a não incidência de TA sobre encargos com viaturas movidas

exclusivamente a energia elétrica,106 e duas isenções parciais – assim chamadas em razão da

mutilação parcial do critério quantitativo da norma de incidência107 – por meio das quais são

reduzidas as taxas de TA sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in ou

movidas a GPL (gás de petróleo liquefeito) ou GNV (gás natural veicular).108 Há ainda duas

outras exclusões. Uma delas é objetiva em relação ao uso da viatura e subjetiva em relação a

104 Ac. CAAD de 25/11/2013, Rel. José Coutinho Pires. 105 Nesse sentido a Ficha Doutrinária – Informação Vinculativa emitida pela AT em 17/04/2015, referente ao

Processo n.º 750/2015. 106 CIRC, art. 88, n.º 3, parte final. 107 Carvalho, 2007: 504. 108 CIRC, art. 88, n.º 17 e 18.

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atividade do SP: não incide TA sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros, motos e

motociclos afetos ao serviço público de transportes, assim destinados ao aluguel em razão da

atividade normal do sujeito passivo.109 A outra é objetiva em relação à forma de uso: não incide

TA sobre encargos relacionados com viaturas automóveis atribuídas a empregados da sociedade

por meio de acordo.110

A delimitação negativa de incidência em razão da tecnologia de propulsão do veículo, que

pretende incentivar a utilização de veículos menos poluentes, surgiu a partir de 2008, com o

advento da política pública que ficou conhecida como fiscalidade verde. Já em relação à

delimitação negativa em razão do uso, há dois motivos distintos. A exclusão dos encargos com

veículos para aluguel e afetos ao serviço público justifica-se por se tratar de caso no qual, em

tese, há nessas circunstâncias menores possibilidades de concessão do uso da viatura como meio

de pagamento a empregados ou sócios. A exclusão dos encargos com viaturas atribuídas a

empregados decorre do fato de que a importância correspondente a esses encargos já estará

sujeita à tributação na esfera da pessoa singular, por caracterizar remuneração do trabalho

dependente.111

O critério quantitativo é sempre formado pela matéria coletável e pela taxa. A matéria

coletável ou base de cálculo da TA em IRC relativa a encargos com veículos é sempre o valor do

encargo. As taxas, que dependem do valor da aquisição, tecnologia de propulsão do veículo e do

resultado obtido pela sociedade no período a que referem os encargos, devem observar a tabela

seguinte:

Sistema de propulsão = > Híbridas Plug-In GNV ou GPL

Outras, exceto movidas

a energia elétrica

Resultado fiscal = >

Neutro ou Prejuízo Neutro ou Prejuízo Neutro ou Prejuízo

lucro

tributável fiscal

lucro

tributável fiscal

lucro

tributável fiscal

Custo de Aquisição

< € 25.000 5,0% 15,0% 7,5% 17,5% 10,0% 20,0%

= ou > €25.000 e < €35.000 10,0% 20,0% 15,0% 25,0% 27,5% 37,5%

= ou > € 35.000 17,5% 27,5% 27,5% 37,5% 35,0% 45,0%

Quadro VIII.1 - Taxas de TA em IRC sobre encargos com viaturas

109 CIRC, art. 88, n.º 3, n.º 6, al. a). 110 CIRC, art. 88, n.º 3, n.º 6, al. b). 111 CIRS, art. 2º, n.º 3, al. b), n.º 9.

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Há, ainda, a possibilidade de haver encargos com viaturas alugadas ou arrendadas, sobre

os quais também incide TA em IRC. Tratando-se de aluguel de viatura por prazo máximo de três

meses não renovável, então deve ser aplicada a taxa de 10% ou, em caso de prejuízo fiscal no

período, de 20%.112 Em relação a encargos relacionados a viaturas arrendadas por prazo superior

a três meses, ou mesmo por prazo renovável, deve ser considerado como “valor de aquisição”

aquele valor considerado pelo locador para cálculo da renda, antes de deduzir o valor residual. A

esse valor deve ser adicionado o IVA.113 Em seu planeamento fiscal, portanto, em caso de

necessidade de uso de viaturas de maior valor, cujos encargos são sujeitos às maiores taxas de

TA, deve a empresa considerar a possibilidade de organizar os contratos de aluguel por períodos

de até três meses não renováveis, de modo que incida TA à taxa de 10%, invés de adquiri-las ou

arrendá-las por prazo maior.

A empresa deve também considerar, em seu planeamento fiscal, a possibilidade de

atribuição da viatura a seu empregado mediante acordo escrito. Nessa circunstância, não há TA

na esfera da empresa sobre os correspondentes encargos.114 Há rendimento anual em espécie,

contudo, na esfera do colaborador, à razão de 0,75% do valor de custo de aquisição ou produção

da viatura pelo número de meses de sua utilização,115 o que traz outras implicações, tanto na

esfera da empresa, como por exemplo encargos sobre remunerações, como também na esfera do

trabalhador, como IRS. Aconselhável, portanto, diante das alternativas disponíveis, que a

empresa as simule, estude e compare em busca da melhor solução ao menor custo fiscal.

Depreende-se do exposto que a TA em IRC sobre encargos relacionados a veículos: (i)

possui a incidência real definida por características do objeto da despesa, como por exemplo

sistema de propulsão; (ii) pode ter sua incidência excluída em razão do tipo de uso da viatura e

da atividade normal do sujeito passivo; (iii) pode a incidência ser também excluída por atribuição

da viatura ao empregado por acordo escrito; e (iv) Em razão das muitas variáveis envolvidas

nessa modalidade de TA, deve a empresa simular e comparar as alternativas possíveis.

112 Ficha Doutrinária referente ao Processo n.º 2012/1228, emitida pela AT em 21/05/2012. 113 Ficha Doutrinária referente ao Processo n.º 2012/3690, emitida pela AT em 02/07/2013. 114 CIRC, art. 88, n.º 6, al. b). 115 CIRS, art. 24, n.º 5

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IX - A TA em IRC com gastos de representação

Essa modalidade de TA foi inserida no âmbito do IRC à partir do OE 2000, pela mesma lei que

trouxe a TA sobre encargos com viaturas, que foi a Lei 3-B/2000, de 04 de abril. Atualmente, a

TA em sede de IRC sobre encargos de representação encontra-se prescrita no n.º 7 do artigo 88

CIRC, segundo o qual:

7 - São tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos dedutíveis relativos a despesas de

representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções,

refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou

fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

Pouco ou quase nada há a discutir a respeito do critério quantitativo de incidência dessa

modalidade de TA em IRC. Esse critério é composto por dois fatores: a matéria coletável ou base

de cálculo e a taxa. A base de cálculo é o valor da despesa. A taxa é de 10% ou, em caso de

prejuízo no periodo a que respeitam as despesas, de 20%.116

Em relação à incidência real ou objetiva do imposto, vale ressaltar que o advérbio

nomeadamente é utilizado no modo exemplificativo, logo são suscetíveis a essa modalidade de

TA quaisquer outras possíveis despesas de representação, ainda que não sejam com receções,

refeições, viagens, passeios e espetáculos. E segundo a norma, não importa quem seja o

beneficiário desses eventos, se clientes, fornecedores, qualquer pessoa, nem importa o local onde

ocorram, em Portugal ou no estrangeiro. Não há, todavia, qualquer vocação residual para essa

expressão de TA em IRC, pois esse aparentemente amplo espectro de incidência real é

delimitado: só incide essa TA sobre encargos dedutíveis,117 isto é, sobre gastos utilizados pelo

contribuinte, a título de despesas de representação, como subtraendos na determinação do lucro

tributável pelo IRC.

Para que o encargo possa ser considerado dedutível, há dois requisitos. Em primeiro lugar,

é necessário que seja efetuado com o fito de obter ou de garantir os rendimentos sujeitos ao

IRC”.118 Em outras palavras: são dedutíveis aqueles encargos que tenham sido incorridos ou

suportados pelo SP para a obtenção do rendimento ou para a manutenção se sua fonte

116 CIRC, artigo 88, n.º 14. 117 Importante observar o corte temporal: a vigência da legislação aqui em análise reporta-se a março de 2016. 118 CIRC, artigo 23, n.º 1.

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produtiva.119 Em segundo lugar, para ser dedutível o encargo precisa ser documentalmente

comprovado.120

O resultado que a empresa pretende, em tese, alcançar com as despesas de representação é

manter ou angariar clientes. Os valores entregues pelo sujeito passivo às pessoas responsáveis

pela realização do evento, para nele serem aplicados, não configuram rendimentos dessas

pessoas, razão pela qual não há a obrigatoriedade de que elas reportem o recebimento, desde que

esses gastos estejam devidamente documentados e registados como despesas de representação

da empresa. A propósito, exatamente aí reside a finalidade extrafiscal dessa modalidade de TA:

desincentivar a prática, pela empresa, de dissimulação de pagamentos a trabalhadores, sócios,

fornecedores, sob o pretexto de efetuar despesas de representação.

Mas, diante da amplidão que a norma pretendeu dar à incidência objetiva dessa modalidade

de TA, surge a pergunta: o que seriam, exatamente, despesas de representação? Para ilustrar a

resposta, vale a pena breve menção a entendimento judicial aplicado um caso prático.

IX.1 - A definição de despesas de representação: um caso prático

Trata-se de caso que foi objeto da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul - TCAS de

07/05/2015, cujo relator foi o Conselheiro Joaquim Condesso, em que obteve sucesso a

propositura, pelo contribuinte, de reclassificação de despesas e devolução de TA já liquidada.

Naquele processo, foi relatado que o contribuinte, de atividade principal comércio por

grosso de produtos farmacêuticos, havia efetuado despesas com viagens para que profissionais

de saúde participassem de evento científico em que haveria sessões clínicas no âmbito da

promoção de medicamentos. Na sequência, por entender que esse encargo se enquadrava como

despesas de representação, fez a correspondente autoliquidação de TA. Depois, contudo, mudou

de entendimento: apresentou reclamação graciosa em que pleiteava que as despesas fossem

classificadas como encargos de publicidade, sobre as quais não haveria incidência de TA. Como

a reclamação foi indeferida, o contribuinte apresentou impugnação junto ao Tribunal

119 O entendimento dos Tribunais Administrativos é de que não cabe à AT juízo de oportunidade ou mérito (Ac.

TCAS de 07/05/15, Rel. Joaquim Condesso e Ac. STA de 24/09/14, Rel. Francisco Rothes). 120 CIRC, artigo 23, n.º 3.

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Administrativo e Fiscal - TAF competente, que no caso era o de Sintra. Obteve êxito: na sentença,

o TAF determinou a devolução do valor da TA antes liquidado. Houve recurso pela AT, mas na

solução imposta pelo TCAS negou-se provimento ao recurso e confirmou-se a decisão do TAF,

mantendo-se, pois, a obrigação de o Estado devolver o valor do imposto antes equivocadamente

autoliquidado pelo contribuinte.

A importância desse caso decorre da diferença que ficou estabelecida, no entender do

TCAS, entre despesas de representação e de publicidade. Segundo entende aquele Tribunal,

classificam-se como despesas de representação somente aquelas que se destinam à representação

propriamente da sociedade, “onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade

principal).”121 Como no caso a atividade principal da sociedade era comércio por grosso de

produtos farmacêuticos, então pode-se dizer que a promoção dos medicamentos era um evento

no qual a sociedade encontrava-se presente, e não sendo representada. Por isso, as despesas

dedutíveis correspondentes não poderiam mesmo ser consideradas de representação. Como o

evento destinava-se a promover os produtos que eram vendidos pela sociedade, então as despesas

dedutíveis correspondentes seriam, segundo o julgado, despesas de publicidade.122

E essa distinção é da maior importância porque, embora sejam ambas dedutíveis para

efeitos do cálculo do IRC, não incide TA sobre gastos com publicidade, mas sim com as

chamadas despesas com representação. Observe-se ainda que as despesas em questão nem eram

diretamente correspondentes ao evento em si, ou seja, à demonstração dos produtos

farmacêuticos, mas às viagens feitas pelos profissionais de saúde para participarem do evento.

Não eram despesas especialmente efetuadas com o evento fim, a demonstração dos produtos,

mas também com o meio, as viagens.

A bem da verdade, em relação à situação objeto do julgamento, encargos suportados com

viagens realizadas por profissionais de saúde para participarem em eventos organizados dentro

do âmbito da promoção de medicamentos por sociedade de atividade de venda por grosso de

produtos farmacêuticos, já existia informação vinculativa123 da Autoridade Tributária, segundo

121 Como se pode observar, a palavra “onde” não foi utilizada como advérbio de lugar, mas sim para referir-se à

atividade principal da sociedade. 122 Em caso que guarda alguma semelhança com esse, o TCAS havia julgado no mesmo sentido: Ac. TCAS de

12/06/2014, Rel. Cristina Flora. 123 Trata-se da Informação Vinculativa da Direção-Geral dos Impostos, referente ao Processo 1648/09, com

despacho datado de 16/07/2009.

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a qual tais despesas, obviamente no caso concreto consultado, deveriam ser aceites como custos

de publicidade e propaganda.

É certo que as informações vinculativas só têm aplicabilidade ao caso concreto. Sua

aplicação não pode ser estendida a casos semelhantes,124 mesmo porque é expressamente

proibida a integração analógica de normas tributárias.125 Não se pode negar, todavia, que o citado

acórdão do TCAS configura importante precedente jurisprudencial na diferenciação entre

encargos de publicidade e de representação.

Analogamente, portanto, de acordo com o entendimento externado naquele acórdão, pode-

se afirmar, por exemplo, que os gastos com alimentação de pessoas ligadas ao comércio retalhista

de equipamentos agrícolas, ou com hospedagem de gestores de comércio retalhista de roupas,

suportadas por comerciantes grossistas, e no âmbito promocional desses produtos, podem, em

tese, ser classificadas como despesas de publicidade e não de representação. Assim, também em

tese, tais encargos não seriam suscetíveis à incidência de TA.

Então, apesar de ter sido criada com propósito de ser um imposto autónomo com amplo

campo de incidência objetiva, de modo que abarcasse enorme gama de pagamentos que

pudessem ser feitos, a qualquer pessoa ou entidade, a título de despesas de representação

(nomeadamente receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos, dentro ou fora de Portugal),

o precedente jurisprudencial aqui citado acabou por determinar relevante limite à TA sobre

despesas de representação, à medida que confere a possibilidade de que algumas despesas sejam,

conforme o caso, classificadas como sendo de publicidade e excluídas do campo de incidência

da TA.

Com essas considerações acerca do enunciado do n.º 7 do artigo 88 do CIRC, pode-se

afirmar que a TA sobre encargos de representação possui como características genéricas (i)

incidência real definida por características do objeto da despesa, que precisa ser de representação,

assim entendido o ato de se fazer às vezes da sociedade onde ela não se encontra presente; (ii)

irrelevância de quem seja a pessoa do beneficiário do pagamento ou da própria despesa; (iii)

ausência de repercussão do valor da despesa na tributação na esfera do favorecido imediato pelo

pagamento.

124 Em caso de questão relevante de direito apreciada no mesmo sentido em três solicitações de informações

vinculativas, tais informações devem ser convertidas em circulares administrativas, estas sim, dotadas de

aplicabilidade genérica (LGT, artigo 68-A, números 1 e 3). 125 LGT, artigo 11, n.º 4.

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X - A TA em IRC sobre pagamentos destinados a pessoas residentes fora de Portugal e

sujeitas a regime fiscal mais favorável

Instituída desde 2001,126 essa modalidade de TA no âmbito do IRC encontra-se regulada pelo

número 8 do artigo 88 do código daquele imposto sobre rendimentos, que tem o seguinte

enunciado:

8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis,

respetivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a

qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí

submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código,

salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e

não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

Esse enunciado normativo merece destaque em relação a quatro particularidades: (i)

remessa ao regime da TA sobre despesas não documentadas; (ii) indefinição da natureza ou

finalidade da despesa; (iii) pressuposto de incidência objetiva não definido por lei; (iv) incidência

objetiva baseada em presunção cuja ilisão é condicionada à produção de prova de difícil

obtenção.

A primeira dessas características é patente na medida em que determina o enunciado

normativo que institui essa modalidade de TA que a ela seja aplicado o mesmo regime do n.º 1

ou do n.º 2 do artigo 88, que regulam a TA sobre despesas não documentadas. E aquele regime

possui duas características: (a) a da taxa aplicável segundo a incidência subjetiva, e (b) a da não-

dedutibilidade ao lucro tributável pelo IRC.

Em relação à taxa aplicável, a norma divide a incidência subjetiva em duas categorias de

sujeito passivo e aplica uma taxa de TA para cada uma delas: pela regra geral às empresas, a TA

será de 35%. Porém, se o contribuinte for sujeito passivo total ou parcialmente isento, ou que não

exerça, a título principal, atividade económica de caráter empresarial,127 ou ainda se o

contribuinte aufira rendimentos sujeitos exclusivamente ao imposto especial de jogo, essa TA

será exigida à taxa de 55% sobre o valor da despesa.

126 Lei 30-G/2000, de 29 de dezembro. 127 CIRC, art. 3º, n.º 4.

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Quanto à dedutibilidade, esse regime proíbe que se considere essas despesas abrangidas

pelo n.º 8 do artigo 88 como gastos para efeitos de dedução junto ao IRC, o que, aliás, se coaduna

com a vedação já imposta no artigo 23-A, n.º 1, alínea r), n.º 3 e 7, todos do Código do Imposto

sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

A segunda característica relevante da TA prevista no nº 8 do artigo 88 é a indefinição sobre

natureza ou finalidade da despesa, haja vista que o imposto incide sobre “despesas

correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título”. Uma vez ocorrido o

pagamento ou reconhecida a dívida pela sociedade, identificado o beneficiário como não

residente sujeito a regime fiscal claramente mais favorável, caracterizada está a incidência da

TA, independentemente da natureza do objeto de contrapartida do pagamento ou da dívida.

A terceira e talvez a mais instigante particularidade da TA instituída por meio do n.º 8 do

artigo 88 do CIRC é a veiculação de pressuposto de incidência objetiva não definido por lei.

Prescreve a norma que a Tributação Autônoma deve incindir sobre pagamentos feitos a pessoas

residentes fora de Portugal e lá sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável.128 Portanto,

para que se verifique a incidência da TA, é imprescindível que o não-residente esteja sujeito a

regime fiscal claramente mais favorável que o de Portugal. E o enunciado do nº 8 remete a

definição do que seja regime fiscal claramente mais favorável ao próprio CIRC que, por sua vez,

contém diversos outros dispositivos que vinculam tal conceito de regime fiscal claramente mais

favorável a uma lista de locais aprovada por portaria do membro do governo responsável pela

área de finanças. Pode-se citar como exemplos desses dispositivos o artigo 23-A, n.º 1, alínea r),

o artigo 45-A, n.º 4, alínea c) e o artigo 91-A, n.º 4. Essa lista de lugares, que é taxativa, compõe-

se atualmente129 de 81 países, territórios e regiões, consoante Portaria 292/2011, de 8 de

novembro, do Ministério das Finanças.130 Essa relação é conhecida popularmente como lista

negra ou lista dos paraísos fiscais. Com essa remissão para portaria, um pressuposto da hipótese

de incidência da TA, condição essencial para a incidência objetiva do imposto, que é a definição

dos locais que possuem regime fiscal claramente mais favorável, ficou de fora da lei, eis que a

competência para definir que locais seriam esses foi delegada a um agente do governo. Essa

128 Essa norma é semelhante a outras regras antiabuso por parte de sociedades controladas não residentes, presentes

na legislação que regula o IRC desde a edição do Decreto-lei 37/1995, de 14/02/95. Tais regras, que são hoje

utilizadas por muitos países como meio de proteção da própria economia, são conhecidas como Regras CFC

(Controlled Foreign Companies), e têm como objetivo evitar fuga de capitais e erosão da base tributária dos Estados. 129 Março de 2016. 130 Portaria publicada no Diário da República, 1ª série, de 08/11/2011, folha 4788.

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delegação, todavia, ainda que feita indiretamente pelo n.º 8 do artigo 88, insinua algum vício de

inconstitucionalidade, conforme será explicado em seguida.

Se não houvesse definição de que locais possuem regime fiscal claramente mais favorável,

não poderia haver sequer incidência da TA prevista no n.º 8 do artigo 88 do CIRC, logo, tal

definição é da essência da incidência. Estatui a Constituição da República que “os impostos são

criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos

contribuintes”.131 Daí decorre o princípio constitucional da legalidade. Determina ainda a

Constituição que “nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a

actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar,

suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”.132 Ora, se nenhuma lei pode conferir a atos

de outra natureza sequer o poder de interpretar seus preceitos, então, pela mesma razão, o Código

do IRC, ainda que autorizadamente editado pelo governo,133 não poderia ter conferido a portaria

a ser emitida por membro do governo, como conferiu, o poder de definir o critério material de

incidência de imposto, definição essa, repita-se, atribuída à lei formal pela própria Constituição.

Aliás, o próprio Tribunal Constitucional já fixou entendimento nesse sentido:

“… a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem entendendo que não podem subtrair-se à

alçada da reserva parlamentar “as próprias normas sobre a determinação da matéria colectável,

quando o seu conteúdo e alcance transcender a pura esfera processual e assumir já, afinal, um

carácter “material” ou “substantivo””.134

Oportuno ainda salientar que não está em discussão aspeto acerca de cobrança ou

liquidação do imposto,135 cuja regulação, segundo Vasco Branco Guimarães, poderia ser de

competência de “vários órgãos que têm a possibilidade legal de fazer leis com âmbito tributário

procedimental ou acessório”.136 Está-se, sim, a tratar do estabelecimento da própria relação

tributária. Está-se a tratar da própria incidência do imposto, cuja determinação é reservada à lei

formal. Nesse sentido, Américo Brás Carlos, ao tratar do princípio da tipicidade, cita Alerto

Xavier para ensinar que o artigo 103, n.º 2 da CRP impõe que a lei determine “todos os elementos

131 CRP, artigo 103, n.º 2. 132 CRP, artigo 169, n.º 5. 133 CRP, artigo 165, n.º 1, alínea i). 134 Ac. TC 84/2003, de 12/02/2003, Rel. Artur Maurício. 135 CRP, art. 103, 3. 136 Guimarães em Guimarães (coord.) et al, 2014: 98.

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necessários à tributação, que se apresentarão “de tal modo precisos e determinados (…) que o

órgão de aplicação do direito não possa introduzir critérios subjetivos de apreciação na sua

aplicação concreta”.”.137

Por essa razão, é possível o entendimento de que seja inconstitucional a TA instituída pelo

artigo 88, n.º 8, do Código do IRC, por violação ao princípio constitucional da legalidade.

Ademais, o emprego de lista taxativa de locais não é o único critério possível apropriado

para definição de quais seriam os regimes fiscais mais favoráveis que o de Portugal. Poderia

também ser utilizado o critério de comparação de taxas para impostos análogos,138 como é feito

nas normas CFC da França, por exemplo.139 Portugal, entretanto, preferiu utilizar o critério da

lista divulgada em portaria. Tal escolha certamente ocorreu por conta da complexidade e da

dinamicidade com que evoluem as legislações fiscais dos vários Estados. Referida complexidade,

porém, não justifica a por suposto inconstitucional remissão, para portarias, da definição de

componente essencial da norma de incidência de imposto. Perceba-se, ademais, que a referida

portaria nem sofre modificações constantes: encontra-se atualmente em vigor com a mesma

redação de cinco anos atrás. E a redação da portaria anterior, que foi a Portaria n.º 150/2004, de

13 de fevereiro, vigorou por mais tempo ainda. Se não há modificações constantes, então, pelo

menos no que toca à pretensa necessidade de dinamismo normativo, poderia a tal lista negra ser

veiculada por meio de Decreto-lei, o que afastaria a violação ao princípio constitucional da

legalidade.140

A quarta e última característica merecedora de atenção em relação a essa modalidade de

TA é sua incidência objetiva baseada em presunção, presunção essa cuja ilisão é condicionada à

produção de prova de difícil obtenção. É que na parte final do nº 8 do artigo 88, criou-se uma

regra de exceção segundo a qual não há incidência de TA se o sujeito passivo puder provar que

as importâncias pagas ou devidas “correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm

um caráter anormal ou um montante exagerado”. Verifica-se daí que a exigência dessa

modalidade de TA decorre da presunção de que todas as importâncias pagas ou devidas a pessoas

não residentes em Portugal, e lá sujeitas a regime fiscal mais benevolente, não existiram ou, caso

tenham existido, possuem caráter anormal ou montante exagerado.

137 Carlos, 2014: 110. 138Aliás, essa comparação é um dos critérios adotados para imputação de rendimentos obtidos por pessoas não

residentes associadas a sociedades residentes em Portugal, conforme artigo 66, n.º 5 do CIRC. 139 Côde Géneral des Impôts, artigo 238-A. 140 CRP, artigo 103, n.º 2.

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Trata-se de presunção legal juris tantum, pois a própria norma admite prova em contrário,

atribuindo-a ao sujeito passivo. Não há vício na utilização de presunções relativas nas normas de

incidência tributárias.141 Nesses casos, caberia à empresa ilidir a presunção.142 Incumbiria à

sociedade o ônus da produção de prova acerca de três fatos: (i) de que as importâncias pagas ou

devidas correspondem a operações efetivamente ocorridas; (ii) de que essas operações não

possuem caráter anormal e, (iii) de que essas operações não têm montante exagerado. A norma

não estatui forma ou procedimento de prova, porém, não obstante a vedação de integração

normativa por analogia,143 é usual a referência ao procedimento prescrito no artigo 23-A, n.º 8

do Código do IRC, segundo o qual “A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito

passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado

um prazo não inferior a 30 dias.”

Perceba-se, em relação ao primeiro fato a ser provado, que não basta à sociedade apresentar

o contrato ou mesmo a prova do efetivo pagamento ou da assunção da dívida em favor do não-

residente. O que precisa ser provado é a existência da própria operação objeto da contrapartida

do pagamento ou da dívida; é o “facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo

preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C.” 144

O segundo fato a ser provado pela sociedade é de que a referida operação não tem caráter

anormal. Nesse aspeto divergimos, com a devida vénia, da fundamentação utilizada pelo Ac.

TCAS de 19/02/2015, Rel. Joaquim Condesso, segundo o qual tal prova “deve passar pela

demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado”.

Acreditamos que, nesse julgado, o Colendo Tribunal considerou a palavra anormal, contida no

enunciado no artigo 88, n.º 8 do CIRC como sendo um atributo do valor da despesa. Em nosso

entendimento, contudo, o adjetivo anormal qualifica sim a operação realizada. Não tem,

portanto, acreditamos, correlação com o equilíbrio do contrato, mas sim com a adequação entre

a operação que deu origem à despesa objeto da TA e os fins da sociedade.145 É caso, pois, de

141 LGT, artigo 7 e artigo 344, n.º 1 do Código Civil, que pode ser subsidiariamente aplicado às relações jurídico-

tributárias, consoante seu artigo 2.º, alínea d). 142 Importante lembrar que, para ilidir a presunção, deve a sociedade solicitar abertura de procedimento contraditório

próprio, isso se não optar por utilizar as vias da reclamação graciosa ou da impugnação judicial, consoante CPPT,

artigo 64, n.º 1. 143 LGT, artigo 11, n.º 4. 144 Nesse sentido, o Acórdão TCAS de 19/02/2015, Rel. Joaquim Condesso. 145 Como conceito de fim da sociedade, adota-se aqui o conceito trazido por António Pereira de Almeida em

Almeida, (2011: 13). Segundo o autor, o fim mediato ou teleológico da sociedade é o lucro; e o fim imediato, a

própria atividade empresarial.

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aplicação de juízo de adequação, vedado, à Autoridade Tributária, juízos de oportunidade ou de

eficiência. Concordamos, nesse particular, com os argumentos que fundamentaram o Ac. STA

de 24/09/2014, Rel. Francisco Rothes, segundo o qual, ao tratar sobre a admissibilidade de gastos

em vista do IRC, “um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em

que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda

que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa”.

Qualquer iniciativa da Autoridade Tributária, no âmbito da aplicação da norma contida no artigo

88, n.º 8, ou mesmo do artigo 23-A, n.º 1, alínea r) do CIRC, no sentido de avaliar o equilíbrio

do contrato, ou mesmo de emitir juízo de oportunidade ou eficiência sobre o negócio jurídico

realizado contraria, a nosso ver, o princípio constitucional da liberdade de iniciativa, veiculado

pelo artigo 80, alínea c) da Constituição da República.

O terceiro fato a ser provado pela sociedade residente, este sim, é diretamente relacionado

à importância paga ou devida: trata-se da prova de que essa importância não tem montante

exagerado. Exige-se provar o não-exagero do montante. Se houvesse critério legal objetivo para

identificação do exagero do montante, como por exemplo algum número, uma percentagem,

então o fato a ser provado, o não-exagero, seria possível, pois bastaria que se demonstrasse que

o montante encontra-se abaixo do número ou do percentual que definisse o referido patamar do

exagero. Mas esse patamar não é determinado em lei. Não há parâmetro objetivo. Há, pois,

exigência de prova de fato indeterminado,146 o que, sem dúvida, implica cerceamento aos

interesses da sociedade sujeito passivo. Uma forma alternativa de a empresa demonstrar o

montante não-exagerado poderia ser por meio de comparações entre a operação por ela realizada

com outras operações semelhantes, realizadas por outros sujeitos passivos. Mas a dificuldade

trazida pela presunção legal permaneceria, uma vez que tais dados nem sempre se encontram na

esfera de disponibilidades do SP, mesmo porque podem estar protegidos por sigilo comercial

consoante artigos 42 e 43 do Código Comercial. Contudo, mesmo vencida essa etapa, na hipótese

de a empresa conseguir razoáveis informações a respeito de operações semelhantes, de modo a

estabelecer parâmetro de comparação suficiente para demonstrar o montante não exagerado,

ainda assim esse parâmetro ficaria à mercê de juízo de valor a ser realizado pela Autoridade

Fiscal, a quem caberia a palavra final sobre se o montante ultrapassara ou não o patamar do

exagero. Ora, o montante exagerado é também pressuposto essencial da incidência da TA do

146 Malatesta (1927: 112).

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artigo 88, n.º 8 do CIRC: só há incidência da TA se houver montante exagerado. Na prática,

portanto, a competência para definição da incidência é delegada à autoridade fiscal, o que

também implica violação ao princípio constitucional da legalidade,147eis que somente a lei pode

determinar a incidência tributária.

E exatamente nesse sentido é a lição de Canotilho, ao referir-se ao artigo 103 da

Constituição da República:

“O n.º 2 garante o princípio da legalidade fiscal. Ele traduz-se desde logo na regra da reserva de lei

para a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos, não podendo eles deixar de

constar de diploma legislativo. Isso implica a tipicidade legal, devendo o imposto ser desenhado na

lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem

para discricionariedade administrativa quanto aos seus elementos essenciais.”148

Convergem para esse mesmo entendimento os ensinamentos de Jorge Miranda e Rui

Medeiros:

“Tal determinação Constitucional funciona, precisamente, como uma garantia dos contribuintes,

criando um quadro legal rigoroso e pondo-os ao abrigo de uma interpretação administrativa,

variável e porventura menos publicitada…”149

A teoria brasileira é também bastante rigorosa em relação à precisão da qual deve-se

revestir a lei que define a incidência tributária. Para Roque Carrazza:

“Os elementos integrantes do tipo tributário devem ser formulados na lei de modo tão preciso e

determinado, que o aplicador não tenha como introduzir critérios subjetivos de apreciação, que

poderiam afetar, como já escrevemos, a segurança jurídica dos contribuintes, comprometendo-lhes

a capacidade de previsão objetiva de seus direitos e deveres.”150

Pelo que foi aqui exposto, pode-se concluir que, tanto a possibilidade de definição, em

portaria da Autoridade Tributária, de locais com regime fiscal claramente mais favorável, como

também a dificuldade probatória imposta ao sujeito passivo, aliada à possibilidade de utilização

de juízo de valor, pelo agente do fisco, para definição do que seria montante não exagerado,

147 CRP, artigo 103, n.º 2. 148 Canotilho, 1993a: 458. 149 Miranda & Medeiros, Tomo II, 2006: 220. 150 Carrazza, 2008: 398.

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quando confrontadas com o princípio constitucional da legalidade são importantes teses a serem

exploradas pela sociedade em eventual defesa de seus interesses em relação à obrigação tributária

estatuída pelo artigo 88, n.º 8 do Código do IRC, eis que essas definições do referido local e do

mencionado montante são critérios essenciais à determinação da incidência do imposto e, como

tal, deveriam estar contidas na lei.151

Regra geral, impostos extrafiscais moduladores de conduta buscam desincentivar o

comportamento que resulta na sua incidência real. Cumprindo essa regra, essa modalidade de TA

pretende desincentivar que empresas abusivamente transfiram recursos, a qualquer título, para

pessoas outras estabelecidas em regimes fiscalmente vantajosos, fora de Portugal. Evita, assim,

que importâncias pagas ou lançadas como devidas possam ser destinadas a regimes fiscais mais

favoráveis, em detrimento aos cofres públicos portugueses que, dessa forma, arcariam com os

reveses dos custos relativos aos referidos pagamentos, que diminuem a arrecadação em impostos

sobre o rendimento, mas não se beneficiariam com a receita tributária que incindiria sobre os

correspondentes favorecidos. Como exemplos desses comportamentos evitáveis pode-se citar

transferência de recursos a título de pagamentos a sócios, empregados, gestores, fornecedores.

Contudo, é importante ressaltar que a TA somente recai sobre as importâncias abusivamente

pagas ou devidas. Não há incidência do imposto se tais importâncias corresponderem a operações

normais e em montante não exagerado, o que precisa ser comprovado pelo sujeito passivo,

consoante parte final do n.º 8 do artigo 88. Não obstante os aspetos passíveis de questionamento

acima apontados nessa modalidade de TA como espécie, importa saber que, em tese, medidas

protetivas dessa natureza, como gênero, têm previsão e consonância com o Tratado de

Funcionamento da União Europeia - TFUE.152

Como caso importante sobre essa modalidade de TA, cita-se um acórdão proferido pelo

TCAS153 acerca de litígio tributário entre uma associação desportiva – sociedade aberta

contribuinte do IRC – e a Fazenda Pública.

151 CRP, artigo 103, n.º 2. 152 TFUE, artigo n.º 1, alínea a): “1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros: a)

Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que

não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital

é investido;” E o artigo 63 é aquele que proíbe quaisquer restrições a pagamentos e a movimentos de capitais entre

Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 153 Ac. TCAS de 03/07/2012, Rel. Eugénio Sequeira.

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Da análise externa efetuada pelo fisco junto àquela sociedade, resultaram-se correções à

matéria coletável do IRC. Dentre outros itens dessa correção, não foram aceites como custo fiscal

os encargos relativos à aquisição do passe de um jogador de futebol.154 Tais pagamentos foram

feitos pela sociedade em causa a uma entidade com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, país de

regime de tributação privilegiado constante da lista da Portaria n.º 150/2004, então vigente. Como

decorrência lógica da não-aceitação do custo frente ao IRC, apurou-se a correspondente TA.155

Inconformado com a improcedência de sua impugnação apresentada junto ao Tribunal

Administrativo Fiscal de Leiria, o contribuinte interpôs recurso ao Tribunal Central

Administrativo Sul. Alegou que, conforme provas que juntara, tratava-se de operação

efetivamente realizada e que não tinha caráter anormal nem montante exagerado.

O TCAS, porém, ao exemplo do TAF de Leiria, não considerou como provado que a

operação havia sido efetivamente realizada. Não obstante haver o sujeito passivo ter apresentado

a fatura da entidade não-residente e prova da saída dos fundos respetivos de sua tesouraria, não

apresentou, no entender do TCAS, provas suficientes da efetiva aquisição, isto é, de que o

referido atleta tivesse sido, de fato, integrado ao plantel ou sido utilizado na equipe do sujeito

passivo. Em decorrência, foi negado provimento ao recurso.

A relevância desse julgado está no rigor aplicado pelo TCAS ao conceito de “operações

efetivamente realizadas” contido no n.º 8 do artigo 88 do CIRC. No entender daquele Tribunal,

com o qual concordamos, não basta provar o pagamento feito ou a saída de fundos; não basta

provar o recebimento desses fundos pela entidade não-residente; não basta provar, enfim, a

celebração do contrato. O que precisa ser provado é a efetivação da operação: “O que deve ser

objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo,

ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como

custo a deduzir em sede de I.R.C.”156

Do que até aqui se expôs, extrai-se que a modalidade de TA prescrita pelo artigo 88, n.º 8

do Código do IRC possui como características157 (i) incidência real ou objetiva independente do

154 Pagamentos efetuados a título de comissões, serviços de intermediação e outros serviços, provenientes da

celebração de contratos de transferências de direitos desportivos e/ou económicos do atleta. 155 Código do IRC, artigo 81, n.º 8, então em vigor, correspondente ao atual artigo 88, n.º 8. 156 Ac. TCAS de 19/02/2015, Rel. Joaquim Condesso. 157 Para além dessas características, oportuno ainda lembrar que os pagamentos que caracterizam fato gerador dessa

modalidade de TA tipificam também a existência de relações especiais entre as partes, sujeitando-as à prática de

preço de transferência para efeitos da determinação da matéria coletável em IRC, consoante CIRC, artigo 63, n.º 4,

alínea h).

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objeto da despesa, haja vista que se dá com simples pagamento ou reconhecimento de dívida; (ii)

definição da taxa aplicável entre duas taxas distintas de acordo com circunstância afeta ao sujeito

passivo; (iii) impossibilidade de dedução da despesa ao lucro tributável pelo IRC; (iv)

possibilidade de exclusão da incidência mediante ilisão de presunção; (v) incidência real

mediante censurável presunção relativa ilidível por prova de difícil obtenção pelo sujeito passivo;

e (vi) inadequada possibilidade de aplicação de juízo de valor pelo agente do fisco na definição

da incidência objetiva.

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XI - TA em ajudas de custo e compensação por deslocação em viatura do trabalhador

Instituída desde 2005,158 essa expressão de TA no âmbito do IRC encontra-se prescrita pelo

número 9 do artigo 88 do código daquele imposto sobre rendimentos, e que tem o seguinte

enunciado:

9 - São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de

custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade

patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar

a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, bem como os encargos não

dedutíveis nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A suportados pelos sujeitos passivos que

apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.

Em sua função extrafiscal de desincentivar determinadas e indesejáveis condutas, essa

modalidade de TA não foge à regra: tem como objetivo evitar que ocorra seu próprio fato gerador.

É que, na visão do legislador, tais ajudas de custo e compensações costumam também servir de

pretexto para pagamentos disfarçados de salários. Busca essa TA, portanto, desincentivar que as

empresas paguem salário a seu trabalhador sob o estratagema de conceder-lhe ajuda de custo ou

compensação por deslocação em automóvel próprio desse colaborador, de forma a reduzir a carga

fiscal da empresa, aí incluídos os encargos frente à Segurança Social. 159

Por estarem em estreita relação, esse dispositivo deve ser aplicado em consonância com o

artigo 23-A, n.º 1, alínea h), que veda a dedução, para fins de cálculo do lucro tributável em IRC,

dos encargos com ajuda de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do

trabalhador, caso não seja apresentado pela empresa o mapa de controlo contendo determinadas

informações sobre as deslocações.

O regime aplicável à incidência da TA prescrita na norma contida no artigo 88, n.º 9 do

Código do IRC pode ser ilustrada por meio da figura 2, em que as áreas que estão na cor cinza,

representam a incidência, e as áreas brancas representam a não incidência dessa modalidade de

TA.

158 Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro. 159 A Autoridade Tributária, por meio da então Direção Geral dos Impostos, emitiu Informação Vinculativa acerca

dessa modalidade de TA e sua correlação com a possibilidade de dedução desses encargos ao lucro tributável pelo

IRC. Trata-se da Ficha Doutrinária referente ao Processo 71/2008, Diploma CIRC, art. 81.

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Figura XI.1 - Regime aplicável à incidência da TA do art. 88, n.º 9 do CIRC

Legenda:

I - Conjunto dos encargos relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em

viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal;

II - Subconjunto de I: encargos não faturados a clientes;

III - Subconjunto de II: encargos que geram IRS ao beneficiário;

IV - Outro subconjunto de II: encargos sem mapa de controlo;

V - Subconjunto de IV: encargos suportados por SP com prejuízo.

As exceções à incidência da TA, representadas pelas áreas brancas na figura acima, podem

ser assim justificadas: (I) se os valores dos encargos forem faturados a clientes, comporão o valor

dos rendimentos do sujeito passivo e estarão sujeitos ao IRC, com direito à correspondente

dedução como custo; (III) se os valores forem tributados em IRS, há transferência de carga

tributária da empresa ao beneficiário, com o que se afasta a hipótese de pagamentos disfarçados

ao trabalhador; (IV) se o mapa não for apresentado, a situação acaba repercutindo em incremento

ao IRC devido pela empresa lucrativa, que não poderá deduzir os encargos no âmbito do imposto

sobre o rendimento160.

160 CIRC, artigo 23-A, n.º 1, alínea h).

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A taxa dessa modalidade de TA é de 5%. Entendemos que a ela não se aplica o agravamento

de 10 pontos percentuais de que trata o n.º 14 do artigo 88, em relação à TA sobre ajudas de

custos e compensação em caso de falta de mapa de controlo pelos sujeitos passivos que

apresentem prejuízo fiscal no período, que na figura acima é representada pela área V. E assim

acreditamos em virtude da incompatibilidade ocasionada pela redundância: se o prejuízo é

condição elementar, essencial para que ocorra a incidência do imposto, então ele não pode servir

também de pressuposto para o agravamento da taxa aplicável.

Quanto à tributação em sede de IRS na esfera do beneficiário, determina o código daquele

imposto que esses mesmos encargos que configuram incidência real da TA do n.º 9 do artigo 88

do CIRC consideram-se também rendimento do trabalho dependente na parte em que “excedam

os limites legais”.161 Assim enquadrada, essa parte excedente fica sujeita ao IRS. Acontece,

todavia, que não há norma que defina tais “limites legais” para o setor privado. Não obstante

isso, o fisco, com o aval da jurisprudência,162 adota os mesmos limites fixados para a

administração pública163 o que, com a devida vénia, entendemos configurar ilegal integração

analógica de norma tributária.164 Essas informações são importantes neste contexto de estudo da

TA em IRC na medida em que a tributação em IRS na esfera do empregado precisa ser levada

em consideração quando da comparação entre as alternativas que possam ser utilizadas pela

empresa em relação ao uso de viaturas.

XI.1 - TA em ajudas de custo: casos práticos

Em termos de jurisprudência, vale destacar Julgamento proferido pelo STA em 21/04/2010, Rel.

Alfredo Madureira. Embora não faça menção direta à TA do n.º 9 do artigo 88 do CIRC, esse

acórdão é aqui lembrado por dois motivos: a propositura da questão e a solução judicialmente

imposta (i) realçam o entendimento jurisprudencial segundo o qual não pode o fisco sindicar o

161 CIRS, artigo 2.º, n.º 3, alínea d). 162 Nesse sentido o Ac. TCAS de 08/10/2015, Rel. Catarina Almeida e Sousa. 163 O regime jurídico das ajudas de custo e compensação por deslocações aplicável ao setor público é regulado pelo

Decreto-lei n.º 192/95, de 28 de abril e Decreto-lei n.º 106/98, de 24 de abril, com posteriores suas alterações e com

atenção aos limites constantes da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, após Decreto-Lei n.º 137/2010, de

28 de dezembro e Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro. 164 LGT, artigo. 11, n.º 4.

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mérito dos encargos efetuados pelas empresas para fins de glosa de dedutibilidade ao lucro

tributável pelo IRC, e (ii) refutam a tese do fisco segundo a qual o fato de a empresa pagar aos

mesmos trabalhadores subsídio de refeição e também refeições em restaurantes não configura

uma duplicação de custos capaz de afastar a dedutibilidade dessas despesas ao IRC, pois entende

o tribunal que pode tratar-se de refeições distintas e que são custeadas de acordo com o juízo de

conveniência da empresa.

Relevante também a leitura do Acórdão TCAS de 29/05/2014, Rel. Joaquim Condesso, que

oferece conceitos pertinentes como de ajudas de custo, deslocações e estadas, além de confirmar

o entendimento majoritário de que a aceitação ou não do custo deve ser interpretado como um

conceito indeterminado, ligado a relação de causalidade económica entre o encargo e a sua

realização em prol dos objetivos da sociedade, vedado ao fisco sindicar a autonomia da vontade

da empresa.

Daquilo que aqui se abordou, pode-se então afirmar que a TA de que trata o artigo 88, n.º

9 do Código do IRC de um imposto que possui como características: (i) incidência real definida

por atributos do objeto da despesa, que são encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à

compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal;

(ii) incidência real definida por circunstância afeta ao resultado fiscal apresentada pelo SP, no

caso não apresentação de mapa de controlo das deslocações por SP com prejuízo fiscal no

período; (iii) incidência real definida por circunstância ligada ao beneficiário da despesa, eis que

não há incidência da TA se houver tributação em IRS na esfera do trabalhador; (iv) sujeição a

TA independente da possibilidade de dedução da despesa ao IRC, porque dedutíveis ou não,

podem os encargos vir a sujeitar-se à TA.

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XII - TA sobre lucros distribuídos

A Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho, em seu artigo 4º, autorizou a instituição de TA em IRC

sobre dividendos, o que foi feito depois por intermédio do Decreto-lei n.º 192/2005, por meio do

qual instituiu-se TA à taxa de 20% sobre lucros distribuídos pelas pessoas coletivas. Essa

modalidade de TA no âmbito do IRC tem seu regime regulado pelos números 11 e 12 do artigo

88 do CIRC, assim escrito:

11 - São tributados autonomamente, à taxa de 23%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a

IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os

rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham

permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior

à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para

completar esse período. (Redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro)

12 - Ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é

deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o

imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do artigo 90.º.

Como se extrai do enunciado, dá-se a incidência real sobre a distribuição do lucro. A

matéria coletável é o valor do lucro distribuído ao sujeito passivo. Por separar um quinhão da

manifestação da capacidade contributiva, é a matéria coletável, como anteriormente aqui

mencionado, que oferece certeza na identificação do tributo. Como também já dito, a matéria

coletável é a impressão digital do tributo. Vê-se, nesse caso, que a base tributável é o lucro do

SP, auferido sob a forma de rendimento de capitais. Trata-se pois, essa modalidade de TA, de

um imposto sobre o rendimento do SP, e não mais sobre o consumo ou despesa, como é o caso

das demais modalidades. A taxa de TA é de 23%. O critério temporal da incidência ou momento

da ocorrência do fato gerador não é, como parece sugerir o enunciado, o momento da distribuição

do lucro, mas sim o momento da venda, pelo SP, das partes sociais às quais se refere o lucro por

ele angariado, porque só aí será caracterizada a titularidade por tempo menor que um ano. O

sujeito passivo é o beneficiário do lucro: pessoa coletiva, total ou parcialmente isenta, que se

encontra na qualidade de investidora de capitais e titular, por menos de um ano, da parte social

correspondente ao lucro a ela distribuído. Pela regra geral, a distribuição de lucros sujeita o

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beneficiário pessoa coletiva à retenção de IRC na fonte à taxa de 25%.165 Um bom exemplo de

potenciais sujeitos passivos da TA sobre lucros distribuídos são os fundos de pensões e

equiparáveis que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional,166 ainda que

estabelecidos em outro estado membro da EU ou do EEE, e desde que observadas determinadas

condições.167

O objetivo da TA sobre distribuição de lucros foi enunciado no preâmbulo no próprio

Decreto-lei 192/2005: “prevenir práticas de evasão em matéria de tributação dos lucros

distribuídos”, ou seja, visa desencorajar a prática – por sujeitos total ou parcialmente isentos de

IRC – da titularidade transitória de partes sociais com vistas a evitar a incidência do próprio IRC.

A mais frequente dessas práticas evasivas ficou conhecida como “lavagem de dividendos”.

Essas práticas evasivas ocorriam com alguma frequência antes da instituição da TA pelos

números 11 e 12 do artigo 88 do CIRC. Exemplo marcante aconteceu em 22/04/2004, ocasião

em que a Bolsa de Lisboa registou movimento de 439 milhões de euros em ações da PT - Portugal

Telecom SA, o que equivalia a 59 milhões de ações ou 3,79% de todo o capital social daquela

empresa. E como a PT pagaria dividendos oito dias depois, aventou-se na imprensa

especializada168 que a operação teria como objetivo a tal “lavagem de dividendos”.

A lavagem de dividendos consistia em duas etapas: (i) transferência, em momento anterior

à distribuição de dividendos, de uma entidade x, contribuinte de IRC, sujeita a tributação mais

elevada, para uma entidade y, total ou parcialmente isenta em IRC, de partes de sociedade, e (ii)

revenda, pela entidade y, em geral de volta para a entidade x, dessas mesmas partes sociais, mas

já em momento posterior à distribuição de dividendos. Assim, x não pagaria IRC sobre os

dividendos por não mais ser titular da parte social à data da distribuição. E y também não pagaria

IRC, pelo menos em sua integralidade, por ser total ou parcialmente isenta do imposto sobre o

rendimento. Talvez oportuno seja alertar que essa TA não incide sobre eventual lucro proveniente

da revenda, por y, da ação ou quota. Incide, sim, sobre o valor dos dividendos por ela recebidos

durante o período em que detinha a titularidade daqueles papéis.

165 CIRC, artigo 94, n.º 1, alínea c) c/c n.º 4. 166 EBF, artigo 16, n.º 1. 167 EBF, artigo 16, n.º 7, aditado ao EBF em conformidade com o princípio da livre circulação de capitais (TFUE,

artigo 63, aplicável consoante CRP, artigo 8º). Em concordância, ver Acórdão STA de 26/11/2014, Rel. Ana Paula

Lobo, em que se julgou no mesmo sentido do Acórdão TJUE de 06/10/2011, no Processo n.º 493/09. 168 Informação disponível em:

http://www.jornaldenegocios.pt/mercados/detalhe/pt_movimenta_47_do_seu_capital_com_lavagem_de_dividendo

s_act.html

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Para evitar a tributação pela TA, o sujeito passivo, no exemplo acima a entidade y, vê-se

então compelido a permanecer com os papéis por um ano ou mais. Se, no entanto, não for o caso,

e se for tributado em TA, poderá então deduzir o valor do IRC eventualmente retido na fonte.

Mas caso haja essa dedução, não poderá, nesse caso, tal imposto retido ser também deduzido em

razão de:169 (i) dupla tributação internacional, seja jurídica ou económica,170 (ii) benefícios fiscais

e (iii) pagamento especial por conta. E ainda, se não for observado aquele prazo de um ano para

revenda dos papéis, além da obrigação tributária da TA, surge também uma obrigação

declaratória: o sujeito passivo deve apresentar a declaração de rendimentos em até 60 dias.171

Como se vê, essa modalidade de TA é diferente das demais: não recai sobre despesas, mas

sim sobre rendimentos de capital. Nesse particular, portanto, a TA do n.º 11 do artigo 88 do

Código do IRC, é imposto sobre rendimento. E em virtude de ter a mesma natureza do IRC, é

que se justifica a permissão para que se diminua o valor dessa TA mediante dedução do IRC

eventualmente retido na fonte.172 Vale salientar que não se trata, aqui, de dedução da TA ao valor

do lucro tributável em IRC, o que é proibido,173 embora por vezes seja essa proibição questionada

em razão de pretensa violação ao princípio da tributação sobre o rendimento real.174 Aqui

permite-se o contrário: deduzir, da TA a pagar, o valor que tenha sido retido em IRC: a TA é o

minuendo; o IRC retido, o subtraendo. E é no fato de o IRC e a TA sobre lucros distribuídos

serem impostos de mesma natureza, que se encontra a razão lógica da vedação175 das deduções

correspondentes à dupla tributação internacional, aos benefícios fiscais, ao pagamento especial

por conta e as retenções não suscetíveis de compensação ou reembolso176 concomitantemente

com a dedução do IRC eventualmente retido da TA.

Observa-se ainda, por derradeiro, que a TA do n.º 11 parece não ter gerado contenciosos

tributários, eis que sobre ela não há registro de jurisprudência, apesar dos mais de dez anos de

existência. Isso pode ser um indício de sucesso dessa TA em relação ao alcance do objetivo

169 CIRC, artigo 88, n.º 12 c/c artigo 90, n.º 2. 170 Dupla tributação económica: tributação, em sujeitos passivos e momentos distintos, sobre uma mesma base

tributária, como por exemplo no caso do rendimento que é tributado em IRC na esfera da sociedade, e depois,

também na esfera do sócio, em IRC ou IRS, quando da distribuição do lucro. Dupla tributação internacional ou

jurídica – identidade de sujeito passivo: tributação do mesmo rendimento, na esfera do mesmo sujeito passivo, por

sistemas jurídicos (Estados) diferentes. (Carlos, 2014: 231). 171 CIRC, artigo 120, n.º 9. 172 CIRC, artigo 88, n.º 12. 173 CIRC, artigo 23-A, n.º 1, alínea a). 174 CRP, artigo 104, n.º 2. 175 CIRC, artigo 88, n.º 12. 176 CIRC artigo 90, n.º 2.

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pretendido, que é de desencorajar a prática de titularidade transitória de partes sociais

beneficiárias de distribuição de lucros por entidades total ou parcialmente isentas de IRC, em

outras palavras, de desencorajar a prática da lavagem de dividendos.

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XIII - TA sobre encargos relativos a indemnizações, compensações, bónus e outras

remunerações variáveis a gestor, administrador ou gerente

Tal modalidade de TA encontra-se prevista nas alíneas a) e b) do nº 13 do artigo 88 do Código

do IRC, cuja redação atual é a que se segue:

13 - São tributados autonomamente, à taxa de 35%: a) os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não

relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação

contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem

como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo

exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes

do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efetuado diretamente pelo

sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;

b) os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores,

administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração

anual e possuam valor superior a € 27.500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao

diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado

ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

19 - No caso de se verificar o incumprimento de qualquer das condições previstas na parte final

da alínea b) do n.º 13, o montante correspondente à tributação autónoma que deveria ter

sido liquidada é adicionado ao valor do IRC liquidado relativo ao período de tributação em

que se verifique aquele incumprimento.

A primeira hipótese de incidência, relativa à cessação das funções do gestor e que

atualmente correspondente à alínea a), foi introduzida primeiro no Código do IRC, por

intermédio da Lei n.º 100/2009, de 7 de setembro. A segunda hipótese, relativa à continuidade

das funções, atualmente na alínea b) do n.º 13 do artigo 88, veio depois: foi incluída no CIRC

pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

Extrai-se do enunciado que o Código do IRC institui TA sobre encargos relativos a

pagamentos efetuados a gestor, administrador ou gerente em duas situações distintas: na primeira

situação, alínea a), há cessação das funções; na segunda, alínea b), pressupõe-se continuidade no

exercício das funções daquele profissional. Na alínea a), o critério material de incidência, ou

incidência real ou objetiva é o pagamento de indemnizações ou compensações desvinculadas de

objetivos de produtividade previamente definidos. A matéria coletável da TA é o valor do

pagamento, qualquer que seja sua modalidade: dinheiro, ações, derivativos, etc., ainda que tal

pagamento seja feito por interposta entidade. Soma-se aí, se for o caso de rescisão contratual

antecipada, o valor que exceder remunerações que seriam auferidas até o final do contrato. Na

alínea b), em que há continuidade das funções do gestor, o critério material de incidência é o

pagamento de remuneração variável e a matéria tributável é o valor dos componentes variáveis

da remuneração em importância superior a um quarto da remuneração anual e também superior

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a € 27.500. Mas há exclusão da incidência de TA se pelo menos metade desse pagamento for

diferida para três anos ou mais e ainda condicionado ao desempenho positivo da sociedade nesse

período. Numa e noutra situação, cessação ou continuidade das funções do executivo, a taxa

aplicável é a mesma: 35%.

A TA sobre encargos com executivos foi instituída em Portugal em atendimento a

recomendação da Comissão das Comunidades Europeias,177 segundo a qual: (i) a remuneração

dos executivos deve ser estruturada com vistas à sustentabilidade a longo prazo e baseadas no

desempenho da sociedade, e (ii) as indemnizações por destituição “não sejam uma recompensa

pelo fracasso”. Surgiu essa recomendação na esteira da crise financeira de 2008, a partir da qual

não foram raros os casos em que empresas à beira da falência pagaram indemnizações

astronómicas por ocasião de destituição de executivos, expediente que ficou conhecido como

golden parachutes. Há notícias de muitas indemnizações dessa natureza em importâncias acima

da centena de milhões de dólares.178

Desde então, ganhou mais volume a discussão a respeito das altas remunerações pagas

pelas sociedades a seus executivos. Se de um lado o oferecimento de altos salários é mencionado

como sendo favorável à sociedade como atrativo na busca por melhores talentos para seus

quadros, ou mesmo como instrumento de defesa em face de Oferta Pública de Aquisição - OPA

hostil, em razão de um hipotético aumento do custo de aquisição, por outro, para além da imagem

discriminatória negativa que possa ser gerada sobre a sociedade em relação à distribuição de

renda, em razão da gigantesca discrepância de remunerações dos CEOs quando comparadas aos

demais trabalhadores, cujos interesses devem também ser protegidos,179 há também o argumento

da teoria de agência,180 segundo a qual os interesses dos executivos podem estar dissociados dos

interesses dos acionistas o que, em tese, poderia levá-los, em prol do interesse próprio, a adotar

medidas prejudiciais à sociedade.

Ainda não há litígios em número suficiente para pacificação jurisprudencial sobre o

assunto, mas uma questão que poderia ser colocada seria de que a TA que incide sobre encargos

177 Recomendação 2009/385/CE. 178 Notícias disponíveis em: <http://fortune.com/2014/04/11/golden-parachutes-why-its-bad-business/>,

<http://www.nytimes.com/2013/06/30/business/golden-parachutes-are-still-very-much-in-style.html> e

<http://www.ft.com/intl/cms/s/0/a35f5526-50b8-11e5-b029-b9d50a74fd14.html#axzz43A9N1WE6>, ou ainda em

<http://www.moneycrashers.com/golden-parachute-clause-definition-examples/>. 179 CSC, artigo 64, n.º1, alínea b). 180 Jensen e Meckling (1976: 5), disponível em <http://www.sfu.ca/~wainwrig/Econ400/jensen-meckling.pdf>

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com altas remunerações ou indemnizações a executivos tolheria a liberdade negocial das

empresas quando da contratação de seus administradores, o que poderia, em tese, caracterizar

violação ao princípio da liberdade de iniciativa empresarial,181 mesmo porque está-se a cuidar de

despesas de natureza privada e não de despesas públicas. Ocorre, porém, que esse princípio deve

ser ponderado em face da incumbência dada ao Estado de corrigir desigualdades da distribuição

do rendimento.182 Ademais, existem limites impostos por lei183 para tais remunerações ou

indemnizações, lei essa que deve ser observada pelas sociedades quando da referida contratação,

conforme prevê o Código Civil, em seu artigo 405.184 Embora sem caráter vinculativo, há

também as recomendações no sentido de limitar remunerações e indemnizações de executivos

(ou vinculá-las a desempenho positivo) pelos códigos de governança das sociedades.185 De

qualquer sorte, esse argumento de violação à liberdade de iniciativa empresarial foi recentemente

refutado pelo Tribunal Constitucional,186 que fixou entendimento segundo o qual “essa liberdade

não é afetada pelo sistema fiscal”. Abrem-se aqui parênteses para lembrar que o vínculo

estabelecido entre o administrador e a sociedade não é vínculo de trabalho. Inclusive, no caso

das SA, isso é expressamente proibido.187 Tanto a teoria,188 como também a jurisprudência,189

indicam tratar-se de vínculo contratual, regido por contrato de administração. Não obstante, para

fins de tributação pelo IRS, a indemnização recebida pelo executivo na cessação de suas funções

enquadra-se como rendimentos do trabalho dependente.190

A TA a que se refere a alínea b) do n.º 13, que incide sobre remunerações variáveis, tem

sua liquidação diferida sob uma espécie de condição suspensiva. A TA só se torna devida na

implementação do evento: se houver alguma antecipação da parte, metade ou mais, que havia

sido diferida, por três anos ou mais, ou ainda, se a empresa apresentar desempenho negativo

nesse período. Como a alínea b) não define o que seria desempenho positivo, e como no CIRC o

181 CRP, artigo 80, alínea c). 182 CRP, artigo 81, alínea b). 183 Pode-se citar, por exemplo, na SA, o limite imposto para remuneração e para indemnização por destituição nos

artigos 399 e 403, n.º 5, respetivamente, do Código das Sociedades Comerciais. Nas SQ, nos artigos 217, n.º 3, 255,

n.º 3, 257, n.º 7 do mesmo código. 184 Nesse sentido, Acórdão STJ de 09/04/2008, Rel. Sousa Grandão. 185 Ver a respeito Códigos de Corporate Governance da CVM, item III e do Instituto Português de Corporate

Governance, item V. 186 Ac. TC n.º 197/2016, de 13/04/2016, Rel. Carlos Cadilha. 187 CSC, artigo 398, n.º 1. 188 Almeida, 213 : 262. 189 Ac. STJ de 01/01/2014, Rel. Fonseca Ramos. 190 CIRS, artigo 2º, n.º 4, alínea a).

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legislador taxativamente menciona lucro tributável sempre que seu desejo foi de referir-se ao

resultado puramente fiscal, então o tal desempenho positivo pode ser entendido como sendo o

lucro contábil, definido como “resultado líquido do período” da Demonstração dos Resultados

por Naturezas”.191 No caso de verificação de incumprimento das condições, o valor da

correspondente TA deve ser adicionado ao IRC correspondente ao período em que se deu o

incumprimento.192 Nesse caso há exceção à regra geral da periodização.193

Pode-se, portanto, afirmar que, sob o ponto de vista dos objetivos que orientaram a

Recomendação 2009/385/CE, a TA que incide sobre maiores remunerações ou indemnizações a

executivos: (a) tem algum cunho social, termo aqui relacionado à noção de coletividade em geral,

ao desincentivar grandes discrepâncias remuneratórias entre executivos e demais trabalhadores,

discrepâncias essas que tendem a proporcionar desigualdade na distribuição de renda; e (b) tem

também o fito de proteger a empresa e os sócios em geral de problemas ligados à teoria de

agência. Já sob o ponto de vista mais pragmático, afeto à Autoridade Tributária, essa modalidade

de TA tem por finalidade a obtenção de receita, tanto de maneira direta, com o resultado da

arrecadação da própria TA, como também – e principalmente – de maneira reflexa, pelo

incremento do IRC decorrente da redução de despesas administrativas em remunerações e

benefícios.194 Não é demais também recordar que, em caso de rompimento indemnizável da

relação contratual com a sociedade, o valor da indemnização a receber pela pessoa singular fica

em sua totalidade sujeita à incidência de IRS, no caso do executivo,195 e apenas parcialmente, se

o sujeito passivo for o trabalhador.196

Do que foi dito, pode-se resumir que a TA do n.º 13 do artigo 88 do CIRC (i) possui

incidência real definida por características do objeto da despesa, pois só recai sobre encargos

com remunerações ou indemnizações a executivos; (ii) incide sobre encargo dedutível ao IRC

sobre a sociedade.197 Releva lembrar, ainda, que decisão recente do Tribunal Constitucional já

refutou as teses plausíveis de defesa em relação a essa modalidade de TA em face da CRP.

191 Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho, Anexo II. 192 CIRC, art. 88, n.º 19. 193 CIRC, art. 18, n.º 1. 194 CIRC, artigo 23 195 CIRS, artigo 2º, n.º 4, alínea a). 196 CIRS, artigo 2º, n.º 4, alínea b). 197 CIRC, artigo 23, n.º 2, alínea d).

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XIV - TA sobre as empresas de fabricação ou distribuição de produtos petrolíferos

refinados

Tal modalidade de TA foi instituída pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, cujo artigo 4º que

mantém a seguinte redação:

Artigo 4.º

Tributação autónoma para empresas de fabricação ou distribuição de produtos petrolíferos

refinados

1 - As empresas de fabricação ou distribuição de produtos petrolíferos refinados ficam obrigadas,

para efeitos fiscais, a adoptar os métodos FIFO (First In First Out) ou do Custo Médio Ponderado

no custeio das matérias-primas consumidas, devendo ser usado o mesmo método para todos os

inventários que tenham uma natureza e uso semelhantes nos sucessivos exercícios.

2 - A diferença positiva entre a margem bruta de produção determinada com base na aplicação dos

métodos FIFO ou do custo médio ponderado no custeio das matérias-primas consumidas e a

determinada com base na aplicação do método de custeio adoptado na contabilidade está sujeita a

uma tributação autónoma em IRC, à taxa de 25 %.

3 - A tributação autónoma em IRC apurada nos termos do número anterior não é dedutível para

quaisquer efeitos na determinação do lucro tributável, tanto em contas individuais como em óptica

de grupo.

4 - É vedada a repercussão no preço dos produtos vendidos do encargo suportado com a tributação

autónoma em IRC, cabendo à autoridade reguladora da concorrência a sua fiscalização.

5 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos exercícios de 2008 e seguintes.

A análise desse enunciado requer prévia e rápida explanação sobre os possíveis métodos

para mensuração de inventários. Já ficou dito, a base sobre a qual recai o IRC das empresas é,

em termos gerais, seu lucro.198 Também em termos gerais, o lucro é o resultado da soma algébrica

do resultado líquido e outras variações patrimoniais verificadas em determinado período.199

Seguindo a mesma linha, o resultado líquido é, grosso modo, a soma algébrica entre os

rendimentos/ganhos e os gastos/perdas da sociedade no referido período. Nos

rendimentos/ganhos, estão inclusos os valores relativos a vendas.200 Nos gastos/perdas,

encontram-se incluídos os valores relativos à produção ou aquisição de bens ou serviços.201

Numa aproximação, pode-se afirmar que a ordem de grandeza da base do IRC que recai sobre

uma empresa é em grande parte determinada pela diferença entre o valor da venda de bens e

serviços num período e o correspondente valor de aquisição ou de produção. São de grande

relevância, portanto, para efeitos de determinação do IRC da empresa, as vendas e o custo dos

198 CIRC, artigo 3º, n.º 1, alínea a). 199 CIRC, artigo 17, n.º 1. 200 CIRC, artigo 20, n.º 1, alínea a). 201 CIRC, artigo 23, n.º 2, alínea a).

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produtos vendidos. Também em aproximação, pode-se afirmar que a ordem de grandeza da base

do IRC é em grande parte determinada pela subtração em que o minuendo é o preço de venda e

o subtraendo é o preço de compra.202

O valor das vendas num determinado período pode ser obtido diretamente pela, digamos,

somatória das faturas emitidas pela sociedade naquele intervalo de tempo. Mas não se pode dizer

a mesma coisa em relação ao custo daquilo que foi vendido naquele mesmo período, pois a

aquisição desses mesmos bens, serviços e insumos vendidos pode ter acontecido em vários

períodos. O custo de compra, que inclui o preço de compra, pode variar ao sabor do mercado ou

de acordo com a inflação ao longo do tempo. Nesse caso, qual preço de compra deve então ser

adotado, para efeitos de IRC? A resposta depende da fórmula de custeio adotada pela sociedade.

Isso varia de acordo com o tipo de produto. Se o produto não for intermutável, como viaturas ou

obras de arte, então fica mais fácil: o preço de compra pode ser obtido diretamente, “pelo uso da

identificação específica dos seus custos individuais”.203 Mas se o produto for intermutável, como

por exemplo café, soja, gasóleo, já há alguma complexidade para obtenção do preço de compra.

Há algumas fórmulas possíveis, como FIFO,204 LIFO205 ou custo médio ponderado. Em períodos

de preços crescentes com o tempo, seja por razões de mercado ou de inflação, o uso da fórmula

FIFO implica IRC maior, pois o preço de compra é menor, pois corresponde ao primeiro item a

entrar. Em outras palavras, em se considerando um mesmo valor da venda, que é o minuendo

dessa subtração, um custo menor do produto vendido, que é o subtraendo, implica maior lucro,

maior matéria coletável, maior valor de IRC. Nesses mesmos períodos de preços crescentes, o

uso da fórmula LIFO, seguindo o mesmo raciocínio, implica IRC menor. Já em períodos de queda

de preços, por razões de mercado ou de deflação, funciona a lógica contrária: FIFO implica IRC

menor; LIFO implica IRC maior. Mas tudo isso tendo em foco o curto prazo, porque, num e

noutro caso, ainda que mais tarde, as últimas entradas também acabam saindo e sendo levadas

em conta na fórmula FIFO, assim como as primeiras entradas em relação à fórmula LIFO. E em

202 Essa álgebra contabilística em versão mais completa fica bem evidente na Demonstração dos Resultados por

Naturezas, obrigatória consoante DL 158/2009, artigo 11, n.º 1, alínea b), DL esse que aprovou o SNC, c/c SNC

item 1.3, c/c Anexo II da Portaria n.º 986/2009, de 7 de setembro, que mais tarde seria revogada pela Portaria n.º

220/2015, de 24 de julho, ambas da AT. 203 NCRF 18, parágrafo 23. Todas as NSCR foram homologadas pelo Aviso 8256/2015, de 29 de Julho, da

Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, que se encontra disponível em:

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/diplomas_legislativos/avisos.htm 204 First in, first out. 205 Last in, first out.

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qualquer situação, o uso da fórmula do custo médio ponderado implica IRC médio entre o que

seria obtido pelo FIFO ou pelo LIFO.

A partir dessas considerações, pode-se mais facilmente analisar essa modalidade de TA no

âmbito do IRC, a única que não foi instituída dentro do código daquele imposto sobre o

rendimento e que dá margem a possíveis controvérsias jurídicas, seja em torno do enunciado que

a prescreve, seja em torno das equivocadas premissas sobre as quais se baseou para sua criação.

As razões que motivaram a criação dessa modalidade de TA foram expostas pelo Governo

por ocasião da apresentação ao Parlamento, em 10/07/2008, da Proposta de Lei n.º 217/X,206 que

posteriormente daria origem à Lei n. 64/2008, de 5 de dezembro. Justificou-se a criação da TA

com o argumento de que, com ela, estar-se-ia garantindo a “redistribuição de riqueza através da

implementação de um imposto extraordinário” em face aos “ganhos extraordinários” que

estariam sendo obtidos mediante utilização da fórmula LIFO pelas empresas de fabricação e

distribuição de produtos petrolíferos refinados, no embalo da “subida acentuada do preço dos

produtos petrolíferos”. Em virtude da propalada finalidade de redistribuição da riqueza, essa TA

foi até intitulada Taxa Robin Hood.207

Alguns motivos, entretanto, obstruíram a almejada redistribuição de riqueza, a começar

pela própria premissa tacitamente adotada na Proposta 217/X, de que a adoção do método FIFO

ou custo médio levaria às sociedades ao pagamento dessa TA. Isso porque, num cenário de preços

crescentes do petróleo, como é o que se desenhava em julho de 2008, eventual modificação do

critério de mensuração do inventário para a fórmula FIFO apenas a curto prazo aumentaria o IRC

das sociedades de indústria ou comércio de produtos petrolíferos pois ainda que se considere que

a mercadoria que entrar primeiro (comprada a menor preço) saia primeiro, ainda que mais tarde,

a mercadoria comprada por último (comprada a preço maior) também deve sair, de sorte que, ao

se levar em conta um prazo mais esticado – e o tamanho desse prazo depende da rotatividade

com que a empresa administra seu stock – o total do IRC relativo a esse período tende a não

sofrer grandes mudanças. Embora, portanto, que se considere que na hipótese de preços

crescentes a fórmula FIFO ou LIFO implique respetivamente aumento ou diminuição de IRC

num primeiro momento, a tendência é de que o total de IRC relativo a um período mais longo

não se altere significativamente. Nesse cenário, a adoção dos métodos FIFO ou LIFO teria como

206 Disponível em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=34022 207 Exemplo dessa intitulação disponível em: http://www.dn.pt/arquivo/2008/interior/historia-de-robin-dos-bosques-

sem-a-taxa-994877.html

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resultado prático respetivo apenas o adiantamento ou o diferimento do IRC. Logo, com a devida

vénia, entendemos não ser verdadeira a premissa segundo a qual a obrigatoriedade da adoção do

método FIFO ou, com mais razão, do Custo Médio Ponderado, traria majoração tal no valor do

IRC a recolher que levaria as sociedades a optarem por continuar adotando o método LIFO e, em

decorrência, por pagar a correspondente TA, cujo resultado enfim contribuiria para a pretendida

redistribuição de riquezas.

A grande volatilidade que atingiu em seguida o preço do petróleo também contribuiu

enormemente para o insucesso da finalidade da TA, que seria, segundo a proposta

governamental, a redistribuição da riqueza. Embora o preço do barril do petróleo brent tivesse

subido de maneira praticamente constante, progredindo de 12 para 130 dólares americanos por

barril durante os oito últimos anos anteriores ao início de julho de 2008, época em que foi

apresentada, pelo Governo, a Proposta n.º 217/X, esse preço vertiginou-se para baixo logo a

seguir, chegando ao mínimo de 42 dólares em fevereiro do ano seguinte. Voltaria depois a subir,

alcançando U$ 118 em março de 2012, mas cairia depois. O preço do barril de petróleo brent

situa-se hoje na casa dos U$ 40. O mercado de petróleo bruto tem-se revelado, pois, de grande

volatilidade. Houve também, portanto, equívoco no estabelecimento da premissa segundo a qual

seria mantida a tendência de alta do preço do petróleo, pois cenário não se confirmou, com o que

se frustrou a expectativa de promoção de redistribuição de renda a partir da qual fora criado esse

imposto.

Além dessas duas equivocadas premissas sobre a qual se baseou a criação da TA, e que

acabam por comprometer sua efetividade, há ainda alguns controversos aspetos jurídicos a serem

analisados, eis que poderiam sustentar eventuais teses de defesa das sociedades em face do

imposto.

A primeira dessas controvérsias, que era patente, já foi contornada: o n.º 5 foi julgado

inconstitucional208 por violação ao princípio da irretroatividade da lei fiscal.209

Uma segunda controvérsia que pode ser levantada refere-se à própria natureza da TA

instituída mediante as normas contidas no artigo 4º da Lei nº 64/2008. Não há dúvida que esse

imposto configura sanção por ato ilícito, o que se explica a seguir. O n.º 1 impõe uma obrigação:

adoção, pelas empresas, dos métodos FIFO ou custo médio para mensuração do custeio.

208 Ac. TC n.º 310/2012, Processo n.º 150/12, Rel. João Cura Mariano. 209 CRP, artigo 103, n.º 3.

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Contrario sensu, portanto, fica proibida a adoção de outros métodos. Nesse sentido, o uso de

outros métodos, como LIFO, por exemplo, caracteriza um ilícito, uma infração tributária.210 E o

n.º 2 prescreve como consequência para esse ilícito justamente a TA, o que significa que esse

imposto foi criado para, inapropriadamente, fazer o papel de sanção pela prática de ilícito, de

maneira semelhante ao que é feito pela TA sobre despesas não documentadas, o que desnatura,

subverte, o conceito de imposto ofertado pela teoria majoritária, conforme já anotado na análise

das normas contidas no art. 88, n.º 1 e 2 do CIRC.

Também outra controvérsia pode ser levantada em torno do artigo 4.º da Lei 64/2008.

Trata-se da incoerência que existe entre os enunciados dos números 1 e 2.211 Isso porque o n.º 1

obriga a empresa a adotar um dos métodos FIFO ou custo médio para mensuração de custeio

“para efeitos fiscais”. Daí decorre que a empresa deve pagar o IRC liquidado segundo esses

métodos, independentemente da forma pela qual faz sua contabilidade. Na hipótese de que a

sociedade, por necessidade de gestão, utilizasse o método LIFO na contabilidade, então deveria

fazer os ajustes necessários para que o IRC fosse liquidado segundo o FIFO ou custo médio.

Todavia, incoerentemente, o n.º 2 prescreve a incidência de TA sobre a diferença positiva entre

da margem bruta de produção resultante da aplicação dos métodos autorizados e a resultante do

método “adoptado na contabilidade”. Logo, segundo esse n.º 2, os métodos FIFO ou custo médio

seriam realmente obrigatórios exatamente para efeitos contabilísticos e não “para efeitos fiscais”,

conforme consta no n.º 1, o que demonstra a inexplicável incompatibilidade entre seus

enunciados. Aliás, a leitura das justificativas da Proposta 217/X, apresentada pelo Governo em

julho de 2008, não permite desvendar a razão pela qual não se optou pela solução mais simples,

que seria a não-inclusão do n.º 2 do artigo 4.º da Lei 64/2008. Assim, obrigar-se-ia a adoção dos

métodos de custeio FIFO ou Custo Médio Ponderado para efeitos fiscais, de modo que eventuais

diferenças ficassem sujeitas ao IRC, o que implicaria, como resultado prático, algo semelhante à

TA em termos de arrecadação.

É ainda possível discutir-se até mesmo a eficácia ou efetividade do artigo 4º da referida lei,

pois os métodos FIFO - first in first out e o custeio médio ponderado já eram de aplicação

obrigatória desde o início de dezembro de 2008, de acordo com os parágrafos 25 e 27 da IAS2,212

210 RGIT, artigo 2º, n.º 1. 211 A respeito do princípio da coerência sistemática, sugere-se a leitura de Vasques, 2011: 301 e ss. 212 International Accounting Standard n.º 2, que foi veiculada pelo Regulamento CE n.º 1126/2008, de 03/11/2008,

que revogou o Regulamento CE n.º 1725/2003, de 21/09/2003.

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razão pela qual torna-se duvidosa a utilidade prática da obrigatoriedade prescrita no n.º 1 do

artigo 4º da Lei 64/2008.

Vimos, enfim, em resumo, que a TA de que trata a Lei 64/2008, de 5 de dezembro: (i)

possui incidência subjetiva restrita às empresas de fabricação ou distribuição de produtos

petrolíferos refinados; (ii) em virtude da forma como foi instituída, essa modalidade de TA possui

características de sanção por ato ilícito, eis que sua incidência material ou real se dá sobre conduta

vedada em lei; (iii) sua norma instituidora é de discutível eficácia quanto à finalidade

alegadamente pretendida, pois, para além de ter-se baseado em equivocadas premissas, já havia

norma anterior a determinar a mesma conduta que serve de objeto à incidência real da TA.

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XV - Outros dispositivos do artigo 88 do CIRC sobre as tributações autónomas

O objeto de estudo compreende ainda normas jurídicas que dizem respeito a mais de uma

modalidade de TA no âmbito do IRC. Trata-se das normas contidas nos números 14, 15 e 16 do

artigo 88 do CIRC.

O número 14, que deve ser aplicado com observação do 20 no caso de grupo de sociedades,

diz respeito ao agravamento das taxas de TA em caso de empresas que apresentem prejuízo fiscal:

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos

percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem

quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de

uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.

20 - Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos

grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado

nos termos do artigo 70.º

Esse agravamento, que foi criado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, era dirigido

à totalidade dos sujeitos passivos de IRC, mas a partir da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, ficou

restrito ao exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, ou seja, à

prática de operações económicas de caráter empresarial, aí incluídas as prestações de serviços,213

não isentas desse imposto sobre rendimentos.

O agravamento consiste em aumento da taxa aplicável. Não se trata de elevação em 10%,

mas sim em 10 pontos percentuais. Assim, em caso de prejuízo fiscal, a TA sobre despesas não

documentadas eleva-se de 50% para 60%, mas sobre encargos com representação, sobe de 10%

para 20%. Percebe-se que, no primeiro caso, houve aumento da TA em 20%; no segundo, em

100%, ou seja, em caso de prejuízo fiscal, as modalidades de TA proporcionalmente mais

agravadas são aquelas sujeitas às menores taxas.

O pressuposto para a aplicabilidade desse n.º 14 é a apresentação de prejuízo fiscal pela

empresa no período a que respeitem os encargos sujeitos a TA. Mas o que é prejuízo fiscal? Cabe

aqui alguma cautela no trato dos conceitos. No âmbito do IRC, prejuízo fiscal pode não ser igual

ao prejuízo contabilístico. O resultado contabilístico – lucro ou prejuízo – de um período é aquele

213 CIRC, art. 3º, n.º 4.

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constante no campo resultado líquido do período da Demonstração do Resultado por Natureza.

Já o resultado fiscal é obtido na esteira da teoria do incremento patrimonial ou rendimento

acréscimo.214 Para a empresa, o lucro tributável pelo IRC em um determinado período “consiste

na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação,

com as correções estabelecidas” no CIRC.215 E essas correções são necessárias porque nem

sempre a contabilidade reflete precisamente os valores do património líquido para fins fiscais.

Há casos em que variações patrimoniais positivas216 ou negativas217 relevantes ao IRC não são

levadas em conta para cálculo do resultado líquido do período, isto é, não estão inclusas no

resultado contabilístico.218 E os passos desse, digamos, percurso algébrico, que vai do resultado

contabilístico até o resultado fiscal, são dados na forma de ajustes extra contábeis efetuados

consoante quadro 07 da DR modelo 22.219 Assim é que o lucro tributável ao IRC “é constituído

pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e

negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com

base na contabilidade e eventualmente corrigidos” .220 E contrario sensu, o prejuízo fiscal, que é

a condição para agravamento da TA em 10 pontos percentuais, é o resultado negativo dessa

mesma soma algébrica. No caso especial do grupo de sociedades com opção pelo regime especial

de determinação da matéria coletável do IRC,221 então o prejuízo fiscal considerado para fins de

agravamento da taxa de TA será o resultado da soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos

fiscais apurados nas declarações de cada uma das sociedades do grupo.222

214 Em oposição a rendimento fonte. 215 CIRC, art. 3º, n.º 2. 216 CIRC, art. 21. 217 CIRC, art. 24. 218 Exemplos de variações positivas e negativas: Martins em Guimarães 2014: 278/284. Mais exemplos às fls. 6/74

do Manual de Preenchimento do Quadro 07 da DR Modelo 22, aprovado pela AT, disponível em:

<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwj

QhPDvx7zMAhXKH5AKHfAOD-

gQFggcMAA&url=https%3A%2F%2Finfo.portaldasfinancas.gov.pt%2FNR%2Frdonlyres%2FFB6CB26B-D8B3-

44AB-AF99-

157215322F09%2F0%2FManual_Q_07_Mod22.pdf&usg=AFQjCNHDaAruq7J8jg6owjKfCplvfxvJWw&bvm=b

v.121070826,d.Y2I>. 219 A DR modelo 22 é a obrigatória declaração periódica de rendimentos (CIRC, art. 117, n.º 1, al. b)). A DR 22 para

2015 foi aprovada pelo Despacho n.º 15632/2014, de 29 de dezembro, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

do Ministério das Finanças. 220 CIRC, art. 17, n.º 1. Percebe-se bem a álgebra desses ajustes no Quadro 07 do formulário Mod. 22, do IRC. 221 CIRC, art. 69. 222 CIRC, art. 88, n.º 20, c/c CIRC, art. 70.

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Nem todas as modalidades de TA, contudo, sofrem esse agravamento em caso de prejuízo

fiscal. Há três exceções: (i) ficam de fora as modalidades de TA sobre encargos com viaturas

ligeiras de passageiros híbridas plug-in ou movidas a GLP ou GNV, instituídas nos números 17

e 18 do artigo 88, pois o n.º 14 reporta-se aos números anteriores ao determinar o agravamento.

(ii) A parte final do enunciado do n.º 14 exclui também as modalidades de TA cujos fatos não

sejam relacionados com a prática de operações económicas de caráter empresarial não isentas de

IRC, aí incluídas as operações de prestação de serviços.223 (iii) Segundo nosso entendimento,

também não pode ser agravada pelo prejuízo a TA a que se refere a parte final do n.º 9 do artigo

88, que incide sobre encargos não dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela

deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a

clientes, e sem mapa de controlo das deslocações. Essa agravamento é incompatível com aquela

modalidade de TA em decorrência da redundância: o prejuízo já é condição essencial da própria

incidência do imposto, logo, não pode ser também utilizado como critério para efeito de

agravamento da taxa aplicável.

Se de um lado essa dilatação da taxa aplicável à TA sugere a excêntrica figura de um

imposto sobre o não-rendimento, a incindir exatamente em circunstância na qual a empresa

atravessa dificuldades, de outro lado insinua uma espécie de anteparo ou escudo residual de

proteção, idealizado pelo legislador para o caso em que as taxas normais de TA não tenham sido

suficientemente desestimulantes ao ponto de permitir que o uso abusivo, pelas empresas, dos

encargos e despesas sujeitas à TA, tenha conduzido ao prejuízo fiscal no período. E esse

agravamento funciona como escudo residual de proteção especialmente em relação às despesas

sujeitas às menores taxas de TA, porque essas taxas, conforme acima demonstrado, são as que

proporcionalmente mais se elevam com a regra do n.º 14.

Outra norma aplicável a diversas modalidades de TA em IRC é a contida no n.º 15 do artigo

88 do CIRC, assim redigida:

15 - As taxas de tributação autónoma previstas nos n.os 7, 9, 11 e 13, bem como o disposto no

número anterior, não são aplicáveis aos sujeitos passivos a que se aplique o regime simplificado de

determinação da matéria coletável.

223 CIRC, art. 3.º, n.º 4 c/c parte final do n.º 14 do art. 88.

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O número 15 foi aditado ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro que, aliás,

foi a mesma lei que criou o referido regime simplificado.224

Trata-se agora de delimitação negativa da incidência da TA: os sujeitos passivos de IRC

que sejam enquadrados no referido regime simplificado não se sujeitam a quatro das modalidades

de TA, que são aquelas relativas a: (i) encargos com representação; (ii) encargos com ajudas de

custo e compensação por deslocação em viatura do trabalhador; (iii) lucros distribuídos por

entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos isentos; e (iv) indemnizações e remunerações

variáveis pagas a executivos. Em relação às demais expressões, é normal a incidência da TA.

Como se vê, há exclusão da incidência subjetiva. Aproveitam-na somente os sujeitos

passivos já enquadrados no regime simplificado de determinação da matéria coletável do IRC.225

São enquadráveis as empresas residentes de menor porte, as quais, dentre outros requisitos,226

adotem o regime de normalização contabilística para microentidades NCM227 e apresentem, em

relação ao período imediatamente anterior, balanço com valor total até € 500.000 e rendimentos

até € 200.000. Perceba-se, aí, alguma finalidade incentivadora às microempresas,228 em

observação a um dos princípios constitucionais gerais da organização económica dirigidos às

empresas privadas.229 Nesse caso, a matéria coletável do IRC é determinada pela aplicação direta

de determinados coeficientes às classes de rendimentos ou incrementos patrimoniais obtidos no

período.230 O enquadramento ao regime simplificado é opcional, razão pela qual não afronta “os

princípios constitucionais da tributação pelo lucro real, da proporcionalidade ou da colaboração

(na sua vertente de assistência necessária ao cumprimento dos deveres acessórios - arts. 59º da

LGT, 7º e 66º do CPA)”.231

224 Esclarecimentos acerca desse regime simplificado foram prestados pela Circular n.º 6/2014, da Direção dos

Serviços do IRC da AT, disponível em <https://info.portaldasfinancas.gov.pt/nr/rdonlyres/ab48dbd8-2159-48af-

99de-818a30dfa90b/0/circular_6_2014.pdf> 225 Esse enquadramento é opcional, consoante CIRC, art. 86-A, n.º 1. 226 CIRC, art. 86-A. 227 O regime NCM foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março. Mas a empresa não será considerada

enquadrada pela AT caso adote a norma contabilística e de relato financeiro para pequenas entidades (NCRF-PE).

A respeito, ver Ficha Doutrinária da AT referente ao Processo n.º 2014 002575, com Despacho de 09/10/2014. 228 Ressalte-se, a título de ilustração, que, segundo a Comissão Europeia, o número de microempresas representava,

em 2013, mais de 95 % do número total de empresas de Portugal e mais de 40% dos empregos. Informação em:

<https://www.google.co.uk/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiL

w6Snsb7MAhUMJcAKHfk0AIkQFggnMAA&url=http%3A%2F%2Fec.europa.eu%2FDocsRoom%2Fdocuments

%2F8943%2Fattachments%2F1%2Ftranslations%2Fpt%2Frenditions%2Fpdf&usg=AFQjCNE5DMa-

rpPBmuhB1eELH7YiEY86VA> 229 CRP, art. 86, n.º 1. 230 CIRC, art. 86-B. 231 Ac. STA de 05/02/2014, Rel. Casimiro Gonçalves.

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Outro dispositivo comum a várias modalidades de TA em IRC, é o n.º 16, com este

enunciado: “O disposto no presente artigo não é aplicável relativamente às despesas ou encargos

de estabelecimento estável situado fora do território português e relativos à atividade exercida

por seu intermédio”. Esse dispositivo é relativamente recente: esse número 16 foi aditado ao

artigo 88 do CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

Como se depreende do enunciado, trata-se também de delimitação negativa de incidência

subjetiva de todas as modalidades de TA do artigo 88. É delimitação negativa porque exclui a

incidência da TA. É subjetiva porque se aplica a estabelecimentos específicos do sujeito passivo.

Mas qual seria a razão da existência dessa recente delimitação negativa de incidência da TA? A

princípio, parece não fazer sentido. Isso porque, para as empresas residentes, que são sujeitos

passivos por obrigação pessoal,232 o IRC é de base mundial: incide sobre a totalidade dos

rendimentos, aí incluídos os rendimentos obtidos fora do território nacional.233 Há casos de

grande abrangência, contudo, em que a empresa residente pode optar pela não concorrência para

determinação de seu lucro tributável dos lucros e prejuízos imputáveis a estabelecimento estável

situado fora de Portugal.234 Por essa razão, houve a delimitação negativa de incidência de TA

por meio da Lei n.º 2/2014. Ademais, mesmo antes de isso ocorrer, a TA sobre despesas do

estabelecimento estável localizado fora do território nacional já era combatida pela tese segundo

a qual “tratando-se de encargos suportados noutro país com regras e filosofias fiscais diferentes,

não fará sentido a aplicação de limitações e tributações adicionais a tais gastos”.235

Essa delimitação negativa de incidência de TA só é aplicável às despesas efetuadas por

estabelecimentos estáveis situados fora do país. Estabelecimento estável é qualquer instalação

fixa através da qual sejam realizadas operações económicas de caráter empresarial.236 Mas não

são considerados estabelecimentos estáveis os estaleiros de construção (mesmo em caso de

subempreitada), de instalação ou montagem, plataformas ou barcos de prospeção de produtos

naturais, se o tempo da correspondente atividade for menor ou igual a seis meses,237 situação em

que torna-se devida a TA sobre os respetivos encargos. Torna-se ainda exigível a TA no caso do

232 Martins em Guimarães, 2014: 256. 233 CIRC, art. 4º, n.º 1. 234 CIRC, art. 4º, n.º 4. Bom exemplo: Martins em Guimarães, 2014: 260. 235 Abreu, 2012: 149. 236 CIRC, art. 5º, n.º 1, com lista exemplificativa no n.º 2. 237 CIRC, art. 5º, n.º 3 e 5.

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exercício, por prazo menor ou igual a seis meses, de atividades preparatórias ou auxiliares, ainda

que efetivadas por meio de estrutura fixa.238

Para além disso, para que não haja incidência de TA, é necessário que despesas e encargos

correspondam a atividade desenvolvida pelo próprio estabelecimento estável situado fora do

território nacional, de modo que a TA incide normalmente se, embora o encargo da empresa

tenha sido pago ou suportado por intermédio do estabelecimento estável, corresponda a atividade

exercida por outra pessoa.

Finalmente, como último dispositivo do artigo 88 do CIRC comum às várias modalidades

de TA em IRC, tem-se o n.º 21, de natureza interpretativa e sem maiores novidades, cujo

enunciado apenas define, para essas modalidades, a mesma competência para liquidação que já

era inerente ao IRC, ao mesmo tempo em que veda deduções ao montante apurado:

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º

e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo

efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado

238 CIRC, art. 5º, n.º 8, com exemplos nas alíneas a) a f).

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XVI - Aspectos genéricos sobre a TA no âmbito do IRC

Uma vez individualmente analisadas as normas que instituíram as várias modalidades de TA,

bem como os dispositivos genéricos do artigo 88 do Código do IRC, falta ainda abordar alguns

aspetos inerentes ao próprio instituto da TA como um todo, e que possam ser úteis às empresas

em defesa de seus interesses em face à Fazenda Pública. Nesse sentido, releva-se como possível

tese a existência de algum descompasso da norma que proíbe a dedução da TA ao lucro tributável

pelo IRC com os princípios constitucionais da tributação das empresas pelo lucro real e da

igualdade. A afronta ao princípio do lucro real pode ser abordada sob dois enfoques: (i) na

incoerência da norma proibitiva e (ii) na inobservância da capacidade contributiva; já a ofensa

ao princípio da igualdade ocorre por conta de tributação fundada em presunção inilidível.

Ao proibir que a TA seja deduzida do lucro tributável pelo IRC, a norma contida no artigo

23-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC afronta o princípio constitucional da tributação pelo lucro

real das empresas. Essa norma proibitiva é norma especial,239 que decerto prevalece sobre a

norma geral, permissiva, veiculada pelo artigo 23, n.º 1 c/c n.º 2, al. f) do CIRC. O princípio

constitucional violado por aquela norma proibitiva é o contido no artigo 104, n.º 2 da CRP,

segundo o qual “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento

real”.

Essa matéria específica – indedutibilidade da TA ao lucro tributável pelo IRC – já foi

levada ao Tribunal Constitucional por intermédio de reclamação do SP, que foi indeferida sem

que fosse apreciada quanto ao mérito, por não ter o recorrente enunciado qual seria o dispositivo

a ser fiscalizado por aquele tribunal, ou seja, qual teria sido, no entender desse recorrente, a

norma inconstitucional.240 À época dos fatos geradores em discussão, contudo, ainda não existia

expressa a norma proibitiva de dedução de TA, ora contida no artigo 23-A, n.º al. a) do CIRC.

Naquele tempo, havia uma norma proibitiva de dedução semelhante à atual, mas não falava em

TA. Constava do então artigo 45, n.º 1, al. a) do CIRC, cujo enunciado proibia a dedução do

“IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros”. A

vedação à dedução da TA ao lucro tributável pelo IRC não provinha, portanto, de disposição

expressa da lei, como se dá atualmente, mas sim de prática decorrente do entendimento da AT.

239 Trata-se mesmo de norma que estabelece exceção à regra geral permissiva do art. 23, n.º 1. E para efeito de

resolução de antinomias, a norma excecional, segundo Bobbio, equivale à norma especial (Bobbio, 1995: 96). 240 Ac. TC n.º 88/2015, de 28/01/2015, Rel. Pedro Machete.

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Segundo a norma proibitiva ora em vigor, art. 23-A, n.º 1, al. a), não são dedutíveis ao lucro

tributável pelo IRC: “o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos

que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”.241 Ora, até há perfeita coerência na parte

em que impede que o IRC e outros impostos que incidam sobre os lucros sejam deduzidos para

efeitos de determinação do lucro tributável pelo próprio IRC. Se fosse permitida uma dedução

dessa natureza, estar-se-ia a produzir uma espécie de referência circular: dedução do IRC à

matéria coletável do próprio IRC. Inadequadamente, porém – assim entendemos, com a devida

vénia – o legislador também inseriu, na norma proibitiva, as tributações autónomas em IRC como

se fossem uma extensão do IRC ou como espécies do gênero dos impostos sobre o rendimento.

Mas já foi aqui demonstrado que não é bem assim. TA não é IRC. Dos três possíveis indicadores

de manifestação da capacidade contributiva, e salvo a TA incidente sobre lucro distribuído a SP

isento, as tributações autónomas possuem como fato gerador o consumo ou despesa. Américo

Brás Carlos é enfático: “a tributação autónoma, apesar de ter lugar a título de IRC, é

materialmente uma tributação que recai sobre a despesa e não sobre o rendimento”.242 Essa

confusão que há entre dois impostos distintos ocorre porque a TA é prescrita por meio de norma

extravagante ou parasitária,243 pois regula matéria estranha ao objeto da lei na qual foi

introduzida, que é o Código do IRC. Tal código obviamente tem como objeto o IRC, imposto

radicalmente diferente da TA. Reforça essa tese o fato de que o art. 88, que institui a TA faz parte

do Capítulo IV daquele código, que tem o título de “Taxas”. Da sistematização do Código do

IRC, verifica-se que seus capítulos receberam títulos alusivos aos critérios de incidência, isenção,

matéria coletável, taxa, liquidação, pagamento do imposto. O conteúdo do capítulo “Taxas”

deveria, pois, ser preenchido com as alíquotas aplicáveis à matéria coletável do IRC em cada

caso, para o cálculo do valor do imposto. Nesse capítulo, todavia, de maneira contrária ao que

determina o artigo 9º, n.º 1, do Anexo II da Resolução do Conselho de Ministros n.º 64/2006,244

não se explicitou, ainda que sinteticamente, que ali estava a ser instituído um imposto novo às

sociedades de Portugal. O próprio Tribunal Constitucional já se manifestou algumas vezes no

241 CIRC, art. 23-A, n.º 1, al. a). 242 Carlos, 2014: 171. 243 A respeito de normas extravagantes, vale a consulta ao Ac. TC n.º 141/2002, de 09/05/2002, Rel. Luís Nunes de

Almeida. 244 Resolução n.º 64/2006: Artigo 9º - Epígrafes – “1 - A cada livro, parte, título, capítulo, secção, subsecção, divisão,

subdivisão ou artigo deve ser atribuída uma epígrafe que explicite sinteticamente o seu conteúdo. 2 - É vedada a

utilização de epígrafes idênticas em diferentes artigos ou divisões sistemáticas do mesmo acto.”

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sentido de que TA e IRC são impostos distintos.245 Em recente julgado, aquela corte foi

especialmente explícita a respeito: “Com efeito, como se fez notar, o IRC e a tributação autónoma

são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas”.246 A TA

não é, pois, definitivamente, uma extensão do IRC, como sugere a norma proibitiva de dedução.

Assim como o IVA, a TA é imposto sobre consumo, e como imposto sobre consumo deve ser

tratada. A TA é um gasto para obter ou garantir rendimentos, como prevê a regra geral, que é

norma autorizadora de dedução. Porém, incoerentemente, foi inserida na norma excecional, que

é a norma proibitiva.247

Mas a incoerência da norma proibitiva não é plena: ocorre só naquilo que diz respeito à

TA; e dentre as modalidades de TA, só naquilo que diz respeito às modalidades que incidem

sobre gastos legalmente aceites como dedutíveis, porque, ao menos sobre estes, há o

reconhecimento expresso do legislador de que são “incorridos ou suportados pelo sujeito passivo

para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.248 Não faz sentido, convenhamos, por

exemplo, que encargo incorrido pela empresa com ajuda de custo ao seu trabalhador seja

deduzido na determinação do lucro tributável pelo IRC,249 ao mesmo tempo em que seja

vedada250 a dedução da TA incidente sobre o mesmo encargo. O encargo dedutível propriamente

dito engloba o tributo que sobre ele incide. Não há como dissociá-los. Afronta, portanto, o

princípio da tributação pelo lucro real das empresas a vedação de dedução de encargos por elas

suportados na obtenção ou garantia de seus rendimentos.

E ofensa a tal princípio da tributação pelo lucro real é ainda mais visível se analisada sob

a ótica da capacidade contributiva da empresa SP do IRC. Essa capacidade contributiva deve ser

mensurada a partir da diferença entre seu património líquido ao fim e ao início do período de

tributação. Logo, assim como é necessário que sejam componentes positivos dessa aritmética os

rendimentos e ganhos, é imprescindível que aí sejam incluídos os gastos e perdas como

componentes negativos, sob pena de desvirtuar completamente a teoria do incremento

245 Ac. TC n.º 310/2012, de 20/06/2012, Rel. João Cura Mariano; Ac. TC n.º 382/2012, de 07/07/2012, Rel. José

Cunha Barbosa; Ac. TC n.º 85/2013, de 05/02/2013, Rel. José Cunha Barbosa. 246 Ac. TC n.º 197/2016, de 13/04/2016, Rel. Carlos Fernandes Cadilha. 247 A respeito do princípio da coerência sistemática, sugere-se a leitura de Vasques, 2011: 301 e ss. 248 CIRC, art. 23, n.º 1. 249 Dedução feita ao abrigo do CIRC, artigo 23, n.º 1 c/c n.º 2, al. d), em consonância com a orientação constitucional

prevista na CRP, art. 104, n.º 2. 250 Dedução vedada pelo CIRC, artigo 23-A, n.º 1, al. a), em dissonância consonância com a orientação constitucional

prevista na CRP, art. 104, n.º 2.

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patrimonial,251 considerada uma das principais linhas norteadoras do IRC.252 Um “corolário do

princípio da capacidade contributiva na estruturação dos impostos pessoais sobre e rendimento

está na tributação do rendimento líquido”.253 Entenda-se capacidade contributiva como garantia

do contribuinte, como refere Vasco Branco Guimarães em relação à primeira das leituras

construídas pela teoria e jurisprudência italianas. Nesse sentido, capacidade contributiva não se

confunde com a disponibilidade económica do SP.254 Capacidade contributiva está sim ligada ao

“tamanho econômico do evento”255 sobre o qual recai a hipótese legal de incidência, e do qual se

extrai “a parcela pecuniária que constituirá a prestação devida pelo sujeito passivo, guardadas as

proporções da ocorrência”.256 E as proporções do rendimento tributável são delimitadas pelo

tamanho do incremento patrimonial. Logo, ao proibir a dedução da TA sobre encargos

dedutíveis, a norma contida no art. 23-A, n.º 1, al. a) do CIRC ignora a capacidade contributiva

e desnatura a teoria do incremento patrimonial, que é linha norteadora do imposto, segundo o

preâmbulo do próprio código, e afronta o princípio constitucional da tributação pelo lucro real

veiculado pelo art. 104, n.º 2, da CRP, que tem o seguinte enunciado: “A tributação das empresas

incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

A discussão sobre a dedutibilidade da TA paga sobre o lucro tributável pelo IRC chegou

ao Tribunal Constitucional por meio de recurso de reclamação, na qual o sujeito passivo alegava

que a vedação à dedutibilidade violava os princípios constitucionais da tributação das empresas

pelo lucro real257 e da proporcionalidade.258 Mas não houve julgamento de mérito. A reclamação

foi indeferida em virtude de que “a recorrente não enunciou o critério normativo que alega ter

pretendido ver fiscalizado por este Tribunal Constitucional, destacando-o, de modo autónomo,

da concreta em causa”.259 A exemplo desse caso, outro semelhante de questionamento de

violação ao princípio da tributação pelo lucro real, também tendo a TA como objeto teve

resultado parecido: juízo negativo de cognoscibilidade em virtude de ausência de adequada

251 CIRC, preâmbulo, item n.º 5 252 Martins em Guimarães, 2014: 254. 253 Vasques, 2011: 256. 254 Carrazza, 2008: 91. 255 Cabe alertar que a LGT, art. 6º, n.º 1, al. c), funde os conceitos de capacidade contributiva e disponibilidade

económica. 256 Carvalho, 2007: 174/175. 257 CRP, art. 104, n.º 2. 258 CRP, art. 18. 259 Ac. TC n.º 88/2015, de 28/01/2015, Rel. Pedro Machete.

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suscitação prévia.260 Parece ser interessante, portanto, que a matéria seja levada à apreciação pelo

TC. Embora, todavia, seja bastante plausível, consistente e pareça promissora, a tese da

inconstitucionalidade da norma proibitiva de dedução da TA, se levada à apreciação do Tribunal

Constitucional num caso concreto, precisaria ser meticulosamente e convenientemente

construída, em virtude da flexibilização que aquele tribunal tem empregado quando da aplicação

da norma contida no artigo 104, n.º 2 da Constituição da República. A propósito da construção

da referida tese, sugere-se a leitura do entendimento de Canotilho, acerca de normas

constitucionais programáticas: ao referir-se o que denominou “ruptura em relação à doutrina

clássica”, prenuncia o autor a “morte das normas constitucionais programáticas”, na medida em

que a elas atribui o condão de vincular legisladores e órgãos administrativos.261 Em sentido

menos abrangente, Vasco Branco Guimarães atribui caráter preceptivo – e não programático –

somente às normas que se referem a direitos fundamentais.262

Tal flexibilização decorre de que o dispositivo que se quer violado, que é o artigo 104, n.º

2 da CRP, não se traduz num limite objetivo. Não possui eficácia plena. Na verdade, o vocábulo

fundamentalmente encerra um valor; é impregnado de axiologia, o que denota sua natureza de

norma de eficácia programática, dirigida ao legislador como parâmetro de ação, possibilitando-

o, ao confrontá-la com outros princípios constitucionais, a usar de certa discricionariedade

quando da elaboração do ordenamento infraconstitucional. Nesse sentido, o advérbio

fundamentalmente orienta o legislador a assentar a incidência do IRC sobre o lucro real das

empresas, mas também possibilita que ele assente tal incidência sobre o lucro presumido. E a

natureza programática desse dispositivo tem feito com que o Tribunal Constitucional flexibilize

sua aplicação. Embora, como já informado, ainda não tenha havido apreciação da pretensa

inconstitucionalidade da vedação da dedução da TA ao lucro tributável pelo IRC, houve

julgamentos outros acerca de violação ao princípio da tributação pelo lucro real, oportunidades

em que tal violação resultou refutada. Houve caso em que o Tribunal Constitucional considerou

o princípio da tributação das empresas pelo lucro real como dotado de plasticidade, assim como

outros princípios do que chamou de Constituição Fiscal.263 Houve também caso em que aquele

tribunal considerou que a jurisprudência constitucional já assumiu “que a tributação pelo lucro

260 Exemplo: Ac. TC 584/2014, de 17/09/2014, Rel. Maria de Fátima Mata-Mouros. 261 Canotilho, 1993b: 184 e ss. 262 Guimarães em Guimarães, 2014: 81. 263 Ac. TC n.º 84/2003, de 12/02/2003, Rel. Artur Maurício.

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real é um princípio que admite “desvios”, entenda-se, é compatível com alguma “normalização”

no apuramento da matéria coletável”.264 Houve ainda decisão em que o Tribunal Constitucional

utilizou fundamento segundo o qual “o artigo 104.º, n.º 2, não institui um critério absoluto e

rigoroso de tributação das empresas segundo o lucro real, apontando antes para uma aproximação

tendencial entre a matéria coletável e os lucros efetivamente auferidos”.265

Outra questão genérica acerca das tributações autónomas no âmbito do IRC que merece

maior discussão é aquela que diz respeito à violação ao princípio da igualdade em razão de seu

caráter presuntivo, eis que a TA em IRC parece nascer de presunção legal juris et de juri, hipótese

essa que, se confirmada, tornaria ainda mais sólida a tese da violação ao princípio da tributação

das empresas pelo lucro real.

É pacífico o entendimento de que as tributações autónomas, em sede de IRC, visam, em

regra desestimular o artifício evasivo por meio do qual pessoas coletivas fazem pagamentos de

naturezas diversas sob disfarce de determinados encargos. Como exemplos de outros pagamentos

pode-se citar despesa em que se queira ocultar natureza ou favorecido, remuneração a

empregados, gerentes, administradores, distribuição de lucros a sócios, remuneração e

distribuição essas em pecúnia ou em espécie. E a evasão se dá em relação ao IRS ou IRC do

favorecido pelo pagamento, ou mesmo em relação às contribuições devidas por entidades

patronais ou empregados à Segurança Social.266

Vistas como instrumentos de desestímulo de condutas evasivas, as TAs em IRC foram

criadas com base em presunção inilidível, embora de forma oblíqua: entendeu o legislador que

determinados encargos, declarados pelas empresas como sendo A, serviriam, na verdade, para

disfarçar a realização de encargos outros B, que resultariam em maiores gastos para a empresa

do que se tivesse declarado os encargos A. A partir daí, presumiu o legislador – aqui dito em

linguagem simplista – que todo A é B. Mas o legislador não se interessou em reverter a situação

de A para B e buscar o resultado dessa reversão. Optou por solução bem mais simples: sobre A

fez incindir um novo imposto, denominado tributação autónoma, inserido no Capítulo IV - Taxas

- do Código do IRC, capítulo esse destinado à definição das taxas aplicáveis a outro imposto, que

é o próprio IRC, de modo a desestimular a prática do artifício presumido. Mas a opção por essa

solução mais simples não refuta a utilização de presunção, na criação das TAs, presunção, aliás

264 Ac. TC n.º 197/2013, de 09/02/2013, Rel. José da Cunha Barbosa. 265 Ac. TC n.º 753/2014, de 12/11/2014, Rel. Carlos Fernandes Cadilha. 266 Nabais, 2014: 543.

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inilidível, pois não se admite prova em contrário, isto é, de que pode existir algum A que não é

B. E não admitiu justamente porque não se trata de presunção enunciada. Embora a lei confira a

A o tratamento fiscal próprio de B, nela não é enunciado qualquer dispositivo que satisfaça a

fórmula presuntiva < se A, então presume-se B >. Trata-se mesmo de presunção oculta, intrínseca

à norma criada para satisfazer a pretensão extrafiscal da TA, e por isso mesmo fora do alcance

da regra geral da presunção relativa de que trata o artigo 73 da LGT,267 o que a torna uma

presunção absoluta ou inilidível, com ares mesmo de ficção, porque presunção não é só aquilo

que a lei diz que é, mas tudo que a lei utiliza como se fosse. Presumir é dar o fato desconhecido

B por verdadeiro, porque se conhece o fato A. E essa presunção torna-se juris et de juri, absoluta,

inilidível, se não é permitido ao interessado provar que determinado A não é B, e que por isso

esse A deve ser tratado como A, mas não como B. Demonstração cabal de que as modalidades de

TA em geral são fundadas em presunção legal absoluta é dada pelo próprio legislador que, no

caso especial da TA sobre despesas em paraísos fiscais, aplica presunção relativa ao conferir, ao

SP, a possibilidade de provar que o encargo se deu no exercício considerado normal de suas

atividades, e não como disfarce de despesas outras.268

Tome-se agora como exemplo o caso de duas empresas, SC1 e SC2. Suponha-se que ambas

declarem encargos com viaturas ligeiras de passageiros. A empresa SC1 faz com que ocorra o

fato A: utiliza essas viaturas para exclusivo exercício de suas atividades. SC2, no entanto, provoca

o fato B: concede o uso das mesmas viaturas a trabalhadores, como parcela disfarçada de

remuneração. Salvaguardadas, todavia, eventuais diferenças entre as taxas aplicáveis, a TA

incindirá igualitariamente sobre os encargos com viaturas de ambas as empresas. O imposto, em

seu viés extrafiscal, tem por finalidade desestimular a prática da simulação por SC2, porém, por

via indireta, penaliza SC1, que nada tem a ver com a simulação. Aí está a presunção: presume-

se que SC1 realiza pagamentos outros disfarçados. É a lei que presume, então é presunção legal.

Não se permite que SC1 prove que A não é B, ou seja, que utiliza as viaturas no exclusivo

exercício de suas atividades, e não para dissimular outros pagamentos, por isso é presunção

absoluta. Assim, partir dessa presunção, a lei confere idêntico tratamento a fatos jurídicos

desiguais, ocorrido na esfera de sujeitos passivos distintos.

267 Em sentido contrário, por entender que não há presunção na TA, por entender que “a figura da presunção deve

resultar claramente da lei”, sugere-se a leitura de Ribeiro, 2010: 430. 268 CIRC, art. 88, n.º 8.

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A partir daí, há duas alternativas para SC2: continuidade ou desistência da simulação. A

desistência implica reconhecimento da eficácia da TA no alcance da finalidade extrafiscal. A

continuidade, por sua vez, implica reconhecimento da eficiência fiscal da TA que, uma vez

liquidada e paga, substitui, em tese com alguma vantagem, o valor correspondente às obrigações

que seriam devidas pela declaração da operação real. E essa eficiência é até maior se levados em

conta os constrangimentos e dispêndios da Fazenda Pública decorrentes da tentativa, nem sempre

bem-sucedida, de detetar, em tempo hábil, essas situações de simulação de despesas e recuperar

os correspondentes tributos, mediante investigação, inspeção, diligências, procedimento fiscal,

revisão dos atos tributários e participação em eventual contencioso.

Eficácia ou eficiência fiscais como critérios justificativos da instituição da TA, todavia,

precisam estar circunscritos aos preceitos constitucionais, nomeadamente ao princípio da

igualdade, seja por analogia, em extensão das tarefas fundamentais do Estado previstas nas

alíneas d) e h) do artigo 9.º e artigo 13, n.º 1, seja por aplicação direta da norma que estabelece

as incumbências prioritárias do Estado no âmbito económico, contida no artigo 81, alínea b), e

da norma que fixa a diminuição das desigualdades como objetivo dos impostos pessoais,

constante do artigo 104, n.º 1, todos da Constituição da República. E o princípio constitucional

da igualdade é afetado na medida em que, por intermédio de norma de incidência fiscal –

construída a partir de presunção juris et de jure – socializa, distribui igualmente, entre todas as

empresas, os efeitos do combate a práticas evasivas de algumas. Por presumi-los em idêntica

situação, a lei oferece a SC1, sujeito passivo cumpridor de suas obrigações fiscais, o mesmo

tratamento que é dado a SC2, sujeito passivo que não as cumpre. Nesse particular, por igualar

desiguais para fins de incidência tributária, incidência essa que tem justamente nessa

desigualdade sua razão de existir, é que se pode invocar o princípio da igualdade em detrimento

das normas que instituem as modalidades de TA no âmbito do IRC.

Embora com argumento diferente, mas no mesmo sentido de que somente os sujeitos

passivos em igual situação devem ser igualmente tratados pela lei fiscal, assim manifestou-se o

Tribunal Constitucional, em recente acórdão:

“Neste contexto, bem se compreende que o princípio da igualdade tributária não seja invocável em

relação a contribuintes que incorram em evasão fiscal no caso em que o legislador tenha adotado

para diferentes situações um diferente critério de determinação do rendimento presumido. Desde

logo, porque a questão da igualdade tributária não se projeta sequer entre os destinatários das

normas que permitem a avaliação indireta da matéria coletável, mas entre esses destinatários e todos

os outros contribuintes que cumprem com exatidão as suas obrigações fiscais e cuja matéria

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tributável pode ser objeto de avaliação direta, e que não deixam de pagar os seus impostos de acordo

com a sua efetiva capacidade contributiva.”269

Tal violação ao princípio da igualdade é ainda mais grave na medida em que sujeitos

passivos em situações diferentes recebem exatamente o mesmo tratamento por normas de

incidência fiscal de TA em IRC, quase na totalidade construídas, enfatize-se, a partir de

presunção legal absoluta.

269 Ac. TC n.º 695/2014, de 15/10/2014, Rel. Carlos Cadilha.

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Conclusões

A partir da análise aqui efetuada nos enunciados normativos que instituíram ou regulam as

Tributações Autónomas no âmbito da Imposto sobre o Rendimento das Pessoas coletivas em

Portugal, análise essa desenvolvida com apoio na teoria e na jurisprudência, pôde-se retirar as

seguintes assertivas:

A TA no âmbito do IRC é imposto indireto, de obrigação única, regra geral incidente sobre

o consumo. Não se confunde com o IRC, que é imposto direto, periódico e incide sobre o

rendimento. A relação que se dá entre os dois impostos é que a TA, em última análise, é

mecanismo de supressão de uma parte dos gastos dedutíveis em IRC. Para além disso, a TA

incide – e mesmo é agravada – até em situações em que o SP apresenta prejuízo fiscal, nas quais,

obviamente, nem IRC há.

Ao ser criada, há 26 anos, a função da TA no âmbito do IRC era preponderantemente

extrafiscal, com pouca significância reditícia. Com o passar do tempo, contudo, ampliou-se

sobremaneira seu campo de incidência real e sua função predominante passou a ser reditícia: a

arrecadação anual da TA em IRC já ultrapassou o valor de 550 milhões de euros, o que equivale

a 15% de toda a arrecadação do próprio IRC, com as implicações óbvias na esfera económica da

empresa contribuinte.

Formuladas como instrumentos de desestímulo de determinadas condutas evasivas, as TAs

em IRC foram criadas com base em situação presumida: entendeu o legislador que determinados

encargos, declarados pelas empresas como sendo A, serviriam, na verdade, para evasivamente

disfarçar a realização de encargos outros B. A partir daí, presumiu o legislador – aqui dito em

linguagem simplista – que “todo A é B”. Daí, como mecanismo compensatório de evasão em

tese decorrente do disfarce, sobre o valor de A fez incindir um novo imposto, que é justamente a

TA.

A TA sobre despesas não documentadas, estatuída por intermédio dos números 2 e 3 do

art. 88 do CIRC, pode ser considerada como sanção por ato ilícito se adotada como referencial

teórico a norma jurídica completa em sua abordagem sintática. Ocorre que, apesar de não haver

proibição explícita na legislação, a finalidade sancionatória é vedada aos impostos segundo a

teoria dominante, o que torna essa modalidade de TA potencialmente suscetível a controvérsias.

Para efeitos de IRC, dispêndios só se tornam efetivamente gastos mediante utilização dos

bens ou serviços adquiridos na obtenção ou manutenção de rendimentos, p. ex. no consumo da

alimentação ou do combustível, e não pela aquisição do direito de utilizá-los, p. ex. pela compra

do vale-refeição ou do cheque-auto. Assim, deve a empresa evitar declarar pretensos “gastos”

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dedutíveis comprovados exclusivamente com simples prova do dispêndio, pois tais “gastos” têm

sido acertadamente classificadas pela AT – com respaldo pelos tribunais – como despesas não

documentadas, que são não só indedutíveis ao lucro tributável pelo IRC como também sujeitas à

mais gravosa das taxas de TA.

A liquidação das TAs sobre encargos com viaturas, que são reguladas pelos números 3, 5,

6, 17 e 18 do artigo 88 do CIRC, envolve um grande número de variáveis. Por essa razão, faz-se

necessário que a empresa considere todas as implicações. Dentre outras possibilidades: (i) no

caso de necessidade de viaturas maiores, importante considerar aluguer por sucessivos prazos de

até três meses não renováveis; (ii) em qualquer caso, ter em conta a atribuição, por acordo escrito,

da viatura ao colaborador, (iii) avaliar a vantagem de aquisição de viaturas ligeiras de

mercadorias de maior porte, se for o caso, e a (iv) atentar para tecnologia de propulsão do veículo.

E o grande número de combinações possíveis, em razão das variáveis envolvidas na liquidação

da TA em IRC sobre encargos com viaturas, sugere também, em nome da eficiência de gestão,

que as empresas adotem, em sua contabilidade, plano de contas dotado de desdobramento das

contas representativas de encargos com viaturas em tantas subcontas quantas forem as

mencionadas combinações.

A TA sobre despesas de representação a que se refere o art. 88, n.º 7 do CIRC somente

recai sobre aqueles encargos incorridos ou suportados para que a empresa se faça representar

onde ela não está presente, quer dizer, fora de sua atividade principal. Então, em relação a

encargos de natureza promocional, é importante que a empresa priorize, sempre que isso for

possível, eventos em que ela própria participe na promoção de sua atividade principal, porque as

despesas daí decorrentes não são despesas de representação, mas de sim publicidade, que são

também dedutíveis ao lucro tributável pelo IRC, mas não são sujeitas à incidência de TA.

Pode ser considerada inconstitucional a TA sobre importâncias pagas ou devidas a

residentes em paraísos fiscais, eis que, em tese, o art. 88, n.º 8 do CIRC ofende o princípio da

legalidade contido no artigo 103, n.º 2 da CRP. Esse entendimento decorre da possibilidade

trazida pela norma de que elementos essenciais à determinação da incidência dessa TA sejam

definidos por membro do Governo ou mesmo por agente do fisco. Tais elementos, que são o rol

de locais e o não-exagero do montante, são imprescindíveis à determinação da incidência

objetiva. Por isso, deveriam ter sido definidos em lei ou, após autorização legislativa, em decreto-

lei. Nunca, porém, por determinação pessoal de agentes, muito menos a partir de critérios por

eles subjetivamente criados.

Ultrapassada essa discussão acerca de suposta inconstitucionalidade da TA sobre

pagamentos a residentes em paraísos fiscais, é importante que a empresa adote algumas

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precauções caso entenda não haver incidência dessa modalidade de TA sobre determinado

pagamento efetuado. Nessa circunstância, faz-se necessário ilidir as presunções contidas na

norma de incidência, sob pena de, para além da sujeição à TA, tornar-se o encargo indedutível

na determinação do lucro tributável pelo IRC, pois o regime aplicável a essa modalidade de TA

acompanha o das despesas não documentadas.

O regime da TA relativa a ajudas de custos e deslocação, regulado pelo n.º 9 do artigo 88

do CIRC, pode ser descrito de forma simplificada a partir de uma regra geral e duas exceções.

Pela regra geral, incide TA sobre encargos dedutíveis (com mapas de controlo) relativos a ajudas

de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador a serviço da entidade

patronal. As duas exceções, em que não há incidência, são os casos em que (a) os valores

correspondentes a esses encargos forem tributados em IRS na esfera do beneficiário; e (b) os

valores correspondentes a esses encargos forem faturados aos clientes.

Na TA sobre lucros distribuídos, que tem seu regime estabelecido nos números 11 e 12 do

artigo 88 do CIRC, o SP é o titular – isento de IRC – das partes sociais e beneficiário da

distribuição dos lucros. A incidência se concretiza (i) no momento em que se dá a venda das

partes sociais pelo SP e (ii) se ele manteve a titularidade dos papeis por menos de um ano. Por

incindir sobre lucro, essa modalidade de TA não é imposto sobre consumo, mas sim sobre

rendimento, visto sob a ótica do rendimento-acréscimo. Permite a lei, por isso mesmo, que do

valor dessa TA seja diminuído IRC eventualmente retido na fonte.

A TA incidente sobre determinados gastos com executivos é definida no n.º 13 do artigo

88 do CIRC. As controvérsias acerca desse imposto giram, do lado os contribuintes, em torno de

pretensa violação ao princípio da liberdade de iniciativa empresarial, o que dificultaria tanto a

contratação dos melhores talentos como também a defesa da empresa em face de eventual OPA

hostil. Do lado do Estado, há os argumentos de proteção da massa de trabalhadores como um

todo, em face da discrepância remuneratória, e a tese de proteção à própria empresa em face da

teoria de agência, segundo a qual o interesse do executivo pode estar dissociado do da empresa.

A TA em IRC referente a diferença de mensuração em inventários de empresas de

distribuição de petróleo de que trata o art. 4.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, é a única

modalidade instituída fora do âmbito do CIRC. Essa norma é baseada em algumas premissas que

podem ser consideradas equivocadas, razão pela qual colocou-se em dúvida a propalada

finalidade de redistribuição da riqueza para a qual teria sido criada essa modalidade de TA. E

com base na referência teórica acerca da abordagem sintática da norma, essa modalidade de TA

pode ser considerada, em tese, como sanção por ato ilícito, eis que sua incidência real se dá

exatamente sobre conduta proibida em lei, o que também a torna suscetível a controvérsias.

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O agravamento das taxas de TA em caso de prejuízo fiscal, regulado no n.º 14 do n.º 88 do

CIRC, funciona como anteparo ou escudo residual de proteção a reforçar o desestímulo à prática

das despesas que sofrem incidência de TA, especialmente aquelas sujeitas às menores taxas,

porque são essas as proporcionalmente mais agravadas. Em virtude da incompatibilidade causada

por redundância, esse agravamento não pode ser aplicado à taxa da TA de que trata a parte final

do n.º 9, pois o prejuízo fiscal, que já é critério material da própria incidência do imposto, não

pode ser também pressuposto para seu agravamento.

Ao proibir que o valor devido da TA sobre despesas dedutíveis seja deduzido do lucro

tributável pelo IRC, a norma contida no artigo 23-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC pode, em

tese, ser considerada contrária ao princípio constitucional da tributação pelo lucro real das

empresas. Tal matéria específica ainda não foi apreciada pelo TC em alegação de violação do tal

princípio com base em determinadas razões de direito que foram articuladas nesta dissertação,

que são (i) a incoerência da norma proibitiva, (ii) a inobservância da capacidade contributiva e

(iii) a desnaturação da teoria do incremento patrimonial. E torna-se ainda mais consistente esse

argumento de violação do princípio da tributação pelo lucro real, se estruturado for em conjunto

com possível afronta ao princípio da igualdade, afronta essa que decorre do caráter de presunção

legal absoluta em torno da qual foram criadas as diversas modalidades de TA no âmbito do IRC.

No decorrer deste estudo, em que se efetuou análise das normas que instituíram as

tributações autónomas em sede do IRC, foram elaboradas algumas recomendações que podem

vir a ser úteis às empresas em medidas preventivas em matéria tributária. Foram também

articulados alguns argumentos de possível utilidade em teses de defesa das empresas em

eventuais relações contenciosas no âmbito fiscal e relacionadas com as referidas tributações

autónomas. Considera-se, assim, que a presente dissertação guarda consonância com objetivos

de aprendizagem almejados pelo do curso de mestrado ora em conclusão.

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