esaú e jacó - porto alegre, rio grande do sul,...
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Esaú e Jacó Machado de Assis
Local das ações: Rio de Janeiro
Época: transição do Império à República
– Febre das Ações – D. Pedro I D. Pedro II – Lei Rio Branco (Ventre Livre) – Abolição – Baile da Ilha Fiscal – Proclamação da República – Encilhamento – Revolta da Armada
A novidade no foco narrativo
Conselheiro Aires
Manuscritos
(sete cadernos)
Último: Esaú e Jacó
Seis cadernos: Memorial de Aires
O personagem Aires (3ª pessoa), criado pelo pseudo-autor Aires (1ª
pessoa), é quem efetivamente conta a história, quer dizer, um autor
imaginário (Aires) trata a si mesmo como “um ele”.
Diário do Conselheiro
Enredo
1871 – Natividade, mãe dos gêmeos Pedro e Paulo, vai com
sua irmã Perpétua ao Morro do Castelo consultar uma
vidente (“a cabocla”). A cabocla quer saber se os filhos
brigaram no ventre da mãe. Sobre o futuro dos gêmeos, diz
apenas uma frase vaga: “Coisas futuras!”. Como Natividade
seguisse ansiosa, a cabocla revela ainda que os gêmeos serão
grandes e que Deus lhes reserva muitos benefícios. A
satisfação da mãe também é grande, e paga cinco vezes o
valor da consulta. Já na rua, exagera na esmola pedida pelo
irmão das almas, dando uma nota de dois mil réis. O irmão
das almas guarda a esmola para si (“também ele era alma”).
Pequeno flashback para explicar o passado. Natividade era
casada com Agostinho Santos. Ele nascera em Maricá e viera
para o RJ em 1855, durante a febre das ações, e enriqueceu
rapidamente, tornando-se capitalista e diretor de banco. Em
1859, casou-se com Natividade. Dez anos depois, a esposa
(com quase 30 anos) estava-se grávida. Natividade lamentava
a perda da vida social de que tanto gostava, além dos
incômodos que a gravidez acarreta. No dia 7 de abril de
1870 nasciam os gêmeos Pedro e Paulo, nomes sugeridos por
Perpétua, que teve uma inspiração durante uma missa,
enquanto pensava nos apóstolos .
“Os gêmeos, não tendo o que fazer, iam mamando”. As
amas competiam, afirmando que o seu era mais bonito.
Natividade concordava com ambas.
Enquanto isso, os pais faziam planos para o futuro: os
meninos seriam médicos, advogados, engenheiros... Certo dia
Agostinho foi consultar o Mestre Plácido, espécie de guia
espiritual. Este então comenta que os nomes dos meninos
sugeriam rivalidade, pois os apóstolos também eram rivais.
Nesta oportunidade encontrava-se lá também o Conselheiro
Aires, então com cerca de 40 anos (ver caracterização no
Capítulo XII – Esse Aires).
Natividade, por sua vez, esforçava-se para evitar que os
irmãos brigassem. Um dia, quando os gêmeos já tinham sete
anos, apaziguou uma disputa com doce, beijos e um passeio.
A conclusão a que os meninos chegaram foi que outras brigas
podiam render muito mais.
Aos 41 anos, Natividade ganha de presente de aniversário
o título de Baronesa. Os gêmeos, por sua vez, continuam sua
disputa: suas notas e distinções escolares eram as mesmas.
Em uma reunião social em sua casa, em 1886, foram
questionados sobre a idade:
“Paulo respondeu:
—Nasci no aniversário do dia em que Pedro I caiu do trono.
E Pedro:
—Nasci no aniversário do dia em que Sua Majestade
subiu ao trono.”
Percebe-se aqui que o conflito começa a ganhar contornos
políticos, o que fica mais evidente no episódio dos retratos,
quando Pedro compra um retrato de rei guilhotinado Luís XVI
e Paulo compra um do revolucionário Robespierre.
O capítulo “A Luta dos Retratos” revela os
irmãos rasgando os retratos um do outro e a
consequente briga a socos.
Por esse tempo o Conselheiro Aires aposenta-se aos 60
anos e fixa residência no Rio de Janeiro, e a família Santos
conhece no interior “a gente Batista”, que é a família de
Flora, e tornam-se amigos. Os gêmeos, desde logo,
disputavam a atenção da bela Flora, que “ria com ambos, sem
rejeitar nem aceitar especialmente nenhum”. Flora era bonita
e um ano mais nova que eles e foi definida por Aires como
“uma inexplicável”.
É chegada a hora da faculdade e Pedro permanece no Rio
para estudar medicina, enquanto Paulo vai cursar Direito em
São Paulo. Então Flora conversava muito com Pedro, mas no
período de férias, Paulo compensava a ausência.
X
A permanente disputa dos irmãos leva Natividade a pedir
auxílio ao Conselheiro, que promete ajudar, promovendo
almoços com os jovens, porém sem muito sucesso.
Em 1889, Batista, político conservador, esperava obter um
cargo de Presidente de Província, mas os liberais chegam ao
poder e seu sonho naufraga. Então sua esposa, Cláudia, o
convence de que ele nunca fora conservador e sim “um
liberalão” (Capítulo XLVII – S. Mateus 4, 1-10 tentação de
Jesus por Satanás).
Em novembro há o Baile
da Ilha Fiscal, mas Paulo não
pode ir, pois está em São
Paulo. Pedro conversa com
Flora nesta noite.
Batista está prestes a ser nomeado presidente de uma província do norte, o que deixa Flora inconsolável, pois a moça não gostaria de deixar o Rio de Janeiro. É verdade que Flora não conseguia decidir-se por um dos gêmeos, levando o narrador a compará-la ao “Asno de Buridan”. Na manhã do dia 15 de novembro de 1889, Aires saiu para dar o passeio de costume e notou alguns movimentos incomuns. Chama a atenção no romance a maneira como as pessoas ficaram sabendo da Proclamação da República. No caso de Aires, a confirmação veio através do vizinho Custódio, dono da confeitaria, preocupado com o conserto da tabuleta:
Capítulo LXIII – Tabuleta nova
“Referido o que fica atrás, Custódio confessou o que perdia no título e na despesa, o mal que lhe trazia a conservação do nome da casa, a impossibilidade de achar outro, um abismo,
Confeitaria d...
...o Império / ...a República / ...o Governo / ...o Catete / ...o Custódio
Confeitaria
d...
em suma. Não sabia que buscasse; faltava-lhe a invenção e paz de espírito. Se pudesse liquidava a confeitaria. E afinal que tinha ele com política? Era um simples fabricante de doces, estimado, afreguesado, respeitado, e principalmente respeitador da ordem pública... - Mas o que é que há? Perguntou Aires. - A república está proclamada. - Já há governo? - Penso que já, mas diga-me V.Exa. ouviu alguém acusar-me jamais de atacar o governo? Ninguém. Entretanto... Uma fatalidade! Venha em meu socorro. Excelentíssimo. Ajude-me a sair deste embaraço. A tabuleta está pronta, o nome todo pintado. “Confeitaria do Império”, a tinta é viva e bonita. (...) V.Exa. crê que, se ficar “Império”, venham quebrar-me as vidraças?”
Com a Proclamação, Paulo vai às ruas para comemorar e Pedro encerra-se em casa. Na manhã seguinte, ambos acordam e correm a ler os jornais: Paulo temia alguma traição e Pedro pensava em restauração. Não houve nem uma coisa nem outra. O último baile do ano foi o primeiro da República que, embora mais modesto, lembrou à Flora o Baile da Ilha Fiscal. Neste, Paulo compareceu e Pedro não. “Não se sabe como foi parar às mãos de Batista aquele recado do governo”: Batista era restituído à vida política em uma comissão. Para Flora, era a “comissão do inferno”, pois obrigava a família a deixar o Rio de Janeiro. Mas não durou muito. Assim que Deodoro transfere o poder a Floriano, a gente Batista retorna ao Rio, ficando hospedada na casa da gente Santos, até que a própria casa estivesse disponível. A sugestão fora dos gêmeos, agora jovens doutores, que
“viviam do amor da mãe e da bolsa do pai, inesgotáveis, ambos”. Por esse tempo, entra em vigor a política do encilhamento e a capital vive um momento de riqueza: “pessoas do tempo, querendo exagerar a riqueza, dizem que o dinheiro brotava do chão, mas não é verdade. Quando muito, caía do céu”. Batista, político carreirista, vai visitar o Marechal Floriano e é recebido friamente. De volta à casa em S. Clemente, Flora segue dividida entre os gêmeos, a ponto de imaginar uma fusão dos irmãos (Capítulo LXXXIII – A Grande Noite): “Tudo se mistura, à meia claridade; tal seria a causa da fusão dos vultos, que de dois que eram, ficaram sendo um só”. Por sugestão de Aires, os gêmeos decidiram conceder três meses de espera para que Flora fizesse sua escolha, do contrário, resolveriam na sorte.
Flora encerra-se em casa com dores de cabeça e vertigens.
Aires sugere à moça que passe uma temporada com sua irmã,
Rita, o que trará grande felicidade para ambas. Certo dia,
estando levemente enferma, Flora mostra a Aires vários
desenhos que fizera, omitindo um esboço que o Conselheiro
insiste em ver. Eram duas cabeças juntas e iguais, indicando
que a moça continuava indecisa entre os irmãos. Sem saber,
Flora era amada também por um tal Gouveia, que não teve
coragem de aproximar-se dela. Havia ainda um quarto
pretendente, o Nóbrega (aquele que aparecera no início do
livro recebendo dois mil réis de esmola de Natividade e
guardou o dinheiro para si). Pois o Nóbrega fizera fortuna e
agora, homem rico e maduro, propusera casamento à Flora,
que o rejeitou sem pestanejar.
O agravamento da doença de Flora faz com que um médico
seja chamado e este parece não gostar do que vê. D. Cláudia
se transfere para a casa de D. Rita e Natividade passa os dias
inteiros com a jovem, indo para casa apenas na hora de
dormir. Aires aparece trazendo notícias de uma agitação
política na cidade, é a Revolta da Armada. O estado de saúde
de Flora piora ainda mais e o médico é chamados às pressas.
Flora, ao perceber a agitação fora do quarto, quer saber
quem está ali.
“- Quem é? Perguntou Flora, ao vê-la tornar ao quarto.
- São os meus filhos que queriam entrar ambos.
- Ambos quais? Perguntou Flora.”
Foram suas últimas palavras. Segue o capítulo intitulado
Estado de Sítio:
“Não há novidade nos enterros. Aquele teve a circunstância de percorrer as ruas em estado de sítio. Bem pensado, a morte não é outra cousa mais que uma cessação da liberdade de viver, cessação perpétua, ao passo que o decreto daquele dia valeu só por 72 horas. Ao cabo de 72 horas, todas as liberdades seriam restauradas, menos a de reviver. Quem morreu, morreu. Era o caso de Flora; mas que crime teria cometido aquela moça, além do de viver, e por ventura de amar, não se sabe a quem, mas amar? Perdoai essas perguntas obscuras, que se não ajustam, antes contrariam. A razão é que não recordo este óbito sem pena, e ainda trago o enterro à vista...” Diante do túmulo da amada os irmãos se abraçam e juram “conciliação perpétua”: “- Ela nos separou, disse Pedro; agora, que desapareceu, que nos una. Paulo confirmou com a cabeça. -Talvez morresse para isso mesmo, acrescentou.”
Passado o primeiro mês, os gêmeos resolvem visitar o túmulo da amada, sem que um avisasse o outro. Reacende-se a antiga disputa. Pedro abre seu consultório; Paulo abre sua banca. No Capítulo Troca de Opiniões, Natividade observa uma curiosa alteração: “Paulo entrou a fazer oposição ao governo, ao passo que Pedro moderava o tom e o sentido, e acabava aceitando o regime republicano”. D. Cláudia acreditava que era “cálculo de ambos para não se juntarem nunca”. Aires divergia, afirmando que “o espírito de inquietação reside em Paulo, e o de conservação em Pedro”. Após quase um ano na Europa, Aires retorna e encontra os gêmeos eleitos deputados por partidos contrários. Poucas semanas depois de tomarem posse em suas cadeiras, Natividade morre. Antes, porém, de expirar, reuniu os filhos em seu leito de morte e exigiu que jurassem amizade eterna. Ambos juraram.
Pedro começou uma amizade com Paulo
Natividade curtiu isto.
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Capítulo CXXI – Último “Castor e Pólux foram os nomes que um deputado pôs aos dous gêmeos, quando tornaram à Câmara, depois da missa de sétimo dia. (...) Entravam juntos, andavam juntos, saíam juntos. Duas ou três vezes votaram juntos... (...) A Câmara terminou os seus trabalhos em dezembro. Quando tornou em maio seguinte, só Pedro apareceu (...). O olho dos amigos não tardou em descobrir que não viviam bem, pouco depois que se detestavam. (...) Aires soube daquela conclusão no dia seguinte, por um deputado, seu amigo... (...) O senhor que se dá com eles diga-me o que é que os fez mudar, concluiu o amigo. - Mudar? Não mudaram nada; são os mesmos. (...) - Ora, espere, não será... Quem sabe se não será a herança da mãe que os mudou? (...) Aires sabia que não era a herança, mas não quis repetir que eles eram os mesmos, desde o útero. Preferiu aceitar a hipótese, para evitar debate, e saiu apalpando a botoneira, onde viçava a mesma flor eterna.”
Algumas observações finais:
1. No Antigo Testamento, Esaú e Jacó, filhos de Isaac, disputam a primogenitura.
2. No Novo Testamento, Pedro e Paulo são apóstolos rivais.
3. Os gêmeos podem ser entendidos como a personificação da luta do indivíduo consigo mesmo. As brigas simbolizam, então, a busca pela harmonia, pela estabilidade. O amor de Flora poderia ser a superação, mas ela não se decide, pois as virtudes que reconhece em um faltam no outro. Flora seria, portanto, uma alegoria das difíceis escolhas que muitas vezes temos que fazer. Acaba morrendo para não decidir.
4. O episódio envolvendo a tabuleta sugere que a troca de regime não passou de uma troca de nomes, além de revelar o quanto os interesses particulares se sobrepõem ao bem público.
Gabarito: 1. C
2. B
3. E
4. B
5. D
6. A
7. V, F, F, V
8. Apenas I e II corretas
9. Apenas I e II corretas
10. Apenas a III é correta
Separados no nascimento