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#927 28.FEV.2010 Este suplemento faz parte do Jornal de Notícias n.º 272/122, Diário de Notícias n.º 51461 e é vendido com o Diário de Notícias (Madeira) n.º 43648. Não pode ser vendido separadamente Cidadania José Manuel Resende em entrevista Escritores Encontros na biblioteca de Valongo líderes Os estudantis novos António Campos, Luís Encarnação e Pedro Feijó. A sua actividade no movimento associativo estudantil mostra a vontade que têm de mudar a situação e não depender de partidos.

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Page 1: entrevista nabiblioteca deValongo líderesOs · Quando chegou ao Camões , Feijó, hoje com 17 anos, encontrou uma escola com uma «dinâmica interessante» por parte dos pr ofessores,

#92728.FEV.2010

Este suplemento faz parte do Jornal de Notícias n.º 272/122, Diário de Notícias n.º 51461 e é vendido com o Diário de Notícias (Madeira) n.º 43648. Não pode ser vendido separadamente

CidadaniaJosé ManuelResende ementrevistaEscritores Encontrosna bibliotecade Valongo

líderesOsestudantis

novos

António Campos, Luís Encarnação e Pedro Feijó. A sua actividade no movimento associativo estudantil mostra a vontade que têm de mudar a situação e não depender de partidos.

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A escola é o lugar de todas as aprendizagens.¬ Incluindo as quemovem alguns a dar a cara,e por vezes o corpo,ao manifesto – emnome de ideais políticos,de uma ideia de escola participada ou tão--somente de interesses específicos dos alunos que só os próprios po-dem cabalmente defender.¬Numa altura marcada pela demissãode tantos em relação às questões da cidadania e da política,vale apena tentar perceber quem são os estudantes do secundário à frentedas associações estudantis de algumas escolas da capital.¬De que graude politização são capazes com 17 anos?¬ Os partidos ainda dão car-tas? ¬Poderemos ver neles futuros combatentes,dirigentes,orado-res,comentadores políticos? ¬Ou apenas bons e valorosos cidadãos?

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CIDADANIAOsnovos líderes estudantis

TEXTO Sarah Adamopoulos¬ FOTOGRAFIA Clara Azevedo

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presentes na cerimónia, fez jus à memóriahistórica do lugar, por onde passou porexemplo Humberto Delgado, em 1958, pa-ra fazer inflectir a história da resistência an-tifascista com um discurso também ele fei-to de desassombro.

Partidarização em baixaQuando chegou ao Camões, Feijó, hojecom 17 anos, encontrou uma escola comuma «dinâmica interessante» por partedos professores, mas votada ao quase aban-dono por parte dos alunos. «Só havia umalista a concorrer à Associação de Estudan-tes e a campanha dessa lista consistia ape-nas em espalhar umas folhas A3 pela esco-la.» Questionado sobre se a candidatura eprograma dessa lista teriam sido financei-ramente apoiados por uma organizaçãopartidária, Feijó apenas disse saber que adirigente dessa lista fazia parte da Juventu-de Socialista. A pergunta não é ingénua: es-sa tradição, embora cada vez menos bemvista, persiste desde que, ainda antes do 25de Abril, os partidos começaram a entrarnas escolas para politizar os estudantes li-ceais, oferecendo-lhes, nalguns casos, umaconsciência política a que a maioria não ti-nha acesso em casa. Tratando-se de umaescola emblemática como o Liceu Camões,conhecida por ter formado contingentesde elites políticas, a pergunta impunha-se.

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Aeleição de Pedro Feijópara a presidência daAssociação de Estu-dantes da Secundária

de Camões, em Lisboa, apenas veio confir-mar a vocação do rapaz para a acção políti-ca. Em 16 de Outubro passado, no dia emque a sua escola comemorava oficialmentecem anos, Feijó tornou-se inesquecível pa-ra os muitos que quiseram marcar presen-ça no histórico ginásio do velho Liceu Ca-mões. O discurso que escreveu e proferiusem ler diante da então ministra da Educa-ção cessante, do presidente da República,do director da Secundária de Camões e dosrestantes elementos da Comissão de Honra

Ciclo curto inibe activismoMas para além das tradições de umas es-colas e das especificidades de outras, a ver-dade é que muita coisa mudou desde que oCamões passou a ser uma escola secundá-ria, tornando o activismo estudantil umaactividade de mobilização precária, e fa-zendo que «a escola possa ter num anouma associação óptima, no ano seguinteuma associação péssima, e no outro a se-guir uma associação óptima outra vez. Hámenos continuidade no trabalho que é de-senvolvido pelos alunos, porque as pes-soas que hipoteticamente faziam esse tra-balho bem acabam o 12.º ano e vão embora.Ou porque esses alunos que participavam

passaram apenas durante um ano pela es-cola, e depois foram para outra» – ocor-rência comum na faixa etária estudantilem questão, amiúde marcada pelos fenó-menos adolescentes de quem procura,considera um caminho, engana-se, mudade escola, reconsidera. Por vezes numa se-quência de hesitações que a formataçãomassificadora dos processos educativosveio adensar, transformando todas as es-colas numa mesma: a que quer ser melhordo que a da rua do lado, nos rankings do eu-ro-sucesso escolar, não criando na escolapública (que contudo se quer inclusiva pe-lo menos desde a reforma Veiga Simão) lu-gar para a alteridade.

António Campos,17 anos, lidera

a associação deestudantes da António

Arroio, depois de umaeleição que regsitou

«uma participação semprecedentes».

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Formação e treinoNo ano em que Feijó chegou ao Camões«não aconteceu nada», embora a pessoaque estava à frente da lista vencedora tives-se também estado ligada à lista do ano ante-rior, no decurso do qual terá supostamentehavido uma maior dinamização, porventu-ra devido à acção desses outros estudantes,que entretanto seguiram as suas vidas. Sejacomo for, no ano em que o rapaz chegou àescola da Praça José Fontana ainda «não li-gava muito a isso». Foi no 11.º ano que co-meçou a ligar, quando se tornou delegadode turma, e quando depois concorreu aoconselho pedagógico – «por achar que ha-via coisas que precisavam de ser feitas na

que isso o transformou, levando-o a aproxi-mar-se dos jovens do Bloco de Esquerda on-de, apesar de não haver uma juventude or-ganizada, com uma designação oficial que adistingue estatutariamente das cúpulas, seaceitam jovens militantes. «Não estamoscingidos a uma organização diferente porcausa da nossa idade. E, aliás, recusamos aideia de fazer parte de um partido dos pe-queninos, que treinam para depois integra-rem o partido dos grandes.»

Militâncias desfavorecidasO que nos levou a abordar a questão das ten-sões que por vezes se estabelecem entre ospequeninos e os grandes, divergências sau-

favorece. E também o casamento entre ho-mossexuais dividiu durante muito tempo aJS e o PS, ficando bem clara a vocação pro-gressista do pensamento dos socialistasmais jovens, o que muitos concordarão quesó ficará bem ao PS histórico. Tudo conside-rado, talvez a vida fosse facilitada a Feijó seo rapaz pertencesse a um dos partidos quetradicionalmente marcam presença nas es-colas secundárias. A militância do rapaz noBE tem-lhe valido reacções distintas, entreos que se identificam com aquele partido eos que acham que os seus mais jovens mili-tantes são meros peões, invariavelmentesubmetidos a uma lavagem cerebral ideoló-gica que os impediria de pensar pela sua

escola». Ao mesmo tempo que Feijó setransformava no representante dos alunosdiurnos no dito conselho, as aulas de Filoso-fia mostravam-lhe as grandes questões desociedade, os arquétipos sociais, a naturezaeterna e imutável das forças que por todosos tempos disputam a ordem do mundo. Diz

dáveis entre a acção das juventudes partidá-rias e a dos partidos e seus dirigentes. Mui-tos lembrar-se-ão da campanha da Juventu-de Socialista que anunciou tolerância zero àprecariedade laboral, no mesmo momentoem que era votada e aprovada pelo PS noParlamento uma nova lei do trabalho que a

própria cabeça. Há também quem olhe pa-ra todos os jovens dirigentes políticos comopessoas essencialmente movidas pela cha-mada ambição política – ou seja, por um de-sejo muito forte de progressão dentro da es-trutura partidária a que pertencem, espe-rando vir a ter no futuro um lugar no

Pedro Feijó, 17 anos, confirmou a sua vocação para a acção política no entusiasmo com que participa no movimento associativo estudantil a partir da Secundária de Camões, em Lisboa.

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tabuleiro do poder. Feijó não se identificanem com uns nem com outros, garante.

Ideias para fazer com as mãosEleito presidente da Associação de Estudan-tes do Camões em meados de Dezembro pas-sado, Pedro Feijó recorda alguns dos embatesocorridos durante a mais recente campanhaeleitoral. «No início havia três listas, mas umadelas desistiu a nosso favor no primeiro deba-te. Tivemos desde logo uma linha orientado-ra bem definida: queríamos que todos os estu-dantes pudessem participar. A ideia era quetodos, independentemente das sensibilida-des ideológicas, ou partidárias, pudessemsentir-se motivados para participar nas RGA[Reuniões Gerais de Alunos] e nos núcleos as-sociativos. Criámos também um blogue nainternet [http://xcamoes.blogspot.com], pa-ra nos servir de plataforma de comunicação.Defendemos que uma escola deve existirtambém para criar democracia, e não apenaspara dar formação científica e humanística.A escola não é só as aulas dentro das salas deaula, é também tudo o que acontece fora de-las. Por fim, defendemos uma associação deestudantes que trabalhe com os estudantes, enão para eles. A associação não é um sítio on-de uma pessoa se dirige para dar uma ideiapara ser concretizada por outros: é um sítioonde uma pessoa se dirige para dar uma ideiapara ser concretizada pelo próprio com oapoio da associação. Foi exactamente por is-to que decidimos organizar-nos por núcleos:permite que todos participem, em pequenasou grandes coisas, descentralizando o poder.A ideia-chave é participação, e cada um defi-ne o espaço da sua.»

Sussurros não matam mas moemA campanha que Pedro liderou foi renhida,pautando-se também pelos níveis rasteirosdos comentários maldosos de quem usa oboato e o preconceito como armas para ocombate político. Um aluno do Camões con-tou que houve quem se referisse a Feijó como«aquele hippy gay». O próprio sabe de histó-rias mirabolantes que correram na escola so-bre ele, caso daquela que defendia que ele,um bissexual, queria transformar a cantinado Camões num restaurante vegetariano. Oudaquela outra que propagandeava que o queele e os da sua lista pretendiam era passarmúsica pimba na rádio da escola durante to-do o ano – e apenas. Os mesmos que acusa-ram Feijó e a sua lista de serem comunistas epor isso defenderem a recuperação dosideais educativos salazaristas. Uma bastantecómica confusão de conceitos evidentemen-te ainda não compreendidos. Feijó olha comdesprezo divertido para os boatos dos male-dicentes, embora vá lembrando que em al-gumas escolas houve sussurros similares queprejudicaram de forma muito significativaalunos que estavam genuinamente empe-nhados em dinamizar a sua escola.

Educação políticaAos 17 anos, de que se faz uma capacidadede argumentação capaz de fazer valer pon-tos de vista num debate? As leituras aju-dam, claro, sobretudo se forem de textos fi-losóficos. Mas também a literatura e o tea-tro podem ajudar os jovens a educarem-sepoliticamente. Feijó leu por exemplo A Me-tamorfose, de Kafka, e também O Avarento,de Molière, e diz que essas leituras o ajuda-ram a pensar. Ver filmes que questionamo(s) estado(s) do mundo também contri-bui, como por exemplo Story of Stuff, umacurta-metragem que reflecte sobre o am-bientalismo, o consumo, retrospectivandoo papel da publicidade na história das so-ciedades. «Ou filmes sobre o papel da mú-sica na mudança social. Os vídeos são um

Formar«A escola não é só

as aulas,deve existirtambém para criar

democracia e nãoapenas para dar

formação científicae humanística»,

defende Feijó.

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instrumento de consciencialização funda-mental. As grandes questões políticasaprendi-as a ver filmes. Sim, no YouTube,também, e até a ler os comentários, ou a lerblogues. A Área de Projecto Filosofia e Ci-nema também ajudou.» Mas depende dosprofessores, insiste Feijó, que aponta o de-do ao que tem sido feito no básico com aFormação Cívica, área cuja importantefunção, assegurada por professores semformação, não tem sido cumprida, servin-do regra geral para fazer os trabalhos de ca-sa ou para resolver problemas de turma.

Questionar a democraciaMas «democracia não é só sinónimo de li-berdade de expressão», lembra Feijó, «étambém de participação» diz, acrescentan-

do que «os movimentos de sucção são ina-tos mas os actos democráticos não. Não setrata de obrigar as pessoas a trabalharem, depô-las, perante chantagem de retaliações,na obrigatoriedade de participarem. Trata--se de mostrar-lhes que elas podem ter po-der sobre as suas próprias vidas. Mas não hánada no actual modelo de ensino que as in-centive, ninguém que lhes explique que oque acontece numa escola depende tam-bém dos alunos». Quase 36 anos volvidos so-bre o 25 de Abril, estando estatisticamentecumprido o objectivo democratizador quepreconizou a necessidade de levar todos osportugueses à escola, muito está ainda porfazer em matéria de cidadania e conscien-cialização política. Como se não bastasse ademissão endémica dos portugueses nestas

matérias, novos problemas e obstáculos secolocam agora aos activistas estudantis, ca-so da renovação do parque escolar (umabandeira de Sócrates, que prevê a interven-ção em mais de três centenas de escolas até2015) que deu ao consórcio Parque EscolarEP um lugar na gestão das escolas. «Sou to-talmente favorável à ideia da renovação dasescolas, mas custa-me que o ministério nãocompreenda que o problema do ensino ac-tual está fundamentalmente nos modelos deensino e de gestão das escolas e não no esta-do dos edifícios. No conselho pedagógico, osrepresentantes dos professores passaram aser escolhidos pelo director da escola, figu-ra recém-reabilitada que passou a ter o mo-nopólio dessa decisão. Porquê? As empresasprivadas da vizinhança têm poder de decidircoisas, como o regulamento interno da es-cola, que é antes de mais habitada pelos estudantes. Porquê? Estão a ser instaladascâmaras de vigilância em dezenas de escolassem que os estudantes sejam consultadossobre esta decisão. Porquê?»

Participação em altaResta saber de que poder negocial serão ca-pazes os estudantes. Na Secundária de Ca-mões, cerca de cinco em cada sete alunos vo-taram na lista encabeçada por Pedro Feijó,numa eleição que ficou marcada por umaboa participação, e também por um decrés-cimo significativo dos votos brancos – e so-bretudo dos nulos, o que revela um maior in-teresse por parte dos alunos. António Cam-pos, 17 anos, tem apenas uma tarde livre porsemana, devido ao sobrecarregado horárioa que o ensino artístico especializado o obri-ga. Um ensino diferente, que oferece aosalunos a possibilidade de experimentarem(para depois, no 11.º ano, optarem) áreaspassíveis de interessá-los artisticamente – da cerâmica à ourivesaria, passando pelostêxteis, pelos audiovisuais ou pela fotogra-fia, entre outras. A escola António Arroio,em Lisboa, tal como várias outras neste mo-mento, está em obras. As aulas decorrem emsalas improvisadas, nos chamados conten-tores, alinhados nas imediações do edifícioda escola. Apesar da desolação que a cir-cunstância provoca, ou talvez a ela tambémdevida, a última eleição para a associação deestudantes da António Arroio foi participa-da por quatro listas, numa mobilização queAntónio Campos considera sem preceden-tes. Diz que não sabe exactamente o que po-de explicar esse grau de participação, masavança que talvez tenha que ver com a ne-cessidade de recuperar uma certa dinâmicahistórica da escola. «Um espírito de paixãopor isto, que tem vindo a perder-se. Nós que-remos que volte a ser como era. Mas para is-so é preciso participar», diz o jovem, paraquem é evidente que «não há uma só pessoaque ande [na António Arroio] obrigada. Hápessoas que moram longe, muitas fora de

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Lisboa, que demoram duas horas a chegar àescola, é um esforço grande nalguns casos.»

Relembrar, recriar, reconstruir«A minha lista ganhou mas as outras listastambém queriam fazer coisas, e por isso fi-zemos uma coligação e agora estamos to-dos a trabalhar juntos. Temos um objectivocomum: esta escola. Vamos tentar concre-tizar os vários projectos que cada lista ti-nha em mente. Está a correr bem e achoque muitos destes projectos vão mesmopara a frente.» Afinal, os estudantes das ou-tras listas não eram opositores, e queriam amesma coisa que António: participar. Li-bertos da carga ideológica que antigamen-te separava os activistas estudantis, os 27

elementos da associação de estudantes queagora António lidera resultou de uma coli-gação de interesses que não deixa de es-pantar. O lema da campanha da lista de An-tónio usou a letra R para explicar um pro-grama: relembrar, recriar, reconstruir. Umprograma que o jovem se tem esforçadopor fazer cumprir, coordenando uma equi-pa de trabalho e mantendo-a motivada. Pa-ra fazer o quê? Para organizar o famoso e jáhistórico desfile de Carnaval da AntónioArroio, por exemplo. Uma parte do valormonetário da inscrição de cada aluno naescola reverte para a AE, que é essencial-mente financiada através dessa verba, es-tatutariamente definida pelo regulamentoda escola.

Sem rasto aparente de ideologia Partidos? António sabe que dominaram a ac-ção associativa nas escolas durante muitosanos, mas na sua António Arroio nunca deupor eles. Incapaz de se pensar em termos deesquerda ou de direita, considera-se alguémque está a meio caminho entre a tradição e amodernidade, entre um desejo de preservar erecuperar e um desejo de mudança e de pro-gresso, de «criar para além do que já foi inven-tado». Diz que tem «uma ideia muito básicasobre os partidos e a política» e que nunca foi«influenciado por nenhum partido». Quandofor maior tenciona votar. «É preciso votar, éum direito de que não devemos prescindir.Acho que vou sempre votar, é uma função,um dever do cidadão.» António Campos não

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quer ser arquitecto como os pais, e «passar avida em frente a um computador». Quer via-jar, mexer-se, conhecer pessoas e lugares, aju-dar a organizar coisas. Diz que gostava de serprodutor de eventos, parece ser dotado paraotrabalho em equipa e para a produção cria-tiva. «Já mudei o meu quarto algumas qua-renta vezes», conta, para ilustrar a inquieta-ção. Para além das reuniões gerais, todos osdias António reúne com representantes dosvários grupos. Dá o litro, dorme pouco e dizque não esquece que tem uma média paraconseguir e um curso para fazer.

Unir a maltaLuís Encarnação foi um dos estudantes quevimos a segurar um megafone nas imagens

Apagar a memória dos lugaresTentámos fotografar Luís Encarnação numdos novos espaços da escola, mas à falta daautorização formal que não pedimos oacesso foi-nos vedado, o que aliás acontecetambém com os alunos, professores e fun-cionários do estabelecimento de ensino – impedidos de usufruir desse novo (e mui-to plástico e modernista) espaço da Gil Vi-cente, o chamado deck. A explicação decor-re de algo insólito: o espaço ao ar livre emquestão fica por cima da nova biblioteca daescola, que os materiais usados não isolamdo ruído dos passos. Mas os problemas deinsonorização não serão os mais graves: naGil Vicente destruíram-se materiais no-bres, bens patrimoniais, a memória mate-

mos com isso. O Estatuto do Aluno: pareceum código penal. Nós somos contra a ex-pulsão e a suspensão dos alunos, porque is-so só serve para excluir. Porque é que emvez de suspender ou de expulsar não cas-tigam o mau comportamento com traba-lhos de casa, ou dão aos alunos a hipótesede serem seguidos por um psicólogo? Háalunos que precisam desse acompanha-mento.» Outra questão é a do regime defaltas, que permite que as mesmas sejamperdoadas mediante testes de recupera-ção: «Se os alunos passam os testes, pas-sam o ano. Nós não concordamos com is-so.» Muitos são, aliás, os que se aproveitamdessas brechas do sistema (dominado pe-la necessidade de manter uma boa estatís-

que ficaram da manifestação de estudantesconvocada pela Delegação Nacional de As-sociações de Estudantes do Ensino Secun-dário e Básico no passado dia 4 de Feverei-ro. Na escola dele, a Secundária de Gil Vicen-te, em Lisboa, o mote da acção associativa éfamiliar: a «direcção colectiva», como lhechama, para explicar que o presidente da as-sociação não é nenhum «iluminado que de-cide as coisas em nome da associação». Aliás,a sua lista (que venceu a última eleição paraa AE) propôs nas vésperas do escrutínio aunião das duas únicas listas concorrentes – desafio que os adversários não aceitaram,numa recusa que segundo o vice-presiden-te da associação em mandato explica a der-rota dessa outra lista. A sua, integrada maio-ritariamente por «pessoas que estão lá uni-camente pelo movimento associativo» é detodos e «serve para unir a malta, não é ape-nas de um grupinho», reafirmou para a dis-tinguir das AE que funcionam em circuitofechado. Luís Encarnação diz que a sua listateve como prioridade a defesa dos interes-ses dos estudantes: «A nossa escola temimensos problemas. Chove dentro da biblio-teca, chove nos corredores, já caiu um tec-to...» Julgou a jornalista estar o rapaz a refe-rir-se às antigas instalações da Gil Vicente,mas não, é das modernas e recém-construí-das que fala: «Há paredes de contraplacado,estamos a fazer teste e ouvimos o que se pas-sa nas salas ao lado...»

rial do lugar, uma das mais antigas escolasde Lisboa, a que o projecto de remodelaçãoparece ter sido alheio, numa urgência demodernização arquitectónica que dá quepensar. Mas nem só das questões ligadas aoespaço físico da escola se fazem os comba-tes de Luís à frente da AE da Gil Vicente:«Há também problemas a nível humano.Há falta de funcionários, por exemplo.» A nm verificou que assim é: à entrada da es-cola de Luís, a portaria é assegurada por de-sempregados, ali colocados pelo Centro deEmprego a troco de uns trocos a mais paraalém do subsídio que auferem. Pessoas deoutras qualificações e sem horizontes con-tratuais passíveis de as motivar para a fun-ção. São eles que controlam as entradas esaídas da escola. Se abrirem vagas, é impro-vável que venham a ser para eles.

As bandeiras da luta dos estudantes Nas RGA regularmente convocadas pelaAE da Secundária de Gil Vicente percor-rem-se as bandeiras da luta e votam-semoções. Que bandeiras? «Os exames na-cionais, as aulas de substituição, o Estatu-to do Aluno, a privatização da gestão esco-lar. Defendemos a avaliação contínua, epor isso queremos a abolição dos examesnacionais do nono ano e do secundário. Hápessoas que se limitam a estudar para es-ses exames e passam. Nós não concorda-

Lutas«Queremos discutir o Esta-tuto do Aluno,as aulas de substituição,aprivatização da gestão escolar,o fim dosexames nacionais»,diz Luís Encarnação.

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tica em Bruxelas), cumprindo a escolari-dade sem saberem nada e chegando às fa-culdades completamente impreparadospara os embates universitários.

Ataques às liberdadesUma das bandeiras da luta de Luís diz res-peito àquilo que designa por «ataques às li-berdades e à democracia», de que é exem-

plo a dificuldade em convocar uma RGA:«Sim, as escolas não facilitam essas reu-niões, não as promovem. Sim, fazem tudopara que não aconteçam. As direcções dasescolas põem entraves. A grande questãoparece ser a da justificação das faltas, as di-recções não gostam disso, pois devemachar que é ilegítimo. Mas nós temos essaliberdade e esse direito, isso está consagra-do na lei. O grande argumento das direc-ções é que os estudantes não participamnas RGA com consciência mas para falta-rem às aulas, porque têm essas faltas justi-ficadas. Mas nós pensamos que esses alu-nos que vão às RGA apenas para não iremàs aulas saem delas a pensar de maneira di-ferente, e alguns até participam, e dizemcoisas de que não os julgávamos capazes.Nós achamos que essa é uma forma deaprendizagem também. Aos professoresque nos disseram que tínhamos era de in-centivar os alunos que estavam interessa-dos, nós respondemos que é ao contrário,que nós temos é de incentivar aqueles quenão estão interessados, justamente. Porquetodos os estudantes devem saber o que sepassa nas suas escolas. Mas se for para fazerum debate sobre o centenário da Repúbli-ca já não há problema nenhum em faltar-mos às aulas nem com a justificação dessasfaltas. Lá está: se a esses debates sobre o

centenário da República só fossem os alu-nos interessados não aparecia ninguém!»

De pequenino se faz o cidadão«Porque é que me dedico a estas lutas? Por-que, para além dos problemas do ensino, naminha escola há malta que passa dificulda-des. Há alunos que a única refeição que co-mem num dia é a da cantina ao almoço. Háestudantes que trabalham em part-timeparaaguentar a família em casa. São realidadesque nem toda a gente conhece, mas que exis-tem. A única forma de mudar isso é partici-pando.» Luís acusa os sucessivos ministériosda Educação de ignorarem os estudantes ede não os consultarem nas reformas do ensi-no que têm tentado. «Nós temos órgãos derepresentação mas não somos ouvidos. A única forma é manifestarmo-nos.» LuísEncarnação tem 17 anos e frequenta o 11.ºano. Quer estudar História ou Ciência Políti-ca e diz que está pronto para os combates fu-turos, na universidade e depois dela. Apesarde afirmar não ter ambições políticas (strictusensu), é evidente no seu discurso uma filia-ção ideológica que o impulsiona para a acçãopolítica, aqui entendida no seu sentido maislargo e mais nobre: a do cidadão participan-te, que integrando uma sociedade democrá-tica age sobre ela mediante os seus direitos edeveres civis e políticos.«

Letra R«Relembrar,

recriar,reconstruir»é o lema de António

Campos para a António Arroio,

para «recuperaruma certa paixão

por isto».