entrevista bruno rosa

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Julho/Agosto_2011 computerarts.com.pt Ícones do Design Bruno Rosa 026_ 027 Texto: Filipe Gil Fotografia: Isa Silva Bruno Rosa Bruno Rosa é designer, webdesigner, produtor de conteúdos, produtor de moda, etc., etc. Move-se por diversos campos numa esquizofrenia criativa assumida e que diz ser essencial para desenvolver os seus projetos. Mentor do site “Janela Urbana” , prepara-se agora para o fazer evoluir para uma Associação com atuação multidisciplinar, como não poderia deixar de ser. Computer Arts Portugal (CA): Com tantos campos de atuação, qual a definição profissional mais adequada para o Bruno Rosa? Bruno Rosa (BR): Sou profissional em polivalência (risos)..., a minha profissão principal é designer de comunicação, algo que aprendi sozinho e que agora estou a aprofundar com uma licenciatura em design de comunicação. A minha primeira formação foi em produção de moda, e apesar de gostar muito da área da moda, do styling, da criação de moda, do design de moda, cheguei à conclusão que gosto de estar na área, mas não gosto de executá-la. E então tive de encontrar mecanismos de contornar a execução estando na área. Foi por isso que surgiu o projeto Janela Urbana em que me ligo à moda pela produção de conteúdos, pelo jornalismo. A nível de webdesign comecei por ter clientes na área da moda e desenvolvi vários sites. CA: Mas há alguma destas áreas em que te sentes melhor? BR: Sinto-me bem em todas... CA: Necessitas dessa multidisciplinaridade e de não focar a atuação profissional apenas num campo? BR: Sim, completamente! Se me perguntassem o que gostaria de fazer quando fosse grande, responderia que faço aquilo que queria fazer. Gostava era de fazer ainda mais. Mas quando me perguntam o que faço digo que sou designer de comunicação. CA: Essa dispersão e multidisciplinaridade não poderá ser contraprodutiva para executar bem os projetos? BR: É muito difícil. Mas ao dizer que faço aquilo que gostaria de fazer, talvez ainda não tenha atingido o que realmente quero fazer. Tento dar o meu melhor naquilo que faço e sei que é muito difícil dividir-me. Meti-me nesta “loucura” de querer fazer e saber tudo e de ser um pouco control freak. Faço webdesign, mas tenho a noção que às vezes os meus sites têm erros; faço design gráfico, mas tenho a noção que o aprendi a fazer sozinho e agora estou a aprender a fazer melhor; faço gestão de projetos...respondendo à pergunta, sim é por vezes contraprodutivo não estar focado apenas numa coisa. CA: ...mas também é uma mais valia? BR: Sim, eu sei fazer muitas coisas e em várias áreas diferentes, e, muitas vezes, pego na minha experiência e transponho-a para várias áreas. Quando estou a fazer um trabalho penso em variadíssimas coisas que são aplicadas nesse trabalho, não me contento em ser apenas um executante. CA: E pegando nessa multidisciplinaridade de projetos, o que te vês a fazer profissionalmente daqui a, por exemplo, 10 anos? BR: Acho que o meu futuro vai passar pela Janela Urbana. Neste momento estou na exaustão com o atual figurino do site, chegou a um ponto em que este projeto tem de ter mais coisas dentro.

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Entrevista ao designer e curador Bruno Rosa, autor da Janela Urbana

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Page 1: Entrevista Bruno Rosa

Julho/Agosto_2011computerarts.com.pt

Ícones do DesignBruno Rosa026_027

Texto: Filipe Gil

Fotografia: Isa Silva

Bruno Rosa

Bruno Rosa é designer, webdesigner, produtor de conteúdos, produtor de moda, etc., etc. Move-se por diversos campos numa esquizofrenia criativa assumida

e que diz ser essencial para desenvolver os seus projetos. Mentor do site “Janela Urbana”, prepara-se

agora para o fazer evoluir para uma Associação com atuação multidisciplinar, como não poderia

deixar de ser.Computer Arts Portugal (CA): Com tantos campos de atuação, qual a definição profissional mais adequada para o Bruno Rosa?Bruno Rosa (BR): Sou profissional em polivalência (risos)..., a minha profissão principal é designer de comunicação, algo que aprendi sozinho e que agora estou a aprofundar com uma licenciatura em design de comunicação. A minha primeira formação foi em produção de moda, e apesar de gostar muito da área da moda, do styling, da criação de moda, do design de moda, cheguei à conclusão que gosto de estar na área, mas não gosto de executá-la. E então tive de encontrar mecanismos de contornar a execução estando na área. Foi por isso que surgiu o projeto Janela Urbana em que me ligo à moda pela produção de conteúdos, pelo jornalismo. A nível de webdesign comecei por ter clientes na área da moda e desenvolvi vários sites.

CA: Mas há alguma destas áreas em que te sentes melhor?BR: Sinto-me bem em todas...

CA: Necessitas dessa multidisciplinaridade e de não focar a atuação profissional apenas num campo?BR: Sim, completamente! Se me perguntassem o que gostaria de fazer quando fosse grande, responderia que faço aquilo que queria fazer. Gostava era de fazer ainda mais. Mas quando me perguntam o que faço digo que sou designer de comunicação.

CA: Essa dispersão e multidisciplinaridade não poderá ser contraprodutiva para executar bem os projetos?BR: É muito difícil. Mas ao dizer que faço aquilo que gostaria de fazer, talvez ainda não tenha atingido o que realmente quero fazer. Tento dar o meu melhor naquilo que faço e sei que é muito difícil dividir-me. Meti-me nesta “loucura” de querer fazer e saber tudo e de ser um pouco control freak. Faço webdesign, mas tenho a noção que às vezes os meus sites têm erros; faço design gráfico, mas tenho a noção que o aprendi a fazer sozinho e agora estou a aprender a fazer melhor; faço gestão de projetos...respondendo à pergunta, sim é por vezes contraprodutivo não estar focado apenas numa coisa.

CA: ...mas também é uma mais valia? BR: Sim, eu sei fazer muitas coisas e em várias áreas diferentes, e, muitas vezes, pego na minha experiência e transponho-a para várias áreas. Quando estou a fazer um trabalho penso em variadíssimas coisas que são aplicadas nesse trabalho, não me contento em ser apenas um executante.

CA: E pegando nessa multidisciplinaridade de projetos, o que te vês a fazer profissionalmente daqui a, por exemplo, 10 anos?BR: Acho que o meu futuro vai passar pela Janela Urbana. Neste momento estou na exaustão com o atual figurino do site, chegou a um ponto em que este projeto tem de ter mais coisas dentro.

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Se calhar preciso que a Janela Urbana se transforme no meu projeto de vida.

CA: Falemos então da Janela Urbana, conta-nos a história de como surgiu e como tem evoluído desde que está online?BR: Surgiu em Novembro de 2005. Anteriormente estive envolvido noutro projeto, com outras pessoas, chamado Xfera que tinha uma abrangência diferente da Janela Urbana. Decidi pegar nessa experiência e criei, sozinho, a Janela como um site focado na área cultural. Ao longo dos anos o site foi crescendo, eu próprio fui crescendo profissionalmente nas minhas áreas e decidi reduzir o site às três áreas que tinham mais procura: moda, música e design.

CA: Mas depois de teres abandonado o projeto Xfera, qual foi o grande objetivo de quando lançaste a Janela Urbana?BR: Não havia um grande objetivo. Foi uma “brincadeira” que me dava muito prazer e que me dava, em troca, muita coisa interessante. Com o passar dos anos comecei a perceber que a Janela Urbana estava a ter alguma importância. E pensei que, se calhar, havia qualquer coisa nesta “brincadeira” que devia evoluir. A partir daí comecei a relacionar-me com agências de meios e agências de comunicação tornando o projeto mais profissional. Em 2007 juntámo-nos ao Clix, o que contribuiu para um maior aumento da sua popularidade e, obviamente, passou a existir uma exigência superior para quem colaborava connosco. Mas, no ano passado (2010) em Maio, quebrámos esta parceira porque não conseguimos acompanhar aquilo que nos exigiam. Mas decidimos continuar o projeto sozinhos. No Clix entrava muita gente, mas 70% das pessoas que iam lá ver não se interessavam, a taxa de não regresso era superior há que há hoje em dia. Atualmente há menos visitas, mas mais fiéis. É a tal coisa, não preciso de uma multidão, basta-me algumas pessoas que acreditem.

CA: Quando falas da Janela Urbana falas sempre no plural, porquê? Quantas pessoas trabalham no projecto?

BR: Não é por esquizofrenia certamente (risos). Sou, de facto, a pessoa que está a 100%, mas existem vários colaboradores. Quando falo de nós é de mim e da Janela Urbana (risos). Falando mais a sério, o ano passado foi o fim de um ciclo da minha vida e o início de outro, senti que era necessário consolidar e ter uma linha de trabalho nos meus campos de atuação. Em relação à Janela Urbana decidi evoluir para uma Associação e arranjar uma equipa - de onze pessoas -, com interesses e áreas diferentes: de jornalistas, a advogados, a designers, a pessoas que trabalham em comunicação, e que estão comigo para criar este novo projeto. O objetivo desta Associação será a de ser mais do que uma plataforma digital na área cultural, será para dar asas aos nossos projetos, sobretudo porque temos uma equipa formada e a Janela Urbana será mais credível a partir do momento que é uma Associação, que existe no Estado e na vida burocrática do Estado.

CA: E continuará a direcionar-se para a moda, design e música?BR: Não. Isto porque a Janela Urbana enquanto site passa a ser um dos projetos da Associação. E há outros projetos com os quais a equipa se identifica.

CA: E o que vai fazer essa Associação?BR: O nosso objetivo é mover as pessoas e a cidade de Lisboa. Nestes quase 10 anos que tenho estado ligado à pesquisa de tendências, há coisas óbvias que faltam fazer, e facilmente com coisas que não existem na vida cultural da cidade. Acreditamos muito na interação entre várias plataformas e enquanto Associação gostaríamos de lutar contra a individualidade, mas também pelo facto de em Portugal existir a filosofia de, por exemplo os designers não gostarem de partilhar e de interagir com outros designers. Acho que há muita interação em todo o lado, porque não haverá de existir em Portugal também? Um dos futuros projetos da Associação é a de levar a essa interação entre pessoas.

CA: E isso será, por exemplo, juntar designers com artistas de outras áreas, músicos, por exemplo?BR: Porque não? Todos nós temos de contribuir um pouco.

01 Convites Janela Urbana Live02 Website Janela Urbana

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É pela filosofia de entreajuda que a Janela Urbana evoluiu para Associação, e para não ser eu a fazer tudo. Como português, tenho essa mania de controlar tudo, e é contra isso que também quero lutar.

CA: E quando começaremos a ver algo mais palpável da Associação?BR: As coisas estão um pouco paradas, mas é um período de formação. Mas tenciono apresentar resultados da Associação este ano.

CA: E vivendo Portugal neste clima económico tão difícil, como o vão conseguir fazer? BR: Vamos dar o nosso melhor para que as coisas funcionem. E se não conseguirmos fazer dez coisas de uma vez, fazemos apenas uma ou duas. O importante é fazer. Há muito aquele estigma de quando não há dinheiro não se faz, ou não havendo meios não se faz. Mas, pergunto, não se faz porquê? Tenho assistido, nestes últimos dois anos, à concretização de projetos sem meios. Com muitas dificuldades, é certo, mas fizeram-se. Aliás, essas dificuldades atraem-me um pouco, pois gosto do desafio constante de superar as dificuldades. Acredito que são nestas alturas de maior dificuldade que se conseguem fazer avançar os projetos.

CA: Sendo principalmente designer de comunicação, como avalias o atual estado do design de comunicação em Portugal?

BR: Temos muitos bons designers de comunicação em Portugal. E é importante ver que as coisas não estagnam. Os novos designers, e falo dos futuros talentos que acompanho nas universidades, poderiam estar a fazer uma cópia daquilo que já se fez, mas estou no meio destas novas mentes criativas e vejo que estão a fazer muita coisa nova e recriada. Acho que o design em Portugal não estagna.

CA: E quando crias, és influenciado e inspirado pelas referências portuguesas?BR: Ainda estou numa fase que não tenho criado muito para mim. Não me considero um artista, sou mais um técnico, aliás acho que os designers são técnicos. Embora muitos se esquecem dessa parte, e claro, também há o contrário, os que esquecem a parte criativa..., mas inspiro-me muito mais naquilo que o cliente se inspira. Por exemplo, vou ter um cliente nos Açores e vou-me inspirar nos Açores para desenvolver esse projeto mas, é claro, não me anulo como criativo.

CA: E falando em inspiração, nos vários campos que te moves existem designers, artistas, pensadores que te inspiram.BR: Nos vários campos em que me movo, sigo alguns criativos, como Russ Mills (Byroglyphics), Miquel Angel (ilustrador e designer de moda), Nuno Neto, David Mascha, Vilaz, Rafael Serra (Fael), adoro os desenhos do Sam Vanallemeersch e do Gonçalo Gameiro e a ilustração BD do Ricardo Cabral. Aconselho também a conhecerem o trabalho da Maria Blaisse, Rachel Freire, Susana

03 Website Choupana Hills

04 Umbigo Magazine - Elodie Antoine

05 CD Marco Rodrigues - “Tantas Lisboas”

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Page 3: Entrevista Bruno Rosa

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Bettencourt, d’Os Burgueses e da Helena Hörstedt! Quanto a pensadores não vou referir nenhum, mas em tempos, uma amiga disse-me: “Se te sentires perdido, basta olhares para a sinalética que te rodeia!”

CA: E da nova geração de designers, existem alguns nomes que aches interessantes e que gostasses de destacar?BR: Há um jovem designer, Tomás Gouveia, que tem um trabalho muito interessante. É um miúdo, no sentido elogioso da palavra. Faz muito trabalho de autor e faz coisas muito interessantes. E também gosto muito do trabalho do David Carvalho, que é um dos mentores do projeto Rua de Baixo.

CA: E voltando à Janela Urbana - site e não a Associação - és uma espécie de curador do que publicas, quais são os teus critérios?BR: Tento estar sempre atento ao que está a acontecer em Portugal e no estrangeiro. Tento muito promover Portugal. E dentro do âmbito das três áreas do site tento fazer uma curadoria daquilo que são os conteúdos do site. Tento passar referências através do site e procurar pessoas e projetos novos.

CA: E nunca pensaste internacionalizar a Janela Urbana, e escrever em inglês?BR: Sim, já pensei...(pausa)... mas não. Até há um pensamento que se pode aliar a esse, que é saber se a Janela Urbana alguma vez irá ser impressa? Já me fizeram essa pergunta várias vezes, mas o projeto está pensado para a web e não faz sentido imprimir. Em relação à internacionalização também não porque o projeto foi e é pensado para Portugal. Agora com a criação da Associação poderá existir algum projeto impresso, até porque sinto necessidade de trabalhar esse campo

CA: E como é o teu processo de criação? BR: Uma vez disse aos meus colegas de faculdade que a partir do momento em que comecei a lidar com o design de

comunicação e me autoconsciencializei como uma pessoa atenta ao que me rodeia, deixei de conseguir olhar para as coisas com inocência. E acabo por me inspirar em tudo o que me rodeia, ao que se publica, à publicidade, a pessoas. Passo muito tempo na internet e guardo muito dessa inspiração nos favoritos do computador. Junto esses ingredientes e cozinho-os. Em relação ao processo criativo...

CA: ...és mais caótico ou metódico e organizado? BR: ...sou mais caótico e esquizofrénico. Tento ver o que é realmente interessante estar num projeto. Tento visualizar uma imagem, vou construindo o projeto, pego nas bases que tenho e vou experimentando, desenhando no computador, etc. Pego nas limitações dos meios para tentar criar algo diferente. Vou experimentando muito.

CA: Nasceste nos Açores e vieste para Lisboa em 2002, há influências dos Açores nas tuas criações?BR: Quando vim para Lisboa saí de uma limitação geográfica, e quando cheguei a Lisboa foi uma explosão de liberdade. Quando cheguei tive algum receio que fosse descriminado por ter vindo de um local mais limitado e longínquo. Se vou buscar muito aos Açores? Sim, vou buscar um pouco. Por exemplo, agora vou ter um cliente açoriano e obviamente me inspiro nos Açores. Mas tento ir buscar ao Açores um pouco da réstia de inocência que tinha quando lá estava. Hoje em dia olho para tudo, mas com um olhar mais técnico, e a parte criativa precisa muito dessa parte da inocência. Por vezes tento desconstruir-me até à simplicidade de quando lá vivia. Se vou buscar inspiração aos Açores é ao Bruno dos Açores, à pessoa, mais do que ao local em si.

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