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20 POLÍTICA & SOCIEDADE Este espaço tem a colaboração da FLAD Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento Entre dois versículos C OMEÇAR raso. Avan- çar devagar. Elevar bem alto. Exaltar. E sentar-se. Eis as regras base da ora- tória negra que, a 20 de Ja- neiro, tão bem serviram o sermão com que Barack Oba- ma entrou para a História como o primeiro presidente afro-americano dos Estados Unidos da América. Os voos retóricos da igreja negra encontram muita da sua força na condição de opressão e sujeição. E agora que o Senhor surgiu dos exér- citos dos oprimidos põe-se a questão de saber quanta des- ta retórica sagrada conse- guirá chegar ao real: como transformar a profecia em poder político? Obama começou bem. «Quando eu era criança, fa- lava como criança, racioci- nava como criança. Mas quando me tornei homem, deixei o que era próprio de criança». O versículo 13:11 da I Carta aos Coríntios veio anunciar que a campanha eleitoral acabou e que um ou- tro olhar sopesa as obriga- ções e responsabilidades da liderança. V IRADA a página, o 44.º Presidente tocou rápi- da e subtilmente os pontos de ruptura com as mais con- troversas políticas do seu antecessor, renovou o com- promisso com a guerra ao terrorismo islâmico e, so- bretudo, concentrou-se na crise económica e política para cujo combate convocou a força do patriotismo, ape- lando à unidade nacional, ao exercício da coragem pes- soal e à responsabilidade in- dividual. Com tantas e tão duras ba- talhas no horizonte, a Inaugu- ração marcou já ganhos si- gnificativos para a comunida- de política. A presidência americana replica a monar- quia constitucional, com a ‘co- roa’ investida no Presidente, comandante em tempo de guerra e centro da congrega- ção dos cidadãos. A cerimónia da inauguração celebra essa realeza’. E o filho de um ho- mem que há 60 anos não se te- ria podido sentar à mesa de um restaurante em Washing- ton foi saudado por milhões de americanos que jamais ha- viam pensado em tal festejo. Entre estes, muitos há que sempre se sentiram ‘fora’ do sistema, atribuindo os seus problemas aos ricos, aos ga- nanciosos, ao racismo, à so- ciedade; e muitos outros a quem os termos ‘patriota’ ou ‘governo’ apenas convocam desprezo e virar de costas. De súbito, a posse de Obama res- taura uma grande dimensão do poder americano: terra de esperança e glória, oportuni- dade e liberdade, incompará- vel tolerância e justiça. O so- nho americano está de volta, ao vivo e em directo, da Casa Branca para a América e para o mundo. O PODER seduz. E se não se sabe por que porta da História sairá, sabe-se já que Barack Obama possui as qualidades excepcionais do herói dos tempos modernos. Ele é sonho americano in- carnado, razão e demons- tração da excepcionalidade da república democrática constitucional, da força re- volucionária inerente à li- berdade política e aos direi- tos individuais. A humilda- de das origens e o caminho percorrido, a vantagem ar- rancada às circunstâncias, conferem uma aura de pro- videncialidade que a todos permite o sonho e a ilusão de pertença universal. Espera-se dele que, ao mes- mo tempo, salve a nação, o mundo até, do desastre finan- ceiro, e dessa coisa estranha, insondável e incompreensível que é a sanha fundamentalis- ta contra a vida do conforto e dos prazeres. Espera-se que com a mão esquerda produza emprego, conserte a infra-estrutura na- cional, acabe com a depen- dência energética, invista na educação, reforme a saúde e a segurança social, aumente a segurança interna e o cum- primento da lei, permita o acesso dos homossexuais às Forças Armadas, acabe com o consumo de drogas. E que, com a mão direita, feche Guantanamo, faça a paz no Médio Oriente, neutralize o desafio nuclear do Irão, trans- fira tropas para o Afeganis- tão, tenha a perseverança de segurar o Paquistão, moderar a Rússia, articular a emer- gência da Ásia, socorrer Áfri- ca, e acudir aos aliados euro- peus fingindo não lhes perce- ber a fraqueza. A intensidade do interesse global na eleição americana denota respeito pelas suas instituições e revela a im- prescindibilidade da lide- rança dos Estados Unidos. Os americanos desejam reafir- mar o orgulho nacional e en- contrar novos sentidos para o seu poder. A tarefa agora é inverter a percepção de que Washington possa ter aban- donado princípios e traído valores. A MUDANÇA pode ser ape- nas simbólica e não per- durar. Muito depende do Pre- sidente e do que (e como) fará, questão importante dado o quão pouco testada foi, até hoje, a sua capacidade execu- tiva. A ascensão de Obama tem implicações políticas im- portantes, sobretudo vista a ambição de alcançar uma pre- sidência transformativa, à laia de Roosevelt ou Reagan. As chances aumentam se o Con- gresso permanecer democra- ta, se crescer a margem eleito- ral no Senado. Para tanto, terá de protagonizar uma recons- trução da própria ordem polí- tica. É um objectivo tremen- damente elevado, mas Obama não ignora que, se falhar como Presidente, dará a um repu- blicano a possibilidade de criar uma nova coligação con- servadora. O herói não aparece ab nihilo: é filho da crise e tem de trabalhar o quinhão que lhe coube. Por agora, a reces- são coloca o país diante de um défice de um trilião de USD e 11 milhões de desem- pregados. A recontagem faz- se diariamente, sempre em crescendo. «Estou-me nas tintas para qual é a cor dele», disse à Reuters Garrell Winstead, um promotor imo- biliário de 67 anos, vindo de Cincinnati, Ohio. «Se a eco- nomia não melhorar e se ele não criar postos de tra- balho, a paciência evapo- ra-se». Guardado para outra oca- sião fica o versículo 13:12 da mesma Carta aos Coríntios: «Agora vemos como num es- pelho, de maneira confusa; depois veremos face a face. Agora conheço de modo im- perfeito; depois conhecerei como sou conhecido». Obama possui as qualidades excepcionais dos heróis dos tempos modernos. Ele é sonho americano incarnado. Espera-se que com a mão esquerda produza emprego e com a direita feche Guantanamo. Manuela Franco Investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais – U. Nova Portugueses concorrem a Harvard 14 JORNALISTAS portugueses candidataram-se para a Nieman Journalism Fellowship, em Harvard, financiada pela Fundação Luso-Americana e pela Fundação Calouste Gulbenkian. Dos 136 candidatos de todo o mundo só 12 serão seleccionados, no final de Fevereiro. ‘Excelentes candidatos’ DURANTE um ano lectivo (2009/2010), os jornalistas ven- cedores da Bolsa Nieman frequentarão aulas na Univer- sidade de Harvard e terão oportunidade de reflectir sobre a sua profissão. Segundo a Nieman Foundation, «este ano há excelentes candidatos». Sara Pina BREVES

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20 POLÍTICA & SOCIEDADE

Este espaço tem a colaboração da FLADFundação Luso-Americana para o Desenvolvimento

Entre dois versículosCOMEÇAR raso. Avan-

çar devagar. Elevarbem alto. Exaltar. E

sentar-se.Eis as regras base da ora-

tória negra que, a 20 de Ja-neiro, tão bem serviram osermão com que Barack Oba-ma entrou para a Históriacomo o primeiro presidenteafro-americano dos EstadosUnidos da América.

Os voos retóricos da igrejanegra encontram muita dasua força na condição deopressão e sujeição. E agoraque o Senhor surgiu dos exér-citos dos oprimidos põe-se aquestão de saber quanta des-ta retórica sagrada conse-guirá chegar ao real: comotransformar a profecia empoder político?

Obama começou bem.«Quando eu era criança, fa-

lava como criança, racioci-nava como criança. Mas quando me tornei homem, deixei o que era próprio de criança». O versículo 13:11 daI Carta aos Coríntios veioanunciar que a campanhaeleitoral acabou e que um ou-tro olhar sopesa as obriga-ções e responsabilidades daliderança.

VIRADA a página, o 44.ºPresidente tocou rápi-

da e subtilmente os pontosde ruptura com as mais con-troversas políticas do seuantecessor, renovou o com-promisso com a guerra aoterrorismo islâmico e, so-bretudo, concentrou-se nacrise económica e políticapara cujo combate convocoua força do patriotismo, ape-lando à unidade nacional, aoexercício da coragem pes-soal e à responsabilidade in-dividual.

Com tantas e tão duras ba-talhas no horizonte, a Inaugu-ração marcou já ganhos si-gnificativos para a comunida-de política. A presidênciaamericana replica a monar-quia constitucional, com a ‘co-roa’ investida no Presidente,comandante em tempo deguerra e centro da congrega-ção dos cidadãos. A cerimóniada inauguração celebra essa

‘ realeza’. E o filho de um ho-mem que há 60 anos não se te-ria podido sentar à mesa deum restaurante em Washing-tonfoisaudadopormilhõesdeamericanos que jamais ha-viam pensado em tal festejo.

Entre estes, muitos há quesempre se sentiram ‘fora’ dosistema, atribuindo os seusproblemas aos ricos, aos ga-nanciosos, ao racismo, à so-ciedade; e muitos outros aquem os termos ‘patriota’ ou‘governo’ apenas convocamdesprezo e virar de costas. Desúbito, a posse de Obama res-taura uma grande dimensãodo poder americano: terra deesperança e glória, oportuni-dade e liberdade, incompará-vel tolerância e justiça. O so-nho americano está de volta,ao vivo e em directo, da CasaBranca para a América e parao mundo.

OPODER seduz. E se nãose sabe por que porta da

História sairá, sabe-se já queBarack Obama possui asqualidades excepcionais doherói dos tempos modernos.Ele é sonho americano in-carnado, razão e demons-tração da excepcionalidadeda república democráticaconstitucional, da força re-volucionária inerente à li-berdade política e aos direi-tos individuais. A humilda-de das origens e o caminhopercorrido, a vantagem ar-rancada às circunstâncias,conferem uma aura de pro-videncialidade que a todospermite o sonho e a ilusãode pertença universal.

Espera-se dele que, ao mes-mo tempo, salve a nação, omundo até, do desastre finan-ceiro, e dessa coisa estranha,insondável e incompreensívelque é a sanha fundamentalis-ta contra a vida do conforto edos prazeres.

Espera-se que com a mãoesquerda produza emprego,conserte a infra-estrutura na-cional, acabe com a depen-dência energética, invista naeducação, reforme a saúde ea segurança social, aumentea segurança interna e o cum-primento da lei, permita o

acesso dos homossexuais àsForças Armadas, acabe como consumo de drogas. E que,com a mão direita, fecheGuantanamo, faça a paz noMédio Oriente, neutralize odesafio nuclear do Irão, trans-fira tropas para o Afeganis-tão, tenha a perseverança desegurar o Paquistão, moderara Rússia, articular a emer-gência da Ásia, socorrer Áfri-ca, e acudir aos aliados euro-peus fingindo não lhes perce-ber a fraqueza.

A intensidade do interesseglobal na eleição americanadenota respeito pelas suasinstituições e revela a im-prescindibilidade da lide-rança dos Estados Unidos. Osamericanos desejam reafir-mar o orgulho nacional e en-contrar novos sentidos parao seu poder. A tarefa agora éinverter a percepção de queWashington possa ter aban-donado princípios e traídovalores.

AMUDANÇApodeserape-nas simbólica e não per-

durar. Muito depende do Pre-sidenteedoque(ecomo) fará,questão importante dado oquão pouco testada foi, atéhoje, a sua capacidade execu-tiva. A ascensão de Obamatem implicações políticas im-portantes, sobretudo vista aambição de alcançar uma pre-sidênciatransformativa,àlaia

de Roosevelt ou Reagan. Aschances aumentam se o Con-gresso permanecer democra-ta, se crescer a margem eleito-ralnoSenado.Paratanto, teráde protagonizar uma recons-trução da própria ordem polí-tica. É um objectivo tremen-damente elevado, mas Obamanãoignoraque,sefalharcomoPresidente, dará a um repu-blicano a possibilidade decriar uma nova coligação con-servadora.

O herói não aparece abnihilo: é filho da crise e temde trabalhar o quinhão quelhe coube. Por agora, a reces-são coloca o país diante deum défice de um trilião deUSD e 11 milhões de desem-pregados. A recontagem faz-se diariamente, sempre emcrescendo. «Estou-me nastintas para qual é a cordele», disse à Reuters GarrellWinstead, um promotor imo-biliário de 67 anos, vindo deCincinnati, Ohio. «Se a eco-nomia não melhorar e seele não criar postos de tra-balho, a paciência evapo-ra-se».

Guardado para outra oca-sião fica o versículo 13:12 damesma Carta aos Coríntios:«Agora vemos como num es-pelho, de maneira confusa; depois veremos face a face. Agora conheço de modo im-perfeito; depois conhecerei como sou conhecido».

Obama possuias qualidadesexcepcionaisdos heróisdos temposmodernos.Ele é sonhoamericanoincarnado.Espera-seque com a mãoesquerdaproduzaemprego e coma direita fecheGuantanamo.

Manuela FrancoInvestigadora doInstitutoPortuguêsdeRelações

Internacionais– U.Nova

Portugueses concorrem a Harvard14 JORNALISTAS portugueses candidataram-separa a Nieman Journalism Fellowship, em Harvard,financiada pela Fundação Luso-Americanae pela Fundação Calouste Gulbenkian.Dos 136 candidatos de todo o mundo só 12 serãoseleccionados, no final de Fevereiro.

‘Excelentes candidatos’DURANTE um ano lectivo (2009/2010), os jornalistas ven-cedores da Bolsa Nieman frequentarão aulas na Univer-sidade de Harvard e terão oportunidade de reflectir sobrea sua profissão. Segundo a Nieman Foundation,«este ano há excelentes candidatos».

Sara Pina

BREVES