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29 OPINIÃO 29 FUTURO DA ENFERMAGEM: UMA PERSPECTIVA OPORTUNA TIAGO ANDRÉ PEIXOTO Recém-licenciado pela Escola Superior de Enfermagem do Porto. Premiado com a Bolsa de Estudos por Mérito Académico em 2010. NUNO MIGUEL PEIXOTO Recém-licenciado pela Escola Superior de Enfermagem do Porto. Premiado com a Bolsa de Estudos por Mérito Académico em 2010. RESUMO O presente artigo denominado “Futuro da Enfer- magem: Uma perspectiva oportuna” surge enqua- drado no Curso de Licenciatura em Enfermagem e pretende esclarecer a actualidade da profissão de enfermagem, conhecer os distintos caminhos que a profissão poderá assumir e fazer da oportu- nidade criada uma perspectiva do rumo a seguir. Palavras-Chave:Enfermagem, enfermeiro, futuro, identidade profissional, enfermagem avançada, autonomia profissional ABSTRACT FUTURE OF NURSING: A TIMELY PERSPECTIVE. This article is set within the Graduation of Nursing and seeks to clarify the relevance of the nursing profession, know the different ways that the profession can and will take the opportunity created a perspective towards below. Keywords: Nursing, nurse, future, professional identity, advanced nursing, professional auto- nomy ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011

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FUTURO DA ENFERMAGEM: UMA PERSPECTIVA OPORTUNA

TIAGO ANDRÉ PEIXOTO Recém-licenciado pela Escola Superior de Enfermagem do Porto. Premiado com a Bolsa de Estudos por Mérito Académico em 2010.

NUNO MIGUEL PEIXOTORecém-licenciado pela Escola Superior de Enfermagem do Porto. Premiado com a Bolsa de Estudos por Mérito Académico em 2010.

RESUMO

O presente artigo denominado “Futuro da Enfer-

magem: Uma perspectiva oportuna” surge enqua-

drado no Curso de Licenciatura em Enfermagem

e pretende esclarecer a actualidade da profi ssão

de enfermagem, conhecer os distintos caminhos

que a profi ssão poderá assumir e fazer da oportu-

nidade criada uma perspectiva do rumo a seguir.

Palavras-Chave:Enfermagem, enfermeiro, futuro,

identidade profi ssional, enfermagem avançada,

autonomia profi ssional

ABSTRACT

FUTURE OF NURSING: A TIMELY PERSPECTIVE.

This article is set within the Graduation of

Nursing and seeks to clarify the relevance of the

nursing profession, know the different ways that

the profession can and will take the opportunity

created a perspective towards below.

Keywords: Nursing, nurse, future, professional

identity, advanced nursing, professional auto-

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INTRODUÇÃOQuem somos? O que fazemos? Para onde vamos? Estas interrogações não são recen-tes, no entanto, nem todos os enfermeiros estão sensibilizados para as colocar siste-maticamente e aprofundar uma refl exão, individual e em equipa, sobre as mesmas. Estas questões conduzem, indubitavel-mente, os enfermeiros à problemática da autonomia e da identidade profi ssional. Este caminho convenciona uma refl exão ética e deontológica assim como um con-junto de saberes próprios no desenvolvi-mento do conhecimento científi co em En-fermagem.A Enfermagem é defi nida de forma sim-plifi cada como a profi ssão que, no âmbito da saúde, tem como propósito a prestação de cuidados personalizados e enferma-gem ao ser humano, saudável ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos so-ciais em que ele se insere, para que man-tenham, melhorem e recuperem a saúde, ajudando-os a atingir a sua máxima capa-cidade funcional tão rapidamente quanto possível (REPE, 1996).No entanto, o futuro desta disciplina sem-pre despoletou interesse a vários autores: Casey & Smith (1997), afi rmaram que “(…) nursing is currently experiencing an intense debate over its future”; Azeredo (2004 cit. in Oliveira, Paula & Freitas, 2007), conclu-íra que “a enfermagem evoluirá, e será no futuro, o que os seus profi ssionais fi zerem dela (…) será a exacta dimensão do sonho e da determinação dos seus integrantes”; três anos volvidos, Paiva e Silva (2007) mantêm as discussões e refl exões sobre o futuro da Enfermagem confrontando “Advanced Nursing Pratice” e Enfermagem Avançada.

Por um lado, é um facto que as necessida-des em cuidados de saúde e as políticas de contenção de diversos países têm exigido uma constante evolução da Enfermagem, sobretudo na especialização e qualifi ca-ção de enfermeiros para a prática médica, possibilitando os enfermeiros a prescreve-rem medicamentos e exames auxiliares de diagnóstico de doença (Advanced Nursing Practice), existindo assim, uma aposta clara na troca de profi ssionais de saúde melhor remunerados por outros pior re-munerados e uma prioridade evidente na gestão de sinais e sintomas relacionados com as doenças.Por outro lado, é consensual que, a saúde é um fenómeno complexo e multidiscipli-nar, onde a Enfermagem contribui com os seus saberes a par com outras disciplinas do conhecimento, com a fi nalidade de me-lhorar a saúde, bem-estar e qualidade de vida dos clientes, sendo, portanto, funda-mental que o conceito base da sua origem não pode nem deve ser desmoronado.A nosso entender, o raciocínio de unidisci-plinariedade não sustenta um desenvolvi-mento de cuidados de saúde de qualidade, sendo necessária uma intervenção mul-tidisciplinar, demonstra-se ainda desen-quadrado com os modelos que emergiram do desenvolvimento disciplinar da enfer-magem e que formaram os seus pilares centrais, das quais se destacam: a Teoria Ambiental (F. Nightingale, 1820/1910), a Teoria das Necessidades Básicas (Virginia Henderson, 1897), a Teoria do Autocui-dado (Dorothea Orem, 1914), a Teoria da Adaptação (Calista Roy, 1939), a Teoria das Relações Interpessoais em Enfermagem (Hildegard Peplau, 1952), a Teoria Holísti-ca (Myra Levine, 1967), a Teoria do Mode-

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lo Conceitual do Homem (Martha Rogers, 1970), a Teoria das Necessidades Huma-nas Básicas (Wanda Horta, 1970), a Teoria dos Sistemas (Betty Neuman, 1974), a Teo-ria do Cuidado Humano (Watson, 1988), a Teoria sobre a Diversidade e Universalida-de do Cuidado Cultural (Leningher, 1991), a Teoria de Médio Alcance (Afaf Meleis, 1997), entre outras. Em concordância com a nossa opinião, Ca-sey & Smith (1997) referem que “If we tre-at nurses as “minidoctors” then patients will lose the enormous benefi ts that only nurses can offer.” Atendendo a esta premissa, que julga-mos fulcral, este artigo desenvolver-se--á no sentido de realçar a necessidade do enfermeiro defi nir claramente um corpo próprio de conhecimento e um campo de actuação permitindo complementaridade de funções com os restantes profi ssionais de saúde e não substituição. Reconhecemos que seja difícil circundar um corpo único de conhecimentos, mas este esforço passará pela promoção da investigação e dos avanços científi cos na área da enfermagem, que por inferência infl uenciará o enfermeiro a um melhor diagnóstico, uma melhor intervenção e uma melhor avaliação das suas interven-ções, promovendo a sua autonomia pro-fi ssional com base na evidência. A prática baseada na evidência é uma abordagem de excelência para a Enferma-gem que utiliza os mais recentes resulta-dos de pesquisa, o mais recente consenso entre especialistas credíveis e a experiên-cia clínica confi rmada como bases para a sua prática clínica ao invés de experiências isoladas e não sistemáticas, rituais e opini-ões sem fundamentação (Stetler, 1998).

Cabe ao enfermeiro assumir a sua auto-nomia. Vencer este desafi o está na posse de todos nós. O êxito depende sobretudo da celeridade na tomada de decisão sobre estas iniciativas, bem como, no assumir do risco que as mesmas envolvem. Mas vale a pena fazer esse esforço, os enfermeiros merecem. A profi ssão exige-o.

IDENTIDADE PROFISSIONALA mudança social é toda a transformação observável no tempo que afecta, de modo não provisório, a estrutura ou o funciona-mento da organização social de uma dada colectividade e modifi ca o curso da sua história (Rocher, 1971).Estas mudanças aferem-se a todos os ní-veis nas diversas sociedades, no caso par-ticular da sociedade em que vivemos a mudança ocorre de forma quase contínua, devido, essencialmente, às descobertas científi cas e aos avanços tecnológicos que constantemente surgem. Estas alterações têm afectado os profi ssionais de saúde e particularmente os enfermeiros com a ne-cessidade de reconceptualizar a profi ssão. As transformações sociais, culturais, po-líticas e económicas dos últimos tempos afi guram-se como potencialmente ricas na introdução de rupturas e clivagens ao nível das identidades em enfermagem.Em Portugal, denota-se maior reconheci-mento da profi ssão de enfermagem quan-do há uma resposta efi caz e que satisfaz plenamente as necessidades da popula-ção/indivíduo. O conhecimento do enfer-meiro sobre estes aspectos permite-lhe in-tervir de forma directa ou indirectamente na promoção e melhoria dos cuidados de saúde e consequentemente da sua repre-

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sentação profi ssional e construção social. A representação social, refere-se a uma forma específi ca de conhecimento, uma espécie de conhecimento prático que cada um de nós necessita de elaborar para ade-quar o seu comportamento às situações do dia-a-dia. Ela adopta particular interes-se na função de orientação de comporta-mentos e assume-se como um objectivo de comunicação interpessoal (Teixeira, 1995). Para que o enfermeiro possa facul-tar a mudança da sua representação so-cial é necessário que se assuma como um enérgico pensador, capaz de executar e re-fl ectir sobre as suas próprias acções.No decurso das últimas décadas, a pro-fi ssão de enfermagem tem experimenta-do uma espantosa evolução, tornando-se com toda a propriedade numa disciplina do conhecimento subvencionada em par-te por outras disciplinas mas com um core próprio, construindo um corpo próprio de conhecimentos, angariando para si novas competências e atribuições que o manda-to social lhe confere ou reconhece (Pinto, 2006). Neste sentido é necessário que a excelência na Enfermagem passe, indiscu-tivelmente, por um trajecto profi ssional que promova e estimule a qualidade e o desenvolvimento das práticas dos enfer-meiros, ancorado numa atitude crítica e refl exiva por parte destes (Cruz, 2008).No entanto, toda esta mudança implica uma responsabilidade acrescida, na me-dida em que as exigências e a atenção da sociedade acerca do que fazemos se ver-te sobre nós com grande equidade sendo mandatório uma prática de enfermagem alicerçada em bases sólidas, onde a toma-da de decisão assume um carácter inevi-tável. Por outro lado, reside na adequação

das novas decisões e na sua fundamenta-ção, que deverá ser sólida e credível, a prin-cipal base da promoção da imagem social do enfermeiro, que deste modo passará a ser visto como um profi ssional que assen-ta os seus actos em processos cognitivos complexos e organizados onde experiên-cia, conhecimento e refl exão se mesclam e operam conjuntamente para produzirem cuidados de qualidade. (Pinto, 2006)Segundo Paiva e Silva (2000), a capacidade para combinar o conhecimento e a expe-riência com a capacidade de pensar con-siderando o contexto onde o pensamento tem lugar, é essencial na resolução de pro-blemas complexos. Constituindo conheci-mento, experiência e pensamento critico uma tríade indissociável, onde estes três elementos operam conjuntamente para o pensamento em Enfermagem.Este pensamento deverá estar presente nos cuidados prestados pelo enfermeiro assumindo-se como uma base activa e promotora de mudança perspectivando um novo rumo para a profi ssão: a Enfer-magem Avançada.

ENFERMAGEM AVANÇADAExistem vários factores que enquadram a oportunidade de discussão deste tema e são eles “a evolução verifi cada no ensino da Enfermagem, a evolução verifi cada no exercício profi ssional, a evolução das ne-cessidades em cuidados de saúde, a evo-lução das políticas de saúde com ênfase na necessidade da redução de custos e a emergência no panorama internacional do conceito de Advanced Nursing Practi-ce” (Paiva, 2007).Numa vertente histórica e contextual a

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noção de uma “ciência humana” foi um termo usado por Giorgi (1975) na sua ten-tativa de descrever a psicologia como uma disciplina aplicada ao estudo da pessoa no seu todo, com oposto à visão psicanalíti-ca ou comportamental da psicologia. Este dilema também se aplica aos laços histó-ricos e tradicionais da Enfermagem. Esta abordagem tem sido composta com os métodos de pesquisa reducionista da ci-ência natural que a Enfermagem adoptou para a sua ciência. (Watson, 1999) Simultaneamente, a Enfermagem tem de-monstrado uma acrescida preocupação e um forte compromisso no que respeita ao cuidar da pessoa na sua totalidade (holis-mo) e um interesse pela saúde de indivídu-os e de grupos. Este enfatizar da Enferma-gem como uma ciência humana e de inves-tigação tem recentemente tomado maior ostentação e tem sido transmitida por te-óricos, investigadores e autores como Wat-son, Neuman e Leininger.Apesar de a Enfermagem ser uma discipli-na relativamente nova, datando do fi nal do século XIX, e se ter afi rmado como uma disciplina própria nas últimas décadas em Portugal, pode estar susceptível a ceder à tentação de seguir as regras de outras ci-ências mais velhas, sem levantar indispen-sáveis questões fi losófi cas, epistemológi-cas e cientifi cas relevantes para o estudo e fenómeno da Enfermagem. Acrescido ao facto de ainda existir uma anomalia entre o conceito organicista de pessoa na me-dicina e na psicologia tradicional e o con-ceito de pessoa como um todo referido na Enfermagem, Jean Watson consegue des-tacar que “a Enfermagem perspectiva os seres humanos como sujeitos vivenciados, que há uma evolução interligada do ho-

mem e do mundo, que a saúde é um pro-cesso e que a mudança é contínua onde os enfermeiros e a pessoa são co-participan-tes.” (Watson, 1999)Tal facto, afi rma uma perspectiva de uma ciência humana, que permite aos estu-dantes e investigadores de Enfermagem levantar questões sérias acerca da ciên-cia de Enfermagem e dos novos caminhos que esta tem de seguir para ser verdadei-ra, com o seu objecto de estudo e com res-ponsabilidade social e científi ca. Além dis-so, a perspectiva de uma ciência humana abre novos horizontes e novas possibilida-des para o homem e para o seu mundo de experiência da saúde-doença. Esta pers-pectiva permite questionar os pensamen-tos básicos e valores éticos do Homem, a saúde e a Enfermagem, abrindo asas a uma evolução constante. Este sentido de evolução ganhou força com o conceito de Enfermagem Avançada que signifi ca maior competência para o desem-penho centrado numa lógica mais concep-tual e concretizada pela inter-relacção pes-soal, baseada em teorias de Enfermagem que tem por núcleo central o diagnóstico e a assistência face às respostas humanas, às transições vividas e mais competência por parte dos enfermeiros no processo de to-mada de decisão. E pensa-se, actualmente, que esta é a opinião mais defendida no sen-tido de avançar Enfermagem como prática profi ssional com conhecimento substanti-vo e peculiar de Enfermagem. Assim como defende Abel Paiva (2007), Enfermagem Avançada não é nada mais do que “Enfermagem com mais enferma-gem”, defendendo assim a perspectiva de um ambiente multiprofi ssional e multidis-ciplinar, o que enriquece a qualidade de

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soluções e, portanto, melhora a qualida-de dos cuidados de saúde. Por esta via de pensamento, é assumido, como natureza da matéria-prima usada pelos enfermei-ros para produzir cuidados centrados nas respostas humanas às transições vividas pelas pessoas e famílias ao longo do ciclo vital, usando conhecimento gerado pela investigação e teoria de Enfermagem.Neste sentido, o enfermeiro tem o dever de incorporar o conhecimento científi co mais recente relacionado com a sua prá-tica, partindo do pressuposto os resulta-dos actualizados de investigação, quando usados para suportar decisões clínicas, po-dem aumentar a probabilidade dos resul-tados esperados serem alcançados. Para além da alteração de atitude e de uma prática profi ssional mais sustentada por um corpo de conhecimentos e um processo de enfermagem sólido, é necessário seguir um determinado objectivo em termos de focalizar este esforço numa determinada área da sociedade. Recentemente a situa-ção fi nanceira nacional infl uencia o inves-timento governamental nas várias áreas de serviço público. Há a necessidade de justifi -car os custos e apresentar resultados para os recursos disponibilizados para a Enfer-magem, tanto a nível da formação como na prática. Para tal tem sido aposta, e bem, a formulação e utilização dos indicadores de ganhos em saúde. É lógico que para a En-fermagem faz sentido mobilizar o máximo de recursos possíveis para os ganhos em saúde, mas é de facto importante direccio-nar os cuidados para a área que sustentar melhor todo o sistema de cuidados. É en-tão consensual que é intenção actual que o “sistema deve ser reformado e redireccio-nado evoluindo do modelo actual com exa-

gerada utilização de recursos dispendiosos, tecnologicamente dirigidos, centrados nos serviços de doentes agudos e baseados na hospitalização, para um modelo no qual há um equilíbrio entre tratamento hospitalar com elevada tecnologia e serviços basea-dos na comunidade. A solução é inverter a pirâmide com maior focalização nos cuida-dos primários” (ANA, 2005)A nível dos cuidados de saúde primários consideramos que os indicadores que hoje em dia são mais valorizados a nível político e mesmo em parte pela sociedade, coagem, numa focalização tradicionalmente pouco ambiciosa pelo que é pretendido delinear maioritariamente a quantidade de anos vividos por grupo de doença e não tanto quanto à qualidade de vida. Deste modo por vezes pode ser desmotivador, a desva-lorização, pela sociedade em geral, da ac-tuação dos enfermeiros a este nível, mas é de facto através da enfermagem avançada, aplicada principalmente nos cuidados de saúde primários, que acreditamos encon-trar uma solução possível se houver uma aposta para o futuro da profi ssão. De que serve a “terra à vista” se o barco está para-do? A prevenção é tão ou mais importante que a intervenção no que respeita aos pro-blemas de saúde nacionais. É no núcleo das famílias e da comunidade, usando todos os recursos possíveis que está um grande potencial para um melhor nível de quali-dade de vida e de satisfação. Para isso, as reestruturações da prestação de cuidados e a evolução da capacidade e identidade do Enfermeiro é fundamental.Uma disciplina científi ca é caracterizada por uma genealogia de problemas que con-substanciam a sua atenção (foco de aten-ção) e por uma autoridade que deriva a

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especifi cidade da sua intervenção em con-texto social. Como enfatizam os debates sobre autonomia, uma disciplina científi ca defi ne-se em torno de crenças, valores e do espaço de conhecimento que ocupa.Em nossa opinião, o que constitui os me-taparadigmas da ciência da Enfermagem, são os termos “cuidar”, “utente”, “relação enfermeiro-doente”, “saúde” e “transi-ção”, sendo estes conceitos linhas orien-tadoras da evolução e da consolidação desta disciplina.

AUTONOMIA PROFISSIONALCuidar é uma propriedade, é a arte do te-rapeuta, aquele que consegue combinar elementos do conhecimento, de destre-za, de saber ser, de intuição, que lhe vão permitir ajudar alguém, na sua situação singular.De acordo com Gameiro (2003), a muta-ção identitária da nossa profi ssão deve--se á conquista do reconhecimento do seu papel social e de uma intervenção profi ssional autónoma. Tal autonomia e reconhecimento têm sido associados ao desenvolvimento da enfermagem como uma prática orientada por princípios científi cos e humanísticos. É na humanização, no olhar cada pessoa como alguém especial, com característi-cas próprias, com uma cultura distinta, com necessidades muito concretas que a enfermagem encontra a sua razão de ser como profi ssão do cuidar. A atenção dada nos últimos anos à prática do cuidar, re-fl ecte a preocupação que actualmente os enfermeiros têm na procura duma iden-tidade e duma área de actuação próprias (Monteiro, 1988).

Desta maneira, o conhecimento científi co e a construção e explicitação de um saber específi co do enfermeiro constituem um dos alicerces da autonomia profi ssional. Da mesma forma, a compreensão de au-tonomia profi ssional em enfermagem a partir da constituição de um saber especí-fi co da profi ssão possui dois signifi cados: a tentativa de delimitação de um núcleo essencial da profi ssão e a constituição, delimitação e especifi cação de um espaço próprio de poder. Se queremos afi rmar a autonomia da en-fermagem e torna-la visível no processo de cuidados à pessoa / família / comuni-dade, a centralidade de todo o processo, teremos que realçar o cuidar não como genérico mas sim como o cuidar profi s-sional. Este cuidar profi ssional permite ao enfermeiro a afi rmação da autonomia que se apresenta como o motor de evolução, quer da identidade sócio – profi ssional, quer da profi ssão.O processo de compreensão da difusão, do uso e autonomização do conhecimento pelos enfermeiros tem ocorrido a partir do conceito cuidar. É em função das possibi-lidades objectivas, que o enfermeiro inter-preta em cada situação, que deve tomar a decisão sob a forma de uma determina-ção autónoma e não de uma consequên-cia produzida por factores exteriores. O enfermeiro que contextualiza os saberes abstractos em determinada situação tor-na-se o profi ssional mais apto para liderar o processo de cuidados, fazendo emergir o reconhecimento pelo cliente de cuidados não por oposição mas por complementari-dade, onde o sentido relacional com valo-rização da pessoa como centro de proces-so de cuidados, permite a utilização de um

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saber profi ssional em função da situação particular em que este surge. A utilização de um saber adaptado à sin-gularidade da situação problema e das pessoas com quem está em interacção torna-se na única forma de conhecimento reconhecida num dado contexto de inte-racção como autónoma e não dependen-te de outros. É necessário clarifi car o que se entende por competências no processo de cuidados na medida em que apesar de existir a expectativa de que o enfermeiro adquiriu conhecimento legítimo para agir junto do doente em situação, nem sempre esta competência é reconhecida. Este facto fi ca a dever-se à ausência de mediação en-tre os saberes abstractos, mais teóricos, e os saberes contextuais usados, relacionada com a invisibilidade atribuída à função de diagnóstico e prescrição dos enfermeiros, pelos próprios e por outros profi ssionais de saúde e doentes (Amendoeira, 2004).A autonomia profi ssional tem sido, ao lon-go do tempo e da evolução da enferma-gem, um tema importante à compreensão da profi ssão, tanto na defi nição dos seus desafi os e objectivos como na forma como os enfermeiros se relacionam e se apre-sentam para a equipa de saúde e para a sociedade em geral.A integração do ensino de enfermagem no ensino superior e mais tarde no ensino universitário, o investimento na investi-gação, a qualidade do empenho e desem-penho dos enfermeiros, a frequência dos enfermeiros em graus académicos mais elevados permitiram a afi rmação da en-fermagem nas suas dimensões académi-cas e profi ssionais e esta evolução não deve estacionar aqui. (Abreu, 2001 cit. in Amendoeira, 2004).

A profi ssão de enfermagem considera ex-tremamente importante a aquisição da au-tonomia como um requisito para o estatuto profi ssional. A enfermagem normalmente confunde autonomia com conceitos como autoridade, responsabilidade, poder, profi s-sionalismo e independência (Ballou, 1998). A necessidade de usar o termo autónomo para falar de prática de enfermagem neste ponto da nossa evolução diz da sua importância. Não existindo uma clara e distinta identida-de, sentimo-nos e olhamos para nós como se não fossemos ninguém ou, na melhor das hipóteses, substitutos de outros membros da equipa de saúde. (Lyon, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAISA evolução da profi ssão de enfermagem passa em nosso entender por três aspec-tos centrais: A edifi cação da Identidade Profi ssional do Enfermeiro; O assumir dos conceitos de Enfermagem Avançada na base da Profi ssão; E a conquista da Auto-nomia Profi ssional.Assumimos para a Enfermagem um rumo que perspectiva maior responsabilização da profi ssão e das suas intervenções profi ssio-nais, com um investimento claro e individu-al na atitude e postura de cada enfermeiro. Neste sentido é necessário que a sociedade reconheça a excelência na Enfermagem, e para tal, é dever do enfermeiro acompa-nhar as recentes descobertas tecnológicas e os avanços científi cos que constantemente surgem usando-os na promoção e estimu-lação da qualidade dos serviços prestados e no desenvolvimento de práticas de enfer-magem refl ectidas e ponderadas. Entendemos que será necessário o en-fermeiro defi nir claramente um corpo

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próprio de conhecimento e um campo de actuação claro, onde a Enfermagem Avan-çada ganha sentido e a autonomia da pro-fi ssão se assume como direcção.A autonomia na profi ssão tem vindo a ser objecto de discussão, quer nas escolas, quer nos locais de trabalho e até na análise e refl e-xão das nossas práticas, neste sentido, não há dúvida que para além de refl ectir sobre o que é necessário mudar, há que enfrentar as difi culdades e desafi os, e colocar em prática todo o conhecimento e potencial da Enfer-magem. A investigação na consolidação do corpo de conhecimentos da disciplina e da prática, a criação de escalas de avaliação, a inovação dos métodos de diagnóstico, a produção de intervenções cada vez mais efi -cazes, a capacidade para apresentar ganhos em saúde através de critérios bem defi nidos e o potencial impar para a actuação ao ní-vel da prevenção da doença com foco nos cuidados de saúde primários os enfermeiros podem ter cada vez mais autonomia no seu processo de tomada de decisão, tendo mais reconhecimento e “navegar” com um senti-do, rumo ao futuro.

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