ensinamentos de jesus

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OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ As chaves que abrem o reino dos céus na Terra Raul Branco PREFÁCIO I. INTRODUÇÃO A postura necessária para o estudo dos ensinamentos esotéricos II. O LADO INTERNO DE UMA TRADIÇÃO 1. Existe um lado interno na tradição cristã? 2. As fontes primárias da tradição INTERNA - Os evangelhos canônicos - Os documentos apócrifos - A tradição oral - A vida dos místicos - Os grupos esotéricos III. A META: O REINO DOS CÉUS 3. O SIGNIFICADO DO Reino para a Ortodoxia - O Reino na tradição judaica - O Reino para a Igreja 4. UMA VISÃO ESOTÉRICA DO Reino nOS ENSINAMENTOS de Jesus IV. O PROCESSO DE RETORNO À CASA DO PAI 5. A lei das correspondências 6. Alegorias, Mitos e Símbolos 7. A Parábola do Filho Pródigo 8. A Peregrinação da Alma V. MÉTODO DE TRANSFORMAÇÃO 9. A Porta Estreita e o Caminho Apertado 10. A TRANSFORMAÇÃO DA MENTE - O enfoque de Jesus 11. Os Primeiros Passos - O despertar - A busca da felicidade - A busca do caminho - Aspiração ardente 12. As Regras do Caminho - A Unidade da vida - Natureza cíclica da manifestação

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  • 1. OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIO ESOTRICA CRIST As chaves que abrem o reino dos cus na Terra Raul Branco PREFCIO I. INTRODUO A postura necessria para o estudo dos ensinamentos esotricos II. O LADO INTERNO DE UMA TRADIO 1. Existe um lado interno na tradio crist? 2. As fontes primrias da tradio INTERNA - Os evangelhos cannicos - Os documentos apcrifos - A tradio oral - A vida dos msticos - Os grupos esotricos III. A META: O REINO DOS CUS 3. O SIGNIFICADO DO Reino para a Ortodoxia - O Reino na tradio judaica - O Reino para a Igreja 4. UMA VISO ESOTRICA DO Reino nOS ENSINAMENTOS de Jesus IV. O PROCESSO DE RETORNO CASA DO PAI 5. A lei das correspondncias 6. Alegorias, Mitos e Smbolos 7. A Parbola do Filho Prdigo 8. A Peregrinao da Alma V. MTODO DE TRANSFORMAO 9. A Porta Estreita e o Caminho Apertado 10. A TRANSFORMAO DA MENTE - O enfoque de Jesus 11. Os Primeiros Passos - O despertar - A busca da felicidade - A busca do caminho - Aspirao ardente 12. As Regras do Caminho - A Unidade da vida - Natureza cclica da manifestao

2. - O objetivo do processo da manifestao - O livre-arbtrio - A justia divina - Conhecimento de si mesmo VI. AS CHAVES DO REINO DOS CUS 13. O instrumental TRANSFORMADOR Na tradio crist 14. A F 15. Amor a Deus 16. Vontade 17. Purificao 18. Renncia 19. Discernimento 20. Estudo 21. Orao-Meditao - Contemplao 22. Lembrana de Deus 23. Ateno 24. Rituais e Sacramentos - Rituais internos e externos - Os rituais internos da tradio crist - Smbolos e teurgia 25. PRTICA DAS Virtudes - Caridade - Humildade - Pacincia - Contentamento - Equilbrio e moderao VII. TRILHANDO O CAMINHO 26. TRANSFORMAO, INTEGRAO E UNIO 27. A VIDA DO CRISTO COMO O CAMINHO - Primeira Iniciao: O Nascimento - Segunda Iniciao: O Batismo - Terceira Iniciao: A Transfigurao - Quarta Iniciao: Morte E Ressurreio - Quinta Iniciao: A Ascenso Ao Cu EPLOGO ANEXOS Anexo 1. Exerccios e prticas espirituais Anexo 2. O Hino da Prola Anexo 3. Pistis Sophia 3. GLOSSRIO BIBLIOGRAFIA Voltar 4. Raul Branco Economista Contato: [email protected] Raul Branco gacho, nascido em Vacaria em 1938. Formou-se em economia no Rio de Janeiro e obteve o doutorado na Universidade de McGill, no Canad. Lecionou em vrias universidades dos Estados Unidos, trabalhou na Organizao das Naes Unidas (ONU), em New York, Genebra e Roma, por 13 anos, participando de diversas conferncias internacionais e misses de assistncia tcnica. De volta ao Brasil trabalhou em vrias funes no Ministrio de Minas e Energia. Atualmente est aposentado e vive em Braslia. Seu despertar espiritual ocorreu aos 49 anos, quando comeou a buscar no yoga, no budismo, no vedanta e na teosofia respostas para as incessantes perguntas de seu corao. Descobriu, finalmente, que no precisava buscar longe o que estava perto, ou seja, o cristianismo primitivo pouco conhecido em nossa tradio crist. Traduziu e comentou um antigo texto da tradio esotrica crist, publicado como Pistis Sophia, os Mistrios de Jesus, e escreveu o livro Os Ensinamentos de Jesus e a Tradio Esotrica Crist, editora Pensamento. Escreveu vrios artigos e faz palestras sobre a vida espiritual e o cristianismo. Voltar 5. OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIO ESOTRICA CRIST AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CUS NA TERRA PREFCIO Comecei a pesquisar os ensinamentos internos do cristianismo primitivo por estar convencido de que Jesus no poderia ter omitido de suas instrues o instrumental para o caminho espiritual, semelhana dos mtodos conhecidos nas principais tradies orientais. Essas tradies tm atrado milhares de cristos sinceros mas desiludidos com o receiturio do cristianismo tradicional. A riqueza do material encontrado, geralmente pouco conhecido, foi to surpreendente que resolvi sistematiz-lo e apresent-lo sob a forma de livro. Ao mergulhar no estudo das tradies orientais, principalmente do budismo, da ioga, da vedanta e do substrato de todas essas tradies, a teosofia, descobri que o lado esotrico da tradio crist tem todos os ingredientes das formas esotricas dessas outras e que a devoo realmente caminha de mos dadas com a razo. Em face dos inmeros ensinamentos transformadores que capacitam a unio do buscador com o Supremo Bem, poder-se-ia dizer que essa tradio seria a ioga crist, bem pouco conhecida dos cristos, porque derivada dos ensinamentos reservados de Jesus. Lembramos que ioga um termo snscrito que significa unio, mas que usado tambm, por extenso, para transmitir de forma sistemtica a metodologia que visa promover a unio da natureza exterior do homem com sua natureza interior. Como o esoterismo cristo muito rico, e a literatura existente muito extensa, o foco deste trabalho foi direcionado para o ponto central dos ensinamentos esotricos de Jesus, ou seja, a busca do Reino de Deus. Procuraremos elucidar esse tema sobre o qual todo o ministrio de Jesus foi baseado, explorando o caminho que leva ao Reino, bem como o mtodo e o instrumental facilitador que capacitam a entrada pela porta estreita e o trilhar do caminho apertado. O mais surpreendente, como ser visto a seguir, que a essncia dos ensinamentos mais profundos de Jesus sempre esteve expressa na Bblia e em outros documentos sem ser devidamente percebida. como se as jias mais preciosas da mensagem bblica estivessem escondidas debaixo de nossos olhos sob a aparncia de coisas sem maior importncia. Dentre essas preciosidades negligenciadas do esoterismo cristo poderamos mencionar: Eu e o Pai somos Um, Conhecereis a verdade e a verdade vos libertar, J no sou eu que vivo mas Cristo que vive em mim, Quem no nascer de novo no poder entrar no Reino dos Cus, Vinde a mim as criancinhas, Se o gro de trigo que cai na terra no morrer, permanecer s; mas se morrer produzir muito fruto. Esses exemplos e muitos outros evidenciam que os ensinamentos esotricos de Jesus foram preservados em dois segmentos: no primeiro, encontram-se as proposies, instrues e acontecimentos da vida do Salvador, que esto descritos na Bblia e em diversos documentos apcrifos; no outro, esto os detalhamentos dessas instrues, com as explicaes de suas razes e as tcnicas e os mtodos para o 6. aprimoramento da vida espiritual. Essas instrues e explanaes, que no se encontram na Bblia nem nos documentos apcrifos, foram passadas de boca a ouvido, naquilo que se chama de tradio oral ou mesmo por intermdio de outros mtodos que sero abordados posteriormente. Este livro em grande parte um trabalho de reconstituio dos diferentes aspectos desses ensinamentos. Quando buscamos sintonia com o Mestre em nossas meditaes, depois de algum tempo, a confuso inicial cede lugar simplicidade essencial da mensagem divina, facilitando-nos a tarefa de desenterrar a tradio interna que desconhecamos. Os objetivos da mensagem salvfica de Jesus comeam a aclarar- se, seus mtodos de transmisso de instrues fazem-se presentes, e seus ensinamentos surgem como jias preciosas escondidas sob o vu da alegoria. Vivemos na iluso da separatividade, alimentados pelo egosmo e pelo orgulho, pensando que criamos de forma separada e independente alguma coisa. A realidade, no entanto, que cada ser humano to somente uma clula no grande organismo da humanidade. Como tal, a mente de cada um nada mais do que um aspecto da mente universal, tambm chamada de inconsciente coletivo ou mente divina. Dentro da mente divina, a verdade est eternamente presente em sua forma essencial, embora seja apresentada de diferentes maneiras pelos inumerveis aspectos individuais desse grande Todo. Verifiquei que, quanto mais procurava estudar e meditar sobre os ensinamentos de Jesus, mais livros e idias sobre o assunto iam aparecendo. Percebi que muitas outras almas j haviam decifrado e interpretado boa parte dos ensinamentos do Salvador. Minha tarefa, portanto, foi grandemente facilitada, pois foi possvel coligir a essncia do que j estava escrito e aproveitar parte do que ainda estava no mundo mental a espera de ser expresso. Como natural, minhas deficincias literrias, intelectuais e espirituais explicam as falhas que sero encontradas ao longo do texto. Gostaria de expressar meu reconhecimento pelas muitas idias e inspiraes que recebi de tantas pessoas. Vrios irmos altrustas, pacientes e eruditos leram parte ou todo o texto inicial e contriburam generosamente para melhor-lo. Dentre estes destaco Jos Trigueirinho, Isis Resende, Gilda Maria Vasconcelos, Srgio Curi, Delzita Portela de Carvalho, Eliane Araque dos Santos, Ricardo Lindenman, Carlos Cardoso Aveline, Siegfried Elsner, Pe. Joo Incio Kolling, Pe. Manoel Iglesias SJ, Marco Aurlio Bilibio, Marly Ponce Branco e, em especial, meu bom amigo Edilson Almeida Pedrosa, que, como em minha obra anterior, Pistis Sophia, foi de inestimvel ajuda, revendo e criticando com pacincia, perspiccia e incansvel ateno, as vrias verses pelas quais o texto passou. O leitor ansioso em obter uma viso de conjunto do livro, antes de mergulhar nos detalhes explicativos e operacionais do processo de transformao interior do homem velho no homem novo, poder ler a Introduo, o Anexo 1, e os captulos 4, 8, 13, 26, e 27. Uma vez efetuada essa leitura seletiva, esperamos que o verdadeiro buscador da tradio crist tenha a motivao necessria para efetuar no mais uma leitura, mas um estudo atento do texto completo. Voltar 7. OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIO ESOTRICA CRIST AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CUS NA TERRA I. INTRODUO O cristo dedicado, sincero e que toma sua cruz, seguindo a orientao do Mestre, pode se questionar como possvel que o entusiasmo da cristandade dos trs primeiros sculos, que manteve o fervor apesar das perseguies implacveis, possa ter arrefecido e se transformado, para grande parte daqueles que se dizem cristos, numa mera afiliao religiosa pr-forma sem o envolvimento de seu corao. As causas dessa mudana qualitativa da religiosidade do cristo so complexas, mas podem ser em boa parte imputadas ao fato de que a maioria das igrejas atuais distanciaram-se dos ideais originais, retornando ao comportamento de obedincia a rituais externos e a prticas religiosas mecnicas que Jesus havia to duramente criticado nos fariseus e levitas. So poucos os cristos no mundo de hoje que procuram realmente entender os ensinamentos de Jesus e, um menor nmero ainda, seguir o Mestre. Com o passar dos sculos, a mensagem central de Jesus foi progressivamente desvirtuada e acabou sendo esquecida. Em vez de buscarmos o Reino dos Cus aqui e agora, colocamos a nossa esperana num paraso distante, talvez no outro mundo. Porm, se meditarmos profundamente sobre a essncia dos ensinamentos de Jesus, deixando de lado nossas idias preconcebidas, chegaremos concluso de que somos o prprio filho prdigo e que algum dia retornaremos Casa do Pai, que o Reino dos Cus, voltando ao estgio de pureza prstina original de um Filho de Deus, tornando-nos, ento, um Cristo[1] e podendo dizer, por experincia prpria, que Eu e o Pai somos um (Jo 10:30). Paulo demonstra estar em sintonia com essa realidade ao dizer: J no sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim (Gl 2:20). Esse entendimento do potencial ilimitado do homem e o conhecimento da herana divina podem ser obtidos por meio do estudo e da vivncia do lado esotrico de nossa tradio, que permaneceu esqucido e negligenciado por tantos sculos. O primeiro passo para usufruirmos a herana divina a deciso de reivindic-la. Para isso temos que nos desvencilhar dos condicionamentos limitativos impostos por muitos sculos de apatia intelectual e de ausncia do exerccio da vontade. A verdade sempre esteve ao nosso alcance, mas, por vrias razes, deixamos escapar a oportunidade de perceb-la. Podemos, no entanto, reverter esta situao porque o momento atual extremamente propcio para o despertar espiritual. Felizmente, os ensinamentos esotricos da tradio crist no foram totalmente perdidos. Eles podem ser recuperados, compreendidos e, se devidamente vivenciados, podem mudar nossas vidas, permitindo que alcancemos O estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo (Ef 4:13). O primeiro passo neste estudo dos ensinamentos de Jesus deixar claro que o cristianismo, em sua essncia ltima, no uma instituio, mas sim uma convico interior. Essa convico, a verdadeira f, deve guiar a conduta de seus seguidores rumo meta final, o Reino, deixando um rastro de boas obras ao longo do caminho trilhado. 8. Um aspecto pouco conhecido da natureza cclica da manifestao o de que, em cada final de sculo, a Providncia Divina aumenta o fluxo de energias espirituais para estimular o progresso da humanidade. Ocorrem tambm ciclos maiores, como ciclos milenares e ciclos envolvendo as grandes eras. A humanidade est vivendo agora um momento muito especial, a confluncia de trs ciclos, o centenrio, o milenar e o de transio da era de Peixes para a era de Aqurio. Isso pode ser notado pelas pessoas mais sensitivas. O resultado dessa ao energtica inusitada se faz sentir no mundo das idias e do comportamento humano. Nesta virada do terceiro milnio, estamos vivendo um momento extremamente propcio para tornar conhecidas as coisas ocultas. Por isso esforamo-nos para fazer com que os ensinamentos de Jesus entesourados em documentos raros, ao alcance apenas de um limitado crculo de estudiosos, sejam postos disposio dos cristos sinceros que ainda no conhecem a inteireza de sua mensagem. Como no podia deixar de ser, essas energias afetaram de forma positiva a vida espiritual do planeta. As estruturas religiosas foram induzidas a alargar seus horizontes para abranger outros grupos e outras etnias. Em virtude da invaso chinesa, que forou um xodo de grandes propores da comunidade monstica tibetana, o budismo tibetano passou a ser conhecido e praticado por centenas de milhares de pessoas em quase todo mundo ocidental, quebrando um milnio de isolamento no Tibete. O sofrimento do povo tibetano foi transmutado em benefcio dos buscadores da verdade em todo o mundo, com a traduo das obras dos mestres budistas daquele pas e o estabelecimento de centros de ensino do Dharma em vrios pases do oriente e do ocidente. At a rgida e arcaica Igreja de Roma mostrou sinais de abertura. Atendendo aos clamores dos fiis que h muito se sentiam alienados com os servios religiosos em latim, uma drstica reforma litrgica foi implementada, permitindo que a missa fosse conduzida na lngua de cada povo e com maior participao dos fiis. O sacerdote, que anteriormente oficiava boa parte da missa de costas para o pblico, passa agora a voltar-se de frente para os fiis numa tentativa de quebrar barreiras e promover a comunicao.[2] Porm, a iniciativa conciliadora mais importante do Vaticano foi o movimento ecumnico. Depois de muitos sculos de disputas fratricidas a Igreja de Roma, numa demonstrao saudvel de humildade, tomou a iniciativa de promover o contato com grupos dissidentes dentro da grande tradio crist, bem como com outras religies.[3] A mudana de atitude foi, em grande parte, motivada pelo relativo esvaziamento das igrejas catlicas, face ao rpido crescimento das seitas protestantes e de outros movimentos, como o espiritismo e as religies ou filosofias orientais. Esse processo ecumnico, ainda que tmido e cauteloso, em virtude dos nimos acirrados por sculos de disputas, muitas vezes sangrentas, promove pontos de unio e minimiza os de separao. Esse ecumenismo tem-se mostrado, no entanto, eminentemente externo. Mais importante ainda, com imensas perspectivas de vir a provocar mudanas radicais, inclusive ao nvel da espiritualidade das massas de fiis em todo o mundo, seria um ecumenismo interior, entendido como uma abertura que leve em considerao todos os aspectos da natureza humana. Os cultos de praticamente todas as igrejas crists tradicionais, antes e depois da Reforma, baseiam-se num acirramento do aspecto emocional do homem. As liturgias, cnticos, romarias e atos devocionais baseiam-se numa f emotiva e 9. cega. A questo da verdadeira f de grande importncia e ser examinada posteriormente, pois ela um dos instrumentos fundamentais do processo transformador da ioga crist. Mas a emoo apenas um dos aspectos interiores do homem. O caminho que leva ao Reino dos Cus requer a integrao de todos os aspectos do ser humano. Isso significa que a emotividade religiosa tem que abrir espao para a razo, a fim de que as duas, emoo e razo, possam ser integradas e transcendidas, no seu devido tempo, pela intuio. Isso s ocorre quando o Cristo interior tem condies de despertar no mago de nossos coraes e, progressivamente, assenhorar-se do comando de nossas vidas. Esse processo de integrao, ou ecumenismo interior, a essncia dos ensinamentos internos de Jesus. Assim como o aumento da intensidade das energias espirituais neste sculo se fez sentir ao nvel das idias, dos movimentos e das instituies existentes, com mais razo ainda se fez sentir na alma das pessoas. Milhes de indivduos em todo mundo passaram a sentir o chamado do alto. Esse chamado, sempre sutil, procura por diversos meios fazer com que o homem entenda que sua meta o Reino e que, para atingi-la, torna-se necessrio um progressivo desapego do mundo material. A forma como os homens geralmente sentem esse chamado por intermdio da insatisfao com sua vida, mesmo quando esto aparentemente fazendo as coisas certas e vivendo uma vida tica. Essa divina insatisfao deslancha um processo de busca, que, inicialmente, confuso, pois o homem no consegue identificar exatamente o que est procurando. Busca livros e outras formas de auto-ajuda, dentro e fora de sua tradio; procura ouvir todo tipo de palestra sobre temas espirituais. Procura, enfim, por todos os meios, saciar sua terrvel sede da verdade. Muitos dos que batem s portas das igrejas voltam desapontados com o receiturio prescrito pelos seus sacerdotes e pastores. Podemos identificar trs reas principais de insatisfao com a ortodoxia: os dogmas, a conceituao do homem como pecador e de Deus como justiceiro e, finalmente, as prticas espirituais sugeridas. Os dogmas de f sempre constituram-se em obstculos para o crescente segmento pensante da cristandade. Enquanto o domnio da Igreja de Roma era total sobre seus fiis, o medo era geralmente suficiente para manter os fiis e at mesmo os intelectuais em linha. Porm, neste ltimo sculo, com os grandes avanos na educao das massas e a liberdade de pensamento exercida sem as antigas inibies religiosas, o conflito entre dogma e razo vem levando um nmero crescente de cristos a assumir uma posio de coerncia com seus sentimentos mais ntimos. Infelizmente, isto tem tambm levado muitos a rechaarem, juntamente com os dogmas, toda a doutrina crist e os ensinamentos corretos da Igreja. A segunda rea de conflito com a doutrina ortodoxa j era sentida de forma latente h muitos sculos. Trata-se da repulsa instintiva ao conceito de Deus justiceiro apresentado pelo Antigo Testamento, numa interpretao literal, que foi encampado pela ortodoxia crist. Conceber Deus como um Ser sujeito a ataques de fria que precisam ser aplacados por diversas formas de sacrifcios e holocaustos fere a conscincia daqueles que no se recusam a pensar e constitui-se uma verdadeira heresia. A mxima heresia nesse sentido a proposio de que o Filho de Deus foi oferecido em sacrifcio para propiciar o 10. perdo de Deus pelos pecados dos homens, conhecida como doutrina da expiao vicria. Felizmente, em nosso sculo, com os avanos da psicologia moderna e o entendimento do lado sombra do ser humano, o cristo comeou a entender porque sempre se sentiu incomodado por sua caracterizao como vil pecador. Jung mostrou que as negatividades inerentes ao nosso processo de aprendizado terreno devem ser entendidas e superadas pela compreenso e pelo amor e no pelo temor a um Deus implacvel que castiga nossas falhas e fraquezas com os tormentos do fogo eterno.[4] Muitos dos cristos que ainda se mantm fiis Igreja mostram finalmente seu descontentamento com as prticas espirituais tradicionais da ortodoxia e, em alguns casos, com o significado deturpado dado a elas. A missa, o tero, as romarias e as outras prticas disponveis aos leigos contrastam com as prticas de outras tradies que, aos poucos, se tornaram conhecidas no Ocidente. Esse descontentamento no se restringe aos catlicos mas sentido tambm pelos fiis das seitas evanglicas e protestantes por causa de sua conhecida inflexibilidade em questes doutrinrias. Apesar de muita resistncia interna, a poderosa energia crstica atuando nesta poca de transio, parece ter rachado, em alguns lugares, a espessa muralha do conservadorismo. Assim, algumas aberturas, como o movimento carismtico e os movimentos de jovens e de casais da igreja catlica resultaram em entusistica resposta dos leigos e de parte do clero. Tambm a divulgao, por iniciativa de alguns padres e monges, de certas prticas meditativas e contemplativas, parcialmente inspiradas nos modelos orientais, tiveram excelente acolhida. Porm, para a grande massa dos buscadores, a Igreja permaneceu uma instituio rgida, distante, indiferente e at mesmo alienada das necessidades espirituais de seus fiis. O resultado tem sido um progressivo desapontamento dos fiis com a ortodoxia religiosa crist e conseqente xodo para outros movimentos e tradies no-cristos ou fora dos cnones ortodoxos. Isso explica porque o espiritismo, o budismo, o hindusmo, a ioga e outros movimentos religiosos e filosficos no Brasil tiveram to boa acolhida entre os cristos insatisfeitos com a postura ortodoxa de sua tradio. Isso ocorre porque, nesses movimentos ou tradies, o buscador encontra prticas espirituais slidas e doutrinas que no agridem a razo. As tradies budista e da ioga tm exercido grande atrao sobre os buscadores ocidentais. Ambas podem ser mais acertadamente consideradas como tradies filosficas do que religiosas. Seus aspectos doutrinrios so extremamente atraentes, englobando conceitos filosficos e cosmolgicos de abrangncia e grandeza que fascinam os estudiosos livres de preconceitos. Porm, o ponto que exerce maior atrao parece ser a prtica espiritual dessas tradies voltadas para a libertao do sofrimento. Dentre essas prticas destaca-se a meditao, com todas suas modalidades e etapas. At mesmo alguns padres e monges cristos, como Thomas Merton[5] e William Johnston,[6] depois de estudarem o budismo, procuraram introduzir suas prticas meditativas nos meios cristos. Johnston, preocupado com o desinteresse crescente dos fieis pelas prticas devocionais tradicionais (rosrio, via sacra e novenas), e verificando a firmeza milenar das prticas budistas, tal como observou no Japo, desabafa: 11. A velha contemplao crist destinava-se a uma elite - os franciscanos, os jesutas, os dominicanos e as pessoas de bem. Mas o pobre leigo, o cidado de segunda classe, ficava com as contas de seu rosrio. De ora em diante, no preciso que seja assim. Assim como a liturgia ampliou-se para abranger a todos, tambm o mesmo pode dar-se com a contemplao. O muro infame que separava o cristianismo popular do cristianismo monstico pode ser derrubado de forma a que todos possamos ter as nossas vises, alcanar o nosso samadhi.[7] A diferena radical de enfoque para a vida espiritual entre a tradio budista e a crist pode ser aquilatada pela maneira como se denominam seus membros. Os budistas geralmente se autodenominam praticantes, no sentido de serem praticantes do dharma, do corpo de ensinamentos do Senhor Buda. Os cristos, por sua vez, so normalmente caracterizados como fiis, refletindo o fato de serem supostamente fiis sua crena no corpo doutrinrio da Igreja. Enquanto uns praticam os ensinamentos de seu mestre, outros simplesmente crem passivamente nos dogmas de sua crena, desconhecendo, em geral, os ensinamentos de seu Salvador. Dentro desse contexto de crescente insatisfao com as prticas crists ortodoxas e a constatao de que existem alternativas atraentes nas outras tradies, a apresentao das doutrinas e prticas espirituais do lado interno da tradio crist assume especial importncia. Felizmente, quando conseguimos desvelar os ensinamentos esotricos de Jesus, verificamos que as prticas do cristianismo primitivo nada deixam a desejar s outras tradies orientais to em voga atualmente. Este livro vem juntar-se a uma crescente literatura sobre o cristianismo primitivo e os aspectos esotricos da tradio crist, enfatizando os mtodos e prticas espirituais voltados para a transformao interior, to escondidos no passado.[8] Esses antigos ensinamentos abrangentes, profundos e eternamente atuais, levaram Agostinho, reputado como um dos baluartes da Igreja, a escrever h quinze sculos atrs: Esta que hoje chamamos de religio crist existiu entre os antigos e existia desde o comeo da raa humana at que o Cristo se fez carne, tempo a partir do qual a verdadeira religio j existente comeou a ser denominada de cristianismo[9] [1] Peter Roche de Coppens, , sugere que: Tornar-se um verdadeiro cristo, para mim no mais do que se tornar um ser humano crstico, um ser humano que alcanou a verdadeira Iniciao espiritual. Um ser humano em quem o Senhor Rei e Governa; um ser humano em quem o Eu espiritual tornou-se o princpio unificador e integrador da psique e dos pensamentos, emoes, desejos, palavras e aes: um ser humano, ento, que se torna num outro Cristo vivo. Divine Light and Fire: Experiencing Esoteric Christianity (Rockport, Mass: Element, 1992), pg. 7. [2] Para uma interessante explicao do lado oculto dos rituais, vide: Geoffrey Hodson, O Lado Interno do Culto na Igreja (S.P.: Pensamento) e C.W. Leadbeater, O Lado Oculto das Coisas (SP: Pensamento) 12. [3] Esta abertura demandou grande coragem por parte do Vaticano, pois at meados deste sculo, a convico de que fora da Igreja no h salvao, foi absolutamente dominante para a postura da Igreja Romana em relao s outras igrejas e religies. [4] C.G. Jung, AION. Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo, (Petrpolis, R.J., Vozes, 1994), pg. 6-8. [5] Thomas Merton, Zen e as Aves de Rapina (S.P.: Cultrix, 1987) e Mystics and Zen Masters (N.Y.: The Noonday Press, 1994). [6] W. Johnston, Cristianismo Zen. Uma forma de meditao (S.P.: Cultrix, 1991) [7] Cristianismo Zen, op.cit., pg. 47. [8] Ver, a propsito, Jacob Needleman, Cristianismo Perdido (S.P.: Pensamento); Robin Amis, A Different Christianity (Albany: State University of New York Press, 1995); Ted Andrews, O Cristo Oculto (S.P.: Pensamento, 1997); Boris Mouravieff, Gnosis, Study and Commentaries on the Esoteric Tradition of Eastern Orthodoxy (Newbury, MA: Praxis Institute Press, 1990), 3 vol, e The Philokalia, The complete text (Londres: faber and faber, 1979), 5 vol. [9] St. Agostinho, Confisses, Livro I, cap. 13, vers. 3, citado por C.W. Leadbeater, A Gnose Crist (Braslia: Editora Teosfica, 1994), pg. 90. Voltar 13. OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIO ESOTRICA CRIST AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CUS NA TERRA A postura necessria para o estudo dos ensinamentos esotricos Se por um lado existe uma natural curiosidade por parte de todo cristo em conhecer os ensinamentos internos de sua tradio, devemos estar preparados para o fato de que esses ensinamentos nem sempre estaro de acordo com nossas idias tradicionais. Na verdade, parte dos conceitos ortodoxos devero ser modificados e, em alguns casos, at mesmo abandonados, medida que adquirirmos um entendimento mais slido do lado esotrico dos ensinamentos de Jesus. Esse o processo natural de amadurecimento de todo indivduo. As noes que governam a atitude das crianas em seus primeiros anos de interao com o mundo exterior, do geralmente lugar a conceitos mais abrangentes e complexos quando o jovem adulto est suficientemente amadurecido em sua capacidade intelectual e emocional. Um processo semelhante ocorre em nossa vida espiritual. Para que o devoto possa crescer espiritualmente, deve aprender a entender o sentido esotrico subjacente s doutrinas aceitas literalmente como dogmas de f. Nessa busca, o leitor verdadeiramente interessado deve estar disposto a investigar a simbologia bblica. Essa disposio implica numa atitude de flexibilidade e tolerncia para com idias e argumentos diferentes dos aceitos at ento. O verdadeiro estudioso deve submeter todo conceito e argumento, tanto tradicional como no-ortodoxo, ao crivo da razo e, a seguir, avaliao do corao. O devoto que adotar essa postura espiritualmente sadia estar chamando em seu auxlio o Cristo interior, que derramar suas bnos na forma de inspirao para a compreenso mais profunda das verdades transformadoras de nossa tradio. Com isso ele sentir uma profunda alegria ao efetuar uma leitura crtica, que lhe permitir construir paulatinamente, e de forma consciente, o arcabouo doutrinrio e prtico de sua transformao espiritual. Isso significa que o leitor deve adotar a postura do cientista que, ao iniciar um novo projeto de pesquisa, adota uma srie de hipteses de trabalho, que sero investigadas e testadas. Caso essas hipteses facilitem o avano da pesquisa e sejam confirmadas por testes posteriores, ento, e s ento, podero ser promovidas de hipteses a premissas para a implementao da parte prtica que permitir a concluso do trabalho. A atitude cientfica, apesar de atraente e lgica, difcil de ser adotada na prtica. Todos ns interagimos com o mundo a partir de um grande nmero de condicionamentos, a maior parte dos quais inconscientes. Nossa mente racional pode estar disposta a considerar uma determinada linha de raciocnio, porm, nossos sentimentos, que so governados pelo inconsciente, usurpam muitas vezes a atribuio da razo e rejeitam os argumentos lgicos to logo percebem que esses podem ameaar a segurana de nossa estrutura de valores. Isso explica a natureza intrinsecamente conservadora de todo ser humano. Resistimos mudana porque toda mudana implica numa revoluo interior que demanda algum compromisso com a verdade. Esse compromisso implica em humildade para aceitar a possibilidade de que alguns de nossos mais estimados conceitos foram construdos sobre a areia e, finalmente, uma coragem extraordinria para enfrentar a resistncia inicial 14. de nosso ego orgulhoso e inseguro. Os meandros da mente so muitas vezes desconcertantes para o iniciante. Um profundo estudioso da matria escreveu: A mente formal assemelha-se a um ditador de um estado autoritrio. Tal dirigente no pode, no ousa, tolerar qualquer interferncia de outros no seu despotismo ou sugesto de controle sobre ele, porque se isso prosperasse a sua ditadura eventualmente terminaria. No que concerne manuteno de seu sistema e ao controle das mentes cegas de seus membros, a ortodoxia religiosa estreita e defensiva est precisamente na mesma posio. Todo dogmatismo em assuntos religiosos surge do medo e desse impulso para o poder e sua preservao.[1] Para o estudante de esoterismo, toda e qualquer proposio doutrinria ou filosfica deve ser tomada como hiptese de trabalho da mente concreta, at que ele alcance o estado mstico que lhe permita conhecer diretamente a verdade. Quando em profunda contemplao ele passar a comungar com a Luz, ento, e s ento, poder saber com toda certeza as verdades que transcendem a mente intelectiva e que pertencem ao mbito do que chamamos de intuio (buddhi, em snscrito). esse conhecimento que os antigos chamavam de gnosis, o conhecimento direto da verdade que alcanado com a iluminao, e que gera uma f inabalvel. Assim sendo, as proposies doutrinrias e de ordem filosfica neste livro devem ser consideradas como secundrias. O importante so os ensinamentos transformadores, que poderamos chamar de metodologia para a transformao do homem velho no homem novo. Quando tivermos nascido de novo, iluminados pelo Cristo interior, estaremos capacitados a reavaliar nossas premissas anteriores para, ento, estabelecer nossa fundamentao filosfica com base na Verdade e no mais em hipteses. Este livro procura oferecer ao cristo dedicado essa metodologia transformadora que, se devidamente utilizada, pode levar o devoto ao estado experimentado pelo apstolo Paulo quando disse J no sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim (Gl 2:20). Todas as consideraes filosficas ou doutrinrias do livro devem ser consideradas como meras hipteses, servindo como elementos auxiliares no desenvolvimento de uma estrutura referencial que acreditamos ser lgica e sequenciada. O estudante que estabelecer como meta a sua transformao interior, no se deixando limitar ou intimidar por argumentos filosficos ou teolgicos, poder deixar para mais tarde as decises doutrinrias, quando estiver capacitado pela iluminao transformadora a pronunciar-se sobre esses pontos de forma definitiva. O Mestre deve ter tido isso em mente quando nos disse: Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertar (Jo 8:32). Apresentamos a seguir as principais hipteses que foram usadas para nortear o trabalho. Estas hipteses sero examinadas com mais detalhes ao longo do texto: 1. O objetivo de todo ministrio de Jesus foi alertar a humanidade para a realidade do Reino e ensinar os homens como alcan-lo, retornando Casa do Pai. 2. Para chegar ao Reino, ou seja, para alcanar a perfeio, o homem deve encontrar e trilhar o Caminho ao longo de todas as suas etapas. 15. 3. A maioria das pessoas ainda no despertou para a realidade do Caminho, pois esto mergulhadas na vida material e sensual, sem o menor interesse na vida espiritual. 4. O Caminho tem trs grandes etapas, que poderiam ser chamadas de religiosa, espiritual e mstica. Essas etapas tm um estreito paralelo com as trs grandes fases da vida do homem: infncia, vida adulta e maturidade. Nem todos os homens chegam a ltima etapa em sua plenitude, envelhecendo sem tornarem-se sbios, muitos agindo como crianas em idade avanada. 5. Na infncia a criana deve ser conduzida e protegida por seus pais e tutores, enquanto est sendo preparada para enfrentar a vida adulta por seus prprios meios. Nessa etapa a criana caracteriza-se por sua relativa subservincia, passividade e crena no poder e sabedoria de seus mentores, valendo-se principalmente da emoo como instrumento de resposta ao mundo. O caminho religioso tradicional eqivale infncia da humanidade, em que os fieis so conduzidos pelos sacerdotes, como representantes do Pai Celestial e da Madre Igreja, crendo em dogmas e obedecendo os mandamentos e as regras estabelecidos. As prticas religiosas so fundamentadas essencialmente no aspecto emotivo da natureza humana. 6. A primeira grande transformao da criana ocorre na adolescncia, um perodo caracterizado, entre outras coisas, pela rebeldia. Essa rebeldia, dentro de certos limites, saudvel, pois prepara o jovem para pensar e agir por conta prpria, usando a razo e desenvolvendo o discernimento. Um perodo de transio semelhante tambm ocorre com o devoto que comea e sentir-se insatisfeito com a vida emocionalmente protegida dentro de sua religio. Ele comea a se rebelar contra a doutrina estabelecida e a obedincia s regras e autoridade religiosa constituda. Esse perodo extremamente penoso e eivado de contradies, mas essencial para a entrada na prxima etapa do Caminho. caracterizado por uma insatisfao essencial que leva busca da verdade. 7. A etapa intermediria do Caminho, que chamamos de vida espiritual, eqivale vida do adulto. Nela o buscador deve assumir a responsabilidade por sua vida e procurar viver de acordo com a mais alta tica que seu discernimento lhe dir ser apropriada para uma vida responsvel, harmnica e construtiva dentro da famlia humana. O aspecto mais importante dessa fase a constante preocupao com o crescimento espiritual. A pessoa dever efetuar diversas mudanas em sua atitude e no seu comportamento, para purificar-se e chegar cada vez mais perto da meta. 8. Ao desenvolver um ego forte, lcido e crtico o homem maduro chegar um dia ao ltimo estgio do Caminho, a etapa mstica. Essa etapa tambm corresponde, de certa forma, ao caminho ocultista, que ser descrito mais adiante. O mstico o buscador espiritual que, tendo feito tudo o que podia para a sua autotransformao, reconhece que os esforos do ego no so suficientes para alcanar a meta suprema, o que s pode ser feito com a ajuda do Alto. A Graa Divina no pode ser forada, mas o terreno para que ela seja concedida pode e deve ser devidamente preparado por uma vida de purificao, meditao e servio. O mstico procura subordinar seu ego desenvolvido para fazer a vontade de Deus e no mais a sua. 9. No Caminho ocorre um drstico afunilamento de uma etapa para a outra, como havia sido 16. indicado por Jesus quando disse muitos so chamados, mas poucos escolhidos (Mt 22:14) e tambm que escolherei dentre vs, um entre mil e dois entre dez mil (Evangelho de Tom, versculo 23).[2] Portanto, no de se estranhar que as instrues esotricas de Jesus fossem dirigidas aos poucos, enquanto seu ministrio pblico era voltado para os muitos. Da mesma forma, entre os milhares de buscadores que se dedicam vida espiritual, so poucos os que alcanam as realizaes msticas avanadas associadas ao Reino dos Cus. 10. O ministrio de Jesus cobriu as trs etapas do Caminho. O ensinamento aberto ao povo, mais tarde acrescido das doutrinas e dogmas estabelecidos pela Igreja, visava atender a primeira etapa de desenvolvimento do homem. Seus ensinamentos esotricos, velados nas parbolas e ministrados diretamente a seus discpulos, tinham por objetivo guiar o homem ao longo da segunda etapa de busca espiritual. Seu mtodo de ensino, incluindo a crtica sabedoria convencional, ou seja, religio ortodoxa dos judeus de sua poca (que ser examinado, em especial, nos captulos 4 e 10), visava estimular a razo, o discernimento e o senso de responsabilidade do homem em busca do Reino. Esses ensinamentos e, principalmente, os mistrios, ou sacramentos, que Jesus ministrava aos poucos que estavam preparados para eles, visavam levar o homem ltima etapa, vida unitiva do caminho mstico. Nessa etapa o homem aprende que deve morrer para o mundo para alcanar o Reino, ou seja, entregar-se inteiramente a Deus para alcanar a Salvao. Observamos que o Caminho, como tudo na vida, apresenta uma peridica alternncia de ciclos. Na primeira etapa a criana tem uma atitude passiva para com a vida, aceitando a orientao de seus superiores. O adulto, ao contrrio, para ser bem sucedido, deve assumir uma atitude ativa, buscando sua liberdade para decidir sobre o que julga ser melhor para seus interesses. Na ltima etapa, o futuro sbio deve mais uma vez retornar passividade, aguardando com pacincia, humildade e perseverana a chegada da Graa, que trar a iluminao. A classificao das trs etapas do Caminho como religiosa, espiritual e mstica deve ser entendida como indicativa de caractersticas bsicas do comportamento e atitude dos indivduos. Para evitar controvrsias semnticas, deve ficar claro que um indivduo na etapa espiritual ou at mesmo na via mstica pode se considerar corretamente como sendo religioso, cristo ou catlico. A religio em seu sentido mais amplo deve acomodar almas em todos os estados evolutivos, da mesma forma como o Reino do Pai, que tem muitas moradas. Esta obra foi dividida em sete partes. Na primeira, procuramos identificar o estado atual da vida espiritual do cristo comum, alheio aos ensinamentos internos de Jesus, e indicar por que o momento presente especialmente propcio para resgatar esses ensinamentos, confirmando as palavras do Mestre de que nada h de oculto que no venha a ser manifesto, e nada em segredo que no venha luz do dia (Mc 4:22). A segunda parte estabelece a definio de tradio interna, determina as fontes primrias e secundrias dessa tradio e as formas para termos acesso ao seu material. A importncia da interpretao do material bblico ressaltada. 17. O significado da meta suprema apontada por Jesus, o Reino dos Cus, o objeto da terceira parte. Contrastando com o conceito de Reino na tradio judaica e como ele foi interpretado pelas igrejas ortodoxas, sugerido que o Reino dos Cus no um lugar no tempo e no espao, e no atingido somente aps a morte, mas um estado de esprito que pode e deve ser alcanado aqui e agora. Ao contrrio do que muitos crem, s aqueles que alcanam o Reino enquanto encarnados podem gozar da bem-aventurana celestial aps a morte. A quarta parte a descrio do processo de retorno Casa do Pai, a nossa meta, sendo a Parbola do Filho Prdigo um exemplo de como a interpretao de um mito ou alegoria pode proporcionar a chave para o entendimento dos ensinamentos ocultos de Jesus. Dois outros mitos cosmognicos ainda mais abrangentes e profundos do que aquela parbola, conhecidos como o Hino da Prola e o mito de Pistis Sophia, so apresentados em anexo, oferecendo assim outras fontes para o mesmo ensinamento. Como o objetivo do trabalho no meramente acadmico, as questes prticas relacionadas com o mtodo e o instrumental transformador legado pela nossa tradio so enfatizadas, ocupando a maior parte do livro. A quinta parte aborda o mtodo para alcanar o Reino dos Cus, que foi descrito por Jesus como a porta estreita e o caminho apertado. Em sua essncia, o mtodo poderia ser resumido no que a ortodoxia chamou de arrependimento, mas que no original grego era metanoia, que tinha um significado bem mais amplo, que era o de mudana dos estados mentais que levam mudana de conscincia pela superao dos condicionamentos e da ignorncia anterior. Esse conceito basicamente psicolgico e oferece um paralelo com o enfoque da tradio budista de transformao da mente. Ainda nesta parte so abordados os primeiros passos no caminho espiritual, incluindo o despertar para a realidade ltima da vida, a eterna busca da felicidade e o papel da aspirao ardente. Finalmente, so examinadas as regras do caminho espiritual, a fundao da verdadeira f. Dentre essas regras so discutidas a unidade de todas as coisas, a natureza cclica da manifestao, o objetivo do processo de manifestao, o papel do livre arbtrio e da lei de causa e efeito e a importncia do conhecimento de si mesmo. O instrumental transformador de nossa tradio to rico e efetivo como o das tradies orientais. Esse instrumental, que constitui verdadeiramente as chaves do Reino dos Cus, examinado na sexta parte. Assim como a Bblia nos fala dos doze apstolos de Jesus, a tradio interna legou-nos doze instrumentos transformadores. Os seis primeiros servem como fundao para o processo transformador, promovendo o que os msticos chamam de via negativa ou purgativa e os cristos primitivos de kenosis, ou esvaziamento que prepara a alma para receber a Graa suprema do Esprito. Esses seis primeiros instrumentos fundamentais so a f, o amor a Deus, a vontade, a purificao, a renncia e o discernimento. Os outros seis instrumentos so de natureza mais operativa. So eles: estudo, orao e meditao, lembrana de Deus, ateno, rituais e sacramentos e, finalmente, a prtica das virtudes. Na stima e ltima parte destaca-se a integrao entre a natureza superior e a inferior do homem que, semelhantemente ao processo de individuao descrito por Jung, necessria para que ocorra o verdadeiro crescimento espiritual. Verifica-se que o amor e a verdade so os elementos integradores mais importantes no processo. De interesse especial para o devoto so os indcios de que a transformao est ocorrendo e est levando-o progressivamente unio com o Supremo Bem, a meta 18. de todo esforo. Um fato de especial interesse para o devoto que a vida do Cristo, pode ser vista como uma alegoria do caminho acelerado, em que os marcos de seu nascimento, batismo, transfigurao, morte e ressurreio e, finalmente, a ascenso representam as cinco grandes iniciaes. Com o objetivo de tornar este livro o mais prtico possvel para o buscador determinado a entrar pela Porta Estreita e trilhar o Caminho Apertado, reunimos no Anexo 1 algumas prticas e exerccios espirituais, decorrncia natural dos instrumentos transformadores examinados ao longo do texto. Um glossrio tambm apresentado, numa tentativa de facilitar o entendimento da terminologia crist e esotrica, bem como uma bibliografia. [1] G. Hodson, The Life of Christ from Nativity to Ascension, op.cit., pg. 202. [2] Vide J. Robinson (ed.), Nag Hammadi Library (San Franciso: Harper), pg. 129. Voltar 19. OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIO ESOTRICA CRIST AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CUS NA TERRA II. O LADO INTERNO DE UMA TRADIO Captulo 1 EXISTE UM LADO INTERNO NA TRADIO CRIST? As igrejas crists na atualidade professam que todos os ensinamentos de Jesus esto contidos na Bblia, tendo sido interpretados, no decorrer dos sculos, pelos credos, dogmas e outros ensinamentos transmitidos pela hierarquia eclesistica. Apesar das passagens da Bblia que falam claramente sobre ensinamentos reservados e dos escritos dos Padres da Igreja Primitiva referindo-se aos Mistrios de Jesus, a atitude ortodoxa de que no existe um lado interno na tradio crist. Caso isso fosse verdade, essa seria a nica grande religio sem ensinamentos esotricos. Essa postura da igreja no de se estranhar, pois, como disse o Bispo Leadbeater da Igreja Catlica Liberal,[1] com a passagem do tempo, todas as religies gradualmente se distanciam da forma original em que foram plasmadas por seus fundadores. Quase sempre esta mudana para pior.[2] Porm, existe um lado interno na tradio crist, que so os ensinamentos reservados e as prticas estabelecidas por Jesus, preservadas e desenvolvidas por seus discpulos e grandes praticantes. Pelo fato de lidarem com os aspectos ocultos da natureza e do homem, so geralmente preservados pela tradio oral ou apresentados de forma alegrica. Esses ensinamentos visam identificar o objetivo ltimo da vida do homem no mundo e orientar os praticantes como alcan-lo o mais rpido possvel. O lado interno, portanto, equivalente ao lado esotrico ou oculto da tradio.[3] Como os ensinamentos esotricos, por definio, so ministrados de forma reservada a um nmero relativamente pequeno de discpulos mais avanados e, geralmente, sob o juramento de sigilo, muito pouca informao a esse respeito chega ao domnio pblico. Essa situao tem um paralelo na tradio dos mistrios, sobre a qual tanto se fala mas pouco se sabe fora do crculo de seus iniciados. Apesar de quase ignorado por muitos sculos, o lado interno da tradio crist uma realidade. Jesus falava de acordo com a capacidade de discernimento de cada um, segundo o que podiam compreender (Mc 4:33), sendo que para seus discpulos ministrava ensinamentos reservados, como fica claro na seguinte passagem: Quando ficaram sozinhos, os que estavam junto dele com os Doze o interrogaram sobre as parbolas. Dizia-lhes: A vs foi dado o mistrio do Reino de Deus; aos de fora, porm, tudo acontece em parbolas (Mc 4:10-11). Se aceitamos o teor dessa passagem, que confirmado em outras partes dos evangelhos[4] e em 20. documentos apcrifos,[5] podemos assumir que a tradio crist, pelo menos em seus primrdios, teve um lado interno, estabelecido diretamente por Jesus. Paulo confirma esse fato em suas epstolas quando fala de verdades veladas, reservadas aos perfeitos,[6] ou seja, aos que tinham sido iniciados nos mistrios de Jesus: Ensinamos a sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que Deus, antes dos sculos, de antemo destinou para a nossa glria (1 Co 2:7). E, referindo-se aos dons da graa de Deus, o apstolo diz: Desses dons no falamos segundo a linguagem ensinada pela sabedoria humana, mas segundo aquela que o Esprito ensina, exprimindo realidades espirituais em termos espirituais (1 Co 2:13). Na Epstola aos Hebreus mencionado que, mesmo com o passar do tempo, a maior parte dos membros das comunidades crists primitivas ainda no estava apta a receber os ensinamentos internos: Muitas coisas teramos a dizer sobre isso, e a sua explicao difcil, porque vos tornastes lentos compreenso. Pois, uma vez que com o tempo vs devereis ter-vos tornado mestres, necessitais novamente que se vos ensinem os primeiros rudimentos dos orculos de Deus, e precisais de leite, e no de alimento slido. De fato, aquele que ainda se amamenta no pode degustar a doutrina da justia, pois uma criancinha! Os adultos, porm, que pelo hbito possuem o senso moral exercitado para discernir o bem e o mal, recebem o alimento slido. (Hb 5:11-14) No evangelho de Joo existem vrias passagens de natureza profundamente esotrica apresentadas de forma velada. Existem, tambm, indicaes de que outros evangelhos de natureza esotrica foram escritos mas no foram conservados pela tradio ortodoxa, como o Evangelho de Matias, referido por Jernimo, o Evangelho secreto de Marcos,[7] e os Evangelhos de Tom e de Felipe, encontrados na biblioteca de Nag Hamaddi. Clemente de Alexandria, um dos maiores patriarcas da Igreja, falando sobre o trabalho de Marcos e os ensinamentos secretos de Jesus, escreve: (Desta forma) ele (Marcos) organizou um evangelho mais espiritual para aqueles que estavam sendo purificados. No entanto, no divulgou as coisas que no deveriam ser reveladas, nem escreveu os ensinamentos hierofnticos do Senhor... Incluiu certas explicaes que, ele sabia, conduziriam os ouvintes ao santurio mais interno daquela verdade oculta por sete (vus).[8] A prtica de diferenciar os nveis de ensinamento conforme a preparao dos ouvintes era comum entre os judeus, tanto da tradio rabnica como dos essnios, que transmitiam dois tipos de ensinamentos, um externo para o povo e os nefitos, e outro interno, para os estudantes avanados.[9] Os grandes seres que legaram ensinamentos humanidade, que mais tarde transformaram-se em religies, sempre levaram em considerao as necessidades especficas das almas em diferentes estgios evolutivos. Para as massas eram ministradas instrues simples, voltadas para as necessidades prementes de orientao moral, de consolao e de esperana para os aflitos. Assim, as parbolas e outros ditados de Jesus contm, numa primeira leitura, uma moral da estria, um ensinamento prtico, geralmente apresentado com imagens da vida diria de seus ouvintes. Porm, para as pessoas mais instrudas e j despertas espiritualmente, as mesmas parbolas, devidamente interpretadas, ofereciam outra camada de ensinamentos mais profundos que haviam sido velados pela alegoria. Finalmente, para seus discpulos mais chegados, foram ministrados ensinamentos secretos conservados pela tradio oral e s mais tarde confiados linguagem escrita, ainda que de forma altamente simblica. 21. O bispo Leadbeater afirma categoricamente que existe um lado esotrico do cristianismo, apesar dos protestos em contrrio das correntes ortodoxas dominantes. Em suas pungentes palavras: Originalmente, o cristianismo era uma doutrina de magnfica elaborao -- aquela doutrina que repousa nos fundamentos de todas as religies. Quando a histria do Evangelho, que tinha significao alegrica, foi degradada a uma pseudonarrativa histrica da vida de um homem, a religio tornou-se confusa. Por essa razo, todos os textos relativos s coisas elevadas foram distorcidos e, portanto, no mais correspondem verdade subjacente. Por ter o cristianismo esquecido muito de seu ensinamento original, costume atualmente negar que algum dia tenha tido qualquer instruo esotrica.[10] Nos primeiros sculos de nossa era os ensinamentos internos de Jesus foram preservados principalmente pelos grupos conhecidos como gnsticos, que transmitiam oralmente seus segredos, de forma gradual, aos seus seguidores. A massa dos fiis recebia os ensinamentos da tradio aberta, muitos dos quais derivados dos ensinamentos esotricos. Com o tempo, porm, a corrente ortodoxa passou a dar uma interpretao de cunho histrico e literal s verdades profundas, transformando-as em dogmas. Um estudioso chega a sugerir que: Os dogmas tradicionais da Igreja que chegaram a ns ao longo dos sculos so materializaes grosseiras do verdadeiro ensinamento sobre a natureza e origem espiritual do homem contido na gnosis. Esses dogmas so o resultado do historicismo literal das narrativas -- alguns casos, porm, tendo uma base semi-histrica -- que tinham a inteno original de servir como alegorias cobrindo profundas verdades espirituais. A verdade, portanto, no que o gnosticismo seja uma heresia, um afastamento do verdadeiro cristianismo, mas precisamente o oposto, isso , que o cristianismo em seu desenvolvimento dogmtico e eclesistico uma caricatura dos ensinamentos gnsticos originais.[11] Com o crescente acervo de informaes sobre o lado esotrico dos ensinamentos de nossa tradio, seria lcito perguntar por que esses dados no foram apresentados de forma sistemtica para o grande pblico? A verdade que nunca houve interesse nesse particular dentro da Igreja. Ao contrrio, as autoridades eclesisticas, depois de Clemente de Alexandria e Orgenes, sempre negaram que houvesse um lado esotrico da tradio crist. Um dos principais fatores para essa atitude remonta aliana da incipiente igreja com o Imperador romano Constantino no incio do sculo IV. O cristianismo popular, introduzido por Constantino como religio oficial do Imprio Romano no podia se dar ao luxo de aceitar uma viso interna e esotrica, fora do controle da hierarquia. A nova religio tinha que servir como instrumento de garantia do reino terrestre. Um Reino espiritual no tinha lugar nesse esquema. Para a Igreja Romana, essa aliana trouxe inmeras vantagens, como a cessao das perseguies e o poder temporal sobre assuntos religiosos. Porm, o preo pago foi demasiado alto: o afastamento do que havia de mais precioso na herana crist e a alienao de milhares de buscadores sinceros que foram anatemizados ao longo dos sculos. Dessa tentao no escaparam, mais tarde, as igrejas da reforma protestante, que tambm se uniram aos prncipes desse mundo. 22. A Bblia permaneceu a suprema fonte da tradio, em que pese a importncia concedida tradio oral, principalmente nos meios monsticos. Toda tentativa de sistematizao dos ensinamentos do Mestre sempre foi vista com extrema suspeita, pois o resultado de qualquer nova apresentao dos ensinamentos iria, no mnimo, afetar as prioridades e valores relativos da estrutura dogmtica estabelecida pela Igreja.[12] A atitude usual, porm, ia muito alm da suspeita, chegando rejeio peremptria das novas interpretaes, pois, por definio, seriam diferentes da ortodoxa, sendo, portanto, taxadas de heresias e combatidas literalmente a ferro e fogo. Dado o poder quase absoluto da Igreja a partir do sculo IV at o sculo XIX, todas as tentativas de sistematizao, inclusive dos ensinamentos esotricos de Jesus que vieram a pblico, no tiveram sucesso, geralmente terminando com os escritos e seus escritores sendo execrados ou lanados na fogueira. Com a liberdade de pensamento e expresso conquistada no sculo passado e consolidada a partir da segunda metade deste sculo, um nmero crescente de estudos vem sendo realizado: inicialmente comparando os provrbios e parbolas semelhantes nos evangelhos sinticos, que levaram teoria do evangelho Q (inicial da palavra alem Quelle, que significa fonte, para a suposta fonte original das logia de Jesus) e, mais recentemente, a comparao e anlise das formulaes dos sinticos com as equivalentes nos evangelhos gnsticos, principalmente com o Evangelho de Tom. As interpretaes das parbolas de Jesus foram outro grande avano no entendimento dos ensinamentos do Mestre.[13] Partimos, portanto, da hiptese de que os ensinamentos de Jesus, o vivo, como o Mestre era chamado pelos gnsticos, foram o instrumento para trazer salvao aos homens, entendida como a admisso ao Reino dos Cus. Esses ensinamentos seriam a medicao salvadora receitada pelo grande terapeuta humanidade. O diagnstico foi feito, a medicao receitada. Resta a cada ser humano exercitar seu livre arbtrio e decidir se toma a medicao necessria, em tempo hbil, na atual encarnao. Caso o diagnstico e a prescrio sejam aceitos, deve-se envidar todo o esforo possvel para fazer o tratamento, que , como na homeopatia, feito longo prazo, ativando os princpios curadores existentes no interior de cada um. A revelao foi feita, a ajuda divina est disponvel, mas o paciente deve fazer a sua parte. [1] A Igreja Catlica Liberal foi estabelecida em 1916 na Inglaterra, a partir da Igreja Velho-Catlica da Holanda, seguindo a sucesso apostlica. Atualmente existem dioceses dessa igreja crist em mais de quarenta pases, com seu centro internacional em Londres, Inglaterra. No romana nem protestante, mas uma das muitas igrejas de tradio catlica de origem semelhante, tais como as igrejas orientais (ortodoxa grega, russa, sria, copta), as igrejas episcopais (Comunho Anglicana) e as igrejas velho- catlicas (Comunho de Utrecht), que so independentes de Roma. A Igreja Catlica Liberal aspira combinar a antiga forma de adorao sacramental com a mais ampla medida de liberdade intelectual e de respeito pela conscincia individual. Para maiores detalhes vide: Igreja Catlica Liberal, Informao Geral, (Diocese do Brasil, 1985). [2] C.W. Leadbeater, A Gnose Crist (Braslia: Editora Teosfica, 1994), pg. 89. 23. [3] Os aspectos esotricos da religio so as percepes, conceitos, definies e reaes s imagens, smbolos, mitos e rituais religiosos de pessoas num nvel mais elevado de conscincia. Essas percepes envolvem algo que deve ser aprendido de dentro, de vises internas, experincia e contatos diretos. Ainda que alguns aspectos do lado esotrico da religio possam ser conceituados, ensinados e transmitidos para aqueles que so capazes de atuar nos andares superiores de sua conscincia, outros aspectos, o corao essencial do modo esotrico, so estritamente pessoais e no podem ser comunicados ou transmitidos a outros, pois s podem ser revelados atravs da experincia pessoal direta. Divine Light and Fire, op.cit., pg. 34-35. [4] Mt 13:10-13; 13:17; Mc 4:34; Lc 8:9-15; Lc 24:27; Jo 20:30; Jo 21:25. [5] Vide: J. Robinson, ed., The Nag Hammadi Library (San Francisco: Harper); W. Schneemelcher, ed., New Testament Apocrypha (Louisville, USA: Westminster/John Knox Press, 1991); R. Branco, Pistis Sophia. Os Mistrios de Jesus (R.J.: Bertrand Brasil, 1997) [6] I Co 2:6-9; I Co 4:1; Ef 3:9; Cl 1:26. [7] Morton Smith, The Secret Gospel: The Discovery and Interpretation of the Secret Gospel According to Mark (Clearlake, Cal.: The Dawn Horse Press, 1982) [8] Morton Smith, The Secret Gospel, op.cit., pg. 15. [9] The Secret Gospel, op.cit., pg. 81-84. [10] A Gnose Crist, op.cit., pg. 89. [11] William Kingsland, The Gnosis or Ancient Wisdom in the Christian Scriptures (Dorset, G.B.: Solos Press, 1993), pg. 16-17. [12] Um exemplo dessa intransigncia foi o desaparecimento da obra de Papias, bispo de Hierpolis (sia Menor), que escreveu em aproximadamente 140 d.C. um livro em cinco volumes, intitulado: Interpretao das Palavras do Senhor. Essa obra foi perdida, sendo conhecida apenas por alguns fragmentos relatados por Eusbio e Irineu. [13] Dentre os principais expoentes poderamos citar C.H. Dodd, The Parables of the Kingdom (N.Y.: Scribner, 1961), J. Jeremias, The Parables of Jesus (N.Y.: Scribner, 1963), N. Perrin, Rediscovering the Teachings of Jesus (Londres: SCM Press, 1967) e J.D. Crossan, In Parables. The Challenge of the Historical Jesus (Sonoma, Cal.: Polebridge Press, 1992). Voltar 24. OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIO ESOTRICA CRIST AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CUS NA TERRA II. O LADO INTERNO DE UMA TRADIO Captulo 2 AS FONTES PRIMRIAS DA TRADIO INTERNA Se Jesus passou ensinamentos reservados, como poderemos, ento, ter acesso a eles decorridos quase 2000 anos? Por estranho que parea, em certos casos, a passagem do tempo tende a relaxar o sigilo sobre as coisas esotricas, em virtude do desenvolvimento consciencial da humanidade. Com isso, o esoterismo de uma era torna-se o exoterismo das eras seguintes. Essa tendncia parece comum a todas as tradies. Ao que tudo indica, Jesus tinha em mente a inevitabilidade dessa abertura gradual quando disse: Pois nada h de oculto que no venha a ser manifesto, e nada em segredo que no venha luz do dia (Mc 4:22). Como veremos a seguir, existem trs fontes bsicas originais e duas fontes secundrias dos ensinamentos e prticas ocultas de nossa tradio. As fontes primrias so as mais prximas da origem dos ensinamentos ocultos de Jesus. So a prpria Bblia, os documentos apcrifos e a tradio oral. As fontes secundrias so, em primeiro lugar, os ensinamentos transmitidos pelos grupos esotricos que surgiram ao longo do tempo dentro da tradio crist ou associados a ela, como os templrios, os albigenses, os rosa-cruzes, os alquimistas e, em segundo lugar, a vida e experincia espiritual dos msticos. Essas fontes so referidas como secundrias, em termos do relativo afastamento temporal da fonte original dos ensinamentos e no de sua importncia, pois, oferecem dados valiosos e de grande abrangncia, nem sempre explicitados nas fontes primrias. Voltar 25. OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIO ESOTRICA CRIST AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CUS NA TERRA II. O LADO INTERNO DE UMA TRADIO Os evangelhos cannicos Pode parecer estranho, primeira vista, a referncia Bblia como uma fonte primria da tradio esotrica, em vista da opinio corrente de que os ensinamentos do Mestre relatados nos evangelhos eram destinados ao grande pblico, aos muitos, e que os ensinamentos internos ministrados aos discpulos no foram includos na Bblia, sendo transmitidos somente pela tradio oral. Esse um erro muito comum que precisa ser corrigido. A palavra bblia (biblia) em grego significa livros. A Bblia, portanto, era a expresso coloquial usada para referir-se aos livros que haviam sido escolhidos pela Igreja, dentre os muitos evangelhos e documentos existentes, para representar o Cnon,[1] ou seja, a expresso oficial da Boa Nova, como referendada pela Igreja. Se houve uma escolha entre diversos documentos, isso significa que alguns ou mesmo muitos documentos foram preteridos pelas autoridades eclesisticas, apesar de muitos deles terem sido escritos ou compilados por autoridades to competentes quanto s dos evangelhos cannicos. Essa escolha, ou melhor dito, esse veto, deve-se ao fato desses documentos conterem informaes ou ensinamentos que divergiam das doutrinas preconizadas pelos bispos mais influentes da poca.[2] O leigo geralmente associa a palavra Bblia aos quatro evangelhos. Na verdade, a Bblia contm o Antigo e o Novo Testamento, sendo esse ltimo o relato da Boa Nova de Jesus, o que em parte explica a idia popular sobre a Bblia como sinnimo de evangelho, pois esse termo, evangelho (euaggelion), a palavra grega que expressa a idia de boa nova.[3] O Novo Testamento, no entanto, composto de vinte e sete documentos, dentre os quais os quatro evangelhos ocupam posio de destaque. Os trs primeiros evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) so referidos como sinticos porque narram a vida e ministrio de Jesus segundo uma tica semelhante, enquanto o quarto evangelho, atribudo a Joo, diferente, sendo considerado esotrico. Dentre os sinticos, apenas um tero do contedo comum aos trs. Cinqenta por cento do material contido em Lucas exclusivo, trinta e quatro por cento em Mateus e dez por cento em Marcos. Da, admitir-se que a redao de Marcos precedeu a dos outros dois, que se apoiaram nele no que diz respeito aos relatos sobre a vida de Jesus. A autoria dos evangelhos nem sempre bem explicada aos leigos. Cada evangelho no o produto monoltico de um nico autor. Na verdade, sabemos hoje em dia que eles so o fruto da contribuio de vrios autores, ao longo de muitos anos, tendo passado por diferentes verses at chegar ao formato atual. A autoria, no entanto, atribuda ao autor que, de acordo com a tradio, teria fornecido a primeira camada ou verso da parte principal da obra. Esses fatos so admitidos at mesmo pelas 26. autoridades eclesisticas.[4] A verso atual do Evangelho de So Joo tambm passou por um complexo processo de incorporao e editorao semelhante aos sinticos. Para muitos ele incorpora uma fonte anterior, um Evangelho de Sinais.[5] Na Introduo da Bblia de Jerusalm ao Evangelho segundo So Joo, somos informados que: A ordem na qual se apresenta o evangelho cria certo nmero de problemas. possvel que essas anomalias provenham do modo como o evangelho foi composto e editado: com efeito, ele seria o resultado de uma lenta elaborao, incluindo elementos de diferentes pocas, bem como retoques, adies, diversas redaes de um mesmo ensinamento, tendo sido publicado tudo isso definitivamente, no pelo prprio Joo, mas, aps sua morte, por seus discpulos; dessa forma, estes teriam inserido no conjunto primitivo do evangelho fragmentos joaninos que no queriam que se perdessem, e cujo lugar no estava rigorosamente determinado.[6] Os estudiosos bblicos concordam que a redao dos evangelhos como os conhecemos hoje, pelo menos os de Mateus, Lucas e Joo, resultaram da estruturao dos ensinamentos de Jesus na sua tradicional forma de logia e parbolas, dentro de um arcabouo do que seria a histria da vida de Jesus. Foi essencialmente essa combinao que criou toda uma srie de problemas de interpretao bblica, que perdura at hoje. Tanto as logia como os relatos da histria do Cristo tinham uma grande importncia simblica e, certamente, foram escritos originalmente sob inspirao. Infelizmente, mesmo assim, as autoridades eclesisticas querem a todo custo que o texto bblico seja interpretado como um relato da histria de Jesus, devendo ser aceito literalmente. Sabemos, no entanto, que a opinio oficial da Igreja quanto a historicidade dos evangelhos no a mesma apresentada internamente entre os membros mais esclarecidos do clero. Um douto padre catlico, professor de teologia, que pediu para permanecer annimo, escreveu ao autor, com seus comentrios a uma verso preliminar deste texto: a interpretao simblica e alegrica esteve em voga entre os Santos Padres desde os primeiros tempos da Igreja. No nenhum segredo na Igreja Catlica que a Bblia est repleta de mitos, smbolos e alegoria que precisam ser interpretados. J o Papa Pio XII dissera que seria preciso levar em considerao os gneros literrios na Bblia, somente uma pequena parte dos quais historiografia. Para o estudante do lado esotrico da tradio crist deve ficar claro que tanto as parbolas e os ditados de Jesus, como a vida do Cristo devem ser interpretados de acordo com certas chaves da milenar simbologia sagrada. Os relatos da vida do Cristo devem ser entendidos como servindo a um propsito ainda mais transcendente do que os dados biogrficos da vida de Jesus. O fato de a Bblia ter sido escrita em linguagem simblica apresenta um certo perigo para o leitor moderno. Esse perigo reside nas tradues e adaptaes que periodicamente so feitas com o propsito de tornar a linguagem da Bblia mais acessvel ao pblico. Adaptaes da linguagem e das imagens utilizadas seriam teis se a Bblia contivesse meramente um relato histrico ou uma coletnea de estrias. No entanto, esse no o caso. Tradues, adaptaes e tentativas de modernizao da linguagem invariavelmente modificam os smbolos e as alegorias dos relatos, deturpando ou obscurecendo a mensagem velada por trs do 27. simbolismo. O Cristo um ser divino que se encontra de forma latente ou pouco ativa no corao de cada um de ns. Cristo, porm, revelou a plenitude de sua estatura no personagem histrico Jesus. No entanto, a grande importncia da histria do Cristo, no so os poucos fragmentos da historiografia de Jesus, mas sim a revelao dos estgios avanados da evoluo da alma, que passa por cinco grandes iniciaes: nascimento, batismo, transfigurao, crucificao e ressurreio e, finalmente, a ascenso. Esses estgios anteriormente s eram revelados em segredo nos ritos dos Mistrios Maiores. Portanto, os relatos da vida do Cristo oferecem um precioso mapa do tesouro para todo aspirante que deseja seguir o Mestre. O que est sendo relatado so os grandes marcos da vida espiritual de cada um de ns, a histria viva de cada alma que um dia chegar a se tornar um Cristo, e no simplesmente a histria de um grande personagem do passado. Uma interpretao inicitica da vida do Cristo apresentada no ltimo captulo deste livro. A redao final dos evangelhos tendeu a enfatizar os relatos da vida do Cristo, minimizando a importncia de seus ensinamentos. V-se, assim, que os evangelhos cannicos no apresentam os ensinamentos de Jesus em sua forma original, como tambm no apresentam todos os ensinamentos do Mestre. Isso dito, de forma alegrica, ao final do Evangelho de Joo: H, porm, muitas outras coisas que Jesus fez e que, se fossem escritas uma por uma, creio que o mundo no poderia conter os livros que se escreveriam (Jo 21:25). No sabemos ao certo porque os evangelhos omitem muitos ensinamentos de Jesus: se devido ausncia de registro por parte de seus discpulos, o que no parece verossmil, em virtude da existncia da tradio oral, ou por terem sido deliberadamente excludos, pelo fato de no serem compreendidos pelos editores finais dos evangelhos ou, ainda, por apresentarem contradies com a doutrina da Igreja que j estava em processo de elaborao. Qualquer curioso pode obter prova insofismvel de que existem muitos ensinamentos perdidos de Jesus, alguns certamente de carter oculto, a partir de um estudo atento do Novo Testamento.[7] Um autor declara: Em comparao com o nmero de vezes em que afirmam que Jesus lecionou, uma quantidade surpreendentemente pequena de versculos menciona que lies foram essas. Alguns escritores relatam que Jesus ensinou durante vrias horas, mas no incluem uma s palavra sobre o que foi dito.[8] Um exemplo flagrante a passagem da multiplicao dos pes, em que Jesus ensinou multido por grande parte do dia, mas nada relatado sobre o que foi dito, alm do lacnico comentrio de Lucas no sentido de que Jesus falou-lhes do Reino de Deus (Lc 9:11). A maioria das igrejas crists prega que a Bblia isenta de erros e que os autores dos evangelhos foram divinamente inspirados;[9] assim, todas as palavras deste livro devem ser aceitas literalmente e sem discusso.[10] Na Igreja Catlica, um corolrio dessa posio a infalibilidade de seu magistrio. As igrejas protestantes, em sua grande maioria, encamparam a proposio da Igreja de Roma. Essa posio dogmtica prestou um grande desservio nossa herana crist. Os leigos, face s inmeras contradies encontradas na Bblia, quando lida literalmente, desistem de interpret-la e entend-la,[11] refugiando-se na premissa de que todos esses assuntos so dogmas de f e devem ser aceitos, at mesmo quando a razo protesta. Com isso a verdadeira mensagem da Bblia, que est 28. encoberta por um vu de alegoria, foi inicialmente colocada de lado e finalmente esquecida.[12] Dessa forma, os ensinamentos do Mestre, com sua mensagem salvfica, foram, na prtica, relegados a segundo plano. Essa atitude perdura at os dias de hoje como atesta um autor moderno pertencente ao clero romano: Uma das primeiras caractersticas da leitura crist da Bblia, considerar esta ltima como um livro de histria, no como uma coleo de pensamentos -- uma histria cujo centro Cristo.[13] Contrastando com essa posio ortodoxa temos a opinio de um profundo estudioso da matria, o bispo Leadbeater da Igreja Catlica Liberal: A partir destes poucos (textos mal traduzidos, a Bblia), foi edificada uma estrutura insegura de uma doutrina desarrazoada que, examinada luz da razo, mostra-se imediatamente indefensvel. O verdadeiro e nobre ensinamento do Cristo est bem claro nas prpria escrituras. Elas nos falam constantemente de uma doutrina oculta que no foi revelada ao pblico. H muito tem sido costume negar isso e ostentar que o cristianismo nada contm que esteja alm do alcance do intelecto mais mediano. seguramente uma vergonha para o cristianismo dizer que no h nada nele para o homem que pensa.[14] O primeiro passo, portanto, para que se possa resgatar os ensinamentos esotricos de Jesus que se encontram no Novo Testamento estabelecer firmemente a premissa de que tanto os relatos sobre a vida de Jesus como seus ensinamentos devem ser interpretados, e que as chaves para essa interpretao podem ser obtidas. Essa premissa no uma posio moderna. J no segundo sculo de nossa era, Clemente de Alexandria, um dos mais respeitados e cultos padres da Igreja primitiva, ensinava que devemos procurar entender a mensagem essencial de Jesus por trs dos relatos dos evangelhos e da tradio oral: Sabendo que o Salvador no ensina nada de uma maneira meramente humana, no devemos ouvir seus pronunciamentos de forma carnal; mas com a devida investigao e inteligncia, devemos buscar e aprender o significado oculto neles.[15] Em outra ocasio Clemente indicou que existe um significado secreto nos ensinamentos de Jesus e que os mistrios da f no devem ser divulgados a todos, portanto, como essa tradio relatada exclusivamente quele que percebe o esplendor da palavra, necessrio ocultar num Mistrio a sabedoria divulgada que o Filho de Deus ensinou.[16] Nesse sculo, Geoffrey Hodson, outro grande erudito da Bblia, produziu um estudo monumental sobre o significado oculto das escrituras sagradas.[17] Em suas palavras, Aqueles que consideram as escrituras e mitologias do mundo como uma combinao de histria, alegoria e smbolo evidenciam que respostas plenas para essas e outras questes urgentes relativas vida humana, experincias e destino esto contidas debaixo da superfcie dos textos escriturais. Eles afirmam, ademais, que tais respostas so dadas plenamente ali com significados subjacentes, e que a impotncia relativa do cristianismo ortodoxo de hoje na presena dos males mundiais to 29. evidentes devida insistncia oficial na crena da Bblia como revelao divina, verbal, desde o Gnesis at o Apocalipse. Se a ortodoxia estivesse disposta a examinar as escrituras como parbolas, que revelam verdades e leis espirituais, ao invs de insistir em que o texto, em sua interpretao literal, expresso divina e, portanto, verdade absoluta, ela no estaria sujeita aos ataques que lhe so desferidos. Quando, alm disso, a crena implcita na letra da Bblia est estabelecida como essencial salvao da alma, intensificada uma natural repulso da aceitao de dogmas, alguns dos quais violam o fato e a possibilidade.[18] Os maiores estudiosos da Bblia insistem que ela uma fonte de ensinamentos ocultos e, como todas as escrituras sagradas, deve ser interpretada de acordo com uma simbologia milenar conhecida dos grandes seres que foram inspirados a escrev-las.[19] Essas verdades sempre foram conhecidas dos sbios da tradio oculta judaica, como indicam as palavras de Moses Maimonides, um grande talmudista e historiador do sculo XII de nossa era: Cada ocasio em que voc encontra em nossos livros um conto cuja realidade parece impossvel, uma histria que repugnante razo e ao bom senso, ento esteja certo de que ela contm uma imperscrutvel alegoria velando uma profunda verdade misteriosa; e quanto maior o absurdo da letra, mais profunda a sabedoria do esprito.[20] Mais contundente ainda a admoestao do livro sagrado da sabedoria esotrica da Cabala, o Zohar, que diz: Ai ... do homem que v na Tor, isto , na Lei, somente simples exposies e palavras usuais! Porque, se na verdade ela somente contm isso, ns igualmente seramos capazes hoje de compor uma Tor muito mais merecedora de admirao ... As narrativas da Tor so as vestimentas da Tor. Ai daquele que toma essas vestimentas como sendo a prpria Tor! ... Existem algumas pessoas tolas que, vendo um homem coberto com uma bela roupa, no levam sua considerao mais alm e tomam a vestimenta pelo corpo, enquanto l existe uma coisa ainda mais preciosa, que a alma... Os sbios, os servidores do Rei Supremo, aqueles que habitam as alturas do Sinai, esto ocupados exclusivamente com a alma, que a base de todo o resto, que a prpria Tor; e no tempo vindouro eles sero preparados para contemplar a Alma daquela Alma (i.e. o Deus) que sopra na Tor.[21] O enfoque de que a Bblia deve ser interpretada como um repositrio de alegorias sobre assuntos espirituais, contrasta com a posio assumida por um segmento importante dos eruditos bblicos deste sculo. A tendncia moderna a busca do Jesus histrico, iniciada por Schweitzer no incio do sculo, [22] impulsionada por Bultmann, um telogo que procurou salvar o edifcio da ortodoxia das insistentes investidas da cincia e da histria com sua proposta de depurar a Bblia de seus elementos mitolgicos, [23] e consolidada mais recentemente pelos membros do Seminrio sobre Jesus que chegaram a propor uma verso do Novo Testamento, sugerindo quatro categorias para classificar as palavras atribudas a Jesus e concluram, depois de sete anos de trabalho, que provavelmente mais de oitenta por cento das palavras atribudas a Jesus nos evangelhos no seriam autnticas, ainda que muitas 30. pudessem expressar suas idias.[24] A busca do Jesus histrico deve ser vista como uma saudvel oscilao do pndulo da verdade, afastando-se da posio extremada da ortodoxia que, desde os primrdios do estabelecimento de sua posio, insistia que a Bblia era inexpugnvel e que devia ser interpretada literalmente, exceto quando uma interpretao mtica era apresentada pela prpria Igreja para justificar os dogmas estabelecidos. A busca do Jesus histrico vem possibilitando o acmulo de muitas informaes esclarecedoras sobre a cultura da Palestina helenizada do tempo de Jesus, bem como uma pletora de dados novos sobre os relatos da Bblia tornados possveis pelo novo instrumental usado pela crtica bblica moderna, incluindo at mesmo a forma literria dos originais gregos conhecidos. No entanto, como a histria nos ensina, o pndulo retificador tende a oscilar para o outro extremo quando as resistncias s mudanas so demasiado fortes, necessitando o uso de fora considervel para vencer a oposio de posies consideradas imutveis por vrios sculos. Isso ocorreu, por exemplo, com o movimento feminista neste sculo, o movimento para a dissoluo dos imprios coloniais e o movimento pela igualdade de direitos de todos os grupos raciais e tnicos. Porm, a providncia divina, em sua inexorvel tendncia para a harmonia, faz com que, no seu devido tempo, as posies extremadas dem lugar a posies mais abrangentes e harmnicas. Assim, a busca pelo Jesus histrico dever passar por nova fase em que ser incorporada em sua metodologia o estudo da simbologia milenar das escrituras sagradas e procurar-se- encontrar a verdade sobre o ministrio de Jesus e no a mera subservincia s posies dogmticas da Igreja. Em seu estudo mpar sobre a interpretao da vida e dos ensinamentos de Jesus, Geoffrey Hodson alerta que Jesus foi realmente um personagem histrico, e que a Bblia inclui alguns incidentes sobre sua vida na Palestina. Porm, esse autor insiste que o importante no o fato histrico, mas sim seu significado mstico: Os evangelhos, particularmente os sinticos e S. Joo, so muito mais documentos msticos do que histricos. Essa a idia que falta em todas as exposies da estria evanglica. A nfase colocada erroneamente sobre o histrico, quando deveria ser posta sobre o Jesus mstico, o veculo escolhido, o maravilhoso jovem hebreu sobre cuja vida, imperfeitamente registrada, toda a estrutura do cristianismo est fundada. As muitas passagens lembrando os ensinamentos profundamente esotricos de Jesus, inclusive o sermo da montanha, esto entre as jias preciosas da sabedoria que ele legou humanidade em geral e, especialmente, a todos os aspirantes, para os quais a histria de sua vida pretende descrever a plena experincia e realizao espiritual. Assim considerada, a historicidade, ainda que seja importante num sentido, cede lugar inteiramente ao reconhecimento da prola inestimvel de sabedoria que o relato evanglico contm.[25] Tendo em vista essas consideraes, partimos da hiptese de que Jesus, seguindo a tradio milenar dos grandes Mensageiros da Luz, incluiu em sua mensagem todos os ensinamentos necessrios para despertar os que esto mortos para o Esprito e preparar progressivamente os peregrinos para que possam encontrar e, finalmente, trilhar a Senda da Perfeio para, no seu devido tempo, ingressar no Reino dos Cus. Esse trabalho em dois nveis, o ministrio pblico e a instruo interna dos discpulos, 31. exigiu, por parte de Jesus, um cuidado todo especial para que os segredos do Reino no fossem divulgados abertamente aos muitos, pois esses no estavam preparados para receb-los. Isso explica porque Jesus pregava ao pblico por meio de parbolas e metforas, que incluam verdades profundas para os que tm olhos para ver e ouvidos para ouvir. Porm, como efetuar essa interpretao? Algumas chaves para a interpretao das escrituras alegricas so conhecidas: Todos os eventos registrados, supostamente histricos, tambm ocorrem interiormente. Cada evento descreve uma experincia subjetiva do homem. Cada pessoa que figura proeminentemente na histria representa uma condio da conscincia e uma qualidade de carter. Cada estria considerada como descrio da experincia da alma ao passar por certas fases da sua jornada evolutiva para a Terra Prometida. Quando os seres humanos so os heris, a vida do homem no seu estgio normal de desenvolvimento est sendo descrita. Quando o heri semidivino, a tnica colocada sobre o progresso do Ser divino no homem depois dele ter comeado a assumir poder preponderante. Quando, entretanto, a figura central um Mensageiro Divino ou descendente de um aspecto da Deidade, suas experincias narram aquelas do Eu Superior nas ltimas fases da evoluo do homem divino em direo estatura do homem perfeito. Todos objetos e certas palavras tm significado simblico especial. A linguagem sagrada das Escolas de Mistrio formada de hierogramas e smbolos mais do que de palavras, sendo o seu significado constante no tempo e no espao.[26] Assim, cientes de que a Bblia esconde um tesouro de informaes que podem ser desveladas com base no estudo das alegorias e smbolos conhecidos, consideramos o Novo Testamento como uma das fontes do lado interno da tradio crist. [1] A palavra cnon vem do grego kanwn, que significava originalmente junco ou bambu usado para medir. Mais tarde, o sentido de medida assume uma conotao genrica de regra, preceito, praticamente de lei. Passou a ser usada pela Igreja com o significado de norma, regra de conduta, padro, sendo nesse sentido que o termo evangelhos cannicos era usado. Esse cnon tornou-se particularmente importante em vista da disputa entre a nascente hierarquia da Igreja e os grupos gnsticos, que, ao que tudo indica, estavam aliciando um nmero crescente de simpatizantes com suas doutrinas e seus evangelhos (Vide W. Schneemelcher, ed., New Testament Apocrypha (Louisville, USA: Westminster/John Knox Press, 1991), pg. 10-12. [2] Uma das primeiras listas de documentos cannicos, algo parecido com o Novo Testamento atual, foi proposta pelo Bispo Irineu, de Lion, com o beneplcito de alguns colegas, por volta de 180 d.C. Dois sculos mais tarde, o Bispo Athanasius preparou uma lista semelhante, ratificada pelos conclios de 32. Hippo e de Cartago (M. Baigent, R. Leigh e H. Lincoln, Holy Blood, Holy Grail N.Y.: Dell, 1982), pg. 318. Uma abrangente histria do cnon da Igreja apresentada no livro New Testament Apocrypha (op.cit., pg. 34-42). [3] O termo evangelho aparece muito pouco no Antigo Testamento e, mesmo assim, sem nenhuma conotao tcnica, sendo usado para vrios tipos de mensagens. Nas epstolas de Paulo, que so os primeiros documentos da tradio crist, tanto o substantivo como o verbo (euaggelizesqai) adquiriram a conotao tcnica referente mensagem crist e sua proclamao. No Evangelho e nas Epstolas de Joo, nem o substantivo nem o verbo so usados, o que para os estudiosos mais uma indicao de que a comunidade joanina estava fora da esfera de influncia da rea missionria de Paulo. Ainda que o termo seja usado nos sinticos, nem sempre parece expressar exatamente a mesma coisa (Vide H. Koester, Ancient Christian Gospels: their history and development (Philadelphia, Pa.: Trinity Press, 1990, pg. 1-48). [4] Vide a introduo aos evangelhos sinticos na Bblia de Jerusalm, a verso mais atualizada da Bblia, preparada por uma grande equipe de telogos com o respaldo oficial e o imprimatur do Vaticano. [5] R. Funk e R. Hoover, The Five Gospels. The search for the authentic words of Jesus (N.Y.: Macmillan, 1993), pg. 16. [6] Bblia de Jerusalm (S.P.: Edies Paulinas, 1993), pg. 1981 [7] Por exemplo, as seguintes passagens indicam que Jesus ensinava sem, no entanto, mencionar o que ele dizia: Mt 9:35, Mt 15:34, Mt 16:21, Mc 1:21, Mc 1:39, Mc 2:2, Mc 2:13, Mc 6:2, Mc 6:6, Mc 8:31, Lc 2:46-47, Lc 4:15, Lc 4:31, Lc 4:44, Lc 5:17, Lc 5:3, Lc 6:6, Jo 4:40-42. Outras passagens registram umas poucas palavras, porm no todo o ensinamento de Jesus: Mt 4:17, Mt 4:23-25, Mt 10:27, Mt 21:23-46, Mc 1:14-15, Mc 4:33-34, Mc 10:1-52, Lc 13:10-21, Lc 13:22-35, Lc 20:1-47, Jo 7:14-53, Jo 8:2-59. [8] M.L. Prophet e E.C. Prophet, Os Ensinamentos Ocultos de Jesus (R.J.: Nova Era, 1997), pg. 18 [9] Essa concepo no poderia estar mais longe da verdade quando consideramos que a Bblia sofreu inmeras modificaes ao longo dos sculos, seja por parte de editores agindo por conta prpria, seja por decises em conclios. A maior sistematizao dos textos, porm, ocorreu por ocasio do Conclio de Niceia, em 325, convocado e presidido pelo imperador Constantino, em virtude de crescentes dissenses sobre questes de f que tinham importantes implicaes polticas. Graas autoridade do imperador, que seguidamente tinha que moderar discusses entre bispos exaltados e arbitrar solues sobre questes doutrinrias sobre as quais quase nada conhecia, foi possvel selecionar aqueles textos que viriam formar a base dos evangelhos a serem includos na Bblia, os quais, mais tarde, ainda sofreram modificaes. Constantino, que tratava as questes religiosas somente do ponto de vista poltico, assegurou a unanimidade banindo todos os bispos que no quiseram assinar a nova profisso de f. (W. Nigg, The Heretics: Heresy Through the Ages (N.Y.: Dorset Press, 1962), pg. 127). [10] Vide R.W. Funk, Honest to Jesus (Harper San Francisco, 1996), pg. 49-50 [11] A tentativa de entendimento da Bblia por parte dos leigos fato recente na histria. Um corolrio 33. dos dogmas e da manipulao da Bblia que a prpria Igreja temia que os leigos e at mesmo o clero estudasse seus livros sagrados. O Papa Gregrio I, conhecido como Gregrio o Grande, durante seu papado de 590 a 604 condenou a educao para todos, a no ser o clero. Proibiu os leigos de lerem at mesmo a Bblia e mandou queimar a biblioteca de Apolo Palatino, para que a literatura secular no distrasse os fieis da contemplao do cu. Essa ojeriza da ortodoxia aos livros j havia custado humanidade a perda da imensa biblioteca de Alexandria, queimada pelos cristos em 391, com todo seu acervo de aproximadamente 700.000 papiros e milhares de livros, incluindo as obras dos gnsticos como Baslides, Valentino e Porfrio (Helen Ellerbe, The Dark Side of Christian History, San Rafael, CA: Morningstar Books, 1995, pg. 46-48). No princpio da Idade Mdia os dominicanos tomaram a posio simplista de proibir absolutamente a leitura da Bblia, a no ser nas verses deformadas que autorizavam; e todos os que no obedeciam eram afastados da Igreja. (Isabel Cooper-Oakley, Maonaria e Misticismo Medieval, S.P., Pensamento, pg. 16). [12] Um padre catlico, escreve: Um perigo, Jung alertou, que a religio como credo perde contato com a proximidade da experincia. Formas codificadas e dogmatizadas da experincia religiosa original tendem a tornar-se idias rgidas, elaboradamente estruturadas, que tendem a esconder a experincia. Quando isso ocorre, a religio torna-se uma atividade totalmente fora da experincia pessoal. John Welch, Spiritual Pilgrims ( N.Y.: Paulist Press, 1982), pg. 79. [13] Monge Pierre-Ives Emery, A Meditao na Escritura, em Frei Raimundo Cintra, Mergulho no Absoluto (S.P.: Edies Paulinas, 1982), pg. 249. [14] A Gnose Crist, op.cit., pg. 89. [15] Clemente de Alexandria, On the Salvation of the Rich Man 5, em A. Roberts and J. Donaldson, eds., The Ante-Nicene Fathers: Translations of the Writings of the Fathers down to a.D. 325, Reprinted (Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1981), vol. II, pg. 592. [16] Clemente de Alexandria, Stromata, vol. I, cap. xxi, pg. 388. [17] Geoffrey Hodson, The Hidden Wisdom in the Holy Bible (Wheaton, Illinois: The Theosophical Publishing House, 1963), quatro volumes. [18] The Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., vol. I, pg. 6. [19] Peter Roche de Coppens, referindo-se linguagem da Bblia, escreve: Ela a linguagem simblica e analgica dos Sbios, usada para descrever vises, intuies e xtases obtidos em estados alterados de conscincia, num estado de iluminao ou de conscincia espiritual; ela a lngua esquecida da Mente Profunda, a linguagem das imagens, arqutipos e mitos que tm tantos significados diferentes e interpretaes possveis como existem estados de conscincia, nveis de evoluo e biografias pessoais. Divine Light and Fire, op.cit., pg. 7. [20] The Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., vol. I, pg. xii. [21] The Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., vol I, pg. xii-xiii. 34. [22] Vide Albert Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus: a Critical Study of Its Progress from Reimarus to Wrede (N.Y.: Macmillan, 1961), publicado originalmente em 1906. [23] Rudolf Bultmann, New Testament and Mythology em Kerygma and Myth (N.Y.: Harper & Row, 1961), pg. 1-44. [24] Vide a obra editada por R. Funk e R. Hoover The Five Gospels. The search for the authentic words of Jesus (N.Y.: Macmillan, 1993). [25] The Life of Crist from Nativity to Ascension, op.cit., pg. 315 [26] Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., vol. I, pg 85-99. Voltar 35. OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIO ESOTRICA CRIST AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CUS NA TERRA II. O LADO INTERNO DE UMA TRADIO Os documentos apcrifos A segunda grande fonte da tradio interna so os documentos chamados apcrifos pela ortodoxia, os escritos que no foram aceitos no cnon bblico, mas que tratavam dos mesmos assuntos do Antigo e do Novo Testamento. Existe uma grande variedade de documentos classificados nessa categoria genrica. Alguns, como os relatos da infncia de Jesus, eram muito populares entre as classes mais humildes; outros apresentavam relatos ou doutrinas disparatadas; mas um grande nmero era de escritos oriundos dos grupos denominados gnsticos, que desde o primeiro sculo representaram um espinho na carne das doutrinas ortodoxas. O termo apcrifo em grego (apokrufo) significava aquilo que estava escondido ou velado. Portanto, o fato de um texto estar escrito em linguagem velada ou oculta era, naquela