energia ed 01

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VOLUME 1 A evolução da aplicação da energia elétrica e suas consequências para a sociedade Volume 1

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Volume 1 A evolução da aplicação da energia elétrica e suas consequências para a sociedade

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Page 1: Energia ed 01

Volume 1

A evolução da aplicação da energia elétrica e suas consequências para a sociedade

Cole

ção

Ener

gia

- Vo

lum

e 1

Volume 1

C

M

Y

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MY

CY

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CAPA FINAL.pdf 1 22/07/09 22:33

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Page 3: Energia ed 01

atitude editorial

Caro leitor,

Apresento-lhe o primeiro volume da Coleção Energia. Fruto de pesquisas e de consultas a fontes

experientes do setor elétrico, esta edição é constituída de informações apuradas e selecionadas de

modo a trazer mais do que datas e fatos históricos. As páginas dos quatro volumes que formarão

a Coleção ENERGIA reviverão as principais mudanças da sociedade como um todo, que observou e

participou das verdadeiras revoluções pelas quais passaram as esferas do trabalho, da saúde, do lazer

e do conforto a partir da evolução do uso da energia elétrica ao longo do último século.

A proposta deste projeto é estruturada na observação da realidade e da sua mutação diante do

desenvolvimento da geração e da distribuição de eletricidade, do progresso da indústria por conta do

avanço das técnicas de uso da eletricidade e do incentivo ao crescente consumo de equipamentos e

produtos que demandam energia elétrica.

Compromissada com os leitores que já acompanham a revista O SETOR ELÉTRICO, a Atitude Editorial

ratifica sua posição enquanto fomentadora do constante e permanente aprendizado com o qual todos

os profissionais do setor devem estar alinhados. Dessa maneira, a Coleção Energia tem a pretensão

de oferecer a este público – habituado a trabalhar cotidianamente com informações técnicas – dados

culturais, históricos e antropológicos sobre um passado que assume total responsabilidade pelo nosso

presente, mas que nem sempre recebe o devido olhar.

É importante mencionar que a elaboração da pauta contou com um Conselho Editorial formado pelos

engenheiros Cyro Bernardes Barbosa (ex-presidente da Celpa, Cyro Boccuzzi (Andrade & Canellas),

Sérgio Bogomoltz (consultor técnico), as historiadoras Isabel Félix e Márcia Pazin (ambas da Fundação

Energia e Saneamento) e pelo engenheiro e historiador Gildo Magalhães dos Santos.

Aproveito o espaço para agradecer a todas as pessoas que contribuíram para a produção deste

trabalho, sejam como fontes ou como colaboradoras; à Fundação Energia e Saneamento, como

apoiadora e incentivadora deste trabalho; e aos patrocinadores – Eletrobrás, 3M, Afap, Ápice /

Emerson, Cemig, Governo de Minas Gerais, Nambei, Isolet, Novemp e SEL –, sem os quais a realização

desta coleção não teria passado de uma ideia. A todos, o nosso muito obrigado e a certeza de que

trabalhamos para que o melhor fosse feito.

Caminhamos, então, na esteira das descobertas e na trilha das dificuldades em lidar com a

eletricidade até se alcançar o domínio das técnicas de geração, transmissão e distribuição de energia.

Com essa rota, a Coleção Energia nasce com o desafio de desvendar os “comos” e os “porquês”

das profundas mudanças que sofremos a partir desses inventos e do desenvolvimento da técnica e

do uso da energia elétrica. Em suma, este trabalho começa, a partir deste volume, a esquadrinhar

algumas ricas e desconhecidas histórias que contribuíram para a formação do mundo de hoje,

fundamentalmente movido a energia elétrica. A todos, uma boa leitura.

Adolfo Vaiser

Diretor

apresentação

Page 4: Energia ed 01

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A energia na História: um desafio permanente

O que é energia? Apesar de muitos séculos de aperfeiçoamento da ciência, temos uma

noção ainda muito pouco exata do que é a energia. Certamente, sabemos como ela nos

afeta e sentimos no bolso o que ela nos custa, em uma bomba de combustível ou quando

pagamos a conta mensal da eletricidade em casa. Um passo importantíssimo para a história

conceitual da energia foi quando se percebeu que a energia podia se apresentar de duas

formas, a cinética, quando há movimento, e a potencial, quando há uma capacidade

“estocada” para realizar movimento. Em termos de energia mecânica, isto pode ser ilustrado

pelo exemplo máximo de nossa geração energética brasileira, que é o da formação de

represas artificiais de água, em que a altura do espelho d’água reflete a energia potencial.

Aquela água é dirigida por efeito da gravidade para uma saída, conseguindo acionar as pás

de uma turbina, transformando-se em energia cinética. Esta, por sua vez, faz girar uma

bobina de fios metálicos dentro de um campo magnético, dando-nos a energia elétrica.

Foi apenas por volta de 1850 que os cientistas formularam uma descoberta fundamental:

todas as formas de energia conhecida se equivaliam e podiam, em princípio, experimentar

uma forma de equivalência, apesar de suas aparências distintas: mecânica, térmica,

eletromagnética, química – vindo mais tarde se juntar à energia nuclear. Foi preciso,

porém, ainda mais tempo para se perceber que o uso de fontes energéticas é histórico.

Por exemplo, o petróleo era conhecido desde a antiguidade, não passando de um líquido

mal cheiroso e sujo, no máximo adequado para se acender tochas. Apenas com o

desenvolvimento da termodinâmica e dos motores a explosão é que veio a se converter

no “ouro negro”. E, ao longo da História, as crises energéticas têm impulsionado o homem

a desbravar horizontes, fazendo novo uso de materiais antigos ou não e transformando-

os em recursos energéticos. Em especial, a eletricidade revelou-se uma forma de energia

muito conveniente para a humanidade, pela sua facilidade de transmissão e conversão em

outras formas de energia. Não é por outro motivo que vivemos em um mundo elétrico, do

computador ao lazer, da iluminação ao uso em transportes, da geladeira ao equipamento

hospitalar.

Recuperar algo dessa historicidade é o propósito da Coleção Energia. Em outras palavras,

apresentar alguns fatos menos conhecidos até dos especialistas em energia, contar um

pouco dos personagens que foram pioneiros nessa imensa saga, que por certo não termina

aqui, pois novos desafios e oportunidades fazem parte do nosso cotidiano e as atuais crises

têm representado uma oportunidade talvez ímpar no caminho de nossa conscientização

coletiva da importância da energia. Está aí a energia nuclear a exigir respostas firmes

e ousadas, ainda mais quando se vislumbra a viabilização tecnológica e comercial da

fusão nuclear, fonte praticamente inesgotável e segura do futuro. Demos uma atenção

especial para a história e problemática da energia no Brasil, pois temos a convicção de

que conhecer nossa história é essencial para nos valorizarmos e, sem querer abusar da

metáfora, transformar essa vasta energia potencial de um país rico em energia cinética dos

seus cidadãos, contribuindo para sua educação e cultura, a maior e mais energética das

conquistas que nos cabe fazer.

Gildo MagalhãesEngenheiro eletricista e historiador

Professor Livre-docente em História da Ciência da Universidade de São Paulo

prefácio por Gildo Magalhães

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FuturoComo será o mundo no fim do século 21? A energia elétrica será escassa ou

abundante? O professor e especialista em energia José Goldemberg analisa o

cenário atual e arrisca algumas previsões para o futuro, tendo o setor elétrico

como pano de fundo.

Desenvolvimento e tecnologiaUma das primeiras aplicações da eletricidade nas sociedades ocidentais foi no ramo

da medicina. No século XVIII, cientistas fizeram experiências em cobaias vivas com o

intuito de tratar enfermidades e estudar os estímulos elétricos.

Era da eletricidadeDa força animal à motriz. Como a máquina a vapor substituiu os moinhos e a força

de homens e animais, que exerceram por muitos séculos a função de motor, e as

implicações dessa transformação nas sociedades da época e futuras.

Cidade em movimentoAs estradas de ferro abriram caminhos para as relações mercantis e para a indústria.

Mais tarde, as locomotivas movidas à tração elétrica conferiram mais agilidade e

rapidez ao novo meio de transporte, levando fascinação, temor e progresso para as

cidades por onde passam.

ComportamentoA eletricidade invade as casas e o cotidiano das pessoas. Criam-se novas necessidades

e os aparelhos elétricos e eletrodomésticos passam a ser elementos indispensáveis às

residências modernas. Veja como tudo começou.

NacionalismoO projeto nuclear brasileiro tomou corpo durante a ditadura militar e conseguiu, a

duras penas, dominar o ciclo de produção do urânio enriquecido, quebrando o ciclo

clássico de dependência.

Sob um olharO engenheiro eletricista Claudio Gillet Soares conta a sua experiência na área de distribuição

de energia. Em seu relato, o experiente engenheiro nos mostra como o trabalho e a busca

pela técnica contribuíram para o início da eletrificação subterrânea no país.

DiretoresAdolfo VaiserJosé Guilherme Leibel Aranha Gerência operacionalSimone [email protected] Coordenação de circulaçãoEmerson [email protected]

Assistente de pesquisaMarina [email protected]

Administração Paulo Martins Oliveira [email protected]

Jornalista responsávelFlávia LimaMTB [email protected]

Projeto Grafico e direção de arte Leonardo [email protected]

Conselho editorialCyro Bernardes, Cyro Boccuzzi, Hilton Moreno, Isabel Félix, Gildo Magalhães dos Santos, Márcia Pazin e Sérgio Bogomoltz

ColaboradoresBruno D’Angelo e Lívia Cunha

RevisãoGisele Folha Mós

PublicidadeDiretor comercialAdolfo [email protected]

Contatos PublicitáriosAna Maria [email protected]ésar [email protected] [email protected]

CapaKanji Design

Ilustrações internasPoeira Estúdios

ImpressãoGráfica Ipsis

DistribuiçãoCorreios

Atitude Editorial Ltda.Rua Piracuama, 280 cj. 72 / PompéiaCEP 05017-040 / São Paulo - SPFone/Fax - (11) 3872-4404 [email protected]

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expediente índice

Page 6: Energia ed 01

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futuro por José Goldemberg

EnErgia: o quE o futuro nos rEsErva?

Preverofuturoéumatarefaarriscadaque

raramenteéfeitacomsucesso,sobretudoquando

feitaporcientistasque,demodogeral,nãotema

imaginaçãonecessária.

QuemtemmaisacertadosãovisionárioscomoJulio

VerneouArthurClarke.Quemnãoseemocionoucomas

aventurasdescritasporestesescritores,quenãotinhamuma

grandebagagemcientífica,masgrandetalentocriativo?

Arazãopelaqualcientistaserramaoprevero

futuroémuitosimples:elesjulgamqueestefuturo

éumaprojeçãodopassadoenãoconsegueminserir

neleideiasecriaçõesinesperadasqueocorremo

tempotodo.Quempoderiapreverhá50anosque

quasemetadedossereshumanosteriahojetelefones

celularesquepermitemcomunicaçãoimediata

(auditivaevisual)comomundotodo?Nocasoda

energia,emparticularenergiaelétrica,épossível

imaginarcomoseráomundonofimdoséculo21?

Energiaéessencialparatodasasatividades

humanaseacivilizaçãoquetemhojeébaseada

nousodecombustíveisfósseis(carvão,petróleoe

gás).Écomelesquegrandepartedaeletricidade

queusamoséproduzida.

Oquetemocorridodesdeoiniciodoséculo20

équeestamosusandocadavezmaiseletricidade,

querepresentaquasemetadedaenergiaque

consumimos,sobasmaisdiversasformas:

acionandomotores,produzindoiluminaçãoecalor

paracozinharalimentosesobaformadeondas

eletromagnéticasquealimentamrádios,televisões

etodosossistemasdecomunicação.

Anossover,oquevaiocorreratéofimdoséculo

emquevivemoséprovavelmenteoseguinte:

•aimportânciadeenergiaelétrica(incluindoondas

eletromagnéticas)vaiaumentar;

•oscombustíveisfósseis(petróleoegás)vãose

esgotar;ocarvãocontinuaráaserusado,masvaise

revelarproblemáticodevidoaproblemasambientais

quevãodesdeoaumentodapoluiçãolocalatéo

aquecimentoglobal;

•otransporte,quehojedependequaseinteiramente

dederivadosdepetróleoegás,vaiseeletrificar

totalmente(excetoaviação);

•aautomatizaçãoeainformáticavãodominartodas

asatividadeshumanas.

Oproblemaseráproduziraeletricidade

necessáriasemusarcombustíveisfósseis,maseleestá

sendoresolvidocaptandoenergiasolaremcélulas

fotovoltaicas,queaconvertemdiretamenteem

eletricidade.

Page 7: Energia ed 01

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Hoje,estemétododeproduzireletricidade

contribuicommenosdeumporcentodototal.Energia

hidroelétricaeenergianuclearcontribuemcom35%e

orestovemdaqueimadecombustíveisfósseis.Ambas

aindapodemcrescer,masosproblemasambientais

geradosporelasvãoimpedirumagrandeexpansão.

Emcontraste,energiafotovoltaicasóprecisadesole

deespaçodisponível;desertossãoregiõesideaisonde

istopodeocorrer.

Oprimeirograndeprojetodestetipojáestá

começandoaseconcretizarnoSaara,nonorte

daÁfrica.Secobrirmosumquadradocomcinco

quilômetrosdelado(25milhõesdemetrosquadrados)

comcélulasfotovoltaicas,pode-seproduzirum

gigawatt(ummilhãodekilowatts)deeletricidadeque

éaquantidadegeradaemumreatornucleardegrande

portecomoodeAngradosReisII.

AeletricidadegeradanoSaarateráque

serlevadaatéospaísesdaEuropaondeserá

consumida,masestenãoéumproblematécnico

complicado.ÉclaroqueaEuropaprecisarápelo

menos1.000vezesmaiseletricidade,masnãofalta

espaçoparatalnonortedaÁfrica.

Algosemelhantepoderáocorrernorestodo

mundousandoodesertodeNevada(nosEstados

Unidos),daPatagônia(naArgentina),dodesertode

Gobi(naÁsia)edasáreasdonordeste(noBrasil).

Comeletricidadeabundante,e

presumivelmentebarata,jáquehaveráganhos

deprodutividadeaolongodosanos,pode-se

pensaremsubstituirosderivadosdepetróleo

poreletricidadeemautomóveisecaminhões

eatéconstruir“estradasinteligentes”,emque

comandoseletromagnéticosfarãoopapeldopiloto

automáticodosaviões,conduzindoosautomóveis

ecaminhõesdeformaabsolutamentesegura.

Automóveiselétricossãoosonhodos

engenheirosdesdequeaindústriaautomobilística

seiniciounocomeçodoséculo20.Naquelaépoca

haviamaiscarrosmovidoscombateriaselétricasdo

quecometanolougasolina.

Ograndeproblemadosautomóveiselétricossão

asbaterias,queprecisamarmazenarcargasuficiente

paralongospercursosequedevemsercarregada(e

descarregadas)milharesdevezes.Esteéaindaum

problematecnológiconãoresolvido,masqueestá

emviasdesolução.Quandoistoocorreraspessoas

poderãorecarregarasbateriasdoseuautomóvel

duranteanoitenassuasprópriascasas.

Alémdegerareletricidadeemgrandes

blocos,haveráumagrandeexpansãodegeração

descentralizadaporquenostelhadosdas

residênciasépossívelinstalarcélulasfotovoltaicas

emquantidadesuficienteparasuprirtodasas

necessidadesdeeletricidadedaresidência.Quando

estaeletricidadenãoestiversendousadaserá

lançadanarede.Comissohaverámilhõesde

unidadesgeradorasdeeletricidadenosistema.

Comeletricidadeabundanteecomosenormes

recursosquecomputadoresnosfornecemhojeserá

possívelautomatizarcompletamenteasatividades

domésticas,quepoderãosercomandadasadistancia,

bemcomoboapartedasatividadesindustriais.

Comoseráavidadossereshumanosemum

mundocomoeste?

Emprimeirolugar,parececlaroqueonúmero

deempregosnasindústriasvaidiminuir,mas

iráaumentaronúmerodeempregosnaáreada

informática(comojáacontecehoje),naáreade

serviçose,sobretudo,lazer.Oqueaspessoasirãofazer

comotempolivreadicional?

Desdeoiniciodacivilizaçãoapenasumapequena

partedapopulação–aaristocracia–nãotrabalhava,

masamaioria–inicialmenteescravos,depois

operários–nãotinhanenhumlazer.

Comaautomatizaçãodasociedade,quese

esperaqueocorraatéofimdoséculo,haverá

abundânciadeenergia–renovávelenãopoluente

–easatividadesdelazer,comooturismo,deverão

ganhargrandeimportância.Seráummundo

diferentedoatualemquealutapelasobrevivência

nascamadasmaispobresdapopulaçãoeaslutas

sociaissetornarãocoisadopassado.

Emumasociedadedestetipo,viagens

interplanetáriasdeverãosetornarmaisacessíveise

oespíritocriadordohomemprovavelmentedaráa

elasgrandeimportância,comoumaformadeampliar

nossoshorizontes,damesmaformaqueconquistar

oEverestsetornousímbolodesucessonoséculo20.

Atéhojemaisdedoismilalpinistasjáchegaramao

picomaiselevadodomundo.

Tudoissocainacategoriade“futurologia”;

esereshumanostemsemostradomuito

incompetentesparafazerasprevisõescorretas.

Mesmoquandoofazem,comofezCassandra,a

sacerdotisadaGréciaantigadacidadedeTróia

(quepreviucorretamentequeossoldadosde

Atenasestavamdentrodo“cavalodeTróia”eque

destruíramacidade),acabamsendovítimasdele.

Comosesabe,ostroianosnãoacreditaramnas

previsõesdeCassandra,levaramoCavalodeTróia

paradentrodasmuralhasdacidade,permitindo,

comisso,queosateniensesviolentasseme

escravizassemaprópriaCassandra.

José Goldemberg é doutor em Ciências

Físicas pela Universidade de São

Paulo, da qual foi Reitor de 1986 a

1990. Foi presidente da Companhia

Energética de São Paulo (CESP);

presidente da Sociedade Brasileira

para o Progresso da Ciência;

Secretário de Ciência e Tecnologia;

Secretário do Meio Ambiente da

Presidência da República; Ministro

da Educação do Governo Federal

e Secretário do Meio Ambiente do

Estado de São Paulo. É atualmente

professor do Instituto de Eletrotécnica

e Energia da Universidade de São

Paulo (IEE/USP)

Page 8: Energia ed 01

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A ENERGIA DA VIDA

desenvolvimento e tecnologia Por Lívia Cunha

Uma das primeiras aplicações da energia elétrica na história das sociedades ocidentais foi no campo da medicina para tratar doenças e enfermidades. Os primeiros cientistas ao utilizarem tais técnicas se revezavam nas funções de médico e físico, duas profissões, até então, intimamente ligadas.

Duchenne fazia apliações de choques elétricos em pessoas vivas para ver como músculos e nervos reagiam aos estímulos.

Page 9: Energia ed 01

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QuandoVictorFrankensteindecidiucriar

umacriaturaelhedarvida,animandotecidos

mortosdeumcadáver,nafamosaobraliterária

deMaryShelley,ocriadorfezexperimentoscom

eletricidadebuscandoreaçõesvitaisnocorpo

inato.Ahistória,quesepassanoséculoXVIII,foi

escritaentre1816e1817eapresentacomopanode

fundoalgunspensamentoscorrentesnasociedade

europeiadoperíodo.Pesquisadores,médicose

físicos,entusiasmadoscomasrecentesdescobertas

científicasecomapossibilidadedeencontrara

soluçãoparatodososproblemasdahumanidade,

realizavamdiversosexperimentoscomeletricidade

nocorpohumano,nabuscaportratamentosepela

curadedoenças.

Umadasprimeirasaplicaçõesdaeletricidade

nassociedadesocidentaisfoinoramodamedicina,

comexperimentoscomoessedoDr.Frankenstein,

antesmesmodessafontedeenergiaserutilizada

nailuminaçãoounostransportes.Ideiassobreas

primeirastécnicaseletromédicascomeçavamaser

difundidasnocontinenteeuropeunoséculoXIX.

Mas,antesdisso,noséculoanterior,precursores

jácomeçavamaaplicartaistécnicasembuscade

resultadospositivos.

Estudosarquivadosnomuseuvirtualdo

InstitutodeEngenheirosEletricistaseEletrônicos

(IEEE)mostramquejánadécadade1740,anos

apósainvençãodaGarrafadeLeiden–uma

espéciedecapacitorcapazdearmazenarenergia

elétrica–médicosdeGenebra,naSuíça,realizavam

experimentosaplicandochoqueselétricosem

pacientesnaesperançadetratarenfermidadescomo

paralisiaedoresdecabeça.Essesprimeirosmédicos

acreditavamquesechoqueselétricosfossem

aplicadosrepetidasvezes,elesseriamcapazesde

curaralgumasdoenças.

Cientificismo

Operíodohistóricoerainfluenciadopela

revoluçãocientíficadoséculoXVII.Nessaépoca,a

ciênciapassouaassumirumcarátermaispráticoe

experimentalista,porcontadaspesquisasdeGalileu,

Newtoneoutrosnomes,quecolocaramaciênciaem

outropatamar,maispráticoedissociadodafilosofia

–áreaqueatéentãoerafortementeligada.

OsestudiososdosséculosXVIIIeXIX

seguiamaslinhasdepesquisasdaprimeira

revoluçãocientífica,iniciadanesseperíodo.Os

físicosemédicosdessesséculosdedicavamsuas

investigaçõesàsinteraçõesdaeletricidadeeda

fisiologia,buscavamestabelecercorrelaçõespara

fazeremnovasdescobertas,paraentendermelhor

osseresvivosebuscarnovascurasetratamentos

paraenfermidades.Omédiconeurologistaedoutor

emhistóriadaciência,AfonsoNeves,comentaque

osprincipaisestímulosparapesquisadoscientistas

dessaépocaeramabuscaporconhecimentoepor

cura.Apesarde,eventualmente,fatoreseconômicos

epolíticospoderemtersidotambémdeterminantes

nodesenvolvimentodessestrabalhos.

Galvanismo

Grandepartedaspesquisasdeaplicaçãoda

eletricidadenamedicinadesenvolvidas,eque

aindatemosregistros,foraminfluenciadaspelos

estudosdomédicoefísicoitalianoLuigiGalvani,

contemporâneodosmédicosdeGenebra.Nas

décadasde1770e1780,Galvanirealizouuma

sériedeexperimentossubmetendoanimaismortos

acorrenteselétricas,utilizandocomoferramentas

geradoresdeeletricidadeestáticaeGarrafas

deLeiden.Descobriuquetecidosnervosose

músculossãoeletricamenteexcitáveis.Percebeu

issoquandoviuquemúsculossemovimentavam,

contraindo-se,quandosubmetidosaesses

estímuloselétricos.Seuestudomaisfamosonesse

sentidofoiestimulandomúsculosdapernade

rãsmortas.Galvanichamouessefenômenode

eletricidadeanimal.

Comadescoberta,omédicoitalianofoio

primeiroaassociareletricidadeàvida.Sóqueele

nãopensavanaeletricidadecomoumfenômeno

natural,presenteemdiversassituaçõeseambientes,

dissociadadabiologia.Dequalquermaneira,suas

descobertasforammuitoimportantesparaas

pesquisasdaárea,tantoqueofenômenodescoberto

porele,dereaçãomuscularporestímuloselétricos,

ficouconhecidocomogalvanismo.

Page 10: Energia ed 01

10

desenvolvimento e tecnologia

Físicos e médicos desses

séculos dedicavam suas

investigações às interações

da eletricidade e da fisiologia,

buscando estabelecer

correlações para fazerem

novas descobertas, para

entender melhor os seres vivos

e buscar novas curas.

apilhadevolta

Grandesprogressosnocampocientífico

forampossíveisapartirdainvençãodeoutro

físicoitaliano.Em1800,oitalianoAlessandro

Volta,estimuladopelaspesquisasdeGalvani

edescontentecomasconclusõesdomédico,

conseguiuprovarqueaeletricidadenãoéum

fenômenoligadosomenteàfisiologia.Volta

pensavaqueareaçãogeradapelaeletricidadenas

pernasdasrãs,nosestudosdeGalvani,nãoera

provocadaporumaeletricidadeanimal,maspor

umaaçãomisteriosaentreosmetaisutilizadospara

daroschoqueseoslíquidosexistentesnaspernas

doanimal.Aspesquisasacabaramporconcluir

queacorrenteelétricaerageradapordoismetais

diferentesseparadosporummeiolíquidocondutor,

comoumasoluçãosalina.

Comessaconclusão,eletrabalhouno

desenvolvimentodeumapilhacapazderealizar

amesmaaçãodegeraçãodecorrente.Estapilha,

chamadadepilhavoltaica,éaprecursoradabateria

elétrica,capazdegerarcorrenteelétricaearmazená-

la.Formadapeloempilhamentodeumasérie

dediscosmetálicosenvolvidosemumasolução

condutora,essedispositivofoimuitoimportante

nahistóriadaestimulaçãoelétrica.VoltaeGalvani

foramdoiscientistasimportantesparaabasede

pesquisascomeletricidadequeaconteceramno

períodoseguinte.

PartedasociedadeeuropeiadoséculoXIX

respiravaasdescobertascientíficasrealizadasno

período.EfoinessecontextoqueMaryShelley

escreveuseufamosoromance,Frankensteinou

O Moderno Prometeu.Onomedopersonagem,

inclusive,teriasidoderivadodonomeFranklin,de

BenjaminFranklin,talvezomaisconhecidodos

pesquisadoresdaeletricidadenoséculoXVIII,graças

àinvençãodopara-raio.Naopiniãodoengenheiro

ehistoriadorGildoSantos,issorepresentou

umagrandemudança,pois,diferentementedos

espetáculosdecuriosidadeseentretenimentoque

osexperimentadoresfaziamcomeletricidade,o

para-raiospassouaseralgodeinteressepráticoe

social,comafunçãodeprotegerigrejas,escolas,

navios,etc.Nessetempo,aeletricidadeeravista

comocuriosidadeeomagnetismocommais

seriedade,pelasuaaplicaçãonasbússolas.“Foipor

demonstraranaturezaelétricadoraioqueBenjamin

Franklinfoiaclamadocomoo“Prometeumoderno”,

tantonaEuropaquantonosEstadosUnidos”,

completa.Apartirentãodadécadade1820quese

foicomprovadaaligaçãoentreosdoisfenômenos,

nascendooeletromagnetismo.

Ofatoéque,noiníciodoséculoXIX,os

intelectuaiseaeliteeuropeiaestavamdivididosem

doisgruposemrelaçãoàssuasvisõesdeciência.

Haviaogrupodaquelesqueeramentusiasmados

pelapotencialidadequeelagerava,decurartodosos

males,eacreditavamquepormeiodaciênciatodasas

respostasdahumanidadepoderiamserencontradas.

Emcontraponto,existiaaindaogrupodos

desconfiados,receososdocaminhoqueessaciência

poderiatomarelevartodaasociedade.Influenciada

poressesdoisgrupos,Shelleyescreveusuaficção

científica,naqualaeletricidadeécapazdegerar

vida,masaumaltopreço,resultandonamortedo

criador.Aobrarepresenta,assim,asdiscussõesdos

doisgrupossobreaciência.

Alémdasdescobertas,queestimulavamainda

maispesquisas,comeletricidadeemedicina,o

interessanteéque,comoaeliteintelectualeuropeia

erarestritanesseperíodo,“todaessaquestãoera

colocadaali,emummeiodepessoasqueficavam

discutindooqueaciênciadaépocaviacomo

científico”,contaAfonsoNeves.

Pai da eletroterapia

Nadécadade1830,omédicofrancêsGuillaume

Duchenne,tambéminfluenciadopelaspesquisas

deGalvanicomeletricidadeefisiologia,começou

afazerumasériedeexperimentoscomchoques

elétricosemsereshumanosafimdeverasreações

muscularesqueelesgeravam.Em1835elepassa

aempregarumatécnicarecéminventadapelo

Page 11: Energia ed 01

11

O “pai da eletroterapia” fez registros fotográficos dos seus testes com eletricidade para estudar a expressão humana.

“foi numa noitE chuvosa dE novEmbro. com uma ansiEdadE quE bEirava a agonia, acionEi os instrumEntos quE acEndEriam a faísca dE vida na coisa inanimada quE Eu acabara dE modElar, costurar,

suturar E EnchEr dE sanguE E oxigênio. com os raios E trovõEs cortando o céu, a naturEza providEnciou a ElEtricidadE. Era uma

da manhã. a chuva castigava as navalhas quasE sE apagando. foi quando vi, pEla luz da chama a ponto dE Extinguir-sE, o olho

mortiço E amarElo da criatura sE abrir. Em sEguida, rEspirou fortE E sEus mEmbros sacudiram-sE como numa convulsão. Estava viva!”

Frankenstein, de Mary Shelley. Ed. Cia. das Letras.

Page 12: Energia ed 01

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desenvolvimento e tecnologia

tambémmédicoJean-BaptisteSarlandière.Nela,

choqueselétricoseramaplicadosabaixodapele

comeletrodosemformadeagulhasparaestimular

osmúsculos,umaespéciedeacupunturaelétrica.

Continuandoseusestudos,nadécadade1840,

Duchennedesenvolveuumatécnicadeestímulo

domúsculocomchoquesnasuperfíciedapele

chamadaeletrizaçãolocalizada.Apartirdesse

método,eledesenvolveuoutrostrabalhoscom

choqueselétricosnosmúsculosparaestudaras

reações.Começou,assim,umasériedeestudossobre

aexpressãohumana.Duchenneestudounãosóa

reaçãodosmúsculos,mastambémadosnervos.

Duranteosexperimentoscomchoqueselétricos,

omédicofrancêsretiroufotografiasdosseus

pacientescomoformadecompararefazeroestudo

sobreaexpressãohumana.Viuquediferentes

músculosreagiamdemaneirasdistintasdependendo

dolugaremqueochoqueeraaplicado.Apartir

disso,Duchennecomeçouadesenvolverumavisão

sobreofuncionamentodomúsculoedonervopor

meiodaeletricidade.

OmédiconeurologistaAfonsoNeves,daEscola

PaulistadeMedicina,explicaque“nessaépoca,eles

aindanãoconheciambemotransportedeíonspelo

nervo.Nãosabiamqueofuncionamentodonervo

éeletroiônico,maspercebiamquetinhaalguma

propriedadeelétrica.Essaconstataçãofezcomque

Duchenne,aospoucos,elaborasseumateoriade

reflexosneurológicos”.

Em1831,quandoDuchenneseformouem

medicinaemParis,aindanãoexistiaacátedrade

neurologianasuniversidades.Foientão,devido

àspesquisasnaáreadaeletroterapiaeportersido

professordomédicoqueéconsideradoopaida

neurologia,ofrancêsJean-MartinCharcot,que

Duchennetambéméreconhecidocomoummédico

neurologista,mesmootermotendosurgidodepois

dele.

Apesardeváriosprecursoresnaspesquisas

dasreaçõesdetratamentoscomeletricidadeno

corpohumanoeemanimais,foiDuchenneo

responsávelporumaevoluçãonodesenvolvimento

deexperimentosenaformadepensaracorrente

elétricanocorpo.Porisso,eleéchamadodeo“pai

daeletroterapia”.OmédicoHerbertTibbits,autordo

livroThe Handbook of Medical Electricity,de1873,

relataqueDuchennepodeaindaserdenominado

comooresponsávelpelonascimentodaeletricidade

médicacomoumaformadeterapia.Seusestudos

estimularamumasériedeoutrosmédicosa

continuarcompesquisasnaárea.

AinfluênciadeDuchennepodeserpercebida

atémesmonofamosonaturalistainglêsCharles

Darwin.ApósapublicaçãodeA origem das

espécies,em1859,Darwincomeçouaestudara

expressãohumanaeanimalapartirdefotografias

dasreaçõesmuscularesprovocadaspelastécnicas

deeletrochoquedeDuchenne.Utilizandodiversas

fotografiasdasreaçõesdospacientesdeDuchenne

aoschoqueselétricos,Charlespublicouolivro

The Expression of the Emotions in Man and

Animalsem1872.

Cérebro

Novostratamentosparaocombatede

enfermidadescomeçaramasercriadosdurante

todooséculoXIX,commaiorconsolidaçãoe

desenvolvimentonoséculoXX.Diversosestudos

começaramaserdesenvolvidoscomeletricidade

nocérebrohumano.Em1875houveaprimeira

detecçãodecorrenteselétricasdocérebro,mas

antesdisso,muitosfisiologistasjátinhamfeito

experimentos.GiovanniAldini,sobrinhodeGalvani,

empenhou-seemestudosdeeletricidademédica,

comaplicaçãodechoqueselétricosnocérebro

depessoasmortase,aindaem1802,fezdiversas

apresentaçõespúblicasdeseusexperimentos.

Segundorelatouopós-doutorem

neurofisiologiadocomportamentoRenato

Sabbatini,narevistamédicaCérebro&Mente,

Aldini“objetivavamostrarcomoascabeçasde

pessoasrecém-mortaspiscavamearregalavamos

olhos,mexiamalíngua,faziamcontraçõeseesgares

faciais,etc.”.Aldiniqueriaprovar,contaSabbatini,

queaoestimularocérebro,elepoderiareagirde

algumaforma,mesmoqueexternamente.

AtéofinaldoséculoXIX,aeletricidadeera

comumenteapresentadaaopúblicocomoalgo

Page 13: Energia ed 01

13

aciênciacomoprofissão

O desenvolvimento da ciência está intimamente relacionado à

criação das universidades e da ampliação do acesso ao conhecimento.

Quando as primeiras pesquisas que temos conhecimento começaram

a ser elaboradas na área da eletricidade e da medicina, as sociedades

ocidentais eram rigorosamente hierarquizadas e o saber estava

restrito à nobreza, a elite econômica e intelectual da época. Então, as

pesquisas não estavam relacionadas de maneira direta às necessidades

da população. Estudos e experimentos eram realizados mais por

curiosidade científica e interesses econômicos e políticos, do que

necessidades latentes da sociedade. Esses, contudo, foram menos

ressaltados na construção da história do que os próprios feitos. O

resultado é que parte desse quebra-cabeça da história se perde com o

passar dos anos.

Sabemos, entretanto, que a figura do cientista enquanto profissional

só aparece entre os séculos XVIII e o início do século XIX. Nas

décadas de 1800 e 1810, há um grande florescimento da ciência, em

especial por conta das universidades e das sociedades científicas. Nesse

momento, os poderes constituídos passam a enxergar o conhecimento

como algo muito importante para eles, período em que o pesquisador

deixa de ser uma figura isolada e passa a ser integrado a um grupo

de discussão científica. São criadas, no cerne dos poderes políticos, as

sociedades e academias reais de ciência. E o vínculo do poder com a

ciência passa a estimular ainda mais as pesquisas.

O estímulo às experimentações científicas surge das correntes

otimistas da sociedade, que viam o saber científico e racional como

capazes de salvar a humanidade. O médico neurologista e doutor em

história da ciência Afonso Neves explica que isso tem a ver com o

iluminismo, que pensava que a razão, assim como o saber científico,

seria capaz de resolver todos os problemas. A crença, que era vista

como uma corrente de pensamento atrasada, era posta em oposição à

razão e à ciência.

Nessa época os estudiosos começam a assumir o título de

cientistas como profissão e não tanto como uma ação isolada ou um

hobbie. Mas é importante lembrar que, até meados do século XIX,

o cientista ainda estava ligado à elite e, portanto, não trabalhava

para viver. E são essas pessoas que começam a fazer as primeiras

descobertas. A partir deles, no século XX, com a consolidação

do capitalismo enquanto sistema econômico, com o término de

grande parte das monarquias – e com ela, das nobrezas – e com a

consolidação da república e da democracia, o acesso ao conhecimento

e à ciência vão se aproximando cada vez mais do povo.

Com a criação das sociedades de pesquisa pelos poderes constituídos, o cientista passa a ser reconhecido como profissional.

Page 14: Energia ed 01

14

desenvolvimento e tecnologia

mágico,emformadeespetáculo,aexemplodas

apresentaçõesdeGiovanniAldini.Apartirdo

desenvolvimentotecnológicoedoaprimoramento

dosconhecimentossobreofenômenoeastécnicas

médicas,aaplicaçãodaeletricidadefoimais

amplamenteentendida.Oscientistaspassaramater

maiordomíniosobreofenômenoeelepassouaser

sinaldeprogresso.Masparaqueissoacontecesse,

diversoscientistastiveramqueexperimentaroquea

eletricidadepoderiaounãofazernocorpohumano.

ApósAldini,porexemplo,outrosfisiologistasfizeram

experimentoscomeletricidadeemcérebrosexpostos,

semoosso.Comadescobertadoeletromagnetismo,

astécnicasdetratamentoscerebraiscomeletricidade

sedesenvolveramaindamais.

NasprimeirasdécadasdoséculoXX,o

médicoalemãoHansBergerdescobriuqueera

possívelregistrarpequenascorrenteselétricasno

cérebro,semserprecisoabrirocrânio.Apartir

dacaptaçãodeatividadeelétricacerebralna

superfíciedocrânio,Bergerdesenvolveuoexamede

eletroencefalograma,emqueaatividadedocérebro

ficaregistradaemumpapelnaformadeondas.

Bergerdescobriuaindaasondasalfa,oscilações

eletromagnéticasnasfrequênciasentre8Hze12

Hz,quemostramaatividadeelétricanocérebro

humano.

OmédicoAfonsoNevesexplicaque“coma

experiênciaadquirida,foipossívelelaborartodoum

conhecimentoarespeitodeondaselétricascerebrais,

deimportanteusoemcasosdeepilepsia,alterações

cognitivas,encefalopatiasdasmaisdiversascausas,

etc.”.Osexameselétricosevoluíramparaoutras

áreaseaplicaçõesnotratamentoemapeamentodo

sistemanervosoedaatividadecerebral.Arelação

entreeletricidadeemedicinaéestreitaevasta

háalgunsséculos.Nosúltimosanos,contudo,as

técnicastêmseaprimoradocadavezmaisemvárias

especialidades.

Raios-X

Umadasaplicaçõesmédicasmaisconhecidas

comousodaeletricidadeéatécnicaderaios-X.

ParaoengenheiroeletricistaJorgeRufca,cujo

mestradofoisobreaimplantaçãodedepartamentos

deengenhariaclínicaeminstituiçõesdesaúdee

equipamentoseletromédicos,“amaisimportante

inovaçãoparaamedicinaclínicafoiadescoberta

dosraios-X”.Issoporqueesseprocesso,deradiação

eletromagnética,descobertoem1895pelofísico

alemãoWilhelmRöntgen,possibilitouenxergaro

interiordoscorpossemsernecessáriosabri-los.Até

omomento,issosóerapossívelnamesadecirurgia.

DesdeametadedoséculoXIX,pesquisadoresjá

faziamexperiênciascomraioscatódicos.Assimcomo

outroscientistasdaépoca,Röntgenestavaestudando

aaçãodessesraiosnostuboscatódicos,descobertos

pelofísicoWilliamCrookes.Nessetubo,umacarga

elétricanegativaeracapazdeatravessarovácuode

umpóloatéooutro.Quandoessacargarealizava

opercurso,umaradiaçãoaparecianaformadeum

feixedepartículasnegativas,chamadacatodo,em

direçãoaopólopositivo,chamadodeanodo.Cientistas

descobriramqueessesraioscatódicospoderiamser

usadosparaesboçarsombrasutilizandoimãs.

Durantesuaspesquisascomostuboscatódicos,

Röntgenumdiapercebeuqueumaluminescência

eraemitidadeumaplacadeplatinocianetode

bárioemumachapafotográficaquandootubo

catódicoeraligado.Quandoeleeradesligado,

contudo,aluzdesaparecia.Intrigado,ofísicofez

As pesquisas de Duchenne influenciaram Charles Darwin, que, quando foi estudar a expressão humana e animal, utilizou as fotografias do médico francês.

Page 15: Energia ed 01

15

algumasexperiênciascomotuboeomaterialde

bário.Colocouumasériedemateriaisentreotudo,

esperandoquearadiaçãopudesseserbloqueada.

Masnãoaconteceu.Fezumtestecomamãodesua

esposaeconseguiuverosossosprojetadosnachapa

fotográfica,realizando,assim,oprimeiroraio-Xda

história.Comoelenãosabiaquetipoderadiação

eraaquelaquepermitiaverointeriordocorpo,ele

chamouoraiodeX,aletrausadapararepresentaro

desconhecido.

“Inicialmente,osraios-Xeramusadospara

diagnósticodefraturasdeossosedeslocamentos.Mas

porvoltade1930foipossívelavisualizaçãotambém

detodososórgãosdocorpopormeiodosraios-Xpor

causadaradiopacidadeinerentedocorpo,dousode

saldebárioedeumagrandevariedadedemateriais

radiopacos”,explicaJorgeRufca.

Atecnologiaradiológica,assimcomoa

deoutrosaparelhoseletromédicos,evoluiu

significativamentenodecorrerdoséculoXX,

aumentandoaprecisão,asegurançaeoalcancedas

técnicas.

doençadeduchenne

Durante as pesquisas de Guillaume Duchenne sobre reações

de músculos e nervos a efeitos elétricos, o médico tomou

conhecimento de uma doença que afetava meninos e que já

tinha sido estudada por alguns outros médicos anteriormente.

Acreditando que a enfermidade era causada por alterações no

sistema nervoso, em 1858, Duchenne começou a estudar a

patologia. No mesmo ano, documentou o caso de um menino de

nove anos que perdeu a capacidade motora devido a uma doença

muscular. Dez anos depois, publicou 13 casos semelhantes e fez

observações sobre os sinais e sintomas da distrofia. Concluiu

que era uma doença hereditária que afetava majoritariamente

meninos.

A doença passou a ser conhecida como “distrofia pseudo-

hipertrófica” ou “distrofia muscular de Duchenne”, podendo

ser encontrada também com o nome de “distrofia muscular

progressiva”, ou DMP. Distrofia muscular é um termo genérico

dado a um grupo de doenças genéticas que afetam o músculo e

dão fraqueza ao indivíduo. Existem mais de 30 tipos de outras

distrofias que podem afetar tanto crianças quanto adultos de

ambos os sexos. A de Duchenne, contudo, é o tipo mais comum e

se apresenta a uma média de um caso a cada três mil meninos.

No diagnóstico, percebe-se um retardo no desenvolvimento e

perda das atividades motoras em relação às outras crianças.

A primeira radiografia utilizando raio-X da história foi tirada em 1895 por Röntgen da mão de sua esposa

Pequisa•Essentials of medical electricity(DisponívelcomoE-Booknainternet)ElkinPercyCumberbatcheEdwardReginaldMorton,Ed.HenryKimpton.•Handbook of medical electricity(DisponívelcomoE-Booknainternet)HerbertTibbits,Ed.Lindsay&Blakiston.

Page 16: Energia ed 01

16

O MUNDO E O MOVIMENTO

era da eletricidade Por Bruno D’Angelo

Homens, animais, carroças, moinhos e máquinas a vapor: todos tiveram seus papéis nas mudanças

que levaram à industrialização e, consequentemente, às transformações sociais que com ela vieram

Page 17: Energia ed 01

17

Todarevoluçãotecnológicaé,naverdade,um

conjuntodetransformaçõesprodigiosasnaação

humanasobreanaturezacomcorrespondência

emalteraçõesqualitativasemtodomododeser

dassociedades.Écomodefineoantropólogo

DarcyRibeiro,queconcluiaindaqueao

desencadeamentodecadarevoluçãotecnológica

vê-seemergirnovasformassocioculturais.

Essasmodificaçõesculturaisesociais,apesarde

constantes,sãoaindamaisperceptíveisquandohá

oconfrontocomnovasmáquinasetécnicas.Éo

queveremosnestareportagem,quepretendetratar

justamentesobrearelaçãoentreasnovastécnicas

eoscostumesdasociedade:oimpactocausado

pelasmodificaçõesdasferramentasutilizadaspelo

homem,sejaparaotrabalho,sejaparaaguerra,

sejaparaqualqueratividadedesempenhada.

Nãonosinteressaaquiapenasmudançasnas

atividadesdiretamenterelacionadascomestas

ferramentas;esimasreverberaçõesocasionadas

porelasemdiversosâmbitosdeaçãodestas

pessoas.Nessesentido,umamudançaemum

dispositivoempregadoematividadesdelaborpode,

porexemplo,otimizarotempodotrabalhador,

deixando-omaislivrepararealizaroutrastarefas.

Comoeleseorganizarianestenovocenário?

Éimpressionantepensarqueoadvento

deumsimplesaparatotécnico,àsvezesnem

muitosofisticadotemopoderdetransformar

radicalmenteumacivilização.Umainvençãoé

capazdeproduzirumacadeiadereaçõesnão

imaginadas:pessoasmigramdocampo,surgem

aglomeraçõesurbanas,novasclasseseconômicas

aparecem,pessoasenriquecem,outrasnão,as

primeirasseafastam,vãomoraremresidências

luxuosas,assegundasseaglomeramemlocaiscom

condiçõesinsalubres.Altosníveisdetensãosão

gerados,outrosconflitosaparecememaisemais

mudanças.

Obviamente,nãosepretendeirtãolonge

aquieaatençãosevoltará,principalmente,para

oqueoengenheiroeletrônico,historiadore

professordaUniversidadeSãoPaulo(USP),Gildo

MagalhãesdosSantosFilho,denominacomoas

duasprimeirasgrandesrevoluçõestécnicasda

nossacivilização:aprimeirateriaocorridocomo

surgimentodosmoinhoshidráulicosemovidosa

ventoeasegundacomainvençãodasmáquinasa

vapor.

Todavia,antesdenosatermosmais

profundamenteaestesdoisgrandesmovimentos

tecnológicos,faz-senecessáriomostrarcomoos

homens,emépocasbemremotasaestasinvenções,

faziamparalevaracaboasatividadesmecânicas

queproveriamosustentodeles.Cabeaquiuma

pequenacontextualizaçãohistóricapara,dessa

forma,evidenciarcomoodesenvolvimento

destasmáquinasfoidesumaimportânciaparao

progressoeconômicoesocialdahumanidade.

Escravos, animais e engrenagens

Comoomundoédemasiadoextensoeos

povosqueohabitamdesdemilêniossempre

apresentaramgrandesdiferençasculturais,a

tarefademapearasvariadastécnicasqueforam

utilizadasporeles,emextensosperíodosda

história,torna-sepraticamenteimpossível.Por

isso,oescoposerábemdelimitado,massuficiente

paraapontardeformaabrangentecomoforamse

modificandoeprogredindoasdiversastecnologias

degeraçãodemovimentoatravésdostempos.

Primeiro,éprecisoafirmarqueotrabalho

braçalhumanofoiaprincipalforçamotriz

utilizadapelascivilizaçõesincipientes.Quando

oshomensaindanãoapresentavampoder

intelectualsuficienteparadesenvolveraparelhos

queosubstituíssemeraprecisoqueelesmesmos

colocassem“asmãosnamassa”.Eassimfoi

durantemuitotempo.Claroquetallimitação

restringiamuitoodeslocamentoeaproduçãode

materiaisdoshomensdaépoca.

Asatividadesdesubsistênciadesteshomens

primitivoseramacaça,apescaetambémacoleta

Page 18: Energia ed 01

18

dealimentos.Agrossomodo,comadescobertado

fogoeaevoluçãodeinstrumentos,estasatividades

tornaram-semaisemaisintensas,espalhando-se

sobretodaasuperfíciedaTerra.Posteriormente,

asatividadesdecoletaeareuniãodepequenos

gruposdehomenspossibilitaramoprocesso

desedentarizaçãohumana,queculminouno

surgimentodasatividadesagrícolasepecuárias.

Aatividadeagráriafoirealizadadurantemuito

temposomentecomaforçahumana.Mesmocom

oauxíliodeferramentas–carrocomduasrodas,

técnicasdeirrigação,tornodoporteiro,arado

etear–nãosepodiafugirdotripé:condição

climática(incidênciadosolechuvas),condição

geográfica(terrafértileproximidadederios)eo

homem,organizado,disciplinadoeemgrupos.

Masissonãoimpediuqueinovaçõestécnicas

ocorressem.NoAntigoEgito,porexemplo,

começaramasprimeirasinserçõesdeanimais

comoboisemulasnastarefasdetraçãoe

transporte,respectivamente.NaGréciaAntiga,

dentrodoperíodohelenístico,autilizaçãodo

parafuso,dapolia,dasrodasdentadasedas

engrenagenstrouxeramàtécnicamecânicaum

númerosignificativodenovidadeseprestaramum

importanteserviçonaconstruçãodemáquinasde

guerraoudeaparelhosdeelevaçãodecarganos

portosenasminas.

Ocertoéqueoadventodaagropecuária,

ajudadopelasdiversastécnicasinsurgentes,

permitiuqueoshomensatingissemumgraude

desenvolvimentonãoimaginadonostemposda

vidafundamentadapelacaçaecoleta.Ofatode

ohomemnãoprecisarsedesgastarnaprocurade

alimentosmaisdoqueonecessário,justamente,

porcriarreservasdeenergias,permitiuquea

espéciecrescesseemnúmeroemultiplicassesuas

necessidades.Consequentemente,entrávamosem

umciclomaisaceleradodedesenvolvimentoe

inovaçõestécnicas.Foiesteperíodoquepermitiu,

naIdadeMédia,maisespecificamente,noséculo

X,adifusãoemgrandeescaladosmoinhos

hidráulicos.

A água e o vento: os moinhos

OsmoinhosjáexistiambemantesdaIdade

Média.ElesforamjáempregadosnaRomaeChina

antigas,massóalcançaramsuagrandeexpansão

naEuropaOcidentalcomaproliferaçãodos

moinhosdefarinhanoséculoX,acarretandoem

umgrandecrescimentodaproduçãodealimentos.

Noentanto,omoinhonãoficourestritoàfunção

alimentare,empoucotempo,tornou-seomotor

daquiloqueohistoriadorfrancêsJeanGimpel

denominoucomoRevoluçãoIndustrialnaIdade

Média.

Omoinhod’águafoiaprimeiragrandeforça

motrizproduzidapelatécnicahumanaesua

expansãonaépocafeudalcausouprofundas

transformaçõesapontodeelesertidocomoo

símbolodasmudançastécnicasqueocorreram

nesseperíodo.Entretanto,primeiro,osmoinhos

hidráulicosserestringiramaasseguraro

fornecimentodefarinhaàpropriedadefeudal

ondedividiamespaçocomosmoinhosabraços

domésticos.

Paulatinamente,osmoinhoscomeçaram

adominaraEuropaOcidental,passandode

centenasnoséculoXadezenasdemilharessóno

reinodaFrançacemanosdepois.Istosedeveu

adoismotivosprincipais:social,concernenteà

demografiaeàestruturafeudais;egeográfico,

devidoàredehidrográficaeuropeia.Ocertoéque

osmoinhosseproliferaramesuaaltaeficiência

energética,quandocomparadaàforçahumana–

era da eletricidade

Page 19: Energia ed 01

19

a EscassEz dE fontE EnErgética, as dificuldadEs dE transportE do minEral E da lEnha para o local Em quE a EnErgia hidráulica Estava

disponívEl E também a limitação das máquinas dE força motriz ExistEntEs antE a dEmanda dE EnErgia crEscEntE prEssionaram os

produtorEs da época a invEstirEm Em novas fontEs.

apenasumdelespodiafazerotrabalhodedeza

vintehomens–tambémfoiresponsávelporesse

avanço.

Contudo,comoosmoinhosfuncionavam

hidraulicamente,instalou-seumafortediscussão

naépocaparasaberaquempertenciaorecurso

hídrico.Acordaestourouparaoladomaisfraco

eossenhoresfeudaisficaramresponsáveispelo

meiodeprodução,atéporqueoinvestimentopara

aconstruçãodosmoinhoseraalto.Definidaa

políticadepropriedadedosmoinhos,osservosse

virampressionadospelasaltastaxascobradas,o

quegeroucertodescontentamento.

Talobstáculo,alémdaescassezde

recursoshídricos,forçouainvençãodeoutros

equipamentos.Surgiramentãoosmoinhosa

vento.Aexplicaçãoerasimples:aságuaseram

propriedadesdosenhorfeudal,masoareovento

nãopossuíamdono.Omoinhodeventotornou-se,

dessaforma,o“moinhoplebeu”.

Maisbaratoparaconstruirdoqueosmoinhos

deágua,osequipamentoseólicostiveramsua

produçãoimpulsionada.Comoossítioshidráulicos

urbanosjáestavamsaturadoseosmoinhosde

águajátinhamsidodesviadosdesuafunção

original–nãomoíammaisgrãos–,osmoinhos

aventoforaminstaladosemgrandepartenas

cidadescomoobjetivodesuprirentãoademanda

deproduçãodefarinha,jáqueasantigasmoendas

nãoerammaisresponsáveispelafunção.

Maistarde,osmoinhoshidráulicoscomeçaram

aserutilizadostambémnasforjasdemetais,

fazendoaumentardeformasensívelaprodução

metalúrgicaetambémademandapormais

energia.Oauxíliodomoinhopermitiuafeitura

demaisferroe,portanto,derodasmaissólidase

demaiorcapacidadeque,porsuavez,fezampliar

acapacidadedefabricaçãodemetais.Asforjas,

Surgido entre os gregos e romanos antigos, o moinho d’água alcançou o auge de sua utilização na Europa Ocidental durante a Idade Média. Empregado na produção de movimento para auxiliar os homens nas atividades agrárias, o

moinho foi o precursor das máquinas a vapor e elétrica.

Page 20: Energia ed 01

20

era da eletricidade

asmaquinariasdopensar

As transformações tecnológicas, obviamente,

não brotam do nada. Surgidas de uma centelha

genial de algum indivíduo, elas precisam,

forçosamente, de um solo correto e bem cultivado

para florescerem. O que equivale dizer que há

sempre uma efervescência intelectual da época na

qual elas ocorrem que permite seus aparecimentos.

Efervescência essa que impulsiona e que é

impulsionada por novas tecnologias.

No caso da máquina a vapor, a situação

não foi diferente, como explica o mestre em

Economia pela Universidade Estadual de São

Paulo (Unesp), Carlos Eduardo Suprinyak.

Segundo ele, durante a segunda metade do século

XVIII, quando as inovações técnicas associadas à

Revolução Industrial finalmente começavam a ser

difundidas mais rapidamente e suas aplicações

tornadas economicamente viáveis, a Europa

já havia passado por um profundo processo

de reformulação de suas bases intelectuais e

científicas.

O início deste caminho remonta, segundo

Suprinyak, às primeiras décadas do século XVII,

e continua em ritmo acelerado durante a segunda

metade do mesmo período, culminando no que

é chamado pelos historiadores como Revolução

Científica. Trata-se de um momento marcado por cientistas como Galileu Galilei, Robert Boyle e, principalmente,

Isaac Newton, que substituem o racionalismo cartesiano pelo experimentalismo newtoniano.

Conforme diz o economista, a antiga escola científica baseava-se em raciocínio apriorístico, abstrato e

dedutivo e recorria à suposta existência de propriedades inerentes às entidades físicas como forma de explicar os

fenômenos naturais. Logo, sua superação – mesmo que fosse concomitante por um tempo – por uma nova forma

de analisar o mundo, por meio de raciocínios indutivos, experimentos e tentativas de manipulação da natureza,

foi imprescindível aos resultados científico-tecnológicos que se seguiram.

Deve-se salientar também que, se este cenário propiciou a invenção de novos equipamentos, ele também não

poderia se realizar sem um ambiente favorável para tal: as “academias” científicas que começavam a surgir por

toda a Europa. Foram elas que permitiram, segundo Suprinyak, que intelectuais como Boyle e inventores mais

preocupados com os aspectos pragmáticos da pesquisa científica, se aproximassem.

A conexão entre a ciência “teórica” e a prática se tornou efetiva. Embora as grandes inovações teóricas do

século XVII não tenham afetado o estado do conhecimento tecnológico da época de forma direta e imediata, elas

viabilizaram uma aproximação entre a ciência como filosofia natural (a modalidade tradicional) e a ciência como

tentativa direta de interferir com o funcionamento da natureza (uma vertente mais contemporânea).

O efeito de tal mudança já pôde ser sentido no século posterior, conforme mostra o economista. “Vários dos

grandes nomes associados às inovações técnicas da Revolução Industrial, tais como Thomas Savery, Thomas

Newcomen e James Watt, possuíam vínculos estreitos com as sociedades científicas da época”.

Page 21: Energia ed 01

21

noentanto,necessitavamtambémdelenhapara

funcionarem,ouseja,quantomaioraprodução

demetaldasforjasmaislenhaeranecessária,o

queacarretouadestruiçãodeimensasflorestasna

EuropanaIdadeMédiaeaconsequentefaltade

matéria-primaparageraçãodeforça.

Aescassezdefonteenergética,asdificuldades

detransportedomineraledalenhaparaolocal

emqueaenergiahidráulicaestavadisponívele

tambémalimitaçãodasmáquinasdeforçamotriz

existentesanteademandadeenergiacrescente

pressionaramosprodutoresdaépocaainvestirem

emnovasfonteseemnovosmeiosdeproduçãode

movimento.AInglaterra,quedesdeoséculoXIII,

sofriacomacarênciademadeiraparaproduzir

lenha,foioprimeiropaísaapelar,noséculoXIV,

paraocarvãomineral.Estecombustíveljáera

conhecido,maspoucousadoeapreciadodevidoao

odordesagradávelquedesprendiaaoqueimar-se.

EstamutaçãoanterioràRevoluçãoIndustrial

constituiuumarevoluçãoenergéticasem

precedentes,poismarcouapassagemdautilização

defontesdeenergiarenováveisaoemprego

derecursosfósseis,abrindocaminhoparao

surgimentodasmáquinasavapor,queconforme

oprofessordaUSP,GildoMagalhães,representaa

segundagrandeinovaçãotécnicadaforçamotriz.

Proto-industrialização e o vapor

“já que a água goza da propriedade de que uma

pequena quantidade dela transformada em vapor

por meio do calor tem uma força elástica similar

à do ar, e de que por meio do frio se transforma

de novo em água, de maneira que não sobra nem

rastro daquela força elástica, cheguei à conclusão

de que é possível construir máquinas que no seu

interior, por meio de um calor não muito intenso,

se pode produzir um vazio perfeito, que de maneira

nenhuma poderia se conseguido através da

pólvora.”

Dênis Papin, físico francês, 1690.

Quandoamáquinaavapornasceunosidosdo

séculoXVIII,jáexistiaumamassadetrabalhadores

acostumadaaolaborfabril,istoemdecorrência

dosavançospropiciadospelomoinhohidráulico

desdeaIdadeMédia.Éprecisoenfatizarquefoia

O moinho d’água foi a primeira grande força motriz produzida pela técnica humana e conseguiu grande expansão no período feudal. Mas, primeiro, os moinhos hidráulicos se restringiram a assegurar o fornecimento de farinha à propriedade feudal onde dividiam espaço com os moinhos a braços domésticos.

Page 22: Energia ed 01

22

era da eletricidade

forçahidráulica,principalmente,enãoamáquina

avapor,quelevouaindústriatêxtilaproduzir

volumesnuncaantesimaginados.

Aliás,antesmesmodousointensivode

máquinasmovidasacalor,ummovimentode

industrializaçãojáseestabelecianaEuropacalcado

naforçamotrizhidráulicaeeólica,alémdaforça

dosanimaisedoshomens.Eram,narealidade,

simplesoficinas,comumadúziadetrabalhadores

eumaouduasmáquinasdefiarmovimentadaspor

burrosetambémporhomensemulheres.

Essasprimeirasfábricasjásebaseavamno

controledaenergiahumana,comoobjetivode

otimizaraforçadetrabalhoeevitarassimas

perdasdetempoeosgastoscomtransporteligados

aosistemadoméstico.Étambémnesteperíodoque

surgemoscontramestresvigilantes,figurasque

permitemaosempregadoresassegurarotrabalho-

contínuodosoperários.

Em1717,naInglaterra,surgeentãoaprimeira

indústriamodernacomcaracterísticasque

antecipavamasfábricascapitalistasdoséculo

XIXqueaRevoluçãoIndustrialmassificaria.Era

umaindústriadesedamovidaàforçahidráulica

centralizadaequejápossuíaaltoinvestimento,

maisdetrezentostrabalhadores,entreeles,

mulheres,crianças,trabalhadoreseartesõesnão

preparadosparaoserviçotodoselesvigiados

constantementeporumaequipearmadacom

porretes.

Enquantoasincipientesfábricasdetecido

quasequeemsuatotalidadetrabalhavamcom

aforçahidráulicaedeanimais,asindústriasde

ferroedeminas,cujosprogressoscaminharam

juntosaosdaindústriatêxtil,funcionavamcom

máquinasavapor.Contudo,noinício,pornão

teremmuitoconhecimentosobreofuncionamento

dosaparelhos,principalmente,noquetangiaao

transportedamatéria-prima,naépoca,ocarvão

mineral,suapropagaçãofoiprejudicada.Defato,

asprimeirasincursõesnaáreasóderamcerto

porqueasmáquinaseramutilizadasdiretamente

nasminasdecarvãoe,dessaforma,alimentadas

commaispraticidade.

Nosetortêxtilinglês,aprimeiraexperiência

comamáquinaavaporsedeunasfiandeiras

doindustrialinglêsArkwright.Suaprodução

erarealizadasomentecomforçahidráulica,

mas,conformeoaumentodademanda,ouso

dessatecnologiaficoucadavezmaisdifícil;era

impossívelaumentarindefinidamentesuapotência

emfunçãodasnecessidadeseeraimpraticável

suprirasbaixasvazõesdosriosprovocadaspela

secaoupelocongelamento.FoiaíqueArkwright

recorreuaoinventorJamesWatt,queem1779

construiuumabombaavapor,cujafunçãoera

as máquinas a vapor criaram outra dinâmica na sociEdadE quE dElas usufrui. isto porquE Estimularam o procEsso dE industrialização, principalmEntE na árEa têxtil. EstE dEsEnvolvimEnto industrial mExEu tanto com a Estrutura campEstrE quanto com a Estrutura urbana.

Page 23: Energia ed 01

23

somenteauxiliaromoinhohidráulico,aquecendo

atemperaturadaáguaefazendooequipamento

funcionarcommaisvelocidade.

Nocomeço,asmáquinasavaporforam

empregadasdessaformaporquenãosesabiaainda

comotransformaromovimentolineargeradopor

elaemmovimentocircular,dinâmico.Istoaliado

aobaixorendimentodasprimeirasmáquinaseà

dificuldadedetransportarocarvãoparalongas

distânciasfizeramcomqueasmáquinasavapor

ficassemrestritas,emumprimeiromomento,às

minasdecarvãoeàsmetalúrgicasribeirinhase

fossemtambémumfenômenoregional,utilizadas

somentenaInglaterra.

Aprimeiramáquinaavaporusadadiretamente

paramovimentarosequipamentosindustriais

surgiuem1775nasforjasdeWilkinsonpara

acionarummartelode60quilos,de150golpespor

minuto.Emrelaçãoaomelhorproveitoenergético

doequipamento,asituaçãomudouquandoWatt

modificouamáquina,tornando-amaiseconômica.

DeacordocomofilósofoalemãoKarlMarx,

deve-seaWattofatodeamáquinaavaporser

consideradaagentegeraldagrandeindústria.

Outrofator,otransportedamatéria-prima,

foipreponderanteparaque,noiníciodoséculo

XIX,osistemaindustrialbaseadonamáquina

avaporficasserestritoàInglaterra.Comonem

todosospaísestinhamtecnologiaparaexploraro

usodocarvãomineral,alenhafoiocombustível

preferidodosoutrospaíses.Alémdisso,ela

podiasertransportadaporviamarítima,fato

quenãoaconteciacomocarvão.Somentecomo

desenvolvimentodotransporteferroviárioedeseu

barateamentoéqueocarvãodesbancoualenha

comocombustíveltérmico.

Mesmoassim,outrospaísesencontravam

certadificuldadeparainstalaremseussolosuma

indústriadeportesemelhanteaoinglês.Assim,

muitosdelespermaneceramestagnados.Tantoque

antesdesedeflagraraPrimeiraGuerraMundial,

apenasaAlemanhaeosEstadosUnidosse

equivaliamemforçaindustrialcomaInglaterra.

Ofatoéque,nospaísesemqueforam

bastanteutilizadas,asmáquinasavapor

criaramoutradinâmicanasociedadequedelas

usufruiu.Istoporqueestimularamoprocessode

industrialização,principalmentenaáreatêxtil.

Estedesenvolvimentoindustrialmexeutantocom

aestruturacampestrequantocomaestrutura

urbanadaEuropa.Nocampo,desterradospela

novaproduçãodelãquedominouáreasruraisem

detrimentodaagriculturadesubsistência,milhares

decamponesesmigraramparaascidadesonde

engrossaramocorodepretendentesaumemprego

nasfábricas.

Chegandonasáreasurbanas,alguns

conseguiamposto,muitosnão,oqueaumentava

onúmerodepessoasdesempregadas.Estafarta

ofertadereservapossibilitouqueosdonosdos

meiosdeproduçãotivessemosoperáriosnasmãos.

Assim,elessesujeitavamabaixíssimossalários.

Porexemplo,nacidadeindustrialdeBolton,na

Inglaterra,noanode1842,umtecelãomanual

nãoconseguiaganharmaisdoquetrêsxelins;

aquestãoeraqueparasemanterumafamília

decincopessoasumpoucoacimadolimiteda

miséria,namesmaépoca,eramnecessáriospelo

menos20xelinssemanais.

Seosalárioerabaixo,acargahoráriadiária

detrabalhoerabemextensa:aproximadamente14

horasextenuantesdetrabalho.Eosoperáriosnão

possuíamtrégua,jáquehaviaumrigorosocontrole

emrelaçãoaohoráriodetrabalhoeàpermanência

dostrabalhadoresjuntoàsmáquinas.Otrabalho

tornava-seaindamaisinsuportávelporcontadas

condiçõeslaboraisinsalubres:sujeira,escuridãoe

faltadeproteçãonasmáquinasdeixavamafábrica

perigosa,sendocomumaocorrênciadeacidentes.

Porganharemsaláriostãomiseráveis,os

operáriosviviamemmoradiasprecárias.Moravam

longedesuafamília,aqualtinhamdeixadono

campo,emúmidosquartosdeporão,emsua

grandeparte,semluz,águaeesgotos.Ambientes

propíciosparaodesenvolvimentodedoençascomo

cóleraetuberculose,quedeixavamrastrosde

morteportodaEuropaindustrializada.

Pesquisa• O Processo CivilizatórioDarcyRibeiro,Ed.CompanhiadasLetras• Uma História da EnergiaDanielHémery,Ed.UniversidadedeBrasília

Page 24: Energia ed 01

24

cidade em movimento Por Flávia Lima

A vapor ou a tração elétrica, os trens provocaram verdadeiras revoluções no transporte. Encurtando as distâncias, eles estimularam o comércio, impulsionaram as indústrias, resolveram posteriores problemas de tráfego e deixaram suas marcas na sociedade e nas cidades

A ELETRICIDADE ABRINDO CAMINHOS

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Page 25: Energia ed 01

25

AcuriosidadedespertadanoséculoXVIII

notocanteàciênciaeatécnica,efetivamente,

ganhaformaeevidêncianocentenárioseguinte.

Especialmenteasesferasdasaúde,dotrabalhoea

áreadeinfraestruturacomoumtododeramsaltos

estratosféricos,comainvençãodemáquinasesistemas

nuncaantesimaginados.Apopulaçãomundialcresce

e,comela,osgrandesgênios.Asrelaçõescomerciais

aumentameaciênciatorna-semaispróximadas

necessidadesdomundoreal.Aspessoasprecisamse

comunicarcommaisagilidadeeasdistânciasprecisam

servencidas.Aeletricidadeaplicadaéentãodescoberta

erapidamentemaisemaisbenefíciossãoextraídos

dessaforçainvisívelquepassaadominarpequenase

grandescoisascomoúnicoobjetivodefacilitaravida

dohomem.

Antesqueaenergiaelétricapassasseafazer

partedocotidianodaspessoas,aforçadehomense

deanimaisfoipormuitotempoaúnicamaneirade

setransportaraglomeradosdeobjetos.Entretanto,

oaumentodasrelaçõesdetrocasexigiuacriação

denovosmecanismosquedesempenhassemesta

funçãodeformamaisrápidaeeficiente.Foientão

quealgumasformasdeenergia,alémdaforçaanimal,

passaramasertambémempregadas,porexemplo,

aqueimadecombustíveiscomomadeiraecarvão

paraalimentarnavios,recursoqueexerceugrande

influênciasobreasatividadescomerciais,asquais,pela

suapróprianatureza,movimentamosprodutosque

precisamchegaradistânciascadavezmaiores.

Estudosrevelamqueháboasrazõesparaacreditar

queasmaioresquantidadesdegênerospesadosforam

transportadosporveículostípicosdecurtadistância,

tendobois,cavalosoumulasexecutandoafunçãode

motor.AntesdaRevoluçãoIndustrialéonavioavela

quepermiteotransportedegrandescargasalargas

distâncias.OfilósofoAdamSmithcomparaosmeios

detransportesdaIdadeMédiaeconcluique,graças

aotransporteaquaviário,seisaoitohomenspoderiam

transportaramesmaquantidadedemercadoriasque

cinquentacarroçõesderodasgrandes,conduzidospor

cemhomensequatrocentoscavalos.

Astécnicassão,aolongodotempo,substituídas

pornovastécnicas,maspodemosconsiderarofim

doséculoXVIII,maisprecisamenteaRevolução

Industrial,comoummarcoparaodesenvolvimento

dotransportenomundo.Sobreisso,KarlMarx

teriaafirmadoque“osmeiosdetransporteede

comunicaçãolegadospeloperíodomanufatureirologo

setornaramobstáculosinsuportáveisparaaindústria

moderna,comsuavelocidadefebrildeprodução

emgrandeescala,seucontínuodeslocamentode

massasdecapitaledetrabalhadoresdeumramode

produçãoparaoutroecomasnovasconexõesque

criounomercadomundial”.Arevoluçãoindustrial

contribuiutambémparaumarevoluçãonosmeiosde

comunicaçãoetransporte.

Símbolodarevolução,amáquinaavapornasceu

apartirdaevoluçãodaindústriadoferroedamina,

queobtiveramsucessoparalelamenteàindústriatêxtil.

NaInglaterra,amáquinadefiar,inventadaporJohn

Wyatt,em1735,eramovidaporburrosouporcavalos

comandadosporpessoas.Maistarde,aforçahidráulica

substituiuaanimaleveiopararesolvertambémo

problemadafaltadefiandeirasdevidoaocrescimento

dademanda.Em1779,JamesWattdesenvolveuma

bombaavapordestinadaaelevaraáguaparaacionar

asrodasdomoinho.

Logo,amáquinaavaporganhouasindústrias

etambémotransporte.Emborajáexistissemvagões

puxadosatraçãoanimal,estemeiodetransporte

ganhoumaisevidênciacomosurgimento,noinício

doséculoXIX,daslocomotivasimpulsionadaspor

motoresavapor.

ConstruídapeloinglêsRichardTrevithick,a

primeiralocomotivaavaporfezseuprimeiropercurso

em1804,masmuitosanosteriamquepassarparaque

elasetornasseumtransporteviáveleeconomicamente

rentável.Aferroviaalcançaumrápidosucessodepois

de1830,quandoaindacontavacomalgumasdezenas

dequilômetrosemtodoomundo.Duasdécadas

depois,essenúmerochegariaa37milquilômetrosde

linhas,dosquaisgrandeparteestavalocalizadanos

paísesdaEuropa.

Damesmaformaqueaindústriateriacontribuído

paraoavançodotransporte,oprogressodosistema

A primeira ferrovia é inaugurada no Brasil em 10 de abril de 1854 por iniciativa do banqueiro Irineu Evangelista de Souza, mais tarde agraciado com o título de Visconde de Mauá. A ferrovia tinha apenas 14,5 quilômetros de extensão e ligava o Porto de Mauá à Serra de Petrópolis.

Page 26: Energia ed 01

26

cidade em movimento

ferroviárioexerceugrandeinfluênciasobreo

desenvolvimentodaindústria.OsociólogoAntonio

CarlosBôaNovacomentaqueaexistênciade

mecanismosmaisrápidosebaratosdetransportar

cargasatraiuváriossetoresdaindústriaquese

beneficiaramdoencurtamentodasdistânciasedo

consequentealargamentodasfronteirasdoseu

mercado.

Nomesmoperíodo,anavegaçãoavaporse

desenvolve,masnãocomtantoêxito.Em1840,os

naviosavaporaindanãorepresentammaisdoqueum

sextodacapacidadetotaldecargadafrotamercante,

aocontráriodaferrovia,quefoiimplantadanoséculo

XIXemtodoocontinenteeuropeu.

Eletricidade no transporte

Asprimeirasiniciativasnocampodaeletricidade

ocorreramdepoisdasexperiênciasedescobertada

correnteelétricaporGeorgSimonOhm,em1827,edo

eletromagnetismo,difundidoporMichaelFaraday,a

partirde1831.NaopiniãodeBôaNova,aeletricidade

“nãoconstituiumafonteenergética,masumaforma

deutilizaçãodeenergia”.Segundoele,trata-sedeuma

formadeenergiamuitocômodadeserusada,poistem

avantagemdepoderserfracionadapraticamenteao

infinito.Comopodeserempregadaemquantidades

quepodemsermoduladas,suautilizaçãomostrou

exercergrandeinfluênciaparaaproduçãodetrabalho

mecânico,decalor,deiluminação,entreoutras

utilidades.

Aospoucos,elaéempregadaparamovimentar

grandesmáquinasenãodemoroumuitoaser

largamenteempregadaemtrensdecargaede

passageiros.Algunsestudiososatribuemacriaçãoda

primeiralocomotivaelétricaaumescocêschamado

RobertDavidson,queteriaproduzidootrem,em1837,

movidoabaterias.

Cinquentaanosdepois,oengenheiroalemão

WernervonSiemensapresentouemBerlimaprimeira

locomotivaelétricadestinadaatransportarpassageiros.

Otremeraacionadoporummotorde2,2kWde

potênciaeconstituídoporumalocomotivaetrês

carros,alcançandoavelocidademáximade13km

porhora.Durantequatromeses,otremtransportou

90milpassageirosemumpercursode300metros.A

eletricidadeerafornecidaporumdínamoestacionário.

Amáquina,decorrentecontínua,apresentava

inúmerasvantagensemrelaçãoàmáquinaavapor,

àrodad’águaeàforçaanimal,masaindapossuía

altocustodefabricaçãoeeravulnerávelporconta

docomutador.Pesquisadoresentãocontinuaram

preocupadosemconseguirummotorelétricomais

eficienteecommelhorcusto/benefício.

Em1894,oengenheirohúngaroKálmánKandó

desenvolveumotoresdecorrentealternadatrifásicos

dealtatensãoegeradoresparalocomotivaselétricas.

Elefoioprimeiroareconhecerqueumsistemaelétrico

detrenspoderiatersucessoseaeletricidadeutilizada

fossedaredepública.Emboraeletenharealizadotestes

emBudapeste,foramostrilhositalianososprimeirosa

efetivamenteintroduzirematraçãoelétricaemtrechos

inteirosdelinhascomerciaisimportantes.

Cabeaquiumparênteses.Umdetalhefundamental

nahistóriadodesenvolvimentodotransporte

ferroviáriofoiaescolhaentreascorrentescontínua

ealternada.Aprimeirafoiamplamenteutilizadanos

sistemaselétricosiniciaisdelocomoção,enquantoa

correntealternadanãoeracompreendida.Duranteo

períododeeletrificação,foramfeitosdiversostestes

quantoàformadeeletricidadeutilizada.Emalguns

casos,empregava-setensãotrifásicade3,6kVna

frequênciade16,6Hz;emoutros,osistemaoperava

em1,5kVdcou3kVdce10kVacem50Hz.

Aslocomotivastípicasdecorrentecontínua

operavamemumatensãorelativamentebaixa,de600

Va3.000Venãoalcançavamgrandesvelocidades.

OOengenheiroeletricista,consultordoGrupoTrends

Tecnologia,PeterAlouche,explicaqueatradiçãodo

empregodecorrentecontínuadeveu-seaalgumas

facilidadesdomotordecorrentecontínua.Segundo

ele,esteapresentacaracterísticasdepotência,frenagem

etorquefavoráveisàmarchadostrens.

Quandoosmotoresdecorrentealternada

foramcriados,elestornaram-sepredominantes,

especialmenteemtrechoslongos.Altastensões

Page 27: Energia ed 01

27

eramutilizadasporquepermitiamousodebaixas

correntes.Dessaforma,altastensõespoderiam

serconduzidasporlongasdistânciasemredes

maisbaratas.Transformadoresinstaladosnas

locomotivastransformavamestaenergiaembaixa

tensãoealtacorrenteparaosmotores.Altatensão

nãopoderiaserempregadacomlocomotivasde

correntecontínuaporquenãoerafáciltransformar

atensãoeacorrentedemodoeficiente.

Aalimentaçãodostrensnasredesdemetrôede

subúrbioerafeitapormeiodesubestaçõeselétricas,

queatéadécadade1960usavamretificadoresa

vapordemercúrio.Asunidadesmotorasemcorrente

contínuaoperavamemumatensãorelativamente

baixa,de600Va3.000Venãoalcançavam

grandesvelocidades.Omotordecorrentealternada

sócomeçariaaserutilizadonatraçãodostrens

metroferroviários,nofinaldadécadade1960,graçasà

eletrônicadepotência.

Houve,naverdade,diversastentativasde

melhoriadaaplicaçãodaenergiaelétricanatração

dostrens,prevalecendo,nesseperíodo,acorrente

contínua.NocomeçodoséculoXX,centenasde

quilômetrosdelinhasférreasforameletrificadas

naEuropaeemoutrospaísesdomundo,osquais

concluíramqueatraçãoelétricadiminuíaoscustos

operacionaisetornavaoserviçomaisatraente.A

maioriadessaseletrificaçõesocorria,aprincípio,

emlinhasquetraziamrestriçõesàtraçãoavapor

eemviasdetráfegointenso,justificandoosaltos

investimentos.

NaEuropa,osprojetosdeeletrificação

inicialmenteseconcentraramemáreasmontanhosas,

poisaslocomotivaselétricasapresentavamgrande

forçadetraçãoemlinhasíngremes,oqueexplicao

fatodeaSuíça,porexemplo,regiãomaismontanhosa

daEuropa,tertodasassuaslinhaseletrificadas.

DeacordocomaAssociaçãoNacionaldos

TransportesFerroviários,atraçãoelétricafoi

empregadapelaprimeiraveznoBrasilpela

CompanhiaFerroCarrildoJardimBotânico,na

cidadedoRiodeJaneiroem1892,epelaEstradade

FerrodoCorcovadoem1910.Em1922,iniciou-sea

eletrificaçãodaCompanhiaPaulistadeEstradasde

Ferroe,em1937,daCentraldoBrasil,naslinhasde

subúrbiosdoRiodeJaneiro.

Emboraestendidaaváriasferroviasbrasileiras,

atraçãoelétricafoiaospoucosdesativadadevido

àobsolescênciadosequipamentosexistenteseaos

altoscustosdemanutençãodosequipamentosfixos,

ficandorestritaatualmenteaossistemasdetransporte

metropolitanonasprincipaiscapitais.

as fErrovias brasilEiras, EspEcialmEntE as paulistas, tivEram sua origEm Em 1870 E Estavam dirEtamEntE ligadas à Expansão cafEEira.

Page 28: Energia ed 01

28

cidade em movimento

O trem, as cidades e as artes

“Je suis reconcilié avec les chemins de fer; c’est

décidément três beau. Le premier que j’avais vu n’était

qu’un ignoble chemin de fabrique. J’ai fait hier la

course d’Anvers à Bruxelles et le retour. Je partais

à quatre heures dix minutes et j’étais revenu à huit

heures um quart, ayant dans l’intervalle passé cinq

quarts d’heure à Bruxelles et fait vingt trois lieus de

France. C’est um mouvement magnifique et qu’il faut

avoir senti pour s’em rendre compte. La rapidité est

inouie”

Victor Hugo, em Le voyage en Belgique, 1837

Originalmentecriadosparafacilitarocomércio,

considerandosuacapacidadedearmazenamento

erapidezdelocomoção,ostrenstrouxeram

significativasmudançassociaisparaasregiõesem

queforaminstalados.SegundoPeterAlouche,muitas

cidadesdevemàferroviasuaprópriaexistência.

Aestradadeferroe,maistarde,ostrilhos

eletrificadosforamparamuitasregiõesumimportante

fatordedesenvolvimento.Aproximaramcidades

isoladasdegrandescentroseatraíramprogressos

econômicos.Abriramcaminhosparaalavoura,parao

comércioeparaaindústria.

NoBrasil,aferroviafoiaprimeiragrande

indústriadoEstadodeSãoPauloesignificoumuito

maisdoqueumainovaçãonosmeiosdetransporte.

Foiconsideradapormuitosomarcodeumagrande

mudançadeprocessonaorganizaçãoprodutivado

café,napassagemdosistemamercantil-escravocrata

paraaorganizaçãocapitalistadeprodução.

ParaosociólogoCheywaSpindel,aestrada

deferroiniciaumnovoprocessodereordenaçãoe

reavaliaçãodosfatoresedanaturezadaacumulação

decapitalnaeconomiacafeeira.Seem1880havia

apenas139quilômetrosnopaís,duasdécadas

depois,estenúmeroatingiria2.329quilômetros,

demonstrandoumsurpreendentecrescimento.

Amaioriadasferroviaseradepropriedade

particularnacional,sendobastanteligadasaos

própriosfazendeirosdocaféesignificoumuitoparao

cenáriotrabalhista.NaprimeiradécadadoséculoXX,

ocaféempregava24miltrabalhadoreseasferrovias

18milhomens.

Aslocomotivasqueprimeirocortaramascidades,

noiníciodoséculoXIX,despertavamsensações

distintasnasociedade:oramedo,orafascinação,

oraprogresso.NaEuropaenosEstadosUnidos,as

primeirasviagenseramesperadascomansiedadee

foramtambémretratadasnaliteraturaenasartes

plásticas.

OjornalistaehistoriadorPedroNastricontaque

naocasiãodaviageminauguraldaviaférreaque

ligavaacidadedeSantosatéasestaçõesdoBrás

edaLuz,nacapital,opovosereuniaaomeiodia

de6desetembrode1865paraverolançamento

domaisnovomeiodetransporte.“Osminutosiam

passandoenemsinaldotremchegar.Nacomposição,

viajavampersonalidadesdapolíticapaulistana,como

opresidentedaProvíncia,conselheiroJoãodaSilva

Carrãoeseusecretariado.Otempofoipassandoea

demoracomeçouapreocuparosdiretoresdanova

empresaférreaquandoalguémavistouumrapazque,

ofegante,chegaàplataformaavisando,quaseaos

gritos,queotremhaviadescarriladopróximoaobairro

doPari,poisomesmoseachavaemaltavelocidade,

porvoltade30quilômetrosporhora,equenolocal

haviaumgrandenúmerodeferidos.Ofatofoinotícia

asemanatoda,porsetratardoprimeiroacidentede

trememterraspaulistas(claro,antesdesseacidente

nemtremexistia)”.

Comoprogresso,tambémvinhamosproblemas,a

começarcomasdesapropriaçõesnosbairrosporonde

passariamostrilhos.Emaisacidentesaconteceram.

SegundoPedroNastri,gravesacidentesocorreram

napassagemdeníveldostrensaocortaraavenida

RangelPestanaemaistranstornosforamcriadosao

construir,em1865,aconhecidaPorteiradoBrás,

situadaentreasruasDomingosPaivaeCoronel

FranciscoAmaro,emSãoPaulo.

Cortandoascidadesetransformandoasua

geografia,ostrenstambémlevarambenefícios.

Alavancaramoturismo,ocomércioeaindústria.

Modificandoasestruturasdasociedade,otrema

vaporoujámovidoatraçãoelétrica,nãopassaria

despercebidonaliteratura.aprimeirametade

doséculoXIX,ofrancêsVictorHugoteriase

impressionadocomumacidentedetremocorridono

dia8demaiode1842,umasemanadepoisdatriunfal

inauguraçãodaslinhasParis-OrléanseParis-Rouen.

Umdescarrilamentoprovocouamortede55pessoas

emMeudon-Bellevue,queimadasvivasnostrens

Page 29: Energia ed 01

29

Embora as primeiras pesquisas sobre levitação

magnética em trens sejam de 1922, a tecnologia ainda

é pouco explorada, mas considerada por muitos como

o transporte do futuro.

Basicamente, um trem com levitação magnética é,

como define Peter Alouche, um veículo que emprega

um motor linear cujo princípio se baseia na interação

própria do campo magnético, utilizando os fenômenos

de atração e repulsão entre pólos magnéticos opostos

para a propulsão do veículo e sua levitação acima dos

trilhos. Isso acontece porque a levitação magnética

suprime o atrito do contato roda-trilho, permitindo

grandes velocidades, redução de consumo de energia

elétrica e menos ruído

O Japão começou a pesquisar a tecnologia em

1962 e conseguiu recordes de velocidade em testes.

Uma década depois, a Alemanha retoma seus estudos

e lança em 1979 o Transrapid, projeto da Siemens

que, em 1983, circulava em uma linha comercial de

1,6 km. Esta linha, no entanto, foi fechada em 1992.

O Transrapid continuou em testes, mas seu fim foi

oficialmente decretado quando, em setembro de 2006,

circulava em uma via experimental, com 30 pessoas a

bordo e colidiu a 200 km por hora com um veículo de

manutenção, causando a morte de 25 pessoas.

O Japão também desenvolveu suas técnicas e criou

uma linha experimental para um

trem de levitação magnética, o

Maglev. Essa linha opera em teste

e atingiu em 2003 a velocidade

recorde de 581 km por hora.

Já o Transrapid encontrou

uma aplicação comercial na China

e opera em uma ligação curta de

40 km, ligando a cidade de Xangai

ao Aeroporto de Pudong. Os trens

circulam com velocidade máxima

de 430 km por hora e percorre em

sete minutos um trecho que levaria uma hora de carro.

O engenheiro Peter Alouche enumera alguns

entraves à adoção de trens com levitação magnética:

• São incompatíveis com a rede ferroviária instalada;

• Apresentam dificuldade técnica na instalação de

aparelhos de mudança de via, não permitindo a

ultrapassagem de um trem;

• Sua tecnologia ainda não é completamente dominada;

• O custo de construção e manutenção de uma

via para levitação magnética é muito elevado,

principalmente por conta da instalação do “estator” ao

longo da via;

• A levitação magnética só permite trens com

capacidade de transporte reduzida.

levitaçãomaGnética

grandE partE da locomoção Elétrica foi caractErizada pElo aumEnto

dos túnEis, EspEcialmEntE Em árEas urbanas. isso porquE a fumaça das

locomotivas a vapor Era considErada tóxica E os govErnos municipais

Estavam inclinados a proibir sEu uso dEntro dE suas frontEiras, Então, a

solução foi a criação dE túnEis.

Page 30: Energia ed 01

30

cidade em movimento

fechadosacadeadoporrazõesdesegurança.Tinha

entãodecididoanãoutilizaronovotransporte,até

queresolveutomarotrem,pelaprimeiravez,parair

deBruxelasàcidadedeAnvers,viagemquemudaria

seuconceitoquantoànovamáquina.Orápido

movimentodotremtransformouavisãodemundo

deVictorHugo,queconferiuàmáquinaumaestética

maisromânticadoqueindustrial:

“Eu me reconcilio com as estradas de ferro; elas são,

decididamente, muito belas. A primeira que eu vi

não era mais do que um simples caminho de fábrica.

Ontem eu fiz o percurso de ida e volta de Anvers a

Bruxelas. Parti às quatro horas e dez minutos e voltei

às oito horas e quinze minutos, tendo, neste intervalo,

passado cinco quartos de hora em Bruxelas e por vinte

e três lugares na França. É um movimento magnífico,

que se faz necessário ter sentido por conta própria

e então contar para os outros. A rapidez é incrível”

(tradução livre)

LaBêteHumaine,doromancistafrancêsÉmile

Zola,escritanoanode1890,tambémfazalusão

aotrem,mostraaforçadasmáquinaseosdramas

humanosquesedesenrolamnosvagões,naspróprias

locomotivasenasestradasdeferro.Naopiniãode

PeterAlouche,paraZola,“abestahumana”é,na

realidade,apróprialocomotiva.

ArtistascomoMoneteKandinskytambém

ilustramnoimpressionismo,apresençadotremem

suasobrasepintamumapaisagemmodificada,ora

comamanifestaçãosutildafumaçadalocomotivaa

vapor,oraevidenciaa“invasão”dotremnascidades,

entreascasas.

NoBrasil,tambémtivemosexemplosdeescritores

queretrataramaferroviaemsualiteratura,aexemplo

deManuelBandeiraque,em1937,dedicaaotremum

deseuspoemas(vejapoesia“Tremdeferro”aolado).

A origem dos trens metropolitanos

Ostrensmetropolitanosnasceramem1863,com

umalinhasubterrânea,utilizandolocomotivasavapor,

operadapelaMetropolitanRailway,emLondres.A

traçãoelétricafoiadotada,nessacidade,17anosmais

tarde,pelaCitySouthLondonRailway,estimulando

aadoçãodessetrilhoeletrificadoporoutrascidades,

comoBoston,Berlim,Liverpool,NovaIorque,

Filadélfia,BuenosAireseoutras.

Desdeentão,atecnologiadosmetrôscomeçoua

evoluir.Atéasegundaguerramundial,Londres,Nova

Iorque,Chicago,Budapeste,Paris,Moscou,Atenaseoutras

cidadesjátinhamimplantadosuasredesdelinhasde

metrôssubterrâneos,utilizandotrensdemadeiraoude

aço-carbono,commotoresdecorrentecontínua,regulados

acames,sinalizaçãoferroviáriatradicionalesubestaçõesde

traçãocomretificadoresavapordemercúrio.

OengenheiroPeterAlouchecomentaque,durante

asegundaguerramundial,osmetrôstiveramperíodos

deabsolutaestagnação,tornando-sefamosospor

serviremdeabrigosubterrâneocontraasbombas

inimigas.“Asimagensdopovorusso,dormindo

nasestaçõesdeMoscou,sãoaindavivasnastristes

memóriasdomundo”,diz.

Train dans la campagne (1870 – 1871), Claude Monet

Page 31: Energia ed 01

31

tremdeferro

Café com pãoCafé com pãoCafé com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora simCafé com pãoAgora simVoa, fumaçaCorre, cercaAi seu foguistaBota fogoNa fornalhaQue eu precisoMuita forçaMuita forçaMuita força(trem de ferro, trem de ferro)

Oô...Foge, bichoFoge, povoPassa pontePassa postePassa pastoPassa boiPassa boiadaPassa galhoDa ingazeiraDebruçadaNo riachoQue vontadeDe cantar!Oô...(café com pão é muito bom)

Quando me prenderoNo canaviáCada pé de canaEra um oficiáOô...Menina bonitaDo vestido verdeMe dá tua bocaPra matar minha sedeOô...Vou mimbora vou mimboraNão gosto daquiNasci no sertãoSou de OuricuriOô...

Vou depressaVou correndoVou na todaQue só levo Pouca gentePouca gentePouca gente...(trem de ferro, trem de ferro)

(Manuel Bandeira em “Estrela da Manhã” 1936)

Pesquisa•Artigo“Atecnologiadosmetrôsdomundo”,dePeterAlouche•Artigo“Máquinasehumanos:umestudosobremáquinasdebeneficiamentoesociedade(1880-1910)”,deVictorGarciaMiranda• Uma história da energiaDanielHémery,Ed.UniversidadedeBrasília• Energia e classes sociais no BrasilAntonioCarlosBoaNova,EdiçõesLoyola

Em1950,acidadedeEstocolmomarcaageração

dosmetrôsdopós-guerra.Apartirdeentão,ostrens

tornam-semaismodernosemaisrápidos(atingindo

até90kmporhora),asestaçõesficammaiorese

maisbonitaseasinalizaçãoseadaptaaometrô;

assubestaçõesempregamagoraatecnologiade

semicondutores.

Nosanosde1970,ascidadesdeSãoPauloeSão

Francisco(EstadosUnidos)marcamosurgimentodos

metrôsmodernospesados,commaiorcapacidade

depassageiros.“Aeletrônicadepotênciapermitea

adoçãodo“chopper”paraaregulaçãodosmotores.

Aoperaçãodostrenséautomáticaeasupervisãoda

circulaçãodostrens,apartirdoCentrodeControele,

éfeitaporcomputador.Avelocidadeaumentapara

100kmporhoraeointervaloentrecomposições

diminuipara90segundos”,explicaAlouche.

ImportanteressaltarqueSãoPauloapresentouo

primeirometrônovodomundoaentraremoperação

comatecnologiadochopper.Porcontadeproblemas

técnicos,ainauguraçãodometrôdeSãoFranciscofoi

adiada,deixandoaprimaziaparaospaulistas.Com

isso,operadoresdeoutrosmetrôsdomundoquiseram

conheceratecnologiadosmetrôsdeSãoPaulo,por

isso,foiorganizadoumCongressopeloengenheiro

PeterAlouche,responsávelpelaimplantaçãodo

sistemaelétricodoMetrôdeSãoPaulo.OSeminário

reuniuespecialistasdeBruxelas,Lyon,NovaYork,

CaracaseParis.“Foiummarconotransporte

metropolitanodetodoomundo”,avaliaoengenheiro.

Nosúltimosanos,acorrentealternadapassou

aseradotadapelostrensmetroviários.Omotorde

induçãodecorrentealternadaésimplesedebaixa

manutenção,massuaaplicaçãosófoipossívelcomo

desenvolvimentodaeletrônicaedainformática.

Háprevisõesdeque,nofuturo,ascidades

precisemcadavezmenosdetransporte,graçasà

telemáticaquepermitiriaàspessoastrabalharem

emcasa.Entretanto,naopiniãodePeterAlouche,

aconteceráocontrário.“Comaelevaçãodaqualidade

devidadaspopulações,anecessidadedetransporte

cresce,oqueindicaqueosmetrôscontinuarão

crescendo,mantendo-setecnologicamentejovense

dinâmicos”.

NocasodeSãoPauloedasgrandesmetrópoles

mundiais,otransportemetropolitanofoifundamental

parafacilitarotráfego.Atualmente,ostrensde

altavelocidadejásãoempregadosemquantidade

significativaemgrandescapitais.Naopiniãodo

engenheiro,investirnessatecnologiaéuma“opção

obrigatória”paraopaíscrescer.“Nãoháumagrande

potênciahojesemtrensdealtavelocidade,aChina

descobriuissoefezemquatroanos400quilômetros

delinhademetrôemXangai.OBrasilprecisa

interligarasgrandescidadescomtrensemetrôsde

grandevelocidade”,analisa.

Chemin de fer près de Murnau (1909), Wassily Kandinsky

Page 32: Energia ed 01

32

DOMESTICANDO A ELETRICIDADE

comportamento Por Lívia Cunha

Do fogão a lenha ao aparelho microondas

se passou aproximadamente um século.

Nesse período, a energia elétrica foi

domesticada e tomou as casas, alterando

hábitos de consumo e de vida

stoc

k.xc

hng

Page 33: Energia ed 01

33

DOMESTICANDO A ELETRICIDADE

Adomesticaçãodaeletricidade,easuaaplicação

emgrandeescala,iniciadanofimdoséculoXIX

semprefoiumprocessoassociadoaoprogressoeà

evoluçãodasociedade.Terenergiaelétricaeracomo

sairdastrevase,enfim,veraluz.Darumpassono

domíniosobreanatureza,comorelatouojornalO

EstadodeS.Pauloemsuaprimeiraediçãodoanode

1900:“outrora,malseescondiaosolpoente,retraía-

selogoaatividadedohomem.Hojeohomempode

exercê-la,seminterrupçãodeumminuto.”

Masnãosóasatividadeseconômicas,como

otrabalhoforadecasaeomovimentodacidade,

estavambeneficiadascomessa,então,novafontede

energia.Avidaprivada–oambientedoméstico–

tambémsofreusignificativasmudançascomoadvento

dogásedaeletricidade.E,noslaresbrasileiros,umdos

cômodosquemelhorrepresentaasmudançasdesse

séculoéacozinha,emquetodasuaconformação

foialterada.Dacozinhaforadecasa,sujaemal

cheirosa,aoambientelimpoehigienizado;dabrasa,

emumfogãoimprovisado,passandopelofogãoa

lenhaatéchegaraoaparelhomicroondassepassaram

algunsséculoseoshábitosdeconsumodapopulação

brasileirasealteraramdemaneirasignificativa.

Antesdepraticamentetodasasresidências

brasileirasteremfogãoagás,geladeiraelétricaeoutros

diversosequipamentos,comoliquidificador,aparelho

microondasesanduicheira,acozinhanemsequer

ficavadentrodecasa.Hádoisséculos,quandooBrasil

eraumpaísessencialmenterural,ascasasficavam

isoladasemfazendas,sítios,roças.Nessesambientes,

ondenemsemprehaviaáguacorrente,ascozinhas

ficavamafastadasdosoutroscômodos,atéporuma

questãodehigiene.Prepararcomidanabrasagerava

fuligememuitafumaça,aconservaçãodosalimentos

tambémnãoeramuitoagradávelaoambiente,

causandomaucheiroaorecinto.

OmineralogistainglêsJohnMawe,emvisitaao

BrasilnoiníciodoséculoXIX,registrounoseulivro

ViagensaoInteriordoBrasil,queacozinha,que

deveriaserapartemaislimpaeasseadadahabitação,

eraum“compartimentoimundocomchãolamacento,

desnivelado”.Relatouaindaque,comoamadeiraverde

eraoprincipalcombustíveldosfogõesdaépoca,o

lugardepreparodacomidaficava“cheiodefumaça,

que,porfaltadechaminé,atravessaasportasese

espalhapelosoutroscompartimentos,deixandotudo

enegrecidodefumaçapelafuligem.Lamentoinformar

queascozinhasdaspessoasabastadasemnada

diferemdestas”.

Porisso,oafastamentodessecômododosdemais

erafacilmenteexplicado.Somentecomoiníciode

redesdeabastecimentodeágua,primeironoRio

deJaneiro,em1876,edepoisemSãoPaulo,em

1878,acocçãosetornoumaisasseadaeacozinha

seaproximoudacasa.Umdosprimeirosusosda

eletricidadenoBrasilfoiparabombearáguaem

zonasrurais,utilizandopequenosgeradoresde

hidroeletricidade.

Aeletricidadeeogáschegaramàscidadesum

poucodepois,aindanofimdoséculoXIX,demaneira

insipiente,empoucasindústriasenailuminação

pública.Essasfontesdeenergiasócomeçaramaser

usadasemdomicíliosemmaiorescalanasdécadasde

1910e1920paraailuminaçãoeemalgunsaparelhos

domésticosquecomeçavamachegar.Masapopulação

docomeçodoséculopassadoaindatinhacerta

resistênciaaessasmudanças.

Aeletricidadeeravistaemummistodemedoede

fascínio,afinal,eraonovo,omoderno,mastambém

odesconhecido.Quandoessaenergiacomeçouaser

utilizada,naviradadosdoisséculos,oshábitosde

consumoaindaestavamprofundamentearraigados

nousodocarvãoedalenha,oquelevariaalguns

anosparaseralterado.Issoporque,comocomenta

aantropólogadoconsumoPatríciaPavesi,“hábitos

sãofrutodetreinamentocultural”eaculturadeuma

sociedadenãoéalgoquepossaseralteradodanoite

paraodia.

Amadeiraparaqueimarerafacilmenteencontrada

nosarredoresdascasasnointerior–emesmoao

redordascidades.Quandoaurbanizaçãocomeçou

Antiga cozinha de fazenda, onde ainda não existia eletricidade ou gás. Essas fontes de energia só começaram a ser usadas em domicílios em maior escala nas décadas de 1910 e 1920 para a iluminação e em alguns aparelhos domésticos que começaram chegar ao Brasil.

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Page 34: Energia ed 01

34

comportamento

energiaparaserconsumidaparaacasadaspessoas.

Oconsultoremplanejamentoenergéticoe

pesquisadordoInstitutodeEletrotécnicaeEnergia

daUniversidadedeSãoPaulo(IEE-USP),Alessandro

Barghini,explicaquearazãoparaissoésimples:

“nãoadiantafornecerenergiaelétricaseestanãotem

uso”.Porisso,depoisdeinvestirnainfraestruturade

rede,asempresasforneciamprodutos,ouseja,meios

paraqueessaenergiafosseempregada.“Quantomais

energiaforconsumida,maisrápidoseráoretornodo

investimento”,avalia.

EassimcomeçaramacriarnoBrasilumnovo

mercadoconsumidorparaessesprodutoselétricos.É

importantelembrarquenenhumacontecimentose

dádemaneiraisolada.Enquantoessasmudançasde

matrizenergéticaaconteciam,aprópriasociedade

tambémsealterava,assimcomoocorriamcoma

economiaecomapolítica.Abasedaeconomia

brasileira,essencialmenteagrária,eracafeeiradesde

todooséculoXIXatéasprimeirasdécadasdoséculo

XX,quandocomeçaentãoodeclíniodociclo.Aforma

degovernotambémsemodificava.Depoisdedécadas

demonarquia,arepúblicaeraumaestruturanova

paraasociedade–apesardealteraçõessignificativas

apenasserempercebidasapartirdadécadade1930.

Nesseprocesso,todososfatoresexternosàvida

privadacontribuíamdiretamentecomasmudanças

queoslaresbrasileirossofriam.Alterarospadrõesde

acrescer,masaindasemserpredominantenopaís,

aofertaporlenhadiminuiu,tantopeladificuldade

deaquisiçãodamatéria-primaquantopelaredução

daprocuradapopulação.Nessemesmoperíodo,nas

primeirasdécadasdoséculoXX,ogásjácomeçavaa

serofertadoparailuminaçãoenoaquecimentopara

fogões.Este,porém,nãoeliminouooutro.Osdois

produtosconviverampormuitosanos,sendopossível

aindahojeencontrarresidências,emespecialno

interiordoBrasil,comfogõesalenha.

Nasce ou cria-se uma necessidade?

Diferentementedoqueinicialmentepodemos

imaginar,nãofoi,porexemplo,anecessidadede

conservaçãodealimentosquelevouasempresasa

ofereceremgeladeiraselétricasàpopulação.Apartir

domomentoemqueasprimeirasempresaspassaram

aexploraromercadodailuminaçãoelétricaea

oferecerenergia,elasmesmascomeçaramavender

produtoselétricosparaquefossepossívelconsumir

essaenergia,criandoumanecessidadee,assim,

faturar.Damesmaformaaconteceucomalâmpada

elétrica.AfamosainvençãodeThomasEdisonsóse

tornouútileindispensávelparaasociedadeapartirdo

momentoemqueasdemaispessoaspuderamutilizar

oseuinvento,comodesenvolvimentodeumacentral

elétricaedeumsistemadedistribuiçãoqueenviavaa

Anúncio da Casa Byington, que vendia artigos elétricos, no jornal O Comércio de São Paulo em 23 de dezembro de 1914*. (*) Em Cozinha modelo: O impacto do Gás e da Eletricidade na Casa Paulistana (1870-1930), de João Luiz Máximo da Silva.

“Temos a honra de participar ao respeitável público que o nosso estoque de aparelhos elétricos é o mais apropriado para presentes de natal e de fim de ano. Nenhum presente igualará

um ferro de engomar, fogão elétrico, fogareiro, grelha, acendedor de cigarros, etc. ou um belo abajur com pingentes, um elegante

ferro ordenador de cabelos, um vibrador para massagens ou um ventilador elétrico. Deveis escolher um presente a altura do

progresso do século, a eletricidade é a última palavra.”

Page 35: Energia ed 01

35

consumodapopulaçãoeconduziraumamudança

deprodutosutilizadosnasresidênciasbrasileiras

nãoeratarefasimples.Principalmenteporquea

entradadenovatecnologiaentravaemconfronto

comantigaspráticas.OlivroCozinhaModelo,de

JoãoLuizMáximodaSilva,contaqueaentrada

dessesequipamentossofreuumprocessodepequenas

adaptaçõeseresistênciasnasociedade.

Paratentarcontornaressasituação,asempresas

fornecedorasdeenergiaelétricaedegás,quevendiam

osprimeiroseletrodomésticosimportadosdaEuropae

dosEstadosUnidos,iniciaramumprocessodefortes

investimentosempublicidadeepropaganda,afimde

divulgarseusprodutosereeducarapopulaçãoparao

novopadrãodesejado.

Apublicidadefoifundamentalparaosucesso

dessesequipamentosnoBrasil,principalmente

porqueosnovosprodutoseletrodomésticosno

paísconcorriamaindacomosmaisrudimentares

etradicionais.Convencerapopulaçãoamudar

exigiriaumamudançadementalidade.Havia

algunsproblemasquedificultavamaentradadesses

equipamentosnoslaresbrasileiros.Umdeleseraa

questãoeconômica,jáquearendasemprefoium

elementoseletornopaís.Osaparelhoselétricos

residenciaistraziamnovastecnologiasparaaépoca,

logo,eramequipamentoscaroseoacessodamaioria

dapopulaçãoaelesnãoeratãofácil.

Olançamentoeainvençãodeprodutosnãoestão

diretamenterelacionadosàsuautilizaçãoemlarga

escala,emgeral,influenciadospelaquestãofinanceira.

Paraseterideia,abatedeiraelétricafoiinventadanos

EstadosUnidosem1916,massóchegouaoBrasil

cercade20anosdepois.

Alémdaquestãoeconômica,haviaaindaoutro

fatorderesistênciaaessesnovosequipamentospor

partedascozinheiras,empregadasedonas-de-casa:o

medo.Receiodechoqueselétricos,deincêndiosede

queacomidanãotivesseogostotãobomquantoo

dareceitapreparadaaomodotradicionaleramalguns

dosmedosdasprotagonistasdacozinhadaépocana

alteraçãodoshábitos.

Apublicidadebuscavaapresentarcomoos

produtoselétricoserammelhoresemaisbonitosdo

queosnão-elétricos,masnãoerasuficiente.Então,as

empresasquevendiamessesaparelhoseaspróprias

fabricantespassaramaoferecercursosdeculináriae

preparodecomidasempregandoosnovosprodutos.

Revistasfemininasedeculináriaforamnascendoe

tiveramgrandefraçãodeimportâncianoprocessode

Da brasa à eletricidade: a evolução tecnológica do ferro de passar roupas.

frutos do dEsEnvolvimEnto da indústria ElEtrotécnica, os ElEtrodomésticos tornaram-sE sinônimo dE modErnidadE, provocaram uma

vErdadEira rEvolução no cEnário da casa, contribuindo para a progrEssiva massificação

do ambiEntE. o primEiro ElEtrodoméstico a Entrar na casa brasilEira foi o fErro dE passar logo após o início do fornEcimEnto dE EnErgia

Elétrica para as rEsidências.

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Page 36: Energia ed 01

36

comportamento

convencimentodasmulheresadefatoempregarem

oseletrodomésticosnasuarotina.Aspublicações

traziammatériassobreosnovosprodutos,comousar,

comoprepararalimentos,alémdereceitasculinárias.

Aindústriabrasileiradeeletrodomésticos,quese

desenvolvecommaisexpressãonadécadade1960,

empregaaindamaisessemecanismodedivulgação.

Poressesfatores,dinheiroeresistência,alguns

equipamentosdepadrõestecnológicosdistintos,

comoofogãoalenha,ofogãoelétricoeofogãogás

conviverampormuitosanos.Issoaconteceuporque

“todohábitoéestabelecidonointeriordealgum

padrão;temosmuitospadrõesconvivendoentresie

estesnãosãodefinitivos,alteram-sedetemposem

tempos”,apontaPavesi.

Diversidade, status e desenvolvimento

NoiníciodoséculoXX,apopularização

daeletricidademudouradicalmenteoambiente

residencial,passandoaseresteumlugarde

referênciaquantoàclassesocial,conferindostatus

àcomunidade.Acozinha,assimcomotodosos

cômodos,ganhounovosignificadoefunçãoparaas

famílias.Asalaganhougramofones,rádiose,depois,

televisores.Acasaganhouferrosdepassarelétricos

emáquinasdelavar,juntamentecomventiladores

deteto,refrigeradoresdearechuveiroselétricos.

Frutosdodesenvolvimentodaindústriaeletrotécnica,

oseletrodomésticostornaram-sesinônimode

modernidade,provocaramumaverdadeirarevolução

nocenáriodacasa,contribuindoparaaprogressiva

mecanizaçãodoambiente.

Oprimeiroeletrodomésticoaentrarnacasa

brasileirafoioferrodepassarlogoapósoiníciodo

fornecimentodeenergiaelétricaparaasresidências.

Antesdelesóailuminação.Mas,nesseperíodo,nas

duasprimeirasdécadasdoséculoXX,autilização

dessesequipamentoserarestritaelimitadaaalgumas

famílias,alternando-seaindacomosequipamentosa

gáseaquerosene.

Osnovosprodutoselétricosaindaeramcaros

eimportadosemesmoasdistribuidorasdeenergia

aindadescobriamformaseprocessosparaampliarsua

redeeprodução.OpesquisadorAlessandroBarghini

contaque,nesseperíodo,quandoaenergiaelétrica

erapraticamentelimitadaàiluminaçãoeosmedidores

elétricoseramgrandesecaros,ofaturamentoera

realizadoaumatarifafixa,pré-determinada,apartir

donúmerodelâmpadasquearesidênciatinha.

“Quandoodomicíliopossuíatambémferrodepassar,

eracobradaumataxaadicional”,conta.

Enquantoisso,ofogãoagásjáganhavaespaçona

cozinhabrasileira.Ageladeiraelétrica,quechegouao

paísnofinaldadécadade1920,demorouasefirmar

comoessencialnoslaresporserumequipamentocaro,

apesardemaiseficientedoqueamovidaaquerosene.

Antesdageladeiraaquerosene,essesequipamentos

eramsimplesarmáriosdemadeiraforradoscomardósia

oucortiçaemqueeramcolocadosblocosdegelo

fabricadosindustrialmenteparaconservarosalimentos.

OarquitetoeautordolivroCozinhasetc.,Carlos

Lemos,contaque,inicialmente,noséculoXIX,esse

geloeraimportadodosEstadosUnidos.Sónofinal

doséculoqueogelocomeçouaserdesenvolvido

artificialmentenoBrasil,semprecisardeáguaou

Antigas máquinas de lavar roupas manuais.

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Page 37: Energia ed 01

37

Ganhandoocéu

Ele não é um eletrodoméstico, mas alterou como

poucos as residências atuais. O elevador elétrico

inaugurou o prédio moderno, com dezenas de andares

e inúmeros apartamentos. Quando o processo de

urbanização se acentuou e as pessoas começaram a se

concentrar em torno das cidades, o espaço se tornou

um bem valioso. Reunir centenas de pessoas, dezenas

de famílias, em áreas em que se concentrariam poucas

casas foi a solução de dimensionamento urbano. Assim,

o elevador trouxe a possibilidade de desenvolvimento

vertical.

Desde a antiguidade, elevadores rudimentares já eram

utilizados para transportar equipamentos e pessoas para

níveis acima do chão. Os primeiros registros são do Egito

antigo. Na época, eram equipamentos simples baseados

em alavancas, rodas e cordas, em geral, operados por

pessoas ou animais. Os elevadores, mais próximos de

como conhecemos hoje, surgiram na segunda metade do

século XIX.

Entre 1852 e 1854, o americano Elisha Graves Otis

inventou um dispositivo de segurança que impedia a

queda do elevador caso os cabos se rompessem. Em 1880,

o primeiro elevador elétrico foi desenvolvido pelo alemão

Ernst Werner von Siemens. Mas só anos mais tarde, esses

aparelhos começaram a ser aplicados em maior escala.

No Brasil eles chegaram no início do século XX.

A maioria dos registros aponta o ano de 1918 como a

data de início de fabricação de elevadores no país, mas

estes primeiros equipamentos de transporte ainda não

eram elétricos. Manuais, eles funcionavam à manivela,

girada por um cabineiro, que controlava a subida e a

descida. Com o desenvolvimento dos equipamentos e

da distribuição de energia, anos mais tarde, elevadores

elétricos começaram a ser utilizados no Brasil. Até os

anos 1930 eram empregados em pequena quantidade,

geralmente, em edifícios públicos. Após esse período,

foram empregados em prédios comerciais e residenciais.

A evolução da economia e o desenvolvimento

tecnológico, juntamente com o crescimento das cidades e

a construção de prédios cada vez mais altos, permitiram

que esses equipamentos se tornassem mais modernos

e eficientes, até conseguirmos chegar aos famosos

“arranha-céus”, prédios tão altos onde elevadores são

indispensáveis. Com inúmeros apartamentos concentrados

em um só lugar, a residência mudou de configuração. Os

eletrodomésticos e móveis se tornaram compactos e mais

práticos para caberem nos novos espaços de moradias e

acompanharem o dinamismo da vida moderna.

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k.xc

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Page 38: Energia ed 01

38

comportamento

refrigeração.Eleeraproduzidocomtrocadores

decaloraquerosene,usandoóleos,umprocesso

jábementendidonametadedoséculoXIX.Mas

essasgeladeirasrudimentaresforamrapidamente

substituídasporoutrasmaismodernas.

Emseguida,umasériedeoutrosequipamentos

começouaaparecer,comomáquinadelavar,

liquidificador,gramofone,rádio,batedeira,etc.O

chuveiroelétrico,porexemplo,foiumdosprodutos

lançadosnoperíodo.Apesardeexistiremregistrosde

duchasdeáguarudimentaresaindanaGréciaeRoma

antigas,essesequipamentossócomeçaramautilizar

eletricidadeeaparecermaiscomoquetemoshojeem

diaemcasahámenosde100anos.Ochuveiroelétrico

foiinventadonoBrasilaindanasprimeirasdécadasdo

séculopassadoesedifundiunopaísapartirdadécada

de1940.

NaprimeirametadedoséculoXX,diversos

equipamentoseletrodomésticosdesembarcaramno

Brasil,importadosouemumapequenaprodução

local,masoconsumodemassa,emgrandeescala,

dessesprodutossósedeuapósofimdaSegunda

GuerraMundial(1939-1945)e,maisfortemente,

nosanosde1950,comoenriquecimentoda

população,ofortalecimentodaurbanizaçãoe,

enfim,aindustrializaçãobrasileira,comapolítica

desenvolvimentistadogovernodeJuscelino

Kubitschek,entreosanos1956e1961.

Entreasdécadasde1930ede1960,profundas

mudançasforamsentidasnascasasbrasileiras,que

refletiamasmudançasqueasociedadepassava.

QuandoocapitalismoindustrialaportounoBrasil

emdefinitivo,apopulaçãoexperimentoualgo

inimaginávelséculos,atémesmodécadas,antes:

apossibilidadedemobilidadesocial.Ahierarquia

socialsemprefoiafirmadapelapossedebense,

nessemomento,amudançadeclassesocialpassa

aserrepresentadatambémpelopoderdeconsumo.

Porisso,PatríciaPavesidizque“amobilidade

socialétambématestadapelatrocadocarro,

compradeequipamentosdomésticosdeúltima

geração,etc.”.

Apartirdomomentoqueosequipamentos

elétricosentraramnacasadosbrasileiros,setornando

produtosdemassas,opaísexperimentouum

crescimentosignificativonoconsumoresidencial

dessaenergia.Paraseterumaidéia,em1970,quando

oBrasiltinha90milhõesdehabitantes,oconsumo

domiciliarerade8.365GWh,deacordocomdados

daEmpresadePesquisaEnergética(EPE).Poucomais

de30anosdepois,autilizaçãodaenergiaaumentou

maisdedezvezes.Em2007,oconsumoerade90.881

GWhnopaísquejátinhamaisde180milhõesde

habitantes.

Cozinha elétrica

Acozinhaelétricasóseconsolidounadécada

de1980,noBrasil,comofornomicroondas.

Oequipamento,muitoligadoaocongelador,

revolucionouaformadecozinharearelaçãoque

oindivíduoestabelececomacozinha.Criadoem

1946,nosEstadosUnidos,osaparelhosmicroondas

chegaramaoBrasil,poucosanosdepois,muito

caroseinacessíveisàrealidadedapopulação.Além

dareduçãodopreço,paraqueeleseconsolidasse,

doisoutrosfatoresforamdeterminantes:o

desenvolvimentodeumaindústriadealimentos

congeladosedeaparelhosrefrigeradores,nãosó

paraascasas,mastambémparaovarejo.

Barghinicontaqueaprimeiratentativade

estabelecimentodaindústriadecongeladosno

Brasil,deolhonomercadodeusuáriosdeforno

microondas,aconteceunocomeçodadécadade

1970,quefaliumenosdedezanosdepois.Isso

sedeuporque,segundoele,paraeconomizar,

ossupermercadosdesligavamànoiteos

aparelhosconsumidoresdeenergia,inclusiveos

congeladores.Comisso,osprodutosquedeveria

sermantidoscongeladosestragavam,ficando,

portanto,inapropriadosparaconsumo.Houve

umanovatentativanadécadaseguinte,masessa

indústriasóseestabeleceunosanos1990,coma

melhoradarededefrios.

Page 39: Energia ed 01

39

foGõesbrasileiros

Nesseperíodo,nofinaldoséculopassado,o

preçodosfornosmicroondasjátinhareduzido,

aclassemédiaestavacrescendoeosprodutos

congeladosganharamespaço,contribuindoparaa

difusãodoscongeladores.

Apopularizaçãodoaparelhomicroondas,ede

umasériedeoutroscomponentesquepermitem

umavidadomésticamaisprática,também

estárelacionadaànovaformadeorganização

familiar.Nadécadade1970,apopulaçãourbana

ultrapassouarural,amulherseinseriucadavez

maisnomercadodetrabalho,osnovosprodutos

tinhamqueoferecerasideiasdeindependência

epraticidadeparaatingiressenovomercado

quecomeçaaseformar:depessoas,emespecial

mulheres,semtantotempoparapreparar

complexasrefeiçõesparaafamília,paralimpar

acasa,paralavarasroupas,etc.Nessaépoca

aconteceoboomdaindústriadeeletrodomésticos.

Aparelhoseletrodomésticospassarama

fazerpartedodia-a-diadepraticamentetodas

aspessoas,independentementedeclassesocial,

paraajudarnosafazeresdomésticos,para

entretenimento,decoração,beleza,conforto,etc.

Emmaioroumenormedida,aeletricidadeestá

empraticamentetodososaparelhoscomquenos

relacionamosdiariamentenolar.Comainserção

daeletrônicanessesequipamentos,elespassaram

atercadavezmaisvaloragregadoeaapresentar

novasfunçõesalémdastradicionais.Hoje,vivendo

emumaépocadeobsolescênciaprogramada

dosequipamentos,oshábitosdeconsumose

acentuaramembuscadomaismodernoemais

novo,mesmosemnecessariamenteprecisarser

renovado.

Nesses mais de cinco séculos de história do Brasil, os fogões brasileiros talvez

tenham sido os equipamentos que mais representaram as alterações sofridas na

sociedade, nos seus hábitos e costumes. O historiador João Luiz Máximo da Silva

enumerou uma lista de fogões (ou precursores) que fizeram ou ainda fazem parte da

vida dos brasileiros. Muitos deles, entretanto, já eram considerados ultrapassados no

começo do século XX.

Antes de chegarmos ao fogão elétrico, os primeiros, que tinham influência nos

hábitos indígenas, não passavam de três pedras colocadas no chão, com o fogo

aceso no meio, sobre o qual se apoiava uma cunha ou caldeirão onde se preparava a

comida. Essas três pedras eram chamadas de trempe. A evolução desse mecanismo

deu origem ao primeiro fogão da lista de João Luiz, o fogão de trempe, “tripé de

ferro que serve como suporte para panelas sobre fogo aceso no chão”.

Depois, fogões fixos, feitos de barro, pedra ou tijolo começaram a ser

construídos. Neles existia uma cavidade funda na horizontal para a fornalha,

movida à lenha. As bocas, sobre as quais iam as panelas, ficavam na parte superior.

O livro relata ainda a existência da “lata de querosene (fogão improvisado, usado

em cortiços); o fogão de alvenaria revestido de azulejos e com uso de lenha; o fogão

“econômico” (feito de ferro fundido, com uso de lenha, carvão vegetal ou coque); o

fogão de ferro com uso de querosene; o fogão de ferro a gás; os hotplates (pequenos

fogões, em geral com um ou dois queimadores, a gás ou eletricidade); e o fogareiro a

álcool, querosene ou gasolina, em geral com um ou dois queimadores”.

Nos países mais desenvolvidos, entretanto, ao contrário do Brasil, o modelo

que venceu como padrão de consumo residencial foi o do fogão elétrico, que torna a

atividade de cozinhar mais limpa e prática, porque não precisa comprar ou trocar

botija, comum ainda em muitas residências brasileiras. O engenheiro e historiador

Gildo Santos conta que “a oferta abundante de eletricidade nesses países torna o

preço de compra e de uso do fogão elétrico suficientemente barato para mais essa

comodidade. Enquanto nós, no Brasil, nem fazemos essa discussão”.

Pesquisa • Cozinha modelo: o impacto do gás e da eletricidade na casa paulistana (1870-1930)JoãoLuizMáximodaSilva,Ed.Edusp.• Cozinhas etc.CarlosLemos,Ed.Perspectiva.• Eletrodomésticos: origens, história e design no BrasilClaudioLammasdeFarias,EduardoAyrosa,GabrielCarvalho,JoséAbramovitzeSilviaFraiha,Ed.Fraiha.

Fogão de ferro movido a lenha

stock

.xch

ng

Page 40: Energia ed 01

40

nacionalismo Por Bruno D’Angelo

A LUTA PELO URÂNIONa tentativa de

desenvolver a energia

nuclear, o Brasil quis

dominar o ciclo

de produção do

urânio enriquecido.

Finalmente conseguiu,

mas, para que isso

ocorresse, muitos

obstáculos tiverem de

ser superados

Aenergiaeletronuclearéumassunto

controverso.Naatualidade,suautilizaçãocomo

fonteenergéticaalternativaévistacomreservapor

quasetodosospaísesdomundo,mesmoaqueles

quejáaempregaramemdemasia,comoFrança,

Alemanha,InglaterraeEstadosUnidos.Istose

deve,emgrandeparte,poracidentesocorridos,no

passado,emusinasnucleares,comooocorridoem

Chernobyl,naUcrânia.Taisfatos,emconjuntocom

aspressõesambientais,suscitamasperguntas:para

ondevãoosdejetosnucleares?Ecomoevitarque

novosacidentesaconteçam?

Nãoobstanteasdiscussõesarespeitodo

assunto–demodogeral,governantessecolocam

afavor,ambientalistasseposicionamcontrae

especialistasdividemsuasopiniões–,aenergia

eletronuclear,comparativamenteaoutrasfontes

energéticas,possuidesempenhostécnicosmais

significativos.Porexemplo:umausinanuclear

precisademenosmateriaisporKWhparaser

construídadoqueusinasdeenergiasolareeólica.

Aocontráriodecombustíveisfósseis,comocarvão,

petróleoegás,elaproduzpequenaquantidadede

rejeitosenãoCO2.Alémdisso,nãoprecisa,como

ashidrelétricas,deextensosreservatórios,oque,

teoricamente,diminuiriaapressãoambientalsobre

osempreendimentos.

Todosessesfatores,aparentementefavoráveis,

fazemdaenergianuclearumafonteatrativapara

opaíse,porisso,novosinvestimentosporpartedo

GovernoFederalforamfeitos:AngraIII,paradahá

maisde20anos,deveserfinalizadaemaisalgumas

usinasdevemserimplantadasnessaretomada.

Entretanto,nemsempresepensoudessejeitoea

rejeiçãoaindaégrande,principalmentenotocante

aosdejetosradioativos.

Comgrandesreservasdominériourânio,

matéria-primanecessáriaparaaproduçãode

energianuclear,oBrasilpercebeu,desdecedo,o

grandepotencialdessetipodefonteenergéticae

passouainvestirnele.Aprimeirainiciativaveio

logoapósotérminodaSegundaGuerraMundial

Foto

s: V

alte

r Cam

pana

to/A

br

Maquete do recipiente onde será instalado o reator nuclear que a Marinha Brasileira

pretende desenvolver com o intuito de produzir combustível a ser utilizado na produção de energia elétrica e no

funcionamento dos submarinos.

Page 41: Energia ed 01

41

comoAlmiranteÁlvaroAlbertodaMottaSilva,

quefezdetudoparaincentivarosinvestimentos

emenergianuclearnopaís.Contudo,diversos

fatores,principalmente,aresistênciaestrangeirae

odivulgadoperigodaradioatividadefizeramcom

queaproduçãodoenriquecimentodeurânionão

progredissenopaísecomqueoprojetonuclear

brasileiropraticamentedesaparecesse.

O enriquecimento do urânio

Ocomeçodoprojetonuclearbrasileirotomou

corpoduranteaditaduramilitare,praticamente,

extinguiu-sealgunsanosmaistardenaesteira

doprocessoderedemocratização.Apósinúmeras

tentativasdeestabelecernoPaísumaformade

produziroenriquecimentodeurânioparageração

deenergia,pormeiodeimportaçãodetecnologia,

oBrasildecidiujuntaresforçosnocampo

científicoparadesenvolversuaprópriamaneirade

enriquecerominério.

Noqueserefereàimportaçãodetecnologia,o

casomaisfamosoequegeroumaisfrustraçãofoi

oacordorealizadocomaAlemanha,naqualesta

venderiaaoBrasiltecnologiaparaconstruçãode

umausinanucleareummétododeenriquecimento

dourâniochamado“jet-nozzle”,queaindaestava

emfasededesenvolvimentoeeraconsideradode

altíssimoníveltecnológico.

Oacordopareciaserbomparaambasas

partes:oBrasilteriaotãosonhadocontrole

daproduçãodeurânioeaAlemanha,quenão

tinhapermissãodacomunidadeinternacional

pararealizarpesquisasnessaárea,poderiausaro

Brasilparafazerisso.Comtalobjetivo,investiu-

semaciçamentenainstalaçãodelaboratórios,

emsolonacional,nacompradeequipamentos

enotreinamentodeprofissionais.Quandose

descobriu,poucotempodepois,queatecnologia

alemãeraimpraticávelporseraltamente

complexaeinútilparaosobjetivosbrasileiros,

viu-sequeoacordonãohaviaservidopara

muitacoisaequeopaísnãotinhaavançadoum

passosequerrumoaodomíniodatecnologiade

enriquecimentodeurânio.

TalfracassofezcomqueoGoverno,por

voltade1979,partisseparaoplanob,ochamado

ProgramaParalelo,queconsistiaemdesenvolver

porsipróprioatecnologiaqueantesera

importada.Porisso,sobocomandodaMarinha

brasileira,iniciou-seoProgramaNuclearda

Marinha,cujametaera,finalmente,arrumarmeios

decomodominaroprocessodeenriquecimento

dourânio,nãopelosistemaalemãojet-nozzle,

maspelométodolargamenteempregadoem

outrospaísesequejávinhadandoresultados,a

ultracentrifugação.

OpreçopagopeloBrasilaoconsórcio

europeuUrenco–constituídopelaAlemanha,

HolandaeInglaterra–paraoprocessode

enriquecimentodeurânioerabemelevado,oque

levouopaísainvestiremoutrosmeios.Como

sucessodaMarinha,conseguiu-seentãoquebrar

ocicloclássicodedependência,istoé,vendera

matéria-primaabaixocustoeemseguidapagar

altospreçospeloprodutotrabalhado.Estefoium

acontecimentoraroetemidopelospaísesmais

fortes.

Oprojetobrasileiroerasecretoe,por

isso,estavaisentodefiscalizaçãodeagências

internacionais.Talliberdadeparacriardeu

certoe,em1982,oProgramajáapresentava

resultados,comaMarinhaanunciandoa

construçãodaprimeiraultracentrífugacapaz

deefetuaraseparaçãoisotópicadourânio,ou

seja,realizaroprocessodeenriquecimento.

Dessaforma,em1986,oprojetofoiinstituído

e,emconjuntocomaUniversidadedeSão

Paulo(USP),aMarinhaestabeleceuoCentro

ExperimentalAramar,emIperó,nointerior

deSãoPaulo.Em1988eraentãoinaugurada

aprimeiracascatadeultracentrífugas,que

possibilitavaaproduçãocontínuadeurânio

enriquecido.

Com grandes reservas do minério urânio, matéria-prima necessária para a produção de energia nuclear, o Brasil percebeu, desde cedo, o grande potencial desse tipo de fonte energética e passou a investir nele. A primeira iniciativa veio logo após o término da Segunda Guerra Mundial.

Page 42: Energia ed 01

42

Não queremos a “bomba”

Osobjetivosestavamsendocumpridos,

masostemposdeguerraaindaserefletiamno

comportamentodaspessoas.Assustada,aopinião

pública,pormeiodaimprensa,buscavasabermaisa

respeitodoprogramanuclearlideradopelaMarinha

brasileira,atrelando-oàconfecçãodearmasnucleares.

Defato,ocontroledatecnologiadeenriquecimento

possuíaumviésmilitar,afinaldecontas,estavasendo

lideradopelaMarinha,mas,segundoela,semointuito

deproduzirbombasnucleares.

Narealidade,oprojetovisavatambémà

construçãodereatoresnuclearesaseremutilizadosem

submarinos.Estatecnologia,emboratenhaomesmo

princípiofuncional,ouseja,degerarenergia,era,

estrategicamente,muitoimportanteparaaMarinha

porqueumsubmarinonuclear,aocontráriodo

convencional,consegueoperarmuitomaistemposem

precisardaatmosfera.

Alémdisso,comoargumentaoengenheiro

civilemestreemenergianuclear,Joaquim

Carvalho,éválidoqueaMarinhaBrasileirautilize

osinstrumentosmaismodernoseeficientesque

seconheceparacontrolarosmaisdeoitomil

quilômetrosdecostaatlânticaeomarterritorialdo

país.E,segundoele,ossubmarinosdepropulsão

nuclearsãoosmeioscorretosparaexercertal

controleporqueapresentamraiodeaçãoe

autonomiaadequadasparaessatarefa.

Ocertoéque,porcausadainterdependência

entreoProjetoNucleardaMarinhaeosubmarino,

oBrasilamarrou,acidentalmenteounão,aimagem

deseuprogramadeenriquecimentodeurânioà

produçãodeuma“bombanuclear”.Outrosfatores

tambémcontribuíram,ebastante,paraquetal

imagemfossefixadanoinconscientedapopulação

e,duranteoperíododetransiçãodemocrática,

marcadopelosgovernosdeJoséSarneyeFernando

CollordeMello,asverbasdestinadasaoProjeto

NucleardaMarinhaforampaulatinamentecortadas

eosesforçosdescontinuados.

Dessaforma,aMarinhapassouaarcar

nacionalismo

O Centro Experimental de Aramar foi inaugurado em 1986 e pode ser considerado o primeiro passo brasileiro rumo ao controle da produção de urânio enriquecido

Instalações da unidade piloto Usina de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), onde será feita a conversão em escala industrial do urânio “yellow-cake” (pó amarelo) em um gás, o hexafluoreto de urânio (UF6).

Page 43: Energia ed 01

43

eobrasildescobriuaenerGianuclear

Foi após o término da Segunda Guerra

Mundial que o Brasil passou a pensar mais

seriamente em utilizar energia nuclear para

geração de eletricidade. Segundo o engenheiro

eletrônico, historiador e professor da Universidade

São Paulo (USP), Gildo Magalhães, já havia aqui

um solo preparado para que isso acontecesse desde

a década de 1930, quando professores vindos

da Europa implantaram um núcleo que formou

a Seção de Física da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São

Paulo (USP). Esta seção, mais tarde, daria origem

ao atual Instituto de Física da USP. Há também

estudos realizados em 1944 que já esboçavam as

primeiras teorias das forças nucleares.

A iniciativa pós-guerra foi liderada pelo

Almirante Álvaro Alberto da Motta Silva, cujo

maior mérito foi a tentativa de impedir que

os Estados Unidos conseguissem o controle de

propriedade das reservas mundiais de tório e

urânio, bem como o monopólio sobre a tecnologia

e os materiais nucleares no mundo ocidental.

Ao invés de um plano liderado pelos Estados

Unidos, que propunha a criação de uma agência

internacional para controle das atividades

relacionadas à energia nuclear, o almirante

brasileiro sugeriu, em 1946, um acordo entre

países desenvolvidos e subdesenvolvidos, no qual

estes entrariam com a matéria-prima e aqueles

com a tecnologia, que, prioritariamente, deveria ser

aplicada no território fornecedor da matéria.

O acordo, porém, não deu tão certo quanto o

almirante esperava, devido a irregularidades na

transação, já que os Estados Unidos importavam

mais matéria-prima do que a listada pelo

Brasil. Mesmo assim, as exportações de minério

continuaram até 1951, quando o almirante

Álvaro Alberto, agora presidente do recém criado

Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), propôs

uma lei que proibisse a exportação. Foi uma

medida nacionalista, cujo intuito era salvaguardar

as reservas brasileiras de tório e urânio contra a

espoliação estrangeira. Poderia haver transações

com os Estados Unidos desde que fossem termos

justos para cada um dos participantes.

O resultado dessa queda de braço foi

previsível. O CNPq e o almirante perderam seu

poder sobre as transações dos minérios e os norte-

americanos puderam continuar

a importação de urânio e tório

brasileiros. Tanto puderam que,

em 1952, eles já importavam de

uma só vez todo o tório que havia

sido estipulado em dois anos de

contrato. Mas por que o Brasil

cedeu aos Estados Unidos com

tanta facilidade? Por pressão.

Eles queriam que a força militar

brasileira enviasse homens para

a Guerra da Coréia e a forma

encontrada pelo governo para

evitar isso foi liberar a exportação

de minério novamente aos norte-

americanos.

Diante dessa situação

desfavorável, Álvaro Alberto,

preocupado em fortalecer seu

país, partiu a caça de novos

parceiros. Fez contatos com França

e Alemanha onde até conseguiu

realizar alguns acordos para a

importação de equipamentos de

centrifugação para enriquecimento

de urânio. Na Alemanha,

contudo, os equipamentos foram

interceptados por militares no

momento do embarque para o

Brasil. Os motivos foram políticos

e tiveram a influência dos Estados

Unidos.

Os norte-americanos tentaram,

logo depois, diante da insistência

brasileira, efetuar uma contra-

oferta que lhes fosse favorável. O

almirante, mais uma vez, pediu como

pagamento pela matéria-prima usinas

de enriquecimento, uma fábrica de

produção de hexafluoreto de urânio

e reatores de pesquisa. Sua proposta

foi rechaçada e, em 1955, ele foi

exonerado de seu cargo no CNPq.

O Brasil ainda realizou acordos com os Estados Unidos, por meio dos quais recebia

em troca pelo minério urânio enriquecido e permitia que suas reservas de urânio fossem

pesquisadas e avaliadas. Nada, como se viu, parecido com o que desejava o Almirante Álvaro

Alberto. Dessa maneira, terminou o início da aventura brasileira com a energia nuclear:

explorado, mas com o sonho ainda bem vivo.

Page 44: Energia ed 01

44

nacionalismo

partedaAIEA.Issoseapresentavacomoumproblema

porqueoTratadodeNão-Proliferaçãopreviavistorias

semavisoprévio.

Foinoticiado,também,que,defato,oBrasilestava

proibindoqualquertipodeinspeçãoquepretendesse

serrealizadopelaagênciafiscalizadora,levantando,

dessemodo,suspeitasarespeitodequalseriao

verdadeiroobjetivodafábricadeurânioenriquecido

brasileiro,ouseja,dequeelairiaproduzircombustível

paraarmasnuclearesenãoparafinspacíficos.O

Governobrasileiro,obviamente,negouoocorrido,

assegurandoquecumpriaoacordofirmadoequeera

umabsurdopensarqueelepudessedesrespeitá-lo.

Oquedefatoocorreufoiumadivergência

referenteaostermosdavistoriaasercumpridapela

AIEA.Estaexigiaacessoirrestritoàsinstalações

dafábricabrasileiradeenriquecimentodeurânio,

sofrendoresistênciadaINB,quenãopretendiapermitir

oacessodosinspetoresàsmáquinasdecentrifugação,

principaisresponsáveispelaespecificidadedourânio

enriquecidobrasileiro.

Contudo,semsaberaforma,omaterialeas

dimensõesdascentrífugas,aAIEAconsiderava

impossívelafirmaracapacidadedeproduçãoda

fábrica.AComissãoNacionaldeEnergiaNuclear

(CNEN),quefiscalizaecontrolaasatividades

brasileirasnocamponuclear,emnomedoGoverno

Federal,manteveaposiçãodenãomostraros

equipamentos,inclusive,encobrindoaáreadas

centrífugascompainéiseevitandoquecâmerasda

agênciafossemcolocadasnolocalondeestavamas

máquinas.

Aexplicaçãobrasileiraparatalatitudefoiproteção

àtecnologianacional.Defato,oBrasilanunciouque

estavaproduzindoumatecnologia,consideradapelo

própriopaís,inovadoraecomumcustomenordoque

otidopelosdemaispaísesquetambémdominamo

processodeenriquecimentodeurânio.Ascentrífugas

brasileirassãodispostasemcascataserodamsemeixo,

sustentadasporcamposeletromagnéticos.

Sobreisso,oengenheiroeletrônico,historiador

eprofessordaUniversidadeSãoPaulo(USP),Gildo

praticamentesozinhacomoscustosdoprojeto,

recebendoreduzidaverbadeoutrasáreasdo

GovernoFederal.Diantedonovocenário,como

elamesmainforma,viu-seobrigadaadeixarseu

programanuclear,nosúltimosanos,em“estado

vegetativo”,objetivando,comtalatitude,não

perderasconquistastecnológicasobtidasaté

aquelemomento,sobretudo,noquediziarespeitoà

capacitaçãotécnicadosprofissionaisadquiridapor

meiodeintensivostreinamentos.

Mesmocombaixoaportedeverbas,aMarinha,

emconjuntocomaUniversidadedeSãoPaulo

(USP),pormeiodoCentroExperimentaldeAramar,

conseguiudesenvolveraindamaisatecnologiade

ultracentrifugaçãoevendeualgunsequipamentospara

asIndústriasNuclearesdoBrasil(INB)doGoverno

Federal,comoobjetivodestapassaraproduzir

urânioenriquecidoemlargaescalae,assim,abastecer

asusinasdeAngraIeIIindependentementede

importaçõesparaisso.

“Top Secret”

Em2003,oBrasilanunciouqueumafábrica,

localizadanacidadedeRezende(RJ),seriaa

responsávelpelaproduçãoemlargaescaladeurânio

enriquecido.Noentanto,paraqueaplantafabril

pudesseoperar,eranecessáriaaaprovaçãodaAgência

InternacionaldeEnergiaAtômica(AIEA),instrumento

fiscalizadorligadoàOrganizaçãodasNaçõesUnidas

(ONU),cujoobjetivoézelarpelapazmundiale

evitarqueconstruçõesdessetipoincorramemarmas

nuclearesapartirdeurânioenriquecido.

Atéaquelemomento,tudoestavadentrodo

protocolo,afinaldecontas,oBrasilhaviaassinado,

em1997,oTratadodeNão-ProliferaçãodeArmas

NuclearesdaONUeseria,nomínimo,imprudente

negaravisitadaagênciafiscalizadora.Aquestãose

tornouumpoucomaiscomplexadoqueogoverno

brasileiroqueriagraçasreportagensveiculadapor

jornaisnorte-americanosnasquaisinformavamque

oBrasilnãoqueriapermitirvistoriassurpresaspor

O Brasil anunciou que estava produzindo uma tecnologia considerada pelo próprio país inovadora e com custo menor do que o tido pelos demais países que também dominam o processo de enriquecimento de urânio. A AIEA veio aqui para saber como nós, com muito menos dinheiro, conseguimos fazer uma coisa que para eles custou tanto

Page 45: Energia ed 01

45

Magalhães,acreditaseresteoverdadeiromotivo

paraqueainspeçãonafábricadeRezendelevantasse

tantassuspeitas.“AAIEAveioaquiparasabercomo

nós,commuitomenosdinheiro,conseguimosfazer

umacoisaqueparaelescustoutanto”,diz.Deacordo

comele,estavaemjogoumaquestãogeopolítica.“O

maiormedoqueelestinhaméquedefatoagente

desenvolvaalgoquecoloqueemriscoasupremacia

deles”,complementa,referindo-seaocontroledo

enriquecimentodeurânio.

Sejamestasasverdadeirasrazõesdetalvisita

ounão,ocorretoéqueoBrasilnãopermitiu

aosinspetoresavisualizaçãodasmáquinasde

ultracentrifugação,masfezalgumasconcessões,

deixandoquetubos,válvulaseconexõesdaplanta

deResendefossemvistosemmaiorquantidade.

Atrocadefavoresfuncionoue,apósvisitas

nocomeçoenofinalde2004,aindústriade

ResenderecebeuaprovaçãodaAIEAparaoseu

funcionamento.

Odesfechofeliznãoapagou,entretanto,

fatosconstrangedoresqueaconteceramnessas

passagensdaagênciafiscalizadorapelopaís,por

causadospainéiscolocadospelaINBparaimpedir

avisualizaçãodascentrífugas.Emumadasvisitas,

ummembrodaAIEAtentouadivinharquantas

centrífugashaviaaliapartirdastubulaçõesque

ligavamasmáquinaseapareciamacimadospainéis.

Emoutrasituaçãoainda,umfiscalseatirounochão

paratentarenxergaralgumacoisapelasfrestasdos

painéisdemadeira.

Atualmente,aplantalocalizadaemResendejá

operacomduascentrífugaseametaédequeaté2012

afábricaconsigaproduzirtodoourânioenriquecido

queausinanuclearAngraInecessitee20%dourânio

demandadoporAngraII.Atéláserãodezcascatas

montadasemquatromódulospararealizaroprocesso

deultracentrifugaçãonecessário.

Pesquisa• Energia nuclear JonathanTennenbaum,Ed.CapaxDei• O fogo dos deusesGuilhermeCamargo,Ed.Contraponto

Cascatas de ultracentrífugas desenvolvidas pela Marinha para o enriquecimento contínuo de urânio. As Indústrias Nucleares do Brasil (INB) adquiriram modelo semelhante, em 2005.

o brasil não pErmitiu aos inspEtorEs a visualização das máquinas dE

ultracEntrifugação, mas fEz algumas concEssõEs, dEixando quE tubos, válvulas E conExõEs da planta dE

rEsEndE fossEm vistoriados.

Page 46: Energia ed 01

46

REDES SUBTERRÂNEAS NO BRASIL

sob um olhar Por Claudio Gillet Soares

Muito trabalho e a constante busca pela técnica fizeram com que o Brasil estivesse alinhado ao desenvolvimento da eletrificação subterrânea no mundo.

Nosúltimos85anos,efetivamente,muitacoisa

mudounomundo,especialmente,notocanteaosetor

elétricobrasileiro.Aeletricidadeaplicadaganhou

dimensõesextraordinárias,asredeselétricasvêm

alcançandorapidamenteasregiõesmaisisoladas

destepaíseossistemasdegeração,distribuiçãoe

transmissãodeenergiaevoluíramveementemente.

Olhandoparatrás,possoorgulhosamenteafirmar

quedeiaminhacontribuiçãoparaoprocessode

construçãoeconsolidaçãodessainfraestrutura,queé

hojeessencialparamilhõesdebrasileiros.

Aindacriança,noEstadodoPará,ondenasci,

haviaumausinageradoraavapor,quetodatarde,às

18hemponto,tocavaumapito,queressoavapelos

arredores,informandoohorário.Lembrodaprimeira

vezquemeatenteiaessesonidoeperguntei,todo

assustado,àminhamãeoqueera.Porvoltadosanos

1940,aenergiaelétricaaindaeraalgoincipientee

falho,alémdisso,aspessoasacordavammuitocedo

paraaproveitarmaisodia.Haviamuitoaindaaser

feito.

Nessetempo,aslinhaselétricasse

sobrecarregavame,nãoraramente,ondesedeviater

tensãode120V,nãosealcançavam80V.Velaseram

rotineiramenteacendidasparaajudarailuminação

elétricaporqueatensãonãochegavacom“força”

Page 47: Energia ed 01

47

suficienteparaacenderaslâmpadas.

Aproximando-sedotempodedecidirporuma

faculdade,concluíquequeriaserengenheiropara

melhorarascoisasporlá.Assim,contrarieiosonho

domeupaiquemequeriamédicoeconseguiuma

autorizaçãoparapassardosegundoanodocurso

pré-médicoparaosegundopré-politécnico.Passei

entãoaestudaroitohoraspordia.Chegueiafazer

umescritório,noporãodecasa,paraestudarfísica

ematemáticaeofazia,mesmonoescuro.Depois

dosegundoanodafaculdademetransferiparaSão

Pauloparaterminarocursodeengenhariaelétricae

poraquifiquei.

Terminadaafaculdade,játiveempregogarantido

naLight.Euemais15engenheirosfomosaceitosna

concessionáriaeláfizemosumestágiodenovemeses

deduração.Depoisdisso,mesmosemquerer,fui

pararnaáreadedistribuiçãodeenergia,segmentoem

quemeespecializeiefoqueiminhavidaprofissional.

Nós,os16engenheiros,observamos,na

época,queasfunçõeseasatividadesnaLight

eramdesenvolvidasporpraxe.Nãosecostumava

questionaroporquêascoisaseramfeitasdaquele

modo,simplesmenteeramfeitasassim.Os

profissionaisdeentãotinhamexperiência,mas

nãotinhamtécnica.Aindaerampoucostécnicos

brasileirosatuantes.

Tornei-meoprimeirochefededepartamentoda

áreadedistribuição,assimcomooengenheiroHilton

Puertas,naLightdoRiodeJaneiro.Foramestesos

primeiroscargosdecomandonoBrasilnaáreade

distribuiçãodeenergia.

Nessetempo,adistribuiçãoeramaisabrangente

porqueseenvolviacomestaçõestransformadoras

distribuidoras,subtransmissãoeoutrosassuntos,

participandodegruposdetrabalhoededecisões

técnicas.Estivemosenvolvidostambémcomoensino

etreinamentodepessoal:trabalhadoresbraçais,

feitores,técnicoseengenheiros.

Redes subterrâneas

Grandepartedomeutrabalhoprofissionalesteve

diretamenteenvolvidacomaimplantaçãodesistemas

subterrâneosdetransmissãoededistribuiçãode

energia.Durantequasetrêsdécadas,ouseja,de

1950a1970,participamosdoprocessodeevolução

Page 48: Energia ed 01

48

sob um olhar

dasredessubterrâneasnacidadedeSãoPaulo.

Evidentementequeahistóriacomeçoubemantesde

termosnascidoe‘crescido’emengenhariaelétrica.

AhistóriadosistemasubterrâneodeSão

Paulocomeçouem1902comaconstruçãodetrês

câmarastransformadorasalimentadasporcircuitos

primáriosradiaissobtensãode2,2kV;em1926

havia19câmarastransformadorasquepassaram

aseralimentadassob3,8kV;em1931,existiam

41comcapacidadetotalde12.300kVA;em1951,

quandoosistemaevoluiupara40milkVA,atensão

passouasermudadagradativamentepara20kV.

Essafoiatensãoeleitaparaaproveitaroscabos

desubtransmissãoqueinterligavamasestações

transformadorasdedistribuiçãoPaulaSouzae

Helvécia.

Nessaocasião,éramosresponsáveispelo

planejamentoeprojetodossistemassubterrâneoe

aéreo.Emseguida,maisquatroreticuladosforam

instalados:umem1960,outroem1972edois

em1973.Convémexplicarqueossistemaseram

dotiporeticulado,chamadosde“network”,por

seremsemelhantesaossistemassubterrâneosdas

grandescidadesamericanaseeuropeias,designados

“Undergroundnetworkdistributionsystems”.

Seguíamos,dentrodenossaspossibilidades,os

padrõesamericanos.Em1973,haviaseissistemas,

umsob3,8kVecincosob20kV,comcapacidade

totalde270MVA,cobrindoumaáreade3,6km²,do

perímetrocentral,comdensidadesdecargavariando

de15MVA/km²a60MVA/km².

Antesdedescreveraevoluçãodosequipamentos

utilizados,éinteressantecomentaroprogressodo

atendimentoaosgrandesconsumidores.Noinício,

umdosmaioresprédiosdacidade,oedifíciodo

BancodoEstadodeSãoPaulo,localizadonaPraça

AntônioPrado,demandava600kVAdeenergia.Este

etodosoutrosprédiosdaépocaeramligadosem

baixatensão.Maistarde,novosarranha-céusforam

criadose,cadavezmaisaltos,passaramaexigirmais

demandaenergética.Passamosaligaralgunsdelesa

partirdebarramentosemanel,emseguida,utilizamos

“reticuladorestrito”(spotnetwork).Ligamosalgumas

câmarastransformadorasnointeriordealguns

prédios:projetoespecial,comestruturareforçada,

tolerávelaexplosõeseresfriamentonatural.

Maistarde,nasceramosshoppingcenters,com

demandaselevadas(superioresa4MVA).Cadacaso

foiumcaso.Oprimeiroconstruiusuaprópriaestação

transformadoraefoiligadoa34,5kV,comsistema

seletivopordoiscircuitos,umnormaleoutroreserva.

Dessamaneira,quandodispúnhamosdesistemade

20kVnasproximidades,dávamospreferênciapara

essatensão,comoocasodaAvenidaPaulista.

Oscircuitosprimáriosforaminicialmenteaéreos,

emseguida,subterrâneosoumistos.Essasligações,

quepareciamnovidades,tornaram-se,comotempo,

absolutamentenormais.

Muitosprédiostêmseuprópriosistemade

emergênciaparaacargaessencialepoucoso

possuemparaacargatotal.Asequênciaé:ligação

normalpelocircuitopreferencial;emcasodefalha,

transferênciaparaocircuitodereservae,finalmente,

nocasorarodefalhassimultâneasnosdoiscircuitos,

hátransferênciaparaageraçãodeemergênciado

consumidor;todasautomáticas.Algunsdessescasos

jápodemirparaahistória,poisestãooperando

assimporduasoutrêsdécadas.Éimportantelembrar

queessasligaçõesforambaseadasempráticas

internacionais,principalmentedascidadesdeNova

York,Chicago,Detroit,FiladelfiaeSãoFrancisco,

nosEstadosUnidos,Toronto(Canadá),Paris(França),

o crEscimEnto acElErado da dEmanda dE EnErgia Elétrica nas cidadEs brasilEiras rEquEr, cada vEz

mais, a instalação dE linhas subtErrânEas dE transmissão E a tEcnologia dEsEnvolvida para a fabricação dE cabos a ólEo rEprEsEntou um

progrEsso na utilização dEssas linhas subtErrânEas.

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49

Berlim(Alemanha)eEstocolmo(Suécia).

Valeapenaenfatizaroentrosamentoqueos

engenheirosdasconcessionáriasmantinhamentresi,

juntamentecomoscongêneresdoexterior,poisfoi

possívelparticipardaengenhariadeinstalaçõesdo

RiodeJaneiro–aliás,éramosdaLight(SãoPaulo/

SP),daCEEE(PortoAlegre/RS),daCoelba(Salvador/

BA),daCEB(Brasília/DF)edaCelpe(Recife/PE).

Dessaforma,ossistemasdascidadesdoRiode

JaneiroedeSãoPaulo,ligeiramentediferentesem

concepçãoeoperação,serviramdebaseparaoutros

queforammaistardeinstalados.

Infelizmente,tivemosdelamentaroscasosde

explosõesacidentaisqueocorreramnarede,apesar

detodocuidadoquetínhamoscomsegurança.Como

algunsaconteceramdurantenossaatividade,primeiro

tivemosdeanalisá-losparaencontrarascausase

evitarsuarepetição.

Umaindagaçãoquefica,entretanto,éporque,

afinal,nãoforaminstaladossistemasresidenciais

subterrâneosemSãoPaulo?Recebemosdiversas

propostasdefazê-los,masnãofoipossíveldevido

aoselevadosinvestimentosnecessários,oque,

certamente,onerariatodososconsumidoresdaLight,

concessionáriaatuantenacidade.Ofatoéque,

apósalgumastentativasdelevaroprojetoadiante,

nenhumdelesefetivamenteaconteceuporque

asimobiliáriasnãoassumiramocompromisso.

Estávamosapoiadosnosistemadedistribuição

subterrânearesidencial(originalmente,Underground

ResidentialDistribution–URD),masnãopoderíamos

seguirsuaexperiênciapelaimpossibilidadede

importarosmateriaisnecessáriose,dequalquer

forma,nãohaviainteressefinanceiroporpartedas

indústriaslocaisemfabricá-los.

Diferentementedestequadro,osEstadosUnidos

Diagrama dos sistemas elétricos de 230 kV e 345 kV

jácontavamcomproduçãodetransformadores

instaladossobrebasesdeconcreto(padmounted),

cabosdealumínioisoladoscomXLPEdiretamente

enterrados,caixasdepassagemmetálicasenterradas,

semi-enterradasousobrebasesdeconcreto,plugues

especiaisparaconectaroscabos,enfim,umalinha

completadeequipamentosemateriaisdirigidapara

essetipodesistemaqueexistehámuitasdécadas.

Ascargasdosgrandesedifícioseoscentrosdas

grandescidadesexigemdistribuiçãosubterrânea,mas

aíentraoutrofatorimportante:adensidadedecarga.

Chegamos,naépoca,aestudarcomprofundidade

opontoneutroentreosdoissistemas–aéreo

versussubterrâneo–emfunçãodadensidadede

carga,masoutrosfatoresentraramemcena,como

tipodesistemaenvolvido–radial,seletivo,anel–

contingências,redundâncias,etc.,tudoparaaumentar

aconfiabilidade.

Tambémestavaincluídaemnossasatribuiçõesa

transmissãosubterrânea.Desconhecidapormuitos,

alinhadetransmissãosubterrâneaaolongodo

canaldorioPinheiros–quepartedeumaestação

detransiçãochamadaXavantesparaaestação

transformadoraBandeirantes–éaprimeiraeúnica

linhasubterrâneaem345kVnoPaíseestáem

operaçãohá30anos.

O início da transmissão subterrânea no Brasil

Apartirdosanos1950,ademandadeenergia

elétricaaumentouconsideravelmente.Acidadede

SãoPaulo,porexemplo,apresentava,em1977,

demandade4.753MW,cercade150%maiordoque

ade1967eaprevisãoeradequealcançasse,emdez

anos,algoemtornode11.000MW.

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sob um olhar

Ocrescimentodacargafoimuitopronunciado

nocentrodessascidadescomoconsequência

daconcentraçãodeedifíciosdeescritóriosede

apartamentos.Ejustamenteporcausadessesedifícios

équesetornoudifícilachegadaàssubestações

centraispormeiodelinhasaéreas,oquedeumargem

àinstalaçãodatransmissãosubterrânea.

Algumasinstalaçõessubterrâneasforam

instaladasemgrandescidades,comoSãoPaulo,Rio

deJaneiro,BeloHorizonte,PortoAlegreeSalvador.

Aproduçãolocaldecabossubterrâneosdealta

tensão–linhasdeaté138kV–começouem1959.

Atéentão,foraminstaladasaslinhas:

-SãoPaulo(1949)2,5kmsob88kV(sistemacom

óleosobaltapressão-Pipetypecable);

-RiodeJaneiro(1950)4kmsob138kV(12kmde

cabosaóleo,baixapressão);

-PortoAlegre(1954)20kmsob69kV(cabosaóleo,

baixapressão).

Emseguida,todasaslinhasforaminstaladascom

cabosaóleo,baixapressãoefabricadasnoPaís:

-SãoPaulo:73,5km(325kmdecabos)sob88kV;

-RiodeJaneiro:42km(250kmdecabos)sob138kV;

-BeloHorizonte:2,7km(16,2kmdecabos)sob138kV;

-Salvador:7,5km(22,5kmdecabos)sob69kV.

OplanejamentodosistemadacidadedeSão

Paulorecomendouentãoaconstruçãodeduas

subestaçõesantesde1979:CentroeBandeirantes.A

primeiradelasfoiconstruídacombarramentoSF6,

entrouemserviçoemmarçode1977,operandosob

230kVeBandeirantes,projetadaparaoperarem

1979,comtensãoprimáriade345kV.

AsdiretrizesbásicasparaaligaçãoXavantes/

Bandeirantes(345kV)foramaextensãodarota

de8,4km,profundidadenominalde1,5m,carga

contínuade1.200MVAsob345kV(mesmocomum

circuitodesligado).

Haviaduaspossibilidades:doiscircuitos

comresfriamentoforçadooutrêscircuitoscom

resfriamentonatural.Noprimeirocaso,cabos

deveriamterumaseçãode2.000mm²decobree,

nosegundocaso,1.200mm²decobre,considerando

aindaumaresistividadetérmicade0,90°Cm/W.

Peloscustosparaasduasalternativas,pôde-se

concluirqueasoluçãocomresfriamentonaturalera

melhoreaindatinhaavantagemdeserdemaior

confiabilidadeporqueosistemaétotalmentepassivo.

Desdequeamaiorpartedarotafoisituadaem

umaestradaparticular,pertencenteàLight(aprópria

concessionáriadeenergiaelétrica),paralelaaocanal

dorioPinheiros,emquenãoseprevêainterferência

comoutrosserviçospúblicos,aprofundidadede

instalaçãofoireduzidapara1,0mealarguradavala

para3,3m(comespaçoentrecabosde0,3m).

Ocrescimentoaceleradodademandadeenergia

elétricanascidadesbrasileirasrequer,cadavezmais,

ainstalaçãodelinhassubterrâneasdetransmissão.A

tecnologiadesenvolvidaparaafabricaçãodecabos

cheiosdeóleorepresentouumprogressonautilização

delinhassubterrâneas,desdeaprimeiralinhasob88

kV/138kV,ligadaem1960,atéasinstalaçõesatuais

sob230kVe345kV.Esteprogressocontinuarácom

asinstalaçõesde500kVe+400kVDCjáemestudo.

Oaspectoeconômicoeramuitoimportante.

Assim,trabalhamoscomváriasequipescomointuito

dereduzircustosdemão-de-obraemateriaispara

distribuição.Soma-seaissoaminhafunçãocomo

superintendentedeRacionalizaçãodeEnergia,

comopapeldeorientarconsumidoresresidenciais,

industriaisecomerciaisacontrolarseuconsumosem

prejuízodosserviçosprestados,istoé,terosmesmos

resultadoscommenoresinvestimentos.Nessesentido,

aLightfoipioneira.

Claudio Gillet Soares é engenheiro eletricista pela

E.E. Mackenzie (1948), trabalhou na Light São

Paulo por 33 anos, onde exerceu as funções de chefe

do Departamento de Engenharia da Distribuição,

de Superintendente de Engenharia e Planejamento

da Distribuição e de Consultor da Presidência. Foi

Technical Advisor da Furukawa, consultor técnico

da Pirelli e da Itaú Planejamento e Engenharia.

É sócio fundador da Associação Brasileira dos

Engenheiros Eletricistas de São Paulo (ABEE-SP),

membro remido do Instituto de Engenharia de São

Paulo e Life Senior Member do IEEE. Com trabalhos

técnicos publicados no Brasil e no exterior, foi

também representante do Brasil no SC-21 High

Voltage Cables, do Cigré, por 11 anos. Cooperou

na organização dos Cedis e CedisNe – cursos

especiais voltados para as áreas de distribuição nas

universidades Mackenzie (SP) e UFPE (PE) –, nos

quais também colaborou como docente.

a concEntração dE Edifícios tornou difícil a chEgada às subEstaçõEs por mEio dE linhas aérEas, o quE dEu margEm à instalação da transmissão subtErrânEa.

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A evolução da aplicação da energia elétrica e suas consequências para a sociedade

Cole

ção

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Volume 1

C

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