“emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “emprego assistido de...
TRANSCRIPT
www.ts.ucr.ac.cr
XVI Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social
“La Globalización y su Impacto en el Trabajo Social hacia el Siglo XXI”
Santiago de Chile, 9 -13 Novvembre 1998
“Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho
trabalho e desafios à intervenção profissional”
Myrtes de Aguiar Macêdo
Professora Doutora
Departamento do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio
Ponencia: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho e desafios à
intervenção profissional”
www.ts.ucr.ac.cr 2
INTRODUÇÃO
Esta comunicação tem como objetivo examinar os programas de formação e
incorporação de adolescentes no mercado de trabalho na cidade do Rio de Janeiro,
resgatando algumas questões postas por uma pesquisa que coordenei, no período
de agosto de 1995 a fevereiro de 1997. Esta pesquisa teve como unidades de
análise 9 projetos de inserção de adolescentes no mercado de trabalho localizados
nesta cidade e desenvolvidos por organizações não governamentais.Cabe assinalar
que o trabalho formal desse segmento da população, mesmo resguardado por uma
legislação específica de proteção, configura-se como um processo que alcança
apenas os adolescentes pobres, acarretando distorções na concretização da
proposta de trabalho educativo preconizada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), promulgado em 1990. Desta forma, o trabalho do adolescente,
nesse contexto, pode ser identificado como mecanismo de aproveitamento de mão
de obra barata e desqualificada, com precários vínculos empregatícios, não
sintonizados com às necessidades físicas, sociais, psicológicas e afetivo-
emocionais desta faixa etária. Os projetos aqui estudados resultam de uma parceria
entre entidades assistenciais e empresas empregadoras, ficando as primeiras com
a responsabilidade pelo recrutamento, preparação, contratação e acompanhamento
dos adolescentes nos locais de trabalho; enquanto as segundas oferecem as vagas
e arcam com o pagamento do salário e de outras obrigações constantes da
regulamentação dos contratos. Com essa configuração, a inserção desses jovens no
mercado de trabalho adquire a forma de emprego assistido.
Para uma reflexão sobre a intervenção profissional nesse campo é
necessário procurar entender à iniciação do jovem no trabalho no contexto da
reestruturação produtiva e globalização excludente, caracterizada pela crise
estrutural do trabalho assalariado. Desta forma, a incerteza do trabalho aparece
como um dado novo que impacta o processo atual de formação para o trabalho. A
questão que se coloca é como pensar a formação dos jovens para o trabalho em um
www.ts.ucr.ac.cr 3
cenário onde o desemprego é crescente e a situação do trabalho torna-se cada vez
mais incerta. Portanto, a indagação central nesta reflexão consiste: o que significa a
formação/incorporação de adolescentes no mercado de trabalho num mundo como
este? Levando em conta os movimentos contraditórios e os limites da própria
sociedade, é possível distinguir no amplo e diversificado campo da formação e
inserção de adolescentes no mundo do trabalho, as experiências das ONGs, cujas
iniciativas se constituem alternativas de formação profissional ao desemprego e que
são contruidas na perspectiva da educação pelo trabalho como parte integrante de
um projeto maior de transformação da sociedade.
Os questionamentos aqui levantados quanto ao emprego assistido de
adolescentes se increvem em dois planos interrelacionados de análise: o interno que
se refere às condições objetivas nas quais se constroem a relação entre trabalho e
educação no âmbito de cada projeto; e o externo que envolve a nova configuração
do trabalho no contexto da crise do capitalismo hoje.
Considerando que o trabalho infanto-juvenil é uma das expressões da
questão social enfrentada contemporaneamente pelos assistentes sociais no Brasil,
é necessário que este fenômeno seja decifrado em suas novas mediações o que
implica entendê-lo tanto nas suas manifestações no cotidiano dos sujeitos
envolvidos, como nas formas de enfrentamento engendradas por setores distintos da
sociedade movidos por interesses divergentes.Esta dupla perspectiva no trato da
questão social, na atualidade, vem sendo defendida por Iamamoto (1997), quando
afirma que a questão social: “sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver
sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem.” Nesta
reflexão a autora ressalta como de fundamental importância para o Serviço Social
“tanto apreender as várias expressões que assumem, na atualidade, as
desigualdades sociais - sua produção e reprodução ampliada - quanto projetar e
forjar formas de resistência e de defesa de vida”. Isto supõe evidentemente a
compreensão da reação dos sujeitos envolvidos com as manifestações da questão
social.
www.ts.ucr.ac.cr 4
A motivação para esta reflexão vincula-se às inquietações provocadas pela
crise do trabalho e seu impacto na intervenção profissional que se inscreve no
campo da educação para o trabalho.
CRISE E TRABALHO NO BRASIL
Várias pesquisas recentes mostram alterações marcantes no mercado de
trabalho no Brasil (Baltar, Dedecca e Henrique, 1996). Nesses estudos, o
desemprego aparece como o fenômeno que mais assusta o segmento da
população que vive do trabalho. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) mostra que o índice de desemprego em dezembro de 1997 era de
4,84%, passando em março deste ano para 8,18% (Jornal Folha de São Paulo de 1º
de maio de 1998). Esse mesmo periódico, com base na pesquisa do professor da
UNICAMP, Márcio Pochmann, afirma que a década de 90, além de ter criado uma
multidão de desempregados, piorou a qualidade das ocupações. O que esta
matéria chama atenção é para o crescimento tanto do desemprego como do
trabalho assalariado sem carteira assinada, revelando desta forma, a face perversa
do mercado de trabalho brasileiro. A isto se acrescenta, segundo a matéria
divulgada, que os efeitos da crise nos anos 90, em decorrência da abertura da
economia ao exterior foram ampliados, chegando a produzir 3,3 milhôes de
desempregados. Nesse quadro de crise, uma série de direitos e mecanismos de
proteção passa a ser questionado na esteira de uma flexibilização nas relações de
trabalho, mudanças essas que impactam profundamente àqueles que vivem do
trabalho e consequentemente à intervenção do assistente social.
Sendo essa crise de abrangência mundial no sistema capitalista, o estudo de
Antunes (1995) traz elementos de análise bastante importantes para se entender, o
que na sua ótica, se denomina metamorfoses no mundo do trabalho no capitalismo
contemporâneo. Das contribuições do autor, nos chama atenção a sua percepção a
respeito da existência de uma mùltipla processualidade no mundo do trabalho,
caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização do trabalho industrial, fabril” e
www.ts.ucr.ac.cr 5
de outro, por uma “subproletarização intensificada” que se expressa pela expansão
do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado e terceirizado. Na visão de
Antunes, trata-se de uma processualidade contraditória e multiforme que resulta
numa grande heterogeneidade, fragmentação e complexificação da classe que vive
do trabalho. Assim, a crise no mundo do trabalho instalada nos países de
capitalismo avançado, na década de 80, no ponto de vista do autor, atingiu a
materialidade, a objetividade da classe trabalhadora como uma consequência da
derrocada do padrão fordista de produção fabril e da lógica taylorista de
organização do trabalho (Antunes, 1996). A dupla tendência no processo de
transformação no trabalho,por um lado, na direção da intelectualização do trabalho, e
por outro lado, no sentido da precarização, desqualificação e subproletarização vem
provocar grande impacto na questão da qualificação.
Voltando nossa atenção para o Brasil, e em particular para a região
metropolitana do Rio de Janeiro, os dados do IBGE são reveladores de uma
realidade muito adversa quanto às possibilidades de inserção dos jovens no
mercado de trabalho (Anexo 1). Os índices de desemprego nessa faixa etária, nos
anos 90, indicam a incapacidade do país de produzir ocupações suficientes para as
novas gerações que atingem a idade de trabalhar.
Do ponto de vista de Souza (1986) a taxa de deemprego, apesar de ser o
indicador do funcionamento do mercado de trabalho mais difundido, não mede
adequadamente o problema da escassez de empregos ante a oferta de
trabalhadores que caracteriza as economias capitalistas atrasadas. Essa análise
pretende mostrar que os índices de desemprego aberto não traduzem a realidade
por não considerar o setor informal.
A evidência do crescimento da informalização do trabalho no Brasil atual
expressa-se pelas mais variadas formas de mobilização e organização do trabalho
fora das relações de assalariamento, configurando-se como um conjunto pouco
definido e de difícil determinação empírica. Essas formas sociais de “produção da
sobrevivência” determinadas pelo processo de exclusão do mercado formal de
trabalho se constituem em novos desafios aos agentes de formação para o trabalho.
www.ts.ucr.ac.cr 6
“Educar para o emprego levou ao reconhecimento (trágico para alguns, natural para
outros) de que se devia formar também para o desemprego, numa lógica de
desenvolvimento que transforma a dupla trabalho/ausência de trabalho num
matrimônio inseparável” (Gentilli, 1998). Esta declaração elucida o maior desafio
colocado, na atualidade, aos agentes da educação profissional.
FORMAÇÃO E INCORPORAÇÃO DE ADOLESCENTES NO MERCADO DE
TRABALHO: breve análise das experiências do Rio de Janeiro
Nesse tópico procuramos introduzir elementos de configuração dos projetos
de inserção de adolescentes no mundo do trabalho realizados por entidades
assistenciais no Rio de Janeiro, além de algumas questões evidenciadas na
pesquisa.
A partir de 1995, o governo federal, através da Secretaria de Formação e
Desenvolvimento Profissional do Ministério do Trabalho, vem implementando o
PLANFOR (Plano Nacional de Educação Profissional) com o objetivo declarado de
“mobilizar, articular e otimizar, gradualmente, toda a capacidade e competência da
rede de educação profissional do país” .
Nessa rede de educação profissional compete às organizações não
governamentais, especialmente, uma atuação junto a comunidades pobres, voltada
para o atendimento “a jovens e adolescentes em situação de risco social”. Dados do
IBGE revelam que mais da metade da população infanto-juvenil brasileira vive em
famílias com renda mensal per capita igual ou inferior a meio salário mínimo. A
inserção precoce de crianças e jovens no mercado de trabalho e a baixa
escolarização desse segmento da população se incluem entre os efeitos mais
perversos dessa situação. A PNAD/95 estima que crianças e adolescentes na faixa
de 10 a 19 anos representam cerca de 12% da população economicamente ativa
(PEA), calculada em 74 milhões de trabalhadores. Conforme estudos do PLANFOR
(1996), embora a maior incidência do trabalho infanto juvenil se localize nas regiões
mais desenvolvidas do país (Sul-Sudeste) “este fato não indica necessarimente uma
www.ts.ucr.ac.cr 7
opção das famílias e seus filhos, mas se deve, em grande parte, ao maior elenco de
oportunidades de trabalho que existe nessas regiões - inclusive para crianças”.
Cabe ressaltar que vem sendo priorizado, como um dos objetivos do PLANFOR:
“estimular e apoiar a ampliação da oferta de emprego e de oportunidades de
geração de renda, buscando alternativas de trabalho autogerido , associativo ou em
micro e pequenos empreendimentos”. Assim, a política de educação profissional,
delineada pelo PLANFOR, deixa evidente o seu direcionamento para atividades de
geração de emprego e renda na economia informal.
Daqui para frente, concentraremos nossa atenção nos projetos de
formação/incorporação de adolescentes pesquisados na cidade do Rio de Janeiro.
Nesta cidade, registra-se um crescimento significativo dos projetos de
atendimento a crianças e adolescentes, sob a responsabilidde de ONGs, a partir do
final dos anos 80. O catálogo de ONGs, organizado por Lícia Valladares e Flávia
Impelizieri e publicado pelo IUPERJ em 1992, registra a existência de mais de 600
projetos de assistência infanto-juvenil. Já em 1994, outro cadastro, desta vez,
organizado pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente
indicava a existência de 370 ONGs que prestavam, no conjunto, 850 serviços
diversos de atendimento a crianças e adolescentes. Entre esses serviços, o de
profissionalização compreendendo cursos profissionalizantes, grupos de produção e
inserção de adolescentes no mercado de trabalho envolvia 260 ONGs. Diante desse
grande espectro de programas sociais no campo da educação profissional na
cidade do Rio de Janeiro e das limitações de recursos humanos na pesquisa, o
universo da investigação ficou restrito às entidades que realizavam projetos de
inserção de adolescentes no mercado de trabalho, localizadas no centro, zona sul,
zona Tijuca e arredores, conforme o zoneamento apresentado no Catálogo do
Projeto Roda Viva (1995). A partir dessa delimitação, foram mapeados 10 projetos,
com capacidade de atendimento para 3.165 adolescentes em, aproximadamente,
577 empresas conveniadas (Anexo 2).
Com a constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de
julho de 1990, redefine-se o paradigma que orienta a relação da sociedade com a
www.ts.ucr.ac.cr 8
infância e a juventude, colocando a questão do trabalho juvenil no contexto do “direito
do adolescente à profissionalização e proteção no trabalho”. Conforme o modelo de
proteção integral preconizado pelo estatuto, torna-se proibido qualquer trabalho para
criança menor de 14 anos, a não ser na condição de aprendiz, ou seja, como
estágio profissionalizante. Por outro lado, essa legislação faculta às ONGs a
possibilidade de criação de programas sociais de trabalho educativo, mediante a
inserção de adolescentes no mercado de trabalho.
O trabalho educativo, segundo o ECA, consiste numa “atividade laboral em
que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do
educando prevalecem sobre o espectro produtivo”. Neste sentido, o trabalho
educativo abrange dois processos interrelacionados: o de educação e o de trabalho.
Esta relação tem sido objeto de grandes polêmicas entre os educadores que
distinguem aí, dois tipos diferenciados de leituras representadas pelas equações
seguintes: 1) educação para o trabalho; 2) educação pelo trabalho. A primeira
identifica-se com a teoria do capital humano que privilegia o treinamento técnico,
enquanto a segunda, busca predominantemente o desenvolvimento do processo
educativo apoiado no trabalho. Na prática, muitas distorções são evidenciadas
pelos críticos. Neste sentido, Ferreti (1995) formula sua crítica às agências e
instituições públicas e privadas que desenvolvem programas ditos “educativos” e
dirigidos a parcelas da população de baixo poder aquisitivo: “a dimensão educativa
do trabalho, neste caso, é reduzida a mera condição moral. Como é fácil perceber,
não se trata nem de educação para o trabalho, nem educação pelo trabalho, mas, de
distorção de ambas as proposições”. Para o autor essas experiências reproduzem a
separação entre a educação escolar, como ensino de caráter geral e propedêutico,
e a formação profissional, como ensino técnico profissionalizante.
Tendo em vista o objetivo desta investigação, procurou-se através de
interpretação do discurso sobre trabalho e educação dos agentes envolvidos nos
projetos de profissionalização o desvendamento do processo de mediação
viabilizado pelas ONGs, no campo do trabalho juvenil. Assim, tentamos apreender as
representações elaboradas pelos três segmentos que protagonizam os processos
www.ts.ucr.ac.cr 9
de mediação no âmbito de cada unidade pesquisada: os profissionais
(educadores), os instrutores ou supervisores das empresas e os adolescentes
participantes dos projetos.
A metodologia adotada permitiu reconhecer cada ONG, enquanto espaço de
profissionalização, como um campo de mediação para o qual convergem interesses
diversos que se revelam propostas de educação profissional distintas.
Segundo Colbari (1995), as representações sobre trabalho, até o começo do
século no Brasil, tiveram como substrato a escravidão, a degradação do trabalho
manual e o aviltamento da condição do trabalhador. É interessante incorporar
nessas considerações a matriz ideológica, formulada pela polarização entre a
fábrica/mundo do trabalho/mundo da ordem versus a rua/mundo do não
trabalho/mundo da desordem como definidora da representação sobre trabalho na
sociedade urbana, na virada do século. Nas reflexões da autora, a dinâmica da
realidade na contemporaneidade vem impondo uma acomodação entre o estatuto
negativo do trabalho, sua necessidade e até sua valorização. As mudanças nas
representações elaboradas sobre trabalho são entrecruzadas por referenciais,
marcados por disposições de caráter político, ético, religioso, técnico e até afetivo.
Com Colbari reconhecemos que as disposições ideológicas e culturais que
envolvem as representações do trabalho na sociedade brasileira determinando a
adesão ao trabalho, são forjadas nas trajetórias de vida a partir de processos
desencadeados em instituições responsáveis pela socialização, como a família, a
escola e os meios de comunicação. Na sociedade atual, as ONGs enquanto
instituições engajadas na tarefa de socializar o indivíduo para o processo de
trabalho e qualificá-lo profissionalmente, também partilham desse processo de
socialização ao lado da escola. A exposição que se segue pretende esboçar uma
interpretação das representações sobre trabalho e educação dos adolescentes e
profissionais entrevistados por cada unidade pesquisada:
No contexto das ONGs pesquisados na cidade do Rio de Janeiro, as
representações sobre trabalho e educação se expressam diversamente, conforme
www.ts.ucr.ac.cr 10
as particularidades de cada projeto. Três entidades foram selecionadas para o
estudo de natureza qualitativa, daqui para frente identificadas como A, B e C.
ENTIDADE A - Esta ONG destaca-se pelo seu empenho em privilegiar a dimensão
educativa do projeto de inserção. Neste sentido, estabelece convênios,
preferencialmente, com empresas que contratam por tempo parcial de trabalho (4
horas), fazendo um acompanhamento sistemático do adolescente no local de
trabalho, inclusive quanto ao seu aproveitamento escolar.
Os adolescentes, vinculados à entidade A percebem o trabalho,
predominantemente, como fonte de realização pessoal, ascenção e reconhecimento
sociais.
“O trabalho é importante, no tempo em que eu não trabalhava quase ninguém me
respeitava, depois que eu comecei a trabalhar todo mundo me respeita, fica com
mais moral”. (C. E. C )
“O trabalho é um meio de você progredir, manter sua família, manter seu
relacionamento bom dentro de casa, porque geralmente a pessoa que não
trabalha, não mantém um bom relacionamento com pai e com a mãe ... é criticado
por todos” (E.F.D )
“Ajuda a você desenvolver ... ter uma noção como é a vida. Ajuda a conviver com
as pessoas”. ( D. C. S)
“O trabalho é importante, não preciso depender de ninguém, e ajudo em casa” (F.
S. A.)
www.ts.ucr.ac.cr 11
A educação na visão dos entrevistados é representada pela escola que, por
sua vez, é percebida positivamente pela associação direta que os mesmos fazem
entre capacitação e melhores oportunidades de emprego.
“Pra mim, se eu não estudar não vou arrumar emprego em lugar nenhum”(CEC )
“É muito importante a escola ... as coisas hoje tá difícil com estudos mas sem
estudo fica pior”. (E.C.S.)
“A escola é fundamental pra criança e para o adolescente, porque se não tem o
estudo não consegue nada ... “Como office - boy, se ele não estuda vai ser sempre
um office boy”. (R. S. F.)
A relação trabalho/educação, no ponto de vista dos profissionais
(educadores) e ins trutores das empresas, vinculadas à entidade A é formulada como
se segue.
“O trabalho é fundamental. Acho que tem muita criança na rua, se tivesse um
trabalho que atendesse essas crianças poderia ficar melhor”. (Educador)
“O trabalho dignifica as pessoas, cria responsabilidades, faz as pessoas se
desenvolverem desde o início pontualidade, assiduidade até o crescimento
profissional mesma”. Sobre a escola: “O convênio cobra ... o bom desempenho
escolar e o bom desempenho no trabalho. Então, eu acho que no caso do
adolescente, ele tem que saber dividir ... Porque ele tem 4 horas diárias pra
estudar, se diminuiu a carga horária (no trabalho) para isto”. ... O convênio coloca
bem claro isto, o objetivo dos adolescentes estarem aqui é de aprendizagem e não
de exploração de mão de obra barata” ... (Assistente Social).
www.ts.ucr.ac.cr 12
“Para os que precisam trabalhar, o trabalho começa ser uma coisa importante...
necessária... tira eles (adolescentes) do lado ruim da vida deles, que nem são eles
os culpados disso acontecer, mas, eles acabam vivenciando; então o trabalho
mostra o lado da vida, o lado bom, vamos dizer assim, da vida”. Sobre o projeto:
“eles saindo daqui, eles não têm uma profissão, porque office boy não é uma
profissão”. (Supervisor 1).
“Na crise que estamos, o adolescente tem que trabalhar e estudar, trabalhar para
ajudar em casa. Então, eu acho que de certa forma, (o trabalho) até ajuda eles
amadurecerem mais rápido” . Sobre a entrada do mercado de trabalho: “Quando
eles saem daqui vão para o quartel, saem do quartel e o emprego aonde fica? Tá
difícil o emprego, hoje em dia e o que acontece, voltam pra mim, pra ver se eu
consigo alguma coisa aqui dentro pra eles” (Supervisor 2).
“Todo mundo tem que trabalhar para sobreviver. Tem também a realização né?
(Sem trabalho) fica muito vazio... Não se pode deixar garoto, nesta idade 15, 16 e
17 com a cabeça vazia não, em qualquer classe social”... “Aqui com a gente...eles
vêem que existe vida diferente daquela... que aquilo lá (tráfico de drogas) o cara
ganha dinheiro... mas é tudo bandido, vivem a margem da lei. Aqui o cara
trabalha, vive dentro da lei e vive bem. “Sobre a entrada no mercado de trabalho:
“Acho que falta muito... os cursos não são cursos preparando pra vida, não dá uma
profissão para eles. Quando eles saem daqui, eles ficam um pouco perdidos lá
fora. (A contribuição) e tirá-los lá da vida deles, botá-los aqui, fora daquela
garotada lá, para conhecer outra coisa... Quando eles chegam garoto de 14 e 15
anos com salário e tickets, eles ficam deslumbrados... depois na hora de sair eles
www.ts.ucr.ac.cr 13
vão ficando desorientados, perturbados, porque sabem que quando saírem não
vão arrumar nada não” (Supervisor 3).
O caráter moralizante e disciplinador do trabalho é enfatizado tanto na fala
dos supervisores das empresas como nos depoimentos do Assistente Social e dos
adolescentes trabalhadores. Fica claro também como justificativa para o trabalho
juvenil, a necessidade de sobrevivência, na ótica dos instrutores. Na visão do
Assistente Social manifesta-se, nessas experiências, o dualismo do sistema
educacional brasileiro através da dissociação evidente e reproduzida através dos
projetos de trabalho educativo, entre a formação profissional e formação escolar.
Assim, o trabalho educativo mediado pelas ONGs ainda está longe de garantir uma
relação orgânica entre esses dois planos de formação ou seja, assumir a
perspectiva de uma escola unitária. No entanto, há movimentos no sentido de
reverter essa tendência, garantindo na maioria dos convênios uma jornada de
trabalho diária de 4 horas o que revela por parte da entidade uma postura de
valorização da educação da medida que tenta criar condições de compatibilizar
trabalho / escola.
ENTIDADE B – Trata-se de uma ONG vinculada à ação católica que atua através de
vários programas no campo da assistência a crianças e adolescentes. No campo de
interesse desta pesquisa, desenvolve dois projetos: um, que atua na área de estágio
profissionalizante e outro, organizado como um banco de dados, que atende
adolescentes de 16 a 17 anos. Sua proposta de ação inclui tanto encaminhamentos
para o trabalho no mercado formal como informal.
A maioria dos adolescentes participantes do projeto I, caracterizado como
estágio profissionalizante, tiveram uma experiência anterior como meninos e
meninas de rua.
As representações desses adolescentes são elaboradas como seguem:
www.ts.ucr.ac.cr 14
“Eu agradeço muito a Deus, porque pessoas que mora na rua é muito triste.
Procurava trabalho e não conseguia. Em firma eu não conseguia, porque quem
trabalha na rua eles não dá. Sobre a escola: “se não tiver estudo, chega numa
firma, o cara manda você fazer uma prova você não passa, é preciso ter boa
vontade, e ir todo dia e não brincar tanto pra aproveitar as aulas ... porque se a
senhora não tem estudo não vai poder trabalhar, e se não tem trabalho vai
vagabundar” (R. A. G- Projeto I).
(O trabalho) “é importante porque você adquire experiência e, tem este negócio de
você ter seu dinheiro, e ter mais responsabilidade” (AL-Projeto I)...
“Sem trabalho a gente não vai viver . Depois, quando eu ficar maior, poxa, tenho
que começar de agora”... “se não estudar cara, pode até ter uma profissão, mas,
se tu não tem estudo, não vai adiantar, é importante, pra aprender, ter educação,
aprender a comunicar com o próximo”. (J.A.S - Projeto I).
“Se não trabalhar a gente não tem nada dentro de casa... se tu não estudar, não
arruma trabalho nem emprego” (J.L.S.- Projeto I).
“É muito importante, porque a gente tem que sobreviver, aí pode ajudar em casa e
a si próprio... a escola é fundamental, mas tem que ter força de vontade. Não tem
como só fazer um ou outro (Trabalho ou escola), pra quem é pobre” (L.F.S - Projeto
II).
“O trabalho me ajuda a desenvolver como pessoa, como gente, me faz aprender
coisas novas” sobre a escola: É de importância fundamental, porque se a gente
www.ts.ucr.ac.cr 15
quer ter uma vida melhor sem estudar não vai dar, não sobe na vida” (A.D.B -
Projeto II).
Os adolescentes participantes dos projetos de treinamento profissional da
entidade B fazem apologia ao trabalho como fonte de sobrevivência e de
desenvolvimento pessoal. Suas representações valorativas do trabalho estão
associadas a necessidade de escolaridade como condição para se conseguir um
bom emprego. A condição de meninos que viveram na rua, parece reforçar a idéia
de trabalho como elemento de construção de identidade social e mecanismo para
reverter o processo de exclusão social, a que estão submetidos. Cabe considerar
também, que algumas casas de acolhida têm como norma básica para permanência
do adolescente, sua participação em projetos de profissionalização e inserção de
adolescente no mercado de trabalho.
REPRESENTAÇÕES DOS PROFISSIONAIS DA ENTIDADE B
Trabalho/Educação
“Hoje, precisa-se diferenciar trabalho e emprego. Para nós, o trabalho jamais
acabará. Fala-se de crise do trabalho, a crise é do emprego. Trabalho é inerente
ao homem, tem a ver com seu crescimento, realização pessoal, relação com a
vida. Trabalho deve promover a criatividade, a realização da pessoa, além é claro
da questão financeira, é meio de provimento”. Sobre a escola: “A escola está
distante da realidade do aluno... não dá ao adolescente o conhecimento
necessário da realidade de trabalho... daí é desinteressante para ele. Hoje (no
projeto II) nossa preocupação já não é o emprego e sim prepará-lo para
experiências autônomas de trabalho.... estamos investindo muito na valorização
desses adolescentes como pessoa, no despertar de sua criatividade, nosso intuito
www.ts.ucr.ac.cr 16
é que eles busquem alternativas de trabalho autônomo e assim enfrentem a
realidade que esta aí com maiores possibilidades” (Coordenadora Projeto II).
“O trabalho é um complemento da vida do homem. Antecede o homem como
cidadão e pessoa. (No Projeto I) nos preocupamos com o aprendizado, numa
perspectiva futura para o adolescente, nossa preocupação é a profissionalização
adequada a realidade do adolescente. A grande maioria de nossos jovens, não
tem acesso a cursos de profissionalização normal, SENAI, SENAC, etc..., por isso
não vemos o Projeto I como um fim, mas, como meio é a possibilidade de
trabalhar o adolescente enquanto sujeito/Cidadão, despertar sua auto-estima para
a partir daí, eles possam desenvolver um trabalho futuro, para a manutenção dele
como cidadão”. Sobre a parceria com as Empresas: “Se você tem uma proposta
pedagógica séria que sinalize os entraves que possue e que os trabalhe... esta
construção é uma sabedoria quando bem articulada, todos ganham. Não negando
que a troca existe, a empresa está investindo porque tem seu retorno, mas o
adolescente também se quiser aproveitar, se sairá bem. Há pesquisas no juizado
que constatam que quase 90% dos adolescentes dizem querer muito trabalho”.
(Coordenadora Projeto I).
Os projetos mencionados, pela ênfase dada ao processo educativo mais
amplo construiram uma proposta de capacitação profissional que se aproxima da
proposição de “educação pelo trabalho”, embora apresentem uma cobertura
limitada, no sentido de atendimento dos adolescentes, atuam na perspectiva de
superação da dualidade do sistema educacional brasileiro. Uma particularidade da
proposta da entidade B, em relação as demais, consiste no redirecionamento de
seus projetos no sentido de estimular experiências autônomas de trabalho como
alternativa ao emprego formal.
www.ts.ucr.ac.cr 17
ENTIDADE C – A proposta desta entidade tem como eixo central a prevenção da
marginalidade. Articulando-se a outras unidades congêneres de ação, forma uma
rede de 30 agentes no Rio de Janeiro, cuja estratégia principal é a inserção de
adolescentes no trabalho através do estágio profissionalizante.
REPRESENTAÇÕES DOS ADOLESCENTES DA ENTIDADE C
Trabalho/Escola
Os depoimentos dos entrevistados estão identificados de acordo com as
empresas onde os mesmos estão localizados.
“Sem o trabalho você nunca vai aprender nada ... acho também que é um meio de
ganhar dinheiro ... porque eu quero comprar as coisas sem dar satisfação de
quanto foi de quanto não foi”. Sobre a escola: “Muito importante, eu tenho muita
preguiça, eu não gosto de estudar ... Fica cansativo demais, porque eu saio daqui
às vezes vou pra escola, as vezes vou direto pra casa, porque você já esta
cansada daqui, com o monte de conta na cabeça, um mundo, escuta tudo de novo,
aprender coisas novas cansa demais, não no sentido do corpo é a mente”. (N. C.
S. OTIS)
“O trabalho é muito importante para mim, e um meio de ser independente, e eu
penso no futuro, o que eu posso aprender aqui, é ser uma boa profissional
amanhã”. Sobre a escola: “Muito importante, eu acho que a escola é um meio de
me levar pro futuro, por exemplo, eu trabalho hoje, ,mas se eu não estudar não vou
conseguir uma profissão melhor, se não, um dia nem aqui, eu vou poder
www.ts.ucr.ac.cr 18
trabalhar”... “Nós que somos pobres estudamos com muita força de vontade. Eu
saio de casa, só volto depois de 10 horas da noite, é cansativo, tomo merenda lá,
me esforço muito, porque quero estudar” (RMS. OTIS)
(O trabalho) “ajuda as pessoas a comprar, as coisas pra minha mãe”. Sobre a
escola: (importante) porque todo tipo de trabalho tá pedindo estudo. (AV. N. OTIS)
“Quando eu comecei a trabalhar, me tornei um pouco independente da minha
mãe, quando eu precisava comprar algo, não preceisava mais pedir, me dá.
Agora, é o contrário eu é que compro minhas coisas e até dou pra minha mãe”.
Sobre a escola - “se não fosse por ela, eu hoje, não estaria aqui. Aquele negócio
de matemática, continha, eu uso muito aqui”. (R. H. G. Macabu)
Os adolescentes da entidade C elaboram o significado do trabalho em
associação à possibilidade que este lhes oferece de independência e de consumo.
De maneira geral, eles reconhecem a importância da escolaridade para obter um
bom emprego, mas consideram que face à exigência de uma jornada de trabalho de
8 horas diárias, torna-se difícil a compatibilização do trabalho com a escola. Cabe
ressaltar, que nessa entidade a maioria dos convênios são firmados para atender
um número extremamente reduzido de adolescentes, o que concorre para que essa
mão de obra, no espaço de trabalho, seja considerada como se fosse mão de obra
adulta.
REPRESENTAÇÕES DOS PROFISSIONAIS DA ENTIDADE C
Trabalho/Educação
“O trabalho eu vejo por este aspecto de contribuição familiar, e hoje em dia,
também, como forma de ocupação positiva, que evita muitos outros problemas ... é
www.ts.ucr.ac.cr 19
fonte de renda e também satisfação pessoal. Quando você trabalha, você exerce
uma atividade laborativa, você está sendo útil a você, a sua sociedade e sua
família, aos núcleos a que você pertence mais diretamente, então eu acho o
trabalho muito necessário e de muita valia prá todos nós “.Sobre a empresa -” Por
enquanto a carga horária é de 8 horas, todas as atividades aqui, visam prepará-las
para o trabalho”. Sobre a disciplina no curso preparatório: É um programa
eficientíssimo, responde à necessidade da clientela, satisfaz muito nosso ego,
porque você vê o crescimento da pessoa humana, você vê o menino respeitando
seu superior, seu colega, prepara esse menino prá vida. Você pega esse menino
prepara, dá oportunidade a ele, você vê esse menino crescer. Vê que esse menino
entrou como mensageiro, saiu como mensageiro, mas que, neste período, ele
ganhou um dinheiro honesto, que ele ganhou ele mesmo, você ajudar uma
pessoa fazer o que ele é capaz de fazer”. (Assistente Social)
É evidente no depoimento acima, a ênfase dada na experiência, à dimensão
disciplinadora e moralizante do trabalho, ficando negligenciada até mesmo o
treinamento técnico.
“O trabalho é fundamental ... evita de ficar fazendo outras coisas que não deve” ...
“A escola não pode faltar, a criança vai aprender aquilo que não sabe em casa.
Sobre a compatibilização trabalho/escola: “As duas coisas são importantes, o
trabalho e o estudo, a gente consegue adequar as duas. Não atrapalha”. Sobre o
trabalho na empresa: “ele tem, aqui facilidade, ou em qualquer empresa, de
desenvolver a parte profissional se houver interesse também ... A avaliação é boa,
porque facilitou a empresa a admitir uma pessoa com ônus menor ... achamos
www.ts.ucr.ac.cr 20
positivo a idéia até moças também, meninas trabalhando. As meninas podem
atender telefone, então, de um modo geral, é muito válido, o projeto”. (supervisor )
O depoimento do supervisor confirma a idéia de trabalho como ocupação e
explicita o interesse da empresa na utilização de mão de obra barata.
“(O trabalho) enobrece qualquer pessoa, e você não entra em depressão, acho que
quando você está trabalhando, você está fazendo terapia prá você mesmo”.
Trabalho infantil: “Triste ... mas é necessário quando ele está passando fome, está
na rua fazendo coisas que não é própria para a idade dele, quando está se
prostituindo e se marginalizando, então é necessário que trabalhe mais cedo”.
Sobre educação: “O adolescente precisa de ter uma formação pedagógica, pra que
ele possa ter o futuro dele ... O analfabeto não vai ter nada na vida futura”.
(Supervisor 2)
Os depoimentos dos supervisores deixam evidente que as empresas não se
responsabilizam pelas condições de aprendizagem dos adolescentes, na maioria
dos casos o projeto de capacitação é prejudicado, por que os adolescentes
realizam tarefas repetitivas, que em nada contribuem para sua formação
profissional. Nesta situação, nem mesmo o aprendizado de um ofício técnico parece
se efetivar a contento.
Fica claro assim, que a mediação da entidade C na realização do projeto de
inserção de adolescente no mercado, tem o trabalho como um fim em si mesmo. Os
depoimentos relatados confirmam uma postura, na qual, o treinamento dos
adolescentes é comprometido pelos interesses da empresa. É evidente, por outro
lado, a prioridade dada aos aspectos de disciplinarização para mundo do trabalho.
O depoimento dos adolescentes evidencia também a grande dificuldade em termos
www.ts.ucr.ac.cr 21
de compatibilizar o trabalho e a escola, visto que, nas empresas conveniadas, os
adolescentes são obrigados a cumprir uma jornada de trabalho de 8 horas diárias.
O problema do emprego está sempre presente nas representações sobre
trabalho dos adolescentes do Rio de Janeiro e os discursos sobre esta questão se
respaldam em suas vivências nos projetos de inserção. A empresa é considerada a
referência central na procura de um emprego, entre os adolescentes. Nos
depoimentos aparecem as inquietações acerca do mercado de trabalho e do
salário.
INTERVENÇÃO PROFISSIONAL: novos desafios e perspectivas
O material recolhido nesta pesquisa pelo seu volume e diversidade,
possibilita muitas leituras. A título de síntese, busca-se pontuar algumas questões de
relevância para a intervenção profissional do assistente social no campo de
educação profissional e trabalho.
Cabe registrar como primeiro ponto para discussão, a questão do que se
configura aqui, como “emprego assistido”, suas formas e significados no contexto
de transformação das relações de trabalho no Brasil. As relações que configuram
essa modalidade de emprego se estabelecem numa triangulação em que uma
empresa (mediante convênio) repassa recursos para uma entidade assistencial, que
assumindo o papel de contratante, funciona como agente de recrutamento,
treinamento, contratação e acompanhamento dessa força de trabalho na empresa
conveniada. Nessas práticas assistenciais, as estratégias articuladas pelos
profissionais no sentido de criar as condições de aprendizagem requeridas pela
política de direito à profissionalização e à proteção ao trabalho, preconizada pelo
ECA, enfrentam a subordinação das entidades assistenciais face às empresas
repassadoras de recursos, como uma determinante fundamental. É exatamente essa
relação de subordinação que faz do emprego assistido um tipo de capacitação para
o trabalho, fortemente ambíguo, escapando aos modelos de formação construídos a
partir de outras mediações na articulação direta entre trabalho e educação. Nesse
www.ts.ucr.ac.cr 22
contexto de ambiguidades, o emprego assistido pode variar, assumindo por vezes,
um perfil mais assemelhado às relações típicas do trabalho assalariado e por outras
vezes, ficando mais próximo de um estágio profissionalizante.
No campo do trabalho juvenil, as ONGs pesquisadas apresentam distintas
mediações, consubstanciando teses divergentes sobre a relação trabalho/educação.
Segundo o entendimento de campo como um espaço onde entram em ação sujeitos
portadores de interesses diversos, as maiores contradições se localizam nas ONGs
onde se verifica uma maior dependencia financeira em relação às empresas
conveniadas.
Os projetos de “emprego assistido” para adolescentes, na forma
desenvolvida pelas ONGs do Rio de Janeiro, de uma maneira geral, se caracterizam
como uma assistência preventiva, ao encaminhar os adolescentes dos segmentos
mais pobres da população dentro de uma estratégia em muitos casos reforça a
visão de trabalho como uma alternativa à vadiagem. No percurso da pesquisa
interrogações diversas nos são colocadas diante da tentativa de se proporcionar ao
adolescente uma formação técnico profissional através do emprego mediado por
entidades sociais, em convênios com empresas. Para alguns, esses projetos
buscam executar uma assistência preventiva encaminhando os adolescentes para o
trabalho dentro de uma estratégia do primeiro emprego. No entanto, parece
consenso o reconhecimento de que, a grande contribuição destas instituições, além
de oferecer uma alternativa de renda aos treinados, consiste no desenvolvimento da
capacidade, de disciplina dos adolescentes de acordo com as exigências do mundo
do trabalho.
Observa-se, nestas esperiências, não obstante algumas tentativas de
superação, a reprodução do distanciamento entre a formação profissional
perseguida e a formação escolar dos adolescentes. Em alguns casos, a jornada de
trabalho por si só, compromete o processo educativo causando um desempenho
insatisfatório desses adolescentes na escola.
A pesquisa revela a grande heterogeneidade no que tange a construção da
relação trabalho/educação no âmbito desses projetos, bem como a sua dinâmica
www.ts.ucr.ac.cr 23
face às exigências impostas pelo mundo do trabalho e suas transformações
recentes. Neste sentido, merece destaque, a preocupação da Entidade B que vem
questionando seus projetos de capacitação profissional enquanto direcionados para
o emprego. Tendo em vista as mudanças nas relações de trabalho no Brasil, os
projetos dessa entidade, tendo como pressuposto a existência de uma crise no
emprego, redirecionam suas propostas de formação profissional no sentido de
estimular experiências autônomas de trabalho. Quanto aos projetos da entidade C,
parece evidente sua ênfase no trabalho a partir de uma ótica moralizadora, enquanto
antídoto à desordem, bastante identificada com a visão que promove o trabalho
como uma arma no combate à ociosidade aos vicios e à marginalidade que
ameaçam a Sociedade. Nesta postura, os profissionais admitem que o simples fato
de manter esses “adolescentes de risco” ocupados, já significa uma grande
contribuição à sociedade.
Uma grande preocupação recorrente nos depoimentos dos profissionais e
instrutores entrevistados diz respeito ao desligamento dos adolescentes desses
projetos aos 18 anos, sem perspectiva de nova entrada no mercado de trabalho.
Esse vazio, após o “emprego assistido” na visão dos entrevistados, representa um
grande risco, dado que as frustações acumuladas na busca,sem sucesso, de um
novo emprego, pode empurrar esse jovem para a marginalidade, nos grandes
centros. Aí se localiza outra contradição dos projetos que preconizam a prevenção à
marginalidade.
Para finalizar, cabe reconhecer que a relação/trabalho/educação permanece
uma discussão em aberto e que hoje os projetos de formação profissional estão
diante de novos desafios como resultado das transformações no mundo do trabalho.
Estas reflexões realçam o caráter contraditório dessas experiências, as quais
movendo-se em um campo de confronto de interesses, supõem dos profissionais
envolvidos a definição de estratégias de intervenção em sintonia com os projetos de
educação profissional em disputa na sociedade brasileira.
Apesar dos determinantes sócio-históricos desse tipo de intervenção
reforçarem a tendência de homogeneização dessas experiências, os dados da
www.ts.ucr.ac.cr 24
pesquisa mostram que essas práticas apresentam uma grande diversidade que
precisa ser estudada. Neste sentido, concordamos com Iamamoto (1997) ao
considerar que o trabalho do assistente social requer “um banho de realidade
brasileira”, o que significa “munir-se de dados, informações e indicadores que
possibilitem identificar as expressões particulares da questão social, assim como os
processos que as reproduzem”. Concluindo, acrescentamos, conforme Souza
Martins (1996) que a complexidade da vida social requer um recurso metodológico
capaz de identificar as temporalidades desencontradas e coexistentes que
configuram as relações sociais que se constituem objeto da intervenção do Serviço
Social.
www.ts.ucr.ac.cr 25
Anexo 1
Tabela A - Taxa de desemprego por faixa etária na RMRJ - (%)
-----------------------------------------------------------------------------------
Médias anuais 15-24 25-49 +=50 TOTAL
-----------------------------------------------------------------------------------
1991 8,0 2,8 0,8 3,6
1992 8,8 3,2 1,2 4,0
1993 9,3 3,2 1,0 4,1
1994 8,4 3,5 1,1 4,1
1995 7,8 2,7 1,0 3,4
1996 8,1 3,0 1,0 3,7
----------------------------------------------------------------------------------
Média jan/96-set/96 8,4 3,1 1,1 3,8
----------------------------------------------------------------------------------
Fonte: Secretaria Especial doTrabalho- Prefeitura do Rio de Janeiro, O mercado de
trabalho do Rio de Janeiro: conjuntura e análise - Ano 1 - Dez 1997.
www.ts.ucr.ac.cr 26
Anexo 2
Projetos cadastrados, volumes de atendimentos e empresas conveniadas
Projetos Cadastrados Adolescentes Atendidos Empresas Conveniadas
1. APAR (Associação Patrulha do
Jovem do Rio)
758
300
2. BECA (Banco de Empresas, Cursos
e Acompanhamentos) Fundo Inter-
Religioso
250
03
3. Inserção do Adolescente no Mercado
de Trabalho – Associação Beneficente
São Martinho
606
23
4. PLEITEAR ( Plano de Emergência e
Integração dos Adolescentes de Rua)
Pastoral do Menor
135
10
5. CRT (Centro de Referência do
Trabalho Pastoral do Menor) Pastoral
do Menor
-
-
6. Encaminhamento para o Trabalho –
“Se Essa Rua Fosse Minha”
22
04
7. CAMP (Círculo de Amigos do
Menino Patrulheiro) Ipanema
250
17
8. CAMP ( Círculo de Amigos do
Menino Patrulheiro) Vila Izabel
322
202
9. Projeto Central da Juventude –
ACM (Associação Cristã de Moços)
162
03
10. Inserção no Mercado de Trabalho –
CESAM (Centro Salesiano do Menor)
660
15
www.ts.ucr.ac.cr 27
TOTAL 3165 577
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
ALVIN, Rosilene. 1995 - Infância das Classes Populares: A constituição da Infância
como Problema Social no Brasil in O Trabalhador Carioca - Estudos Sobre
Trabalhadores Urbanos do Estado do Rio de Janeiro, JC Editora, RJ.
--- 1994 - O Trabalho Infanto-Juvenil em discussão in Martins e Ramalho (Orgs.)
Terceirização - Diversidade e Negociação no Mundo do Trabalho, São Paulo,
Editora HUCITEC/CEDI NETS.
ANTUNES, R. 1995 - Adeus ao Trabalho ? Ensaio sobre as Metamorfoses e a
Centralidade do Mundo do Trabalho, 2a. ed. São Paulo, Cortez Editora.
---- 1996 - Dimensões da crise e as metamorfóses do mundo do trabalho. Revista:
Serviço Social e Sociedade, n° 50, ano XVII, SP, Cortez editora.
BALTAR, DEDECCA E HENRIQUE, 1996. Mercado de trabalho e exclusão social
no Brasil. In: MATTOSO E OLIVEIRA ( ORGS), Crise e Trabalho no Brasil –
Modernidade ou volta ao passado?, Campinas, ed. Scritta.
,CARNEIRO, L. O. e CAVALCANTI, I. C. 1990 - O ABC do Estatuto da Criança e do
Adolescente, BANERJ.
COLBARI, A. L. 1995 - Ética do trabalho, São Paulo, Ed. Letras e Letras.
www.ts.ucr.ac.cr 28
FERRETTI, C. J. 1995 - Educação para o Trabalho in O Trabalho no Limiar do
Século XXI, Ed. LTR, São Paulo.
S DE MORAES, A. C. 1992 - O Direito à Profissionalização e a Proteção no
Trabalho in Pereira, T. S. (Coord.) Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei
8.069/90 “Estudos Sócio-Jurídicos” Rio de Janeiro, Editora Renovar.
FRANCO, M. C., 1998. Formação profissional para o trabalho incerto: um estudo
comparativo Brasil, México e Itália. In: FRIGOTTO, G. (org), Educação e crise do
trabalho: perspectiva de final de século. Petrópolis, ed. Vozes.
FRIGOTTO, G. 1995 - Educação e a Crise do Capitalismo Real, São Paulo, Cortez
Editora.
GENTILLI, P., 1998 – Educar para o desemprego: a desintegração da promessa
integradora. In: FRIGOTTO, G. (org). Educação e crise do trabalho: perspectivas
de final e século, Petrópolis, ed. Vozes.
IAMAMOTO, M. V. 1997 – O Serviço Social na contemporaneidade: dimensões
históricas, teóricas e ético-políticas, Fortaleza, Debate CRESS-CE, n° 6.
IANNI, O. 1994 - O mundo do Trabalho, São Paulo em Perspectiva, Vol 8 No. 1
Jan/Março.
MACÊDO, M. de A. 1996 - Inserção de Adolescentes no Marcado Formal de
Trabalho - Mapeamento dos Programas das ONGs da Cidade do Rio de
Janeiro, PUC/RIO.
www.ts.ucr.ac.cr 29
MACÊDO, M. de A. 1996 - Job Training Apprenticeships mediated by NGOs in Rio
de Janeiro City, Conference Proceeding Vol 2 da 27th ICSW International
Conference, Hong Kong.
--- 1995 - O Trabalho Infanto - Juvenil no Quadro da Política de Proteção à Infância e
à Juventude no Brasil, Debates Sociais CBCISS, Nos. 54/55.
--- 1997 – Trabalho de adolescentes socialmente assistidos: avanço ou recuo de
uma política, revista: O Social em Questão, vol. 1, ano 1, DSS, PUC-Rio.
OLIVEIRA, F. 1995 - A questão do Estado - Vulnerabilidade Social e Carência de
Direitos, S. Paulo, Cadernos ABONG, Série Especial.
OLIVEIRA, O; PIRES, J. M. 1995 O trabalho da Criança e do Adolescente in O
Trabalho no Brasil no Limiar do Século XXI. Ed. LTR.
PROJETO RODA VIVA (1995) - Guia de Programas e Serviços para Atendimento à
Criança e ao Adolescente (Zona Tijuca e Arredores, Zona Centro e Zona Sul)
Rio de Janeiro, Associação Projeto Roda Viva.
SOUZA, M. J. 1996 - Henri Lefebvre e o Retorno à Dialética, São Paulo, Ed.
HUCITEC, 1996.
TELLES. V. - Pobreza e Cidadania: precariedade e condições de vida in Martins e
Ramalho (Orgs.) Terceirização - Diversidade e Negociação no Mundo do
Trabalho, São Paulo, Editora HUCITEC/CEDI - NETS, 1994.
VALLADARES, L. e Impelizieri. 1992 - Invisible Action - A guide to NON -
governmental Assistance for underprivileged and street Children of Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, IUPERJ.
www.ts.ucr.ac.cr 30