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ELOÁ GIOSANE BRUM RAMBO DE ÁVILA A CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA PEDAGÓGICA NA PERCEPÇÃO DO ENFERMEIRO DOCENTE SOB A PERSPECTIVA DE SUA HISTÓRIA DE VIDA CANOAS, 2015

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ELOÁ GIOSANE BRUM RAMBO DE ÁVILA

A CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA PEDAGÓGICA NA

PERCEPÇÃO DO ENFERMEIRO DOCENTE SOB A PERSPECTIVA DE SUA

HISTÓRIA DE VIDA

CANOAS, 2015

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ELOÁ GIOSANE BRUM RAMBO DE ÁVILA

A CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA PEDAGÓGICA NA

PERCEPÇÃO DO ENFERMEIRO DOCENTE SOB A PERSPECTIVA DE SUA

HISTÓRIA DE VIDA

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário La Salle, UNILASALLE, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientação: Prof. Dr. Gilberto Ferreira da Silva

CANOAS, 2015

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ELOÁ GIOSANE BRUM RAMBO DE ÁVILA

A CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA PEDAGÓGICA NA

PERCEPÇÃO DO ENFERMEIRO DOCENTE SOB A PERSPECTIVA DE SUA

HISTÓRIA DE VIDA

Dissertação de pesquisa apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário La Salle, UNILASALLE, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovado pela banca examinadora em 28 de agosto de 2015.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________

Prof. Dr. Gilberto Ferreira da Silva

UNILASALLE

____________________________________________

Prof. Dr. Cledes Antonio Casagrande

UNILASALLE

___________________________________________

Profª. Drª. Rosa Maria Filippozzi Martini

UNILASALLE

___________________________________________

Profª. Drª. Roberta Waterkemper

UFCSPA

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Dedico este trabalho à minha avó, grande incentivadora de meus estudos. Mestra na

arte de saber viver, exemplo de fé, perseverança, humildade, dedicação e carinho.

Mesmo não estando mais aqui, torna-se presente nos aspectos mais importantes da

pessoa que sou hoje: no ser humano, no respeito ao outro, na conduta ética e moral

e em meu caráter.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, antes de mais nada, pelo dom da vida. À mãe Medianeira

de Todas as Graças, pelo refúgio e força nas horas de maior precisão.

Agradeço aos meus filhos, pela compreensão dos intermináveis momentos de

ausências física ou mental. E peço-lhes perdão. Pois são a razão do meu viver e

para quem busco melhorar, crescer e me aperfeiçoar; espero que todo o esforço

deste trabalho retorne a eles de uma forma positiva. Amo-os mais que tudo.

Agradeço imensamente à minha mãe, exemplo de mulher, de força, dedicação

e abnegação pelo seu incentivo e amor incondicional, sem os quais este trabalho

nunca teria sido possível.

Agradeço a meu marido, pelo incentivo e críticas que só agregaram no

trabalho e me levaram a crescer.

À minha irmã e à minha sogra, pelo socorro nas horas de necessidade.

Agradeço à amiga Célia, pelo ombro amigo, pelas palavras de incentivo e

auxílio na revisão deste trabalho.

Agradeço à colega e amiga Bianca, por lembrar-me de que há vida a ser

vivida.

Agradeço ao meu orientador, por acreditar que este trabalho seria possível e

por sua dedicação.

Agradeço à colega colaboradora, enfermeira e professora, que aceitou fazer

parte desta pesquisa, compartilhando conosco sua história, seus sentimentos e suas

experiências de vida pessoal e profissional.

Agradeço aos professores, colegas, amigos e familiares que me ajudaram

nesta caminhada rumo à concretização deste objetivo, de realização e satisfação

pessoal e profissional.

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Toda decisão acertada é proveniente de experiência. E toda experiência é

proveniente de uma decisão não acertada.

Albert Einstein.

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RESUMO

A presente dissertação trata da percepção do enfermeiro acerca da construção da

competência pedagógica para a prática do ensino no trabalho docente sob a

perspectiva de sua história de vida. A área do conhecimento e da formação de

professores vem buscando conhecer de que forma cada profissional constitui-se

docente, dada sua natureza autônoma de trabalho com vistas a contemplar o

profissional egresso proposto pelas DCNs da Graduação. Neste trabalho, buscamos

apoio teórico nas contribuições de Ferrarotti (1991), de Perrenoud (2013) a

discussão sobre as competências; com Pimenta e Anastasiou (2010), refletimos

sobre a constituição identitária. Com Josso (2004) ampliamos a discussão,

aportando a ideia de experiência formadora para a formação docente como um

importante elemento. Seguindo os estudos de Tardif (2012), pensamos as questões

de como os saberes docentes se processam na trajetória profissional; e com Nóvoa

(2006) buscamos desvelar como este indivíduo constituiu-se professor. Este foi um

estudo de reflexão biográfica, descritivo-exploratório de caráter qualitativo. O sujeito

da pesquisa foi uma enfermeira-docente de uma IES. A coleta de dados foi

realizada por meio de entrevista aberta e a técnica de análise do tipo Análise de

Conteúdo proposta por Bardin (2011). A pesquisa demonstrou que a constituição do

enfermeiro-docente se dá a partir de seu aporte teórico e vivências práticas da

profissão, dos saberes oriundos de suas experiências de vida e das experiências

formadoras na construção de sua identidade de ser professor. Inferimos, também,

que o enfermeiro-docente, que não possui formação didático-pedagógica, norteia

sua atuação em sala de aula através de metodologias e práticas pedagógicas

vivenciadas anteriormente, no despertar para a profissão em seu meio social e,

enquanto aluno, em sua própria formação. Também ao compartilhar as práticas com

seus pares e nas experiências positivas obtidas em sala de aula com seus alunos.

Evidenciamos, ainda, a necessidade de estudos futuros que tratem desta temática, a

fim de aclarar a constituição do enfermeiro-docente, com vistas a um preparo

qualitativo, competente e intencional, contribuindo para sua formação.

Palavras chave: Histórias de Vida; Saberes Docente; Formação Docente;

Competências Pedagógicas; Educação em Enfermagem.

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ABSTRACT

This thesis deals the nurse´s perception about the construction of pedagogical

competence for the practice of teaching from the perspective of the life story. The

area of knowledge of the teacher´s continuing education has been seeking to know

that every professional manner constitutes teaching, given its autonomous nature of

work in order to the egress professional proposed by Educational Low. In this work,

we sought theoretical support the contributions of Ferrarotti (1991, 2011) to make

use of the professional life story of a nurse. Perrenoud (2013) discuss on skills.

Anastasiou (2010) reflects on the identity constitution. Josso (2004) extends the

discussion contributing the idea of teachers’ formative experience. Tardif (2012) tells

how the teachers’ knowledge is processed in professional career. Nóvoa (2006)

reveals how this individual was constituted teacher. This was a study of biographical

reflection descriptive and exploratory qualitative. The subject of the research was a

teaching-nurse. Data collection was accomplished through open interviews and the

analysis technique content analysis proposed by Bardin (2011). Research has shown

that the formation of the teaching-nurse takes from its theoretical framework and

practices of the profession experiences knowledge originating from their life and

formative experiences in the construction of his identity as a teacher. Also infer that

the teaching-nurse who lacks didactic and pedagogical guiding the performance in

the classroom through methodologies and pedagogical practices experienced in the

profession in their social environment and as a student in their own practice. Also to

share the practices with their colleagues and the positive experiences in the

classroom. The research highlighted the need for future studies that address this

issue in order to clarify the constitution of the teaching-nurse with a view to a

qualitative, competent and purposeful preparation contributing to their continuing

education.

Keywords: Life Stories; Teacher knowledge; Teacher education; Pedagogical skills;

Nursing Education.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AC – Análise de Conteúdo

ABEn – Associação Brasileira de Enfermagem

CFE – Conselho Federal de Educação

DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

DNSP – Departamento Nacional de Saúde Pública

EEAN – Escola Anna Nery

IES – Instituições de Ensino Superior

PPP – Projetos políticos pedagógicos

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO E INTENÇÃO DA PESQUISA........................................ 11

2 REFERENCIAL TEÓRICO...................................................................... 16

2.1 Aspectos Históricos: O ensino de enfermagem no Brasil................ 16

2.2 O Enfermeiro-Docente: A construção da identidade docente........... 21

2.3 O Profissional Enfermeiro-Docente: Sua constituição baseada nas

experiências de vida e formação........................................................

22

2.4 Os Saberes Docente.............................................................................. 24

2.5 Competências para Ensinar.................................................................. 26

2.5.1 A Competência Didático-Pedagógica: a necessidade de formação

pedagógica do enfermeiro-professor.......................................................

26

2.5.2 A Competência docente do enfermeiro para a prática do ensino........... 33

3 O CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA................................... 38

3.1 História de Vida...................................................................................... 38

3.2 Pesquisa Qualitativa.............................................................................. 40

3.3 Sujeito..................................................................................................... 41

3.4 Questões Éticas..................................................................................... 42

3.5 Coleta de Dados..................................................................................... 42

3.6 Análise dos Dados................................................................................. 43

4 CATEGORIZAÇÃO E REFLEXÃO SOBRE OS DADOS: O

DESVELAR DE UMA HISTÓRIA............................................................

45

4.1 Caracterização da entrevistada............................................................ 45

4.2 A docência da ignorância: docência nata.......................................... 46

4.3 A docência da ação: os saberes ser-fazer-estar................................. 52

4.4 A docência da reflexão: o saber por que e para que.......................... 64

4.5 A docência da auto (des)construção................................................... 71

4.5.1 O constituir-se docente............................................................................ 71

4.5.2 A formação das competências................................................................. 74

4.5.3 As estratégias pedagógicas como prática para o empoderamento do

enfermeiro- professor...............................................................................

76

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 81

REFERÊNCIAS....................................................................................... 87

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ANEXO A – Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de

Graduação em Enfermagem.................................................................

92

APÊNDICE A – Termo de consentimento livre e esclarecido........... 101

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1 INTRODUÇÃO E INTENÇÃO DA PESQUISA

Diante do contexto mundial em que atualmente vivemos a globalização e seu

vertiginoso processo de modernização científica e tecnológica, percebemos a

crescente demanda por diferentes e/ou novas formas de construir e compartilhar a

informação e de organizar e pluralizar o conhecimento. Esta modernização atua

como mola propulsora e passa a exigir mudanças ainda no processo de formação

dos profissionais e, logo, dos professores de tais profissionais. A qualificação exigida

pelo mercado de trabalho mostra-se cada vez mais elevada. O conceito das

Universidades é visto como preditor para a inserção de futuros profissionais neste

mercado, assim como forma de atração de alunos/clientes.

Esse cenário inquietou-nos e nos impeliu a refletir acerca da constituição

docente, mais precisamente, quanto à competência pedagógica no trabalho docente

de um enfermeiro na perspectiva de sua história de vida. Sua formação, seus

saberes e seus sentimentos, quanto à sua atuação e competência profissional

enquanto sujeito, cuja missão é formar profissionais generalistas para este mercado

globalizado, multitecnológico e intercultural, preparados para atuar nas diferentes

etapas da vida e voltados à resolutividade de problemas regionais em suas áreas de

atuação profissional.

Faz-se necessário colocarmos a diferenciação dos termos formação docente e

constituição docente, utilizados neste trabalho. Trataremos a formação docente

como acadêmica, adquirida por meio de ensino institucionalizado, na graduação,

licenciatura, especialização, mestrado ou doutorado, todos voltados ao processo de

ensino- aprendizagem. Baseando-nos na Lei N° 9.394, de 20 de dezembro de 1996,

a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, em seu artigo 66, que

estabelece: “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á ao nível

de pós-graduação, prioritariamente, em programas de mestrado e doutorado”. Já a

constituição docente refere-se às vivências/experiências significativas, que serão

consideradas experiências formadoras para a constituição pessoal e profissional do

sujeito.

A área do conhecimento e da formação de professores profissionais vem

buscando conhecer de que forma cada profissional vem se constituindo e se

construindo enquanto professor, dada sua natureza autônoma de trabalho com

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vistas a contemplar o profissional egresso proposto pelas DCNs da Graduação em

Enfermagem. Buscamos conhecer qual foi o caminho percorrido na constituição

deste ser enfermeiro-professor, conhecer suas experiências de vida, suas lutas e

emoções, suas interações e embates, a origem de seus saberes e como ele se

configurou enquanto profissional. Indagou-se se de que forma as habilidades e

competências para a docência foram constituídas ao longo da sua vida profissional;

se foram a partir de situações vivenciadas e experiências em seu cotidiano de

trabalho, na educação continuada ou na formação em serviço. Também qual foi a

influência desses diferentes universos e a importância atribuída a cada um deles.

Como o enfermeiro- professor percebeu sua formação e de que maneira constituiu-

se como tal.

As competências necessárias à docência podem e devem ser desenvolvidas

por meio de experiências formadoras, de capacitações voltadas à prática da

docência e da busca incessante por novas metodologias e formas de fazer o

cotidiano em sala de aula. A busca por qualificação, assim como a insatisfação com

seu saber e a criatividade, são características importantes que fazem parte do

âmago do ser professor. Ninguém nasce sabendo ser professor. Este profissional

tem que ser formado, construído e, constantemente, lapidado. Profissionais das

mais diferentes áreas que optem (também) pela docência necessitam formação

especializada para exercerem tal cargo. Nesse caso, a formação foi acontecendo a

partir das vivências e práticas, o que propiciou a construção das experiências

formadoras, auxiliadas, ao longo do caminho, por formação voltada ao

desenvolvimento de competência pedagógica.

Pimenta e Anastasiou (2010, p. 186) chamam atenção para o fato de que a

formação do professor requer investimento acadêmico, prática educativa de ensinar,

atitude de pesquisador e formação contínua. Acontece que o professor ‘dorme’

especialista em uma área de conhecimento e ‘acorda’ professor, sem o devido

preparo pedagógico. Não há, usualmente, uma formação específica; eles se tornam

professores por indicação ou por se sobressaírem em suas profissões como

bacharéis.

Ainda que diferentes áreas ocupem-se de pesquisar e produzir conhecimentos

e saberes, no campo da educação, ainda hoje, observa-se, por vezes, um ensino

massificado, pré-determinado e engessado disciplinarmente em que os

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conhecimentos inerentes ao método e a prática docente mostram-se limitados, seja

na forma como ele é desenvolvido, seja na de como é utilizado. O professor é

responsável por transformar informações e conteúdos em saberes; deve, portanto,

colaborar com a formação de profissionais competentes, éticos e cidadãos críticos.

Do enfermeiro que conjuga sua ação profissional com a docência e é responsável

pela formação de profissionais de nível superior, exige-se uma mudança, um

preparo pedagógico de qualidade, uma nova realidade para que exerça a docência

de forma competente e comprometida.

A área do conhecimento e da formação de professores profissionais vem

buscando conhecer de que forma cada profissional se constitui e se constrói -

enquanto professor- para a prática do ensino na graduação. Neste trabalho,

considerando a formação do profissional enfermeiro e sua natureza autônoma de

trabalho, o docente da Graduação em Enfermagem busca o cumprimento das

exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do Curso de Graduação em

Enfermagem (Resolução CNE/CES nº 3, de 07 de novembro de 2001). Segundo

essas diretrizes, o egresso profissional deve ter formação generalista, humanística,

crítica e reflexiva; ele necessita estar qualificado para exercer a profissão lastreado

pelo rigor científico e intelectual e pautado em princípios éticos.

Neste estudo, na busca por desvelar o caminho na constituição do

enfermeiro-docente, utilizamos como referencial o trabalho de teóricos no que

concerne aos conceitos utilizados. Sua criação deu-se à luz das histórias de vida

como método de pesquisa de Ferrarotti (1991; 2011); lastreado pela teoria das

Competências Docentes para Ensinar de Perrenoud (2001); a construção da

identidade docente de Pimenta e Anastasiou (2010); as experiências de vida como

método formativo de Josso (2004) e os saberes docente conforme Tardif (2012) e

Nóvoa (2006). Ao descortinar o caminho que levou à constituição deste ser

enfermeiro-professor, buscou-se conhecer suas vivências e experiências de vida,

suas lutas e emoções, suas interações e embate e a origem de seus saberes.

Indagou-se de que forma as habilidades e competências para a docência foram se

constituindo ao longo da sua vida profissional, a partir de situações por ele

experiências, levando ao nomeado habitus de Perrenoud (2001) como

osconhecimentos em ação do sujeito e qual a importância dada ao ensino formal

voltado à atuação em sala de aula.

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Cabe ressaltar a diferenciação dos conceitos utilizados neste trabalho quanto

à formação pautada na história de vida. Josso (2004) apresenta, de forma

sistematizada: a) experiência como uma vivência que sofreu um processo de

reflexão sobre o que se passou e o que foi observado, percebido e sentido. Uma b)

experiência existencial pode alterar as coerências de uma vida e seus critérios. Já a

c) aprendizagem pela experiência resulta em transformações comportamentais,

afetivos ou psíquicos, sem questionar valores que orientam os compromissos de

vida. Por fim, a d) experiência formadora, como uma recordação-referência, o que foi

aprendido (o saber fazer somado ao conhecimento) e que servem de referência a

diferentes situações, acontecimentos existenciais e orientadoras de uma vida.

Para Josso (2004, p. 51), “esta formação experiencial designa a atividade

consciente do sujeito que efetua uma aprendizagem, imprevista ou voluntária em

termos de competências existenciais”. Sobre esta formação experiencial, “ter e fazer

experiências” estão imbricadas no processo de elaboração das vivências, que

resulta a posteriori nas experiências formadoras e “estão evidentemente inscritas

nos processos de aprendizagem, de conhecimento e de formação”. É na construção

das experiências que se dá a formação propriamente dita, elencando três

modalidades: i. “ter experiências”; ii. “fazer experiências”; iii. “pensar sobre as

experiências”. Contextualizando as práticas efetivas das histórias de vida, o autor

nos apresenta, de forma sistematizada, diferentes componentes da formação

experiencial. Afirma que este processo é um delineamento lógico dos processos

experienciais, assim como Tardif (2012) nomeou a racionalidade dos saberes.

Portanto, diante do exposto, apresentamos, na sequência, o problema e os

objetivos da pesquisa que motivaram a investigação.

O problema de pesquisa proposto foi: Como o enfermeiro- professor percebe

sua formação e como se constrói como tal?

A partir do problema de pesquisa, o estudo, ora proposto, objetivou refletir

acerca da construção da competência pedagógica para o trabalho docente de um

enfermeiro na perspectiva de sua história de vida.

Apresentamos, também, os objetivos específicos da pesquisa que ajudaram a

melhor concretizar o trabalho: i. Conhecer o percurso de formação profissional; ii.

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Conhecer suas vivências e (precursoras das) experiências formadoras; iii. Identificar

a origem de seus saberes docente; e iiii. Explorar suas práticas Pedagógicas.

Desta forma, a dissertação estrutura-se em 5 capítulos: No primeiro,

apresentamos a introdução e as intenções da investigação; no segundo, traçamos o

referencial teórico da pesquisa, trazendo teóricos da literatura do campo

educacional, bem como da saúde, abordando temas de relevância e interesse de

profissionais dessas duas áreas de conhecimento; no terceiro, a abordagem foca-se

no caminho metodológico da pesquisa, com a apresentação do contexto do sujeito

investigado, abordagem da pesquisa, coleta de dados e análise, bem como os

demais procedimentos para a concretização da pesquisa; no quarto, tem-se a

categorização e a análise dos dados na busca de respostas aos questionamentos da

investigação através dos resultados apresentados; finalmente, no quinto e último

capítulo, são apresentadas algumas considerações finais do processo investigativo

para a continuidade de estudos futuros para a qualificação dos trabalhos das duas

áreas de conhecimento abordadas nesta pesquisa, a educação e a saúde.

.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Aspectos Históricos: O Ensino de Enfermagem no Brasil

O ensino de enfermagem teve início, oficialmente, no Brasil, com a criação da

Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras do Hospital de Alienados no Rio

de Janeiro em 1890. O objetivo, na época, era preparar profissionais para trabalhar

em hospícios e hospitais, pois, com a Proclamação da República, houve o

rompimento da Igreja com o Estado. Sendo assim, o Hospital Nacional dos

Alienados passou para o controle direto do novo Governo Republicano. As irmãs de

caridade, responsáveis até então pela administração do hospital, deixaram seus

serviços, e os médicos assumiram o poder. Dessa necessidade de capacitação de

pessoal para realização dos cuidados de enfermagem, nasceu a primeira escola de

enfermagem, posteriormente, denominada Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, a

qual era dirigida por médicos que também supervisionavam o ensino. Hoje, ela está

integrada à Universidade do Rio de Janeiro (GALLEGUILLOS & OLIVEIRA, 2001).

O decreto nº 791/1890 fixava os objetivos da escola, currículo, duração do

curso, condições de inscrição e matrícula, título conferido etc. Como exigência, os

candidatos deveriam, no mínimo, saber ler e escrever, conhecer aritmética e

apresentar atestado de bons costumes.

Em 1916, com a Primeira Guerra Mundial, criou-se a Escola Prática de

Enfermeiras da Cruz Vermelha Brasileira para treinar socorristas voluntários; em

1920, na mesma escola, foi criado o curso de visitadoras sanitárias que precedeu a

institucionalização da Enfermagem no Brasil ocorrido por meio do Decreto

17.268/1926 (GALLEGUILLOS & OLIVEIRA, 2001).

Por meio do Decreto nº 15799, de 1922, oficializou-se a Escola de

Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) denominada,

posteriormente, de Escola Anna Nery (EEAN). O ensino, então já sistematizado,

estava a cargo de enfermeiras da Fundação Rockfeller, enviadas ao Brasil para

organizar os serviços de enfermagem com vistas a garantir o saneamento urbano,

condição necessária ao comércio internacional, que estava ameaçado, na época,

pelas epidemias. Contudo, elas estavam, também, incumbidas de dirigir a escola de

enfermagem criada, em 1922, mas que iniciou as atividades em 1923, denominada

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Escola de Enfermagem do DNSP. Em 1926, passou a designar-se Escola de

Enfermagem Anna Nery (EEAN) e, em 1931, Escola de Enfermagem da

Universidade do Rio de Janeiro (GALLEGUILLOS & OLIVEIRA, 2001).

A Escola de Enfermagem Anna Nery tornou-se um marco para a Enfermagem

Brasileira, que passou a ser reconhecida como um campo do saber e do trabalho em

saúde, de onde nasceu a dita Enfermagem Moderna ou Profissional. Era organizada

sob parâmetros próprios produzindo e sistematizando os conhecimentos

necessários às suas atividades práticas e estabelecendo as primeiras normas que

regulam o seu exercício profissional. Somente em 1931, por meio do decreto

20.109/1931, ocorreu a regularização do Exercício da Enfermagem no Brasil

(GALLEGUILLOS & OLIVEIRA, 2001).

Em relação aos programas e currículos mínimos, a EEAN também

denominada "Escola padrão", teve o seu programa de ensino utilizado como modelo

para as escolas criadas posteriormente, reproduzindo de forma hegemônica o

currículo norte-americano. Esse era voltado ao trabalho de enfermagem nos moldes

da medicina curativa e hospitalar, predominando o modelo biomédico em contemplar

as instituições hospitalares (RIZZOTTO apud GALLEGUILLOS & OLIVEIRA, 2001).

A Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn, 1999), fundada em 12 de

agosto de 1926, à época denominada Associação Nacional de Enfermeiras

Diplomadas, preocupou-se, essencialmente, com a educação. Em 1945, foi criada a

Divisão de Ensino de Enfermagem, posteriormente, designada Divisão de Educação,

cujos objetivos eram organizar o ensino quanto ao currículo teórico mínimo, à

duração dos estágios para a formação da enfermeira e estabelecer normas para a

formação de auxiliares de enfermagem.

A Divisão de Educação assumiu a responsabilidade de elaborar o currículo e

determinar o regime escolar. Essa tarefa, desempenhada pela Subcomissão de

Currículo, contribuiu para a elaboração e a discussão do projeto que deu origem à

Lei n.775/49 que regulamentou o ensino de Enfermagem. O currículo de 1949 era

"pouco inovador relacionado ao programa inicial, prevalecia a ênfase no fazer, mais

do que no pensar, na repetição de técnicas que tolhiam a criatividade das alunas e

com a centralização no estado da doença e não do doente" (GALLEGUILLOS &

OLIVEIRA, 2001, p. 82).

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Em dezembro de 1961, foi promulgada a Lei nº 4.024/61, de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional e criado o Conselho Federal de Educação (CFE) que

passou a ser o responsável pelo ensino superior. Em 1962, o Parecer CFE nº 271/62

fixou o primeiro currículo mínimo para os cursos de enfermagem que passou por

profundas modificações; mas continuou priorizando o caráter curativo, reduziu a

duração do curso para três anos, introduziu especializações num quarto ano optativo

e eliminou a disciplina de Enfermagem em Saúde Pública do currículo mínimo. Após

a Reforma Universitária de 1968, a Lei nº 5.540/68 fixou as normas de organização e

funcionamento do ensino superior e sua articulação com o ensino médio.

Em 1968, a Comissão de Educação da ABEn elaborou proposta para a

revisão do currículo mínimo, incluindo a Enfermagem de Saúde Pública. No último

ano, as alunas podiam optar entre Enfermagem Obstétrica, Enfermagem da

Comunidade e Enfermagem Médico-Cirúrgica.

O Parecer CFE n.163/72 reformulou o currículo mínimo de enfermagem,

criando as habilitações em Saúde Pública, Enfermagem médico-cirúrgica e

Obstetrícia para serem cursadas de forma optativa. Em razão da evolução

científica, a profissão médica passara a necessitar de uma enfermagem

especializada para, juntas, atuarem na assistência curativa (GALLEGUILLOS &

OLIVEIRA, 2001).

A partir da década de 90, o ensino da enfermagem vem sendo caracterizado

pela constante implementação de mudanças curriculares nos cursos de graduação e

discussões de propostas pedagógicas. A Portaria 1.721/1994 fixou os conteúdos

mínimos, a carga horária e a duração dos cursos de enfermagem. Decorrente dessa

Portaria, ocorreu uma mudança de paradigma da educação de enfermagem,

essencialmente de natureza técnica: começou-se a formatar novos rumos na

educação em enfermagem, passando-se a dialogar com a temática “Currículo” e

“Prática Pedagógica” na formação do enfermeiro.

Em 1994, após inúmeros debates, o CFE reformulou o currículo mínimo

através do Parecer n.314/94. Houve aumento na carga horária mínima, delimitando

horas/aula e determinações sobre o estágio curricular; buscou-se assegurar a

participação do enfermeiro dos serviços de saúde, no ensino, através de propostas

de integração docente-assistencial. Os currículos plenos dos cursos de graduação

em enfermagem deveriam conter disciplinas relativas às Ciências Biológicas e

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Humanas e quatro áreas temáticas: "Bases Biológicas e Sociais da Enfermagem,

Fundamentos da Enfermagem, Assistência de Enfermagem e Administração em

Enfermagem" (BRASIL, 1994). Segundo Galleguillos e Oliveira (2001), os conteúdos

relativos à Saúde Pública, excluídos do currículo mínimo anterior, retornaram como

Saúde Coletiva; porém, manteve-se a subdivisão em especialidades médicas com

formação voltada à assistência individual e curativa. No entanto, o interesse em

considerar "o perfil epidemiológico e quadro sanitário do País/Região/Estado"

(BRASIL, 1994) demonstrou preocupação com as distintas realidades do país, e a

divisão por áreas temáticas ofereceu certa flexibilidade ao ensino.

Em 23 de dezembro de 1996, foi publicada no Diário Oficial da União a nova

Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n.9.394/96, que, de acordo com a

Constituição Federal, atribui a responsabilidade da educação à família e ao Estado.

Consoante essa Lei, para a educação superior houve um reforço na tendência

profissionalizante que visa a atender a demanda do mercado de trabalho.

Entretanto, a referida lei apresentou um capítulo exclusivo à regulamentação da

educação superior; dentre suas finalidades, instituiu o estímulo ao pensamento

reflexivo, à cultura e ao espírito científico. Além disso, apresentou incentivo à

pesquisa e à investigação científica e, de forma inédita, determinou formação e

carga horária mínima aos docentes das universidades. Em 1999, discutiu-se

amplamente a Proposta de Enquadramento das Diretrizes Curriculares. Naquela

época, considerou-se a citação "põe em risco os eixos norteadores da proposta

político-pedagógica construídos coletivamente durante as décadas de 80 e 90"

(ABEn, 1999), estabelecendo-se uma concepção fragmentada do processo ensino-

aprendizagem, impossibilitando às IES a implantação de seu próprio projeto

pedagógico e não propiciando a formação integral do profissional.

Atualmente, o ensino da graduação em Enfermagem é norteado pelas

Diretrizes Curriculares Nacionais que são flexibilizadas através dos Projetos

Políticos-Pedagógicos (PPPs), mantendo-se os eixos norteadores contidos na Carta

de Florianópolis (aprovada na íntegra no 52º Congresso Brasileiro de Enfermagem,

em 2001, veio a se constituir nas atuais diretrizes), os quais proporcionam formação

contemporânea, contextualizada, integrando ensino, pesquisa e extensão, gerando

um enfermeiro generalista, crítico e capaz de atuar em todas as dimensões do

cuidado e promotor da saúde do indivíduo, da família e da comunidade.

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Assim, verifica-se que há uma nova perspectiva no ensino da enfermagem,

que, até então, estava basicamente direcionada ao indivíduo no modelo

hospitalocêntrico, por meio de uma pedagogia que contemplava explicitamente a

tecnificação, o método cartesiano de ensinar em detrimento à formação generalista,

voltada à saúde preventiva e do coletivo e do professor-facilitador nos processos de

ensinar a aprender e aprender a aprender.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação

(Resolução CNE/CES nº 3, de 07 de novembro de 2001) visam a proporcionar às

Instituições de Ensino Superior (IES) um direcionamento para a implantação e a

implementação dos Projetos Político-Pedagógicos. Não são fórmulas prontas, já que

o contexto sócio-político-cultural que envolve cada instituição o determinará. As

diretrizes curriculares constituem, no entender do CNE/CES (2001), orientações

para a elaboração dos currículos que devem ser, necessariamente, respeitadas por

todas as instituições de ensino superior; visando a assegurar a flexibilidade e a

qualidade da formação oferecida aos estudantes.

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) demonstram essa necessidade de

mudança de foco na educação em Enfermagem cujos objetivos, entre outros

aspectos, é o de “levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a

aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e

aprender a conhecer [...]” (CNE/CES 2001).

Quanto aos Conteúdos Curriculares das DCN, há a preocupação com o

enfermeiro-educador explicitada pela indicação de “conteúdos pertinentes à

capacitação pedagógica do enfermeiro, independente da Licenciatura em

Enfermagem” (CNE/CES 2001). Isso torna o enfermeiro educador por excelência, e

a educação em saúde deveria ser o objetivo primeiro do enfermeiro egresso da

graduação. Pois ela é a base da transformação de paradigmas sociais e humanos,

capaz de produzir mudanças salutares na forma de sentir, pensar e agir das

pessoas em relação a si mesmas e aos demais; constituindo o primeiro e mais

importante passo em direção às mudanças efetivas na realidade da saúde de um

país.

A promulgação da LDB/96 foi um marco na história da educação nacional. No

ensino da graduação em Enfermagem, podemos fazer este marco com as Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCNs), de 2001, que contemplam o desenvolvimento de

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habilidades gerais e específicas, flexibilizadas e voltadas às características de cada

Instituição de Ensino Superior (IES). E torna flexíveis os Projetos Políticos-

Pedagógicos (PPP), desde que visem a esta formação generalista do enfermeiro,

com formação contemporânea, contextualizada- integrando ensino, pesquisa e

extensão-, pautada na ética e no respeito à pessoa humana como ser

biopsicossocial integrante da comunidade à qual pertence. Resultando em um

profissional crítico, um educador por excelência, capaz de atuar em todas as

dimensões do cuidado e de promover a saúde do indivíduo, da família e da

comunidade. No entanto, verificamos que, em se tratando da docência em sala de

aula, da formação de profissionais éticos e cidadãos críticos e formadores de

opinião, é indispensável o desenvolvimento da competência para ser professor.

2.2 O Enfermeiro-Docente: A construção da identidade docente

A construção de uma identidade refere-se a um processo complexo, dinâmico

e conflituoso pela busca da compreensão de como o docente percebe-se na sua

profissão; de que forma ele vê sua atuação ser influenciada por suas características

pessoais. Essa é a forma como cada um se percebe e se diz professor.

Para Nóvoa (2006), a construção do processo de identidade docente diz

respeito ao processo pelo qual cada um se apropria do sentido e da significação de

sua história pessoal e profissional, demandado tempo no refazer de sua identidade

para acomodar e assimilar mudanças. Logo, o processo de identidade não é um

produto que possa ser adquirido: é um estado a ser construído e compreendido.

Nessa caminhada de construção de identidade profissional, na busca por

racionalizar e compreender por que sou quem sou ou por que faço o que faço, o

indivíduo acaba realizando uma caminhada para si, no reconhecimento de quem é e

no que almeja tornar-se, realizando investimentos e demandando forças para tornar-

se, vir a ser aquilo que quer ser. Ele busca ocupar um lugar de significação pessoal,

profissional e social daquilo que é ou se percebe como sendo.

Para Josso (2004), a construção de uma identidade é parte indissociável de

uma história de vida pessoal e profissional, pautada na singularidade e na dinâmica

dessa história, uma tomada de consciência de si, de seus valores e crenças e na

perspectiva da vida que almeja e busca viver.

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Conforme Pimenta e Anastasiou (2010), os profissionais, quando chegam à

docência, na universidade, trazem diferentes experiências do que é ser professor;

dentre elas, seu olhar a partir da perspectiva de ser aluno. Eles carregam

experiências que, a seu ver, permitem-lhe inferir o que é ser bom ou mau professor,

lastreados em suas experiências positivas ou negativas, ou aqueles que buscam

imitar ou negar. A partir da sua visão, dizer quais eram bons em conteúdo, mas não

sabiam ensinar. Iniciam uma atividade docente não sob o ponto de vista da

profissão, mas ainda sob a visão do aluno. O que sabem sobre ser professor

também pode advir da experiência de outros, colegas ou familiares. Conhecem os

estereótipos e significações sociais do ser professor. Portanto, estes saberes da

experiência não bastam para fazer a transição deste olhar enquanto aluno e passar

a ver-se como professor. Para os especialistas, é necessária a racionalização sobre

a significação desses saberes para si próprios, na diferenciação do conhecimento

para a informação e para o poder. Faz-se necessário o domínio do conhecimento

específico para ensinar, os saberes didáticos e pedagógicos. Essa significação,

racionalização e a diferenciação experiencial das vivências serão aportes para a

construção de uma identidade docente.

Nóvoa (2006) discorre sobre os três AAA que lastreiam o processo identitário

dos professores: Adesão a princípios e valores; Ação na escolha das melhores

maneiras de agir; e a Autoconsciência à reflexão sobre a própria maneira de agir.

Desse pensamento reflexivo, sobre o conhecimento, seu objetivo e significação,

coadunado ao pensamento de Pimenta e Anastasiou (2010), dependem a

flexibilidade para a mudança e inovação pedagógicas que compõem a identidade

docente.

Logo, o ser professor profissional, constrói sua identidade a partir da

inquietude gerada no ato de refletir sobre o seu lugar e o seu fazer e no viver sua

identidade profissional.

2.3 O Profissional Enfermeiro-Docente: Sua constituição baseada nas

Experiências de Vida e Formação

O profissional enfermeiro que atua na docência, por vezes, adentra o campo

da educação por indicação, referenciado por seu aporte teórico e saberes de

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atuação de caráter prático. Noutras situações, deixa a academia já titulado em nível

de pós-graduação, porém, sem a experiência profissional da vivência prática. A

enfermagem é uma profissão de essência prática, voltada à prestação de cuidados

embasados por saberes de cunho teórico-científico e social. Como versam as DCNs

da graduação em enfermagem, o enfermeiro é um educador por excelência.

No entanto, na constituição do profissional enfermeiro que pratica a docência,

podemos considerar as experiências de vida pessoal e profissional como

experiências formadoras e partes indissociáveis da construção de sua identidade

docente. A imbricação das práticas de conhecimento e do saber-fazer compõe a

aprendizagem/formação experiencial.

Neste sentido, Josso (2004) afirma que a formação experiencial diz respeito

aos processos formativos do ponto de vista do aprendiz e que ela ocorre nas

interações com outras subjetividades, nas práticas de conhecimento numa

abordagem intersubjetiva, oportunizando a aprendizagem experiencial. Entende-se a

utilização dessa aprendizagem como a capacidade para resolver problemas,

acompanhada de um conhecimento teórico e/ou de uma simbolização. A experiência

formadora é a aprendizagem que se dá por meio da articulação de “saber-fazer e

conhecimentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço-tempo

que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação”

(JOSSO, 2004, p. 39), mobilizando-se uma variedade de vivências, levando às

experiências formadoras.

Podemos dizer que este saber experiencial ocorre a partir do momento em

que se racionaliza a prática, fundamentada num aporte teórico de saberes ou de

significação, acarretando uma desestabilização identitária do sujeito e lança novas

perspectivas sobre o saber-fazer. Torna-se uma vivência-formação, uma experiência

que resulta, para o sujeito, em aprendizagem.

De acordo com Nóvoa (2006), as vivências das histórias de vida, que

constituem o profissional, conduzem a uma reflexão sobre as práticas, necessitando

da integração teórica, do conhecimento que traduza a complexidade dessas

práticas. O autor sugere que as histórias de vida possam lançar luz à elaboração de

novas propostas quanto à formação de professores e sobre a profissão docente.

Quanto à autonomia evidenciada na formação constituída pela experiência,

nas histórias de vida, Josso (2004), diz que os processos formativos afetam as

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identidades e subjetividades, indicando ao sujeito um caminho, orientando com

lucidez as próprias aprendizagens e seu processo de formação. Ela pode tornar-se

um meio eficaz de transformações, considerando a aprendizagem experiencial um

forte meio de elaboração e integração do conhecimento e do saber-fazer.

Logo, sob a perspectiva da formação nas histórias de vida, entendemos como

sua essência a racionalização da prática, a estreita e necessária inter-relação do

conhecimento, do aporte teórico integrado a essa vivência para que se configure

uma experiência formadora. O resultado, a significação dessa experiência resulta na

aprendizagem, no formar-se por meio da experiência.

2.4 Os Saberes Docente

Os saberes que fundamentam a ação dos professores de profissão são o

repertório que possuem para sua ação, estando disponíveis para o momento quando

se fizer necessário durante o processo de trabalho. Podemos dizer que um saber

mobilizado e aplicado na hora certa ao objetivo certo, a partir de um conjunto de

saberes, habilidade e recursos gera uma competência. Os saberes, provenientes de

fontes diversas, configuram-se nos saberes da subjetividade do professor no ato de

ensinar. Sejam os saberes da profissão, os saberes apreendidos em sua própria

formação, os saberes reproduzidos de sua experiência com seus professores ou

com seus pares para o uso na prática pedagógica.

Nóvoa (2006) fala de um saber emergente da própria experiência pedagógica.

A partir do que ele discorre, os professores devem se apropriar dos seus saberes e

os trabalhar a partir da sua teorização. Assim como Tardif, esse autor fala de um

saber individual, com características próprias de atuação, gostos, maneiras e

preferencias que caracterizam a individualidade de cada professor em seus saberes

e na escolha das ferramentas e aplicação de suas práticas pedagógicas.

A autonomia do trabalho docente, constantemente, leva à construção de um

saber fazer na profissão, uma expertise, muitas vezes confundida com saberes que

podem ser ensinados. Desconsiderando-se uma preparação ou formação específica

para esta atuação, baseando-se no dito: se eu sei fazer; logo, sei ensinar. O que

acaba criando uma falsa ideia de competência, baseado numa habilidade,

prejudicando o processo ensino-aprendizagem.

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Segundo Tardif (2012), o quadro abaixo é significativo porque os saberes

elencados realmente são mobilizados pelos professores em sala de aula. Os

conhecimentos pessoais adquirem um caráter personalizado, no enlace com

saberes diversos como os da experiência, das histórias de vida, os da formação

profissional e os “exteriores”, oriundos das interações sociais.

Quadro 1 – Os saberes dos professores

Saberes dos Professores Fontes sociais de aquisição Modos de integração no

trabalho docente

Saberes pessoais dos

professores

A família, o ambiente de vida,

a educação no sentido lato

etc.

Pela história de vida e pela

socialização primária

Saberes provenientes da

formação escolar anterior

A escola primária e

secundária, os estudos pós-

secundários não

especializados etc.

Pela formação e pela

socialização pré-profissionais

Saberes provenientes da

formação profissional para o

magistério

Os estabelecimentos de

formação de professores, os

estágios, os cursos de

reciclagem etc.

Pela formação e pela

socialização profissional nas

instituições de formação de

professores

Saberes provenientes dos

programas e livros didáticos

usados no trabalho

A utilização das “ferramentas”

dos professores: programas,

livros didáticos, cadernos de

exercícios, fichas etc.

Pela utilização das

“ferramentas” de trabalho,

sua adaptação às tarefas

Saberes provenientes de sua

própria experiência na

profissão, na sala de aula e

na escola

A prática do ofício na escola

e na sala de aula, a

experiência dos pares etc.

Pela prática do trabalho e

pela socialização profissional

Fonte: Tardif, 2012, p. 63.

Segundo, ainda, esse autor, os saberes disciplinares integram a prática

docente por meio das diferentes disciplinas ofertadas na universidade, que surgem

da tradição cultural e dos grupos sociais que produzem tais saberes. Os curriculares

são os programas escolares, os objetivos, conteúdos e métodos. Já os

experienciais, surgem da experiência do professor, baseados em seu trabalho

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cotidiano e no conhecimento de seu meio ou contexto social, no qual se encontra

inserido.

Esses saberes dos professores, singulares a cada um, são mobilizados,

levando ao desencadeamento de pensamentos lógicos e formas de trabalho de

aspecto individual que se coadunam ao objetivo do processo ensino-aprendizagem

necessário àquele momento. Ao enfermeiro-professor, esse repertório de saberes

profissionais, às vezes, de cunho experiencial, é vasto; contudo, não raramente, a

dificuldade recai sobre a forma de trabalho destes conteúdos e saberes em sala de

aula. O profissional possui um grande aporte de saberes da profissão, mas pouco da

competência didático-pedagógica, ou seja, é um excelente profissional, porém não

sabe “dar aulas”. Sobre esta capacidade de ensinar, ou seja, a competência,

abordaremos a seguir.

2.5 Competências para Ensinar

2.5.1 A Competência Didático-Pedagógica: a necessidade de formação pedagógica

do enfermeiro-professor

A formação pedagógica do enfermeiro-docente é, aqui, o ponto de reflexão,

uma vez que o “saber e o saber fazer bem” não são suficientes condicionantes para

ensinar neste momento histórico em que vivemos. É preciso que a prática

profissional, inserida na tarefa de ensinar da educação, contemple a formação e o

desenvolvimento das competências específicas que tal prática requer, seja esta

exigência mercadológica/institucional, seja legal. Apoiados em Perrenoud (et al

2002, p.19), entendemos a competência como a aptidão para enfrentar situações

análogas ou inéditas, a partir da mobilização correta de múltiplos recursos cognitivos

(saberes, capacidades, valores, atitudes). Neste estudo, trataremos como sendo os

recursos necessários acionados pelo enfermeiro na busca de seu objetivo em sua

prática docente. A competência pode ser entendida como uma espécie de memória

da inteligência, um hábito, uma forma de rotina na colocação dos recursos em

sinergia.

Nesta era de redes e hipertextos, a informação (correta ou não) é farta e de

fácil acesso. Isso faz com que o professor precise se reinventar, não sendo mais o

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portador dos saberes; ele trabalha com o objetivo de filtrar, formatar e direcionar tais

informações no intuito de transmutá-las em saberes. O docente precisa atuar no

sentido de fomentar a curiosidade, a descoberta, o pensar, com vistas a desenvolver

no aluno a reflexão e o pensamento crítico, embasado em saberes e que isso se

traduza na sua prática em ação significativa. Em outras palavras, o saber precisa

traduzir-se no saber fazer, na resolução de situações do cotidiano, na aplicação

prática deste saber e do querer fazer. Portanto, esta nova realidade passa a exigir

do docente o saber de conhecimentos, o saber fazer e o querer fazer. Pensando no

enfermeiro que atua como docente, questiona-se como este desenvolve essa

competência - a pedagógica - e como a percebe em sua prática de ensino. Pois

sabemos que, nos cursos de graduação e ensino técnico, assim como em outros

cursos da área da saúde, via de regra, o docente não possui formação pedagógica.

Perante essa realidade, o curso de enfermagem, assim como outros da área

da saúde, enfrenta o dilema de a maior parte dos professores não ter formação

pedagógica. Para Pimenta & Anastasiou (2010), os profissionais de diversas áreas

acabam ingressando na docência do ensino superior como decorrência natural de

suas atividades, por razões e interesses variados e, na maioria das vezes, nunca se

questionaram sobre o que é ser professor; apenas reproduzem o conteúdo da forma

como o receberam, portanto.

Não é raro nos depararmos com professores universitários, assim como

ocorre na Enfermagem, que tenham formação de bacharel em diferentes áreas do

conhecimento e, por razões diversas, acabam seguindo a docência, tornando-se

professores sem que essa tenha sido sua primeira opção. Segundo Medeiros

(2007), quando questionados quanto à sua profissão, geralmente, em primeiro lugar,

elegem suas titulações de bacharéis que, historicamente, lhe conferem maior status

que ser professor. Informam que são médicos, advogados, engenheiros; caso

informem que são docentes, fazem questão de frisar que são “professores

universitários”, porque apenas ‘professor’ dá margem a uma identidade socialmente

inferior.

Para Pimenta (1999), a identidade profissional é construída levando-se em

conta os significados que a sociedade atribui à profissão. No passado, o professor

era uma das poucas fontes de informações fidedignas. No entanto, se, por um lado,

temos a informação tão facilmente disponível, por outro, a visão crítica, o saber

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pensar o saber fazer, as habilidades e competências precisam ser desenvolvidas,

mediadas, para que tais informações sejam transmutadas em conhecimento. Essa

nova visão do professor põe em xeque sua real competência para o exercício da

docência.

Atualmente, a construção do conhecimento passa a exigir do professor a

aprendizagem de realizar uma triagem crítica à grande quantidade de informações,

selecionando as mais relevantes e fundamentadas em princípios científicos e uma

aprendizagem de como se trabalhar com uma dimensão de multidisciplinaridade e

interdisciplinaridade, pela complexidade dos fenômenos a serem compreendidos e

dos problemas que buscam novas soluções.

Ter competências técnicas para a resolução de problemas na prática

profissional não significa aptidão para ensinar pessoas a adquirirem as mesmas

habilidades técnicas e mentais. Ser um bom enfermeiro não significa ser um bom

professor. Ser professor significa aprender a ser/fazer educação, desenvolver

habilidades, adquirir competências necessárias para tal. Tornar-se professor

demanda uma postura crítica e investigativa, um preparo pedagógico formativo e a

articulação de metodologias com vistas a garantir à sociedade a formação de um

profissional responsável, crítico e capaz. Como afirmam Rodrigues e Mendes

Sobrinho (2007, p. 457):

A formação do docente em enfermagem deve ser consolidada com base no domínio de conhecimentos científicos e na atuação investigativa no processo de ensinar e aprender, recriando situações de aprendizagem por investigação do conhecimento de forma coletiva com o propósito de valorizar a avaliação diagnóstica dentro do universo cognitivo e cultural dos acadêmicos como processos interativos.

Pimenta e Anastasiou (2010, p. 207) compreendem que “a ação de ensinar

não se limita à simples exposição dos conteúdos, mas inclui a necessidade de um

resultado bem sucedido daquilo que se pretendia fazer - no caso, ensinar”. O

objetivo é tornar os alunos capazes de gestar soluções, visto que professor e aluno

são sujeitos do mesmo processo de ensinar e aprender.

Levando em conta esses autores, observamos o papel do professor como

mediador da aprendizagem. Todo o conhecimento científico já produzido é de

importância imensurável; é tarefa do professor valer-se de metodologias didático-

pedagógicas mediadoras do processo de aprender, apresentar e manter no caminho

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de (des) e (re)construção desse conhecimento para que seus alunos possam, de

maneira deliberada, apreendê-los, (re)vê-los e, dessa maneira, construir seus

próprios conhecimentos e habilidades através do estudo do objeto e da

compreensão do todo da realidade que os rodeia.

Na legislação vigente, não temos (ainda) uma determinação clara dos

componentes metodológicos formativos do enfermeiro-docente que os capacitem

para tal fim. Mesmo nos cursos de pós-graduação stricto sensu, a docência está

muito mais atrelada à sua capacidade como pesquisador do que à de transformar

informações em conhecimentos junto à classe em sala de aula. Corroboram para

isso Isaia e Bolzan (2004, p. 1-2):

A consciência da responsabilidade pela formação de futuros profissionais, bem como do compromisso com a cultura acadêmica, embora existentes, não são levados em conta na formação docente, uma vez que a entrada em IES e a progressão na carreira estão calcadas na titulação e na produção científica, enfatizando a área de conhecimento específico e a função de ser pesquisador, o que parece não garantir um ensino de qualidade e o conhecimento de ser professor.

De acordo com Rodrigues & Mendes Sobrinho (2007), a formação

pedagógica é essencial para o planejamento, organização e implementação do

processo ensino-aprendizagem. A prática docente da enfermagem tem merecido

discussões e pesquisas que atendam às expectativas da comunidade científica, da

sociedade e para que se cumpra a legislação através do estabelecido pela LDB/96,

cujas finalidades, dentre outras, na educação superior, destaca-se a necessidade de

estimular a formação de profissionais com espírito cientifico e pensamento reflexivo.

A autoridade do docente reside no fato deste estar qualificado e apto ao que

se propõe. A competência docente concede, naturalmente, autoridade ao professor;

ainda que lhe falte um saber experiencial conseguido por meio da prática e da

acumulação, ele portará esta autoridade.

Antes de discorrermos sobre competências, precisamos saber que ensinar é,

também, aprender. Os conceitos de aprendizagem são muito parecidos entre si;

normalmente, concordam que a aprendizagem gera uma mudança ou modificação

observáveis no comportamento do sujeito aprendiz que adquire aptidões a partir da

prática e de experiências.

O conceito de competência também é amplo e caracteriza-se por qualidade

de quem é capaz de julgar ou resolver determinado assunto. É a capacidade que

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decorre de profundo conhecimento que alguém tem (especialista) sobre um

assunto. Ou seja, podemos dizer que é a utilização de saberes/conhecimentos por

meio de processos cognitivos (esquemas mentais) para a realização de uma ação.

É fazer certo na hora certa.

Para um melhor entendimento, o Ministério da Educação e Cultura define

competência como sendo:

As competências são modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do ‘saber fazer’. Através das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências (INEP, 1999, p. 7).

O desenvolvimento de competências diz respeito a uma corrente pedagógica

da educação que aborda as práticas do ensino embasado no construtivismo. Ao

pensarmos em desenvolvimento de competências para a docência, precisamos

entender o que significa essa corrente pedagógica.

Perrenoud (2002) cita Le Boterf (1995), para quem a competência não é um

estado, mas um processo, formado por 3 eixos: a pessoa (sua biografia,

socialização), pela sua formação educacional e pela sua experiência profissional.

Para que uma competência seja construída, necessitamos nos valer de recursos

cognitivos. Entre eles estão os saberes, as capacidades ou habilidades e outros

recursos mais normativos. Classificam-se esses saberes como: conhecimentos

declarativos (fatos, leis, constantes); conhecimentos procedimentais ou processuais

(saber como fazer, aplicar métodos e técnicas); conhecimentos condicionais (saber

quando e de que maneira intervir) e as informações “saberes locais”. Esses

conhecimentos precisam gerar esquemas e, necessariamente, mobilizarem-se com

discernimento, em tempo real e a serviço de uma ação eficaz para que uma

competência seja formada. Podemos especificá-los como o pensar em fazer o certo

no momento certo.

Com base em Perrenoud (2002), podemos dizer que uma competência é

constituída de três componentes complementares: o primeiro: os tipos de situações

dos quais há certo domínio. Uma família de situações, pois são semelhantes, de um

mesmo tipo. O segundo: os recursos que mobilizam os conhecimentos teóricos ou

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metodológicos; as atitudes, o savoir-faire e as competências mais específicas; os

esquemas motores, os de percepção, de avaliação, de antecipação e de decisão.

Supõe a utilização de recursos cognitivos relativamente específicos, não havendo

competência se todos os recursos necessários tiverem que ser construídos. O

terceiro: a natureza dos esquemas de pensamento que permitem a solicitação, a

mobilização e a orquestração dos recursos pertinentes em situação complexa e em

tempo real.

As exigências para exercício prático da profissão docente não são poucas,

tampouco rarefeitas. O desenvolvimento de competências pedagógicas e a

compreensão do seu processo de construção tornam-se, fundamentalmente,

importantes no desempenho da docência com caráter crítico e de qualidade. Dentre

essas exigências, estão o domínio da pedagogia e a compreensão do complexo

processo de ensino-aprendizagem. Para isso, Pimenta e Anastasiou (2010, p.199)

complementam:

A profissão de professor exige de seus profissionais alteração, flexibilidade, imprevisibilidade. Não há modelos ou experiências modelares a serem aplicadas. A experiência acumulada serve apenas de referência, nunca de padrão de ações com segurança de sucesso. Assim, o processo de reflexão, tanto individual como coletivo, é a base para a sistematização de princípios norteadores de possíveis ações, nunca de modelos.

A partir da colocação das autoras, verificamos que a reflexão é o que norteia

a prática pedagógica; a experiência acumulada serve de auxílio, mas não de

modelo.

Portanto, é indispensável ao docente um profundo conhecimento na sua área

de atuação específica enquanto profissional; mais ainda, é essencial, igualmente,

ser competente no processo educativo, conhecendo e respeitando suas

peculiaridades, seus saberes, valendo-se da sua experiência para projetar uma

possível ação.

Seguindo esse pensamento, citamos Pinhel e Kucgant (2007) que consideram

a competência como a essência da docência. Esta é sinônimo do que é mais básico,

central e a mais importante característica, uma identidade e um caráter distintivo.

Podemos, pois, elaborar um pensamento que nos fortaleça a ideia de que

competência caracteriza-se por uma pré-condição ao ser docente.

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Pensando acerca das competências exigidas do professor, o referencial que,

para nós, caracteriza o ideal e satisfaz a ideia de evolução na formação inicial e

contínua dos professores condizente com o momento atual é aquele construído por

Perrenoud (2000), mais especificamente, fundamentado no conceito das novas

competências docentes para ensinar.

Para Perrenoud (2000, p. 14), o ofício não é imutável. Com vistas à evolução

da formação docente, as competências baseiam-se em referencial que tenta revelar

o movimento da profissão, colocando, de forma inacabada, dez grandes famílias de

competências, que agora elencamos.

1) Organizar e dirigir situações de aprendizagem.

2) Administrar a progressão das aprendizagens.

3) Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.

4) Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.

5) Trabalhar em equipe.

6) Participar da administração da escola.

7) Informar e envolver os pais.

8) Utilizar novas tecnologias.

9) Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.

10) Administrar sua própria formação contínua.

As competências do indivíduo e do profissional vão sendo construídas ao

longo da vida, a partir do investimento em uma educação contínua e de situações e

experiências práticas que eles enfrentam com certa frequência. Essas situações

agrupam-se formando conjuntos; para cada um deles, apela-se uma competência

específica. Partindo desse princípio, o especialista tem reconhecida sua capacidade

por ter vivenciado, várias vezes, determinada situação. Pertencente a uma já

desenvolvida competência específica, ele agirá de maneira mais rápida, segura e

eficaz coordenando e diferenciando rapidamente seus esquemas de ação e

conhecimento diante de uma situação para ele inédita (PERRENOUD apud

PIMENTA 1999).

Nesse sentido, Tardif (2012, p. 57) diz que as situações práticas exigem “que

os trabalhadores desenvolvam, progressivamente, saberes gerados e baseados no

próprio processo de trabalho”. Os saberes necessários para a realização de suas

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tarefas, construídos a partir da atividade do trabalho docente emergem e se

consolidam em situações de prática exigindo tempo, experiência e hábito.

A formação do enfermeiro contempla o desenvolvimento de competências e

habilidades gerais e específicas, que constam das diretrizes curriculares do curso de

graduação, preconizando a formação generalista, pautada na ética e no respeito à

pessoa humana como ser biopsicossocial, integrante da comunidade à qual

pertence. É um educador por excelência, que busca manter e/ou restabelecer a

saúde da pessoa ou da comunidade meio da educação. No entanto, verificamos

que, em se tratando da docência em sala de aula, da formação de profissionais

éticos, cidadãos críticos e formadores de opinião, é indispensável o desenvolvimento

da competência para ser professor. A pedagogia como ciência nos oferece esse

preparo; as ações didáticas moldam o professor para que ele consiga adentrar no

campo onde informações transformam-se em saber. E este se torna real no

momento da prática, e, acima de tudo, promove o despertar da consciência crítica e

da atitude ética, do respeito à moral e à essência da vida. Outro profissional, que

não o professor, não saberia a melhor maneira de fazê-lo.

2.5.2 A competência docente do enfermeiro para a prática do ensino

Uma das principais dificuldades encontradas pelos docentes-enfermeiros para

a formação do discente talvez seja o despreparo pedagógico. Ainda hoje, na

formação da enfermagem, mantém-se muito forte suas origens essencialmente

técnicas. De todo modo, o simples repasse de técnicas não é suficiente para o

desenvolvimento de aptidões necessárias à assistência de enfermagem do

profissional generalista que hoje se preconiza.

É mister uma prática de formação generalista, o respeito às competências e

às habilidades a serem desenvolvidas, segundo as DCNs para a Graduação em

Enfermagem, a contemplação do ser humano como um todo e da visão holística que

requer a formação deste profissional. A falta de preparo específico ao docente-

enfermeiro deixará uma lacuna na formação do discente, uma vez que aquele não

atingirá o objetivo a que se propõe por não apresentar qualificações para tal. Esse

preparo é essencial ao docente, consoante Barbosa e Viana (2008, p. 344):

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A docência Universitária tem seus conhecimentos e condições específicas, seu âmbito determinado de conhecimento ela requer uma preparação específica para o seu exercício, como em qualquer outro tipo de atividade profissional, os profissionais devem ter os conhecimentos e habilidades exigidas a fim de poder desempenhar adequadamente as suas funções.

O repasse dos conceitos de saúde e doença e os procedimentos técnicos não

exigem muito do docente-enfermeiro para serem demonstrados. Porém, não são

fáceis de fazer-se entender. É indiscutível o valor da didática para esses

profissionais, a fim de que consigam instigar e desenvolver nos alunos a capacidade

de buscar esses conceitos, reconstituí-los, formar seus próprios saberes

teórico/técnicos, respeitar as questões éticas e os limites da razão crítica, num todo

da racionalidade complexa, no domínio cognitivo necessário à resolução de

situações-problemas inéditas que enfrentaram ou possam vir a enfrentar enquanto

profissionais.

Para Pinheli e Kurcgantil (2007, p. 05), “os momentos iniciais da carreira dos

docentes são caracterizados pelo reprodutivismo, resultado de sua própria vivência

escolar anterior, antes de começarem a ensinar já conhecerem diferentes formas de

ensino”.

Para que haja o respeito às características da aprendizagem, é uma

indubitável verdade que o docente-enfermeiro entenda o processo ensino-

aprendizagem e seu caráter multifacetado. A dicotomia entre a teoria e a prática

vivenciada pela enfermagem confirma-se no campo de trabalho: o enfermeiro é

formado para a educação e a assistência em saúde; aprende a prestar cuidados e

a educar o cliente para o autocuidado. No entanto, ocorre que ele, também, assume

postos administrativos e gerenciais, em que, muitas vezes, resume-se a

supervisionar os cuidados de enfermagem e, mesmo assim, de maneira distante dos

clientes, por meio de formulários e anotações da equipe médica e de nível técnico

de enfermagem.

O ato de aprender a ensinar solicita aos docentes que saiam do comodismo

do repasse de conteúdos, da simploriedade reducionista da ação pela ação. E, como

toda ação transformadora em que se exija conhecimento e o dinamizar do

agir/pensar/agir, ele acarreta certo grau de sofrimento. O ato de aprender a ensinar

gera sofrimento e uma crise de identidade no saber fazer dos educadores. Isso fica

claro quando Vasconcelos e Prado (2004) nos dizem que:

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O conjunto de fatores que ingressam na configuração dessa crise apontam a um questionamento do saber e do saber fazer dos educadores, da sua competência para lidar com as exigências crescentes do mundo atual em matéria educativa e com uma realidade social cada vez mais deteriorada que impõe impasses constantes à atividade dos profissionais que atuam na prática de ensino de Enfermagem (p. 11).

Desvela-se o caráter essencial da formação pedagógica ao docente de

enfermagem como fator primordial na formação do discente, na segurança e no

bem-estar do educador enquanto formador de profissionais não apenas de

excelência técnica, mas também intelectual, de cidadãos críticos, agentes pró -

ativos e éticos capazes de diagnosticar e intervirem na realidade que se apresenta e

recriando e transformando a própria história e da comunidade em que estarão

inseridos. A responsabilidade da realidade pode assustar aos parvos, mas a

profissionais bem formados mostra-se como um infindável leque de possibilidades

de intervenções, mantendo-se o compromisso ético; leva-os a intensificarem atitudes

e a contribuírem para políticas voltadas a atender às necessidades da maioria.

Quanto aos conhecimentos teóricos e técnicos dos enfermeiros para o

desempenho da docência, podemos dizer que ainda são escassos. Cabe ao

profissional, por vezes, buscar por conta própria tal competência, em cursos de

especialização, capacitação e de formação continuada; quando impelido pelo próprio

sofrimento ocasionado perante a tomada de consciência da ignorância didático-

pedagógica e do compromisso moral assumido com seus alunos, uma vez que

somente a academia mostra-se incapaz de lhe assegurar formação condizente.

Nesse sentido, citamos Vasconcelos e Prado (2004):

De modo geral, o saber da enfermagem, produzido na academia, atrelado à prática pedagógica, ainda, não tem uma ação efetiva, mas atua no imaginário dos enfermeiros – educadores e dos educandos. [...] Contudo, atribuo tais situações a fatores pessoais, culturais, econômicos e sociais. Além disso, as visões de mundo diferenciadas, a respeito do ser humano e a falta de consciência histórica, crítica e científica podem estar aguçando tais concepções, pois reconheço que o ensino tradicional faz parte da vida dos educandos desde que ingressam na escola, não sendo a universidade a única responsável por tal formação (p. 11).

Como vimos para além da academia, há a consciência da reflexão crítica

sobre a prática pedagógica; a responsabilidade do indivíduo sobre a sua própria

formação. Contudo as interferências que ocorrem nesta formação mostram-se

multifatoriais, cabendo ao docente-enfermeiro uma rigorosa avaliação de seus

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próprios métodos pedagógicos frente aos objetivos propostos e ao profissional que

deseja formar. O comprometimento com a educação e a formação do discente,

futuro profissional, devem ser, antes de tudo, o primeiro e mais importante objetivo

do educador.

Caminhando nesse sentido, no intuito de aproximarmos essas concepções à

realidade, verificamos que a tendência é não mais dissociar a teoria da prática. A

nova proposta pedagógica que se delineia, concordando com Vasconcelos & Prado

(2004) é a educação do homem para o trabalho e pelo trabalho, numa proposta

pedagógica em que não se dissociam as funções intelectuais das funções técnicas.

Exige-se do homem moderno uma formação generalista que permita atuar na

sociedade enquanto sujeito político e produtivo.

Para Gauthier (1998), o repertório de conhecimentos, primeiramente, deve ser

definido a partir do trabalho do professor em sala de aula; porque a tarefa de ensinar

requer habilidades, competências e conhecimentos que podem ser formalizados. Ele

acredita ser importante haver um saber teórico sobre a prática, e nada mais lógico

que uma parte desses seja produzida sobre a prática da sala de aula e o que foi

confirmado na pesquisa: a prática deve ser alicerçada pela teoria. O repertório de

conhecimentos é produzido pelos docentes na prática; eles são os saberes da ação

pedagógica.

Conforme Madeira e Lima (2007, p. 403), esses saberes estão em

permanente construção e decorrem da própria história, da formação universitária,

experiências profissionais e da interação com outros professores. “A busca de

caminhos inovadores e novos contornos a prática pedagógica deve ser constante”.

No entanto, na prática da docência, conforme Lazzari et al. (2011) evidencia-

se uma lacuna no que se refere à área pedagógica, na qual as abordagens de

ensino evidenciam-se, ainda, na forma tradicional. A sugestão com vistas a mudar

esse paradigma encontramos na formação específica para a docência, na formação

de professores e na atualização constante promovida e incentivada pelas

instituições, trabalhando em busca desta mudança significativa e na melhoria no

processo de ensino como um todo.

Coadunado ao pensamento de Backes, Moya e Prado (2011) com ideias-

chaves, teóricas e operativas para a melhora significativa no ensino, ratificam a

importância dos aspectos pedagógicos na formação inicial e a formação permanente

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do enfermeiro- professor ante a complexidade do conteúdo e do ensino. No caminho

da construção da competência docente, é imprescindível a esse profissional estar

lastreado nos conhecimentos: didático do conteúdo, da disciplina, dos alunos, no

pedagógico; em sua própria biografia, no saber experiencial e na vivência com os

pares.

A pedagogia como ciência pode ser o caminho nesse preparo; as ações

didáticas moldam o professor para que ele consiga adentrar no campo onde

informações transformam-se em saber. Este se torna real no momento da ação e,

acima de tudo, dá-se um despertar da consciência crítica e da atitude ética, do

respeito à moral e à essência da vida. Outro profissional, que não o professor, não

saberia a melhor maneira de fazê-lo. Pois esse preparo não só contribui para a

prática do ensino, como também é a principal via por meio do qual o processo de

ensino–aprendizagem de fato acontece.

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3 O CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo biográfica (História de Vida),

reflexiva-exploratória que buscou identificar e refletir sobre a percepção do

enfermeiro-docente, de sua história de vida como professor na graduação em

enfermagem.

O método biográfico - as histórias de vida - insere-se dentro de metodologias

qualitativas que buscam compreender as articulações entre a história individual e a

coletiva, as pontes entre a trajetória individual e a social do sujeito. Para Ferrarotti

(1991), é uma abordagem metodológica que considera a ideia da “sociologia como

participação”, o estudo da biografia de grupos primários; é a síntese da narrativa do

sujeito historicamente situada. O observador encontra-se implicado no campo do

objeto de sua investigação, o qual não é passivo, visto que modifica seu

comportamento continuamente de acordo com o observador, não sendo possível

galgar um conhecimento objetivo. Neste caso, o objeto a se conhecer e interpretar é,

justamente, a subjetividade da práxis humana.

Desse modo, apresentamos a conceituação de História de vida, embasados

em alguns teóricos da área.

3.1 História de Vida

De acordo com Ferrarotti (1991), a biografia, a história de vida, não pode

sofrer processo de análise. A narrativa das vivências deve ser trabalhada com vistas

ao conhecimento e reflexão sobre as mesmas, das experiências que fizeram parte

do todo que constituiu o sujeito.

Sobre um texto biográfico realizamos, efetivamente, uma reflexão. Pois, dado

seu universo singular, este não comporta uma análise, uma classificação. No

trabalho sobre o texto, obtido por meio da entrevista, com o sumo de uma biografia,

podemos e devemos buscar a compreensão do universo singular; o todo neste

sujeito por meio desta reflexão e projetarmos isso aos demais elementos que

formam este determinado grupo que se busca conhecer e contextualizar, aglutinado

por interesses ou vivências afins.

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Por isso, busca-se a compreensão por meio dessa reflexão direcionada no

prumo dos objetivos. Não se pode querer interpretar ou mesmo analisar uma

biografia, pois em nada mudaria a realidade do biografado ou o resultado de sua

obra. Sua contribuição dar-se-á por meio da interação com o observado,

profundamente enraizado na subjetividade desta interação, buscando o

conhecimento científico e minucioso de seu objeto, as marcas da vivência do sujeito.

Para Ferrarotti, “Só a razão dialética nos autoriza a interpretar a objetividade

de um fragmento da história social, na base da subjetividade presente de uma

história individual” (1991, p. 172).

Ainda para o autor, somente através da razão dialética pode-se ter acesso ao

universal representado pela sociedade, partindo-se da individualidade singular do

sujeito, neste caso, através da narrativa do enfermeiro-professor.

Para Josso (2004), o conhecimento do profissional docente apreende as

complexas imbricações da própria existencialidade, visando a desvelar diferentes

modos de estar no mundo, ao fomentar a capacidade de multiplicar, alargar e

aprofundar conhecimentos e sensibilidades relativas a si e ao mundo, conduzindo ao

questionamento das próprias categorias mentais à medida que se torna participante

ativo de uma obra única a constituir, tomando consciência de suas heranças,

experiências formadoras e dos objetivos que pretende atingir. Transformando-se e

transformando a vida socioculturalmente por meio das experiências, das ações

passivas ou deliberadas no decorrer de uma vida, tendo o conhecimento daquilo que

é, pensa, faz, valoriza e deseja na relação consigo, com os outros e com o meio em

que vive e atua.

A utilização do método biográfico procura olhar o ser humano na pessoa do

docente, buscando compreender o ser professor precedendo o seu fazer enquanto

ele exercer tal função. Esse método intenta conhecer as formas como o indivíduo vê

o mundo; de que forma ele interage e interfere na sua realidade local e imediata;

como se dá sua relação com seus pares, com seus educandos, com sua formação e

práxis, com seus saberes; enfim, sua relação consigo mesmo, isto é, sua autocrítica,

seu autoconhecimento. O que lhe é significativo, enquanto professor; o que busca e

quais suas formas de consegui-lo, ou seja, o que espera de si e de que forma

projeta seu caminho e o que precisará agregar para percorrê-lo; quais os recursos e

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estratégias que se farão necessárias para o desenvolvimento de suas ideias e

objetivos de agora e para o futuro.

Sendo assim, por meio da visita a essa história, de construção e constituição

deste ser professor, buscando conhecer sua biografia em sua narrativa, neste

movimento de vai e vem, buscamos não mais que uma reflexão, mas sim um olhar

sobre sua dinâmica de atuação no(s) diferentes cenário(s) de sua vivência, de suas

relações de vida e trabalho. Este se torna extremamente profícuo nessa interação,

pelo próprio movimento de idas e vindas, na reflexão sobre a biografia dada por

meio da narrativa do sujeito, ricamente exemplificado em seu contexto onde efetuou

e efetua sua práxis.

3.2 Pesquisa Qualitativa

Esta pesquisa teve uma abordagem qualitativa que, nas Ciências Sociais,

intenta desvelar uma realidade que não pode ser quantificada. Compartilhamos o

pensamento de alguns teóricos como embasamento para esta opção para atingir os

objetivos propostos.

Para Minayo (2011), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo dos

significados, das motivações, crenças, dos valores e das atitudes; estes aspectos

constituem parte de uma realidade social, pois entende-se que o ser humano ao agir

não o faz de forma fortuita, mas deliberada, com uma atitude reflexiva sobre seus

atos, intenta interpretar sua realidade experienciada e a compartilha com os demais.

O método biográfico caracteriza-se como uma metodologia qualitativa, pois

objetiva a compreensão da intersubjetividade que emerge da interação recíproca

entre observador e observado, o movimento circular de feed-back da razão dialética.

Esta permite interpretar a objetividade de um fragmento da história social na base da

subjetividade presente de uma história individual. Levando a compreensão de um

ato em sua totalidade, “a reconstrução de um processo por meio de um

comportamento específico, a síntese ativa de um sistema social” (FERRAROTTI,

1991, pg. 172). O conhecimento mutuamente partilhado do pesquisador e do objeto

será tanto mais profundo e objetivo quanto mais integral e intimamente subjetivo. O

objeto do estudo, o protagonista do método biográfico, é a compreensão do sujeito

singular universal singular, em que cada indivíduo não representa a sociedade

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inteira, mas seu contexto social imediato, onde agentes sociais ativos representam a

totalização de seu contexto. O grupo primário constitui-se pela mediação entre o

social e o individual e, neste campo, coexistem a totalização de seu contexto social e

a de cada membro individual. Onde há a articulação recíproca e desfaz-se a barreira

do público e do privado, das estruturas sociais e do eu, do social e do psicológico,

do universal e do singular.

Polit; Beck e Hungler (2011) citam algumas características dessa abordagem,

como flexibilidade e elasticidade. Por vezes, utilizam mais de uma estratégia de

coleta de dados, buscam a compreensão do todo, intenso envolvimento dos

pesquisadores e análise contínua dos dados e atitude reflexiva durante o processo.

Nesse sentido, adentramo-nos no universo do sujeito, aquele que impulsiona e

motiva, nesta pesquisa, a desvelar seu caminho, sua história e experiência de vida

imbricadas no pessoal e profissional.

O caráter exploratório, como próprio nome diz, busca explorar determinado

universo, conhecer melhor o evento, fato ou fenômeno e “[...] têm com o propósito

proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais

explícito [...] interessa considerar os mais variados aspectos relativos ao fato ou

fenômeno estudado” (GIL, 2010, p. 27). Portanto, procura-se nesta investigação

percorrer um caminho, com surpresas, descobertas e resultados por meio da

pesquisa qualitativa.

3.3 Sujeito

Em se tratando de pesquisa biográfica, buscamos conhecer a história de vida

de uma enfermeira que exerce também a profissão de docente. Sendo assim, o

sujeito da pesquisa é uma enfermeira, com 25 anos de experiência clínica, que atua

como docente de uma IES, há 17 anos, exercendo, também, a função de

coordenadora de dois cursos de especialização.

O critério de inclusão considerou a formação em enfermagem e sua

experiência profissional enquanto docente e coordenadora, indo de encontro ao

preconizado prioritariamente pela legislação vigente (Lei 9.394/96), uma vez que

esta não possui formação específica para a docência. Buscamos conhecer sua

história de vida e formação, o caminho à constituição profissional docente e sua

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inserção na área da Educação. Suas expectativas, experiências, formação e

atuação no campo da saúde e da docência, especificamente no que tange à

construção de competência para a prática do ensino.

Sendo assim, faz-se necessário ressaltar as questões éticas importantes de

serem consideradas nesta investigação.

3.4 Questões Éticas

Realizados os esclarecimentos acerca do processo da pesquisa, a

participação deu-se de forma voluntária após assinatura do termo de esclarecimento

livre e esclarecido (TCLE). Foi informado que a participante não obteria nenhum

ganho financeiro ou de autoria e poderia, a qualquer momento, interromper sua

participação; também lhe foi dito que toda e qualquer informação fornecida seria

mantida sob sigilo e anonimato, conforme a Resolução 466 de dezembro de 2012,

do Conselho Nacional da Saúde, que apresenta Diretrizes e Normas

regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

Vale ressaltar que a participação na pesquisa foi realizada mediante convite e

agendamento prévio com a docente. Desse modo, apresentamos como se deu a

coleta de dados na investigação.

3.5 Coleta de Dados

Ferraroti os traz a razão dialética como histórica. Os fundamentos

epistemológicos do método biográfico, no uso da razão dialética, permitem conhecer

a práxis sintética e recíproca que governa a interação entre o indivíduo e o sistema

social. Valendo-se de novos modelos heurísticos, não mecanicistas nem

deterministas, porém, antropomórficos. O permanente movimento de ida e vinda ao

universo singular, o feedback. Neste estudo, como método para a coleta de dados,

foi eleita a entrevista aberta a qual busca esse conhecimento em profundidade a fim

de alcançar os objetivos propostos que buscamos conhecer.

De acordo com Minayo (2011), esse tipo de entrevista pode ser visto como

uma conversa com determinada finalidade, como a estratégia mais importante de

coleta de dados em pesquisa de caráter qualitativo; é realizada com iniciativa do

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entrevistador com o objetivo de construir informações relativas a temas pertinentes a

este objetivo. Uma entrevista aberta caracteriza-se, principalmente, pela liberdade

do entrevistado em falar livremente sobre determinado tema e quando o

entrevistador busca dar profundidade às reflexões. Sendo uma forma de interação

social está sujeita à clareza e omissões quanto à realidade, seja na realização ou

nos dados daí produzidos. Coadunado ao pensamento de Izquierdo (2011), quanto

aos fatos memorizados ou esquecidos, verbalizados e omitidos, intencionalmente ou

não.

Esta entrevista foi realizada num hospital, um dos locais de trabalho da

docente, por opção e em função da agenda da mesma. Durou cerca de uma hora e

meia; para a gravação da mesma foram utilizados um Ipad e um telefone celular.

Fez-se uso de um roteiro que serviu de referência para conduzir a entrevista com

vistas a desvelar os objetivos propostos.

Deste diálogo sistematizado, resultou a matéria-prima de nossa pesquisa.

Esta massa de dados gravados foi transcrita ipsis verbis. Após a transcrição,

realizou-se a edição dos dados para compreensão e reflexão com vistas a atingir o

objetivo proposto. A partir disso, deu-se a análise dos dados do material coletado

tendo como base a Análise de Conteúdo de Bardin (2011).

3.6 Análise dos Dados

A análise do material composto pela fala da professora, sua biografia, foi

realizada de acordo com a técnica de Análise de Conteúdo do tipo Temática (AC) de

Bardin (2011) que a define como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (p. 48).

A AC divide-se em três etapas. A primeira delas centra-se na preparação dos

dados em que se procederá a leitura, chamada flutuante, e a escolha dos

documentos de acordo com os objetivos, iniciando o processo de codificação do

material, ou seja, definindo um código para cada elemento da amostra e para

aspecto que se pretende conhecer dentre os objetivos da pesquisa. A segunda

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etapa é o estudo do material com intuito de codificar/enumerar as unidades de

análise, compostas e agrupadas por temas afins. Essas unidades de análise

configuraram-se nas categorias temáticas. Por fim, a terceira, consiste da descrição

e interpretação dos resultados obtidos buscando torná-los significativos e válidos.

A categorização, segundo Bardin (2011, p. 147), é uma classificação “de

elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por

reagrupamento segundo o gênero (analogia)”. Por isso, aqui, para tratamento e

discussão dos dados foi utilizada a técnica de Análise Temática, em que os dados

foram agrupados tematicamente.

A análise temática ou análise categorial é, segundo Bardin (2011, p. 201), “[...]

uma das diferentes possibilidades de categorização, [...] é um conjunto de técnicas,

[...] é rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos diretos (significações

manifestas) e simples”. A reflexão sobre a biografia e o alcance do objetivo emergiu

da fala, dos silêncios, do conteúdo explicitado, do movimento corporal e sentimentos

expressos pela entrevistada.

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4 CATEGORIZAÇÃO E REFLEXÃO SOBRE OS DADOS: O DESVELAR DE UMA

HISTÓRIA

4.1 Caracterização da Entrevistada

A abordagem autobiográfica como método de pesquisa utilizada neste

trabalho requer a busca do desvelamento da história de vida do sujeito, vivências

experienciadas que o tornaram o que hoje é de fato, representando a partir da

singularidade de seus atos, a universalidade de uma estrutura social; no presente

caso, a construção de competência para atuar no complexo processo de ensinar e

aprender.

Com objetivo de compreender a constituição de uma enfermeira em seu

percurso profissional na construção do ser profissional docente, procuramos explorar

sua formação sob a perspectiva de sua história de vida, a partir da sua fala.

De maneira sucinta, caracterizaremos, de forma geral, a participante da

pesquisa, segundo se depreende de sua história de vida. Sob o nome fictício,

trataremos a mesma como ROSA.

ROSA formou-se em Enfermagem em 1980, numa conceituada Universidade

privada da região da grande Porto Alegre. Sendo do interior do estado do Rio

Grande do Sul, ROSA precisou residir na capital do estado e trabalhar para manter

seus estudos, mesmo com o auxílio de um financiamento estudantil. A residência

onde morou enquanto estudava foi-lhe cedida pelo tio de uma das 4 meninas que

integram o grupo de amigas que ingressaram neste desafio de formação ao deixar a

casa dos pais no interior. Semestralmente seus horários na universidade trocavam e

com ele, seu emprego, porém, sempre orbitando na área da saúde. Encantada com

a professora da disciplina de psiquiatria, tão logo ROSA se formou, optou por uma

especialização em Enfermagem Psiquiátrica na Universidade Federal do Rio Grande

do Sul, UFRGS. Ela investiu numa seleção para residência, com êxito; entretanto,

por motivos de cunho político, não pode ingressar, o que lhe gerou uma grande

frustração. Não tem Mestrado ou Doutorado. Cursa uma especialização para

Docência em Saúde e faz capacitações de docente anualmente ofertada pela

Instituição de Ensino Superior, IES, à qual pertence.

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Atua como professora há 17 anos na UNIFLOR. No hospital, ROSA exerce a

profissão de bacharel: enfermeira, ela está em vias de aposentar-se, em 2015,

quando completará 25 anos de carreira como funcionária pública em Hospital de

Urgência e Emergência, somando-se mais 06 anos de trabalho prévio em outras

instituições hospitalares. Sendo assim, através da análise dos dados da entrevista,

emergiram quatro categorias, sendo que a quarta desdobrou-se em outras três

subcategorias. Assim, têm-se as seguintes categorias e subcategorias:

4.2 A docência da ignorância: docência inata

4.3 A docência da ação: os saberes ser-fazer-estar

4.4 A docência da reflexão: o saber por que e para que

4.5 A docência da auto (des)construção

4.5.1 O constituir-se docente

4.5.2 A formação das competências

4.5.3 As estratégias pedagógicas como prática para o empoderamento do

enfermeiro-professor

Seguimos, então, apresentando o resultado do trabalho de construção dessas

categorias, elencados de acordo com o caminho metodológico descrito

anteriormente. Tais categorias emergiram a partir da reflexão depreendida no

exercício de diálogo entre a autora, a docente, e o que asseveram os teóricos

referenciados.

4.2 A docência da ignorância: docência nata

Nesta categoria pretende-se abordar sobre o sentimento identitário de ROSA.

O ser professora e o ser enfermeira de forma inata. Sentimento este que nos revela

portar e nutrir desde a mais tenra idade. Em suas brincadeiras infantis, já exercia a

docência, inebriava-se no papel da professora e obtinha resultados satisfatórios, por

assim dizer. A seguir, apresentam-se alguns recortes das falas da docente quanto a

essa competência inata e, ao mesmo tempo, da forma como ela foi exercida,

impregnando seu universo e imaginário infantil.

Eu sou enfermeira desde pequeninha, minhas bonecas todas tinham três furos no bumbum, eu fazia injeção em todas as bonecas. Então eu passava

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na frente do hospital pra ir pro colégio desde o jardim da infância e, naquela época, se usava muito medicação, soro com vitamina B, complexo vitamínico e os hospitais tinham aquele cheiro de vitamina. Aquilo me seduzia de uma forma, assim, que frequentemente eu fugia da minha mãe e entrava pra dentro do hospital.

Verifica-se, pela fala da professora, o quanto ela se sentia bem, segura e

encantada com o universo hospitalar. Sua estrutura física não lhe causava medo ou

receio, pelo contrário, lhe encantava a ponto de “fugir da mãe” para adentrar um

local estranho e que, não raro, causa mal-estar em muitos adultos. Sentia-se bem lá;

admirava o trabalho que era realizado, os afazeres das irmãs, prestadoras dos

cuidados, naquela época e naquela instituição. Construindo uma representação

histórica, esse ambiente tão significativa lhe impulsionou a buscar formação

necessária para a atuação profissional nesta área.

Quanto à identificação e significação para ROSA com o trabalho lá exercido,

Pimenta e Anastasiou (2010) afirmam que a identidade não é algo imutável ou

externo, pelo contrário, está imbricado ao processo de construção do próprio sujeito,

situado historicamente, fazendo-se presente também em sua historicidade,

considerando-se seu contexto, a construção da identidade profissional baseada na

significação social da profissão, respondendo a uma necessidade não só pessoal,

mas social. E ROSA segue seu relato:

Então eu tinha assim, uma fissuração por aquele trabalho, por aquelas freiras que andavam... Era um hospital de feiras, que andavam com aquelas roupas, mas não era pelas freiras era pelo trabalho que elas faziam com os doentes, eu tinha uma fissuração com aquilo.

Marcas desse trabalho, observado na infância, vivenciado em suas

brincadeiras, são carregadas por toda a vida. Nossa entrevistada imaginava-se

desenvolvendo tal atividade que, sob a sua ótica, trazia consigo certo mistério e

poder: a cura. O trabalho ali desenvolvido com os doentes, como um local de

transformação, o qual se adentra doente e obtém-se a restauração da saúde por

meio do trabalho das mãos cuidadoras. Esse trabalho, até os dias atuais, envolve

ciência e arte.

Para Taylor et al (2011), a enfermagem é uma profissão voltada à assistência

de pessoas, famílias, comunidades para obtenção, manutenção e recuperação da

saúde em todo o percurso de vida do indivíduo. A esfera de trabalho do enfermeiro é

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ampla, envolve múltiplas atividades, desde técnicas complexas até atos simples

como segurar a mão, ouvir o(s) paciente(s). Os objetivos de práticas que definem a

enfermagem são: promover e restaurar a saúde, prevenir a doença e facilitar o

enfrentamento da incapacitação e da doença, muitos desses aspectos são

exercidos por meio da prática de educação em saúde.

As memórias da infância que ROSA traz em sua fala são intensamente

vívidas, agregando valor para a composição de sua identidade profissional atual.

Sobre isso, Izquierdo (2011) afirma que não há como se inventar as memórias; elas

são, necessariamente, frutos do que alguma vez, em algum momento, vivenciamos,

percebemos ou sentimos. Sentimentos que, hoje, são revisitados.

Para ROSA, o impulso de conhecer o hospital e o trabalho ali realizado como

sendo o objeto a ser desvelado foi sobrepondo-se, e lhe causando ainda mais

curiosidade e encanto no decorrer dos anos. O hospital como símbolo está em seu

imaginário; seu cheiro lhe acarreta sensações e o objeto a conhecer, ou seja, o

trabalho desenvolvido no espaço hospitalar. A significação atribuída ao prédio, os

movimentos, os cheiros e, por que não dizer, o poder de transformação do indivíduo

doente para o sadio, pelas mãos e pelos trabalhos das freiras.

Seguindo neste pensamento, referindo-nos à simbologia e à significação do

ambiente e estrutura do hospital, Piaget (1987) afirma que as imagens visuais

próprias da representação trazem um símbolo com função significante e, a partir do

processo dinâmico da invenção, a significação, ou seja, o significado. As imagens

não são elementos da invenção, mas ferramentas simbólicas do pensamento

concreto nascente, composto da memória da imagem e a capacidade de atribuição

de um significado.

Quanto mais conhecia e familiarizava-se com o espaço hospitalar, em suas

frequentes fugas ao hospital, o futuro imaginário foi, aos poucos, consolidando-se e,

com o passar do tempo, o fazer parte daquele universo tornou-se uma busca para a

concretização da realidade vivenciada na imaginação de ROSA.

As experimentações como professora ocorreram também naquele período da

infância. O desejo por ensinar estava atrelado ao seu contexto social, naquela época

da sua vida, favorecendo o desenvolvimento do sentimento identitário também com

a profissão docente. Segundo ROSA, a rua onde morava era muito próxima a uma

região menos favorecida social e economicamente; lá, as crianças não eram

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estimuladas a frequentar a escola. Assim, sua interação com o meio, suas

percepções e sentimentos, levaram-na a retransmitir o que aprendia na escola às

amigas da infância que não tinham tal oportunidade. Esta inter-relação do eu com o

ambiente humano e social levaram-na ao “exercício de uma atividade docente”,

interagindo e interferindo numa situação social oportuna. Atuar como docente, em

suas brincadeiras infantis, transformaram-se em vivências significativas para ROSA,

pois ela se encantou com os efeitos rapidamente percebidos e a resultância

significativa que a educação e o ensino poderiam ocasionar.

Eu sempre fui professora, desde criança. Assim como enfermeira eu também fui professora. Porque eu tinha a minha escolinha no porão da minha casa, e eu dava aula pras minhas bonecas e dava aula pras meninas. [...] Eu tinha o 3º ano primário. 10 anos, 9 anos, e brincava de aulinha e eu ia num quadro e ensinava as letras pra elas o que eu aprendia no colégio. E a gente brincou aquilo até o 4º ano primário e depois, quando os meus pais se mudaram daquela casa, aquelas meninas sabiam escrever. E eu voltei lá depois de adulta e encontrei elas lá, e elas leem até hoje (emociona-se) eu fico emocionada... elas nunca foram pra escola...

Essas vivências de ROSA na alfabetização das meninas são percebidas por

ela como uma competência inata para a docência. As vivências não orientadas, o

desperdício de tempo e energia nestas necessárias experiências são inerentes ao

próprio processo de formação e aprendizagem e construção do sujeito.

Para Josso (2004), o processo de formação desse profissional é

compreendido por todo o enredo de situações e experienciações, os

questionamentos sobre si mesmo e da sua relação com o meio. Isto é, a reflexão

sobre suas experiências vividas e experimentadas tornam-se significativas, ou seja,

a formação experiencial propriamente dita, gerando o aprendizado e formando o

sujeito. Por isso o trabalho biográfico dá sentido e fundamentação para desvelar o

profissional que se tornou hoje e que buscamos conhecer.

As experiências de Rosa, trazidas na fala em que ensina a outras crianças o

que aprendeu em sala de aula, demonstram sua capacidade, através da inteligência,

de construir processos mentais, conhecer o objeto, no caso, a aula, e imitá-lo, à sua

maneira. Sentimentos de entusiasmo levam-na a guardar esta memória tão

fortemente que, hoje, atribui sua competência em dar aulas como sendo inata. E,

pelo que vimos, não o é.

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Nesses recortes da narrativa da professora encontramos momentos e

vivências que se apresentam de forma muito positiva em sua memória. Períodos

marcantes os quais são descritos com carinho e de forma a ratificar sua opção e

seus saberes que, em suas palavras, são “inatos”. Passagens que influenciaram e

moldaram de forma significativa sua escolha de vida pessoal e profissional,

momentos esses que representam a mola propulsora para suas escolhas e opções

de vida futura. São experiências vivenciadas em uma época inocente da vida, o

trabalho e o dever profissional; e, agora, revisitados, reconstituídos em seu relato

são suficientemente vívidos para lhe causar comoção. Essas passagens de vida

significativas que ajudaram a compor sua individualidade e suas opções de vida.

Entendemos que, realizando uma releitura reflexiva dos fatos passados (o que foi

percebido e sentido), estamos passando por uma experiência formadora.

Nesse sentido, Josso (2004) nos fala num saber viver, o formar-se numa

sabedoria de vida, sendo necessário entender os aspectos a desenvolver para

avançar nesta realização. Existe uma interdependência entre quatro buscas como

sendo o conceito de sabedoria: busca de si/nós, busca de felicidade, busca de

sentido, busca de conhecimento e atenção consciente. A busca desta sabedoria de

vida consiste em empenhar-se, em integrá-las, “subordinando-as a uma presença

empática consigo e com o mundo, e a uma presença consciente da complexidade

das causas e das condições que fundamentam uma arte de viver, associado a um

sentimento de integridade e autenticidade” (JOSSO, 2004, p. 104).

Essa atitude leva-nos a vislumbrar a vida como um desafio, como algo de

valor e que vale a pena ser vivida. Nesse esforço de integração, desenvolvemos

conhecimentos e pontos de interação com o ambiente humano, natural e conosco e

nos leva a projetar a vida que queremos viver.

Nessa volta ao passado, a momentos significativos da vida de ROSA, são

evocadas memórias muito marcantes, que lhe conduziram e serviram de base para

realizar opções e na construção e formação de um futuro pessoal e profissional

singular, um saber viver próprio. A formação de uma memória passa, certamente,

pelo conhecimento de algo por meio dos órgãos dos sentidos; portanto, é preciso

que tenha havido o contato com o objeto, a experiência, o conhecimento prévio, o

sentimento, a sensação; um ponto de convergência de si com o ambiente, levando

ao registro desta vivência na memória.

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E, a memória, segundo Izquierdo (2011), resulta de alguns complexos

processos como a aquisição, formação, conservação e evocação de informações.

Onde a aquisição é o que se aprendeu, a evocação é a lembrança, a recordação, e

por isso só lembramos o que foi aprendido. A conservação e a evocação dessas

memórias dependem do que realmente queremos lembrar. Memórias desagradáveis

podem ser suprimidas ou protegidas por mecanismos que dificultam sua evocação.

Com essas lembranças podemos projetar e realizar o futuro. Se, entre nossas

memórias, não consta o ato de caminhar, não saberemos como fazê-lo. O conjunto

das memórias pessoais determina o que chamamos de personalidade ou forma de

ser.

Ainda, segundo o autor, em processos práticos, temos a evocação da

memória; também, intencional ou não, a prática do esquecimento. A memória passa

por este processo ativo, no qual evocam-se memórias e também a supressão

daquelas que nos são desagradáveis. Esse processo ativo é uma prática da

memória, isto é, o cérebro é capaz de “lembrar” quais são as memórias indesejáveis

e evita trazê-las à tona; recorda-se delas muito bem e, de forma muito seletiva,

torna-as de difícil acesso. Muitas memórias trazidas por ROSA foram de forma

intencional a fim de ratificar suas escolhas. Muitas outras suprimidas e das quais

jamais saberemos. Elas também podem ter ocorrido com o intuito de dar

consistência às suas escolhas de vida. Podemos nos questionar e arriscar a

hipótese, baseados em seu discurso, na validação de que suas memórias evocadas

e nas suprimidas, que essas a levaram a inferir que: “Eu sou o que eu sempre quis

ser”.

As rememorações e associações encontram-se sujeitas a variações vividas

naquele momento em que o relato da biografia é produzido. Portanto, as visões que

se tem sobre o passado, a conservação das representações, situações e situações

rememoradas sobre a formação e sobre o que me tornei hoje é o que sou, é o que

forma a identidade pessoal. Somos indivíduos, únicos, justamente pelo conjunto de

nossas memórias.

A lembrança de fatos vividos, de experiências e situações no relato da

biografia, na constituição de quem sou e de quem me tornei, encontra-se ancorado

também em Nóvoa (2006):

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A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão. Por isso é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um sente e se diz professor (p. 16).

Podemos dizer que a construção da identidade é um processo iniciado desde

há muito, perfazendo junto a história de vida do sujeito, os sentidos dados à história

de vida pessoal e profissional em sua biografia sobre quem realmente sou hoje e

sobre os complexos processos de relações interindividuais nos âmbitos do pessoal e

do social, as representações e interações com o mundo e de que forma isso tudo

tornou-se significativo na constituição de que sou. As histórias de vida pessoal e

profissional demandam certo tempo para constituir-se, mais algum para refazer

identidades e outro para assimilar mudanças. Ou seja, é um processo dinâmico,

circular e sobreposto do que já sei, do que não sei, e da significação dessas

vivências e acomodação na memória e na constituição deste que sou e no qual me

tornei.

Logo, nas brincadeiras realizadas nesse universo infantil, o imaginário marcou

fortemente e carregou de sentimentos as memórias e as vivências de ROSA,

levando-a a crer que “nasceu” enfermeira e professora. Sua história de vida segue

nessa linha de pensamento. Muito embora, por tudo isso posto, não poderíamos

nada ser de forma inata.

Diante das colocações da professora ROSA, podemos concluir que as nossas

vivências da infância são marcas que levamos para a vida toda. São elas que,

muitas vezes, nos tornam as pessoas que somos hoje. A partir daquilo que temos

em nossa memória, caminhamos para a conquista do que almejamos para a nossa

vida pessoal e profissional. Quando essas marcas são aprimoradas com as

oportunidades e experiências da vida, elas são modificadas e transformam-se de

acordo com a busca pessoal. É um caminhar para si e para aquilo que se almeja

conquistar ao longo da vida para um ser, estar e fazer no mundo.

4.3 A docência da ação: os saberes ser-fazer-estar

a) O saber SER

A formação em Enfermagem, em nível de Graduação, segue as Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCNs) do Curso de Graduação em Enfermagem. O

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profissional enfermeiro precisa cursar a graduação, com duração média de 4 anos,

cumprindo obrigatoriamente o currículo da IES baseado nessas diretrizes. Após o

curso de formação, se aprovado em todas as etapas e estágios práticos, ele estará

apto a atuar como bacharel em enfermagem. Quanto ao perfil do

egresso/profissional, as DCNs afirmam que o profissional:

Enfermeiro, com formação generalista, humanística, crítica e reflexiva. Profissional qualificado para o exercício de enfermagem, com base no rigor científico e intelectual e pautado em princípios éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os problemas e situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as suas dimensões biopsicossociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano. Enfermeiro com Licenciatura em Enfermagem capacitado para atuar na Educação Básica e na Educação Profissional em Enfermagem (CNE/CES 2001).

Essa realidade nos confirma a necessidade de formação do profissional

enfermeiro, desvelando uma ciência essencialmente prática. Por meio de sua

atuação prática, serão obtidos os resultados esperados em menor ou maior grau,

pois seu objeto de trabalho precisa corresponder a suas intervenções.

A Enfermagem Moderna, lastreada pela Ciência, considera como fundadora a

enfermeira inglesa Florence Nightingale. Baseada nas ciências biomédicas e nas

evidências, utilizou dados estatísticos e teorizou sobre a Enfermagem. Fundou uma

escola de Enfermagem, onde enfermeiras eram formadas com aulas teóricas e

práticas. Referindo-se à enfermagem e ao profissional enfermeiro, temos uma de

suas mais conhecidas citações:

A Enfermagem é uma arte; e para realizá-la como arte, requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso, como a obra de qualquer pintor ou escultor; Pois o que é o tratar da tela morta ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do espírito de Deus. É uma das artes; poder-se-ia dizer, a mais bela das artes (NIGHTTINGALE, 1946, p. 6).

Podemos significar aqui a arte em seu sentido prático, sinônimo de técnica,

(do grego technikós). Nas ciências modernas, o sentido mudou um pouco, levando-

nos a um conceito de aplicação prática do conhecimento cientifico-teórico.

No Brasil, em época mais recente, a partir de uma teórica da Enfermagem,

temos esta definição:

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Enfermagem é a ciência e a arte de assistir o ser humano nas suas necessidades básicas, de torná-lo independente desta assistência através da educação; de recuperar, manter e promover sua saúde, contando para isso com a colaboração de outros grupos profissionais (HORTA, 1979, p. 22).

Então, para ROSA, o SER profissional enfermeira permaneceu sendo seu

objetivo primeiro, e claro, que, para isso, ela necessitava de formação.

Então quando eu terminei o 2º Grau, eu não tinha dúvidas, eu fui direto assim, opção única (pela Enfermagem). Não tinha segunda opção. Eu fiz o vestibular na UFRGS e não passei, [...], em janeiro de 80. E aí então, em junho eu fiz na UNIFLOR, porque naquela época a UFRGS só tinha um vestibular por ano, não sei como ainda é até agora, né, que só tem um. Então como eu não tinha passado no mês, no vestibular em janeiro na UFRGS eu trabalhava, tinha feito o 2º grau à noite, tinha que trabalhar, vinha de uma família humilde, tinha que trabalhar, era difícil passar direto na UFRGS. E como de fato não passei, então eu vim pra cá, vim pra Porto Alegre, viemos entre 4 meninas de lá e fomos morar num apartamento que foi nos cedido, né, de um tio de uma das meninas. Ali no Menino Deus (bairro), e aí eu comecei a procurar emprego e comecei a trabalhar então num consultório de um médico lá no Moinhos de Vento. E aí trabalhei 6 meses lá e fiz vestibular na UNIFLOR e entrei pra UNIFLOR e segui. E durante minha graduação foi assim, trabalhando hora aqui, hora ali, uma época de noite, de secretária, na portaria do Moinhos de Vento (hospital); depois voltei pra trabalhar com o consultório desse médico. Era porque a cada semestre mudava o horário, porque eu precisava de dinheiro pra ajudar a pagar o curso e conseguir crédito educativo...

Mesmo na escolha dos locais de trabalho para sua subsistência, ROSA

manteve-se sempre ligada, de alguma forma, à área da saúde. Ela coloca-nos , de

forma muito gratificante, a prática da enfermagem antes mesmo da formatura:

Na época de acadêmica nós fazíamos muitos estágios. Tínhamos muito campos de estágio, então claro que a gente se deparava (com situações- problemas, que depois enfrentou enquanto enfermeira), e também ao longo da graduação eu nas férias, ali janeiro e fevereiro. Quando dava, eu fazia estágio voluntário.

Através da narrativa de ROSA, percebemos que, transcorrido o período da

infância, aquele desejo de ser professora deixou de ser seu principal ideal.

Entretanto, ao final da graduação, encanta-se com uma professora e, novamente,

retoma algumas lembranças, passando a vislumbrar a docência e o conhecimento

como forma de empoderamento, mas também de embate.

E na enfermagem Psiquiátrica eu fiquei, assim, deslumbrada com o conhecimento, o domínio, com a segurança, com a forma com que a professora se apoderava da enfermagem. Ela mandava naquilo, ela era

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dona do conhecimento, nós acompanhamos, nós fizemos estágio com ela no Hospital Espírita. E eu, depois disso, fiz um estágio voluntário no São Pedro porque eu fiquei encantada assim com a forma como o enfermeiro no papel dessa minha professora encarava aquilo. Ela era chefe da unidade, ela tinha o domínio, o controle dos pacientes. Ela era afetiva, tinha um conhecimento científico assim. Aquilo me encantou.

De acordo com Weber (1982), o poder pode ser compreendido como a

capacidade que temos de fazer com que os outros façam aquilo que queremos,

independentemente de seus próprios interesses ou aspirações, ainda “uma

expansão do poder, porém, significam mais cargos, mais sinecuras e melhores

oportunidades de promoção” (p. 188).

Para Czuba (1999), o poder existe dentro do contexto de uma relação entre

pessoas ou coisas; não é isolado nem inerente ao indivíduo. Implica que o poder é

criado nas relações de poder e estas relações são mutáveis, fomentando mudanças.

Diferente de relações de dominação/poder, o empoderamento se traduz como um

processo de mudança social por meio dos saberes/conhecimento nas pessoas e por

meio destas.

ROSA percebeu rapidamente que, por vezes, os saberes podem desdobrar-

se de forma angustiante. Aqui nos traz situações de vida profissional, em especial

uma, em que tenta mudar paradigmas de atuação da equipe multidisciplinar e de

práticas instituídas, baseando-se na literatura, em artigos da época; e acaba por ser

demitida. Sentiu-se mal e frustrada por não conseguir aplicar o conhecimento e em

presenciar o incômodo que, por vezes, esse pode causar.

Aí eu fui falar com a farmacêutica que era do controle de infecção e com o médico que é um médico famoso em Porto Alegre hoje, que estava acontecendo isso (situação), e o controle de infecção. E eles ficaram surpresos, mas uma surpresa meio velada assim, e eu, muito inocente, recém-formada, né, fui falar com ela e disse: “- Irmã isso não pode, então a senhora tem que me trazer (o conhecimento sobre)...”. “- Ah! eu encontrei isso publicado num artigo”. Era a explicação que ela dava. Na segunda-feira, meu ponto não bateu. Eu fui demitida.

Os desafios da administração de conflitos interpessoais no ambiente

hospitalar, muitas vezes, se operam em relações de poder verticalizados e não

dialógicas, mantendo-se a o paradigma médico hegemônico. O caminho que se

busca, por vezes, é o menos trabalhoso: o dominante age sobre o dominado.

Quanto a isso, Amestoy et al. (2014) dizem que:

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Diante da complexidade do trabalho em saúde, os conflitos surgem também entre as diversas categorias profissionais. Comumente, no ambiente hospitalar vivenciam-se desentendimentos entre enfermeiros e médicos. Os conflitos interpessoais entre estes profissionais costumam interferir no andamento do trabalho em saúde e por consequência, afetam o desempenho e motivação destes trabalhadores, de certo modo implicando na qualidade da assistência aos usuários (p. 2).

Observamos uma clara demonstração de uso do poder de forma arbitrária,

excluindo o agente causador de mudanças, consequentemente, de possíveis

conflitos, ignorando a tomada de decisão sensata e rechaçando diferentes pontos de

vista. Não foram considerados os saberes e as evidências para a qualidade do

cuidado e os benefícios acarretados à assistência; mas a emergência de relações de

poder, relações conflituosas quando colocados em xeque os conhecimentos, os

fazeres e os interesses econômicos envolvidos nessa vivência. Esta outra tentativa,

a de utilizar-se de seu conhecimento na prática, acaba por desvelar, novamente, um

momento angustiante e de frustração:

E inclusive o primeiro congresso, da Sociedade de Neurologia do RS tinha sempre um congresso, hoje eu não vejo mais fazer. Então o primeiro congresso de Enfermagem em Neurologia do RS a sociedade de Neurologia abriu pra nós o espaço, porque eu trabalhava muito junto com os neuros, e eles me chamaram lá, pra que a gente organizasse uma jornada. Nós organizamos a jornada, e eu passei o fim de semana inteiro no congresso de Terapia Intensiva, de Neuro, fazendo combinações pra organizar inclusive, estágios fora do país, Uruguai, e coisa tal... ...de práticas que vocês tinham aqui, tu montou uma jornada... Sim, só que nesse momento nós havíamos tido vários problemas políticos aqui, de troca de chefia e coisa e tal. E aí, na minha volta desse fim de semana todo de intensivo onde eu já tinha até organizado ida pra São Paulo, pro Uruguai da nossa equipe de enfermeiros e coisa e tal, quando eu voltei na segunda feira, eu não era mais chefe da Neuro coordenadora da Neuro desde a sexta. Eu tinha sido destituída do cargo por interesses políticos que podem ser discutidos em qualquer outros lugares. Fui chamada, então, pelo diretor da época que era uma pessoa de fora do hospital, o diretor e o diretor administrativo. A diretora de enfermagem nem olhou pra minha cara, ela me tirou o cargo, mas não olhou na minha cara, colega enfermeira.[...], todas as chefias foram destituídas e isso pegou muito pesado aqui dentro. E aí, naquela semana, a Valquíria já era professora da UNISINOS desde que... eu me formei com a Valquíria. Eu entrei na faculdade com a Valquíria e terminei a faculdade, terminamos juntas, de coleguinha de banco assim e trabalhávamos juntas no Cardiologia e viemos juntas pra cá e depois que passou tudo aquilo a Valquíria dava aula na UNISINOS. Ela chegou pra mim e disse: vai ter uma seleção pra professores da UNIFLOR, ela disse, e acho que este é teu momento, porque tu te dedicou demais pro hospital e olha o que deu. E aí eu fui na UNIFLOR entreguei meu currículo, sem mestrado...

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Novamente ROSA enfrenta situações de relações de poder e políticas

institucionais com vistas à manutenção deste poder. Pois “o poder das estruturas

políticas tem uma dinâmica interna específica, e toda estrutura política prefere

vizinhos fracos a vizinhos fortes” (WEBER, 1982, p. 188-189). Ou seja, os saberes

de ROSA exercendo a enfermagem iam de encontro a interesses variados. A partir

dessas experiências frustrantes, de exercer seus saberes, ela retoma o ideal infantil

da docência, como possibilidade de SER enfermeira, no SER docente.

Quanto a adentrar o campo da Educação, podemos aqui parafrasear Pimenta

e Anastasiou (2010, p. 104): “dormem profissionais e acordam professores”. Esses

teóricos chamam a atenção não no sentido de culpa pelo despreparo, mas no

sentido da valorização e importância do docente universitário, na responsabilidade

institucional com o objetivo de possibilitar e fomentar processos para formar e tornar,

construir junto ao profissional uma identidade de professor do ensino superior.

De acordo com a legislação (Lei 9394/96), o SER docente do Ensino Superior

requer formação em nível de pós-graduação, preferencialmente, em programas de

Mestrado e/ou Doutorado. Via de regra, esses programas também formam

pesquisadores mais que professores. ROSA não possui esta formação

institucionalizada para o desenvolvimento da profissão de professor.

Eu estou chegando no fim da minha carreira praticamente. Aqui (no hospital) eu vou me aposentar o ano que vem (2015). Aí eu penso assim, bom, será que eu quero agora quando me aposentar [...] que eu vou ter um pouco mais de tempo pra mim, fazer o meu mestrado ou será que eu não quero mais fazer mestrado? Que que eu quero? ...ao longo de todos esses anos tu sentiste necessidade disso? Não (pausa). Sinceramente, não. Mas se eu disser isso pra quem é da academia!.... não, eu disse uma vez isso e ficou muito chato porque como acade..., porque como professora, como docente, eu não posso dizer, eu não posso dizer que não preciso disso. Eu acho que eu preciso dele (mestrado) pra algumas coisas assim, internas minhas, mas não pra minha prática. Porque a minha prática, pras aulas que eu dou, o que eu faço com os alunos, o que eu mostro, o que eu ensino, como que eu envolvo eles no conhecimento, como eu faço eles gostarem do estudar, da minha área, como eu faço eles buscar o conhecimento, eu não preciso disso.

Nessa fala revemos a afirmação quanto à sua vivência enquanto enfermeira,

dos saberes disciplinares, técnicos e práticos como sendo um aporte de saberes

suficientemente capaz de habilitar-lhe à docência. Os saberes didáticos e das

práticas pedagógicas construíram-se ao longo dos anos; alguns, em cursos de

educação continuada ofertados pela instituição de ensino à qual pertence; outros,

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nas lembranças de seus professores e, principalmente, na crença de quem sabe

fazer, sabe ensinar.

Quanto à natureza de seus saberes, Rosa coloca que são oriundos de sua

prática profissional e de suas vivências, desta forma:

[...] eu não me preparei para ser docente, a vida me preparou para ser docente, a minha prática me fez docente. [...] eu levo para a docência a minha vivência aqui. Eu estudo e fundamento o meu trabalho [...] mas a minha competência, ela surgiu da minha prática.

Estes saberes do SER docente, provenientes da vida e da prática profissional

já nos são conhecidos. Podemos afirmar que os professores utilizam em suas

atividades e práticas docentes formas e maneiras de reproduzir aquilo que

aprenderam com seus próprios professores, espelhando-se nestes e na troca com

seus pares. Para Tardif (2012), os conhecimentos práticos são provenientes do

mundo vivido, dos saberes do senso comum e das competências sociais.

Aprender a ser caminha no sentido de ir ao encontro de si mesmo, do

autoconhecimento, do pensamento crítico e autônomo do que se é de fato, na

tomada de consciência das experiências que foram significativas em sua

subjetividade. A individualidade do sujeito, suas vivências e sua identidade

compreendem seus saberes de formação e de vida. O domínio de competências e

habilidades para tal fim, os saberes do SER professor são, de fato, os saberes dele.

ROSA revela que sua prática e suas vivências a constituíram enquanto docente,

inferindo-os como sendo os seus saberes de referência. Traz da sua prática

elementos que lhe conferem habilidades e competência para atuar enquanto

docente; caminho inverso ao proposto pela legislação (Lei 939/96) para atuar como

professor da graduação. No entanto, coadunando com Josso (2004), essas

experiências e recordações significativas são simbólicas para o sujeito, compostas

de uma perspectiva concreta que são as percepções e retratos sociais e uma

dimensão invisível, que abrange os sentimentos, sentidos e valores, em que este

indivíduo as compreende e interpreta como sendo elementos constitutivos de

formação. Desta forma, “a formação é experiencial ou então não é formação”

(JOSSO, 2004, p. 48).

Depreendemos da fala de ROSA que sua identidade e competência do ser

professor está lastreada por sua história profissional enquanto SER enfermeira. Sua

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práxis enquanto enfermeira, sentimentos, comportamentos e o saber-fazer,

caracterizam sua subjetividade, entendidos como os elementos constitutivos na

construção de sua identidade e formação para atuar como docente. É nesse sentido

que trataremos a seguir, o da concretização desta construção: o saber fazer

docente.

b) O saber FAZER

Corroborando com a ideia do saber experiencial transmutado ao saber da ação

pedagógica, o FAZER docente, Nóvoa (2006) nos diz que se faz necessário um

“estatuto ao saber emergente da experiência pedagógica dos professores,

paradoxalmente a profissionalização do ensino constitui-se sobre este saber

experiencial” (p. 17). Os saberes e competências das ações práticas de enfermagem

de ROSA embasando seu ato de ensinar.

O FAZER está, de certa forma, relacionado ao processo de formação e

consolidação da própria identidade profissional, criando um enlace muito forte com a

autonomia e o sentimento de controle sobre o trabalho realizado. O docente de

enfermagem, pautado no desenvolvimento e realização de uma atividade

essencialmente prática, tem no seu fazer o produto que o constituiu. Constituindo-se

e reconstituindo-se criticamente no exercício de seu fazer profissional, através das

vivências levadas a experiências formadoras, dos aprendizados, dos ensinamentos,

praticando aquilo que se é ou em que se tornou. Trazendo, em sua prática, para

além da sua formação, sua história, sua biografia e todo o universo, psicológico e

social, vivido e cinzelado em si.

[...] talvez o meu encanto pela emergência, pelo paciente crítico faça com que eu encante os alunos, porque eu falo pra eles o que a gente faz. [...] usar metodologias ativas [...] eu vou ter que aprender. Os professores mais antigos estão tendo que se desconstruir e se reconstruir. Estou fazendo um curso de especialização em docência na área da saúde na UFRGS, o EDUCASAÚDE, ele (o curso) fala de muita coisa diferente pra gente fazer em sala de aula.

[...] Então eu me pergunto: como é que um professor vai ser professor na nossa área da enfermagem, como é que ele vai ensinar pro aluno fundamentos de Enfermagem? Como puncionar? Todas as nossas técnicas que é o Fundamentos, se ele nunca trabalhou? Então se o que ele sabe é o que ele aprendeu na academia, o que ele aprendeu na faculdade, na graduação, como é que ele vai depois lá querer ensinar na prática?

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A maneira particular que cada profissional exerce o ensino está intimamente

ligada ao que se é como pessoa, ao produto de sua biografia. São os meios

justificando os fins. Para a professora, saber ensinar é fazê-lo pelos meios que se

julga corretos. Os universos do “ser e o ensinar”, as opções que cada professor

precisa fazer criam um espiral da maneira de ser com a maneira de ensinar,

ensinando, pois, sua maneira de ser, impossibilitando separar o eu profissional do

eu pessoal (NÓVOA, 2006).

Por fim, esse profissional acaba realizando uma atividade prática do produto

que se constituiu por meio das vivências, dos aprendizados, dos ensinamentos e

praticando aquilo que se é ou em que se tornou. Trazendo em sua práxis, para além

da sua formação, a sua história, sua biografia, e todo o universo, psicológico e

social, vivido e cinzelado em si.

Podemos colocar aqui o todo do indivíduo, o ser e o fazer como sendo

integrantes de algo indissociável. Segundo Ferrarotti (1991), “o homem é o universo

singular, pela sua práxis sintética, singulariza nos seus atos, a universalidade de

uma estrutura social” (p. 26-27). Este universo singular, esta bagagem de

aprendizados e saberes, de vivências e, não menos importante, de suas crenças,

constrói a identidade única deste sujeito, constituída da memória que traz sua

história de vida e de identidade pessoal, no caso, a professora.

Essas memórias, para Izquierdo (2011), são as representações que podem

ser evocadas, mas não quer dizer que essas sejam a realidade verdadeira: “sou

quem sou, porque me lembro quem sou”. Depreendemos que o adulto aprende um

saber de referência somente daquilo que está ligado à sua identidade. Aqui,

notadamente, ROSA ensina seus saberes de referência enquanto enfermeira. Uma

vez que seus saberes para docência são citados da seguinte forma:

Porque eu falo pra eles o que a gente faz. Eu falo pra eles de uma paciente que ficamos reanimando 40 minutos dentro da UTI e ela tá viva, conversando, e eu vivi isso. Então eu tenho exemplos pra dar. Como que um professor vai chegar na frente de uma turma com 30 alunos, sei lá, 20 alunos e ele vai falar o que ele leu nos livros? Então, precisa ter, sim, uma boa bagagem teórica, uma fundamentação científica pra fundamentar, mas ele precisa ter prática e ele tem que ter sim formação na área da docência, porque tem que ter toda uma questão ali, que nem todos têm,. E eu vou te dizer eu acho que eu fui agraciada por Deus nesta questão da docência, assim de manejo (de sala de aula). Eu já brincava com as minhas bonecas, além de ser enfermeira com as minhas bonecas eu também era professora. Eu tive uma pratica anterior. Eu adorava carregar os cadernos das minhas professoras na época do primário. As professoras carregavam os cadernos

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assim, aquele monte de caderno e corrigiam tudo. Eu corrijo tudo o que meus alunos fazem, eu fico um fim de semana inteiro corrigindo provas e provas, porque eu acho que faz parte do meu papel, então hoje eu não sei mais do que que eu gosto mais.

Aqui a professora coloca que seu saber FAZER vem, essencialmente, de sua

prática profissional. Faz uma breve referência à metodologia utilizada, indicando que

“fala” aos alunos. Podemos inferir que isso ocorra em uma aula essencialmente

expositiva. Quanto ao SER professora, a sua identidade de profissional docente está

ligada à sua experiência de infância. Observamos aqui uma postura de “se eu sei

fazer; logo, sei ensinar”.

Quanto ao saber FAZER do professor, Pimenta e Anatasiou (2010, p. 264)

afirmam que este “vai sendo alcançado após a sondagem inteligente e com a

comunicação compartilhada da experiência”, em que a formação específica de

cunho científico de sua área de atuação, da Educação, da Pedagogia e da Didática

requer investimentos acadêmicos. A formação desta identidade, do constituir-se, vai

tecendo-se no saber acadêmico, mas também na oportunização do

compartilhamento de experiências de vida profissional e até pessoal.

Podemos colocar, coerentemente, Josso (2004) quando expressa:

Na medida em que a narrativa de história de formação conta as vicissitudes do diálogo entre o individual e o coletivo, ela introduz uma reflexão sobre a articulação para cada um entre estas duas ordens de realidade e apresenta-se como uma boa alavanca para tomar consciência da coabitação das significações múltiplas de uma mesma atividade ou de uma mesma vivência (p. 137).

O FAZER docente de ROSA, origina-se neste movimento de vai e vem, de um

olhar para si a partir da experiência do outro, da reflexão sobre o ser e o fazer, no

compartilhamento de experiências vivenciadas, na troca de informações e ações as

quais auxiliam o professor na construção de seus saberes; despertam nele a

consciência de uma identidade de professor e suas responsabilidades. Podemos

inferir que os saberes e vivências compartilhadas com os pares irão se sobrepondo,

passando a ser acumuladas, racionalizadas e tornando-se experiências de vida

utilizadas a partir de características próprias do indivíduo enquanto docente,

tornando-se o seu estar docente. E isso é que confere o status quo sobre o qual

trataremos, na sequência, como o saber estar na profissão docente.

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c) O Saber ESTAR

Muitos são os profissionais que adentram a docência por seu aporte teórico e

imenso conhecimento em suas atividades profissionais por diversas razões. Neste

caso específico, verificamos uma frustração em sua atuação como enfermeira, o que

a fez buscar sentido no campo da educação. Portanto, um conhecimento

significativo de atuação profissional a nível hospitalar, o saber ser e fazer

oportunizou adentrar na área da docência. Esta oportunidade acaba por transpor

este estado do fazer enfermagem para, neste momento, estar docente por meio de

indicação.

Naquela época várias chefias, todas as chefias foram destituídas e isso pegou muito pesado aqui dentro e aí naquela semana a Margarida já era professora da UNISINOS eu me formei com a Margarida [...] e viemos juntas pra cá e depois que passou tudo aquilo ela dava aula na UNIFLOR. Ela chegou pra mim e disse: vai ter uma seleção pra professores da UNIFLOR, e acho que este é teu momento, porque tu te dedicou demais pro hospital e olha o que deu. E aí eu fui na UNIFLOR entreguei meu currículo, sem mestrado... e disse olha eu, precisavam de professores pra trabalhar na área de paciente crítico e eu fui convidada pra trabalhar lá e lá estou há 16 anos. Eu só tenho o bacharel e especialização. Ainda naquela época contratavam os docentes sem mestrado tá, hoje não contrata mais. Então, eu fui ser docente na minha experiência como profissional, a minha trajetória, eu não me preparei para ser docente, a vida me preparou para ser docente, a minha prática me fez docente...

Ora, vimos aqui o FAZER docente. Na maioria das vezes, as situações

complexas da sala de aula exigem do professor saberes também complexos.

A competência para exercer a docência transpassa a condição da habilidade

de trabalhar com situações isoladamente. Neste emaranhado de redes de interação

social, de conhecimento e de fazer apresenta-se a competência, um desencadear de

ações práticas que as ciências da educação não fornecem ao professor num “como

fazer”; muitas vezes, os professores precisam tomar decisões e desenvolver

estratégias de ação no seio da atividade, sem ter como apoiar-se num “saber-fazer”

técnico-científico que lhe proporcione pleno controle da situação (TARDIF, 2012).

Desenvolve-se, portanto, o estar docente.

Tendo a consciência de uma não formação especifica na competência

pedagógica, ROSA revela seu sentimento de insegurança, mas de incentivo e

reconhecimento da colega frente à experiência de ministrar uma aula. Era o início da

construção de seu saber pedagógico, pela experiência. Assim como seus alunos são

aprendizes, ela também é uma aprendente em sua profissão.

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[...] claro que eu como criança já gostava do quadro e do giz e gostava de ensinar, sempre gostei de ensinar, sempre. Eu sempre tive muita paciência com os técnicos, com os colegas que vinham, trabalhava com Educação Continuada, eu gostava disso, assim. Mas a gente fazia capacitações, fiz muitas capacitações aqui. A minha primeira aula sobre trauma craniano, gente, foi um estresse aqui no hospital.... porque nós tínhamos que montar uma aula. Eu tinha sido convidada pra dar uma aula sobre trauma cranioencefálico. A enfermeira TULIPA era da Educação Continuada, e ela era da educação porque ela era enfermeira da Secretaria de Educação. Hoje não tem mais esse cargo, que faziam aquele exame físico nas crianças, e ela era da nossa Educação Continuada aqui. A TULIPA me ajudou muito e ela dizia assim. Foi em Lajeado num congresso, que teve lá sobre traumatismo cranioencefálico em paciente grave, e ela disse pra mim assim: ROSA tu tem condições, monta uma aula. Montei em lâminas, não existia slides, eram lâminas. Eu tenho isso até hoje guardado (emociona-se), as lâminas. E eu fui lá. E aí minha aula lá, minha palestra lá, foi em cima do que eu fazia aqui, do que nós fazíamos aqui da nossa práxis daqui, né? E aquilo, eu gostei de dar aquela aula, então quando eu fui pra UNIFLOR, eu sabia que eu gostava. E aí eu comecei a dar aulas dentro do que eu sabia.

Para Perrenoud (2013), existem os recursos externos e internos. Os externos

são objetos visíveis e nos auxiliam na prática, na construção e na busca para

elencar a melhor maneira para realizar tal ação. Os internos são mais complexos e

pode-se dividi-los em três principais categorias: saberes, habilidades e outros

recursos. Os saberes podem ser distintos em: i. Saberes declarativos ou modelos da

realidade; ii. Saberes processuais (saber como fazer), que inclui os métodos e

técnicas; iii. Saberes condicionais, saber como intervir e a melhor maneira. Podemos

afirmar, assertivamente, na sua história de vida e formação que ROSA, intencional

ou não, acabou por construir e adquirir estas condições.

Ainda segundo esse autor, podemos dizer que competências relacionam-se a

um conjunto de situações, e as habilidades como recurso para operações a serviço

de múltiplas competências. Quanto aos recursos, estes tratam de algo mais íntimo e

significativo, como atitudes e posturas, valores, princípios e normas; as relações do

indivíduo com o saber, com a ação, com o outro, com o poder, com a atitude ética,

além de recursos emocionais e relacionais que acabam sofrendo um processo de

acomodação, sinônimo de amadurecimento ao longo da história de vida profissional

e pessoal do professor.

Os saberes da ação prescindem de discursos e representações, ou

esquemas de ação no sentido pautado por Piaget (1976), esquemas ou regras

interiorizados gradualmente, porém frequentemente desenvolvidos, graças às

vivências e experiências, como no caso de ROSA. Ou seja, a sua afirmação de que

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sua competência, por ser uma profissional experienciada, foi desenvolvida a partir

de sua prática, está, de certa forma, lastreada pela literatura. Seu ESTAR docente

lhe exige a evocação das memórias formadoras, a emergência de seus saberes

teóricos e experienciais e o exercício de racionalizar sobre sua prática. Sendo

especificamente esta racionalidade sobre a práxis que transpõe a ideia de um estar

passivo na docência para a real intencionalidade do ato de ensinar, um fazer

reflexivo com vistas ao alcance de um objetivo, no caso, que os alunos aprendam.

Na sequência, discorreremos sobre esta atitude reflexiva de ROSA.

4.4 A docência da reflexão: o saber por que e para que

A professora tem consciência da necessidade de formação específica para a

docência, muito embora, por vezes, rejeite veementemente a formação acadêmica

para a docência em enfermagem. Dialogamos sobre o saber fazer e saber ensinar.

Trataremos, então, dos objetivos desta ação, a partir de uma perspectiva reflexiva

desta ação. O porquê e o para que de sua atuação enquanto professora. Notamos,

em sua fala, que traz consigo a tomada de consciência e da responsabilidade do

desenvolvimento da atividade de ser docente. Acreditamos que, por motivos

pessoais e ligados a sentimentos muito intrínsecos, ela reluta um tanto na aceitação

e na busca desta formação em nível de pós-graduação; critica, em suas palavras, “o

título pelo título”.

[...] eu acho assim que existe uma tendência da academia de menosprezar, talvez hoje já tenha diminuído isso com os próprios, com a própria necessidade que a academia passou. Mas houve uma época em que a academia menosprezou o trabalho braçal, o trabalho assistencial, o trabalho da linha de frente. E eu nunca me esqueço isso. Foi uma das coisas que me afastou um pouco de buscar o mestrado, foi porque assim, quando da minha primeira busca com o Mestrado, foi em ah... bom 50% das vagas são nossas (docentes da instituição) dessas, as outros 50 que sobram, 25 são pra área da docência em outros cursos e pra quem é da área assistencial só tem 25%. E eu olhei na entrevista e disse ‘estou fora’. Porque eu não vou vir aqui pra perder. No momento que eu vier aqui pra concorrer eu quero concorrer de igual pra igual e essa discriminação eu não aceito. E não voltei mais pra fazer a seleção. Eu sempre fui muito combativa nesse sentido.

Podemos perceber nessa passagem um sentimento de contrariedade quanto à

academia no que diz respeito às suas formalidades, às exigências, às suas ofertas,

ao modo de formar seus alunos, mas, principalmente, a questão do distanciamento

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na dicotomia teoria e prática. Notamos sua crença numa profissão como a

enfermagem a qual, sendo essencialmente prática, não pode formar, ou tornar apto

um profissional a partir dos parcos momentos que o currículo que a graduação em

Enfermagem tem oferecido. As políticas educacionais, há quase duas décadas,

ditaram como deveria ser o profissional enfermeiro enquanto egresso; no entanto, a

prática parece caminhar ao inverso dessa orientação, como constará em sua fala no

próximo excerto. A formação voltada para desenvolvimento de uma atividade

prática, mas também, embasada e lastreada em saberes teóricos.

Quanto a isso, Tardif (2012) afirma que, em sua ação, o professor é forçado a

tomar decisões e a fazer escolhas, resultantes de julgamentos profissionais que não

se limitam a um saber empírico, antes disso, em vários tipos de juízo para estruturar

e orientar sua atividade profissional, com frequência em valores morais ou normas

sociais.

Um dia estava numa reunião na Escola de Saúde Pública, e eu nunca vou esquecer isso, e uma enfermeira. Era só pra enfermeiro, muitos enfermeiros e muitos docentes de todo o estado do RS, e uma enfermeira disse assim: “na época em que eu era assistencial eu também fazia essas coisas assim, tudo errado...”. Bom, eu esperei a minha vez de falar e disse: -eu acho que com todo esse teu conhecimento de mestra já encaminhando um doutorado, eu tenho certeza absoluta que tu ia adorar ser atendida por esta profissional aqui. Porque eu não concordo que tu menospreze as pessoas que estão na linha de frente porque é uma... (acadêmica?), precisa, as pessoas que estão na linha de frente têm que se preparar e estudar muito. Tanto que surgiu o mestrado profissional. [...] uma grande decepção que eu tenho é que eu coordeno 2 cursos de pós, um curso de pós em Terapia Intensiva e um curso de pós em Urgência e Emergência. E percebo que alunos que vão buscar a especialização, eles querem o título. E aí é ruim pra mim, porque o aluno da graduação, eu dei aula um tempo pra técnicos de enfermagem, eles estavam muito ávidos pelo conhecimento também, assim como alunos da graduação. E este conhecimento o aluno da especialização não busca. Eles querem muito preencher o título pra entregar no serviço, pois este está exigindo deles. E, isso eu questiono como docente e cobro isso deles.

Através da fala da professora, sua relação com uma pós-graduação, mais

especificamente o Mestrado, o título, nos parece que lhe causa uma certa angústia.

Seu receio, ao que nos parece, recai quanto a realizar um trabalho que não supere

suas próprias expectativas. Os níveis de exigência sobre seu próprio trabalho e

sobre suas competências lhe causariam desencanto? Ela nos deixou claro, em seu

relato, o quanto é crítica. Outro fator que nos é colocado é a falta de tempo para

dedicar-se a um Mestrado da forma como considera ser necessária.

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[...] o título pelo título isso não leva a nada, então assim, eu não fiz o

Mestrado quando eu poderia ter feito. Primeiro eu sou uma pessoa extremamente crítica e eu nunca pensei que eu ia fazer um mestrado, que fosse fazer o mestrado, só para ter o título. Eu tinha que achar uma razão pra fazer esse mestrado. Eu queria achar dentro de mim uma razão pra fazer o mestrado. Que que eu quero pesquisar? O que que eu quero ver? O que isso vai mudar minha vida? O que que isso vai alterar? [...] Acho que baseado nisso, nesse reconhecimento que eu estou sendo empurrada pra frente, pra não desistir porque muitas vezes é cansativo. Às vezes, é 18 horas, às vezes vinte e quatro, mas esse gás vem do reconhecimento do aluno.

Podemos supor que a crença da professora recaia sobre a necessidade de

desenvolver algo que cause impacto na sua vida pessoal, profissional, mas também

para o aprimoramento do curso de enfermagem. Ela sente necessidade desse

reconhecimento para seguir em frente, superar seus obstáculos, as exigências

impostas por ela mesma para enfrentar o cansaço físico e mental.

Comungando da visão de Gomes e Moya (2015), quanto aos “interesses

constitutivos dos saberes”, referentes à prática educativa em saúde, esses moldam

a maneira como o conhecimento se constitui relacionado a diferentes atividades

humanas e, portanto, diferentes modos de pensar e ver a realidade e agir sobre ela.

Sob a perspectiva de Habermas (1982), o conhecimento humano é composto por

três interesses constitutivos do conhecimento humano: o interesse técnico, o prático

e o crítico. A orientação de cunho técnico visa ao controle, baseado numa educação

hierárquica, vertical, em que o profissional é o detentor do saber e do poder; e o

estudante, um repositório passivo do saber. A segunda orientação sustenta-se na

compreensão e interpretação da realidade, em que a prática de educação em saúde

é atividade complexa e socialmente construída e o processo educacional enraizado

no mundo pessoal dos indivíduos (significados, intencionalidade). Nesse interesse,

ocorre o processo de construção pessoal e do grupo; as ações para aprendizagem

são comunicativas e considera os desejos, interesses e expectativas. A orientação

de cunho crítico visa à capacitação dos indivíduos para que assumam o controle de

suas vidas, de forma independente e responsável, ou seja, ela promove a

autoreflexão para a realização de seus objetivos ao transformar condições sociais;

intenta à autonomia e à liberdade. Isso se dá na educação em saúde, de forma

dialógica, democrática e com participação crítica para sua emancipação e mudanças

nas realidades sociais.

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Segundo Tardif (2012, p. 213), a relação entre o saber do professor e sua

ação não é uma relação transparente nem de domínio completo, porque “não

fazemos tudo aquilo que dizemos e queremos; não agimos necessariamente como

acreditamos e queremos agir”.

O discurso sobre a ação é parcial e esta prática não é realizada com

consciência clara dos objetivos, das consequências e das motivações afetivas. O

conhecimento do professor é mais amplo que seu discurso. Incorporado ao seu

trabalho estão competências, regras, recursos e motivações que, por vezes, foge a

consciência explícita. Assim como da sua ação, o discurso é incapaz de revelar o

todo de sua ação, tom de voz, componentes corporais, emoções, dentre outros.

Dialogando sobre essas ações, citamos Pimenta e Anastasiou (2010) quando

abordam sobre a capacidade profissional competente em ser professor:

Essa capacidade é construída por meio de novos cursos e das vivências profissionais, ao longo de sua carreira. No entanto, em se tratando do professor universitário que atua em áreas específicas e tem outra carreira, a profissão docente passa a ser também sua carreira, embora muitas vezes as instituições de ensino superior não atentem para isso. Essa desconsideração acerca da profissão docente pode levar a não construção dessa capacidade de conceber e implementar novas alternativas diante da realidade do ensino, que nos desafia, com seu movimento, suas crises e seus problemas (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010 p. 106-107).

Diante disso, percebemos que, apesar dos conflitos internos relatados na

última citação, ROSA carrega a responsabilidade e a consciência da necessidade de

formação específica para a docência. O campo fértil que são os alunos, futuros

profissionais do amanhã e todo dever e compromisso que ser professor lhe atribui,

das expectativas geradas por si, principalmente, e pelos demais enquanto professor.

Talvez haja, ainda, algo pulsátil em sua memória, quanto ao empoderamento de sua

antiga professora: “ela tinha o conhecimento, ela mandava ali, ela tinha o poder”

(ROSA).

Quiçá uma busca de reproduzir e buscar o reconhecimento por este trabalho

desenvolvido em ambas as “frentes”, na prestação do cuidado assistencial e do

gerenciamento, mas também desempenhando a profissão docente, o ESTAR

docente.

O porquê de sua prática docente nos parece um caminho sendo traçado no

sentido de minimizar o distanciamento entre a teoria e a prática, na busca para

desvelar um universo de trabalho, onde ambas são interdependentes e coexistem. É

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preciso conhecer o trabalho, a práxis, a ação e desenvolver saberes sobre como

atuar nestes cenários dinâmicos de cuidados assistenciais prestados. Nesse sentido

fica claro a necessidade da competência, composta de habilidades, saberes e

recursos.

[...] o título pelo título isso não leva a nada, então assim, eu não fiz o Mestrado [...]. O que que isso vai alterar? Né? Porque pra mim nesse momento como docente ele muda. Muda. O salário muda meu status, muda tudo. Aqui (hospital) não muda nada. Não muda um centavo. [...] mas tu como professora, dentro da tua sala de aula também [...] [...] na sala de aula não. Eu preciso preencher requisitos. É claro que eu vou aprender, a gente sempre aprende.

Ao falar isso, representa-nos que ROSA elenca o significado da sua atuação.

Considerando-se, também, seu discurso como aprendente. A liberdade de poder

desenvolver um trabalho criativo, que busca e fomenta o cenário da realidade ideal.

Ser professora, dar suas aulas, mostrando como deveriam ser as situações em seu

melhor sentido. Isso lhe serve de mola propulsora; é este seu objetivo final, o PARA

QUE de sua atuação enquanto professora.

Assim sendo, Josso (2004), afirma que aprender é o próprio processo ou

capacidade de integração do conhecimento com a prática do saber-fazer. Sendo

especificamente este o caminho que ROSA busca percorrer, como propósito de sua

prática docente: integralizar a teoria e a prática. Aprendendo enquanto ensina, neste

caminhar, também ensina aprendendo, buscando passar um retrato do cenário ideal.

E que eu fico triste de ver quando a gente tá perdendo as rédeas e o que a gente tinha conquistado já aqui (no hospital). Então isso me dá uma tristeza. Aí eu penso, bom, mas eu me compenso dessa tristeza, a minha compensação é lá com os acadêmicos. E muitas vezes eu pergunto: mas será mesmo que eu tenho tudo isso pra passar de bom pra eles com essas experiências assim tão frustrantes dentro da nossa enfermagem que a gente não consegue lugar, um espaço? A gente pensa que conseguiu, vem alguém lá e puxa o tapete da gente que nós temos que recomeçar de novo, que nem aqui novamente, estamos de novo...Eu tô plantando, eu planto. E tem reconhecimento. Eu coloco uma ideia no face (facebook), em questão de 1 hora tem 300, 400 curtidas. Porque eu consigo mexer com os alunos nesse sentido. Eu tenho uma coisa nata, minha.

Assim, temos uma ação intencional que requer uma competência (saberes,

habilidades e recursos). Estes saberes estão atrelados a uma ideia de exigência de

racionalidade do que se faz, evidenciada, segundo Tardif (2012), na argumentação e

no discurso sobre as razões para justificar seus atos, indagando o locutor sobre as

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causas e os motivos de seu discurso ou ação; o porquê emergirá dos argumentos ou

motivos ao prestar contas de seu comportamento.

Ainda segundo Tardif (2012), a ideia de exigência de racionalidade nos

saberes relaciona-se ao “modelo intencional” do ator humano, agindo não como

máquinas, mas como seres que racionalizam suas ações em função de um objetivo,

de finalidades, de meios, de projetos.

Por que o que que adianta fazer projeto de pesquisa na academia pra ficar arquivado na biblioteca da universidade? Projetos mega que nunca chegaram no chão da realidade do que nós precisamos? Hoje os nossos projetos, e eu oriento muito trabalho, são todos voltados pra mudar, um projeto de intervenção pra que a gente mude a nossa prática, a nossa realidade na área da assistência.

Verificamos, nessa transcrição, a renitência de ROSA com o teorizar a teoria,

desvelando-nos o porquê e o para que de sua atuação docente. Explicitamente, ela

nos aponta a racionalidade dos saberes ao realizamos as indagações propostas por

Tardif (2012): a intencionalidade do ato, o seu propósito, e os meios; uma vez que

os comportamentos, a consciência e os próprios saberes do professor são limitados.

Não comportaríamos saber tudo a respeito de algo, principalmente quando esta

atividade é um meio, os seus objetivos e resultados claramente sofrerão influência

de outros aspectos subjacentes que lhe fogem ao controle e que, por vezes, não

poderão ser previstos.

Na minha visão precisa ter tudo isso (vivência prática). Porque eu pergunto: como que um professor vai fazer tudo isso se ele não viveu isso? Tá? Eu dou toda a aula de pré-hospitalar eu trabalhei aqui neste hospital, nós ajudamos a montar o SAMU. Tu nunca foi enfermeira do SAMU? Não, mas eu levo meus alunos. Eu fiz! Eu saí nas ambulâncias do SAMU de São Leopoldo só pra ver como é que era, entendeu? Pra poder ver como é que era isso, porque eu não tinha vivido isso. Só tinha vivido o que o SAMU me traz aqui na Sala Vermelha.

Para ROSA, o sentido sensato da formação em enfermagem deveria ocorrer

inversamente ao que temos hoje. Uma profissão de alma prática deveria repensar o

currículo, oferecendo maior abertura e espaço para as vivências práticas,

oferecendo ao aluno o aprender, fazendo, ou seja, na prática.

Segundo Josso (2004, p. 51), “esta formação experiencial designa a atividade

consciente do sujeito que efetua uma aprendizagem, imprevista ou voluntária em

termos de competências existenciais”. Sobre esta formação experiencial, “ter e fazer

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experiências” estão imbricadas no processo de elaboração das vivências, que

resulta, a posteriori, na ampliação do campo da consciência, na criatividade, na

autonomização, na responsabilização, que, segundo a autora, “estão evidentemente

inscritas nos processos de aprendizagem, de conhecimento e de formação”.

Ainda para Josso (2004), é na construção das experiências que se dá a

formação propriamente dita, elencando três modalidades: i. “ter experiências”; ii.

“fazer experiências”; iii. “pensar sobre as experiências”. Contextualizando as práticas

efetivas das histórias de vida, a autora apresenta-nos, de forma sistematizada, os

diferentes componentes da formação visando a uma melhor compreensão. Afirma

que este processo é uma formatação lógica dos processos experienciais, assim

como Tardif (2012) nomeou a racionalidade dos saberes.

Numa perspectiva reflexiva sobre a sua ação, ROSA discorre sobre o respeito

ao aluno, mas também sobre a necessidade do conhecimento e dos saberes, as

habilidades básicas para sua formação e atuação enquanto enfermeiro. Coloca,

conscientemente, os objetivos da ação e, não modestamente, os seus saberes e o

resultado que espera alcançar junto ao aluno.

Uma aluna que chega pra mim e me diz que não gosta de trabalhar em emergência; eu disse olha eu vou te dizer 2 coisas: para tu ser enfermeira formada pela UNIFLOR tu tem que gostar 60 % é a nota 6 pra passar. Para tu teres o mesmo diploma que o meu, porque eu sou formada pela UNIFLOR, eu quero que tu tenhas 100%. Porque eu quero que tu seja minha colega no mesmo padrão. Então eu vou te ensinar pra tu saber 100%. Agora tu não é obrigada a gostar dessa área, porque nem todo mundo vai gostar da emergência, nem todo mundo... E eu respeito, eu respeito as que gostam da saúde da mulher, as que gostam de trabalhar com criança, as que gostam de trabalhar... respeito, né? Mas é preciso ter aquele conhecimento.

Segundo Tardif (2012, p. 222), sob a perspectiva de Schön (1983), sobre o

“prático reflexivo”, à proporção que as competências docentes são competências

profissionais, estão “diretamente relacionadas a suas capacidades de racionalizar

sua própria prática, de criticá-la, de revisá-la, de objetivá-la, buscando fundamentá-la

em razões de agir”. Têm se composto o sujeito dotado da razão, argumentativo e

deliberativo1.

1 A menção ao “prático reflexivo” de Schön (1983) expresso aqui, é tão somente exprimir a ideia do

ato de refletir sobre a prática docente do enfermeiro de formação, não tendo a intenção de abranger a obra do referido autor.

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Refletindo sobre os saberes do por que e para que da atividade docente,

ROSA demonstra o respeito que tem pelo aluno enquanto pessoa, seus

conhecimentos e afinidades, mas, ao mesmo tempo, também espera o respeito pela

profissional que é. O porquê da sua atividade docente visa a ajustar a relação entre

a teoria e a prática. Com esse objetivo alinhado à sua maneira de ser/ fazer/ estar na

docência, para além de títulos, busca demonstrar, na prática, experiências que

compõem sua bagagem pessoal e profissional, busca conscientizar o aluno da

necessidade do conhecimento teórico, principalmente, da aplicação prática desses

saberes. Atua na docência com o propósito de instigar o aluno na busca pelo saber,

de desacomodá-lo e semear, nele, o desenvolvimento da profissão em sua forma

ideal.

4.5 A docência da auto (des)construção

4.5.1 O constituir-se docente

Como para ROSA, a constituição docente de profissionais advindos de outras

áreas profissionais, faz-se necessária formação específica e intencional.

Parafraseando Pimenta e Anastasiou (2010), “dos saberes específicos aos saberes

da docência para que se constitua um profissional com profissionalismo (exercício

intencional, compromissado com seus resultados, desenvolvido com pesquisa,

aberto a transformações)” (p. 90).

Após sua “experiência” na infância ao alfabetizar algumas vizinhas, sentiu que

poderia desenvolver competências para a docência; percebeu que gostava e lhe

causava bem-estar o ato de ensinar e buscou, em diferentes momentos, atuar em

sua trajetória, na práxis, enquanto docente.

E a gente brincou aquilo até o 4º ano primário e depois quando os meus pais se mudaram daquela casa, aquelas meninas sabiam escrever. E eu voltei lá depois de adulta e encontrei elas lá, e elas leem até hoje (emociona-se) eu fico emocionada... elas nunca foram pra escola... Elas estão lá, ela tem a minha idade, os filhos delas sabem ler e leem. E escrevem (elas) e nunca foram pra escola [...] o paciente grave me atraiu assim também. E aí eu comecei. Quando eu vim pra cá (hospital) eu não era professora, e nem cursava, eu só trabalhei. Eu não tinha, hã, tanto que na minha trajetória nunca parei pra fazer o Mestrado, eu vim pra cá e comecei trabalhar, e aqui eu trabalhei.

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O desenvolvimento profissional de um docente do ensino superior de uma

área profissional específica requer formação, seja ela uma licenciatura (formação

inicial) ou a continuada ou institucional, seja a formação em serviço com as

experiências de vida profissional.

Josso (2004) faz uma distinção entre as “experiências existenciais” e a

“aprendizagem pela experiência”. A primeira diz respeito ao todo da pessoa, sua

identidade e sua maneira de viver; a segunda, está diretamente relacionada à

aquisição ou ao desenvolvimento de uma competência ou a um saber-fazer

instrumental em que, segundo a autora, não há uma metamorfose do ser; o que

ocorre são contribuições ou perdas, implicando a presença ativa do ser, composto

de seu ser existencial e dependente de sua plasticidade para desenvolvimento e

aquisição dessas competências a partir das experiências formadoras.

Josso (2004) afirma, ainda, que a formação experiencial designa a atividade

consciente de um sujeito que efetua uma aprendizagem imprevista ou voluntária, em

termos de competências existenciais (somáticas e afetivas), ocorre quando o

aprendente, por ocasião de um acontecimento, entra em contato consigo, com o

outro, com o meio, num ou em diferentes registros.

Perrenoud (2013) afirma ser necessário o desenvolvimento de competências

mais complexas a partir da progressão e do desdobramento de cada habilidade ou

famílias de habilidades num contexto controlado das situações e vivências. Como no

caso estudado, são as experiências intencionais que a professora proporciona aos

seus alunos nas atividades práticas em campo e em laboratório. Sendo necessária a

emergência de múltiplos saberes desencadeados logicamente e em sinergia ao uso

de múltiplos recursos.

Esta aprendizagem pela experiência de Josso (2004) e as competências de

Perrenoud constituem, verdadeiramente, a professora ROSA. Seus saberes e

habilidades são oriundos, essencialmente, de sua práxis. Suas experiências

formadoras aglutinaram-se e estruturaram-se ao longo de sua vida profissional,

lapidadas pelas experiências existenciais, formando e constituindo sua identidade

docente. Sua história de vida profissional e a constituição docente formam um

espiral; não nos compete saber o que ou qual delas contribuiu majoritariamente para

a outra. No desenvolvimento e atuação, as duas profissões foram sendo lastreadas

e frisadas por fatos, acontecimentos, sentimentos de múltiplas significações,

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contribuindo e galgando o desenvolvimento de habilidades e aptidões, ou seja,

esses elementos construíram competências para a realização de suas atividades

para que chegasse à tomada de consciência dos objetivos finais de suas ações

desenvolvidas, racional e intencionalmente, no ato de ensinar e aprender.

“E muitas vezes eu pergunto: mas será mesmo que eu tenho tudo isso pra

passar de bom pra eles com essas experiências assim tão frustrantes dentro da

nossa enfermagem [...]?”

A professora questiona-se sobre seus saberes, sua competência no confronto

com a práxis de sua profissão de formação, sobre as situações vivenciadas no

âmbito de seu local de trabalho, das relações interpessoais. No entanto, quando

questionada sobre a crítica que faz do seu dia a dia, enquanto docente, limita-se a

afirmar que é uma aprendente. Não verbaliza afirmativa ou negativamente uma

atitude de reflexão de suas práticas docentes.

É claro que eu vou aprender. A gente sempre aprende. Eu aprendo todos os dias, em todos os meus plantões, em todos os estágios com todos os meus alunos, tá, eu aprendo. Sempre estou trocando com eles, porque eles vivem outras coisas, eu vivo outras, a gente tá fazendo uma troca. A gente aprende no dia a dia. Todo dia a gente aprende.

Nessa fala observamos as influências e transformações, paulatinamente,

circunscritas em sua atuação, em seu ser existencial, na sua postura e visão de si

mesma, acarretadas por suas atividades profissionais. Esse ser que também

aprende ao ensinar, transforma a si mesmo neste processo de ir e vir, nas reflexões

e novas significações sobre sua atuação. Estas novas aquisições, habilidades e

competências plasmam um novo indivíduo a cada experiência intencional,

objetivada, por vezes, dependente do resultado de sua ação, se bem ou mal

sucedidas. O todo servirá de base a novos aprendizados, sob uma atitude reflexiva,

racionalizada. Neste sentido, citamos:

Certas aprendizagens podem pôr em questão a coerência das valorizações orientadas de uma vida, revolucionando assim referenciais socioculturais e determinando uma transformação profunda da subjetividade, das atividades e das identidades de uma pessoa (JOSSO, 2004, p. 56).

Olhando sob esta perspectiva de mudanças nos paradigmas existenciais, um

tanto relutante com a busca de formação específica na pós-graduação, ROSA não

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deixa de refletir sobre o seu fazer, sobre a necessidade da formação para além das

experiências formadoras, buscando manter-se atualizada e em constante formação

também no campo da educação. Essas mudanças, em seu âmago e sob uma

atividade de reflexão sobre o seu saber-ser-fazer docente, buscam percorrer o

caminho proposto por Pimenta e Anastasiou (2010) quando nos revela seu esforço

em aprimorar-se, o que é observado nesta fala:

[...] usar metodologias ativas [...] eu vou ter que aprender. Os professores mais antigos estão tendo que se desconstruir e se reconstruir. Eu estou fazendo um curso de especialização em docência na UFRGS, uma especialização em docência na área da saúde que é do Ministério da Saúde com o Ministério da Educação, o EDUCASAÙDE. E meu projeto foi selecionado pra fazer esse curso. Ele fala de muita coisa diferente pra gente fazer na sala de aula, é uma forma de a gente se atualizar. Mas acho que o professor precisa sim ter experiência. Na prática, ele precisa ter. Por que como é que ele vai ensinar?

Ainda sob a égide (e em defesa) da prática, ROSA percebe a necessidade da

construção de competências pedagógicas para a atuação em sala de aula, para o

processo sistematizado e fundamentado de ensinar, para além da ideia de

competência nata.

4.5.2 A formação das competências

Como vimos até aqui, uma competência supera o conceito de habilidade e

destreza; ela precisa ser munida, construída, desenvolvida e resultar em uma ação

prática e eficaz.

Perrenoud (2001) afirma que uma competência é um produto da aprendizagem

fundamentado na ação, sendo o poder de agir eficaz em determinada situação ao

mobilizar e combinar em tempo real e de forma pertinente os recursos ou

habilidades intelectuais e emocionais. Saber fazer a coisa certa na hora certa. Desse

modo, podemos inferir que a construção desta competência começou a ser

construída de forma empírica, que foi ganhando robustez no aprender fazendo, nas

experiências.

E aí eu comecei a dar aulas dentro do que eu sabia. Entrei na sala de aula bem assim, olha eu não sou professora, é a minha primeira turma, assim, né. E, eu bah, assim, trabalho até hoje, né? Assim, com os alunos, então a minha relação com os alunos é uma relação muito boa, né, eu tenho um

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reconhecimento, né, eu já fui professora homenageada. Eu acho que só tem 2 anos que eu não fui professora homenageada. E fui paraninfa de não sei quantas turmas ao longo desses anos.

Tardif (2012) afirma que a competência é:

Um sistema de conhecimentos, tanto declarativos (do que se trata) quanto condicionais (o quando e o porquê) ou processuais (o como), organizados em esquemas declaratórios permitindo, no interior de um conjunto de situações, não apenas a identificação de problemas, mas também a sua resolução, por meio de uma ação eficaz (p. 31).

Revisados os conceitos de competência, a professora mostra-se competente

na realização de suas ações, tanto na profissão de enfermeira, quanto na sua

atuação docente.

Porque assim, eu levo pra docência a minha vivência aqui. Então, eu estudo muito, eu fundamento todo o meu trabalho, eu estudo muito eu faço isso. MAS A MINHA COMPETÊNCIA, ELA SURGIU DA MINHA PRÁTICA, ela surgiu da minha prática. Embora eu acho que a gente tem que, o docente tem que, ele tem que ter essa prática, às vezes eu questiono isso com alunos, que já no dia da formatura já estão no Mestrado pensando no Doutorado e nunca assumiram (a assistência, o cuidado). [...] Só que assim, a academia, ela viu que ela precisa também das pessoas que trabalham na linha de frente, nós precisamos disso, tanto que os projetos do Ministério (da Saúde) hoje eles estão fazendo os PETs, que são os projetos que é ensino no trabalho, é a academia entrando dentro do trabalho. Por que o que que adianta fazer projeto de pesquisa na academia pra ficar arquivado na biblioteca da universidade?

A professora defende a articulação da teoria com a prática, não concebendo o

ensino de enfermagem, a formação do profissional crítico-reflexivo, como preconiza

as Diretrizes Curriculares Nacionais - DCNs, livre desta articulação. Acredita que a

criticidade sobre o ato de prestar o cuidado e de demonstrá-lo ao aluno deve ser o

ponto alto da educação voltada a uma atividade essencialmente prática. Revela que

também estuda muito, é reflexiva e fundamenta sua prática na teoria; também que o

trabalho empírico serve de alimento para fomentar o movimento constante de busca

por conhecimentos na teoria científica.

Como observamos anteriormente, ROSA busca elementos para sua atuação

profissional enquanto docente, já que sente a necessidade dessa evolução frente às

mudanças exigidas pelos novos alunos, pelas novas tecnologias. Sente-se também

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incomodada e percebe a necessidade e as exigências que há relacionadas aos seus

conhecimentos, uma vez que estes também precisam expandir-se.

Assim, sobre a constituição do docente, em se tratando de competência para

o exercício da profissão, é oportuno colocar quais são os elementos constitutivos da

profissão segundo Pimenta e Anastasiou (2010),

[...] formação acadêmica, conceitos, conteúdos específicos, ideal, objetivos, regulamentação, código de ética – têm características próprias que constituiriam a formação inicial, se ela ocorresse. Como ela não ocorre, esses aspectos devem ser considerados nos processos de profissionalização continuada (p. 107).

Logo, a partir de suas várias colocações, observamos que a atuação de

ROSA não acontece de forma displicente, mas deliberada, com caráter emancipador

do professor aprendente e do seu aluno. O futuro profissional tem seus saberes

respeitados e, por ocasião, reorientados, um processo sistemático de aquisição, de

revisão e reflexão, construindo-se pontes para o ir e o vir de informações,

conhecimentos, questionamentos, angústias etc.

4.5.3 As estratégias pedagógicas como prática para o empoderamento do

enfermeiro-professor

Uma das práticas pedagógicas que ROSA menciona sobre o que caracteriza

um bom professor é o aproveitamento dos saberes dos alunos. Atuando como

professora de disciplinas que contemplam profissionais de diferentes áreas, como no

caso de Primeiros Socorros, ela nos fala sobre o levantamento e aproveitamento dos

saberes prévios dos alunos. Há respeito pelos conhecimentos e às vivências já

experienciados que esses portam, proporcionando-os momentos específicos para

que demonstrem esses saberes. Ela busca balizar esses saberes, o que precisará

ser contemplado e alinhado com os alunos a partir disso.

(quanto aos saberes prévios) [...] assim como eu aproveito de todos, porque

eu tenho lá nesta disciplina a Fisio, a Educação Física, Psico, Nutrição, Enfermagem, são todos misturados. Às vezes, tem uns que querem fazer não no semestre que está recomendado, me aparece um lá do 3º, 4º semestre, tá, e aí tem um do 7º do 8º semestre, e aí tem um do 9º, aí a gente faz o compartilhamento do conhecimento.

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Indagada sobre como prepara e estabelece suas aulas, ela nos responde de

forma um tanto furtiva:

[...] olha eu monto em cima do que eu estudo. Claro que depois ao longo desses anos eu fui fazendo cursos de capacitação. Eu trabalho numa universidade privilegiada que tem todos os anos capacitação docente, então assim, eles vão ajudando, sabe, mas eu não consegui agora depois desses anos todos (fazer o Mestrado), eu trabalho manhã, tarde e noite. Eu tenho alunos o tempo inteiro.

Faz um desabafo quanto ao receio vivenciado diante das novas perspectivas

quanto à situação atual do ensino da enfermagem, com as exigências do mercado

de trabalho, tanto para o docente quanto para o conceito da universidade e do

profissional egresso, por ela formado:

Nós estamos passando nesse momento passando por uma reforma muito grande dentro do ensino e da docência, que nós temos que usar as tecnologias ativas, né? Metodologias ativas pra ensinar usar toda essa tecnologia que tá aí, e levar pra dentro da sala de aula. Onde aquela aula expositiva com slides e tudo mais, é uma aula que está caindo fora assim ela não é mais, ela ainda seduz dependendo muito do professor que dá e da forma que ele prepara o seu material. Ela ainda é uma aula que eu na minha experiência não descartaria ela no total. Mas usar metodologias ativas é o que se está discutindo hoje o tempo inteiro, eu vou ter que aprender então os nossos professores mais antigos estão tendo que novamente nos desconstruir para nos construir novamente, nos reconstruirmos novamente dentro dessas tecnologias ativas. Usar assim, por exemplo, o celular dentro da sala de aula, que para alguns professores é um incômodo, então vai usar o celular como uma tecnologia para o aluno [...].

Sobre os diferentes aspectos que busca trabalhar no aluno, o respeito ao

saber prévio, ter conhecimento do que o aluno está buscando e o que, como

docente, poderá lhe oferecer, mediando seu aprendizado que levará para a vida

profissional, o que seria seu ponto forte, nos coloca que:

[...] o que ele vai levar, e como seduzir, como encantar esse aluno, como tu... porque assim lê um artigo é maçante, ler um artigo sobre um assunto. Principalmente pra um aluno que chega pra mim assim: me fala sobre... sei lá... eu não gosto desta área. Eu vou respeitar.

Buscando desvelar especificamente suas atividades práticas, ao trabalhar o

conhecimento, questionamos o seu fazer, o que é a professora ROSA ministrando

aula:

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Eu, eu trabalho com eles, eu faço várias atividades, eu tenho aulas práticas, eu tenho aulas teóricas, slides, powerpoint, aquela tradicional; eles têm que fazer pesquisa, eles têm que fazer resenha, eles precisam fazer trabalhos, trabalhos com que eles têm que buscar exemplos no estágio, na prática, eles têm que trazer estágio. Eles têm que fazer, por exemplo: Drogas Vasoativas: eles têm que fazer o estudo sobre drogas vasoativas, mas eles têm que me exemplificar cada droga que foi usada, um paciente que eles atenderam no estágio que estava usando essa droga e por que é que ele estava usando aquela droga. [...] Tem que trazer o exemplo daqui do campo, ele tem que fazer isso. Eu faço simulados, hoje mesmo eu tive uma simulação realística, da disciplina de Socorros onde eles aprenderam toda a teoria, tivemos várias práticas ao longo do semestre. Esse hoje foi a prova prática, na rua, no pátio. O mercado está cheio.

Dialogando sobre a utilização de metodologias ativas, como simulações e das

tecnologias em aula e suas finalidades pedagógicas, diz que:

Tudo! Teve 4 atendimentos de urgência, teve parto de urgência, teve atropelamento, teve obstrução de vias aéreas por uma bala, uma sufocação, e os alunos têm que atender. Então, os alunos são os pacientes, são vítimas, uns atendem, uns fazem a simulação como se eles fossem o leigo, o familiar que está ali fazem todo aquele teatro, a gente faz maquiagem, maquiam todas as lesões. Eles têm que me dar o roteiro de sinais e sintomas que o paciente tem. Quem atende o quê. Eu sou o enfermeiro do SAMU, eu sou a mãe, eu sou o vizinho que está incomodando, eu sou o repórter que chega lá, aí eles criam esse cenário e eles vão para o pátio da UNIFLOR atender. E passei a manhã inteira lá com eles. Hoje eles tiveram todas as simulações. E eu assim, eu hoje, eu tiro fotos, porque pra filmar com o celular é meio complicado tanta coisa, e pra fazer filmagem, muitas vezes eu filmei, e aí depois eu pego essa filmagem ou as fotos e levo pra eles na sala de aula e mostro. E aí? Que tal esse atendimento? Nunca mais esquece. Nunca mais.

A professora ROSA compartilha conosco momentos de suas aulas, desde o

planejamento, ao momento da execução, principalmente a reflexão sobre a atividade

exercida junto aos alunos, instigando-os a um olhar crítico, a reflexão sobre a prática

e sua relação com o aporte teórico. Trabalha de diferentes formas e sob diferentes

aspectos uma mesma situação, expandindo o campo de saberes dos alunos,

reinventando-se também; aprendendo enquanto ensina. Demonstra-se

entusiasmada ao falar, gesticula e tem uma entonação forte na voz. Percebemos

seu aprazimento ao discorrer, orgulha-se de suas atividades como docente, e é

enfática ao dizer que o aluno “nunca mais esquece”.

ROSA traz segurança em sua fala. Segurança esta adquirida pela experiência

competente, pelo aporte de conhecimentos, pelo empoderamento daquilo que

pratica e exercita enquanto enfermeira e enquanto docente.

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Para Czuba (1999), a percepção sobre poder remete à ideia de controle e

dominação. O conceito de empoderamento relaciona-se ao poder que pode ser

expandido, ou seja, compartilhado, comungado, de efeito recíproco. O poder

adquirido fortalece o poder dos demais, ao contrário de diminuí-los como ocorre em

relações de dominação/poder. A definição de poder como processo emergente das

relações, como capacidade de execução de algo que pode ser partilhado, gera a

possibilidade de empoderamento, ou seja, é o desenvolvimento, a construção

compartilhada socialmente do poder. O empoderamento é multidimensional

(dimensões sociológicas, psicológicas, econômicas), social (indivíduo, grupos,

comunidade) e é um processo, isto é, um caminho que se desenvolve à medida que

se trabalha com ele. Um aspecto de suma importância desse conceito é a

imbricação do indivíduo com o grupo; o objetivo é capacitar as pessoas a ganhar o

controle de suas próprias vidas. Processo que promove o poder aplicável pelas

pessoas para uso em suas vidas, comunidades, sociedade e situações que julgam

ser importantes. Como na explanação abaixo na qual a professora fala sobre o

compartilhamento dos saberes e instiga a visão crítica para aprimoramento e

evolução do grupo:

[...] eles têm que olhar e analisar o que eles fizeram, eu não preciso falar. O grupo de lá já tá notando, ih, ih, entendeu? Então assim, eles têm no início eles ficam um pouco de intimidados de se expor, mas depois... Bom, elas fizeram um parto hoje, levaram até um fígado pra ser a placenta. Quando saiu a boneca, saiu! É realista! Eles tinham feito o cordão umbilical, tudo, tudo. Mas é claro que têm alguns alunos que se envolvem mais outros que se envolvem menos. Eu tenho práticas que a turma chega pra mim e: “ah eu não vou fazer porque eu nunca vou fazer isso na prática”, ok tá no teu direito. Ele nunca vai puncionar porque ele é da educação física, mas se ele quer viver aquilo também, eu deixo ele fazer.

Afirma que seu relacionamento com os alunos é pautado no respeito mútuo.

Inclusive, quando de uma negativa a participar nas atividades propostas, busca

mostrar por que aquele saber é importante. Desobriga o aluno se aquela não for sua

área, porém, é muito crítica sobre a necessidade do saber teórico e prático.

Quando questionada se sente necessidade de manter-se atualizada, de

buscar saberes específicos para o ato de ensinar, nos diz que:

Eu faço porque como docente eu preciso melhorar, pra agregar conhecimento, a gente sempre aprende, a vida inteira. Eu acompanho os

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alunos que fazem estágio curricular hoje, eu tenho uma turma que faz estágio no SAMU (toca o telefone), e aí eu vou lá com eles [...].

No momento dessa fala, ROSA encerra a entrevista por inevitabilidade de

cumprir sua agenda. Agradeço a entrevistada por sua participação e colaboração

neste trabalho.

Demonstra, nesse último pronunciamento, que sente a necessidade da

construção da competência específica para atuar como professora, buscando neste

curso de especialização novos conhecimentos e saberes para atuar em sala de aula.

Refletindo sobre sua prática, constata que saber fazer não é saber suficiente para

saber ensinar; busca percorrer o caminho intencional que a academia pode lhe

proporcionar para aperfeiçoar e aprimorar seus saberes em busca da permanente

construção da competência pedagógica.

Almeja, nesta caminhada como aprendente das práticas e conceitos da

Didática e da Pedagogia, apreender saberes imprescindíveis ao profissional que

deseja atuar como docente e a todo aquele que vislumbra empoderar-se da arte de

ensinar.

Portanto, o capítulo, em questão, procurou realizar a análise dos dados

coletados na pesquisa. A partir de então, tem-se algumas considerações com

possíveis resultados para a continuidade dos estudos nesse campo de investigação.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou conhecer a história de vida de uma enfermeira que

exerce, também, a docência. A construção de sua identidade, ao longo do tempo,

iniciou-se na infância, considerando o contexto e as lembranças da enfermeira-

docente, correspondendo a uma necessidade pessoal e social; para ela, uma vida

que queria buscar viver. Na busca de formar-se e exercer a enfermagem, realizou

investimentos, aprendendo a ser, foi ao encontro de si mesma. Após enfrentar

frustrações em sua área de atuação, traçou novos caminhos, consolidando sua

identidade profissional. Neste caminho, vislumbrou na docência um novo campo

para atuação profissional, pois já se identificava com a profissão e gostava de

exercê-la e era nesse campo que poderia trabalhar seus saberes de forma frutífera,

aplicando seu conhecimento de forma crítica e instigadora.

Considerando seu universo singular pessoal e profissional, com vistas a

responder a questão-problema, norteadora desta pesquisa, a saber: “Como o

enfermeiro-professor percebe sua formação e como se constrói como tal?”. Nesse

sentido, a pesquisa respondeu ao problema de pesquisa.

Constata-se que os resultados alcançaram o objetivo geral proposto nesta

investigação, o de refletir acerca da construção da competência pedagógica para o

trabalho docente de um enfermeiro na perspectiva de sua história de vida. O

trabalho foi fecundo, sendo com uma professora experienciada, percebemos quão

importante é a história de vida e as experiências formadoras no trabalho do

enfermeiro-docente, na constituição deste profissional que exerce a docência.

Sendo assim, respondendo aos objetivos específicos que compõem o

objetivo geral, ao considerarmos o primeiro, que busca desvelar o percurso de

formação profissional, inferimos que os resultados alcançados na investigação

referem-se ao profissional da saúde e à professora da academia como alguém que

desperta o desejo por essas profissões desde a infância. Este desejo manifesto

levou-a a galgar formação específica para exercer a profissão almejada, porque

nasceu e foi inflamado diretamente a partir do seu ambiente natural e das demandas

sociais que presenciou. Com o despertar para essas profissões, nasce uma vocação

para a concretização desta missão: o cuidar e o ensinar, ou seja, a enfermagem e a

docência, interpretando seu preparo para a docência como algo nato. Ao mesmo

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tempo, mostra-nos a necessidade da formação universitária, de investimento e

busca pessoal de aperfeiçoamento constante. A formação deu-se no âmbito da

graduação em Enfermagem, com pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica, hoje

nomeado Enfermagem em Saúde Mental.

No exercício e desenvolvimento do trabalho docente, ROSA participou de

constantes capacitações docentes, oportunizadas pela IES, instituição à qual

pertence; entretanto, frente a novas demandas, sentiu necessidade de formação

específica para a docência, com o intuito de complementar e qualificar sua atuação

em sala de aula. E, atualmente, cursa uma especialização em docência na área da

saúde, oferecida pelo Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da

Educação, o EDUCASAÚDE. Sendo assim, sua formação acadêmica é voltada à

área da Saúde, complementada, também, pela necessidade de formação na área da

Educação, cursando uma especialização voltada à qualificação de sua atuação em

sala de aula.

Ao respondermos ao segundo objetivo específico, que busca conhecer suas

vivências e experiências formadoras, o resultado que se mostra é que ela considera

que se constituiu docente na prática da enfermagem e da própria docência. Foi por

meio da prática da docência que adquiriu competências para atuação em sala de

aula. O saber ser/fazer/estar, no contexto de sua atuação, a impulsiona na busca

identitária, de sentido e, ao mesmo tempo, traz-lhe realização pessoal ao concretizar

e materializar o que se é diante da vida, seja em relação ao pessoal ou profissional.

Com isso, sabe-se o porquê e para que se faz algo, pois se toma consciência da

realização e da imagem de que realmente é aquilo que fazemos que dá sentido ao

exercício da profissão e da docência. Assim, compreendemos que sua identidade e

competência, do ser docente, está lastreada por sua história profissional enquanto

ser enfermeira. Sua práxis enquanto enfermeira, seus sentimentos, o saber fazer

nas vivências e experiências formadoras caracterizam sua subjetividade.

Entendemos como elementos constitutivos na construção de sua identidade e

capacitação docente. Os saberes experienciais, as vivências compartilhadas com os

pares e as lembranças de seus professores foram sobrepondo-se, acumulando-se,

acomodando-se; e acabam por dar forma no desenvolvimento deste ser/fazer/estar

docente. Não foram identificadas fases específicas em que ocorreu a constituição da

enfermeira enquanto docente e a construção de competência pedagógica, mas o

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próprio caminho percorrido na docência, a partir das experiências formadoras, no

aprender fazendo foram sendo tecidas, construídas e validadas tais competências.

O resultado encontrado visando ao terceiro objetivo, que foi o de buscar,

identificar a origem de seus saberes docente, é um caminho percorrido com esforço

nesta constituição, levando em conta o objetivo anterior, em que a origem de seus

saberes docente foi construída a partir das próprias experiências. Essa origem

ocorreu através da racionalização das vivências e experiências formadoras, da

atualização constante, da perseverança na busca por formação na constituição da

profissional no qual se tornou. Desse modo, as competências necessárias para o

exercício da profissão docente originam-se das suas experiências de vida, vivências

formadoras, por meio da busca pelo saber específico para o desenvolvimento da

profissão docente, nas capacitações e por meio do aprender fazendo, na própria

prática, além das lembranças que traz enquanto aluna, na reprodução da forma

como foi ensinada.

Foi possível também observar que a convivência no espaço acadêmico

coloca-a em lugar de autoridade intelectual e, por isso, pode-se inferir o quanto a

vivência das práticas aliam-se, ainda que de forma sutil, à dinâmica intelectual

proporcionada pela prática docente universitária. Aperfeiçoar o profissional que é, a

partir da observação da realidade concreta do fazer diário, a tomada de consciência

e de sentido da necessária qualificação profissional e investimento acadêmico para

a docência.

Seus saberes e habilidades são oriundos essencialmente de sua práxis. Suas

experiências formadoras aglutinaram-se e estruturaram-se, ao longo de sua vida

profissional, lapidadas pelas experiências existenciais, formando e constituindo sua

identidade docente. Sua história de vida profissional e a constituição docente

formam um espiral; não nos compete saber o que ou qual delas contribuiu

majoritariamente para a outra. O desenvolvimento e atuação de ambas as profissões

foram sendo lastreadas e frisadas por fatos, acontecimentos, sentimentos de

múltiplas significações que foram contribuindo e galgando o desenvolvimento de

habilidades e aptidões, ou seja, constituindo competências para a realização de

suas atividades para que chegasse à tomada de consciência dos objetivos finais de

suas ações, desenvolvidas racional e intencionalmente, no ato de ensinar e

aprender o cuidado. A origem dos saberes perde importância frente à competência

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de mobilização, invocação e interação desse aporte integralizado para a realização

da intenção educativa do momento, a competência. O desenvolvimento desses

saberes se dá, de certa forma, demandando um custo: não sem abnegação, não

sem sofrimento, não sem prática reflexiva, não sem abertura para ver em si, uma

aprendente.

No desenvolver da pesquisa, conseguimos responder ao quarto objetivo

específico que busca explorar as Práticas Pedagógicas de Rosa, ao compartilhar

conosco momentos de suas aulas, desde seu planejamento, ao momento da

execução e, principalmente, sua reflexão acerca da atividade exercida junto aos

alunos, instigando no aluno um olhar crítico, a reflexão sobre a prática e sua relação

com o aporte teórico. Ela elenca aulas expositivas, práticas, uso de metodologias

ativas, como nas simulações, uso de tecnologias como filmagens e fotos na

ilustração de trabalhos e o despertar da consciência crítica sobre a prática. Utiliza-se

de metodologias ativas, como as redes sociais, porém revela ter certa dificuldade no

trabalho com essa proposta e busca formação, na especialização, para aprimorar-se

sob este aspecto. Esclarece que trabalha de diferentes formas e sob diferentes

aspectos uma mesma situação, expandindo o campo de saberes dos alunos,

reinventando-se também, aprendendo enquanto ensina, almejando estreitar os laços

entre teoria e prática.

E, refletindo sobre sua prática, constata que saber fazer não é saber

suficiente para saber ensinar; procura, pois, percorrer o caminho intencional que a

academia pode lhe proporcionar para aperfeiçoar e aprimorar seus saberes em

busca da permanente qualificação e construção da competência pedagógica.

Assim, a partir da contemplação dos objetivos específicos, respondemos ao

objetivo geral proposto, que é refletir acerca da construção da competência

pedagógica para o trabalho docente de um enfermeiro na perspectiva de sua história

de vida. O estudo mostrou que o docente é um indivíduo que se encontra inserido

em um meio social, de trocas e interações, e traz consigo saberes, valores e crenças

os quais compõem sua individualidade, seu universo singular. Empenha-se na busca

de sentido, nos estudos para mudar a situação e alcançar melhorias das políticas de

sua área de atuação, caso contrário, não servirá para nada as conquistas

acadêmicas, pois não saberá relacionar as possibilidades de mudanças. A

professora defende a articulação da teoria com a prática, não concebendo o ensino

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de enfermagem, a formação do profissional crítico-reflexivo, como preconiza as

Diretrizes Curriculares Nacionais, DCNs, livre dessa articulação. Acredita que a

criticidade sobre o ato de prestar o cuidado e de demonstrá-lo ao aluno deve ser o

ponto alto da educação voltada a uma atividade essencialmente prática. Revela que

também estuda muito, que é reflexiva e fundamenta sua prática na teoria. O trabalho

empírico serve de alimento para fomentar o movimento constante de busca por

conhecimentos na teoria científica.

Logo, a partir de suas colocações, observamos que sua atuação não

acontece de forma displicente, mas deliberada, com caráter emancipador do

professor aprendente e do seu aluno. O propósito de sua atuação docente tem o

objetivo de instigar o aluno na busca pelo saber, desacomodá-lo e semear o

desenvolvimento da enfermagem em sua forma ideal.

Assim, concluímos que o domínio dos saberes disciplinares, dos conteúdos e

das práticas constitui-se, ao longo dos anos, por meio das vivências e experiências

formadoras desenvolvidas na prática diária de interação em sala de aula com os

alunos. Obtém-se o conhecimento experiencial da educação no fazer pedagógico;

este saber fazer baseado nas experiências, contudo, mostra-se insuficiente. Para

isso, busca a formação formal para o desenvolvimento e domínio das práticas

pedagógicas, mesmo sendo uma docente experienciada. A enfermeira-docente

mostra-se competente na realização de suas ações como profissional enfermeira ou

quanto ao que leva para sua atuação docente.

A constituição do enfermeiro docente, no contexto da pesquisa, revelou um

amplo campo de descobertas e oportunidades. Nem todos foram explorados, dando

espaço para estudos futuros. Como sugestão para novos estudos, deixamos a ideia

de se (re) pensar um currículo com vistas à integração disciplinar, com disciplinas

relacionadas à educação, no desenvolvimento de competências voltadas ao ensino.

Para a educação em saúde e ao ensino. Disciplinas baseadas no conhecimento da

didática e de ações pedagógicas, ampliando, com isso, a educação em saúde para

ensino e aprendizagem. Ensinar o cuidado ao ser cuidado e munir de saberes e

técnicas reconhecidas, o ser cuidador. A didática traria contribuição significativa ao

currículo da enfermagem.

Pois, a enfermagem, como vimos, é a ciência e a arte do cuidado. A ciência

na enfermagem provém do conhecimento técnico científico, que se desenvolve com

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o cumprimento de uma estrutura curricular, cabendo ao docente o uso da

criatividade para sua flexibilização. A arte da enfermagem recai sobre os fazeres, a

dialética entre teoria e prática; a enfermagem como arte requer conhecimentos,

habilidades, sensibilidade e empatia do outro. Um aprender fazendo, exercendo,

sendo. Um saber experiencial. Portanto, qual melhor maneira de aprender o

cuidado, senão cuidando? Qual melhor maneira de ensinar o cuidado, senão,

igualmente exercendo e praticando este cuidado?

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ANEXO A – Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Enfermagem

1. PERFIL DO FORMANDO EGRESSO/PROFISSIONAL

Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva.

Profissional qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor

científico e intelectual e pautado em princípios éticos. Capaz de conhecer e intervir

sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil

epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as

dimensões biopsicossociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso

de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da

saúde integral do ser humano.

Enfermeiro com Licenciatura em Enfermagem capacitado para atuar na

Educação Básica e na Educação Profissional em Enfermagem.

2. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES

Competências Gerais:

Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito

profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção,

proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada

profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e

continua com as demais instâncias do sistema de saúde. Os profissionais devem

realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios

da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se

encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto a

nível individual como coletivo;

Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar

fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia

e custo-efetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de

procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir habilidades

para avaliar, sistematizar e decidir a conduta mais apropriada;

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Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem

manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com

outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve

comunicação verbal, não verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo

menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação;

Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde

deverão estar aptos a assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o

bem estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade,

empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de

forma efetiva e eficaz;

Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a fazer

o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e

materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem

gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde;

Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender

continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os

profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e

compromisso com a educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de

profissionais, não apenas transmitindo conhecimentos, mas proporcionando

condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os

profissionais dos serviços.

Competências e Habilidades Específicas:

O Enfermeiro deve possuir, também, competências técnico-científicas, ético-

políticas, socioeducativas contextualizadas que permitam:

Atuar profissionalmente compreendendo a natureza humana em suas

dimensões, em suas expressões e fases evolutivas.

Incorporar a ciência/arte do cuidar como instrumento de interpretação

profissional.

Estabelecer novas relações com o contexto social, reconhecendo a estrutura

e as formas de organização social, suas transformações e expressões.

Desenvolver formação técnico-científica que confira qualidade ao exercício

profissional.

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Compreender a política de saúde no contexto das políticas sociais,

reconhecendo os perfis epidemiológicos das populações.

Reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de

forma a garantir a integralidade da assistência, entendida como conjunto

articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais

e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do

sistema.

Atuar nos programas de assistência integral à saúde da criança, do

adolescente, da mulher, do adulto e do idoso.

Ser capaz de diagnosticar e solucionar problemas de saúde, de comunicar-se,

de tomar decisões, de intervir no processo de trabalho, de trabalhar em

equipe e de enfrentar situações em constante mudança.

Reconhecer as relações de trabalho e sua influência na saúde.

Atuar como sujeito no processo de formação de recursos humanos.

Responder às especificidades regionais de saúde através de intervenções

planejadas estrategicamente, em níveis de promoção, prevenção e

reabilitação à saúde, dando atenção integral à saúde dos indivíduos, das

famílias e das comunidades.

Considerar a relação custo-benefício nas decisões dos procedimentos na

saúde.

Reconhecer-se como coordenador do trabalho da equipe de enfermagem.

Assumir o compromisso ético, humanístico e social com o trabalho

multiprofissional em saúde.

A formação do Enfermeiro deve atender às necessidades sociais da saúde,

com ênfase no Sistema Único de Saúde (SUS) e assegurar a integralidade da

atenção e a qualidade e humanização do atendimento. Esta formação tem por

objetivo dotar o profissional dos conhecimentos, habilidades e atitudes requeridos

para a competência em:

Promover estilos de vida saudáveis, conciliando as necessidades tanto dos

seus clientes/pacientes quanto às de sua comunidade, atuando como agente

de transformação social.

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Usar adequadamente novas tecnologias, tanto de informação e comunicação,

quanto de ponta para o cuidar de enfermagem.

Atuar nos diferentes cenários da prática profissional considerando os

pressupostos dos modelos clínico e epidemiológico.

Identificar as necessidades individuais e coletivas de saúde da população,

seus condicionantes e determinantes.

Intervir no processo de saúde-doença responsabilizando-se pela qualidade da

assistência/cuidado de enfermagem em seus diferentes níveis de atenção à

saúde, com ações de promoção, prevenção, proteção e reabilitação à saúde,

na perspectiva da integralidade da assistência.

Prestar cuidados de enfermagem compatíveis com as diferentes

necessidades apresentadas pelo indivíduo, pela família e pelos diferentes

grupos da comunidade.

Compatibilizar as características profissionais dos agentes da equipe de

enfermagem às diferentes demandas dos usuários.

Integrar as ações de enfermagem às ações multiprofissionais.

Gerenciar o processo de trabalho em enfermagem com princípios de Ética e

de Bioética, com resolutividade tanto ao que tange o individual como o

coletivo em todos os âmbitos de atuação profissional.

Planejar, implementar e participar dos programas de formação e qualificação

contínua dos trabalhadores de enfermagem e de saúde.

Planejar e implementar programas de educação e promoção à saúde,

considerando a especificidade dos diferentes grupos sociais e dos distintos

processos de vida, saúde, trabalho e adoecimento.

Desenvolver, participar e aplicar pesquisas e/ou outras formas de produção

de conhecimento que objetivem a qualificação da prática profissional.

Respeitar o código ético, os valores políticos e os atos normativos da

profissão.

Interferir na dinâmica de trabalho institucional, reconhecendo-se como agente

desse processo.

Utilizar os instrumentos que garantam a qualidade do cuidado de enfermagem

e da assistência à saúde.

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Participar da composição das estruturas consultivas e deliberativas do

sistema de saúde.

Reconhecer o papel social do enfermeiro para atuar em atividades de política

e planejamento em saúde.

Descrição dos Procedimentos:

Estas competências e habilidades são básicas e subsidiárias das ações do

enfermeiro nos diferentes âmbitos de atuação, constituindo o núcleo essencial da

prática do enfermeiro generalista a partir do qual poderão advir outras ações,

conforme o projeto pedagógico do curso de graduação em enfermagem, cabendo-

lhe a coordenação do processo de cuidar em enfermagem considerando contextos e

demandas de saúde:

Correlacionando dados, eventos e manifestações para determinações de

ações, procedimentos, estratégias e seus executantes.

Implementando ações, procedimentos e estratégias de enfermagem avaliando

a qualidade e o impacto de seus resultados.

Promovendo, gerando e difundindo conhecimentos por meio da pesquisa e

outras formas de produção de conhecimentos que sustentem e aprimorem a

prática.

Assessorando órgãos, empresas e instituições em projetos de saúde.

3. CONTEÚDOS CURRICULARES

Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Enfermagem devem

estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da

comunidade, integrados à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a

integralidade das ações do cuidar em enfermagem. Os conteúdos contemplam as

seguintes áreas temáticas, a saber:

Bases Biológicas e Sociais da Enfermagem:

Ciências Biológicas e da Saúde – neste tópico de estudo, incluem-se os

conteúdos (teóricos e práticos) de Morfologia, Fisiologia, Farmacologia, Patologia

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(agressão e defesa), Biologia Celular e Molecular, Nutrição, Saúde Coletiva e Saúde

Ambiental/Ecologia.

Ciências Humanas – neste tópico de estudo, incluem-se os conteúdos de

Antropologia, Filosofia, Sociologia, Psicologia, Comunicação e Educação.

Fundamentos de Enfermagem: neste tópico de estudo, incluem-se os

conteúdos técnicos, metodológicos e os meios e instrumentos inerentes ao

trabalho do Enfermeiro e da Enfermagem em nível individual e coletivo,

incluindo: História da Enfermagem; Exercício de Enfermagem (Bioética, Ética

Profissional e Legislação); Epidemiologia; Bioestatística; Informática;

Semiologia e Semiotécnica de Enfermagem e Metodologia da Pesquisa.

Assistência de Enfermagem: neste tópico de estudo, incluem-se os

conteúdos (teóricos e práticos) que compõem a assistência de Enfermagem

em âmbito individual e coletivo prestada à criança, ao adolescente, ao adulto,

à mulher e ao idoso.

Administração de Enfermagem: neste tópico de estudo, incluem-se os

conteúdos (teóricos e práticos) da administração do processo de trabalho de

enfermagem e da assistência de enfermagem, priorizando hospitais gerais e

especializados, ambulatórios e rede básica de serviços de saúde.

Ensino de Enfermagem: neste tópico de estudo, incluem-se os conteúdos

pertinentes à capacitação pedagógica do enfermeiro, independente da

Licenciatura em Enfermagem.

Os conteúdos curriculares, as competências e as habilidades a serem

assimilados e adquiridos no âmbito de graduação do enfermeiro devem conferir-lhe

terminalidade e capacidade acadêmica e/ou profissional, considerando as demandas

e necessidades prevalentes e prioritárias da população conforme o quadro

epidemiológico do país/região.

Este conjunto de competências deve promover no aluno e no enfermeiro a

capacidade de desenvolvimento intelectual e profissional autônomo e permanente.

4. ESTÁGIOS E ATIVIDADES COMPLEMENTARES

· Estágio Curricular:

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Na formação do Enfermeiro, além dos conteúdos teóricos e práticos

desenvolvidos ao longo de sua formação ficam os cursos obrigados a incluir no

currículo o estágio supervisionado em hospitais gerais e especializados,

ambulatórios, rede básica de serviços de saúde e comunidades.

Na elaboração da programação e no processo de supervisão do aluno, em

estágio supervisionado, pelo professor, será assegurada efetiva participação dos

enfermeiros do serviço de saúde onde se desenvolve o referido estágio de, no

mínimo, 500 horas, realizado nos dois últimos semestres do Curso de Graduação

em Enfermagem.

· Atividades Complementares:

As atividades complementares deverão ser incrementadas durante todo o

Curso de Graduação em Enfermagem, e as Instituições de Ensino Superior deverão

criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante,

através de estudos e práticas independentes presenciais e/ou a distância.

Podem ser reconhecidos:

Monitorias e Estágios;

Programas de Iniciação Científica;

Programas de Extensão;

Estudos Complementares;

Cursos realizados em outras áreas afins.

5. ORGANIZAÇÃO DO CURSO

O Curso de Graduação em Enfermagem deverá ter um projeto pedagógico,

construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e

apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-

aprendizagem.

A aprendizagem deve ser interpretada como um caminho que possibilita ao

sujeito social transformar-se e transformar seu contexto. Ela deve ser orientada pelo

princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que

aponta à resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas. Este

projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante

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através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência.

Porém, deverá ter a investigação como eixo integrador da formação acadêmica do

Enfermeiro. Deverá induzir a implementação de programas de iniciação científica,

propiciando ao aluno o desenvolvimento da sua criatividade e análise crítica.

As diretrizes curriculares do curso de graduação em Enfermagem deverão

contribuir para a inovação e a qualidade do projeto pedagógico do curso. Assim,

diretrizes curriculares e projeto pedagógico deverão orientar o currículo do curso de

graduação em Enfermagem para um perfil acadêmico e profissional do egresso.

A organização do curso de graduação em Enfermagem deverá ser definida

pelo respectivo colegiado do curso, que indicará a modalidade: seriada anual,

seriada semestral, sistema de créditos ou modular.

Para conclusão do curso de graduação em Enfermagem, o aluno deverá

elaborar um trabalho sob orientação docente.

A Formação de Professores por meio de Licenciatura Plena será

regulamentada em Pareceres/Resoluções específicos pela Câmara de Educação

Superior do Conselho Nacional de Educação.

A estrutura do curso deverá assegurar:

A articulação entre o ensino, pesquisa e extensão/assistência, garantindo um

ensino crítico, reflexivo e criativo, que leve à construção do perfil almejado,

estimulando a realização de experimentos e/ou de projetos de pesquisa;

socializando o conhecimento produzido, levando em conta a evolução

epistemológica dos modelos explicativos do processo saúde doença.

As atividades teóricas e práticas presentes desde o início do curso,

permeando toda a formação do Enfermeiro, de forma integrada e

interdisciplinar.

A visão de educar para a cidadania e a participação plena na sociedade;

Os princípios de autonomia institucional, de flexibilidade, integração

estudo/trabalho e pluralidade no currículo.

A implementação de metodologia no processo ensinar-aprender que estimule

o aluno a refletir sobre a realidade social e aprenda a aprender.

A definição de estratégias pedagógicas que articulem o saber; o saber fazer e

o saber conviver, visando a desenvolver o aprender a aprender, o aprender a

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ser, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o aprender a conhecer

que constituem atributos indispensáveis à formação do Enfermeiro.

O estímulo às dinâmicas de trabalho em grupos, por favorecerem a discussão

coletiva e as relações interpessoais.

A valorização das dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno

e no enfermeiro atitudes e valores orientados para a cidadania e para a

solidariedade.

A articulação da Graduação em Enfermagem com a Licenciatura em

Enfermagem.

A contribuição para a compreensão, interpretação, preservação, reforço,

fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e

históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural.

6. ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO

A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares de enfermagem

deverão ser acompanhados e permanentemente avaliados, a fim de permitir os

ajustes que se fizerem necessários à sua contextualização e aperfeiçoamento.

As avaliações somativa e formativa do aluno deverão basear-se nas

competências, habilidades e conteúdos curriculares.

O Curso de Graduação em Enfermagem deverá utilizar metodologias e

critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do

próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação definido pela IES à qual

pertence.

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APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Sr(a) _____________________________________ foi selecionado(a) e está sendo

convidado(a) para participar da pesquisa intitulada: A CONSTRUÇÃO DA

COMPETÊNCIA PEDAGÓGICA NA PERCEPÇÃO DO ENFERMEIRO DOCENTE

SOB A PERSPECTIVA DE SUA HISTÓRIA DE VIDA. O estudo tem como objetivo:

Refletir acerca da construção da competência pedagógica para o trabalho docente de um

enfermeiro na perspectiva de sua história de vida. Suas respostas serão tratadas de forma

anônima e em nenhum momento será divulgado o seu nome em qualquer fase do estudo. Sua

participação é voluntária, isto é, a qualquer momento você pode recusar-se a responder

qualquer pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará

nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição que forneceu os seus

dados. Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder as perguntas a serem

realizadas sob a forma de grupo focal. Todo o corpus obtido será tratado de acordo com a

Resolução CNS 466/2012.

Sr(a) _________________________________________ não terá nenhum custo ou quaisquer

compensações financeiras. Não haverá riscos de qualquer natureza relacionados à sua

participação. O benefício relacionado à sua participação será aprimorar o conhecimento

científico para a área da Docência e da Educação.

Sr(a) _________________________________________ receberá uma cópia deste termo

onde consta o celular/e-mail do pesquisador responsável, podendo tirar as suas dúvidas sobre

o trabalho e sua participação, agora ou a qualquer momento. Desde já agradecemos.

Pesquisador responsável: Eloá Giosane Brum Rambo de Ávila

Orientador: Prof. Dr. Gilberto Ferreira da Silva

Avenida Victor Barreto, 2.288, sala 303 prédio 7, município de Canoas, RS. Telefone:

34768490; (51) 81393807, [email protected].

Canoas, ____ de _______________ de 201_____.

Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO DE CONSENTIMENTO e estou de acordo

em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei desistir a qualquer momento, sem

sofrer qualquer punição ou constrangimento.

Enfermeiro (a) Professor (a): ___________________________________________________

(assinatura)

Pesquisadora: _______________________________________________________________

(assinatura)

Orientador da Pesquisa: _______________________________________________________

(assinatura)