ela quer te encontrar e te fazer feliz

24

Upload: novo-seculo-editora

Post on 06-Apr-2016

219 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Gustavo é um típico homem pós-moderno. Ele possui um segredo e é levado, pelas suas insatisfações e por alguns acontecimentos de sua vida, a trilhar um novo itinerário em busca da felicidade. Uma linda e misteriosa mulher, que ele conheceu enquanto caminhava desolado devido à perda de um amigo, irá ajudá-lo nesta jornada. Mas quem é ela? E o que, de tão grave, esconde Gustavo? Ela quer te encontrar e te fazer feliz leva à reflexão sobre uma das questões mais significativas do homem: como alcançar a felicidade? Não é um livro de receitas para se viver melhor, entretanto, aponta alguns caminhos a percorrer e alguns obstáculos a superar, impostos pela própria existência humana e pelo próprio dia a dia de cada um.

TRANSCRIPT

Page 1: Ela quer te encontrar e te fazer feliz
Page 2: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

Ela quer te encontrar.indd 2 05/11/2014 08:36:18

Page 3: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

São Paulo, 2014

ED FISCHER

ElaQuEr

TEEnconTrar

E TE FazEr FEliz

TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

Ela quer te encontrar.indd 3 05/11/2014 08:36:19

Page 4: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

2014IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO ÀNOVO SÉCULO EDITORA LTDA.

Alameda Araguaia, 2190 – 11º andar – CJ 1111CEP 06455‑ 000 – Barueri – SP

Tel. (11) 3699‑ 7107 – Fax (11) 3699‑ 7323www.novoseculo.com.br

[email protected]

DaDos InternacIonaIs De catalogação na PublIcação (cIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

Copyright © 2014 by Ed Fischer

TexTo de adequado àS normaS do novo acordo orTográfico da língua PorTugueSa (decreTo legiSlaTivo nº 54, de 1995)

coorDenaDora eDItorIal

DIagramação

caPa

revIsão

Letícia Teófilo

Luís Pereira

Monalisa Morato

Patrícia Almeida

Equipe Novo Século

Fischer, EdEla quer te encontrar e te fazer feliz / Ed Fischer. ‑ ‑ Barueri,

SP: Novo Século Editora, 2014. ‑ ‑ (Talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

14 ‑09276 CDD ‑869.93

Ela quer te encontrar.indd 4 05/11/2014 08:36:19

Page 5: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pelo dom da vida que se renova a cada dia no mundo e no homem, por me acolher no seu imenso amor e por ter me conduzido no processo desse livro.

Aos meus pais, por terem me dado a vida, pela luta que tiveram para me criar e pela transmissão de ensinamentos.

Aos amigos que contribuíram de alguma forma com o presente livro. Espero que um dia eu possa retribuir a gene‑rosidade.

Aos meus professores da Filosofia, que foram fundamen‑tais para a minha formação. O tempo não venceu a gratidão.

Ela quer te encontrar.indd 5 05/11/2014 08:36:19

Page 6: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

“Ainda que todas as possíveis perguntas da ciência re‑cebessem resposta, os problemas da nossa vida não seriam sequer arranhados.”

Ludwig Wittgenstein

Ela quer te encontrar.indd 6 05/11/2014 08:36:19

Page 7: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

7

A VIDA DE GUSTAVO E O PRIMEIRO

ENCONTRO

Em uma fria e nebulosa manhã do inverno de 2006, na cidade de Rio Piracicaba, Minas Gerais, um homem andava em uma estrada sem casas e quase sem movi‑

mentação. A estrada era longa e de terra batida, e às margens dela, mato. Em uma das mãos dele havia uma pesada mala. Seus braços doíam e os sapatos o incomodavam. Ficava de‑sarrumado pouco a pouco. Estava bastante triste e cansado. Seu rosto revelava que na noite anterior pouco ou nada tinha dormido. Gustavo Peres Ventura tinha trinta e quatro anos e o seu objetivo era chegar à rodoviária da cidade.

Durante a caminhada, lembrou‑ se de sua criação com privações na periferia de Belo Horizonte e da dificuldade para concluir o Ensino Médio, visto que trabalhava para ajudar sua família. Angustiou‑ se quando se lembrou de que não tinha boa relação com os pais e da partida da casa

Ela quer te encontrar.indd 7 05/11/2014 08:36:19

Page 8: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

8

deles, aos vinte e seis anos, indo morar no centro de Belo Horizonte. Fechando os olhos, por uma fração de segundo, ele se viu no seu primeiro dia de trabalho em um supermer‑cado carregando caixas, limpando, arrumando e fazendo outras coisas do gênero.

Mais adiante, ficou emocionado ao pensar no faleci‑mento de seus pais, na mesma época em que começou a estudar Administração de Empresas. Sentiu‑ se um pouco aliviado quando visualizou a sua aprovação em concurso público, aos trinta e um anos de idade, para trabalhar na LS Mineração S/A, no cargo de analista administrativo.

Em seguida, outras recordações surgiram em sua men‑te: a alegria da nomeação, a partida de Belo Horizonte e a euforia da chegada em Rio Piracicaba, sede da LS Mine‑ração. Lembrou‑ se de que, depois dessas conquistas, ima‑ginava que sua vida estaria estabilizada por ter alcançado tudo o que desejava. Estava equivocado, faltava o principal: a felicidade.

Esse homem, ainda na estrada rumo à rodoviária, não resistindo às tristezas que o acometiam, começou a chorar. Tentou conter as lágrimas, mas a vontade de chorar era maior que a possível vergonha por alguém vê‑ lo com os olhos transbordados. As lágrimas contornavam as saliên‑cias de sua face, alcançavam o queixo e caíam sobre o peito. Os lábios tremiam. A respiração ficou descompassada. A mala, mais pesada. Seus passos, lentos e pequenos.

As lembranças de Gustavo, abruptamente, continua‑vam a surgir. Lembrou‑ se dos últimos sete dias de sua vida, que mostravam não só as suas últimas atitudes, mas tam‑bém como ele se comportava perante a vida. Virou rapi‑damente a cabeça para o lado direito e colocou a mão na

Ela quer te encontrar.indd 8 05/11/2014 08:36:19

Page 9: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

9

cabeça, como se quisesse apagar esses dias de sua vida ou revivê‑ los para consertar o que fosse possível.

Quando Gustavo pensou que estava livre de suas re‑miniscências, elas voltaram ainda mais fortes e claras. Atormentou‑ se. Chorou com mais intensidade quando, detalhadamente, recordou os acontecimentos dos últimos dias de sua vida.

*

No sétimo dia anterior a essa caminhada, em uma sexta‑ feira, Gustavo chegou à LS Mineração para trabalhar. Já havia passado vinte minutos do horário da entrada do seu emprego. Era, portanto, oito e vinte. Não havia pressa.

O que estou fazendo aqui mesmo? Ah é, tenho que trabalhar!, pensou de forma irônica, já que não enxergava nenhum sentido para o seu emprego. Na cozinha da em‑presa, encontrou‑ se com Carlos, seu colega. Gustavo puxou uma cadeira, sentou‑ se despreocupadamente e começaram a conversar. Carlos perguntou o que Gustavo faria no pró‑ximo fim de semana. Ele respondeu que chamaria Jéssica para sair.

Gustavo e Jéssica namoraram durante seis meses e che‑garam à conclusão de que o namoro não estava tão bom e se sentiam presos. No entanto, sempre que um deles queria sair, o outro aceitava, e na maioria das vezes que saíam jun‑tos, dormiam na casa de Gustavo.

Nessa época, Jéssica tinha vinte e cinco anos e morava com os pais. Era loira, cabelos lisos e compridos, tinha um metro e setenta de altura, cintura fina e pernas lisas e deli‑cadas. Um corpo lindo! Por ser preocupada com sua apa‑

Ela quer te encontrar.indd 9 05/11/2014 08:36:19

Page 10: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

10

rência, fazia atividades físicas; gostava de caminhada e de musculação. Sempre estava perfumada e atraente.

Jéssica foi funcionária da LS Mineração e pediu demis‑são depois de ser aprovada e nomeada em outro concurso público, o do Banco do Estado de Minas Gerais. Ela tam‑bém morava e trabalhava na cidade de Rio Piracicaba.

*

Gustavo comia biscoitos e segurava uma xícara de café quando Carlos perguntou se ele e Jéssica teriam algu‑ma chance de reatarem o namoro e de um dia se casarem. Gustavo pousou a xícara na mesa, ergueu a cabeça e dis‑se, convicto, olhando nos olhos de Carlos, que a vida era muito curta, que teria de aproveitá‑ la ao máximo e que um namoro sério impossibilitaria o que ele mesmo chamou de “otimização da felicidade”. Também afirmou que os dois anos que ficou casado serviram para ele concluir que não acreditava mais em relacionamento sério e, muito menos, em casamento. Logo que Gustavo chegou a Rio Piracicaba, conheceu Sophia, com quem morou junto por dois anos. Não tiveram filhos.

Enquanto Gustavo concluía seu inflamado discurso so‑bre o casamento, Carlos lembrou‑ se da visita que fez ao se‑nhor João, aposentado da LS Mineração, de setenta e oito anos de idade, que estava mal no hospital. Esse senhor disse a Carlos que gostaria de receber a visita de Gustavo. Carlos deu o recado ao seu colega de trabalho, que àquela altura já lavava a xícara que usara. Gustavo disse que iria visitá‑ lo, mas tinha certeza de que seu amigo sairia bem do hospital.

Saiu da copa, desejando a Carlos um bom ‑dia de trabalho.

Ela quer te encontrar.indd 10 05/11/2014 08:36:19

Page 11: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

11

Depois daquele dia entediante de serviço, querendo con‑versar com Jéssica, Gustavo foi imediatamente para sua casa. Logo que a adentrou, deixou sua carteira em cima da mesa da copa, o cinto no sofá e o sapato jogado no chão do quar‑to. Tomou banho, ligou para Jéssica e perguntou se ela tinha algum compromisso no fim de semana. Jéssica disse que não. Ele, então, deitou‑ se no sofá e ligou a televisão, abaixou o volume e a convidou para saírem juntos. Jéssica, apressada‑mente, aceitou e perguntou aonde iriam. Gustavo respondeu:

– No sábado à noite, poderemos ir a uma balada e de‑pois a gente dorme aqui em casa. No domingo, ficamos juntinhos até mais tarde na minha cama e almoçamos em algum restaurante. O que você acha?

– Ótimo! Então, quer dizer que irei passar o fim de se‑mana com um moreno lindo, de um metro e oitenta e cinco de altura, forte e sarado?

– Vai, sim! – confirmou Gustavo sorrindo.– Será que é aquele homem charmoso, que sempre

anda bem‑ vestido, atraente, que parece um galã de filme norte‑ americano?

– Esse sou eu! – disse ele convicto. E, em seguida, a ga‑lanteou dizendo que Jéssica era “perfeita”, insinuando que seu corpo era demais.

Naquele fim de semana, tudo ocorreu conforme plane‑jado.

No quarto dia anterior à caminhada, na segunda‑ feira, Gustavo chegou ao serviço e pensou novamente de forma irônica: Que dia é hoje? É sexta‑ feira?

Começou a trabalhar sem nenhuma vontade, fazendo suas tarefas de forma mecânica.

Às doze horas, foi almoçar no restaurante que ficava perto da LS Mineração. Depois que preparou seu prato,

Ela quer te encontrar.indd 11 05/11/2014 08:36:19

Page 12: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

12

avistou Carlos sentado à mesa. Sentou‑ se ao lado dele e começaram a conversar sobre o próprio estabelecimento e a comida servida. Assim que terminaram a refeição, retor‑naram à LS e foram direto para a copa tomar café. Carlos, lembrando‑ se de Jéssica, perguntou como tinha sido o fim de semana com ela.

Gustavo pegou um pouco de café, puxou uma cadeira, sentou‑ se na frente de Carlos e respondeu dizendo que ti‑nha se divertido bastante. Aproveitou a oportunidade para anunciar que Jéssica se mudaria para Brasília, que havia conseguido alcançar sua meta, ser servidora do Senado Fe‑deral. Com essa novidade, Carlos mostrou‑ se meio surpre‑so e exclamou:

– Que pena!– Pena por quê? – perguntou Gustavo, recriminando‑ o.– Acho que vocês se gostam.– Eu a amo. Mas não iremos namorar e muito menos

casar. Fico um pouco triste em vê‑ la partir, porém ela deve seguir com a vida dela. A vida é assim mesmo.

Carlos perguntou ao colega se ele havia visitado o se‑nhor João no hospital. Gustavo afirmou que iria visitá‑lo o mais breve possível e que o João era o melhor amigo que ele tinha. No entanto, nos três dias seguintes, Gustavo esqueceu‑ se totalmente do seu amigo no hospital.

Já no dia anterior ao da caminhada de Gustavo, ao término do expediente, ele desligou o computador e o ar‑ condicionado, bateu as mãos nos bolsos da sua calça, procurando as suas chaves, apagou as luzes e trancou a porta da sua sala. Dirigindo‑ se ao estacionamento, pas‑sou em frente à sala de Carlos, que estava muito preocu‑pado. Um vírus no seu computador danificou todos os

Ela quer te encontrar.indd 12 05/11/2014 08:36:19

Page 13: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

13

seus arquivos. O técnico de uma empresa que prestava assistência à LS tentava recuperá‑ los.

Gustavo disse a Carlos que tudo daria certo e que o téc‑nico conseguiria recuperar os documentos perdidos. Depois disso, desejou a Carlos e ao técnico um bom fim de tarde e saiu andando meio apressado. Carlos disse um pouco mais alto, a fim de que seu amigo o escutasse:

– Gustavo, o senhor João quer vê‑ lo. – Vou visitá‑ lo amanhã no hospital! – respondeu, sem

parar de andar.– Ele está mal – disse Carlos, ainda mais alto, pois Gus‑

tavo já estava um pouco distante.Gustavo ligou o carro e partiu para sua casa. Carlos

lembrou‑ se de que precisava enviar alguns dados para a fi‑lial de Vitória, Espírito Santo. Lembrou‑ se também de que a empresa passou a usar um programa financeiro específi‑co e que estava instalado somente em seu computador e no de Gustavo. Como seu computador estava impossibilitado para uso, decidiu ligar para o colega.

Gustavo, entre a LS e sua casa, ouviu seu celular tocar, leu na parte superior da tela: “Carlos”, e na inferior: “Tra‑balho”. Mesmo dirigindo, atendeu a ligação, dizendo:

– Fala, Carlos.– Gustavo, preciso enviar os dados do faturamento

mensal para Vitória, com urgência. Será que você pode abrir sua sala para eu fazer essa operação no seu computa‑dor? Não vou demorar!

Depois de poucos segundos em silêncio, Gustavo afir‑mou que o pneu do carro furou e que estava parado na rua. Para convencer Carlos, disse que acionou o seguro e que aguardava a chegada do mecânico. Carlos percebeu que

Ela quer te encontrar.indd 13 05/11/2014 08:36:19

Page 14: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

14

Gustavo estava com má vontade e dera uma desculpa, mas mesmo assim insistiu:

– Gustavo, você sabe, se eu não mandar isso hoje para Vitória, terei sérios problemas!

– O que posso fazer se estou parado aqui na rua? – re‑bateu Gustavo mais alterado.

Carlos teve certeza de que Gustavo não fazia a menor questão de ajudá‑ lo. Então, despediu‑ se de maneira formal e rápida. Desligou o telefone e continuou na empresa, a fim de refazer os cálculos em uma planilha eletrônica. Levou duas horas para concluir a tarefa e enviá‑ la para Vitória. Gustavo desligou o celular e em seguida chegou em casa. A distância entre a LS e sua casa era de apenas dois quilômetros.

Logo que entrou em sua residência, foi tirando as rou‑pas, deixando‑ as espalhadas pelo chão, e foi tomar banho. Depois, recolheu‑ as e abriu uma garrafa de vinho, preparou um prato de frios e fartou‑ se.

Quando Gustavo se preparava para dormir, seu celu‑lar tocou mais uma vez e, na parte superior da tela, agora estava escrito: “Hospital”. Ele logo atendeu o telefonema e recebeu a notícia do falecimento do senhor João. Ficou desnorteado, pois nem sequer visitou o amigo no hospital.

O remorso, o vazio e a dor foram companheiros de Gustavo durante toda a noite. Pela manhã, angustiado e in‑satisfeito com ele mesmo, fez uma rápida visita ao velório. Voltou para sua casa e decidiu abandonar a cidade e suas responsabilidades na empresa onde trabalhava. A dor pela perda de quem se ama realmente é uma das mais difíceis de lidar, principalmente quando se tem algum tipo de pendên‑cia com quem partiu.

Era fato que Gustavo tinha nos seus relacionamentos atitudes meio “pós‑ modernas”, ou seja, a ânsia de realiza‑

Ela quer te encontrar.indd 14 05/11/2014 08:36:19

Page 15: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

15

ção de interesses e necessidades individuais e egocêntricas. Era convicto de que agindo assim seria feliz. Contudo, no que se refere ao seu relacionamento com o falecido, tam‑bém havia respeito e amor.

*

Depois de cinco minutos que o carrasco de Gustavo chamado “lembranças” resolveu deixá‑ lo em paz e esse homem se restabeleceu um pouco de suas fortes emoções, observou que o sol conseguiu vencer a fria e intensa nebli‑na, dissipando‑ a. Olhou para o relógio e viu os ponteiros marcarem dez horas e dez minutos. Erguendo a cabeça, en‑xergou, ao longe, uma pessoa vindo na direção contrária. Logo tentou se conter. Respirou fundo, passou a mão nos olhos, colocou para dentro da calça a parte da camisa que estava fora e manteve uma postura mais ereta.

Quando Gustavo e a outra pessoa se aproximaram, ele constatou que era uma mulher. Não era uma mulher qualquer, era um espetáculo, tinha cerca de 1,75 de altura, morena, cabelos compridos, lisos e brilhosos. Tinha qua‑dril um pouco largo, coxas grossas e cintura fina. Elegante, usava vestido longo com decote. Seus olhos eram pretos e grandes e tinha um olhar encantador.

Gustavo estranhou, pois nunca vira aquele protótipo de mulher naquela pequena cidade. Antes mesmo de se cum‑primentarem, ela indagou:

– Será que falta muito para eu chegar à rodoviária?Gustavo notou que não era só o olhar da bela mulher

que era encantador, mas também a voz, o perfume. Por um momento, todo o encanto da mulher suavizou a dor dele, a ponto de senti‑ la de forma mais branda.

Ela quer te encontrar.indd 15 05/11/2014 08:36:19

Page 16: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

16

A bela mulher, percebendo que Gustavo não tinha reação e mantinha os olhos fitos aos dela, perguntou novamente:

– Amigo, será que falta muito para eu chegar à rodoviária?Gustavo, como quem saía de um transe, repentinamen‑

te respondeu:– A rodoviária não fica para a direção que você está indo.– Ah não? Encontrei uns meninos que me explicaram a

direção, mas acho que me confundi e acabei me perdendo.– Também vou à rodoviária, podemos ir juntos para

lá – disse Gustavo.A linda mulher, demonstrando alívio com um discre‑

to sorriso, concordou imediatamente com a ideia de uma companhia. Gustavo disse seu nome e perguntou qual era o dela. Ela, por sua vez, respondeu:

– Ah! Se eu falar meu nome, acredito que você irá achá‑ lo muito estranho. Continuou em pensamento: Se soubesse com quem está falando…

– Por quê? – quis saber Gustavo.– As pessoas geralmente acham meu nome muito feio.– Qual é?A mulher desconversou e perguntou se ele iria viajar.

Gustavo disse que estava partindo de vez e que não voltaria mais à cidade de Rio Piracicaba. Ela, demonstrando mera curiosidade, perguntou por que a viagem seria só de ida e por que estava de mudança para outra localidade.

Gustavo abaixou a cabeça. Ficou pensando se contaria ou não o que aconteceu. Decidiu dizer, de forma bem sucin‑ta, o motivo da viagem.

– Um amigo faleceu nesta noite. Ele era um pai para mim!Gustavo não sabia, mas a sua história estava prestes a

mudar no momento em que se abriu para a linda mulher.

Ela quer te encontrar.indd 16 05/11/2014 08:36:19

Page 17: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

17

Muitas vezes, vivemos em um ritmo ou em uma rotina sem muitas novidades. Passamos até mesmo anos vivendo do mesmo jeito e, de repente, por uma pequena atitude, a vida toma uma nova direção e ficamos surpresos com as novida‑des. Gustavo, por ter se aberto com essa mulher, experimenta‑rá essas novidades e transformações de forma muito intensa.

Os dois deram continuidade à conversa:– Por acaso seu amigo era o senhor João? – perguntou

a mulher.– Sim. Você o conhecia?– Claro. Era um grande amigo meu. Eu o visitei ontem

no hospital.Gustavo sentiu vergonha por não tê‑ lo visitado. Ficou

calado e, nos minutos seguintes, não mais fitou os olhos dela. Houve um silêncio e depois ele perguntou como o se‑nhor João estava.

– O nosso amigo era uma pessoa incrível e… – ela co‑meçou a responder e Gustavo interrompeu, dizendo:

– Eu sei!– Ele estava muito feliz com o que conquistou na vida.

Tivemos uma conversa que nunca irei me esquecer – disse a mulher.

– Como foi essa conversa?– Eu estava no quarto do hospital quando o médico en‑

trou e perguntou ao João se eu era da família. Ao ouvir essa pergunta, João sabia que a notícia que teria não seria boa. Então, ele disse que éramos grandes amigos e que eu o aju‑daria em uma possível notícia desagradável.

– Mas e daí?– O médico disse que ele era uma pessoa idosa e que seu

corpo não reagia mais à infecção generalizada.

Ela quer te encontrar.indd 17 05/11/2014 08:36:19

Page 18: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

18

Gustavo amargurou‑ se. Imaginou‑ se no lugar do amigo recebendo a notícia de que sua morte estava próxima. Pen‑sou que saber da própria morte pouco antes de ela chegar seria muito pior do que falecer de uma vez. Gustavo ergueu a cabeça, olhou para a estrada e para algumas árvores. Tudo o que via não fazia sentido algum, justamente pelo fato de o homem ter de morrer.

Voltando a se lembrar do seu amigo no hospital rece‑bendo a notícia, disse acreditar que o senhor João deveria ter ficado arrasado. Para a surpresa de Gustavo, a mulher disse que ele não ficara por causa do amor que ele sentia pelas pessoas.

– Como assim? – perguntou Gustavo, estranhando o que ela afirmou.

A mulher explicou que depois que o médico deu a no‑tícia e retirou‑ se do quarto, João disse que, naquele exato momento, nasciam muitas crianças e que não seria bom o mundo ser dividido por ele e por essas crianças. Então, olhou para ela e disse que sairia de cena para que outros brilhassem e aproveitassem o que o mundo tinha a oferecer.

– Não entendi. O que ele quis dizer com isso?– Gustavo, o que seria do mundo e da humanidade se

não houvesse a morte?– Seria uma maravilha!– Será mesmo?– Sim!– Veja só. Imagine o caos que teríamos no espaço urba‑

no e até mesmo no interior se não falecêssemos. Alcança‑ríamos uma população mundial exorbitante e somente uma pequena parte teria um pequeno pedaço de terra. Sem falar ainda que a marginalização seria elevadíssima e a anarquia, generalizada em todo o mundo.

Ela quer te encontrar.indd 18 05/11/2014 08:36:20

Page 19: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

19

– Nunca pensei nisso.– Sem falar, ainda, na limitação das riquezas naturais.

Hoje, a população mundial não chega a sete bilhões de ha‑bitantes; mas, se houvesse, por exemplo, quarenta bilhões, o que você acha que aconteceria?

– Seria um caos total. As pessoas lutariam a todo custo por um pedaço de terra, por bens materiais e minerais.

– É isso aí. Imagine o que os homens fariam diante da insuficiência de alimento, vestimenta, tecnologia, moradia, emprego e riquezas minerais de todo gênero.

– Certamente seria um caos generalizado.– Pois é! A morte, inicialmente, pode parecer sem sen‑

tido, mas, ao mergulhar nos mistérios da vida, o homem descobrirá que ela é repleta de sentido. O homem precisa desenvolver uma mentalidade que vise o bem universal, para que a mentalidade voltada só para o eu não o cegue diante da complexidade da vida. Adquirindo essa mentali‑dade, entenderemos a generosidade e o estado de espírito de João diante da própria morte, pois ele a aceitou pensando que deveria partir para que outra pessoa pudesse nascer e viver em um mundo menos doente em relação ao que não houvesse morte.

– João era uma pessoa fantástica mesmo! Pensava muito mais nas outras pessoas do que nele mesmo – disse Gustavo impressionado com o amor de seu amigo. Em se‑guida, silenciou‑ se. Refletiu sobre o diálogo entre o senhor João e a mulher.

Depois de pouco tempo, rompendo o absoluto silêncio, a linda mulher afirmou que tudo poderia ser visto de outra forma. “Tudo pode ser ressignificado, inclusive a morte!”, foi como ela disse. Ela continuou dizendo que, por meio da atitude do senhor João, descobriu que aceitar a própria mor‑

Ela quer te encontrar.indd 19 05/11/2014 08:36:20

Page 20: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

20

te pode ser um ato de amor e de renúncia em favor do outro que está por vir e também por aqueles que estão vivendo.

Gustavo, por sua vez, disse que concordava com ela, mas que não era fácil para o ser humano alcançar essa consciência.

– Não é mesmo. Principalmente para os homens de hoje, que não se buscam no interior de si e, desse modo, não conseguem vivenciar as questões mais importantes da vida. Sem falar ainda que vivem como se a morte não existisse. A questão é que ela existe e não podemos fugir dela. E por mais abstrato que pareça, devemos encontrar um sentido para a morte, assim como fez João.

A bela mulher questionou se ele tinha certeza de que queria mesmo ir embora. Ele ergueu a cabeça e avistou a rodoviária a cerca de cem metros. Percebeu que poderia es‑tar cometendo um equívoco, mas não conseguia escolher com clareza. A bela mulher, percebendo a indecisão, disse que ele não precisaria decidir naquele momento. Sugeriu a ele que voltasse para casa e, depois, quando estivesse mais sereno, tomasse a decisão sensata.

Gustavo teve dois pensamentos. O primeiro consistia no fato de a mulher ter razão. Percebeu que perdeu total‑mente o controle de si e exagerou quando decidiu abando‑nar a cidade. O segundo pensamento era em relação à mu‑lher: quem era ela, tão linda, serena e acolhedora? Então, insistiu Gustavo, parando de andar, já que resolveu voltar para casa:

– Qual é seu nome?– Tenha um bom‑ dia, Gustavo. Estou atrasada. Podere‑

mos nos encontrar de novo qualquer dia desses, quem sabe? – dizendo isso, a mulher retirou‑ se, dirigindo‑ se à rodoviária.

Depois de vinte minutos de caminhada, Gustavo che‑gou à sua residência. Abriu a porta e imediatamente largou

Ela quer te encontrar.indd 20 05/11/2014 08:36:20

Page 21: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

21

a mala no chão da sala. Entrou no quarto, aproximou‑ se da cômoda, ficou olhando para ela e, de repente, abriu uma de suas gavetas…

À noite, deitou‑ se. Durante a madrugada, tentou se mexer e não conseguiu. Estava totalmente preso na cama, como se seu corpo estivesse muito pesado. A parede de frente da sua cama se desgrudou da casa. Ele viu um vulto gigantesco, parecia que cobriria toda a casa. Esse vulto se mexia, dançava, amedrontava. Era sem forma e sem vida. Na escuridão da noite, só o enxergava porque estava muito agitado. A agonia de Gustavo aumentava até que, com um grande susto, conseguiu acordar e percebeu que teve um pe‑sadelo. Levantou‑ se, foi até a cozinha e tomou um copo de água. Enquanto retornava para a cama, lembrou‑ se de que já havia tido o mesmo sonho outras vezes.

*

A segunda‑ feira chegou e Gustavo, depois de tomar seu café da manhã, saiu para trabalhar. Chegando em frente ao prédio da empresa, olhou para a logomarca que ficava bem à vista: um triângulo e no seu interior um círculo, o triângulo fazia menção ao estado de Minas Gerais e o círcu‑lo, ao minério de ferro. Olhou também para o acabamento de primeira qualidade da parte externa. Entrou no edifício e chegou ao saguão, o qual era bem espaçoso. Chamou o elevador, que era silencioso, rápido e sem oscilações. Acio‑nou o terceiro andar. Chegou à sua sala, que também era bem espaçosa e tudo o que havia lá fora muito bem planeja‑do pelos engenheiros ou arquitetos. No entanto, todo esse luxo, naquele momento de dor, não fazia a menor impor‑tância para Gustavo.

Ela quer te encontrar.indd 21 05/11/2014 08:36:20

Page 22: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

22

Ele percebeu que o vazio causado pela ausência de seu amigo era muito grande. E sempre se lembrava do diálogo entre o senhor João e a mulher. Tentava encontrar forças, pensando que João era um senhor generoso e que deu pas‑sagem para que outro nascesse. Sentia, também, muita cul‑pa por não tê‑ lo visitado no hospital. Surgiu nele, então, o desejo de mudar seu comportamento.

Entretanto, ter desejo é diferente de ter atitudes e ele ainda precisava enxergar isso.

Um mês após o falecimento do senhor João, Flávia, uma estagiária, foi procurá‑ lo em sua sala, a pedido de Pe‑dro, um dos diretores da empresa.

– Bom dia, Gustavo.– Bom dia.– Estão precisando da sua ajuda na diretoria de RH.– Mas não tenho nenhuma relação com o RH – disse

Gustavo.Flavia sentou‑ se na cadeira em frente à mesa de Gus‑

tavo e explicou que Pedro pediu a ela que o encontrasse, para que Gustavo e outros começassem a discutir a respeito da confraternização da empresa. Essa confraternização era realizada uma vez por ano, sempre no aniversário da empre‑sa, em setembro.

Gustavo, movido pelo imediatismo, cruzando os braços e girando a sua cadeira de um lado para o outro com mo‑vimentos lentos e curtos, afirmou que não participaria da festa e por isso não ajudaria na organização. Flávia insistiu e disse que Pedro afirmara que em uma reunião Gustavo concordou em ajudar. Ele, por sua vez, não desmentiu a in‑formação, mas disse que estava muito ocupado com suas atribuições. Pediu à estagiária para comunicar a Pedro que não poderia ajudar mais.

Ela quer te encontrar.indd 22 05/11/2014 08:36:20

Page 23: Ela quer te encontrar e te fazer feliz

23

Flavia se retirava da sala de Gustavo quando este lhe pediu, com arrogância, para encostar a porta. Logo em se‑guida, ele acessou a internet, verificou seus e‑ mails, sua rede social, visitou outros sites e não soube mais o que fazer du‑rante o dia inteiro.

Ela quer te encontrar.indd 23 05/11/2014 08:36:20

Page 24: Ela quer te encontrar e te fazer feliz