educaÇÃo para valores: uma alternativa para a convivÊncia humana

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ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FERNANDA BROLL CARVALHO AHMAD EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA 1

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Monografia de Fernanda Broll Carvalho

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Page 1: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FERNANDA BROLL CARVALHO AHMAD

EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA

HUMANA

PORTO ALEGRE – RS

2006

FERNANDA BROLL CARVALHO AHMAD

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Page 2: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA

HUMANA

Trabalho apresentado como requisito para conclusão do Curso de Pós-Graduação, Especialização em Direito da Criança e do Adolescente da Escola Superior do Ministério Público.

Orientadora: Professora Cládis Bassani Junqueira

PORTO ALEGRE – RS

2006Fernanda Broll Carvalho Ahmad

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EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA

HUMANA

Trabalho apresentado como requisito para conclusão do Curso de Pós-Graduação, Especialização em Direito da Criança e do Adolescente da Escola Superior do Ministério Público.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

Profo Dr Jorge Trindade

Profa Cládis Bassani Junqueira

3

Page 4: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

DEDICO este trabalho aos meus filhos GABRIEL E

LÍVIA, que, além de terem sido a inspiração desta monografia,

são a razão de meu sentir, pensar e agir. Dedico também ao

meu esposo NEMER, que, diariamente, simplifica nossa tarefa

de viver, tornando-a menos árdua e mais feliz.

4

Page 5: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

AGRADEÇO aos queridos FAMILIARES e AMIGOS,

que contribuíram com seu afeto, incentivo e apoio, sem os quais

esta tarefa seria mais difícil.

Agradeço de modo especial, a minha querida

ORIENTADORA, professora Cládis, pelos momentos

insuperáveis de dedicação, que me proporcionaram lições para

a vida toda.

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Page 6: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

RESUMO

Os objetivos básicos da investigação consistem em identificar, por meio de entrevistas pessoais (com alunos, seus responsáveis, professores e Direção da escola), visitas de observação da escola e análise do regimento escolar e de fichas disciplinares individuais de alunos, a participação da família e da escola no contexto da violência escolar, enfatizando a função da educação, especialmente quanto à construção de valores. A problemática escolhida como objeto de estudo derivou da observação das dificuldades enfrentadas pela sociedade atual diante de dois desafios: a violência escolar e as funções da educação familiar e escolar da atualidade, com ênfase à atribuição de promover uma educação que favoreça a convivência humana. Ao selecionar as percepções dos alunos, responsáveis e educadores, visando a identificar as múltiplas formas de violência escolar, bem como observar as relações entre estas violências e as questões ético-valorativas, o estudo alerta sobre os riscos da banalização da violência escolar. Na segunda parte, apresentam-se os resultados da investigação, onde constatou-se que nas sociedades atuais, especialmente nas escolas, a temática da construção de valores tem sido trabalhada de maneira inadequada, tampouco se verifica política pública de valorização do tema e formação profissional nesse sentido. Observou-se que a educação escolar atual foca sua atuação no aprimoramento intelectual, negligenciando quanto ao desenvolvimento das qualidades humanas. Quanto à família, verificou-se a tendência de tentar transferir algumas de suas atribuições para a escola. E, assim, nenhuma das instituições assume a responsabilidade de contribuir para a formação do caráter das crianças e adolescentes, impedindo, assim, a efetivação do Direito à Educação Integral, na forma proposta pela Constituição Federal, pelo ECA e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Observou-se, ainda, que as crises de identidade e de autoridade da família e da escola, bem como o relacionamento tenso e confuso entre ambas e entre estas e o Sistema de Justiça representam entraves no trato da violência escolar. Verificou-se a inexistência ou a freqüente ineficácia da intervenção de profissionais de áreas estranhas à educação no cenário da escola e o desconhecimento dos integrantes da comunidade escolar pesquisados acerca do conteúdo do ECA. A importância do trabalho consistiu em chamar a atenção para a necessidade de ser fomentada, no âmbito familiar e escolar, a educação para valores universais, como a tolerância, a solidariedade, a fraternidade e a justiça, visando favorecer a convivência qualificada a fim de combater e prevenir atos de violência e indisciplina na escola. No mesmo intento, pretendeu sugerir a maior aproximação entre a comunidade escolar e os profissionais de áreas diversas à educação, especialmente os membros do Ministério Público. E, quanto a estes, antes de pretenderem divulgar a proposta de universalização de direitos do ECA, atenta para necessidade de além de introjetarem os princípios basilares do Estatuto (a proteção integral e a prioridade absoluta) em seu pensar e em seu agir, aprimorem sua formação, ampliando-a com a inclusão de conteúdos originalmente efeitos a outras áreas do conhecimento, como a educação, a psicologia (social e educacional) e a antropologia.

Palavras-chave: Família. Escola. Violência escolar. Valores. Convivência humana.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Transgressões e punições constatadas em escolas nacionais ............................... 71

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BM – Brigada Militar

CF – Constituição Federal

CT – Conselho Tutelar

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FICAI – Ficha de Comunicação de Aluno Infreqüente

MP – Ministério Público

PM – Policial Militar

PROERD – Programa Educacional de Resistência às Drogas e Violência

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 11

PARTE I – QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA

2 VALORES, ÉTICA E CONVIVÊNCIA HUMANA ...................................................... 162.1 O ser humano integral: razão, emoção e valores ........................................................ 162.2 Uma Abordagem Histórico-Filosófica da Ética ........................................................... 222.3 A convivência humana possível: uma abordagem sociológica das éticas .................. 282.4 Ética e Valores na Educação .......................................................................................... 30

3 A FAMÍLIA E A EDUCAÇÃO PARA VALORES ........................................................ 383.1 O eclipse da família e a tendência de transferir suas responsabilidades ................... 383.2 A Crise de Autoridade nas Famílias e a Distorção Interpretativa do Estatuto da Criança e do Adolescente ..................................................................................................... 413.3 A questão dos valores na família faz parte do direito à educação .............................. 433.4 Criar, cuidar, educar: com quem contar? .................................................................... 453.5 A Educação Para Valores ............................................................................................... 47

4 O VALOR DE EDUCAR: REFLEXÃO ACERCA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR ..... 494.1 O que é educação: proposta reflexiva em torno da tarefa educativa ......................... 494.2 O Pensamento Sistêmico ou a Complexidade ............................................................... 514.3 Educar não é transferir conhecimento ......................................................................... 544.4 A Tensão Entre Autoridade e Liberdade e a Crise de Educação ............................... 56

5 A VIOLÊNCIA ESCOLAR .............................................................................................. 615.1 Violência nas escolas: conceitos e variáveis ................................................................. 615.1.1 Definições do Termo Violência ..................................................................................... 635.1.2 Classificação .................................................................................................................. 655.1.3 Variáveis Endógenas e Exógenas .................................................................................. 675.2 Regras na escola: transgressões e punições ................................................................. 705.3 Relacionamento Tenso e Confuso Entre Escola e Sistema de Justiça ....................... 725.4 Políticas Públicas para a Redução da Violência Escolar ............................................ 76

PARTE II – CONTRIBUIÇÃO PESSOAL

6 METODOLOGIA .............................................................................................................. 816.1 Tipo de Pesquisa ............................................................................................................. 816.2 População e Amostra ...................................................................................................... 816.3 Procedimento e Instrumento ......................................................................................... 826.4 Definições Operacionais ................................................................................................. 836.5 Coleta de Dados .............................................................................................................. 846.6 Análise de Resultados ..................................................................................................... 85

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 877.1 Observação da Escola ..................................................................................................... 877.1.1 Dados Gerais Sobre a Escola ......................................................................................... 87

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7.1.2 Ambiente Escolar ........................................................................................................... 877.2 Entrevistas ....................................................................................................................... 907.2.1 O Insucesso da Família Como Instituição Socializadora .............................................. 907.2.2 A Crise de Autoridade da Família e a Distorção Interpretativa do ECA .................... 103 7.2.3 Reflexão em torno da tarefa educativa: as crises de identidade e de autoridade da escola ............................................................................................................................................... 108 7.2.4 Alunos, família e escola: encontros e desencontros .................................................... 1217.2.5 Relacionamento da Escola Com Profissionais de Áreas Diversas à Educação ........... 1317.2.6 Violência e Indisciplina Escolar .................................................................................. 1387.2.7 A Percepção da Atuação Ineficaz do Ministério Público no Cenário da Violência Escolar ............................................................................................................................................... 156 7.2.8 A Ausência de Proposta Para Valores na Escola ......................................................... 161

8 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES GERAIS ........................................................ 1658.1 Os Quatro Pilares da Educação ................................................................................... 1708.2 A Descoberta do Outro ................................................................................................. 1728.3 Tender para objetivos comuns ..................................................................................... 173

9 IMPLICAÇÕES E SUGESTÕES ................................................................................... 177

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 183

ANEXOS .............................................................................................................................. 188

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1 INTRODUÇÃO

Os objetivos básicos da investigação consistem em identificar, por meio de entrevistas

pessoais (com alunos, seus responsáveis, professores e Direção da escola), visitas de

observação da escola e análise do regimento escolar e de fichas disciplinares individuais de

alunos, a participação da família e da escola no contexto da violência escolar, enfatizando a

função da educação familiar e escolar, especialmente no que diz respeito à construção de

valores.

A problemática escolhida como objeto de estudo dessa monografia derivou da

observação das dificuldades enfrentadas pela sociedade atual diante de dois grandes desafios:

como lidar com a violência escolar e quais seriam as funções da educação familiar e escolar

da atualidade, com ênfase à atribuição de promover a educação para valores.

Ao selecionar as percepções dos alunos, responsáveis e educadores, visando a

identificar e caracterizar as múltiplas formas de violência escolar, bem como observar as

relações entre estas violências e as questões ético-valorativas, este estudo busca entrelaçar

narrativas e olhares, descrevendo o estado do conhecimento, o percebido, o expresso e o

silenciado, alertando sobre os riscos da banalização da violência escolar.

Partindo-se da constatação de que nas sociedades de hoje, especialmente nas escolas, a

temática da construção de valores tem sido trabalhada de maneira inadequada, tampouco se

verifica política pública de valorização do tema e formação profissional nesse sentido,

propõe-se a reflexão sobre o desinteresse social e científico pelo assunto, mormente em face

de sua relevância neste momento, em que é comum a constatação de que a sociedade

contemporânea vive uma “crise de valores”.

O presente trabalho, partindo de questionamentos como o por quê de nossos jovens

estarem tão infelizes, buscando auto-realização nos extremos, no perigo, no comportamento

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indisciplinado, violento, egoísta e indiferente, considera que a análise da violência infanto-

juvenil e familiar é indissociável da verificação da formação recebida, dos valores construídos

a partir da educação.

A importância das emoções na formação dos seres humanos, resultado de pesquisas

científicas, alerta para um aspecto essencial: a responsabilidade de os educadores

contribuírem para a educação das emoções e sentimentos das nossas crianças e jovens.

Integrando, ainda, à educação, o aspecto moral, tendo em vista que “valor” consiste em um

dos aspectos relevados ao decidir.

Observa-se, contudo, atualmente, que a educação escolar foca sua atuação no

aprimoramento intelectual, negligenciando quanto ao desenvolvimento das qualidades

humanas. Quanto à família, verifica-se a tendência de tentar transferir para a escola

atribuições que, historicamente, integram as responsabilidades daquela, como núcleo de

socialização primária. E, assim, nenhuma das instituições assume a responsabilidade de

contribuir para a formação do caráter das crianças e jovens, mediante uma educação que

priorize questões ético-valorativas, impedindo, assim, a efetivação do Direito à Educação

Integral, na forma proposta pela Constituição Federal, pelo ECA e pela Lei de Diretrizes e

Bases da Educação.

No primeiro capítulo, reflete-se em torno de valores, ética e convivência humana,

desenvolvendo-se o tema mediante a constatação da necessidade de o ser humano ser

considerado em sua integralidade: razão, emoção e valores, baseando-se principalmente nos

estudos do neurologista português Antônio Damásio e do biólogo chileno Humberto

Maturana. Damásio, ao considerar o espírito como parte integrante de um organismo que

possui cérebro e corpo totalmente integrados, aponta para a necessidade de o ser humano

continuar a recorrer à orientação de seu espírito, em que pese a constatação da vulnerabilidade

e da humildade deste. Assim, o ponto de partida da ciência e da filosofia deve ser

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anticartesiano: existo e sinto, logo penso. A Maturana atribui-se a importância de, ao

desenvolver pesquisas relacionando a biologia e a educação, e buscando as respostas a

questionamentos como se devemos fazer de nosso presente o futuro de nossos filhos ou se

podemos viver a nossa identidade fora de nós, trazer a proposta educacional inovadora,

centrada na formação humana e na capacitação dos educadores, entitulada “biologia do

amor”. Segue-se com abordagem histórico-filosófica e sociológica das éticas, encerrando-se

com a análise da ética e valores na educação.

No segundo capítulo, o tema foi desenvolvido mediante a análise da família e da

educação para valores. Partindo-se da reflexão sobre as dúvidas e inseguranças

experimentadas atualmente pelo núcleo de socialização primária acerca de suas funções, o que

vem a ocasionar a tendência em transferir as suas responsabilidades, prossegue-se com o

estudo sobre a crise de autoridade da família e a distorção interpretativa do ECA e acerca das

composições familiares atuais e apoios recebidos por estas na criação dos filhos. Encerra-se o

capítulo com a análise dos modelos e conteúdos da educação familiar contemporânea, a

evidenciar uma “crise de valores”, denunciando que o caráter de superficialidade,

individualismo e de “coisificação” impresso nas relações familiares é reproduzido nas demais

relações sociais, reforçando realidades como a violência, a tortura, a violação de direitos e a

guerra.

O terceiro capítulo traz uma proposta reflexiva em torno da tarefa educativa da escola,

neste momento em que o valor da educação é questionado. A partir da constatação de que o

Direito à Educação foi um dos direitos fundamentais que recebeu tratamento privilegiado

pelas normas constitucionais e legais em nosso país, propõe reflexões envolvendo as crises

educacionais da atualidade, especialmente quanto à sua identidade (quais seriam as funções da

escola?) e autoridade (como conciliar liberdade e autoridade?). Questiona, ainda, os reflexos

da educação escolar atual nos comportamentos indisciplinados e violentos dos alunos e o que

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pode vir a ser a educação. Em busca de respostas a esses questionamentos, fundamenta-se em

pensadores como Edgar Morin, que traz a discussão em torno da fragmentação do

conhecimento ao lançar a via do pensamento sistêmico ou da complexidade como solução; e

Paulo Freire, ao defender a amplitude da tarefa educacional, reconhecendo que educar não é

transferir conhecimento, difunde a idéia de uma pedagogia da autonomia e da tolerância,

visando a formação de seres pensantes, críticos, solidários, livres e responsáveis.

No quarto capítulo, procede-se ao estudo da violência escolar propriamente dita.

Analisando-se conceitos, classificações e variáveis desta, adota-se o conceito de violência

escolar que inclui os atos de violência e de indisciplina perpetrados no ambiente da escola.

Segue-se com o estudo acerca do funcionamento e relações sociais na escola, enfatizando-se

as transgressões e punições mais freqüentes e as repercussões da violência na vida dos

envolvidos, alertando para os riscos da banalização da violência escolar. Estuda-se, ainda, o

relacionamento tenso e confuso entre a escola e o Sistema de Justiça e busca-se aclarar

competências e atribuições, observando as distribuições de responsabilidades operadas pelo

ECA, por força do acolhimento da Doutrina da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta

(artigos 1º e 4º), especialmente a Conselheiros Tutelares, Policiais, Promotores de Justiça e

Juízes da Infância e da Juventude. Finaliza-se com sugestões de políticas públicas para a

redução da violência escolar.

Na segunda parte do trabalho, apresenta-se, no capítulo 6, a metodologia aplicada, e,

no capítulo 7, os resultados obtidos com a investigação. A partir disso, discute-se os dados

coletados visando a responder os objetivos da investigação.

O universo pesquisado aponta que as crises de identidade (quanto às funções, inclusive

na construção de valores) e de autoridade (quanto à forma de educação) das instituições

família e escola, aliado às dificuldades da família como instituição socializadora e a ausência

de proposta de educação para valores (como tolerância, solidariedade, fraternidade e justiça)

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na escola, bem como o relacionamento desqualificado entre ambas e entre estas e o Sistema

de Justiça, representam entraves significativos no trato da problemática da violência escolar.

Observou-se, ainda, no contexto da violência escolar, a inexistência ou a freqüente

ineficácia da intervenção de profissionais de áreas estranhas à educação, além de muitas vezes

esta ser considerada uma intromissão pelos professores, principalmente em se tratando de

membros do Conselho Tutelar ou do Ministério Público. Por fim, constatou-se o

desconhecimento dos integrantes da comunidade escolar pesquisados (alunos, responsáveis e

educadores) acerca do conteúdo do Estatuto da Criança e do Adolescente e a necessidade de

ser aprimorada a formação dos profissionais do Direito, ampliando-a com a inclusão de

conteúdos originalmente afeitos a outras áreas, como a educação, a psicologia (social e

educacional) e a antropologia.

Finaliza-se, após as considerações gerais e conclusões (capítulo 7), com capítulo

destinado a implicações e sugestões.

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Page 16: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

2 VALORES, ÉTICA E CONVIVÊNCIA HUMANA

Vivemos um momento em que as contradições mostram-se

particularmente visíveis: ao mesmo tempo em que as fronteiras e barreiras

são transpostas no domínio da virtualidade, no contexto da vida cotidiana,

vive-se certamente um tempo de delimitação de territórios e intolerância em

relação ao ‘outro (IRENE RIZZINI).

2.1 O ser humano integral: razão, emoção e valores

Os valores estão na base das ações e norteiam sentimentos e emoções.

Na polêmica obra intitulada “O Erro de Descartes”, o neurologista português

Antônio Damásio1, ao contestar a secular afirmação do filósofo Descartes – “Penso, logo

existo” – propõe que os sentimentos e as emoções são uma percepção direta de nossos estados

corporais e constituem um elo essencial entre o corpo e a consciência. Utilizando-se de

recentes descobertas da neurobiologia, oferecendo uma visão integrada do ser humano,

evidencia que a razão tem como companheira inseparável a emoção. Em suma, uma pessoa

incapaz de sentir pode até ter o conhecimento racional de alguma coisa, mas será incapaz de

decidir com base nessa racionalidade.

Como Descartes via o ato de pensar como uma atividade separada do corpo, sua

afirmação celebra a separação da “mente pensante” do corpo (organismo biológico) “não

pensante”. É exatamente aqui que reside o erro do filósofo: a separação abissal entre o corpo e

a mente, entre a substância corporal, divisível, com volume e funcionamento mecânico, de um

lado, e a substância mental, indivisível, sem volume, de outro; a sugestão de que o raciocínio,

o juízo moral e o sofrimento advindo da dor física ou agitação emocional poderiam existir

independentemente do corpo.

Assim, o ponto de partida da ciência e da filosofia deve ser anticartesiano: existo (e

1 DAMÁSIO, Antonio. O Erro de Descartes: razão, emoção e cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

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Page 17: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

sinto), logo penso. Existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos,

visto o pensamento ser, na verdade, causado por estruturas e operações do ser.

Ao reconhecer-se a relevância das emoções no processo de raciocínio, não se está

relegando a razão para segundo plano. Pelo contrário, ao verificarmos a função alargada das

emoções, é possível realçar seus efeitos positivos e reduzir seu potencial negativo, protegendo

a razão, durante o processo de planejamento e decisão.

As investigações científicas de Damásio (1) em torno das relações entre razão e

sentimento, emoções e comportamento social, demonstram que implicações socioculturais

advirão ao se admitir que a razão não é pura, impactando, por exemplo, na ética, no direito, na

arte, na ciência e na tecnologia.

A concepção de organismo humano integral, composto de corpo e mente, esboçada na

obra referida, e a relação entre emoção e razão, sugerem que o fortalecimento da

racionalidade requer maior atenção à vulnerabilidade do mundo interior.

Afirma Damásio (1), (1996, p. 278):

Em um nível prático, a função atribuída às emoções na criação da racionalidade tem implicações em algumas das questões com que nossa sociedade se defronta atualmente, entre elas a educação e a violência. Não é este o local para uma abordagem adequada dessas questões, mas devo dizer que os sistemas educativos poderiam ser melhorados se se insistisse na ligação inequívoca entre as emoções atuais e os cenários de resultados futuros, e que a exposição excessiva das crianças à violência na vida real, nos noticiários e na ficção audiovisual desvirtua o valor das emoções na aquisição e desenvolvimento de comportamentos sociais adaptativos. O fato de tanta violência gratuita ser apresentada sem um enquadramento moral só reforça sua ação dessencibilizadora.

A contribuição de Damásio (1) apresenta valor inestimável ao concebermos a

Educação como o Direito de o ser humano realizar as potencialidades que traz consigo ao

nascer, e que precisam ser desenvolvidas ao longo de sua existência, rumo a formação do

homem integralmente apto a existir, sentir, raciocinar e ser feliz.

A importância comprovada, resultado de pesquisas científicas, das emoções na

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Page 18: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

formação dos seres humanos, alerta para um aspecto essencial: a responsabilidade dos

educadores (pais e professores, sobretudo) de colaborar na promoção da educação das

emoções e dos sentimentos das crianças. Integrando, ainda, à educação, o aspecto moral,

tendo em vista que “valor” é um dos fatores que são relevados quando tomamos uma decisão.

Os valores humanos existem desde os primórdios da humanidade e são metas de todas

as religiões, códigos de ética e filosofias.

Consoante o dicionário Aurélio2, valor consiste na “qualidade que faz estimável

alguém ou algo, valia”; “importância de determinada coisa”; “legitimidade, validade”.

Portanto, podemos afirmar que constituem o conjunto de qualidades que nos

distinguem como seres humanos independentemente de credo, raça, condição social ou

religião, estando presentes em todas as filosofias ou crenças religiosas. São inerentes à

condição humana e dignificam e ampliam a capacidade de percepção do ser consciente, que

tem no pensamento e nos sentimentos sua manifestação palpável e aferível. São qualidades

que os homens consideram importantes, como a verdade, retidão, paz, amor e não violência,

que unificam e libertam as pessoas do individualismo, enaltecendo a condição humana e

dissolvendo preconceitos e diferenças.

O conceito referido é o comumente encontrado nas obras que tratam do assunto, como

por exemplo: Marilu Martinelli3 e Maria Fernanda Nogueira Mesquita4. Ambas propõem a

aplicação do novo método de ensino, o Programa de Educação em Valores Humanos –

EDUCARE, do educador indiano Sathya Sai Baba.

Vivencia-se hoje uma época de conflitos, de proporções mundiais. Nossa sociedade

atravessa um período de turbulência, diante da corrupção, dos jogos de poder, da violência, do

desprezo pelo ser humano e pelo meio ambiente. E, muitos desses problemas são reflexos de 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.3 MARTINELLI, Marilu. Conversando sobre Educação em Valores Humanos. São Paulo: Petrópolis, 1999, p. 17.4 MESQUITA, Maria Fernanda Nogueira. Valores Humanos na Educação: Uma nova prática na sala de aula. São Paulo: Gente, 2003, p. 21.

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Page 19: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

comportamentos sociais que não observaram a importância dos valores e, ao não cultivá-los,

propiciaram a formação de adultos sem referenciais de cidadania e de respeito ao próximo.

Atribuímos, então, à Polícia, ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e a outros órgãos

estatais, a função de responsabilizar- se pelo destino das pessoas em conflito com a lei, a fim

de que sejam afastadas do convívio social e (re)educadas. Ledo engano.

Considera-se que a solução dos problemas mencionados passa, necessariamente, por

uma revolução na forma de educar nossas crianças.

Atualmente, as crianças e adolescentes estudam visando à realização profissional e

preocupam-se, cada vez mais, em serem os melhores. Mas não estudam amor ao próximo,

solidariedade, respeito à diversidade, cooperação, lealdade e ética, tampouco aprendem

princípios e valores sólidos que os conduzam à felicidade.

Assistimos diariamente nos meios de comunicação histórias de pais que espancam

filhos, filhos que matam pais, jovens que matam mendigos. O homem vai à Lua e à Marte,

mas não consegue controlar seu mundo interior. Do ponto de vista intelectual, redige e realiza

operações matemáticas com brilhantismo, mas está engatinhando do ponto de vista das

emoções. Daniell Golleman, citado por Pires5, lembra que o Quociente Emocional Deficiente

impede o desenvolvimento pleno do ser, mesmo que o intelectual seja altíssimo.

A partir do momento em que a humanidade centrou-se excessivamente no

desenvolvimento científico e tecnológico, fator que inegavelmente refletiu em melhoras nas

condições materiais de vida, esqueceu-se do homem. Visando o conforto exterior, relegou ao

segundo plano o interior, esquecendo-se de que é formado por corpo, mente e espírito.

A educação fragmentada a que nos submetemos propiciou uma desestruturação do ser

humano que, muitas vezes, reflete-se na violência, presente em todas as camadas sociais,

evidenciando a nossa crise de valores.

A violência espreita-nos nas escolas, nas ruas, no trânsito, nos locais de lazer e no lar.

5 PIRES, Heloisa. Educar para ser feliz. São Paulo: Camille Flamarion, 2002.

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Page 20: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Em todos os segmentos sociais, raciais ou religiosos constatamos casos de

intolerância, indiferença e absoluta transgressão de princípios éticos e morais, evidenciando

que nossos jovens estão desnorteados, sem parâmetros claros de certo e errado, sem limites e

responsabilidades, sem projeto de vida.

Pelo descaso com a educação estamos pagando um preço. É mais simples culparmos o

estresse da vida quotidiana, a influência negativa dos meios de comunicação de massa, o

excesso de informação, as más companhias, as drogas, a desigualdade social. Realmente,

esses aspectos contribuem para o quadro atual. Contudo, consoante Mesquita (4), a essência

da questão é mais profunda: por que nossos jovens estão infelizes e buscam auto-realização

nos extremos, no perigo, no comportamento desregrado, egoísta e indiferente? É difícil para

eles evitar isso e, como adultos, não estamos contribuindo adequadamente na formação de seu

caráter.

A análise da violência infantil, juvenil e familiar é indissociável da verificação da

formação recebida, dos valores recebidos na educação.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e dos diplomas legais

complementares, o Direito à Educação foi o direito social que recebeu a regulamentação mais

explícita, contundente, completa e clara, por parte do legislador constituinte e ordinário.

Consoante Konzen6, (2000, p. 660):

Afirmado como o primeiro e o mais importante de todos os direitos sociais, fez-se compreender a Educação como valor de cidadania e de dignidade da pessoa humana, itens essenciais ao Estado Democrático de Direito e condição para a realização dos ideais da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária, nacionalmente desenvolvida, com a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais e regionais e livres de quaisquer forma de discriminação (artigo 3 º da Constituição Federal), imaginário de Nação inscrito na Carta Magna Brasileira.

6 KONZEN, Afonso Armando. O Direito à Educação Escolar. Pela Justiça na Educação. Coordenação geral Afonso Armando Konzen. Brasília: MEC, FUNDESCOLA, 2000.

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Page 21: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

O artigo 1º da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da

Educação), preceitua que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem

na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,

nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.

O presente trabalho pretende limitar-se à abordagem dos temas da educação familiar e

escolar, utilizando como ferramenta indispensável os avanços legais introduzidos pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente nessa questão, especialmente ao reconhecer o público

infanto-juvenil como sujeito de direitos em condição peculiar de desenvolvimento e, por essa

razão, contemplado pelos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta. Focando

como destinatários da lei a família, a comunidade, a sociedade e o poder público.

João Batista da Costa Saraiva7, (2002, p. 13), ao comentar a mudança paradigmática

que inspirou o Estatuto da Criança e do Adolescente, aduz:

O advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90, de 13-07-90) representa um marco divisório extraordinário no trato da gestão da infância e da juventude no Brasil. Na esteira do texto constitucional artigo 227 da CF/88), que se antecipou à Convenção das Nações Unidas, introduzindo no Brasil a Doutrina da Proteção Integral, em detrimento dos vestutos primados da arcaica Doutrina da Situação Irregular, que presidia o antigo sistema. Operou-se uma mudança de referências e paradigmas na ação da Política Nacional, com reflexos diretos em todas as áreas, especialmente no trato da questão infracional.Houve, a partir de então, com a introdução no sistema dos conceitos jurídicos de criança e adolescente, em prejuízo da antiga terminologia “menor”. Esta servia para conceituar aqueles em “situação irregular”. Pelo novo ideário norteador do sistema, todos aqueles com menos de 18 anos, independentemente de sua condição social, econômica ou familiar, são crianças (até os 12 anos incompletos) ou adolescentes (até os 18 anos incompletos) segundo o art. 2 º da Lei n.º 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, qualificando-se como sujeito de direitos.

Hoje, ao refletir-se sobre a educação, observa-se que a educação escolar foca sua

atuação no aprimoramento intelectual sem preocupar-se com o desenvolvimento das

qualidades humanas. Assim, é chegado o momento de a família ocupar seu espaço na

7 SARAIVA, João Batista. Direito Penal Juvenil – Adolescente e Ato Infracional – Garantias Processuais e Medidas Socioeducativas. Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2002.

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educação integral de suas crianças, aliando-se aos professores na proposta educativa de

contribuir para a formação do caráter. Pois somente dessa forma, estar-se-á assegurando à

infância e à juventude brasileira o direito à educação na amplitude proposta pela legislação.

Nesse intento, imperiosa a responsabilização dos pais e professores, unidos na tarefa

de educar, na transmissão de valores às crianças, pelo exemplo, e com afetividade, amando-

as, respeitando-as e disciplinando-as. Segundo Pires (5), (2002, p. 25) “é preciso educarmos

nossas crianças na compreensão da importância de unirmos nossos esforços na construção de

um mundo melhor, no qual as diferenças sejam resultados da capacidade e nunca da falta de

oportunidades”.

O indivíduo não amado, ou mal amado, ou educado sem amor, ou através de um amor

egoísta, deseducador, que estimula o egoísmo, contribui para a formação da sociedade que

criamos, na qual a violência, a indiferença, a intolerância e o individualismo impedem o

homem de ser feliz.

Para enfrentarmos a atual crise de valores devemos nos empenhar na construção de um

novo paradigma no qual a nossa felicidade é proporcional à felicidade que asseguramos aos

outros, sendo que a solidariedade gera laços de confiança entre as pessoas, contribuindo para

uma cultura ética e de não violência.

2.2 Uma Abordagem Histórico-Filosófica da Ética

Segundo Walls8, (1994, p. 177)) “a ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que

são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta”.

Tradicionalmente, é entendida como estudo ou reflexão, científica ou filosófica, e

inclusive teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas. Também chamamos de

8 WALLS, Álvaro L. M. O que é ética. 9.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. Coleção Primeiros Passos.

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ética a própria vida, quando conforme aos costumes que consideramos corretos. A ética pode

ser o estudo das ações ou dos costumes, e a própria realização de um tipo de comportamento.

Apenas didaticamente, pois na vida real essa separação não ocorre, costuma-se separar

os problemas teóricos da ética em dois campos: os problemas gerais e fundamentais (como

liberdade, consciência, bem, valor e lei); e os problemas específicos, de aplicação concreta,

como os de ética profissional, política, sexual, matrimonial, bioética, etc.

Uma questão absolutamente fundamental consiste em observarmos se a ética consiste

em listagem de convenções sociais provisórias, uma vez que os costumes são mutáveis, e o

que era considerado errado, hoje pode ser aceito.

Se assim fosse, um comportamento correto eticamente não seria nada mais do que um

comportamento adequado aos costumes vigentes. Assim, determinada ação seria errada

apenas enquanto ela não fosse o tipo de um novo comportamento vigente.

Cumpre ressaltar que a ética não retrata apenas os costumes, apresenta também

algumas grandes teorias, representando uma reflexão teórica, com validade mais ampla,

universal. Em alguns casos, para descobrir a ética vigente em uma sociedade mister analisar

documentos não escritos ou mesmo não filosóficos: pinturas, esculturas, tragédias e comédias,

formulações jurídicas (como as do Direito Romano), e políticas (como as leis de Atenas ou

Esparta), livros de medicina, relatórios históricos de expedições guerreiras e até os livros

penitenciais dos bispos medievais.

Ressalta-se, ainda, que não só os costumes variam, mas também os valores que os

acompanham, as normas concretas, os ideais, a própria sabedoria de um povo a outro e de um

tempo a outro.

Partindo-se da afirmação de que os valores éticos podem transformar-se, assim como a

sociedade se transforma, questiona-se: não haveria, então, uma forma ética absoluta?

Consoante Walls (8), uma boa teoria ética deveria atender à pretensão de

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universalidade, ainda que simultaneamente capaz de explicar as variações de comportamento,

características das diferentes formações culturais e históricas.

Nessa seara, dois pensadores obrigatoriamente devem ser citados: o grego antigo

Sócrates (470 – 399 a.C.) e o alemão Kant (1724 – 1804).

Questionamos por que Sócrates, o filósofo que aparece nos “Diálogos” de Platão,

usando o método da maiêutica (interrogar o interlocutor até que este chegue por si mesmo à

verdade, sendo o filósofo uma espécie de “porteiro das idéias”), foi condenado a beber

veneno? A acusação que pesava sobre o filósofo era a de que este seduzia a juventude, não

honrava os deuses da cidade e desprezava as leis da “polis” (cidade-estado). Salienta-se que

Sócrates obedecia às leis, mas as questionava, procurando fundamentar racionalmente a sua

validade, ousando perguntar se essas leis eram justas.

Embora concluísse positivamente, o conservadorismo grego não podia suportar este

tipo de questionamento, pois as leis existiam para serem obedecidas, não para serem

justificadas.

Sócrates, em que pese não tivesse a aprovação dos gregos em seus questionamentos,

foi chamado, muitos séculos depois de “o fundador da moral” (e moral é sinônimo de ética,

acentuando apenas o aspecto de interiorização de normas), pois sua ética não se limitava aos

costumes do povo e dos ancestrais, assim como nas leis exteriores, mas sim na convicção

pessoal, adquirida por intermédio de reflexão interior, na busca de compreender a justiça das

leis.

Esse movimento de interiorização da reflexão e de valorização da subjetividade ou

da personalidade, que começa com Sócrates, culmina com Kant, no final do século XVIII.

Ensina Walls (8), que Kant buscava uma ética de validade universal, que se

fundamentasse na igualdade fundamental entre os homens. Sua filosofia, conhecida como

transcendental, volta-se primeiramente, ao homem, buscando encontrar no homem as

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condições de possibilidade de conhecimento verdadeiro e do agir livre.

Como questão central da ética aparece o dever ou obrigação moral. E o dever obriga

moralmente a consciência moral livre, e a vontade verdadeiramente boa deve agir sempre

conforme o dever e por respeito ao dever.

Partindo do pressuposto, típico do movimento iluminista, da igualdade entre os

homens, Kant pretende chegar a uma moral igual para todos, uma moral racional, a única

possível para todo e qualquer ser racional. A forma do dever expressa-se no chamado

imperativo categórico (não baseado em hipóteses ou condições), a seguir: “devo proceder

sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei

universal”.

No grande rio do pensamento ético, movimentam-se pensadores do porte de Platão e

Aristóteles, Santo Agostinho e Santo Tomas de Aquino, Maquiavel e Spinoza, Hegel e

Kiergoard, Marx e Sartre e, no meio deles, todos nós, que diariamente enfrentamos problemas

teóricos e práticos, éticos ou morais e que precisamos resolvê-los.

Uma conclusão é imperiosa: não podemos ignorar as questões éticas, em que pese

tratar-se de assunto espinhos e tormentoso, sob pena de abdicarmos de nosso anseio de

liberdade.

Se concluirmos que agir moralmente significa agir de acordo com a própria

consciência, ainda assim permanecemos com dúvidas acerca de qual seria o ideal da vida

ética.

Historicamente, as respostas variam. Para os gregos, o ideal ético estava ou na busca

teórica e prática da idéia do Bem, da qual as realidades mundanas participariam de alguma

maneira (Platão), ou estava na felicidade, entendida como uma vida bem ordenada, virtuosa,

onde as capacidades superiores do homem tivessem a preferência, e as demais capacidades

não fossem desprezadas, na medida em que o homem necessitava de muitas coisas

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Page 26: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

(Aristóteles).

Com o Cristianismo, os ideais éticos identificaram-se com os religiosos. O homem

viveria para conhecer, amar e servir a Deus, diretamente e em seus irmãos. O ideal socrático

do “conhece-te a ti mesmo” emerge com Santo Agostinho, que ensina que “Deus nos é mais

íntimo que o nosso próprio íntimo”. O ideal ético é o de uma vida espiritual, de acordo com o

espírito, vida de amor e fraternidade. Contudo nem sempre os cristãos estiveram à altura da

afirmação de seu mestre: “Nisto conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos

outros”.

Com o Renascimento e o Iluminismo (séc. XV e XVIII), a burguesia acentuou outros

aspectos éticos: o ideal seria viver conforme a própria liberdade pessoal, e em termos sociais,

o lema: liberdade, igualdade e fraternidade. O pensador da burguesia e do Iluminismo, Kant,

identificou o ideal ético com o da autonomia individual (o padrão de moralidade). O homem

racional, autônomo, autodeterminado, é o que age segundo a razão e a liberdade.

No século XX, os pensadores da existência insistiram sobre a liberdade como um ideal

ético, privilegiando o aspecto pessoal ou personalista da ética: autenticidade, opção,

resoluteza, cuidado.

Quanto ao pensamento social e dialético, buscou-se como ideal ético o ideal de uma

vida social mais justa, com a superação das injustiças econômicas, em busca da construção de

um mundo mais humano.

A reflexão ético-social do século XX trouxe ainda a observação sobre a massificação,

sendo que grande parte, hoje, talvez não mais se comporte eticamente, pois vive amoralmente.

Os meios de comunicação de massa, as ideologias, os aparatos econômicos e do Estado, e a

própria educação não permitem a existência de sujeitos livres, de cidadãos conscientes e

participantes, de consciências capazes de discernir e julgar.

Não há como falar em ética sem falar em liberdade e responsabilidade. A priori, a

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ética remete às normas e à responsabilidade. E só há sentido falar destas últimas

considerando-se que o homem é livre ou pode sê-lo.

A norma nos diz como devemos agir. E, assim, temos opção de obedecer ou não. A

ética transita entre dois extremos, que consistem em formas de negação da liberdade: o

determinismo absoluto e o liberalismo absoluto.

Atualmente, a ética preocupa-se com as indagações do ser humano para resolver as

contradições entre necessidade e possibilidade, tempo e eternidade, individual e social, o

econômico e o moral, o corporal e o psíquico, o natural e o cultural.

Atualmente, os grandes problemas éticos encontram-se em três instituições históricas e

sociais: a família, a sociedade civil e o Estado, onde a liberdade realiza-se eticamente.

Em relação à família, colocam-se de maneira muito aguda as questões das exigências

éticas do amor. As questões como o amor livre, a fidelidade, relacionamentos homossexuais,

educação dos filhos. As transformações histórico-sociais exigem reformulações nas doutrinas

tradicionais éticas sobre o relacionamento entre pais e filhos. Novos problemas advieram com

a presença maior da escola e dos meios de comunicação na vida diária dos filhos. Os novos

papéis materno e paterno exigem hoje nova reflexão sobre os direitos e os deveres dos pais e

dos filhos.

Em relação à sociedade civil os problemas atuais continuam urgentes, referindo-se

especialmente ao trabalho: desemprego, trabalho escravo, baixos salários, falta de auto-

realização, falta de qualificação profissional, analfabetismo.

No que se refere ao Estado, os problemas éticos são muito ricos e complexos. As leis,

a Constituição, as declarações de direitos, a definição dos poderes, a divisão destes poderes

para evitar abusos, e a própria prática das eleições periódicas aparecem hoje como questões

éticas fundamentais. A liberdade do indivíduo só completa-se como liberdade do cidadão

de um Estado livre e de direito e que respeita a liberdade do outro, reconhecendo-a

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como legítima e atribuindo-lhe valor idêntico ao da sua.

2.3 A convivência humana possível: uma abordagem sociológica das éticas

Demo9, na obra “Éticas multiculturais: sobre convivência humana possível”, faz uma

abordagem sociológica das éticas. Ao afirmar que vida, natureza, evolução e história são

mistérios, uma vez que a ciência limita-se a explicar fragmentos da realidade, considera que o

ser humano precisa de transcendência, já que visivelmente não se basta: é incompleto,

imperfeito, morre, desespera-se (2005, p. 15)

Não se refere à transcendência eterna, absoluta e completa, pois esta se situa no

terreno das religiões, mas vislumbra, no campo sociológico, uma transcendência imanente,

citando pensadores como Kant (em face da proposta ética ou de justiça de não fazer ao

próximo o que não gostaríamos que ele fizesse conosco, procura estabelecer um princípio de

validade universal que transcende a cada indivíduo), e Hobbes, que menciona ser comum no

contexto social a indicação de dimensões que transcendem o indivíduo, seja para evitar que os

indivíduos entregues ao egoísmo, matem-se, seja para privilegiar a ordem comum sobre

comportamentos desviados, seja para consagrar princípios de solidariedade que ultrapassam

os limites individuais.

Diferentemente das religiões, a sociologia não prega alguma ética específica, mas pode

estudá-las e ainda evidenciar as vantagens de sociedades que sabem assumir padrões

éticos de convivência. Mas, ao sugerir que sociedades éticas são preferíveis a sociedades não

ou pouco éticas, não pode filiar-se a uma delas, pois não seria ético.

Contudo, no mínimo, a sociologia pode afirmar que a sociedade humana mais

tolerável seria aquela em que a pluralidade dos conviventes pudesse conviver em relativa

9 DEMO, Pedro. Éticas multiculturais: sobre convivência humana possível. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

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harmonia e conflito, de maneira que o bem comum pudesse sempre prevalecer, ao final. Esse

seria o ideal de democracia.

É inegável que a ética comparece como referência crucial no cenário da convivência

humana, pois a vida de um ser humano tem impacto inevitável na vida do outro, de forma

que nunca podemos alegar que o outro não nos diz respeito. Sociologicamente, o outro nos

constitui.

Um dos esteios da ética é a responsabilidade. Ao falarmos em autonomia,

costumamos perder de vista que o excesso de autonomia de um compromete a autonomia do

outro, daí a impossibilidade de autonomias absolutas. Ainda, mister termos em mente que o

exercício da liberdade penetra o exercício da liberdade do outro e, vice-versa, de maneira que

será sempre necessário negociar um tipo aceitável de convivência para ambas as partes.

Autonomia supõe, assim, as habilidades de impor-se, bem como de ceder. Como meu

comportamento impacta o comportamento do outro, sou responsável por isso. Não posso

alegar que nada tenho a ver.

E essa concepção, que traz ínsita em sua proposta os ideais de respeito, solidariedade e

tolerância, para ser implementada em uma sociedade, depende da forma como os integrantes

desta são educados. A educação tem um efeito reprodutivo (Demo, 2004), na medida em que

a mesma expectativa comportamental de uma geração é imposta à nova geração. Mas não se

trata de transmissão rígida, na medida em que sempre há alguma renovação geracional.

Hoje, a distância geracional é cada vez maior. A nova geração apresenta grandes

diferenças sobre, por exemplo, como ganhar a vida ou preparar-se para ela. Assim, as normas,

valores e sanções valem relativamente, que não se confunde com relativismo.

O relativismo é impraticável, pois não seria coerente afirmar que tudo é relativo e

também porque, em sociedade, não há verdades absolutas tampouco se aceita o vale-tudo.

Neste último caso, esse tipo de liberdade ignora a liberdade do outro e impede o exercício do

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Page 30: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

senso de responsabilidade.

Nesse sentido, indispensável que se tenha em mente que a dimensão da liberdade é

diretamente proporcional à responsabilidade.

Oportuno mencionar um outro princípio importante: a solidariedade, que será

desenvolvido neste trabalho, partindo-se da afirmação segundo a qual o importante nas éticas

é a organização da convivência em favor do bem comum do grupo, reforçando

comportamentos construtivos para o grupo.

Seres humanos precisam de orientação. E consiste em dever legal da família e da

escola a educação que trabalhe com as crianças a noção de fraternidade universal, capaz de

congregar a diversidade social e histórica infinita. O gesto de percebermos o outro como

concorrente deve ser substituído, sob a orientação de éticas multiculturais, pelas noções de

bem comum e de sociedades igualitárias, formadas por homens que sabem sentir e pensar, na

busca da convivência possível.

2.4 Ética e Valores na Educação

Conforme Maturana10, a ética e a espiritualidade relacionam-se com a emoção. A ética

tem a ver com a preocupação pelas conseqüências das próprias ações sobre o outro. Assim,

para ter preocupações éticas, devo ter a capacidade de ver o outro como um legítimo outro em

convivência comigo e o amor seria a emoção que embasa a preocupação ética.

Em nossa cultura usamos a razão para negar ou obscurecer nossas emoções e avaliar

nossas condutas. Segundo Maturana (10), o mesmo ocorre com a ética e a experiência

espiritual onde criamos cegueiras frente ao outro e ao nosso âmbito de pertença social e

cósmica com argumentos racionais.

10MATURANA, Humberto; REZEPKA, Sima Nisis. Formação Humana e Capacitação. Traduzido por: Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

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Page 31: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

É chegado o momento de questionar: em que mundo queremos viver? É preciso

termos a consciência de que a resposta a essa indagação é fundamental, pois nossos desejos

guiarão nosso agir subordinando nossa razão a eles, e determinarão que âmbito de vida

criaremos para nossas crianças, oportunizando a elas as possibilidades de conservar um viver

humano num ato responsável e livre a partir delas.

O que se observa nas sociedades atuais, especialmente nas escolas, é que a temática da

construção de valores não têm sido muito explorada, sendo trabalhada pelas escolas do país,

indiretamente e de forma desorganizada. Tampouco se constata política pública de

valorização do tema e formação profissional adequada.

Partindo-se dessa observação, questiona-se sobre as razões para o desinteresse social e

científico pelo tema, especialmente em face de sua relevância atual, em que é comum a

constatação de que a sociedade contemporânea vive uma “crise de valores”. As respostas a

essas questões não são simples, mas é chegado o momento de a sociedade brasileira despertar

para essa problemática, promovendo investimentos em políticas públicas, pesquisas,

publicações e na formação e capacitação de profissionais da área da educação para

desenvolver esse trabalho.

A expectativa é que esse quadro seja alterado mediante uma proposta de conteúdos

que referenciem e orientem a estrutura curricular das escolas brasileiras, apresentando a

inserção transversal, aos conteúdos curriculares tradicionais, de conteúdos como Ética, Meio

Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo. Esses

conteúdos podem não ser concebidos como novas disciplinas, mas devem ser trabalhados nas

escolas de todo o país de maneira integrada, interdisciplinar e transversal.

De acordo com essa proposta, os conteúdos relacionados à ética e alguns valores

universais (como os presentes na Declaração Universal dos Direitos do Homem) passam a ser

reconhecidos pelo Estado como essenciais para a formação dos futuros cidadãos, devendo ser

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Page 32: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

trabalhados nas escolas.

Esse será um dos maiores desafios dos educadores, que terão de atender aos anseios de

uma sociedade plural e democrática. Mas como realizar toda essa articulação sem incorrer nos

erros do passado de disciplinas como Educação Moral e Cívica e Estudos de Problemas

Brasileiros, buscando promover uma educação em valores que não se baseie em mera

transmissão dos valores da classe dominante?

É indispensável voltar-se para a formação docente nas áreas da psicologia e da

educação, objetivando a instrumentalização dos profissionais da educação que já foram

tocados pela necessidade e premência de criação de programas para uma educação em

valores, ou ainda, para os educadores que buscam a formação integrada de seus alunos, em

que os valores vinculados à construção da democracia, cidadania e de relações interpessoais

mais justas e solidária coexistiam de maneira articulada com as disciplinas curriculares

tradicionais.

Uma das características mais importantes do trabalho do professor Puig11, (professor

da Universidade de Barcelona, e um dos autores espanhóis mais conhecidos na área de

investigações sobre a moralidade humana) é sua intenção de construir um programa de

educação moral que procura integrar diversas concepções teóricas e experiências em um

quadro amplo, rico e próximo à realidade.

Posiciona-se contra tanto às concepções de moralidade fundamentadas em valores

absolutos, quanto contra o relativismo dos valores. Rompe com o discurso sobre a existência

de uma moral universal indiscutível válida para todas as culturas e tempos, da qual devem

derivar os valores a serem transmitidos, e com a moralidade relativa a cada contexto cultural e

momento histórico, que dependem da preferência de cada sujeito.

11 PUIG, Josep Maria. Ética e valores: métodos para um ensino transversal. Tradução Ana Venite Fuzatto; revisão técnica Ulisses Ferreira de Araújo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

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Page 33: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Enquanto a primeira concepção supõe uma relação autoritária em que os valores da

sociedade já se encontram predeterminados, a segunda torna-se muito subjetiva e

individualista.

A concepção do autor tenta integrar as duas anteriores, reconhecendo que uma

educação moral deve respeitar a autonomia dos sujeitos, partindo do diálogo que considera os

interesses pessoais e coletivos, os valores de cada cultura e os universais. Por isso pensa que

“a educação deve converter-se em um âmbito de reflexão pessoal e coletiva que permita

elaborar racional e autonomamente princípios gerais de valor, princípios que ajudem a

defrontar-se criticamente com a realidade” (PUIG, 1998, p. 15).

Visando a atingir o objetivo de formação de pessoas autônomas e dialogadoras, que

utilizam sua razão criticamente nas relações interpessoais e no respeito aos direitos alheios,

elenca as finalidades desse modelo de educação moral e apresenta sugestões de atividades e

recursos metodológicos aos educadores.

Os objetivos gerais propostos são a formação de consciências morais autônomas; a

percepção e o controle dos sentimentos e emoções e a competência.

A formação de pessoas autônomas e dialogadoras dispostas a comprometer-se na

relação pessoal e na participação social com o uso crítico da razão, supõe formar um perfil

moral caracterizado pelas seguintes finalidades:

a) desenvolver a consciência moral autônoma enquanto capacidade para regular e dirigir

por si mesmo a própria vida;

b) propiciar a produção de razões e argumentos morais justos e solidários e usa-los

correta e habitualmente nas controvérsias que implicam conflito de valores;

c) desenvolver as capacidades de compreensão crítica da realidade pessoal e social;

d) adquirir a sensibilidade necessária para perceber os próprios sentimentos e emoções,

para aceita-los e usa-los;

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Page 34: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

e) fomentar as competências dialógicas que predispõem ao acordo, ao entendimento e à

autodireção, assim como à tolerância e à participação democrática;

f) reconhecer e assimilar aqueles valores morais que podemos entender como

universalmente desejáveis, como, por exemplo, justiça, liberdade, igualdade,

solidariedade, benevolência, tolerância, respeito, participação, compromisso e

cooperação, em se tratando de perspectiva macroética ou pública. A partir de uma

perspectiva privada: renúncia, reconhecimento, verdade, abertura para com os

demais, empatia, consideração, amor, coerência, responsabilidade. E como valores

comuns, a ambos os espaços éticos, destaca-se a autonomia e a crítica;

g) conhecer toda a informação relevante moralmente que possa tornar-se formativa;

h) participar de diálogos democráticos que permitam mediar as próprias posições

valorativas com as dos demais indivíduos e grupos, a fim de construir espaços

emancipatórios e definir espaços de participação social, assumindo compromissos de

ação concretos;

i) valorizar o pertencer às comunidades habituais de convivência, integrar-se

participativamente nelas e refletir criticamente sobre suas formas de vida e tradições

valorativas.

Como elementos para um currículo de educação moral são elencadas: atividades

específicas, transversais (inseridas nas disciplinas curriculares existentes) e sistemáticas

(observar seqüência e freqüência) de educação moral; participação democrática na vida da

escola (coerência entre juízo e ação moral dentro e fora da escola) e educação moral e

participação social (facilitar aos alunos a possibilidade de implicar-se pessoalmente em algum

tipo de participação social que suponha comprometimento e responsabilização por auxiliar

alguém ou instituição que busque fins sociais ou humanitários).

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Page 35: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Salienta-se a importância de a educação moral contribuir para desenvolver a

capacidade para criar empatia ou conectar-se com o ponto de vista alheio, implicando

progressiva descentração do sujeito. Descentração que somente é possível na medida em que

vivenciam abundantes experiências de interação social. Estas experiências produzem uma

progressiva diminuição do egocentrismo, o qual permite avançar na aquisição de consciência

mais aguda das perspectivas alheias.

Em que pese a interessante proposta do professor Puig (11), entende-se que só será

implementada com êxito se os educadores conscientizarem-se de que não se transmitem

valores sem vivenciá-los e exemplifica-los na convivência diária e sem considerar os

enfoques sócio-afetivos.

As experiências e exercícios sócio-afetivos têm como primeiro objetivo o

desenvolvimento da sensibilidade para reconhecer situações moralmente relevantes e para

sentir-se pessoalmente afetado por elas. Sua pretensão, portanto, é trabalhar sobre os

sentimentos e emoções dos alunos, complementando com atitude de reflexão e com a adoção

de atitudes e de compromissos pessoais coincidentes com os sentimentos experimentados e as

opiniões formuladas.

Ver a realidade de perto é o melhor modo de entendê-la e de sentir-se tocado por ela.

Contudo, apesar da importância desse modo de proceder, muitas vezes, em face à

impossibilidade de experimentar diretamente certas situações, mister usar procedimentos de

sensibilização moral baseado na simulação. Os enfoques sócio-afetivos são uma modalidade

de trabalho dessa natureza, tentando oferecer, mesmo que artificialmente, oportunidade de

vivenciar experiências moralmente significativas.

Segundo Puig (11), (1998, p. 118), os enfoques sócio-afetivos partem da crítica às

metodologias de transmissão de conhecimentos. Seus principais cultivadores constatam que,

freqüentemente, alunos que passaram por cursos meramente informativos sobre situações de

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Page 36: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

injustiça ou miséria, acabaram limitando-se a olhar com alívio para a sua própria situação.

Constantemente alegravam-se em ser diferentes e sentiam-se, não raras vezes, superiores,

culpando as vítimas pelos contratempos que sofriam. Foi evidenciado que a informação nem

sempre supõe uma mudança de atitude nem um desenvolvimento da sensibilidade empática.

Era necessário provocar um tipo de experiência pessoal mais completa do que a

proporcionada pela recepção de informação descritiva sobre situações moralmente relevantes.

Assim, quando o cognitivo e o afetivo ficam vinculados pela atividade do sujeito,

duplica-se sua eficácia e persistem na memória suas conquistas. A mera sensação emocional

tende a diluir-se quando não está acompanhada de processo de reflexão e de valoração moral.

Ainda, a mera informação tende a induzir a idéias cristalizadas, que caem no esquecimento

quando os sentimentos não oferecem motivação pelas idéias.

Em razão disso, as experiências emotivas, que dispensam as vivências, assim como as

idéias e os valores que a reflexão constrói, devem ser entendidas como dois momentos

inseparáveis de um mesmo processo de formação moral.

A importância comprovada das emoções na formação dos seres humanos, resultado de

pesquisas científicas, alerta para um aspecto essencial: a responsabilidade dos educadores

colaborarem na promoção da educação das emoções e dos sentimentos das crianças.

Integrando, ainda, à educação, o aspecto moral, tendo em vista que “valor” é um dos fatores

que são relevados ao decidir.

A contribuição de Damásio (1) apresenta valor inestimável ao concebermos a

Educação como o Direito de o ser humano realizar as potencialidades que traz consigo ao

nascer, e que precisam ser desenvolvidas ao longo de sua existência, rumo a formação do

homem integralmente apto a existir, sentir, raciocinar e ser feliz.

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Page 37: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

3 A FAMÍLIA E A EDUCAÇÃO PARA VALORES

Muitas pessoas passam pela nossa vida. Poucas, no entanto, são

capazes de se fazer realmente presentes em nossa existência. Menos ainda

são aquelas cuja presença, pela influência construtiva que exerceram sobre

nós, assumiram uma significação que o tempo não foi capaz de apagar. Essas

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Page 38: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

são as pessoas significativas de nossas vidas (ANTÔNIO CARLOS GOMES

DA COSTA).

3.1 O eclipse da família e a tendência de transferir suas responsabilidades

Parte-se da constatação de que as crianças, antes de entrarem em contato com seus

professores, já experimentaram a influência educacional de seu meio social, que continuará

sendo determinante durante a infância.

Na família, a criança aprende, ou deveria aprender, atitudes fundamentais, que

compõem a “socialização primária”. Após, a escola, os grupos de amigos, o lugar de trabalho

e outros irão realizar a socialização secundária, que será mais frutífera se a primária tiver se

realizado de modo satisfatório, pois terá uma base sólida.

Assim, o principal agente da efetividade do Direito à Educação é a família. Se a escola

deve atuar como associada, essa associação não deve ensejar o afastamento da noção de que

os pais ou responsáveis são os agentes principais pela educação dos filhos.

O dever de educar está previsto na legislação brasileira desde 1916, no antigo Código

Civil. Na legislação civil atual, está previsto no artigo 1.634, inciso I, como obrigação dos

pais quanto à pessoa dos filhos, inerente ao exercício do poder familiar, “dirigir-lhes a

educação e a criação”. E, ainda, como dever recíproco dos cônjuges, no artigo 1.566, inciso

IV, a educação dos filhos. A Constituição Federal elevou a obrigação de educar os filhos à

condição de preceito constitucional (artigo 229). E o Estatuto da Criança e do Adolescente

arrolou o descumprimento injustificado desse dever como causa explícita para a perda do

poder familiar (artigos 22 e 24).

Contudo, não obstante o pesado aparato legal prevendo a obrigação da família em

relação à educação das crianças, os educadores tem percebido que estas chegam a escola com

um núcleo básico de socialização insuficiente para enfrentar com êxito a tarefa de

38

Page 39: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

aprendizado. Queixam-se que, em razão dessa falha na família, a escola, além de não

conseguir realizar sua tarefa específica como no passado, também começa a ser objeto de

novas demandas, para as quais não está preparada.

Um dos outros motivos, apontado pelos estudiosos, do eclipse da família como fator

de socialização primária, decorre da transformação do “status” das próprias crianças; com o

“desaparecimento da infância”.

Renomados autores sobre a infância evocam a tendência atual de os adultos

apressarem o crescimento das crianças, atribuindo-lhes responsabilidades que muitas vezes

não estão preparadas para assumir, sem perceberem que este amadurecimento forçado não é

acompanhado pelo desenvolvimento emocional.

Os modelos de comportamento e de interpretação do mundo que se ofereciam à

criança não podiam ser escolhidos voluntariamente nem rejeitados, porque careciam de

alternativa. Com a maturidade, quando a informação revelava as alternativas possíveis aos

dogmas familiares, dando lugar às angustias da escolha, a pessoa estava suficientemente

formada.

Segundo Savater12 (1998) a televisão acabou com esse desvendamento progressivo das

realidades ferozes e intensas da vida humana. As “verdades” sobre doenças, morte,

procriação, sexo, violência, guerra, ambição, que antes eram escondidas dos olhares infantis,

hoje, são expostas pela televisão, que ocupa espaço cada vez maior na educação, sem

observância de trâmites pedagógicos.

Assim, a tarefa atual da educação familiar e escolar é complicada. Espera-se do

educador (familiar e professor) que auxilie as crianças e jovens a organizar as informações

que recebem dos meios de comunicação, fornecendo-lhes ferramentas cognitivas para torná-

las proveitosas e não nocivas.

12 SAVATER, Fernando. O valor de educar. Tradução: Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

39

Page 40: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Entretanto, essa nova situação da educação também alarga as possibilidades para a

formação moral e social dos futuros cidadãos, favorecendo a superação de preconceitos e de

modelos impostos pelo núcleo familiar.

Juan Carlos Tedesco, citado por Savater (12), (1998, p. 90), afirma acreditar ser

preciso,

... mostrar as potencialidades libertadoras oferecidas por uma socialização mais flexível e aberta. Se a responsabilidade pela formação ética, pelos valores e comportamentos básicos passa a depender agora, muito mais do que no passado, de instituições e agentes secundários, também se abrem maiores possibilidades de promover concepções tolerantes e diferentes.

Outra causa para essa renúncia da família a suas funções educacionais, apontada por

Savater (12) é o fanatismo pelo juvenil nos modelos contemporâneos de comportamento. O

jovem, a moda jovem, a despreocupação juvenil, o corpo ágil e bonito, eternamente jovem à

custa de qualquer sacrifício, dietas e correções, a “espontaneidade artificial”, a capacidade

incansável para o festivo... são os ideais de nossa época, a ponto de ser considerado ofensivo

“ser velho”.

Mas, para que o núcleo de socialização primária atue de forma eficaz na educação, é

imprescindível que alguém nela assuma o papel de adulto e assuma responsabilidades,

evitando transferi-las para as instituições públicas da comunidade.

Observa-se com freqüência situações em que os pais, reconhecendo sua impotência

quanto ao estabelecimento de regras e limites, exigem que o Estado adote medidas de

vigilância para limitar seus filhos. E o surpreendente é a naturalidade e a facilidade com que

os progenitores assumem uma posição de incapacidade de cuidar e de educar seus rebentos,

transferindo a obrigação para os órgãos estatais.

Trata-se de uma crise de autoridade nas famílias. E o que supõe essa crise?

40

Page 41: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

3.2 A Crise de Autoridade nas Famílias e a Distorção Interpretativa do Estatuto da

Criança e do Adolescente

Observa-se uma antipatia e uma desconfiança não tanto contra o próprio conceito de

autoridade (cada vez mais as instituições são criticadas por faltar-lhes autoridade e reclama-se

“linha dura”), mas contra a possibilidade de se ocupar pessoalmente dela no âmbito familiar

pelo qual se é responsável.

Se os pais não auxiliam os filhos a crescer, com sua autoridade amorosa, as

instituições públicas ver-se-ão obrigadas a impor o princípio da realidade quase sempre, não

com afeto, mas à força. Assim não se conseguem crianças que serão cidadãos adultos livres.

Existe um consenso no pensamento pedagógico de que é negativa a educação baseada

no medo autoritariamente inculcado. Hoje, estamos convencidos do avanço que constitui

aliviar de intimidações abusivas os primeiros anos do ensino. No entanto, também é preciso

compreender que o desaparecimento de toda a forma de autoridade na família não predispõe à

liberdade responsável, mas a uma forma de frágil insegurança.

A atenuação ou abolição da figura paterna tradicional traz algumas dificuldades de

identificação positiva para os jovens, que vários estudiosos relacionam diretamente à

delinqüência juvenil e a perda destrutiva de modelos de auto-estima.

Consoante a pedagoga e terapeuta de Casal e Família, Tânia M. Vanoni Polanczyk13:

A desqualificação como homem e como pai é uma experiência humilhante, que afeta as relações interpessoais e desestabiliza as relações familiares. Os jovens passam a perceberem-se em falta, esvaziados. Eles não possuem um pai suficiente, ema família organizada, uma escola que os aceite, um futuro promissor. Sentem-se como pessoas de segunda categoria e agem de acordo com a sua condição.

13 POLANCZYK, Tânia M. Vanoni. Não à Violência. Infância em Família: um compromisso de todos: anais. Organizadoras: Maria Regina Fay de Azambuja e outros. Porto Alegre: Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2004, págs. 222/223.

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Page 42: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Outro fator atual que reforça a desresponsabilização familiar consiste na interpretação

distorcida e equivocada da legislação brasileira, protetiva da infância e da juventude.

Integra o senso comum, traduzido no discurso da sociedade brasileira, que o referido

estatuto é sinônimo de desautorização familiar, de “quebra das relações de autoridade com a

família e a escola”, de “porta aberta à impunidade”, afinal “os ‘menores’ não podem ser

responsabilizados por seus atos”!

Insta difundirmos que a proposta do Estatuto da Criança e do Adolescente é a de

universalização dos direitos fundamentais, alcançando a todas as crianças e adolescentes

brasileiros. Como precisamente traduzido por uma senhora de origem muito simples, catadora

de papel da cidade de Curitiba, durante a participação do Procurador de Justiça do Estado do

Paraná, Olympio de Sá Sotto Maior Neto14, em um Seminário organizado pelo Movimento de

Defesa dos Favelados do Estado do Paraná para conhecimento e discussão do ECA: “Doutor,

agora eu acho que entendi este tal de Estatuto da Criança e do Adolescente, ele diz que é para

a gente querer para os filhos dos outros o mesmo bem que a gente quer para os nossos filhos”

Ou seja, nessa perspectiva de justiça e solidariedade, pela qual é impossível criticar-se

o ECA, a lei propõe que todas as crianças e adolescentes possam exercitar os direitos que

parte dessa população já exercita.

Aliado a isso, ressalta-se que, além de serem contempladas com direitos, as crianças e

adolescentes são alcançadas por obrigações previstas no ordenamento jurídico, estando

sujeitos a responder e serem responsabilizados, em variadas instâncias, especialmente A

Justiça da Infância e da Juventude e o Conselho Tutelar, pelos atos anti-sociais que praticam,

notadamente quando atingem a categoria de atos infracionais (condutas descritas na lei penal

como crime ou contravenção).

É indispensável que os pais tomem parte das discussões com os filhos em torno do

14 NETO, Olympio de Sá Maior. Ato Infracional, Medidas Sócio-Educativas e o papel do Sistema de Justiça na Disciplina Escolar. RevistaPela Justiça na Educação. Coordenação geral Afonso Armando Konzen. Brasília: MEC. FUNDESCOLA, 2000. p. 513.

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amanhã, mas conscientes de que futuro é de seus filhos e não seu. Pois é decidindo com

liberdade que se aprende a decidir. E assumindo as conseqüências de suas decisões, os filhos

estarão tornando-se pessoas responsáveis.

Quanto ao filho, é preciso que assuma, de forma ética e responsável, sua decisão,

fundante de sua autonomia. Pois ninguém é autônomo primeiro, para decidir depois.

3.3 A questão dos valores na família faz parte do direito à educação

Indissociável ao abordarmos a discussão sobre valores na família a análise de aspectos

inerentes à dinâmica familiar como as suas composições e as bases de apoio familiares.

Para Ângela Mendes de Almeida15, o estudo da família oferece o desafio de fazer um

recorte que possibilite a apreensão adequada do objeto de estudo no campo das pesquisas

sobre a família e a criação e educação dos filhos. A complexidade do conceito de família, as

diferentes pesquisas que abordam esse grupo social, desde a estrutura organizacional

patriarcal, nuclear, até os arranjos mais recentes, decorrentes, sobretudo da necessidade de

sobrevivência das famílias das camadas populares e os padrões de comportamento

determinados pelas mudanças culturais das últimas décadas, recomendam pensar a família na

perspectiva das relações de poder e da história dos valores éticos, dos padrões morais

dominantes e de suas formas desviantes, uma vez que a história da criação e educação dos

filhos vincula-se diretamente a esses aspectos da cultura familiar.

O contexto familiar complexo, para ser compreendido na sua singularidade, necessita

ser estudado quanto as suas formas ou composições estruturais, a fim de compreendermos as

relações entre seus membros.

15 ALMEIDA, Ângela Mendes de. Pesando a família no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.

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Page 44: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Vannúzia Leal Andrade Peres16 (2000, p. 11), no artigo “Desenhos de Família” afirma

que o movimento histórico de transformação da família vem alterando não somente em sua

estrutura, mas também o padrão de seu ciclo de vida, levando a apresentar uma independência

de modelos e, em razão disso, uma singularidade. Isso significa, segundo ARIÈS17, que não

podemos mais falar de família como um padrão único a ser seguido ou como um sistema

universalizado, mas sim de famílias, entendendo que cada qual te sua estrutura e estilo de

funcionamento.

Assim, não se pode ignorar as novas composições de famílias: as monoparentais; as

reconstituídas; as decorrentes de uniões estáveis, onde, não raras vezes coabitam filhos de

uniões anteriores; as homossexuais e ainda as famílias em que os responsáveis são os avós.

Consoante Luiza Pereira Monteiro e Norma A. Cardoso18, a família é uma instituição

de mediação entre indivíduo e sociedade. Produtora e reprodutora de ideologias influencia a

sociedade e é por ela influenciada, nos diferentes momentos históricos. Assim, os modelos de

relações sociais estabelecidos fora do espaço doméstico apresentam, como pressupostos, os

padrões morais, éticos e comportamentais familiares.

Daí a importância de estruturas e modelos familiares que reforcem positivamente seus

integrantes, promovendo efetivamente a formação do homem integral.

3.4 Criar, cuidar, educar: com quem contar?

As definições dos termos criar, cuidar e educar são importantes para o estudo, pois

evidenciam o esforço para chegar a uma caracterização de família baseada nos vínculos e

relações entre as pessoas.

16 PERES, Vannúzia Leal Andrade. Desenhos de Família. Desenhos de família: criando os filhos: a família goianense e os elos parentais. Sônia M. Gomes e Irene Rizzini. (Coord.). Goiânia: Cânone Editorial, 2000. 17 ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.18 MONTEIRO, Luiza Pereira; CARDOSO, Norma A. Família e Criação de Filhos. Desenhos de família: criando os filhos: a família goianense e os elos parentais. Sônia M. Gomes e Irene Rizzini. (Coord.). Goiânia: Cânone Editorial, 2000.

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Page 45: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Áries (17) registra, na composição da família moderna, que a infância é um dos

elementos de organização desta e que esse novo modelo trouxe um novo conjunto de atitudes

em relação à criança. Nessa nova forma de organização, a família retira a criança do convívio

social para o espaço familiar, tomando para si a tarefa de cuidá-la e educá-la.

Nesse clima de privacidade, a família isola-se no papel de educar os filhos. A

sociedade em geral também atribui-lhe essa responsabilidade desde que ela crie e eduque seus

filhos conforme os princípios vigentes nessa mesma sociedade

Para as famílias que se afastam desse modelo organizacional e falham na tarefa

educacional de seus filhos, resta a intervenção estatal. E, historicamente, a escola constitui-se

como a outra instituição que divide com a família a responsabilidade de educar as crianças.

O termo “criar” é amplo, incluindo os conceitos “educar” e “cuidar”. Exige, portanto,

empreendimento visando atender ao seu desenvolvimento integral. Assim, a família é um dos

espaços privilegiados do processo de socialização dos sujeitos, uma vez que tende a ser o

primeiro espaço responsável pela tarefa socializadora.

Já o termo “cuidar” expressa mais uma atenção voltada para a criança: o zelo dedicado

a ela, a assistência ao seu desenvolvimento, o atendimento às suas necessidades básicas, bem

como a relação afetiva, o acesso à educação.

“Educar” significa desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais do ser

humano. Significa ainda disciplina, instrução, ensino.

Cabe à família, tenha ela a estrutura e organização que tiver, a função criadora,

cuidadora e educativa, e, na sua intimidade, via de regra, está tentando exercer essa tarefa.

Para isso, buscam como bases de apoio cônjuges ou companheiros, avós, igrejas, escola,

meios de comunicação, profissionais da área da saúde, vizinhos, Conselho Tutelar e

Ministério Público.

Observa-se, contudo que o Estado pouco privilegiou as famílias nas suas políticas

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sociais, privilegiando apenas o indivíduo como portador de direitos. Em seu modelo de

atendimento, o Estado fragmentou a família num somatório de necessidades, identificando-a

como carente de bens e serviços.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a família “ressurge como unidade

econômica e direito da criança” 19 (CARVALHO, 1995, p. 12) e, assim, entra na agenda das

políticas públicas para ser atendida em suas carências, a fim de garantir os direitos dos

indivíduos”.

O artigo 4 º do Estatuto da Criança e do Adolescente afirma a responsabilidade

primeira da família na função de educar a criança e garantir seus direitos, considerando-a um

ser em desenvolvimento e sujeito de direitos. O artigo 19 reforça esse pensamento.

Contudo, atribui também à sociedade e ao poder público a garantia desses direitos, por

intermédio de políticas sociais e atividades voltadas para o apoio da família na tarefa de

criação/educação dos filhos. Objetivo, na prática, ainda não atingido, em face a quase

inexistência de serviços multiprofissionais de atenção à família e em razão da ineficiência,

descontinuidade, setorização e fragmentação dos serviços oferecidos.

Assim, o mesmo Estado que contribuiu para a construção do discurso de família

desestruturada, incompetente, carente, pouco ofereceu em suas ações, serviços, auxílio e

orientação a este núcleo de socialização primária. E, ainda, tentou retirar-se do cenário das

políticas sociais, repassando essa iniciativa para as organizações não-governamentais, que não

dispõe de recursos humanos e financeiros para assegurar a continuidade e a qualidade das

atividades, e/ou para a iniciativa privada, que não tem compromisso com o grupo que atende

(18), (2001, p.16).

3.5 A Educação Para Valores

19 CARVALHO, Maria do Carmo Brandt de (Org.). A família contemporânea em debate. São Paulo: Cortez, 1995.

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Consoante mencionado, o efeito direto do esvaziamento da família como autoridade na

criação/educação dos filhos é a estigmatização da instituição familiar, que assumiu a posição

de “incompetente” nessa tarefa. E essa desqualificação da família, que a instala

simultaneamente na condição de vítima e de responsável por sua condição, fragiliza seus

laços afetivos e sua coerência interna, contribuindo para que influências externas, nem sempre

positivas, obtenham “êxito” na socialização da criança.

Dos estudos da família brasileira, observa-se que se encontra num momento histórico

de mudanças significativas no que diz respeito aos valores éticos e morais, aos padrões de

comportamento e a educação dos filhos.

Sendo a família o sujeito principal das estratégias de reprodução dos comportamentos

sociais, verificamos que ela encontra-se em vias de constituir uma nova configuração,

determinada pelo modelo de relações sociais no mercado consumidor. Nesse campo das

relações sociais, destaca-se o aspecto “descartável” ou de superficialidade das relações sociais

e o caráter de “redução do sujeito à condição de coisa”. Essas características das relações,

lamentavelmente, transparecem no campo afetivo e familiar.

Contrariamente as formas educativas tradicionais que entendem a educação moral

como uma imposição de valores e normas, entende-se que aquela deve proporcionar a

reflexão individual e coletiva permitindo a elaboração racional e autônoma de princípios de

valor, que auxiliem a defrontação crítica com realidades como a violência, a violação de

direitos, a tortura ou a guerra.

A educação moral deve promover a análise crítica da realidade e das normas sócio-

morais vigentes, contribuindo para a idealização de formas mais justas e adequadas de

convivência. Deve pretender, ainda, aproximar os educandos de condutas e hábitos mais

coerentes com os princípios e normas que vão construindo. E finalmente formar hábitos de

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convivência que reforcem valores como a justiça, a solidariedade, a cooperação ou o cuidado

com os demais.

Busca-se, com a educação moral, conseguir que os jovens desenvolvam os tipos de

comportamentos coerentes com os princípios e normas que pessoalmente construíram e

adquiriram também as normas que a sociedade, de modo democrático e justo, oferece-lhe.

Essa educação busca o equilíbrio pessoal e coletivo.

Com base nessas reflexões, espera-se que as famílias recebam a base de apoio

necessária para que possam evoluir a um modelo de educação marcado pela autonomia e

independência de filhos responsáveis por si e pelo outro. Tendo sempre clara a lição de

Maturana (10), segundo a qual não se ensina valores, cooperação e respeito se não vivenciá-

los.

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Page 49: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

4 O VALOR DE EDUCAR: REFLEXÃO ACERCA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Reformar o pensamento para reformar o ensino e reformar o ensino

para reformar o pensamento (EDGAR MORIN).

4.1 O que é educação: proposta reflexiva em torno da tarefa educativa

Em 1990, no Brasil, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, em

contraposição a concepção do direito do menor (que mascarava profundas violações aos

Direitos Humanos mais elementares), nasceu historicamente o paradigma da Proteção

Integral, cuja idéia central está em considerar crianças e adolescentes como sujeitos de

direitos em suas relações com a família, a sociedade e o Estado.

Complementa-se com a noção de que são seres humanos em fase de desenvolvimento

físico, psíquico e emocional, e essa peculiar condição merece respeito. E, nesse sentido,

mister a compreensão de que os seus direitos fundamentais são especiais em relação aos

direitos dos adultos. São prioritários e prevalentes, consoante Marta de Toledo Machado20.

Da aceitação dessas premissas, emerge que os direitos elencados nos artigos 227 e 228

da Constituição Federal são direitos fundamentais do ser humano e direitos fundamentais de

um ser humano especial.

Dentre os direitos fundamentais está a educação, intimamente ligada ao

desenvolvimento da personalidade infanto–juvenil. O direito à educação, além de receber

respaldo constitucional (artigos 7 º, inciso XXV; 22, inciso XXIV; 24, inciso IX; 205 e 208),

é previsto pela legislação infraconstitucional, sobretudo pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (artigos 53 a 59), que busca orientar o direito à educação ao pleno

desenvolvimento do destinatário e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a qual, segundo

2020 MACHADO, Marta de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. São Paulo: Manole, 2003, p. 32.

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Munir Cury21, não pretendeu tornar-se diploma único da educação no Brasil, esgotando a

disciplina jurídica do assunto, mas estruturou-se apenas na definição do que se entende por

diretrizes e bases da educação.

Marcos Cezar de Freitas22 atenta-nos para as análises acerca da infância

proporcionadas pelos organismos governamentais e supragovernamentais, como a UNICEF,

cujos dados oferecidos têm sido alarmantes sobre a situação geral da criança no planeta e

atestado a grande dificuldade operacional que acompanha as instituições diretamente

relacionadas ao bem-estar infantil, como a escola e a saúde.

Assim, observa-se que em vários países fala-se em crise da educação, e, em meio as

inúmeras questões que envolvem a temática em nosso país, parece oportuno analisarmos

alguns pontos essenciais: o que é educação? O que ela pode vir a ser? O que esperamos: que

continue sendo mera transmissão de conhecimento ou que promova a educação integral do

homem? Quais os reflexos da educação escolar atual nos comportamentos indisciplinados e

violentos dos alunos? Como prevenir a violência escolar?

Nesse intento, é pertinente a análise dos seguintes aspectos: a compartimentalização

dos saberes, a tensão entre disciplina e liberdade, o papel da família, os limites da

neutralidade na escola, a formação moral e sua relação com a violência.

O biólogo Maturana (10), ao lançar sua proposta reflexiva e de ação em torno da tarefa

educativa, centra suas indagações na formação humana e na capacitação. Defende que o

futuro deve surgir dos homens e mulheres que viverão no futuro, que deveriam ser íntegros,

autônomos e responsáveis pelo seu viver e pelo que fazem, porque o fazem a partir de si.

Homens e mulheres sensíveis, amorosos, conscientes de seu ser social e de que o mundo em

que vivem surge com seu viver. Mas só serão assim se não crescerem alienados, mas no

respeito por si e pelo outro, capazes de aprender qualquer atividade, porque sua identidade

21 CURY, Munir. Pela Justiça na Educação. Coordenação Geral: Afonso Armando Konzen. Brasília: MEC/FUNDESCOLA, 2000, p. 680.22 FREITAS, Marcos Cezar de (org). História Social da Infância no Brasil. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

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não está na atividade, mas em seu ser humano.

Maturana (10) parece estar propondo uma atividade educativa utópica. E, para os

nossos padrões educacionais da escola atual, de fato o é. Mas sonhamos em um dia tornar-se

realidade. Afinal, a proposta – denominada biologia do amor – é simples, e a maioria dos

seres humanos sabe como implementá-la.

Na educação escolar, a biologia do amor consiste em que o professor aceite a

legitimidade de seus alunos como seres válidos no presente, corrigindo apenas o seu fazer e

não o seu ser. O respeito pelo outro ou a conduta amorosa para com ele só ocorre se for visto

e aceito. E, para que isso seja possível, o professor deve ter capacitação suficientemente

ampla para tratar a temática que ensina, comensurável ao momento presente de seus alunos, e

faze-lo com o prazer que essa liberdade criativa traz consigo.

4.2 O Pensamento Sistêmico ou a Complexidade

Alfredo Pena, Cleide R. S. Almeida e Izabel Petroglia23 selecionaram textos de Morin,

no arquivo do Centro de Estudos Transdisciplinares, Sociologia, Antropologia e História,

entre dezembro de 2000 e julho de 2001, por ocasião de uma pesquisa com a participação os

três organizadores na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, elaborando o

livro citado.

Ao proceder à breve análise de dois textos selecionados, necessário levantar as questão

da fragmentação do conhecimento e suas conseqüências à formação humana.

No texto “Religar a Ciência e os Cidadãos”, Morin constata que “temos um

pensamento que separa muito bem, mas que reúne muito mal”. Significa que a desunião, a

dispersão e a desagregação atuam com mais presença do que qualquer relação que estabelece

23 MORIN, Edgar. Ética, cultura e educação. Alfredo Pena. Veja, Cleide R. S. Almeida, Izabel Petroglia (orgs). 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

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vínculos. Relação necessária para a vida em sociedade, que precisa de ações de junção, união,

agregação e religação, possíveis se praticarmos a ética da solidariedade.

Em “Notas a um Emílio Contemporâneo”, ao refletir sobre educação e cidadania,

Morin (23) sintetiza algumas preocupações com relação a hiperespecialização na educação.

Atribui a este fenômeno a fragmentação do conhecimento, que nos levou a apreender os

problemas isoladamente, sem perceber as relações existentes com um contexto maior,

excluindo-nos da relação global-local. Aponta a necessidade de uma reforma do pensamento

que propicie nova atitude: a alteridade epistemológica, que implica em abertura e diálogo com

vários campos do conhecimento.

O problema passa a ser o de uma educação capaz de fornecer a concepção do global e

do essencial, bem como o de uma formação ética voltada para a responsabilidade.

Morin (23) aponta o pensamento sistêmico como um dos elementos da reforma

necessária do pensamento. Este não se confunde com a análise sistêmica que privilegia o todo

em detrimento das partes, contrariamente à tradição cartesiana (que impregna nosso ensino)

segunda a qual somente se chega ao conhecimento do todo pelo das partes. O axioma

proposto por Morin é simultaneamente sistêmico e analítico, que se expressa na seguinte

fórmula de Pascal: “Considero impossível conhecer o todo sem conhecer especialmente as

partes”. Isso implica num caminho do pensamento em “vai e vêm”.

Assim, o todo é mais do que a soma das partes. Isso é pensamento do sistêmico ou

complexidade.

Esses princípios conduzem o pensamento para além de um conhecimento fragmentado

que, por tornar invisíveis as interações entre um todo e suas partes, anula o complexo e oculta

os problemas essenciais; conduz, igualmente, para além de um conhecimento que, por ver

apenas globalidades, perde o contato com o particular, o singular e o concreto.

Eles permitiriam remediar a funesta desunião entre o pensamento científico – que

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desassocia os conhecimentos e não reflete sobre o destino humano – e o pensamento

humanista – que ignora as conquistas das ciências, enquanto alimenta suas interrogações

sobre o mundo e sobre a vida.

Preleciona Morin 24,

Daí a necessidade de uma reforma de pensamento referente a nossa aptidão para organizar o conhecimento, que permita a ligação entre as duas culturas divorciadas. A partir daí, ressurgiriam as grandes finalidades do ensino, que deveriam ser inseparáveis: promover uma cabeça bem feita, em lugar de bem cheia; ensinar a condição humana, começar a viver; ensinar a enfrentar a incerteza, a prender a se tornar cidadão.

Morin propõe a inscrição desses princípios básicos já na escola primária, pois a

criança está apta a compreender essa complexidade do real, ao passo que o adulto,

freqüentemente, formado pelo ensino acadêmico, não consegue mais. Nós, adultos, é que

produzimos modos de separação e ensinamos a construir entidades separadas.

Tomando-se por base o roteiro da hominização, será colocado o problema do “homo

sapiens”, da cultura, da linguagem, do pensamento, o que permitirá a manifestação da

psicologia e da sociologia. As lições de conexões são necessárias para a compreensão de que

o homem é simultaneamente 100% biológico e 100% cultural, que o cérebro estudado em

biologia e a mente estudada em psicologia são as duas faces de uma mesma realidade.

É preciso aprender a aprender. Ao mesmo tempo, separando e juntando, analisando e

sintetizando, considerando as coisas e causas.

Morin (23) atribui ao pensamento sistêmico a responsabilidade de criar a mudança do

estado de espírito. Por enquanto, as instituições ainda resistem a essa reforma do pensamento,

extensa e difícil.

Veja-se, por exemplo, a universidade dos séculos XVI e XVII, que condenou as

24 MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 21.

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grandes descobertas científicas. Nos séculos XIX e XX, aquela se mostrou receptiva à ciência;

mais tarde, aderiu exclusivamente ao modelo científico especializado. Ela corre o risco, ainda

hoje, de condenar o novo, mas a esperança ainda reside no fato de que ela continue a evoluir

influenciada por mentes formadas, desde a infância, no sistemismo e com a condição de que

eles próprios não façam disso um novo dogmatismo.

Questionado Morin (23) sobre onde encontrar esperança, respondeu (2003, p. 56):

No novo começo que se opera, na vitalidade que borbulha nas entranhas da nossa sociedade, nas forças de regeneração política e social que estão em estado latente (...). Atualmente, a batalha é conduzida no território da mente, nada mais é do que uma superestrutura do cérebro, que nada mais é do que uma estrutura do genoma: a prova disso é que a mente humana pode tomar o controle do genoma, e amanhã poderá manipulá-lo. O espírito humano tem poderes que podem ser aterrados, se lhe faltar consciência e responsabilidade. Mas se ele tiver essa consciência, poderá transpor determinismos que parecem intransponíveis, tornou-se vital que nossas mentes se elevem à nova consciência política e planetária e possam tomar o controle de um futuro cego. O destino da humanidade será jogado, portanto, no terreno da consciência e da inteligência humana.

Pensa-se que, aliando a proposta de pensamento sistêmico de Morin à biologia do

amor de Maturana, esta com seu propósito de desenvolver seres humanos responsáveis e

livres, que respeitam a si e reconhecem o outro como legítimo na convivência, estaremos

trilhando o caminho da educação que desejamos.

4.3 Educar não é transferir conhecimento

No último século, a aceleração das mudanças sociais, que esteve na base da

universalização da escola e da “época dourada” do magistério, converte-se no detonador

daquela e na desorganização deste.

Consoante Mariano Fernández Enguita25 (2004, p.19):

25 ENGUITA, Mariano Fernández. Educar em Tempos Incertos. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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Isso ocorre quando, ao tornar-se mais rápida, generalizada e intensa, a mudança não apenas impõe que cada geração se incorpore a um mundo distinto daquele da anterior, mas que ela própria passe por vários mundos distintos. As transformações na organização do mercado de trabalho e da organização empresarial, nas formas de comunicação e de acesso à informação, na estrutura e na vida urbanas, nas configurações e nas relações familiares, nas expectativas e nos modos de exercício da cidadania supõem alterações profundas, que obrigam a maioria da população a se adaptar as novas condições de vida, de trabalho e de sociedade.

Da perspectiva discente, isso significa reestruturação do ciclo de vida no que diz

respeito à aprendizagem. As mudanças constantes nas tecnologias e nas normas de

organização requerem novas etapas de aprendizagem, alternadas ou simultâneas com o

trabalho, ao longo de toda a vida útil ou entremeando-a em qualquer momento. E a formação

inicial acaba perdendo peso em contraste com a formação e o desenvolvimento das

capacidades gerais para poder aproveitar, posteriormente, as possibilidades desta. É sua

responsabilidade, portanto, assegurar a cada aluno a oportunidade de aprender a aprender.

Paulo Freire26 afirma que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as

possibilidades para a sua produção ou a sua construção. O educador referido procede a um

chamamento para que os educadores eduquem seus alunos com ética crítica, competência

científica e amorosidade, para que estes sejam seres mais.

Assegura, ainda, que é avaliando, rompendo, optando e decidindo, com liberdade, que

se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética torna-se inevitável e

sua transgressão possível constitui-se em um desvalor.

Partindo-se da concepção de que educar não é transferir conhecimento, espera-se dos

educadores da atualidade que reúnam capacidades até pouco tempo desconsideradas na

formação destes profissionais.

26 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Coleção Leitura.

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Page 56: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Freire (26) elenca várias capacidades necessárias à prática educativa de qualidade.

Dentre elas, refere que o educador democrático deve reforçar a capacidade crítica do

educando, sua curiosidade e insubmissão; deve investir em sua formação permanente,

assumindo-se como pesquisador; deve respeitar os saberes dos educandos; agir com ética e

corporificar as palavras pelo exemplo; aceitar o novo; arriscar e rejeitar qualquer forma de

discriminação.

Acresce-se a essas capacidades, atitudes outras: educar exige respeito à autonomia do

educando e saber escutar; exige bom senso, humildade, tolerância e luta pela defesa dos

direitos dos educadores. Exige alegria, esperança, segurança, competência profissional,

generosidade, comprometimento. Exige a compreensão de que a educação é forma de

intervenção no mundo e por isso o educador não é neutro; é liberdade e autoridade; é tomada

consciente de decisões, e, sobretudo exige a convicção de que a mudança é possível.

E um dos saberes indispensáveis à prática educativo-crítica é a forma de lidar com a

relação autoridade-liberdade, sempre tensa, e que reflete na disciplina ou indisciplina.

4.4 A Tensão Entre Autoridade e Liberdade e a Crise da Educação

A liberdade não significa ausência de condicionamentos, mas a conquista gradativa e

constante de autonomia e responsabilidade. Nesses termos, nem mesmo Rousseau pensava de

modo diverso.

Não há muito tempo, a criança, o adolescente e o adulto eram tratados exatamente da

mesma maneira, sem considerar as diferenças decorrentes dos estágios de desenvolvimento

individuais. Criança sempre existiu, mas o conceito de “infância” pode-se dizer recente. A

categoria criança era compreendida como um adulto em miniatura, que vestia-se e

comportava-se como adulto.

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Page 57: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Segundo Jorge Trindade27 (2002, p. 33), foi a partir do século XVIII, com o novo

modelo pedagógico proposto por Pestalozzi e devido às reflexões filosóficas de Rousseau, que

se iniciou a pensar a infância e a adolescência como etapas do desenvolvimento normais e

previsíveis dos seres humanos, “as quais engendram uma subjetividade e uma especificidade

que não se confundem com a condição de maturidade característica da vida adulta’.

O suíço João Pestalozzi exerceu grande influência no pensamento educacional,

entendendo a educação como o meio supremo para o aperfeiçoamento individual e social, e

foi um grande adepto da escola pública. Democratizou a educação, proclamando-a como

direito absoluto de toda criança.

Alguns dos principais princípios educacionais de Pestalozzi28: entendia que o

desenvolvimento é orgânico, sendo que a criança desenvolve-se por leis definidas, devendo a

gradação ser respeitada; o método deve seguir a natureza; a impressão sensorial é fundamental

e os sentidos devem estar e contato direto com os objetos; a mente é ativa; a conceituação de

disciplina baseada na boa vontade recíproca e na cooperação entre aluno e professor; o

professor é comparado ao jardineiro que providencia as condições propícias para o

crescimento das plantas.

O educador suíço e sua equipe elaboraram materiais pedagógicos, voltados para a

linguagem, matemática, ciências, geografia, história e música. E assim Pestalozzi afirma:

A Educação se constrói numa tensão permanente entre os desejos do homem natural individual e o desenvolvimento da natureza humana universal. A educação produzirá a universalidade a partir das particularidades e da mesma forma a particularidade a partir da universalidade.

Rousseau consignou que a criança tem formas próprias de ver, de pensar e de sentir.

Em que pese a reprovável e contraditória atitude de Rousseau29 ao abandonar seus

27 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil:compêndio transdisciplinar, 3. ed. ver. e ampl., Porto Alegre, 2002. 28 PESTALOZZI, João. <http:/www.rio.rj.gov.Br/multirio>. 29 ROSSEAU, Jean- Jacques. Emílio. Tradução Roberto Leal Ferreira. 3. ed..São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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Page 58: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

únicos cinco filhos, quando crianças, a obra do filósofo “Emílio ou Da Educação” continua

influenciando a cada geração de educadores que descobriu o amor real às crianças e a

liberdade.

Uma vez realizada a leitura da extensa obra, podemos esquecer os detalhes que a

compõem, mas os encontraremos por nós mesmos desde que tenhamos compreendido essas

mensagens: respeito à natureza e à liberdade da criança.

Merece destaque o 4º livro da obra, talvez o melhor composto. Sua estrutura não está

baseada, como os precedentes na clássica distinção das “faculdades” (sensibilidade,

consciência moral, inteligência, corpo, órgão dos sentidos), mas sim na mutação da

puberdade, a qual corresponde a mutação das motivações da educação. O 4º livro baseia-se no

despertar da consciência moral e religiosa para guiar Emílio e Sofia.

Pode-se observar na obra “Emílio” (29) a proposta de concisão, da arte suprema de

sugerir, por palavras, a energia do silêncio e da ação. Com isso, Rousseau critica os

educadores que acreditam agir sobre as crianças com filas de palavras (2004, p.78):

Em meio ao longo fluxo de palavras com que as cumulas incessantemente, achais que não há nenhuma que elas compreendam mal? (...) Mestres zelosos, sede simples, discretos, contidos (...) Deixai que venha a criança: espantada com o espetáculo, ela não deixará de vos fazer perguntas (2º Livro).

O “Emílio” (29) é, sem dúvida, um dos livros que mais contribuiu para promover uma

escola e um Estado laicos, liberado da tutela das igrejas, mas essa escola e esse Estado foram

bastante ingratos: transformaram a exigência de Rousseau, de respeito à liberdade das

crianças e dos Homens, em neutralidade. Jean-Jacques teria revoltado-se com a neutralidade,

pois neutro significa “nem um nem outro”, sem interesse.

A educação de “Emílio” tem um só objetivo: formar um homem livre, capaz de

defender-se contra os constrangimentos.

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Page 59: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

E o meio apontado para a formação de homens livres consiste em tratá-los com seres

livres, respeitando a liberdade das crianças. E a obra distingue cuidadosamente o respeito às

necessidades naturais da criança (e a liberdade é a primeira dessas necessidades), da

satisfação de seus desejos e caprichos.

Os educadores fracos, que cedem a todos os pedidos do educando longe de respeitar a

sua liberdade, corrompem-na submetem-no as suas fantasias e paixões. O mais grave não é

que eles próprios tornem-se escravos do filho ou aluno, o pior é que fazem dele um escravo e

um déspota. A autoridade dos adultos se propõe às crianças e jovens como colaboração

necessária a estas.

Rousseau sugere que as expressões obedecer e mandar sejam substituídas por

necessidade e responsabilidade. E uma verdade desponta: nunca é cedo demais para dar ao

homem, ao adolescente, à criança, o sentido das suas responsabilidades e, portanto, para

confiar-lhe a responsabilidade de sua própria educação.

Portanto, a questão da autoridade, da disciplina e da liberdade, como fatores

inseparáveis da educação, não é recente. Chamam à atenção a atualidade das idéias dos

pensadores de Rousseau e Pestalozzi e o despreparo e insegurança dos educadores de hoje,

frente a um problema tão antigo e relevante.

Um aspecto que não pode permanecer à margem da discussão é a atual tendência dos

educadores brasileiros de responsabilizarem o Estatuto da Criança e do Adolescente, pela sua

dificuldade em exercer autoridade perante os alunos. Equivocadamente, desvirtuam a

interpretação legal, lançando o mito de que o Estatuto (resultado de conquistas inéditas em

relação à defesa dos direitos infanto-juvenis no Brasil) significa a “porta aberta a impunidade”

e contempla “regra de rompimento das relações de autoridade na família e na escola”.

As crises de identidade e de autoridade vivenciadas pela escola hoje são traduzidas

pelos modelos pedagógicos inadequados e ineficazes utilizados para responder aos problemas

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Page 60: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

novos e antigos, dentre eles a violência escolar. E, nesse contexto, a escola desenvolve

sentimento de incapacidade e impotência e, por insegurança, isola-se dos demais atores

sociais que poderiam contribuir positivamente.

Em meio a essa discussão, de proporções mundiais, Savater cita exemplos, em

extremo oposto a mencionada realidade brasileira, como da Inglaterra, que cogita a

reimplantação do castigo corporal nas escolas.

Em cidades como Nova York, o tempo das aulas está reduzido a durações

inacreditáveis (às vezes menos de meia hora!) a fim de que a variação constante impeça o

cansaço, que poderia se transformar-se em agressividade. Os alunos, mal educados na cultura,

do “zapping”, que os torna incapazes de ver ou escutar do início ao fim, têm dificuldade de

suportar uma aula completa de algo que não os apaixone e, o pior, obrigue-os de um pouco de

esforço.

Assim, o professor, muitas vezes em situação de risco a sua integridade física, e a

escola, que não é responsável por situações semibélicas decorrentes de conflitos sociais, não

conseguem resolver esses problemas.

A infância e a adolescência estão cada vez mais freqüentemente imersas na prática da

violência: sofrendo-a ou exercendo-a, ou ambos, sucessivamente. Nesse panorama, a função

humanizadora da educação está premente, aliada ao equilíbrio entre autoridade e liberdade,

em que a disciplina implique respeito mútuo, expresso na assunção da observância de limites

que não podem ser transgredidos.

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Page 61: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

5 A VIOLÊNCIA ESCOLAR

Somos culpados de muitos erros e de muitas falhas, mas nosso pior

crime é abandonar as crianças, desprezando a fonte de vida. Muitas coisas do

que precisamos podem esperar. A criança não pode. É exatamente agora que

seus ossos estão se formando, seu sangue é produzido, seus membros estão se

desenvolvendo. Para ela não podemos responder “amanhã”. Seu nome é

“hoje” (GABRIELA MISTRAL).

5.1 Violências nas escolas: conceitos e variáveis

Embora a violência nas escolas não represente grandes números e apesar de não ser no

ambiente escolar que ocorrem os eventos mais violentos da sociedade, ainda assim é um

fenômeno preocupante tanto pelas seqüelas que inflige diretamente aos envolvidos (autores,

participantes e testemunhas) como pelo que contribui para rupturas com a idéia da escola

como lugar seguro de conhecimento, formação do ser e da educação, como veículo da

aprendizagem e do exercício da ética e da comunicação por diálogo e, portanto, antítese da

violência.

A escola não seria mais representada como um lugar seguro de integração social, de

socialização, tornando-se um cenário de ocorrências violentas, que geram o angustiante

sentimento de vulnerabilidade.

A instituição escolar vem enfrentando profundas mudanças, com o aumento das

dificuldades decorrentes de suas próprias pressões internas e da efetiva desorganização da

ordem social, expressa por fenômenos exteriores à escola, como a exclusão social e

institucional e a crise e conflito de valores.

Na comunidade escolar verificam-se mútuas críticas e acusações e a escola aparece,

simultaneamente, como causa e conseqüência de problemas que não consegue responder e

cuja solução, muitas vezes, não esta ao seu alcance.

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Page 62: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Ultimamente, vêm-se desenvolvendo novas concepções acerca da violência nas

escolas, pelos significados que assume ampliando-se a sua definição, deixando de identificar-

se apenas coma criminalidade e a ação policial, incluindo eventos que passavam por práticas

sociais costumeiras. Assim, compreende todas as formas de violência verbal, simbólica e

institucional.

Por fim, um outro aspecto que deve ser objeto de reflexão ao analisar-se a violência

escolar consiste em reconhecê-la como fenômeno complexo, que impõe o desafio de uma

ótica transdisciplinar, multidimensional e pluricausal.

Na obra “Violência nas Escolas”30 está evidenciado o interesse de organismos

internacionais na construção de uma cultura de paz, tendo como ponto de partida a escola,

incorporando a reflexão critica, chamando a atenção para a relevância da pesquisa e da

prospecção para o tema delicado como o da violência nas escolas. O estimulo ao debate

amplo gera a mobilização para ações que busquem a prevenção e o combate da violência nas

escolas do Brasil.

As manifestações de violências nas escolas representam uma ameaça a princípios

internacionalmente reconhecidos sobre a educação. Na apresentação da obra “Violência nas

Escolas” (30), Jorge Werthein, diretor da UNESCO no Brasil, no ano de 2004 (p. 25), afirma

que as violências nas escolas abalam diariamente os quatro pilares do conhecimento,

reconhecidos pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI: aprender a

conhecer, a fazer, a viver juntos e a ser (Delors, 1998). Tendo em vista o poder irradiador da

educação, isso representa prejuízos não apenas às gerações presentes, mas também às futuras.

Simultaneamente, as violências no ambiente escolar impõem novos desafios aos saberes, em

especial sobre o ensino e incorporação da “ética do gênero humano” e “conhecimento

humano”.

30ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violência nas Escolas. Brasília: UNESCO. Instituto Ayrton Senna. UNAIDS. Banco Mundial. USAID. Fundação Ford. CONSED. UNDIME, 2004.

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Page 63: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

A abrangência do fenômeno da violência nas escolas acaba por afetar praticamente

todas as relações do ambiente escolar: entre alunos, professores, funcionários e pais.

Portanto, todos esses atores e suas relações sociais devem ser considerados, na medida

em que influem na formulação e execução de políticas públicas cujo foco recai diretamente

sobre a escola.

Se a escola é lugar de formação e informação dos jovens, a violência representa um

elemento que demanda atenção especial no processo de socialização. Cuidar do tema significa

trabalhar para desconstruir fontes de violências, evitando sua multiplicação em outros lugares

e tempos, arriscando o hoje e o amanhã.

5.1.1 Definições do Termo Violência

Debarbieux (citado na obra “Violência nas Escolas” (30), (2004, p. 67), analisando

historicamente os estudos da violência no meio escolar, observa relevantes mudanças tanto no

que é considerado violência, como no enfoque dado ao tema. “Uma lição essencial da história

poderia ser esta variabilidade de sentidos da violência na educação, correlacionada às

representações da infância e da educação” (Dearbieux, 1996, p. 32). O autor identifica uma

fase na qual as análises recaíam sobre a violência do sistema escolar, especialmente por parte

dos professores contra os alunos (punições e castigos corporais).

Já na literatura contemporânea, sociólogos, psicólogos e outros especialistas

privilegiam a análise da violência entre alunos, ou desses contra a propriedade e, em menor

proporção, de alunos contra professores e vice-versa.

Observa-se que as ênfases dos estudos dependem do conceito de violência.

Bernard Charlot (citado na obra “Violência nas Escola” (30), p. 69), refere-se à

dificuldade em definir violência escolar, não somente porque esta remete aos “fenômenos

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Page 64: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

heterogêneos, difíceis de delimitar e ordenar”, mas também porque desestrutura “as

representações sociais que têm valor fundador: aquela da infância (inocência), a da escola

(refugio da paz) e da própria sociedade (pacificadora no regime democrático)” (CHARLOT,

1997, p. 1).

Ainda, a dificuldade conceitual é acentuada pelo fato de o significado de violência não

ser consensual, variando em função do estabelecimento escolar, de quem fala (diretores,

professores, alunos...), da idade e do sexo.

Segundo alguns autores, o termo violência é complexo e polissêmico, ou seja,

apresenta diferentes sentidos, e o seu significado define-se a partir do seu contexto formados –

social econômico ou cultural –, consoante o sistema de valores adotados por cada sociedade e

considerando o seu nível de tolerância para com a violência.

O fenômeno da violência é sintetizado por Cleo Fante31 reportando-se ao livro “Mapa

da violência: os jovens do Brasil”, escrito pelo Coordenador de Desenvolvimento Social da

UNESCO Brasil, Jacob Waiselfisz, quando afirma que os atos de violência apresentam-se

hoje na consciência social não apenas como crimes, mas nas relações familiares, na escola e

nos diversos aspectos da vida social. Não se refere somente a violência como manifestação

física, mas também às situações de humilhação, exclusão, ameaças, desrespeito, indiferença,

omissão para com o outro. A violência hoje estaria ligada ao conceito de alteridade,

expressando-se nas formas e mecanismos pelos quais a sociedade convive com as diferenças.

Consoante CHAUÍ32 (1999, p. 336-337):

(…) Desde a Antigüidade clássica (greco-romana) até nossos dias, podemos perceber que, em seu centro, encontra-se o problema da violência e dos meios para evitá-la, diminuí-la, controlá-la. Diferentes formações sociais e culturais instituíram conjuntos de valores éticos como padrões de conduta, de relações intersubjetivas e interpessoais, de comportamentos sociais que pudessem garantir a integridade física e psíquica de seus membros e a conservação do grupo social.

31 FANTE, Cleo. Fenômeno Buillyng: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. São Paulo: Versus Editora, 2005, p.156.32 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 1999.

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Page 65: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Evidentemente, as várias culturas e sociedades não definiram e nem definem a

violência da mesma maneira, mas, ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes. Segundo os

tempos e os lugares.

Ainda, segundo Chauí (32), em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da

força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua

natureza e ao seu ser. A violência e violação da integridade física e psíquica, da dignidade

humana de alguém.

Partindo-se desse conceito, o presente trabalho pretende analisar questões como as

seguintes: que critérios são utilizados pela escola comumente para qualificar um aluno como

violento? Quais os tipos mais comuns de violência que sofrem e praticam os alunos

pesquisados? Como ocorre a participação da família e da escola no contexto da violência

escolar? A educação familiar e escolar, que destaque ética e valores, pode prevenir a violência

no âmbito da escola?

Observa-se que a literatura nacional, ao buscar a conceituação de violência, contempla

não apenas a violência física, mas inclui o acento na ética e preocupação em dar visibilidade a

“violências simbólicas”. E, gradativamente, começa a identificar que a expressão violência

não tem como identificador também comportamentos que envolvem conotações emocionais.

Alguns estudos e pesquisas vêm focalizando conflitos entre alunos, denominados de

“bullying”. Este termo não encontra tradução exata em português, mas aproxima-se de algo

como “intimidação”.

5.1.2 Classificação

No âmbito da escola, é necessário que o profissional de educação, ao classificar um

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Page 66: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

aluno como violento ou agressivo, considere os inúmeros fatores que influenciam suas

relações interpessoais. Ocorrências consideradas como “problemas de indisciplina”, ou

“brincadeiras próprias da idade”, podem, na verdade, ser fonte causadora de sofrimento

intenso a muitos alunos, com prejuízos emocionais que ocasionam traumas e seqüelas que

refletem no seu desenvolvimento sócio-educacional.

Comumente, as vítimas de comportamento violento ou agressivo vivenciam

sentimentos de medo, vergonha, raiva e impotência que diminuem a auto-estima. E, sendo por

prolongado período de tempo expostos a ação de seus agressores e aos olhares indiferentes ou

omissos dos “espectadores”, é natural que reajam com ansiedade, irritação, angústia, tristeza,

além de pensamentos de vingança e suicídio.

A essas relações pode-se somar o estresse, acompanhado de sintomas psicossomáticos

como dor de cabeça, tontura, “branco”, sudorese, resfriamento das extremidades, boca seca,

náuseas, vômito, dor de barriga, diarréias, tremores, sensações de sufocação, dor no peito,

taquicardia, respiração ofegante, nervosismo, agitação, cansaço, insônia, sonolência,

pesadelos e outras reações, além de transtornos psicológicos graves, que poderão eclodir a

qualquer momento da vida sob as mais variadas formas de violência (31), 2005, p.158.

Em consonância com a posição de alguns estudiosos, realizamos uma classificação das

diversas formas de violência, com a finalidade de distinguir entre atos de violência e atos de

indisciplina, tendo em vista a constatada dificuldade que os profissionais de educação tem de

operar essa distinção. É preciso distinguir comportamentos violentos de más relações

escolares, em que pese as semelhanças entre ambos.

As más relações são problemas mais generalizados, porém menos intensos, que

surgem com a indisciplina ou com o mau comportamento dos alunos. Perturbam o andamento

das atividades escolares, entretanto não podem ser considerados atos de violência. Conforme

Fante (31), os atos de indisciplina são comportamentos contrários às normas da escola e estão

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Page 67: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

previstos no Regimento Interno Escolar. Diversos termos são utilizados para designar esses

comportamentos indesejáveis na escola: “disrupción”, “perturbação, interrupção nas aulas ou

no aprendizado”, e “desaffection”, “desinteresse pelas aulas ou pelo ensino”. Já os atos de

violência ou agressividade dos alunos acontecem com grande freqüência, porém nem sempre

são identificados pelos professores (evidenciadas por violência física, sexual, verbal e

psicológica).

5.1.3 Variáveis Endógenas e Exógenas

Seja quanto à violência propriamente dita, seja quanto aos atos de indisciplina, impõe-

se compreender e, se possível, explicar os fenômenos.

Abramovay e Rua (30) afirmam que na literatura nacional e estrangeira os trabalhos

sobre violências nas escolas analisam várias associações como características e atributos das

vítimas e dos agressores; ou as distintas instituições e ambientes freqüentadas pelos jovens,

que, por sua vez, têm dinâmicas singulares.

As autoras citam, dentre outras, como causas exógenas (2004, p. 76), a família,

influenciando na formação de personalidades violentas; a mídia, contribuindo para a

banalização da violência; características do ambiente em que se situa a escola.

Em alguns estudos realizados no Brasil, a escola é percebida como vítima de

violências que se originam fora dela, sendo comum a referencia a pobreza e à violência nas

comunidades carentes e ao pertencimento de alunos e bandos de tráfico e gangues que seriam

introduzidas na escola, mas não seriam nela originadas.

Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua (30), (2004, p. 76), trazem informações

acerca de um dos levantamentos mais extensivos feitos na França desmistificando a idéia de

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Page 68: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

fatalidade da violência na escola situada nas zonas de alto nível de criminalidade, concluindo

que políticas internas podem ser eficientes no sentido de preservar a comunidade escolar.

Na literatura nacional encontram-se advertências contra associações deterministas

entre pobreza e violência no bairro e na escola, pois em tais ambientes haveria escolas com

diferentes níveis de violência (Sposito, 1998; Batista e Elmoor, 1999; Lucinda Nascimento e

Candaus, 1999 – citados na obra “Violências nas Escolas” (30), (2004, p. 88).

Por outro ângulo, como variáveis endógenas (internas ao ambiente escolar), são

destacadas: a idade e a série dos estudantes; as regras e a disciplina do projeto pedagógico das

escolas, bem como o impacto do sistema de punições; os professores que, por banalizar a

violência e não dar atenção às incivilidades e discriminações, estariam contribuindo ao

desrespeito do direito à proteção dos alunos e perderiam o momento pedagógico de educar a

favor da cultura de paz; e, finalmente, a má qualidade do ensino, a carência de recursos

humanos e o tratamento autoritário dispensado aos alunos como potencializadores de

violência.

Os debates sobre fatores de “fora” e de “dentro” da escola torna-se mais complexo

quando o foco é violência versus autonomia da escola perante outras instituições e processos

sociais. É consensual o reconhecimento da vulnerabilidade negativa (riscos e obstáculos) da

escola diante da realidade contemporânea.

Para identificar variáveis comumente encontrados entrelaçados com as violências nas

escolas, percorre-se diversas outras relações e processos sociais, sendo que a tendência é não

isolar fatores, mas proceder a enfoques multidimensionais, e aqui surge a importância da

abordagem transdisciplinar, especialmente com a concorrência da sociologia, da psicologia,

da ciência política, das ciências da educação e da justiça criminal.

Constata-se, portanto, que o comportamento agressivo ou violento nas escolas

constitui-se em fenômeno complexo e difícil, por afetar a sociedade como um todo, atingindo

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Page 69: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

crianças no mundo inteiro. Ainda, resultando de inúmeros fatores, externos e internos à

escola, caracterizados pelos tipos de interações sociais, familiares, sócio-educacionais e pelas

expressões de comportamentos agressivos, manifestadas nas relações interpessoais.

Os fatores externos são decisivos na formação da personalidade do aluno, pela

influência que recebe no seu contexto familiar e social e pelos meios de comunicação. A

escola praticamente não dispõe de meios para impedir essa influência externa sobre seus

alunos, entretanto, torna-se alvo de muitos casos de violência, praticados em decorrência

desses fatores que não estão sob seu controle.

Quanto aos fatores internos, podem ser considerados o clima escolar, as relações

interpessoais e as características individuais de cada membro da comunidade escolar.

Espera-se, hoje, que a escola estimule a criança a educar suas emoções, a lidar com os

seus medos, conflitos, frustrações, dores e perdas, com sua ansiedade e agressividade,

canalizando-os para ações que resultem em benefícios sociais e para novas formas de relações

capazes de produzir empatia, favorecendo assim o aumento da probabilidade de a criança

tornar-se um adulto equilibrado e feliz.

Se as crianças encontrarem em sua vida professores capazes de dar-lhes apoio e

segurança, e de ajudá-las a educarem suas emoções por meio de estímulos positivos, que

despertem sentimentos de confiança, amizade e amor, provavelmente crescerão saudáveis e

estarão empenhadas na construção de uma sociedade promotora da paz.

Observa-se, contudo, certa dificuldade em esperar-se dos educadores comportamentos

marcados pelo auto-controle, a serenidade, a atitude positiva, a aceitação do aluno com

dificuldades comportamentais, evitando os confrontos, mantendo os alunos ocupados num

ambiente de cooperação, respeito e amizade. O afeto e a atenção individualizada favorecem a

empatia e facilitam o processo ensino-aprendizagem. Esse tipo de relacionamento deve

prevalecer entre ambas as partes.

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Page 70: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

A profissão docente representa, na atualidade, sinônimo de estresse, este percebido

como sentimento agonizante e não desejável, resultado da percepção que a pessoa tem das

demandas de uma determinada situação.

Cleo Fante (31) (2005, p. 204) cita pesquisas que analisam a qualidade de vida do

educador, que evidenciam que no Brasil 92% dos professores estão estressados. Pode-se dizer

que esse dado alarmante, que demonstra que os educadores estão adoecidos e adoecendo

quem com eles convivem, perdendo em qualidade de vida pessoal, familiar e profissional, já é

questão de saúde pública.

Mister que as autoridades sensibilizem-se e considerem a questão da saúde emocional

do professor e dela cuidem. Nesse intento, devem considerar fatores causais como a baixa

remuneração, a desvalorização da categoria, jornada excessiva de trabalho, grande número de

alunos por sala, falta de verba para capacitação e pesquisa, falta de tempo para estudos e

preparo das aulas, bem como para descanso e lazer, além de diversas outras dificuldades

enfrentadas no quotidiano escolar.

5.2 Regras na escola: transgressões e punições

Pela ação educativa, o meio social influencia os indivíduos e estes, ao assimilarem e

recriarem essas influências estabelecem relação transformadora em relação àquele. Essas

influências manifestam-se por intermédio de conhecimentos, experiências, modos de agir,

costumes, crenças e valores acumulados pelas gerações e transmitidos, assimilados e recriados

pelas novas gerações.

Para Abramovay e Rua (30) (2004, p. 139), os modos de vida dos sujeitos em

interação no cenário escolar propiciam as trocas, criando condições necessárias para que os

processos sociais expressem-se. O ambiente propiciado pela escola favorece os processos

70

Page 71: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

informativos e de comunicação, produzindo amplo universo simbólico, estimulando

configurações de sentidos e significados, possibilitando a constituição da subjetividade e das

identidades.

Nesse ambiente de diversidade, as escolas precisam administrar atos de agressividade

e de violência, normalmente utilizando-se de procedimentos formais e informais, consoante a

proposta pedagógica e o entendimento da Direção. E os procedimentos adotados são, em sua

maioria, advertências, suspensões, transferências e expulsões conforme a gravidade do caso.

As regras, a seu turno, refletem os valores que devem ser comuns e conhecidos por

todos os envolvidos no processo de interação.

As escolas, em seus Regimentos Internos, prevêem punições específicas a serem

aplicadas aos comportamentos considerados transgressões disciplinares.

Na obra “Violência nas Escolas” (30), (2004, p. 144-145) consta um levantamento

esclarecedor sobre as causas de transgressão e os tipos e duração das punições, resultado da

pesquisa nacional realizadas nas escolas, consoante o quadro a seguir:

CAUSAS TIPOS DE PUNIÇÃO

QUANTIDADE DURAÇÃO

1 Conversas e brincadeiras em sala de aula.Encaminhar o

estudande ao SOE (Serviço de Orientação

Educacinal).

Quantas forem necessárias.

2Conversas e brincadeiras em sala de aula: assistir às aulas

com os materiais e deveres incompletos. Advertência oral Quantas forem necessárias.

3 Deveres incompletos.Encaminhar o aluno à

biblioteca. Várias vezes.

4 Excesso de bagunça, deveres incompletos, falta de respeito

ao professor. Cancelar o recreio. Várias vezes.

5Deveres incompletos, bagunça, pequenos desentendimentos

com os colegas.Segurar o aluno após

o horário. Várias vezes.6 Mau comportamento e falta de tarefas escolares. Tirar ponto. Várias vezes.

7Uniforme incompleto, falta de crachá de identificação. Mandar o aluno de

volta para casa. Uma ou duas vezes.

8Quando está atrapalhando o andamento da turma com

conversas excessivas.Expulsar o aluno da

sala de aula. Várias vezes.9 Excesso de conversa ou desentendimento com colegas. Mudança de turma. Até duas vezes.

10Conversas excessivas, brigas com os colegas,

desentendimento com o professor, atrasos freqüentes e desinteresse pelos estudos.

Termo de compromisso.

Sem informação.

71

Page 72: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

11Conversas e brincadeiras excessivas em sala de aula,

discussão com colegas e professores, não cumprimento dos horários e reincidência nos casos de deveres incompletos.

Advertência por escrito.

Até 3 por ano.

12 Alunos que apresentam problemas nos anos anteriores. Não renovação da matrícula. Sem informação.

13Reencaminhamento à direção após três advertências por

escrito, brigas sérias, agressões físicas, namoro, consumo de cigarro e drogas.

SuspensãoUma ou mais vezes,

dependendo da escola. Duração de 1 a 15 dias conforme o

caso.

14Quando o aluno encaminhado à direção já foi suspenso e o

caso for considerado grave. Por exemplo, fumar maconha na escola, brigar até sangrar o colega, ameaçar os professores e

os coordenadores.

Transferência e/ou expulsão.

Uma vez.

Quadro 1 – Transgressões e punições constatadas em escolas nacionais.Fonte: obra “Violência nas Escolas”.

Importante observar que as punições, uma vez aplicadas de forma arbitrária,

identificam a escola como “lócus” privilegiado de exercício da violência simbólica. Também

caracterizam essa violência castigos e situações de humilhação e constrangimento.

5.3 Relacionamento Tenso e Confuso Entre Escola e Sistema de Justiça

A fim de aclarar competências e atribuições, importante observar as distribuições de

responsabilidades operadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, por força do

acolhimento da Doutrina da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta (artigos 1.º e 4.º).

A normativa, que neste ano completou quinze anos, atribui responsabilidade à família,

à comunidade, à sociedade e ao Estado, em relação as suas crianças e adolescentes.

As questões de ordens sociais, em regra, passaram a ser responsabilidade do poder

público municipal, em decorrência da municipalização do atendimento ECA, 88,I),

executáveis por intermédio das políticas sociais básicas. Já ao Sistema de Justiça foi delegada

a responsabilidade pela proteção especial e garantia de direitos, executadas pelo Conselho

Tutelar, Ministério Público e Juizado da Infância e da Juventude.

Considerando esse contexto, observa-se que junto a professores, dirigentes escolares,

pedagogos e demais profissionais, tradicionalmente atuantes no âmbito escolar, atualmente

continuação

72

Page 73: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

estão inseridos outros agentes sociais, como Conselho Tutelar, Ministério Público e Juizado

da Infância e Juventude, que, sem reduzir a importância daqueles, passaram a envolver-se

com as questões educacionais.

Buscaremos, neste momento, refletirmos acerca da necessária intervenção eficaz, no

cenário da violência escolar, desses profissionais, oriundos de áreas estranhas à educação,

especialmente dos Promotores de Justiça.

O ConselhoTutelar passou a exercer, em virtude do artigo 136 do ECA, atividade

ligada a defesa do direito ao acesso, freqüência e aproveitamento escolar, ou intervindo em

casos concretos, seja por ação ou omissão do responsável pela criança ou adolescente; seja

por abuso ou negligência da instituição de ensino ao deixar de oferecer ou oferecer de forma

insatisfatória ou irregular o serviço de educação.

Nos casos citados, o CT pode aplicar medidas protetivas aos pais ou responsáveis

(artigo 101, inciso III, c/c 129, inciso V do ECA) ou desencadeando procedimento

administrativo por infração às normas legais de proteção ( artigo 195 c/c 245 do ECA) ou

ainda, provocando a ação do Ministério Público ou da autoridade judiciária (artigo 136, III e

IV do ECA).

As hipóteses interventivas do CT estão previstas no artigo 98 do ECA: quando a

criança ou adolescente estiver atravessando dificuldades decorrentes da ação ou omissão da

sociedade (discriminação da comunidade escolar) ou do Estado (necessidade de acionar

algum serviço público); nos casos de falta ou suspeita de omissão ou abuso dos pais ou

responsáveis (maus tratos ou negligência, por exemplo) ou ainda em razão de sua conduta

(nesse contexto entendida como a conduta que ultrapassa a infração às normas disciplinares e

que necessitam do encaminhamento a serviço de apoio sócio-familiar).

Oportuna a reflexão acerca dos atos de indisciplina, que devem ser resolvidos no

âmbito do próprio sistema educacional. As regras de disciplina devem estar previstas no

73

Page 74: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Regimento Escolar e aplicadas pelo Conselho Escolar (após assegurada a ampla defesa),

contemplando sanções pedagogicamente corretas, que não importem na exclusão do aluno do

sistema educacional ou destituídas de caráter educativo (com a suspensão que acaba

correspondendo a um aparente “prêmio” pelo ato de indisciplina).

Importa observarmos, ainda, que o desinteresse pelas atividades escolares e as

dificuldades na aprendizagem, ocasionando o insucesso escolar, podem gerar atos de

indisciplina.

O Procurador de Justiça paranaense Olympio de Sá Sotto Maior Neto33 menciona a

necessidade de o sistema educacional não se limitar a atuação na eliminação de atos de

indisciplina, mas deve aprofundar o conhecimento acerca de suas causas, identificando a

origem dos problemas daqueles que recebem o rótulo de indisciplinados. Complementa com a

reflexão de que a disciplina está associada a outros aspectos comportamentais e seu

desenvolvimento representa conquista progressiva, à medida em que o indivíduo amadurece,

aprimora sua inteligência, agrega equilíbrio emocional, autonomia e capacidade de relacionar-

se com seu semelhante.

Não pode ser considerado indisciplina a crítica ao processo pedagógico ou às

propostas educacionais, tampouco as contestações aos critérios avaliativos, já que são direitos

do educando (artigo 53, inciso IV e parágrafo único do ECA). A participação dos pais e da

comunidade na resposta aos atos de indisciplina é importante, considerando a co-

responsabilidade que se instaura.

Assim, a escola somente deve encaminhar um caso ao Conselho Tutelar após esgotar

todos os recursos e serviços disponíveis em sua estrutura educacional e previstas em sua

regulamentação interna, aplicando as medidas pedagógicas previstas no regimento interno.

33 NETO, Olympio de Sá Sotto Maior. Ato infracional, medidas sócio-educativas e o papel do sistema de justiça na disciplina escolar. Pela Justiça na Educação. Coordenação geral: Afonso Armando Konzen. Brasília: MEC, FUNDESCOLA, 2000.

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Page 75: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Por via transversa, quando da prática de um ato infracional, a escola não pode

desempenhar o papel do sistema de justiça, que devera apreciar e julgar o caso. Dessa forma,

se a conduta do aluno ultrapassar em gravidade os limites da normativa escolar e, não sendo o

caso de intervenção protetiva do Conselho Tutelar, a escola pode e deve acionar a Autoridade

Policial (Brigada Militar ou Polícia Civil) para coibir ou deter ato previsto na legislação penal

como crime ou contravenção e praticado no ambiente escolar.

Obviamente que não se está propondo instalar a força policial na escola para coibir

qualquer transgressão, tampouco para propiciar situações de humilhação e vergonha quando

sua presença se faz absolutamente necessária, em situações excepcionais, também em face a

proposta de despoliciação introduzida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

De qualquer forma, em sendo a presença da força policial maior do que a necessária,

há indícios veementes de que a pedagogia está inadequada, propiciando o ambiente de tensão,

indisciplina e violência.

Na temática da violência escolar, há ainda a intervenção do Ministério Público, pelo

Promotor de Justiça da Infância e Juventude, quando da prática de ato infracional por

adolescente. O Ministério Público, como destinatário da atividade policial, desencadeia a

aplicação de medida sócio-educativa, de natureza sancionadora e conteúdo pedagógico.

Além dessa atribuição, o Ministério Público pode e deve ser acionado pela escola em

face a constatação de ameaça ou violação dos direitos e garantias individuais ou coletivos dos

alunos, pela ação ou omissão da família, sociedade ou Estado, adotando as medidas

extrajudiciais ou judiciais cabíveis.

Insta procedermos a breve comentário sobre a violência intra-familiar como potente

vetor de violência no âmbito escolar. Os alunos, angustiados, tensos e traumatizados pelas

violências de que são vítimas no seio de suas próprias famílias, reproduzem comportamentos

semelhantes na escola, principalmente quando a capacidade de resiliência para superar os

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Page 76: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

obstáculos do quotidiano familiar é reduzida.

Ainda, há a possibilidade de a escola encaminhar ao Ministério Público caso

específico, geralmente relacionado a evasão escolar (como a implementação da FICAI – Ficha

de Comunicação do Aluno Infreqüente) ou a ato de indisciplina no âmbito da escola, após

esgotadas as providências ao alcance desta (tanto no plano pedagógico como normativo) e

realizada a intervenção do Conselho Tutelar.

Quanto ao Juizado da Infância e da Juventude, pela nova proposta do Estatuto da

Criança e do Adolescente de desjudicialização dos problemas sociais, centra sua atividade em

dirimir conflitos, de ordem individual, coletiva ou difusos, que são submetidos à sua

apreciação e decisão jurisdicional.

Obviamente que, quaisquer dos agentes – Conselho Tutelar, Polícias, Ministério

Público e Juizado da Infância e da Juventude – não só podem como devem atuar junto a

sociedade, na divulgação da proposta executória de direitos e de responsabilidades na vara

infanto-juvenil, traduzida pela CF/88 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como

na mobilização visando a implementação da estrutura de atendimento elencada no Estatuto da

Criança e do Adolescente, inclusive em atividades com fins preventivos à violência escolar.

5.4 Políticas Públicas Para a Redução da Violência Escolar

Por intermédio do estabelecimento de políticas capazes de proteger os grupos sociais

menos favorecidos, da descentralização político-administrativa e da participação popular por

meio de suas organizações representativas, o Estatuto da Criança e do Adolescente

representou proposta inovadora no trato das questões infanto-juvenis.

Em virtude da superação do paradigma da “situação irregular” pelo da “proteção

integral”, não cabe mais espaço para ambigüidades. Há necessidade de compromisso firme e

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Page 77: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

posicionamento real voltados a promover prioritariamente crianças e adolescentes à

inclusão social, inclusive a inclusão daqueles que, por uma circunstância da vida, se

colocaram em conflito com a lei ou com as regras sociais.

Segundo o Promotor de Justiça Wilson Donizeti Liberati34:

Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades de crianças e adolescentes (...). Por absoluta prioridade, entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveria asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos, etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante.

Sposito reflete que a violência escolar tem sido um problema com importante

visibilidade social, de maneira que o Poder Público tem sido pressionado a dar resoluções. As

medidas adotadas, contudo, freqüentemente são antidemocráticas e buscam soluções

emergenciais, em geral pontuais e descontínuas.

A questão não é um fenômeno recente, principalmente nas escolas públicas. Mas,

apesar da sua intensa presença no debate publico, a pesquisa sobre violência e escola ainda é

incipiente no Brasil.

As políticas públicas que tentam enfrentar a questão desde os anos 80 oscilam entre o

pólo da mera repressão e o de projetos educativos voltados para a prevenção. Na transição

democrática, foram desenvolvidas ações que visavam a abertura democrática das escolas, com

a criação de novas modalidades de interação e participação. No plano estadual, decretou-se a

abertura das escolas nos finais de semana para a população (atividades culturais, esportivas e

de lazer). Nos municípios, ação semelhante foi proposta, pela adesão das escolas. Os

resultados foram diferenciados: experiências de sucesso e, principalmente, de fracasso.

34 LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente. Comentários, Ed. IBPS, p. 04-05. <http://www.mp.pa.gov.br/caoinfancia/links/jurisprudencia/familia.html>.

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Page 78: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

“Motivos: falta de recursos financeiros e humanos, ausência de repercussão nas atividades

práticas cotidianas35”.

Nos demais anos da década, prevaleceram ações de segurança. Resultado: organismos

policiais passaram a interferir demasiadamente no cotidiano escolar. As medidas de cunho

educativo foram minimizadas.

Uma real transformação da cultura escolar demanda que os projetos e programas

empreendidos esforcem-se por realizar uma alteração das imagens e práticas que o mundo

adulto tem sobre as crianças e os jovens, principalmente os que freqüentam a escola pública

radicada nos bairros periféricos. Esses têm sido vistos sob a ótica do medo e, assim, tratados

como virtuais criminosos e delinqüentes. E demanda, especialmente, o comprometimento e a

responsabilidade do mundo adulto quanto à ética e valores que estão ensinando e

exemplificando as suas crianças e jovens.

Do estudo e pesquisa realizados pela UNESCO nas escolas brasileiras; exposto na

obra “Violência nas Escolas” (30), visando a identificação e mapeamento do fenômeno da

violência escolar em nosso país, resultou uma série de sugestões e recomendações, constantes

na obra citada “Violência nas escolas” relacionadas com a implementação de políticas

públicas que focalizam as violências nas escolas e requerem o apoio das três esferas

governamentais e da sociedade civil. A seguir, serão referidas algumas das sugestões (2004, p.

328-330):

No âmbito da escola, a participação de todos os envolvidos é fundamental, tendo como

princípio que programas bem sucedidos podem alterar a situação das escolas, criar novas

expectativas, possibilitando relações sociais positivas, prazerosas e de pertencimento.

Às Secretarias da Educação cumpriria acompanhar implantação de medidas contra a

violência nas escolas, assessorando e facilitando a execução de políticas públicas,

35 SPOSITO, Marilia Pontes. As vicissitudes das políticas públicas de redução da violência escolar. In.: WESTPHAL, Maria Clara (org). Violência e Criança. São Paulo: Edusp, 2002.

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Page 79: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

participando do treinamento e capacitação de funcionários, além de discutir políticas de

gestão e segurança com a escola e a comunidade.

A título de cuidados com o entorno da escola são sugeridas medidas simples, como

colocação de semáforos ou faixa de pedestres; iluminação em bom estado nas imediações;

controle de vendas de bebidas alcoólicas a menores no entorno; fiscalização e proibição de

estabelecimentos de jogos de azar nas imediações; mecanismos de controle para coibir

circulação de drogas ilícitas;

No campo do lazer, sugere a abertura do espaço escolar, visando a implantação de

programa de abertura da escola fins-de-semana: envolvendo família e comunidade para

atividades de cultura, arte, lazer e esporte, voltadas para a educação, para a cidadania, e para

construção de cultura de paz.

Outros aspectos salientado no estudo são a interação escola, família e comunidade

( sensibilização sobre o problema da violência e necessidade de sua redução); a realização de

atividades transdisciplinares, visando conscientizar os alunos sobre as conseqüências do uso

de armas, drogas, roubos, e quanto aos preconceitos, intolerância, que promovem desrespeito

e humilhação; a sensibilização dos professores sobre questões relacionadas à violência:

incivilidade, maus tratos, assédio sexual entre alunos e professores; e a valorização e

organização do jovem (protagonismo juvenil).

São ressaltados como pontos importantes também o espaço físico da escola, com

ambientes agradáveis e a participação dos jovens em atividades várias para desenvolver

sentido de pertencimento; regras e punições clara e gerais (para todos daquele universo);

segurança eficiente, com policiamento no entorno, que iniba a violência, bem como a

sensibilização da polícia para evitar autoritarismo e abuso de poder.

Por fim, os pesquisadores da UNESCO sinalizam para a necessidade de articulação

entre escola, Ministério Público, Conselho Tutelar, Poder Judiciário e Secretarias de

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Page 80: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Educação na elaboração conjunta de medidas preventivas contra a violência, em consonância

com o Estatuto da criança e do Adolescente e acerca da importância de apoio especializado

para a elaboração e implementação dessas medidas (mediante pesquisas e levantamentos de

dados que permitam conhecer a realidade das escolas e desenvolver ações adequadas e

oportunas).

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Page 81: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

6 METODOLOGIA

6.1 Tipo de Pesquisa

O presente trabalho obedeceu a critérios de natureza qualitativa, em proposta

consistente em estudo exploratório, no município de São Vicente do Sul, acerca da realidade

da indisciplina e da violência escolar e a atuação da família e da escola nesse contexto.

6.2 População e Amostra

A população define-se por alunos matriculados no ensino fundamental, de 5ª a 8ª série,

em escola da rede pública estadual de São Vicente do Sul, que possuem anotações em suas

fichas disciplinares individuais, pela prática de ato de indisciplina e/ ou de violência no

ambiente escolar, bem como os respectivos responsáveis por esses alunos, integrantes da

Direção e do corpo docente da mesma escola.

Foram remetidas à pesquisadora 21 fichas, sendo destas selecionadas 05, consoante os

critérios a seguir referidos.

A amostra perfectibilizou-se com o estudo de 05 adolescentes do sexo masculino, dos

respectivos pais ou responsáveis destes, do Diretor e da Supervisora da escola, bem como de

duas professoras comuns a todos os alunos pesquisados, no período analisado. A amostra

totalizou, assim, 14 participantes.

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Page 82: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

6.3 Procedimento e Instrumento

A partir das fichas remetidas à pesquisadora pela Direção da escola (escolhidas

consoante os critérios da Direção por referirem-se aos “piores alunos” ou aos “mais difíceis”),

obedeceu-se aos seguintes critérios para a escolha da amostra pesquisada: a ficha escolar

apresentar registro de ato de indisciplina e/ ou violência no período de doze meses,

compreendido entre o mês de agosto de 2004 a agosto de 2005; tratar-se de aluno adolescente

(12 anos completos); estar o aluno ainda estudando na escola; a família e o aluno terem aceito

participar da pesquisa.

Esclarece-se que não foram selecionadas estudantes do sexo feminino em razão de

apenas uma ficha disciplinar encaminhada à pesquisadora referir-se a uma menina, com dez

anos de idade. Portanto, não preenchia a condição de ser adolescente para integrar a amostra

pesquisada.

Para proceder-se ao estudo dos participantes – alunos, seus responsáveis, professores e

Direção da Escola - utilizou-se entrevistas semi-estruturadas individuais, com questionários,

visando apurar a indisciplina e violência escolar. Os roteiros encontram-se em anexo (anexos

I, II, III).

Foi elaborado, ainda, com a mesma finalidade, roteiro para observação e coleta de

dados sobre o ambiente físico da escola focando especialmente aspectos atinentes à segurança

e ao comportamento dos alunos, funcionários e professores (anexo IV).

Por fim, analisou-se o regimento escolar, enfatizando a proposta pedagógica da escola

e o trato previsto às transgressões disciplinares (com suas regras e punições).

Os objetivos da utilização dessa metodologia organizam-se em torno da averiguação

da participação da família e da escola no contexto da violência escolar, enfatizando-se a

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Page 83: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

função da educação familiar e escolar, especialmente no que diz respeito à construção de

valores.

Como procedimentos foram escolhidas fichas de alunos de 5ª à 8ª série, com registros

de ato de indisciplina e/ ou violência, no período analisado.

Essa escolha obedeceu aos critérios de o aluno ter praticado o ato registrado em sua

ficha enquanto cursava de 5ª à 8ª série do ensino fundamental, ter 12 anos completos na época

da prática do fato, estar ainda estudando na escola e o aluno e seu responsável terem aceito

participar da pesquisa.

6.4 Definições Operacionais

a) Violência escolar: considerados os atos de indisciplina e de violência praticados no

âmbito da escola, pelos alunos (contra os colegas, contra os professores e a Direção,

contra o patrimônio da escola e patrimônio particular de terceiros) e pelos professores

e Direção contra os alunos, no recinto da escola;

b) ato de violência: conceito complexo e polissêmico, pois apresenta diferentes sentidos e

define seu significado a partir do contexto analisado, consoante o sistema de valores

adotado pela sociedade e considerando o nível de tolerância desta. Aqui compreendido

como o uso da força física e/ou do constrangimento psíquico para obrigar alguém a

agir de modo contrário a sua vontade. Consiste, portanto, na violação da integridade

física ou psíquica de alguém. São atos que exigem intervenção efetiva do Estado, por

meio de seus agentes (conselheiros tutelares, policiais, Promotores de Justiça e Juizes),

uma vez que contrariam a lei;

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Page 84: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

c) ato de indisciplina: limita-se aqui ao ato perpetrado no ambiente escolar. Consiste em

problema mais freqüente, porém menos intenso do que o ato de violência, não se

confundindo com este. São comportamentos contrários as normas da escola e devem

estar previstos no Regimento Interno Escolar, que surgem do mau comportamento dos

alunos, expresso na forma de perturbação e interrupção nas aulas ou no aprendizado e

desinteresse pelas aulas ou pelo ensino. Necessitam ser resolvidos no âmbito do

sistema educacional, mediante a observação e aplicação das normas previstas no

Regimento Escolar;

d) adolescente: pessoa com idade entre doze anos completos e dezoito anos incompletos;

e) valores: constituem no conjunto de qualidades que nos distinguem como seres

humanos independentemente de credo, raça, condição social ou religião, estando

presentes em todas as filosofias ou crenças religiosas. São inerentes à condição

humana e dignificam e ampliam a capacidade de percepção do ser consciente, que tem

no pensamento e nos sentimentos sua manifestação palpável e aferível. São qualidades

que os homens consideram importantes, como a verdade, justiça, solidariedade,

retidão, paz, amor e não violência, que unificam e afastam do individualismo,

enaltecendo a condição humana e dissolvendo preconceitos e diferenças;

f) São Vicente do Sul: localizado na região central do Estado do Rio Grande d Sul, com

8.812 habitantes, cuja atividade econômica principal é a agropecuária.

6.5 Coleta de Dados

Os dados da pesquisa foram coletados em três etapas. Primeiramente, observou-se as

fichas individuais encaminhadas pela escola, selecionadas pela Direção por referirem-se aos

alunos “mais difíceis” ou de “pior comportamento”, onde constam anotações referentes às

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Page 85: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

transgressões disciplinares e sanções aplicadas. Na mesma fase, analisou-se o regimento

escolar da instituição pesquisada.

Na segunda etapa, procedeu-se a visitas de observação da escola, ocasiões em que

foram coletados os dados gerais sobre a escola (como número de alunos, professores e

funcionários; número de turmas; cursos que oferece...), observados aspectos atinentes à

segurança do ambiente (como muros, portões, iluminação, controle de entrada e saída de

pessoas, existência de grades, uso de uniforme) quanto ao equipamento físico da escola (a fim

de verificar a qualidade, conservação e higiene das instalações (prédio, salas de aula,

corredores, cozinha, refeitório, pátio externo); e observado o ambiente escolar (atitudes dos

alunos, funcionários, professores e autoridades da escola).

Na terceira e última etapa, realizou-se entrevistas pessoais com os alunos, familiares

destes, professores e integrantes da Direção da Escola selecionados.

Os dados foram coletados examinando-se itens que compõem os roteiros em anexo.

A coleta foi efetuada assegurando-se reserva de sigilo, limitando-se em sua finalidade,

para o âmbito desta pesquisa.

6.6 Análise dos Dados

O estudo dos dados coletados fundamentou-se pela análise de conteúdo.

A execução desse estudo envolveu uma série de procedimentos, descritos a seguir:

a) partiu-se do exame todo, mediante a análise do contexto geral em que se insere a

escola (observação; análise de documentos e entrevistas);

b) seguindo-se pela escolha de transcrições parciais das entrevistas gravadas, mediante a

significação dos dados subjacentes;

c) após, realizou-se a categorização, com a eleição das expressões que melhor definem os

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Page 86: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

tópicos, para transformá-las em categorias;

d) ordenação das categorias;

e) depois, procedeu-se à discussão dos resultados, mediante reflexão analítica destes,

possibilitando a organização criteriosa dos elementos coletados.

Optou-se pela criação de categorias, a fim de permitir a classificação dos dados

apurados.

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7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Precedendo a discussão dos resultados das investigações, a fim de contextualizar os

dados pesquisados com o ambiente escolar analisado, serão consignados os dados gerais sobre

a escola, coletados nas visitas de observação efetivadas pela pesquisadora durante a realização

da pesquisa.

7.1 Observação da Escola

7.1.1 Dados Gerais Sobre a Escola

Idade da escola: 47 anos (Fundada em 19/11/1958);

Número total de alunos: 1157

Distribuição dos alunos: - Curso Profissionalizante (Técnico em Contabilidade): 96; -

Curso Regular: Ensino fundamental: 486; Ensino Médio: 311; - EJA: Ensino Fundamental:

135; Ensino Médio: 129;

Número de professores: - Com regência: 57; - Sem regência: 15;

Número de funcionários: 09;

Número médio de alunos por turma: 25 a 30;

Dependências da escola: 14 salas de aula, 05 banheiros, 01 cozinha, 01 refeitório, 01

pátio, 04 salas do setor administrativo, 02 laboratórios, 01 biblioteca e 01 quadra coberta.

7.1.2 Ambiente Escolar

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a) segurança:

- escola cercada com tela;

- controle de entrada dos alunos é feito pelo coordenador de turno, pelas listas de

alunos (não há carteira de identificação, uniforme, detector de metais e câmeras);

- não há estacionamento;

- só algumas janelas têm grades (setor administrativo, cozinha, laboratório, algumas

salas de aula);

- só há uma porta com grade no interior da escola (acesso à cozinha e ao refeitório);

- não há funcionários inspecionando corredores e banheiros;

- possui alarme.

b) equipamento físico:

- qualidade das instalações das salas de aula: espaço adequado, boa iluminação,

ventiladores nas salas, algumas com infiltração; classes – algumas boas, outras

precárias; limpeza razoável (reclamação da Direção de defasagem de funcionários

nesse setor);

- espaço externo: bom grau de limpeza; pátio grande, com luz natural, vegetação e

piso cimentado; área coberta;

- qualidade das instalações do prédio: refeitório limpo e organizado, utensílios de

cozinha antigos, mas limpos, alimentos em bom estado; laboratório de informática

muito bem equipado.

c) funcionários:

- secretaria: foram educados;

- direção e professores entrevistados: educados e cordiais, manifestaram boa vontade

em colaborar com a pesquisa;

d) Comportamento dos alunos durante as visitas:

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Page 89: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

- não foram vistos alunos fumando, entrando e saindo à vontade das salas, ou nos

corredores. Também não foram presenciados desentendimentos ou atos de indisciplina ou

violência.

Essas observações foram consideradas relevantes a fim de situar o contexto da escola

pesquisada, que se trata de escola pública de grande porte, tendo em vista estar situada em

município com aproximadamente dez mil habitantes, oferecendo o ensino fundamental, o

médio, profissionalizante e EJA (Educação para Jovens e Adultos).

Quanto à adoção de providências visando a garantir a segurança do ambiente escolar,

observou-se que se limitam ao cercamento do espaço com tela, utilização de alarme, grades

em algumas aberturas e controle de entrada dos alunos por coordenador de turno (mediante a

utilização de listas). Em que pese se tratar de escola integrante de pequena comunidade do

interior do Estado, onde a violência e a criminalidade são reduzidas, constatou-se a

preocupação dos educadores entrevistados em adotar outros procedimentos de segurança no

espaço escolar, como, por exemplo, a presença de policiais na escola e no entorno desta.

No que se refere ao equipamento físico, quanto à qualidade das instalações das salas

de aula, espaço externo e instalações do prédio, observou-se, em geral, serem boas.

Os integrantes da Direção e os professores entrevistados foram educados e cordiais

com a pesquisadora, manifestando boa vontade em colaborar com a pesquisa, manifestando

seu interesse e esperança em que o presente trabalho seja útil para contribuir na transformação

da realidade da escola.

Por fim, durante as visitas, não foram vistos alunos fumando, entrando e saindo à

vontade das salas, ou nos corredores. Também não foram presenciados desentendimentos ou

atos de indisciplina ou violência.

89

Page 90: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

7.2 Entrevistas

Quanto aos dados obtidos nas entrevistas serão discutidos de forma sistemática e

conjunta, analisando-se os resultados comuns e divergentes, em cotejo com o referencial

teórico, visando a alcançar os objetivos desta investigação.

A discussão foi organizada nas seguintes categorias que serão a seguir analisadas: O

insucesso da família como instituição socializadora; Crise de autoridade da família; Reflexão

em torno da tarefa educativa: a crise de identidade e de autoridade da escola; Encontros e

desencontros alunos, família e escola; Relacionamentos da escola com profissionais de áreas

diversas à educação; Violência e indisciplina escolar; A percepção da atuação ineficaz do

Ministério Público no cenário da violência escolar; A ausência de proposta de educação para

valores na escola.

7.2.1 O Insucesso da Família Como Instituição Socializadora

7.2.1.1 O Eclipse da Função Educacional da Família

As informações obtidas por meio das dez entrevistas realizadas com os alunos e seus

respectivos responsáveis evidenciam aspectos atinentes ao relacionamento familiar e à

educação proporcionada pelas famílias aos adolescentes pesquisados.

Observou-se que a maioria dos adolescentes entrevistados afirmou relacionar-se “mal”

ou “mais ou menos” com a família. Apenas um (“D”) considera “bom” o relacionamento

familiar.

Esse dado causa preocupação, se considerada a importância da família como primeiro

núcleo a promover a socialização do indivíduo, o qual, antes mesmo de entrar em contato com

a escola, já experimentou a influência educacional de seu ambiente familiar, que continuará

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Page 91: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

sendo determinante durante a infância e a adolescência.

No núcleo familiar, a criança deveria aprender atitudes fundamentais, que compõem a

“socialização primária”, a qual lançará as bases da socialização secundária, proporcionada

pela escola.

O aprendizado familiar apresenta como pano de fundo um eficaz instrumento de

convencimento: a ameaça (imaginária) de perder o carinho daqueles seres sem os quais a

criança não sabe como sobreviver. Goethe afirmava que dá mais força se saber amado do que

se saber forte: a certeza do amor, quando existe, nos torna invulneráveis.

Essa afetividade e proteção inicial infundem confiança no vínculo humano, que

dificilmente catástrofe futura apagará, e as demais formas de socialização não substituem

satisfatoriamente o núcleo familiar, quando este não existe.

Assim, o principal agente da efetividade do Direito à Educação é a família. Se a escola

deve atuar como associada, essa associação não deve ensejar o afastamento da noção de que

os pais ou responsáveis são os agentes principais pela educação dos filhos.

Consoante Konzen36: “o dever para com a educação escolar constitui-se em uma das

especificidades do dever de educar o filho, sentido amplo que atribui aos pais o encargo de

alcançar-lhe o referencial ético para a vida em sociedade”.

Apesar do aparato legal prevendo a obrigação da família em relação a educação das

crianças, os educadores têm percebido que estas chegam à escola com um núcleo básico de

socialização insuficiente para enfrentar com êxito a tarefa de aprendizado. Queixam-se que,

em razão dessa falha na família, a escola, além de não conseguir realizar sua tarefa específica

de transmitir conteúdos, também começa a ser objeto de novas demandas, para as quais não

está preparada.

36 KONZEN, Afonso Armando. Conselho Tutelar, Escola e Família – Parcerias em Defesa do Direito à Educação. Pela Justiça na Educação. Coordenação geral Afonso Armando Konzen – Brasília: MEC, FUNDESCOLA, 2000.

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Page 92: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Um dos outros motivos, apontado pelos estudiosos, do eclipse da família como fator

de socialização primária, decorre da transformação do “status” das próprias crianças, com o

“desaparecimento da infância”.

Durante séculos, a infância manteve-se num limbo à parte do qual as crianças somente

saiam gradualmente, consoante a vontade pedagógica dos adultos. As duas fontes de

informação eram os livros e as lições orais de pais e professores, sabiamente dosadas.

A criança crescia numa obscuridade aconchegante, levemente intrigada por esses

temas sobre os quais ainda não lhe davam respostas completas, admirando com inveja a

sabedoria dos adultos e ansiosa para crescer e ser digna de compartilhá-la. Mas a televisão

rompe esses tabus e, de maneira desordenada, “conta tudo”. Fornece meios de vida, exemplos

e contra-exemplos, viola recatos e promove entre as crianças a urgência de escolher, que está

inscrita na abundância de notícias freqüentemente contraditórias.

Enquanto a função educacional da família está em crise, a educação da televisão ocupa

cada vez mais espaço, proporcionando que as crianças tenham contato com tudo desde o

início, sem respeito pelos trâmites pedagógicos.

Se ao menos os pais acompanhassem-nas e comentassem esse bombardeio de

informações! No entanto, é próprio da televisão funcionar enquanto os pais não estão e,

muitas vezes, para distrair os filhos da ausência dos pais, ao passo que em outras ocasiões eles

estão, mas tão mudos diante da tela quanto às próprias crianças.

Na presente pesquisa, apurou-se sobre a influência dos meios de comunicação na

educação familiar, sendo que a exercida pela televisão é, sem dúvida, a maior. A maioria dos

responsáveis entrevistados busca informações sobre como educar os filhos (ou neto, no caso

de “D”) no referido veículo de comunicação.

Entre os adolescentes entrevistados, esse número aumenta, pois todos afirmaram que o

meio de comunicação a que têm acesso é a televisão, sendo eleitos como programas favoritos

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Page 93: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

novelas, filmes e programas esportivos. Apenas dois referiram o rádio (“C” e “D”) e, outros

dois, revistas (“B” e “E”). Destes dois últimos, “B” tem acesso a livros e “E”, a jornais.

Oportuno referir que talvez o acesso restrito aos meios de comunicação esteja ligado

não somente a questão da renda familiar, uma vez que a menor renda familiar declarada pelos

entrevistados corresponde a R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais, mas também à questão

cultural, em face da falta de estímulo familiar para que os jovens tenham contato com outros

meios de comunicação.

Fator a evidenciar a ausência de orientação e diálogo da família sobre os programas

assistidos pelos adolescentes consiste na afirmação de quatro dos cinco entrevistados de que

não conversam sobre os programas, tampouco assistem à televisão com a família (alunos “A”,

“B”, “C” e “E”). O aluno “C” complementou: “a família não dá bola, pois tem mais o que

fazer” e os familiares consideram-no grande demais para “teimar” e pequeno demais para

“intrometer-se nos assuntos dos adultos”.

Nesse contexto, também a tarefa atual da família e da escola é complicada. Antes, o

educador podia jogar com a curiosidade dos educandos, ansiosos por conseguir adentrar em

mistérios que ainda lhe eram vedados. Atualmente, porém, as crianças e adolescentes já

chegam envoltas de mil notícias e visões multiformes, que não lhes custou nenhum esforço

para adquirir e que receberam até sem querer.

O educador (familiar e professor) precisa ajudá-los a organizar essa informação,

combatê-la parcialmente e oferecer-lhes ferramentas cognitivas para torná-la proveitosa e não

nociva.

Contudo, essa nova situação da educação, embora multiplique as dificuldades dos pais

e professores, também abre promissoras possibilidades para a formação moral e social dos

futuros cidadãos. Mostra ainda a possibilidade de superação de preconceitos e dos modelos de

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Page 94: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

vida impostos pelo núcleo de socialização familiar.

7.2.1.2 A Demissão Familiar

Aspecto comum ao quotidiano dos alunos entrevistados, a demonstrar o grau de

envolvimento familiar na vida escolar dos adolescentes, é o fato de o responsável,

normalmente a mãe, com exceção de “D” (a avó) e “E” (o pai), comparecer na escola somente

nas ocasiões em que é chamado. Dos cinco alunos ouvidos, três manifestaram que gostariam

que a participação de seus pais na escola fosse maior, exceto “B” e “D”. Sendo que o aluno

“B”, na ocasião da entrevista, encontrava-se institucionalizado no abrigo do Município, por

omissão da mãe que se negava a recebê-lo em casa. E, quanto ao adolescente “D”, percebeu-

se que omitia informações e prestava declarações incondizentes com a verdade, não

colaborando adequadamente durante a entrevista.

A análise desses últimos dados será aprofundada no item 7.2.4 da discussão dos

resultados.

No momento, interessa-nos a constatação acerca do reduzido envolvimento dos

familiares com o quotidiano escolar dos adolescentes, a expressar o sentimento de

“abandono” experimentado por estes, a desqualificar, ainda mais, os relacionamentos em

família.

Os alunos, questionados acerca dos responsáveis por sua educação, responderam:

aluno “A” – a mãe; aluno “B” – ninguém, pois educa-se sozinho; aluno “C” – a mãe e o

padrasto; aluno “D” – a avó; aluno “E” – a madrasta, referindo que o pai só o repreende

depois de ter errado.

Nos casos dos alunos “A” e “D”, as informações foram confirmadas pelos respectivos

responsáveis (a mãe e a avó). Quanto ao aluno “B”, abrigado em instituição do Município por

negligência da mãe, a afirmação de não ser educado por ninguém, naquele momento de

abandono extremo, era absolutamente compreensível, divergindo da informação materna,

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Page 95: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

onde a mãe considera-se responsável pela educação do filho.

Destacam-se as considerações da mãe de “C”, afirmando que a responsabilidade de

educar seria dos pais, mas às vezes estes não conseguem (“Dá vontade de fugir e largar

tudo”). E do pai de “E”, admitindo ser a responsabilidade dos pais, “quando os filhos

obedecem”, e alegando ter problema com o filho a partir dos 14 anos de idade deste.

Observou-se, das informações prestadas pelos responsáveis, que as dificuldades

quanto à educação dos filhos coincidem com o período em que estes ingressam na

adolescência, evidenciando o despreparo dos pais para lidar com essa fase da vida de seus

filhos.

Segundo Savater (12), uma das causas para essa renúncia da família das suas funções

educacionais é o fanatismo pelo juvenil. Parecer velho e ser um velho que assume o tempo

que passou, é algo quase obsceno, que condena a solidão e ao abandono.

No entanto, para que uma família funcione educacionalmente é imprescindível que

alguém nela se resigne a ser adulto. O pai que só quer figurar como “o melhor amigo de seus

filhos” tem pouca serventia, e a mãe cuja vaidade é que a consideram irmã mais velha da

filha, não serve muito mais.

Sem dúvida, são atitudes psicologicamente compreensíveis e, com elas, a família

torna-se mais informal, menos frustrante, mais simpática e falível, em compensação, a

formação da consciência moral e social dos filhos não é muito favorecida.

Em decorrência desses comportamentos, as instituições públicas da comunidade

sofrem sobrecarga. Quanto menos os pais quiserem ser pais, mais paternalista se exige que o

Estado seja.

7.2.1.3 Criar, educar e cuidar: a quem caberá essas tarefas?

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Page 96: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Dado merecedor de destaque relaciona-se à composição familiar dos alunos

pesquisados, onde foram constatadas composições diversas: núcleos formados pela mãe e os

filhos; ou por estes e pelo padrasto; ou pelo pai, filhos e madrasta ou, ainda, pelos avós, tios e

neto. E, consoante os padrões conceituais contemporâneos, todas são consideradas “famílias”,

com direitos, deveres e obrigações decorrentes desse status.

Vannúzia Leal Andrade Peres (16), no artigo “Desenhos de Família”, entende que o

movimento histórico de transformação da família vem se alterando não somente em sua

estrutura, mas também o padrão de seu ciclo de vida, levando a apresentar uma independência

de modelos e, em razão disso, uma singularidade. Segundo Philippe Ariès (17), isso significa

que não podemos mais falar de família como um padrão único a ser seguido ou como um

sistema universalizado, mas sim de famílias, entendendo que cada qual tem sua estrutura e

estilo de funcionamento.

Acerca da preparação para criar/cuidar/educar os filhos e do sentimento ou

intenção de desistir dessa tarefa, manifestaram as mães dos alunos “A”, “B” e “C” não se

sentirem preparadas e intencionar desistir.

Mãe do aluno “A” – Não se sente preparada. Já tentou entregar o filho (entrevistado)

para o pai.

Mãe do aluno “B” – Não se sente preparada. Tem muitos problemas com o filho mais

velho (entrevistado). Abrigado em instituição municipal, na oportunidade.

Mãe do aluno “C” – Não se sente preparada. “Se soubesse que criar um filho era tão

difícil, não teria sido mãe”. Mas, agora, que já botou no mundo tem que criar até o fim. Já

pensou em desistir e tentou suicídio. Quando o filho era bebê pensou em matá-lo e suicidar-

se, mas foi impedida por vizinhos. O filho foi abrigado recentemente no abrigo municipal por

desentender-se com o padrasto.

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Page 97: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Quanto ao apoio na criação diária dos filhos, todos os responsáveis entrevistados

referiram buscá-lo junto à família. A mãe do aluno “B” afirmou também encontrar apoio no

Conselho Tutelar e no Ministério Público.

No que se refere à busca de informações sobre a criação dos filhos, a televisão

mereceu destaque, referida por três dos responsáveis (“B”, “D” e “E”); a escola foi referida

por dois responsáveis (“A” e “D”); o Conselho Tutelar e o Ministério Público, por duas

mães (“A” e “B”); a avó de “D” referiu a religião e a mãe de “D”, as revistas. Quanto à mãe

de “C”, afirmou não buscar informações.

A família atual permanece com as atribuições de cuidar e educar sua prole, porém,

tem-se manifestado sem referenciais para dar conta dessa tarefa, em virtude de fatores como:

a complexificação da vida moderna, as intervenções do dito saber científico produzido sobre

educação de crianças, que vem atestando a sua incompetência, o esvaziamento e a

superficialidade das relações e vínculos, inclusive os parentais.

O termo “criar” é amplo, incluindo os conceitos “educar” (desenvolver as atividades

físicas, intelectuais, morais e afetivas) e “cuidar” (assegurar atendimento às necessidades

básicas, inclusive afetivas). Inclui, portanto, o atendimento às necessidades básicas e também

educar, no sentido de ensinar, transmitir valores, princípios, atitudes e os conhecimentos

universais. Exige, portanto, empreendimento visando atender ao seu desenvolvimento

integral.

Cabe à família, tenha ela a estrutura e organização que tiver, a função criadora,

cuidadora e educativa, e, na sua intimidade, via de regra, está tentando exercer essa tarefa.

Para isso, buscam como bases de apoio cônjuges ou companheiros, avós, igrejas, escola,

meios de comunicação, vizinhos, Conselho Tutelar e Ministério Público.

Mas a função criadora/educativa é compartilhada com outras esferas. No decorrer da

história, inúmeros são os registros da intervenção do Estado na família, essencialmente as dos

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Page 98: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

setores populares, quando a julga sem competência para a função de criar/educar seus filhos,

uma vez que poderiam tornar-se um risco para a sociedade. No Brasil sob a égide do Código

de Menores essa associação entre carência/delinqüência era evidente e as famílias populares,

quase sempre associadas à ignorância, pobreza, descuido, vício, abandono, licenciosidade, e

muitas vezes vista como criadoras de delinqüentes, eram acusadas de incapazes no que diz

respeito à educação e à formação de suas crianças.

Contudo, esse mesmo Estado, pouco privilegiou as famílias nas suas políticas sociais,

privilegiando apenas o indivíduo como portador de direitos.

A família, como grupo, percebeu-se sozinha no processo de educação dos filhos e foi

culpabilizada individualmente pelo fracasso desse empreendimento. As incontáveis teorias

sobre educação de crianças em sua maioria acabaram enfatizando as carências e limitações da

família em sua função materna/paterna, mas nunca seus potenciais. O próprio Estado, em seu

modelo de atendimento, fragmentou a família num somatório de necessidade, identificando-a

como carente de bens e serviços. Os autores fazem referência ainda à psicologização das

relações, uma tendência das teorias que ganhou força enfatizando mais o caráter de carência

das famílias.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a família “ressurge como unidade

econômica e direito da criança” (17) (1995, p. 12) e, assim, entra na agenda das políticas

públicas para ser atendida em suas carências, a fim de garantir os direitos dos indivíduos.

Contudo, atribui também à sociedade e ao poder público a garantia desses direitos, por

intermédio de políticas sociais e atividades voltadas para o apoio da família na tarefa de

criação/educação dos filhos. Objetivo, na prática, ainda não atingido, em face a quase

inexistência de serviços multiprofissionais de atenção à família e em razão da ineficiência,

descontinuidade, setorização e fragmentação dos serviços oferecidos.

Do panorama traçado, forçoso concluir que o mesmo Estado, que muito contribuiu

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Page 99: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

para a construção do discurso de família desestruturada, incompetente, carente, pouco

ofereceu em suas ações, serviços, auxílio e orientação à família. Inclusive, buscando retirar-se

do cenário das políticas sociais, repassando essa iniciativa para as organizações não-

governamentais, que não dispõe de recursos humanos e financeiros para assegurar a

continuidade e a qualidade das atividades, e/ou para a iniciativa privada, que não tem

compromisso com o grupo que atende.

7.2.1.4 A educação para valores: modelos e conteúdos da educação familiar

Consoante mencionado, o efeito direto do esvaziamento da família como autoridade na

criação/educação dos filhos é a estigmatização da instituição familiar, que assumiu a posição

de “incompetente” nessa tarefa. E essa desqualificação da família, que a instala

simultaneamente na condição de vítima e de responsável por sua condição, fragiliza seus

laços afetivos e sua coerência interna, contribuindo para que influências externas, nem sempre

positivas, obtenham “êxito” na socialização da criança.

Diversos estudiosos da família brasileira apontam que esta se encontra num momento

histórico de mudanças significativas no que diz respeito aos valores éticos e morais, aos

padrões de comportamento e a educação dos filhos.

Se a família é o sujeito principal das estratégias de reprodução dos comportamentos

sociais, verificamos que ela encontra-se em vias de constituir uma nova configuração,

determinada pelo modelo de relações sociais no mercado consumidor. Nesse campo das

relações sociais, destaca-se o aspecto “descartável” ou de superficialidade das relações sociais

e o caráter de “redução do sujeito à condição de coisa”. Essas características das relações,

lamentavelmente, transparecem no campo afetivo e familiar.

E o que esperar de famílias com esses referenciais, reforçados pelos meios de

comunicação, na educação de seus filhos? Qual a educação moral que desejamos?

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Page 100: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Acerca da educação familiar, os alunos pesquisados externaram os ensinamentos que

recebem; e os responsáveis, o significado da educação e a forma de educar. Da observação

dos dados coletados nota-se os valores prevalentes na concepção das famílias pesquisadas.

A maioria das respostas dadas pelos alunos e por seus responsáveis foi convergente,

evidenciando que, apesar de haver deficiência na comunicação (dificultando o entendimento)

com os adolescentes, por parte da família, esta, de alguma forma, preocupa-se em transmitir

valores àqueles.

O aluno “A” respondeu que a família “aconselha”, demonstrando desconhecer o

significado da expressão “valores”, ao questionar “como assim, valores?” A mãe do aluno

entende que a função da educação é tornar uma pessoa de bem, sendo que educa o filho

aconselhando-o a ser honesto e a respeitar os demais.

O aluno “B” referiu que a mãe ensina-lhe “etiqueta” (“com licença”, “por favor”) e o

certo e o errado (contradizendo-se em relação à afirmação anterior de não ser educado por

ninguém). Convergiu com a concepção de sua mãe, para quem educar é “ensinar o que é certo

e errado” e que educa seu filho aconselhando-o a ser “educado, respeitador e honesto”.

Para o aluno “C”, a família ensina “a não roubar, não brigar, a estudar e a revidar

quando for agredido ou ofendido”. A mãe deste não soube apontar aspectos importantes na

educação, tampouco externou o significado desta, limitando-se a afirmar que “às vezes

conversa, mas ele é empacado quando decide alguma coisa”.

O aluno “D” afirmou receber os ensinamentos segundo os quais deve “respeitar, ser

companheiro e correto”. Resposta semelhante à de sua avó, para a qual educar significa “ver a

pessoa ser feliz. É ter estudo, conviver com pessoas de bem e ser querido por todos. É

respeitar os outros e não responder mal para as pessoas”. Aconselha o neto a ser honesto.

Quanto à forma de educar, utiliza o aconselhamento e o diálogo. E, revelando a distância

geracional entre ambos, “não acha que deve criá-lo como foi criada, pois o mundo está

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mudado”.

Já, as manifestações do aluno “E” e seu pai são as que apresentam maior dissonância,

evidenciando o relacionamento familiar conturbado (marcado por mágoas e ressentimentos),

onde o diálogo é difícil ou praticamente inexistente. O aluno referiu nunca ter sido cuidado,

além de ser vítima de agressões físicas e humilhações por parte da família, freqüentemente.

Mencionou que, várias vezes, teve de vir para a escola, vestindo bermudas, sentindo-se

humilhado pelos colegas que notavam suas pernas marcadas pelas agressões perpetradas pelo

pai. Para o pai, educar é ensinar a respeitar. Quanto aos meios utilizados para educar, alegou

que aconselha, dá tudo o que os filhos precisam e admitiu provocar e bater no filho

entrevistado, assumindo que desfere contra este “laçaços, tapas (inclusive no rosto) e

empurrões”.

Na história de “E”, relevante mencionar que, apesar de residir na mesma cidade em

que sua mãe, após a separação dos pais, quando ainda criança, nunca mais teve contato com

ela (foi referido pelo pai que o filho a ignora). Foi criado pelo pai e pela madrasta, que não o

aceita e adota tratamento discriminatório em relação ao dispensado aos outros irmãos,

segundo registros do adolescente. Quanto ao pai, aparentou traços de autoritarismo,

agressividade e violência.

Fala-se cada vez mais em educação integral, mas, na prática, o que se verifica é uma

educação restrita ao acúmulo de aquisições intelectuais. Se a educação integral supõe cuidar

de todas as capacidades humanas, será necessário concedermos uma nova relevância à

educação moral.

Uma das propostas mais brilhantes e simples na busca da formação humana da criança

como ser capaz de ser co-criador com outros de um espaço de convivência social desejável é,

sem dúvida, a trazida por Maturana (10), na biologia do amor. No âmbito familiar, propõe o

acolhimento da criança como um ser legítimo em sua totalidade em cada instante e não como

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uma passagem para a vida adulta.

Nessa perspectiva, considerando que a aceitação e o amor são indispensáveis para o

desenvolvimento do ser humano responsável e livre, espera-se dos educadores que, ao

imprimirem à convivência familiar um ambiente amoroso e não competitivo, corrijam o fazer

e não o ser das crianças, estimulando suas capacidades reflexivas e de ação, tornando-as

capazes de ver e corrigir seus erros; de cooperar e possuir um comportamento ético; “e capaz

de não serem arrastados para as drogas e o crime, porque não dependerão da opinião dos

outros não buscando a sua identidade em coisas fora de si” (MATURANA, 2000, p. 12).

Guiar-se nos atuais contextos sociais, em que coexistem diferentes modelos de vida,

exige um esforço pessoal de construção de critérios morais próprios, raciocinados, solidários e

não sujeitos a imposições. Caso contrário, será fácil imergir em uma existência desencantada

e desordenada, em face à ausência de princípios e normas pessoais que dêem sentido e

orientação à vida.

Em síntese, a melhor maneira de viver parece ser aquela em que o sujeito decide

voluntária e racionalmente como viver.

Observa-se hoje que os problemas mais significativos da humanidade exigem uma

solução além do técnico-científico, que perpassa por uma reorientação ética dos princípios. As

relações do homem consigo mesmo e com os demais povos, raças ou crenças; com seu

trabalho; seu ambiente natural e urbano, são todos problemas de orientação e de valor, que

exigem que a família e a escola conceda-lhes uma atenção prematura na educação de suas

crianças.

Busca-se, com a educação moral, conseguir que os jovens desenvolvam os tipos de

comportamentos coerentes com os princípios e normas que pessoalmente construíram e

adquiriram também as normas que a sociedade, de modo democrático e justo, oferece-lhe.

Essa educação busca o equilíbrio pessoal e coletivo.

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Com base nessas reflexões, espera-se que as famílias recebam a base de apoio

necessária para que possam evoluir a um modelo de educação marcado pela autonomia e

independência de filhos responsáveis por si e pelo outro. Tendo sempre clara a reflexão de

Maturana (10), segundo a qual não se ensina valores, cooperação e respeito, se não vivenciá-

los.

Contudo, o que se observa constantemente são pais considerando-se incapazes de

educar seus filhos e reconhecendo sua impotência quanto ao estabelecimento de regras e

limites, fragilizando-se no exercício de sua autoridade e exigindo que o Estado substitua-os

nessa tarefa.

7.2.2 A Crise de Autoridade da Família e a Distorção Interpretativa do ECA

Todos os familiares de alunos entrevistados afirmaram exercer sua autoridade

conversando e aconselhando os adolescentes. O pai de “E” assumiu que bate no filho

(“laçaços, tapas, inclusive no rosto, e empurrões”).

Observou-se, contudo, nos diálogos, que todos os demais familiares responsáveis

acabaram admitindo já terem batido nos filhos (ou no neto, no caso de “D”), quando crianças,

em algumas oportunidades. Provavelmente não tenham admitido claramente perante a

entrevistadora, por receio de estarem praticando ilegalidade ao baterem nos filhos.

Duas opiniões diferentes serão transcritas, demonstrando a desesperança da mãe de

“C” e o otimismo da avó de “D” (senhora analfabeta).

Mãe do aluno “C” – “Desisti de falar o que está errado, deixo por isso mesmo e choro,

pois não adianta. O padrasto do guri me desautoriza, dando ordens diferentes das minhas. Se

pudesse, iria para bem longe dos dois”.

Avó do aluno “D” – “Não bato. Conversar é melhor. Antigamente os pais faziam o

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que queriam com os filhos, mas hoje a lei proíbe os maus tratos, graças a Deus”.

Das punições aplicadas, o castigo foi a mais citada por todos os responsáveis

entrevistados. A mãe de “C” referiu pôr o filho de castigo, mas que logo desiste e o pai de “E”

afirmou punir o filho também com agressões físicas e privando-o de alguns bens de que gosta.

Dado alarmante exsurge da observação das manifestações dos responsáveis, a

desnudar a crise de autoridade vivenciada (e sofrida) pelas famílias, atualmente. Com

exceção da avó de “D”, que não admite ter problemas para impor sua autoridade ao neto

(apesar deste apresentar, na escola, atitudes que denotam ausência de limites, que deveriam

ser estabelecidos em casa), todos os demais familiares afirmaram não conseguir (responsáveis

por “B”, “C” e “E”) ou sentir dificuldade (mãe de “A”, que referiu, ainda, a ausência paterna)

em exercer a autoridade.

Observou-se que apenas o adolescente ”E” possui a figura paterna bem definida, em

que pese manter com este relacionamento conturbado e buscar a negação de qualquer

identificação com o pai (contudo, não mantém nenhum contato com a mãe, ausente desde a

separação dos pais). As histórias de vida dos demais adolescentes são marcadas pela ausência

paterna. No caso de “B” (não reconhecido pelo pai) e de “C” (sem contato com o pai desde os

5 anos de idade) há a presença dos padrastos, mas em ambas as situações, os adolescentes

foram abrigados em instituição municipal em decorrência de violência (agressões e ameaças

de morte) perpetrada pelos respectivos companheiros de suas mães.

Quanto ao aluno “A”, confirmando a informação da mãe, o pai reside em outro

Estado, é caminhoneiro, viaja muito, já constituiu outra família, passa anos sem contato com o

filho e alega não poder assumir a responsabilidade em relação a este.

Por fim, quanto ao adolescente “D”, a mãe e o pai não assumiram o filho, que é criado

pela avó.

A fim de observar-se a noção dos responsáveis entrevistados sobre o ECA e

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verificar-se se associam a crise de autoridade que experimentam à lei e às instituições, foram

questionados, manifestando suas opiniões, que serão analisadas.

Os responsáveis por “A”, “B” e “E” não conhecem ou nunca ouviram falar no Estatuto

da Criança e do Adolescente. A mãe de “C” já ouviu falar, mas nunca leu. Sabe que é “um

papel que prevê ordens e direitos”. E a avó de “D” já ouviu falar, “mas não lembra o que é,

pois é muito esquecida”.

Apesar de a mãe de “B” não conhecer a lei, relaciona “um pouco” a esta sua crise de

autoridade. E, quanto ao pai de “E”, que “nunca ouviu falar” no Estatuto da Criança e do

Adolescente, também relaciona a crise de autoridade à lei, afirmando que “a lei só protege,

deixa o adolescente fazer o que quer”.

Quanto aos responsáveis de “A” e “D”, consideram que a crise de autoridade

relaciona-se à legislação; e a mãe de “C”, não soube responder.

Os responsáveis foram questionados, ainda, sobre sua concepção acerca do Conselho

Tutelar e do Ministério Público. Todos referiram já terem mantido contato com ambos os

órgãos, em razão de problemas envolvendo os alunos entrevistados.

Observou-se que, apesar de terem contato com o Conselho Tutelar e o Ministério

Público, não compreendem as atribuições de cada um dos órgãos.

As mães de “A” e “B” informaram ter contato freqüente com o Conselho Tutelar e o

Ministério Público, em virtude dos problemas apresentados pelos filhos, recebendo apoio e

orientação.

A mãe de “C” narrou que o contato ocorreu quando seu filho foi abrigado na “Casa de

Passagem”, após desentender-se com o padrasto. Não considerou uma boa experiência.

A avó de “D” afirmou ter ido ao Ministério Público uma vez com o neto, “que se

envolveu em más companhias, mas que acabou tudo bem, já que o neto foi inocentado, pois

não tinha culpa”.

105

Page 106: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

A concepção do pai de “E” é a de que “só servem para dar razão aos menores e

desautorizar os pais”.

Etmologicamente, a palavra autoridade não significa “mandar”, mas “ajudar a

crescer”. A autoridade na família deveria servir para ajudar os membros mais jovens a

crescerem, configurando de modo afetuoso o “princípio da realidade”. Esse princípio,

segundo Savater (12), implica na capacidade de restringir as próprias vontades tendo em vista

as dos outros e adiar ou moderar a satisfação de alguns prazeres imediatos.

Naturalmente, as crianças carecem de maturidade para compreender a sensatez

racional desse procedimento, e por isso é preciso ensiná-lo a elas.

Se os pais não auxiliam os filhos, com sua autoridade amorosa, a crescer, as

instituições públicas ver-se-ão obrigadas a impor-lhes o princípio da realidade quase sempre,

não com afeto, mas à força. Assim não se conseguem crianças que serão cidadãos adultos

livres.

O modelo de autoridade na família tradicional foi o pai, uma figura cuja dimensão

temível e ameaçadora, embora pudesse ser também afetuosa e justa, propiciou excessos com

influência aniquiladora. E no atual eclipse geral da família como unidade educacional, a

figura do pai é a mais eclipsada de todas: o papel mais questionado e menos grato, o triste

encarregado de administrar a frustração.

A atenuação ou abolição da figura paterna traz algumas dificuldades de identificação

positiva para os jovens, que vários estudiosos relacionam diretamente à delinqüência juvenil e

a perda destrutiva de modelos de auto-estima.

Savater (12) defende que talvez o desafio seja propor e assumir um tipo de pai com

autoridade masculina e com a terna solicitude doméstica, próxima e abnegada, que

secularmente caracterizou o papel familiar da mãe. Um pai que não renuncie a ser pai, mas

106

Page 107: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

que, simultaneamente, saiba se maternizar, para evitar os abusos castradores patriarcais do

sistema tradicional.

Observa-se, ainda, outro fator atual que reforça a desresponsabilização familiar: a

interpretação distorcida e equivocada da legislação brasileira, protetiva da infância e da

juventude. E o alvo de maiores críticas da população, talvez por ignorância no sentido de

desconhecimento do texto legal, é o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Integra o senso comum, traduzido no discurso da sociedade brasileira, que o referido

Estatuto é sinônimo de desautorização familiar, de “quebra das relações de autoridade com a

família e a escola”, de “porta aberta à impunidade”, afinal “os ‘menores’ não podem ser

responsabilizados por seus atos”!

E aqui atenta-se para a obrigação dos profissionais que atuam, tanto na proteção

quanto na sócio-educação infanto-juvenil, de difundir informações precisas sobre a proposta

da legislação nacional, de universalização dos direitos fundamentais, alcançando a todas as

crianças e adolescentes brasileiros.

Urge, ainda, os profissionais e instituições de apoio auxiliem a família a desenvolver

modelos de educação marcados pela construção da autonomia e independência de seus filhos.

Consoante o professor americano de desenvolvimento infantil, David Elkind37, “o

contrato de liberdade e responsabilidade é fundamental em todo cuidado paterno/materno. Os

pais, reconhecendo o desamparo inicial dos bebês, esperam que, quando as crianças

crescerem, tornem-se progressivamente capazes de assumir a responsabilidade de seus

próprios comportamentos. Mas os pais devem controlar com sensibilidade o nível de

desenvolvimento intelectual, social e emocional do filho para poder lhe proporcionar as

liberdades e oportunidades adequadas para o exercício da responsabilidade.

37 ELKIND, David. Sem tempo para ser criança: a infância estressada. Trad. Magda França Lopes. 3. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2004, pág. 172.

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Page 108: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Consequentemente, à medida que a criança amadurece, o contrato de liberdade e

responsabilidade vai sendo várias vezes reescrito. Na verdade, os pais e filhos constroem e

reconstroem suas realidades coletivas. Quando isso não é feito, pode ocorrer um dano

interpessoal significativo. Mas quando há uma correspondência estreita entre as expectativas

dos pais e o desempenho da criança, e entre as expectativas da criança e o desempenho dos

pais, há relativamente pouco estresse nas interações familiares. As violações contratuais, e daí

o estresse, ocorrem quando os pais não recompensam a responsabilidade com liberdade ou

quando as crianças exigem liberdade sem demonstrar responsabilidade.”

Acerca do tema, ensina-nos Paulo Freire (26) que a liberdade amadurece no confronto

com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, professores e

do Estado.

Nesse sentido é indispensável que os pais tomem parte das discussões com os filhos

em torno do amanhã. Não podem omitir-se, contudo, precisam assumir que o futuro é de seus

filhos e não seu. É preferível reforçar o direito à liberdade de os filhos decidirem, mesmo

correndo o risco de não aceitar, a seguir, a decisão dos pais. É decidindo que se aprende a

decidir.

Por outro lado, faz parte do aprendizado da decisão a assunção das conseqüências do

ato de decidir. A decisão é um processo responsável. Em razão disso, uma das tarefas

pedagógicas dos pais é deixar óbvio aos filhos que se trata de dever paterno a sua participação

no processo de tomada de decisão deles, e não uma intromissão, desde que não decidam pelos

filhos. A participação dos pais deve dar-se, sobretudo na análise, com os filhos, das

conseqüências possíveis da decisão a ser eleita.

7.2.3 Reflexão em torno da tarefa educativa: as crises de identidade e de autoridade da escola

108

Page 109: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

7.2.3.1 A Função da Educação

Consoante Enguita (25), no século XX, a intensificação das mudanças sociais, que

esteve na base da universalização da escola e da “época dourada” do magistério, converte-se

no detonador daquela e na desorganização deste. Isso significa necessidade de reestruturação

da aprendizagem, chamando a atenção para a responsabilidade do corpo docente de assegurar

a cada aluno a oportunidade de aprender a aprender.

Mas seria absurdo pensar que todos serão obrigados a aprender durante toda a vida...

menos o professor. Segundo Enguita (25), como todo grupo profissional, o dos professores se

vê diante da necessidade de adaptação permanente, mas, diferentemente da maioria deles,

pode encastelar-se no saber e no saber-fazer inicialmente adquiridos, nos métodos de sempre.

Também pode procurar acompanhar o ritmo da mudança, pode, inclusive, antecipar-se a ela,

no sentido de prevê-la e tirar desta o melhor proveito. Mas é comum o professor prometéico

(referência ao personagem mitológico Prometeu = “aquele que pensa antes”), que olha para

frente, chocar-se de imediato com o seu colega epimetéico (de Epimeteu = “aquele que pensa

depois”), o que só olha para trás, seja em forma de reação hostil, de falta de apoio ou de

simples indiferença, e tanto por parte de seus colegas como indivíduos quanto da escola como

instituição ou da administração educacional como autoridade. Na presente pesquisa,

reclamações de “professores prometéicos” surgiram nesse sentido, alegando sentirem-se

isolados na escola em face à resistência, por ora exercida pelo restante da comunidade escolar,

ou à indiferença desta.

Essa perda de referência com relação às funções necessárias é também uma perda do

status do professor. Enquanto sua formação atual é praticamente a mesma que há um século, o

nível geral do público elevou-se e a dissonância daí decorrente reflete-se diretamente nas

crises de identidade e de autoridade da escola.

109

Page 110: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

O biólogo Maturana (10), ao lançar sua proposta reflexiva e de ação em torno da tarefa

educativa, assegura que “a tarefa da educação é formar seres humanos para o presente, para

qualquer presente, seres nos quais qualquer ser humano possa confiar e respeitar, seres

capazes de pensar o todo e de fazer tudo o que é preciso como um ato responsável a partir de

sua consciência social” (2000, p. 10).

A tarefa da educação escolar, como um espaço de convivência, consiste em permitir e

facilitar o crescimento das crianças como seres humanos que respeitam a si e os outros com

consciência social e ecológica, de modo que possam atuar com responsabilidade e liberdade

na comunidade a que pertencem. E a responsabilidade e a liberdade, segundo Maturana (10),

só são possíveis a partir do respeito por si, que permite escolher voluntariamente e “não

movido por pressões externas” (2000, p. 13).

Na educação escolar, Maturana propõe a aplicação da “biologia do amor”, que

consiste em que o professor aceite a legitimidade de seus alunos como seres válidos no

presente, corrigindo apenas o seu fazer e não o seu ser. Pois, o respeito pelo outro ou a

conduta amorosa para com ele só ocorre se for visto e aceito. E, para que isso seja possível,

propõe que o professor tenha capacitação suficientemente ampla para tratar a temática que

ensina, e atue com o prazer que essa liberdade criativa traz consigo. Ainda, a implementação

no ensino da biologia do amor exige que se dê maior atenção à formação humana dos

professores. Por essa razão é necessário maior comprometimento do Estado na conservação

da dignidade dos professores, ofertando condições para que guardem o respeito por si mesmos

e sua autonomia criativa.

Os professores que participaram da pesquisa foram instados a refletirem acerca da

tarefa educativa e os resultados denunciam a distância entre a educação que temos e a

educação proposta como ideal pelos pensadores. Três (1, 2 e 4) dos quatro professores

entrevistados consideram que a função primordial da educação deveria ser formar para a

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vida. Contudo, admitem que a escola esteja falhando, pois não está preparando nem para o

futuro profissional (para o PEIS ou vestibular), tampouco para a vida. Concluem, ao constatar

que apesar de a escola hoje ter liberdade de oferecer currículo próximo à realidade do aluno

(professor 1), conta com o grande desafio de conciliar interesses diferentes dos alunos e

tornar-se atrativa, exigindo que o professor estimule a criatividade, empreste sentido e

utilidade ao conhecimento e saiba por que está na escola (professores 2 e 4).

Já a concepção de educação escolar para o professor 3 é restrita, consoante observa-se

da transcrição abaixo:

Professor 3: “passar conhecimento e não dar educação. Até porque se os alunos não

aceitam os limites dos pais, por que aceitariam da professora? Se os pais não dão educação,

por que o professor vai dar?”

O educador Paulo Freire (26), (1996, p. 22), ao afirmar que ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção, induz-nos

a conclusão de que se nos colocamos na posição de objeto, formados pelos docentes, somos

meros pacientes que recebem os conhecimentos e conteúdos acumulados pelo sujeito que sabe

e que são a nós transferidos. Referido autor ainda demonstra sua perseverança nos seres

humanos e na educação autêntica como o caminho necessário para a justiça e a paz.

Assegura, ainda, que é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura,

da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética torna-

se inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude.

Nesse intento, é indispensável seja preservada a infância de modo que a pessoa em

crescimento, numa relação de confiança e aceitação com o educador, conserve o respeito por

si mesmo e pelo outro (aceitação sem exigir justificação da própria legitimidade e da

legitimidade do outro), em um domínio social de cooperação, cuidado e respeito mútuo.

111

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Paulo Freire (26), (1996, p.77) elenca capacidades mínimas necessárias à prática

educativa de qualidade. Dentre elas, refere que o educador democrático deve reforçar a

capacidade crítica do educando, sua curiosidade e insubmissão; deve investir em sua

formação permanente, assumindo-se como pesquisador; deve respeitar os saberes dos

educandos; agir com ética e corporificar as palavras pelo exemplo; rejeitar qualquer forma de

discriminação; arriscar; aceitar o novo; e, sobretudo, estar convicto de que a mudança é

possível.

7.2.3.2 A Crise de Identidade

No entanto, o que se verificou com a presente pesquisa foi a dificuldade de os

professores desenvolverem as capacidades acima elencada a fim de elevarem-se a verdadeiros

educadores. Consiste em entendimento unânime entre os professores entrevistados que a

escola passa, atualmente, por uma crise de identidade, diante da dificuldade em assumir

novas responsabilidades (muitas decorrentes da omissão familiar) e acompanhar

mudanças.

Professor 1 – “A escola passa por uma crise. Ao assumir o papel da família (inclusive

afetivo), enfraqueceu o conhecimento. Não consegue acompanhar as mudanças no mesmo

ritmo. O Estado não investe na qualificação de professores e, muitas vezes, não há interesse

destes”.

Professor 2 – “A maioria dos professores sente dificuldade em acompanhar as

mudanças, pois estão sendo delegadas muitas funções que fogem da alçada da escola. A

família é ausente e a escola desenvolve trabalho restrito à educação formal, e não consegue

atender à defasagem, até porque os professores não estão preparados”.

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Page 113: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Professor 4 – “A sociedade exige muitas responsabilidades da escola, desonerando a

família. Precisa trabalhar em quatro horas os conteúdos e a educação que caberia à família.

Ainda, os professores estão despreparados para enfrentar a inclusão dos alunos com

necessidades especiais”.

A concepção do professor 3 destoa das demais quanto à função da escola, mas

converge ao apontar a crise de identidade experimentada por esta.

Professor 3 – “Vejo a escola totalmente perdida, pois, do meu ponto de vista, a escola

tem que passar conhecimento e não dar educação, dar limites. Isso quem deve fazer é a

família”.

Segundo as diferentes percepções dos atores da comunidade escolar sobre o papel da

escola, os alunos apresentam significados contraditórios. Por um lado, a escola é considerada

como um espaço para a aprendizagem, como caminho para a inserção positiva no mercado de

trabalho e na sociedade, por outro, considerada como local de exclusão social, onde são

reproduzidas situações de violência e discriminação. Apesar disso, os estudantes pesquisados

apresentam uma visão positiva sobre a escola, o estudo e o ensino.

Sobre a utilidade das coisas que a escola ensina, surpreendentemente, nenhum dos

alunos pesquisados classifica-as como inúteis, pois todos consideram esses ensinamentos úteis

e necessários para o futuro. Esboçam percepção quanto ao valor e a função da educação ao

refletirem em seus depoimentos almejarem “uma vida melhor”, pois acreditam que o estudo

“desenvolve a inteligência” e oportuniza a segurança pessoal no futuro, favorecendo a

“independência financeira”.

Contudo, a maioria dos alunos entrevistados referiu não gostar das aulas, ficando

implícita a informação que apesar de considerarem útil o ensino, não gostam das aulas. Esse

dado relevante oportuniza a reflexão sobre a forma como estão sendo explorados os conteúdos

em aula.

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Em que pese a interdisciplinaridade esteja prevista no regimento da escola, os

professores entrevistados sinalizam que se trata de exceção na forma de trabalhar os

conteúdos. Referem ser trabalhada quando há projetos e temas que propiciam a relação entre

as disciplinas. Mencionam que na EJA (Educação de Jovens e Adultos) a construção do

conhecimento de forma interdisciplinar é melhor trabalhada.

Foi referido pelo professor 2 que as dificuldades enfrentadas pelos educadores para

trabalhar a interdisciplinaridade tendem a diminuir com a capacitação destes. Mencionam que

o percentual de 20 a 30% dos professores da escola pós-graduaram-se, recentemente, em

pedagogia, propiciando que a escola, ainda de forma incipiente, avance para a educação

global.

Edgar Morin (23), (2003, p. 33), ao relacionar as conseqüências da fragmentação do

conhecimento na formação humana, constata que “temos um pensamento que separa muito

bem, mas que reúne muito mal”. Significa que a desunião, a dispersão e a desagregação atuam

com mais presença do que qualquer relação que estabelece vínculos, dificultando a prática da

ética da solidariedade.

O mesmo autor, no texto “Notas a uma Emílio Contemporâneo”, ao refletir sobre

educação e cidadania, manifesta suas preocupações com relação a hiperespecialização na

educação. Atribui a este fenômeno a fragmentação do conhecimento, que nos levou a

apreender os problemas isoladamente, sem perceber as relações existentes com um contexto

maior, excluindo-nos da relação global-local. Aponta a necessidade de uma reforma do

pensamento que propicie nova atitude: a alteridade epistemológica, que implica em abertura e

diálogo com vários campos do conhecimento.

Segundo Morin (2003, p. 38):

Os setores especializados do saber são compartimentados e fecham-se todos em um domínio, muitas vezes delimitados de maneira artificial, ao passo que deveriam estar unidos em um tronco comum e se comunicar entre si. Mais profundamente, nosso

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sistema educacional ensinou-nos a isolar os objetos, separar os problemas, analisar, mas não a juntar. Nós devemos pensar o ensino com base na consideração dos efeitos cada vez mais graves da hiperespecialização dos saberes e da incapacidade para articula-los uns com os outros. A hiperespecialização impede que se veja o global (que ela fragmenta em parcelas), assim como o essencial (que ela dissolve). Ora, os problemas essenciais nunca são parciais e os problemas globais são cada vez mais essenciais. Além disso, nenhum problema particular pode ser formulado e pensado corretamente fora de seu contexto, e seu próprio contexto deve ser inserido mais e mais no contexto planetário global. Vimos, particularmente no decorrer dos dez últimos anos, que todos os grandes problemas tornaram-se planetários: para pensar localmente é preciso também pensar globalmente.

Pelo pensamento sistêmico ou complexidade proposto por Morin, o todo é mais do que

a soma das partes.

Morin propõe a inscrição desses princípios básicos já na escola primária, pois entende

que a verdadeira reforma do entendimento – a do pensamento – deve começar no nível

elementar de ensino. As crianças põem em prática, espontaneamente, suas aptidões sintéticas

e analíticas, sentem espontaneamente as ligações e as solidariedades. Nós, adultos, é que

produzimos modos de separação e ensinamos a construir entidades separadas.

Mister que as crianças sejam educadas a fim de que mantenham a percepção de que os

objetos devem ser conhecidos, não isoladamente, mas integrados em seu ambiente. Assim, um

ser vivo pode ser conhecido somente em relação com o seu meio, de onde extrai energia e

organização. Ao esquecermos os vínculos causamos danos inestimáveis a apreensão do

conhecimento, tornando o ensino enfadonho e a escola cada vez menos atrativa.

A proposta de Morin (23) consiste em levar a buscar o ponto de partida do ensino,

elaborando para o ensino fundamental um programa interrogativo. Interrogar o homem,

descobrir sua tripla natureza, biológica, psicológica (individual) e social. Interrogar a

biologia, descobrir que todos os seres vivos são da mesma matéria que os outros corpos

psicoquímicos e que diferem deles apenas por sua organização. Então, a física, a química e a

biologia podem ser matérias distintas, mas não isoladas.

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O programa sugerido, segundo Morin (23), é fácil de formular, mas encontra a

seguinte dificuldade: “Quem educará os educadores?” Esse paradoxo está ligado a um outro:

para reformar os espíritos é preciso reformar as instituições, mas para reformar as instituições

é preciso reformar os espíritos. Referido autor atribui ao pensamento sistêmico a

responsabilidade de criar a mudança do estado de espírito

A via que se abre para a solução desses paradoxos é, portanto, que os espíritos

reformadores possam beneficiar instituições piloto e ensinar s futuros mestres, buscando-se o

resgate da laicidade, de forma que os professores reencontrem o sentido de sua missão.

O aperfeiçoamento de professores, por suas instituições, passaria pela iniciação em

novos tipos de ciências, como a ecologia, cosmologia e ciências da terra. E um dos saberes

indispensáveis à prática educativa crítica e integradora é a forma de lidar com a relação

autoridade-liberdade, sempre tensa, e que reflete na disciplina ou indisciplina.

7.2.3.3 A Tensão Entre Autoridade e Liberdade

Como os maiores problemas da escola são apontados pelos professores entrevistados

nessa ordem de importância: alunos desinteressados e indisciplinados; pais desinteressados e

carências materiais e humanas (falta de espaço, professores insuficientes e falta de livros e

equipamentos). Em semelhante sentido os problemas detectados pelos alunos são alunos

desinteressados e indisciplinados e professores ruins (incompetentes).

Assim, foi detectado que a indisciplina dos alunos é um problema para a escola.

Os membros do corpo pedagógico afirmaram que o maior problema da escola é a

indisciplina, falta de respeito, falta de responsabilidade, falta de educação, “pois os alunos

vêm de casa totalmente deseducados”. Apontam, dessa forma, para a família como a

responsável pela indisciplina, por não estabelecer limites.

116

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Por outro lado, os responsáveis entrevistados julgam que a indisciplina resulta do fato

de ser a “escola enfadonha, em que os professores não estão interessados em dar aula, querem

mais é se livrar das aulas”.

Já, os pais desinteressados surgem como a segunda indicação dos mais graves

problemas da escola, pelos membros do corpo pedagógico.

A família, ainda que timidamente, reconhece seu desinteresse pelos estudos e pela

relação com a instituição escolar, normalmente, alegando falta de tempo (4 dos cinco

entrevistados) ou desânimo, pois “ não adianta” (a mãe de “c”).

O professor 3 também elege como causa o comportamento familiar: ”os pais dão

muita razão para os filhos, desautorizando o professor e reforçando sua crise de autoridade”.

Atribui o enfraquecimento da autoridade também a pouca cobrança nas avaliações e notas

pela escola: “são dadas muitas chances e, se o aluno fracassa, a culpa é do professor. E isso

faz decair sua autoridade”.

A questão referente à omissão familiar será desenvolvida no próximo item (número 5),

passando-se, de imediato à análise de um dos mais graves e freqüentes problemas da escola: a

crise de autoridade do professor.

Variam as causas apontadas pelos professores como fundantes dessa crise, mas todos

os entrevistados admitem a ocorrência do fenômeno do enfraquecimento do educador, na

escola atual.

Dois professores (1 e 2) relacionam o abalo da autoridade à (in)competência do

educador.

Professor 2 – “O professor que respeita o aluno e tem conhecimento, não tem

problemas para se impor. Se tem preparo, motiva os alunos para uma educação para a vida,

com significado, e dificilmente será desrespeitado”.

Professor 1 – “A escola já esteve mais perdida. Há confusão entre autoridade e

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autoritarismo. O bom professor, que conhece o seu papel, não tem problema com a

indisciplina. A questão da autoridade está ligada a da competência. É necessário estabelecer

regras e normas”.

Já o professor 4 atribui a crise de autoridade à desvalorização do professor (em face

dos baixos salários e a própria postura destes em não se valorizar como profissional) e à

omissão familiar, sendo que a família, além de não exigir responsabilidade do aluno, em

algumas ocasiões, desautoriza o professor.

É importante termos em mente que a liberdade não significa ausência de

condicionamentos, mas a conquista gradativa e constante de autonomia e responsabilidade.

Nesses termos, nem mesmo Rousseau pensava de modo diverso.

Nessa concepção educar não é fabricar adultos segundo um modelo, mas sim estimular

a liberdade em cada educando do que o impede de ser ele mesmo, permitindo com que se

realize. Mas nenhum processo educacional é possível sem disciplina. Consoante Savater (12),

neste ponto há coincidência entre a experiência dos primitivos ou antigos, modernos ou

contemporâneos.

Segundo o mencionado autor, a própria etimologia latina da palavra (discis = ensinar e

pueripuella = crianças) vincula a disciplina ao ensino: trata-se da exigência que obriga o

neófito a manter-se atento ao saber que lhe é proposto e a cumprir os exercícios que o

aprendizado requer. A autoridade (que não se confunde com autoritarismo) sobre as crianças

deve ser exercida pela família e pela escola, de modo contínuo. A autoridade dos adultos se

propõe às crianças como colaboração necessária a estas.

Citada por Savater (12), Hannah Arendt (A Crise da Educação, em Between Past and

Future, Viking Press, Nova York, 1968, p. 128), em seu ensaio polêmico sobre a crise

contemporânea da educação, disse:

118

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As crianças não podem rechaçar a autoridade dos educadores como se fossem oprimidos pela maioria composta de adultos, embora os métodos modernos de educação tenham tentado, de fato, pôr em prática o absurdo de tratar as crianças como uma minoria oprimida que têm a necessidade de se libertar. A autoridade foi abolida pelos adultos, e isso só pode significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo em que puseram seus filhos.

Assim, seriam os adultos que induzem as crianças a revelarem-se, com a intenção de

desvenciliarem-se da tarefa de oferecer-lhes o apoio sólido, afetivo, mas firme, paciente e

constante, que as auxiliará a crescer adequadamente no sentido da liberdade.

Implica no problema da demissão familiar, sobretudo paterna, no encaminhamento

gradual do crescimento da criança.

A fim de não exigirmos da escola além do que ela pode nos oferecer, é importante a

constatação de que nem tudo pode ser resolvido na escola ou compensado com o bom

desempenho dos professores. A escola não pode atuar à margem do entorno social e familiar

da criança e muito menos contra ele, como um corretivo externo que duplique seu empenho,

quando os outros desistam de exercê-lo.

Um aspecto que não pode permanecer à margem da discussão é a atual tendência dos

educadores brasileiros de responsabilizarem a legislação protetiva à infância e à juventude,

em nosso país, especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente, pela sua falta de

autoridade perante os alunos. Equivocadamente, talvez mais por ignorância do que por má-fé,

desvirtuam a interpretação legal, lançando o mito de que o Estatuto (resultado de conquistas

inéditas em relação a defesa dos direitos infanto-juvenis no Brasil) significa a “porta aberta a

impunidade” e contempla “regra de rompimento das relações de autoridade na família e na

escola”.

Consoante apurado nas entrevistas realizadas com os professores pesquisados, a

maioria dos educadores guarda a concepção de que o Estatuto da Criança e do Adolescente

limita e restringe sua atuação, representando um entrave às relações de autoridade.

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Considera o professor 3 que o ECA limita e restringe a atuação do professor, não

colaborando com nada.

Para o professor 4, a maioria dos professores, por desconhecimentos, vê o ECA como

fator limitador, pois os alunos conhecem bem seus deveres. Mas devem ser esclarecidos e

lembrados de seus deveres.

O interessante no cruzamento dos dados da pesquisa é que, curiosamente e

contrariando a afirmação do professor 4, a maioria dos alunos entrevistados (quatro) afirmou

não conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente (A, C, D e E) e, também quatro (A, B, D

e E) alegaram não saber para que serve o Ministério Público.

No mesmo sentido, a afirmação do professor 2: “O ECA ainda não foi bem

compreendido pelos professores, que consideram que não serve para nada, que atrapalha, pois

dá muita chance ao adolescente. De fato, representou um limite para algumas ações mais

punitivas que, às vezes, os professores querem aplicar”.

O professor 1 mencionou considerar o ECA um grande aliado. É oportuno esclarecer

que esta professora é membro atuante do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do

Adolescente, há vários anos.

Observou-se a necessidade de ser intensificado, junto à comunidade escolar, o trabalho

de esclarecimento e desmitificação do Estatuto da Criança e do Adolescente e das funções das

instituições responsáveis pela fiscalização de sua aplicação.

A infância e a adolescência estão cada vez mais freqüentemente imersas na prática da

violência: sofrendo-a e/ou exercendo-a. Nesse panorama, a função humanizadora da educação

está premente.

A solução passa por uma postura equilibrada e sensata do educador, que não utilize

métodos de disciplina militar ou carcerária, mas que proponha limites claros. E a sensatez do

educador verifica-se, sobretudo, na habilidade de conciliar magistério e autoridade. Essa

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conciliação inclui a difícil prática de educar, fazendo-se respeitar, mas que introduza como

lição necessária, o cultivo da espontaneidade e da dissidência arrozoada como via de

amadurecimento intelectual.

O educador deve ser capaz de seduzir sem hipnotizar. É hora de recordar que a

pedagogia, além de ciência, é arte, que admite conselhos e técnicas, mas que seu domínio se

faz pelo próprio exercício diário, que tanto deve, nos casos mais felizes, à intuição.

Assim, resultando da harmonia ou do equilíbrio entre autoridade e liberdade, a

disciplina implica necessariamente o respeito mútuo, expresso na assunção da observância de

limites que não podem ser transgredidos.

Ensina Freire (26) que somente nas práticas em que autoridade e liberdade afirmam-se

e preservam-se no respeito mútuo é que se pode falar de práticas disciplinadas ou favoráveis à

vocação do ser mais.

A autonomia, enquanto amadurecimento do ser, não ocorre em data marcada. E, nesse

sentido, uma pedagogia da autonomia, proposta pelo educador Paulo Freire, deve centrar-se

em experiências estimuladoras, ao longo da vida, da decisão e da responsabilidade, que

respeitem a liberdade.

Por fim, registre-se que as crises de identidade e de autoridade vivenciadas pela escola

são traduzidas pelos modelos pedagógicos inadequados e ineficazes utilizados para responder

aos problemas, dentre eles a violência escolar. Assim, a escola desenvolve sentimento de

incapacidade e impotência e acaba, por insegurança, isolando-se dos demais atores sociais que

poderiam contribuir positivamente.

Ao transformar-se em espaço não mais imune a influências externas, a escola,

correlatamente, deixou de ter exclusividade no trato das questões relativas ao processo

educativo, já que novos agentes sociais passaram a integrar o seu quotidiano, conforme

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Page 122: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

exploraremos no item 5 da discussão dos resultados. Contudo, ainda apresenta resistência em

reconhecer sua incompletude e abrir-se à mudança do modelo pedagógico.

7.2.4 Alunos, família e escola: encontros e desencontros

Nesse item, buscou-se observar a qualidade dos relacionamentos envolvendo os

sujeitos da comunidade escolar.

7.2.4.1 Relacionamento Escola/Alunos

A maioria dos alunos pesquisados, quando questionados sobre o que não lhes agrada

na escola, afirmou não gostar das aulas. Acerca da qualidade dos relacionamentos com os

colegas, com exceção do aluno “D”, todos os demais a classificaram como ruim.

Este último resultado chama a atenção na medida em que os alunos referem que não

gostam de relacionar-se com seus colegas, questionando a suposta percepção da escola como

um espaço de convívio social prazeroso entre os jovens pares. Ao mesmo tempo em que estes

jovens exibem certa desvinculação, isolamento e até mesmo estranhamento em relação aos

seus colegas de escola, eles constituem formas alternativas de agregação, como galeras,

grupos ou gangues, as quais não têm como critério de pertencimento a organização

institucional da classe de alunos ou da escola como tal.

Dado alarmante revelado pela pesquisa consiste na dificuldade externada pelos alunos

em conviver com seus colegas, professores e familiares. Isso induz ao questionamento acerca

da qualidade da educação que estamos proporcionando às nossas crianças e jovens, os quais,

ao não conseguirem conviver com as diferenças, demonstram atitudes marcadas pela

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intolerância e pelo preconceito.

Consoante Pedro Demo (9) a sociologia pode afirmar que a sociedade humana mais

tolerável seria aquela em que a pluralidade dos conviventes pudesse conviver em relativa

harmonia e conflito, de maneira que o bem comum pudesse sempre prevalecer, ao final. Esse

seria o ideal de democracia.

Para o referido autor, a ética comparece como referência crucial no cenário da

convivência humana, pois a vida de um ser humano tem impacto inevitável na vida do outro,

de forma que nunca podemos alegar que o outro não nos diz respeito.

Considerando que, em termos de personalidade, os indivíduos são diferentes, a

convivência humana coloca uma questão ética, porque não se trata de convivência de iguais,

mas de diferentes. Assim, dizemos que a sociedade humana não é propriamente igual, mas

pode ser igualitária, no sentido de que as diferenças poderiam ser geridas e negociadas

segundo oportunidades em princípio iguais.

Um dos esteios da ética é a responsabilidade. Ao falarmos em autonomia,

costumamos perder de vista que o excesso de autonomia de um compromete a do outro, daí a

impossibilidade de autonomias absolutas. Ainda, mister termos em mente que o exercício da

liberdade penetra o exercício da liberdade do outro e, vice-versa, de maneira que será sempre

necessário negociar um tipo aceitável de convivência para ambas as partes.

Autonomia supõe, assim, as habilidades de impor-se, bem como de ceder. Como meu

comportamento impacta o comportamento do outro, sou responsável por isso. Não posso

alegar que nada tenho a ver.

Do que foi analisado até o momento, podemos concluir que ética não pode ser

imposta. Consoante prelecionava Sócrates, educar, aprender e conhecer são dinâmicas de

dentro para fora, que devem fazer parte da convicção própria. Pois formação ética exige

introspecção, trabalho de elaboração interna e, sobretudo, ir além do discurso retórico,

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Page 124: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

demonstrando-se pela prática convincente.

Diferentemente do moralista, que imagina vender ética, a característica inspiradora dos

comportamentos éticos é a não imposição, mas a conquista pela via da autoridade do

argumento. Convencer sem vencer, pois não há sentido em aderir à convivência sob

alienação, artimanha ou imposição. Por outro lado, deve integrar o comportamento ético de

pessoas que convivem saber ceder, pois quem não cede não respeita os demais.

E um exemplo disso foi o ataque dos fundamentalistas árabes aos Estados Unidos, em

11 de setembro de 2001, apresentando como resposta ofensiva ainda mais fundamentalista a

ação do Presidente do país atacado, George Bush.

Ainda, quando tudo é apenas resultado da socialização, temos marionetes, ou seres que

agem não por convicção. Como afirma Paulo Freire (26), educar é influenciar o aluno de tal

maneira que este não se deixe influenciar. Ética é conceber este tipo de influência que, ao

invés de subordinar o outro, liberta-o Por essa razão, trata-se de ética de cultivo, porque é

virtude que não se encontra em qualquer lugar, ainda que integre o equipamento

evolucionário e histórico.

Seres humanos precisam de orientação. E consiste em dever legal da família e da

escola a educação que trabalhe com as crianças a noção de fraternidade universal, capaz de

congregar a diversidade social e histórica infinita. O gesto de percebermos o outro como

concorrente deve ser substituído, sob a orientação de éticas multiculturais, pelas noções de

bem comum e de sociedades igualitárias, formadas por homens que sabem sentir e pensar, na

busca da convivência possível.

Ainda, se os jovens, além de não considerarem a escola um espaço privilegiado para a

convivência humana, manifestam não gostarem das aulas, evidenciando a dificuldade dos

professores em despertar o interesse dos alunos, de que maneira podemos exigir que

considerem o ambiente escolar atrativo.

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7.2.4.2 Relacionamentos Difíceis Entre Alunos e Professores

Alunos e professores foram questionados, na presente pesquisa, acerca do tratamento

dispensado pela maioria destes últimos aos primeiros e as respostas foram divergentes.

Os alunos “B”, “C” e “E” afirmaram que a maioria dos professores não está

interessada nos alunos, briga e utiliza linguagem pesada com estes. Mencionando, ainda, que

alguns trazem problemas pessoais para a sala de aula e abusam do poder de autoridade.

Contudo, todos os quatro educadores entrevistados consideram que a maioria dos

professores adota a postura de orientação e diálogo e compreensão em relação aos alunos. Os

professores 1 e 4 admitiram, entretanto, que alguns educadores não estão interessados nos

alunos ou brigam, usando linguagem pesada.

Os alunos, por sua vez, afirmam reagir ao tratamento dos professores ficando

“bravos”, respondendo com agressão verbal, “batendo boca” e “não fazendo nada” em aula.

Na relação com os professores, os alunos entrevistados externaram os seguintes

sentimentos experimentados: humilhação, intimidação, desrespeito, violação da auto-estima e

receio de ser acusado injustamente de algo.

Os alunos criticam casos em que os professores praticam ações que se enquadram na

classificação de violência simbólica, em que o abuso de poder se vale de símbolos de

autoridade. Foi evidenciado que o excesso no exercício do poder pelo professor consolida

situação de constrangimento entre os atores envolvidos.

Os dados demonstram relações difíceis, em que professor e aluno não se entendem, e,

em algumas situações, que o primeiro leva problemas pessoais para a sala de aula e, em

outras, têm dificuldade de dialogar com os alunos, humilhando-os e ignorando seus

problemas. Ainda, há casos em que tratam mal os alunos, recorrem a agressões verbais e os

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Page 126: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

expõe ao ridículo quando estes não entendem algo ou quando não conseguem responder a

alguma pergunta.

Os jovens demonstram revolta e se consideram injustiçados quando, em nome de sua

autoridade, o educador os acusa sem provas.

Contudo, a situação do professor em sala de aula também não é confortável, pois, não

raras vezes, sentem-se desrespeitados e humilhados pelos alunos, sendo comuns os

xingamentos e insultos.

Existem poucas profissões nas quais a atividade realizada pelo profissional e o serviço

recebido pelo cliente mostrem-se tão coexistensivas, como na educação. Primeiro, porque o

tempo de aprendizagem do aluno é, sobretudo, o que passa com o professor, e o tempo de

trabalho deste, o que passa com os alunos, tanto mais quanto mais precoce for o ciclo de

aprendizagem considerado. Uma pessoa não passa esse tempo nem com o médico, nem com o

Juiz, nem com o Promotor, tampouco com a polícia, nem mesmo nesses tempos em que as

turbulências da vida conduzem a uma relação mais intensa e prolongada com eles.

Segundo, porque na relação educador-educando estão envolvidas todas as facetas do

educador. Por isso, é importante não apenas o que os professores aprenderam, mas que tipo de

pessoas são, qual seu modo de vida fora das salas de aula, de que meio cultural procedem, que

concepções do mundo acalentam. Terceiro, os professores constituem não a totalidade, mas o

essencial dos recursos da atividade escolar.

Quarto, e último, a relação professor/aluno baseia-se em permanente face a face entre

ambos, o que multiplica a importância de toda espécie de detalhes e incidentes e dos estados

de ânimo dos participantes. Há poucos lugares como a sala de aula em que se pode viver com

tanta proximidade com os outros e, para isso, surgem com força particular na convivência e

no conjunto de atividades próprias da instituição todas as peças que compõem a pessoa. Isso

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se aplica a todos os presentes na sala de aula, incluindo o professor, mas, nesse caso, com

efeitos ampliados, já que se trata do participante com maior significação, influência e poder.

Por essas razões, considerando a exposição a que se encontra sujeito o professor,

inclusive na condição de exemplo ou modelo de conduta, espera-se que repensem seus

conceitos e modifiquem suas atitudes, visando a qualificação de seu relacionamento com os

alunos. Com isso, almeja-se que as relações difíceis relatadas pelos alunos entrevistados

(marcadas por ausência de diálogo, humilhações e ofensas) sejam cada vez menos freqüentes.

7.2.4.3 Relação Escola/Família

Segundo Enguita (25), o período de expansão da escolarização foi e ainda é

semelhante a conquista da América. Afirma que o encontro entre os dois mundos, que mais

pareceu um “encontrão”, também se aplica à escolarização: famílias carentes de educação em

vez de índios alheios à civilização, aldeias e bairros de absorção em vez de assentamentos,

professores em vez de missionários, escolas em vez de igrejas ou missões, a letra em vez da

cruz. As famílias, por um lado, não podiam resistir a essa invasão, e, por outro, não viam

porque fazê-lo, dado que também abria para seus filhos um mundo de oportunidades inéditas

e promissoras (2004, p. 46).

A generalização da escolaridade pôs a instituição em contato com uma infinidade de

famílias diferentes, percebidas por ambas as partes em um escalão abaixo daquela na escala

da cultura, da civilização, da modernidade e do progresso. Ao mesmo tempo, porém, a escola

pressupunha a família, contava com ela como base de apoio, embora os professores, em seu

âmbito de atuação, substituíssem com plenos direitos os pais.

Tudo isso mudou radicalmente. Do ponto de vista da escola, a família já não tem as

mesmas possibilidades e funcionalidades de antes. Isso supõe um deslocamento da família

para a escola, das funções de custódia e da socialização, em sua forma mais elementar. Por

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Page 128: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

outro lado, a família já não aceita com facilidade a posição de subordinação obsequiosa

perante os professores, gerando o seguinte problema: o de quem controla quem.

Ao analisar-se a relação entre as famílias dos alunos e a escola, observou-se que

consideram compartilhar com a escola a tarefa de educar, sendo que as expectativas daquelas

em torno da educação escolar restringem-se ao ensino formal (“aprender a estudar”), a fim de

que o jovem “tenha profissão e futuro”, “seja alguém na vida”, no sentido de ter trabalho e

poder aquisitivo que lhe proporcione aquisições materiais.

A escola, contudo, reclama que a família transfere-lhe muito mais do que o ensino

formal.

Familiares e professores entrevistados foram unânimes ao afirmar que a família

somente comparece na escola quando chamada. E quatro (“A”, “B”, “D” e “E”), dos cinco

responsáveis entrevistados, referiram preocupar-se com a violência escolar e afirmaram

conhecer a ficha disciplinar individual do aluno (foram chamados na escola para conhecê-la).

A omissão familiar é externada pelos educadores, que atribuem a causas diferentes,

conforme se observa das seguintes manifestações:

Professor 4 – A família interfere pouquíssimo. “Está deixando muito a desejar”. Há

pais que não comparecem na escola durante todo o ano, deixando tudo nas mãos desta.

Professor 3 – A família não se interessa pelos estudos dos filhos, não cobra. “Está

completamente perdida com a lei, que limita bastante”.

Professor 2 – A família é distante. Apontou problemas locais, como a baixa renda e as

reduzidas condições intelectuais dos pais dos alunos. Por via transversa, mesmo pais com

melhores condições financeiras, relegam para segundo plano o estudo dos filhos. Referiu

haver maior participação dos pais dos alunos até a 4ª série.

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Seguindo essa mesma lógica, todos os professores pesquisados afirmaram que a

participação da comunidade escolar na elaboração da proposta pedagógica da escola é

mínima.

Consoante Abromavay e Rua (30) (2000, p. 171):

Este jogo de culpabilização entre pais e professores já foi constatado em outras pesquisas (Waiselfsz, 1998), nas quais o discurso gira em torno da privação cultural dos alunos, responsabilizando a família pela falta de atenção e convívio com os jovens, o que comprometeria o diálogo escola-família. As dificuldades dos alunos, portanto, são geralmente localizadas pelos membros do corpo técnico – pedagógico em um ambiente externo à escola, principalmente em seu ambiente familiar e cultural: olha, eu acho que a base de tudo é a família sabe (...) A família que orienta os filhos (...) aí na escola, é muito difícil [ encontrar] uma família onde a criança tem limites.

A família, ainda que timidamente, reconhece seu desinteresse pelos estudos e pela

relação com a instituição escolar, normalmente alegando falta de tempo (4 dos cinco

entrevistados) ou desânimo, pois “ não adianta” (a mãe de “C”).

Referiu o professor 4 – “É difícil trazer os pais para a escola. Teoricamente, os planos

de ensino deveriam ser voltados para a realidade local, mas é difícil”.

Para o professor 2, a participação reduzida da família (talvez 10%) muitas vezes

atribui-se à indisponibilidade de tempo. Referiu que os pais mais cultos, teoricamente com

mais saber, são os que menos vêm à escola. Não acompanham seus filhos.

Ainda que sejam freqüentes entre os professores as críticas à “transferência” de

responsabilidades por parte da família (querem ficar livres das crianças o maior tempo

possível; vêem na escola uma creche ou albergue; etc), não há nada de surpreendente nesse

processo. Conforme Enguita (25), trata-se de uma socialização da custódia análoga a de

qualquer outra atividade para a cobertura de nossas necessidades. As residências são cada vez

menos auto-suficientes e seria impensável as mulheres e homens saírem para a esfera pública

sem essa maneira coletiva de assumir a custódia dos filhos. Hoje, a escola complementa a

família, como fazia antes a pequena comunidade a sua volta.

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Page 130: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

É incompreensível que se lamente por esse deslocamento de funções de custódia das

crianças para a escola. Se os pais tivessem mais tempo para estar com seus filhos a todo

momento, talvez se fizessem presentes na escola com maior freqüência. Em algumas

situações, observa-se a intenção da escola em não assumir nem suas funções básicas e

demonstrar incompreensão quanto aos compromissos (normalmente profissionais) assumidos

pelos responsáveis pelos alunos, que os impede de comparecer a reuniões escolares.

A crise da família e da comunidade como instituições de custódia é também, em parte,

sua crise como instituições socializadoras. As instituições que antes compartilhavam a

socialização das crianças, hoje desaparecem, retraem-se, ou simplesmente perdem a eficácia,

fazendo com que aumentem, por exclusão, a necessidade e a carga relativa à escola. Esta

constitui-se na primeira instituição pública (não doméstica) de acesso da criança de modo

sistemático e prolongado, representando lugar de aprendizagem de formas de convivência que

não cabe aprender na família.

A escola, por sua vez, também mudou. Se antes ocupava apenas um lugar discreto na

vida das pessoas, passou a absorver praticamente toda a infância, adolescência e parte da

juventude. É desnecessário dizer que esse tempo a mais na escola é tempo a menos na família

e na comunidade, o que, por si só, justifica um papel maior da escola na moralização das

crianças. Progressivamente, a escola varreu todas as instituições extra-familiares entes

encarregadas da socialização e foi acuando a própria família.

A principal função da escola nunca foi ensinar, mas sim educar. Como o de qualquer

forma de educação, sempre foi mais o de modelar a conduta, as atitudes, as disposições, do

que o conhecimento teórico ou as atividades práticas. E os professores de nível fundamental e

médio sempre reivindicaram seu papel de educadores em oposição ao de simples

professores, mas, hoje, verificamos o oposto. Essa é a antiga fórmula da educação integral,

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completa, multilateral, etc, de que o indivíduo é um todo, e a escola não pode pretender

ocupar-se apenas de uma parte.

O professor, que antes encontrava pais e mães com nível acadêmico e profissional

muito inferior ao seu, dispostos a aceitar sua autoridade como legítima e indiscutível, agora

encontrou outro tipo de interlocutores, muitos com níveis acadêmicos iguais ou superiores aos

seus, não dispostos a conceder ao educador um cheque em branco na educação de seus filhos.

Sua palavra já não é uma revelação, suas decisões podem ser discutidas, sua capacidade e

desempenho profissional chegam a ser questionados. Assim, seu status, ou prestígio,

deteriorou-se, e não porque sua formação tenha piorado, mas sim porque não melhorou.

Observa-se, ainda, um desencanto dos pais e alunos em relação aos mecanismos de

participação na escola. A hostilidade com a participação da comunidade se faz notar na

atitude dos pais, em suas associações e nos conselhos escolares. Os responsáveis referem que,

na realidade, os professores preferem que compareçam na escola quando convocados, e um a

um. Curiosamente, a constante cantinela em torno da falta de apoio e de colaboração da

família, por outro lado, em alguns casos, plenamente justificada, coexiste com reações

defensivas em relação a sua aproximação individual e hostis a sua mobilização coletiva. As

associações de pais são vistas, mais comumente, com receio; e os conselhos escolares como

um obstáculo imposto pela administração. Acrescenta-se que, quando se impõe essa atitude de

reserva em relação ao público direto, não cabe pensar em abertura mais ampla para a

comunidade, pelo menos que não vá além de declarações puramente retóricas.

Diante dessas circunstâncias, não se crê fazer sentido questionar se os pais abdicaram

de controlar seus filhos ou se foram os professores que fizeram isso, se as famílias exigem

mais da escola ou se é esta que oferece pouco, e assim sucessivamente . O que importa é

compreender que a família e a escola ficaram sozinhas nessa tarefa, que nenhuma outra

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Page 132: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

instituição virá a socorrê-las, a não ser em funções secundárias e que, portanto, cabe a ambas,

em meio a um diálogo possível, nova divisão de tarefas adequada, eficiente e eficaz.

7.2.5 Relacionamento da Escola com Profissionais de Áreas Diversas à Educação

Os educadores participantes da pesquisa, ao relatarem acerca do contato exercido com

profissionais da área da saúde, psicólogos e assistentes sociais, evidenciaram a face do

isolamento e da completa ausência de suporte com que atuam.

Todos os entrevistados apontaram para a inexistência de equipe multidisciplinar

atuando na escola ou com disponibilidade para atendê-la.

Professor 1 – “Praticamente inexiste. Não há equipe multidisciplinar. Com a inclusão

dos alunos com necessidades especiais nas turmas regulares, ficou mais evidente a

necessidade de equipe multidisciplinar”.

Professor 2 – “O Estado não fornece nada. A escola encaminha os casos sérios para a

psicóloga do Município. Esporadicamente, profissionais da saúde fazem palestras na escola”.

Professor 3 – “Inexiste relação contínua. Só algumas palestras”.

Professor 4 – “Praticamente inexiste, só há uma orientadora educacional, com 20 horas

semanais. Não há psicólogos e assistentes sociais”.

Assim, a escola não conta com equipe de apoio, que desenvolva trabalho contínuo,

nem junto aos alunos ou familiares, tampouco em relação aos educadores. Mas, questiona-se

até que ponto a escola está interessada em abrir-se para o entorno, expondo suas falhas?

Quanto às relações da escola com o Conselho Tutelar, Polícias (Civil e Brigada

Militar), Ministério Público e Judiciário, foi constatado também não serem adequadas e

qualificadas, Especificamente no que se refere às relações com o Ministério Público serão

abordadas na categoria 7.2.7.

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Page 133: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Mencionaram os educadores que o CT só é chamado na escola em casos extremos, os

considerados graves pela Direção. Durante o ano de 2005 (até o mês de outubro), afirmou o

educador 1, que a presença do CT foi solicitada em apenas uma oportunidade. O professor 4

complementou trazendo a informação de que os educadores não gostam do CT, pois este,

além de forçar o retornos dos alunos evadidos, inclusive no final do ano letivo, abriga-os a

permanecer na escola contrariados.

A relação da escola com a Polícia Civil limita-se aos registros de ocorrências, quando

da prática de ato infracional ou crime no ambiente escolar. Até o mês de outubro do ano de

2005, foram efetuadas duas ocorrências por furto ao patrimônio da escola. O contato com a

Brigada Militar deu-se em razão desta ter desenvolvido o PROERD com algumas turmas da

escola e por atuar um policial militar da reserva, durante oito horas diárias, na segurança

externa da escola.

Com o Poder Judiciário foi mencionado pelos educadores que a relação limita-se aos

ofícios encaminhados à escola para instruir procedimentos judicializados referentes às

FICAIS (Fichas de Comunicação de Alunos Infreqüentes), sobre a freqüência e

aproveitamento escolar dos alunos.

No que se refere ao relacionamento da escola com o Ministério Público, foi ressaltado

pelos educadores o início de trabalho significativo, mas que deveria ser intensificado com

palestras e encontros no ambiente escolar. Referiram, ainda, a necessidade de desmitificar a

atuação do Promotor de Justiça, substituindo os sentimentos de temor e receio, presentes na

comunidade escolar.

Os professores, instados a sugerir práticas visando a qualificação dos relacionamentos

da escola, referiram:

Professor 1 - Suporte de equipe multidisciplinar; aproximação maior da família,

intensificar parcerias com o MP, por exemplo.

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Page 134: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Professor 2 - Integração de ações envolvendo família, escola, CT, MP e de

profissionais de áreas diversas à educação.

Professor 3 – Trabalho conjunto do CT e MP junto à escola para esclarecer dúvidas

dos pais, professores e alunos, por meio de palestras.

Professor 4 – Maior presença do CT na escola, para fazer palestras, principalmente

sobre o ECA.

Quanto aos alunos, a maioria dos entrevistados mencionou desconhecer a finalidade da

atuação do Ministério Público.

Constatou-se, ao analisar-se os dados obtidos na pesquisa, o relacionamento tenso e

confuso entre escola e Sistema de Justiça, sendo que o ECA, que neste ano (2006) completará

dezesseis anos, permanece na posição de ilustre desconhecido da comunidade escolar.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, os serviços destinados à infância e à

juventude foram organizados da seguinte maneira: as questões de ordem social, em regra,

passaram a ser responsabilidade do poder público municipal, em decorrência da

municipalização do atendimento (ECA, artigo 88, inciso I), executável por intermédio das

políticas sociais básicas. Já ao Sistema de Justiça foi delegada a responsabilidade pela

proteção especial e garantia de direitos, executadas pelo Conselho Tutelar, Ministério Público

e Juizado da Infância e da Juventude.

Considerando esse contexto, observa-se que junto a professores, dirigentes escolares,

pedagogos e demais profissionais, tradicionalmente atuantes no âmbito escolar, atualmente

estão inseridos outros agentes sociais, como Conselho Tutelar, Ministério Público e Juizado

da Infância e Juventude, que, sem reduzir a importância daqueles, passaram a envolver-se

com as questões educacionais.

Consoante evidenciado pelo Promotor de Justiça Neidemar José Fachinetto38:

38 FACHINETO, Neidemar José. Ensaio de uma proposta pedagógica preventiva à violência escolar. < http://www.mp.rs.gov.br>.

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Page 135: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Este novo conjunto de reações da sociedade e órgãos públicos, como já dito, passou a interagir com a escola, a ponto de, neste aspecto, também se verificar facetas da denominada crise de identidade da escola, notadamente pela constatação de que, especialmente nos últimos tempos, de forma progressiva e acentuada, ela vem perdendo a prerrogativa de, exclusivamente, tratar das questões relacionadas ao processo educativo e pedagógico.

O Conselho Tutelar passou a exercer, em virtude do artigo 136 do ECA, atividade

ligada a defesa do direito ao acesso, freqüência e aproveitamento escolar, ou intervindo em

casos concretos, seja por ação ou omissão do responsável pela criança ou adolescente; seja

por abuso ou negligência da instituição de ensino ao deixar de oferecer ou oferecer de forma

insatisfatória ou irregular o serviço de educação.

Nos casos citados, o Conselho Tutelar pode aplicar medidas protetivas aos pais ou

responsáveis (artigo 101, inciso III, c/c 129, inciso V do Estatuto da Criança e do

Adolescente) ou desencadeando procedimento administrativo por infração às normas legais de

proteção ( artigo 195 c/c 245 do ECA) ou ainda, provocando a ação do Ministério Público ou

da autoridade judiciária (artigo 136, III e IV do ECA).

Assim, espera-se que o CT não continue sendo chamado na escola meramente a fim de

desempenhar o papel de fixador de limites, que, inclusive, nem integra seu rol de atribuições.

O CT também não deve ser acionado somente quando a escola está com um “aluno-

problema” (classificação comumente atribuída pelos dirigentes escolares para alunos

infreqüentes, indisciplinados, resistentes às regras, com dificuldade de aprendizagem), até

mesmo porque, nessas hipóteses, a ação preventiva da escola falhou.

O CT deve “adentrar” à escola, principalmente, para desempenhar seu papel mais

importante: o de orientação dos educandos acerca de seus direitos e das responsabilidades

decorrentes destes, contribuindo para implementar na escola um verdadeiro espaço de

socialização, mediante a convivência adequada, atuando como verdadeiro órgão de

exigibilidade de direitos.

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Page 136: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

As hipóteses interventivas do CT estão previstas no artigo 98 do ECA: quando a

criança ou adolescente estiver atravessando dificuldades decorrentes da ação ou omissão da

sociedade (discriminação da comunidade escolar) ou do Estado (necessidade de acionar

algum serviço público); nos casos de falta ou suspeita de omissão ou abuso dos pais ou

responsáveis (maus tratos ou negligência, por exemplo) ou ainda em razão de sua conduta

(nesse contexto entendida como a conduta que ultrapassa a infração às normas disciplinares e

que necessitam do encaminhamento a serviço de apoio sócio-familiar).

Em se tratando de ato de indisciplina, praticado no ambiente escolar, a escola somente

deve encaminhar um caso ao Conselho Tutelar após esgotar todos os recursos e serviços

disponíveis em sua estrutura educacional e previstas em sua regulamentação interna,

aplicando as medidas pedagógicas previstas no regimento interno.

Por via transversa, quando da prática de um ato infracional, a escola não pode

desempenhar o papel do sistema de justiça, que devera apreciar e julgar o caso. Dessa forma,

se a conduta do aluno ultrapassar em gravidade os limites da normativa escolar e, não sendo o

caso de intervenção protetiva do Conselho Tutelar, a escola pode e deve acionar a Autoridade

Policial (Brigada Militar ou Polícia Civil) para coibir ou deter ato previsto na legislação penal

como crime ou contravenção e praticado no ambiente escolar.

Obviamente que não se está propondo instalar a força policial na escola para coibir

qualquer transgressão, tampouco para propiciar situações de humilhação e vergonha quando

sua presença se faz absolutamente necessária, em situações excepcionais, também em face de

proposta de despoliciação introduzida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

De qualquer forma, em sendo a presença da força policial maior do que a necessária,

há indícios veementes de que a pedagogia está inadequada, propiciando o ambiente de tensão,

indisciplina e violência.

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Page 137: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Na temática da violência escolar, há ainda a intervenção do Ministério Público, pelo

Promotor de Justiça da Infância e Juventude, quando da prática de ato infracional por

adolescente. A atuação do Ministério Público será abordada no item 7.2.7.

Quanto ao Juizado da Infância e da Juventude, pela nova proposta do Estatuto da

Criança e do Adolescente de desjudicialização dos problemas sociais, centra sua atividade em

dirimir conflitos, de ordem individual, coletiva ou difusos, que são submetidos à sua

apreciação e decisão jurisdicional.

Obviamente que, quaisquer dos agentes – Conselho Tutelar, Polícias, Ministério

Público e Juizado da Infância e da Juventude – não só podem como devem atuar junto a

sociedade, na divulgação da proposta executória de direitos e de responsabilidades na vara

infanto-juvenil, traduzida pela CF/88 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como

na mobilização visando a implementação da estrutura de atendimento elencada no Estatuto da

Criança e do Adolescente, inclusive em atividades com fins preventivos à violência escolar.

Em um contexto diverso, mutável, incerto e turbulento uma organização não tem outra

solução para sobreviver, prosperar e desenvolver sua funções a não ser comportando-se como

um sistema flexível e aberto. Se cada elemento humano da organização fecha-se na função

recebida e não está disponível para nenhuma outra, não haverá reorganização possível, por

mais necessária que seja. Consoante Enguita (25), por trás da eterna demanda de mais

recursos, às vezes, está latente essa atitude, mas também pode ler-se assim: não pretendam

que se faça outra coisa nem adicional, nem diferente, se não mandarem outra pessoa para

fazer isso.

Ao contrário, a flexibilidade organizacional só é possível se os membros têm uma

atitude de compromisso com o conjunto da organização e com seus fins, não com sua

incumbência tal como um dia fora definida ou como querem entender que foi.

137

Page 138: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Espera-se de um sistema escolar aberto que apresente a característica da

permeabilidade que, segundo Enguita (25), consiste em manter constante intercâmbio de

recursos com o exterior. Atualmente, muitos dos recursos que se requer para a educação não

estão na escola (a não ser que façamos desta uma duplicação da sociedade!), porém estão e

podem ser obtidos no entorno das escolas. Aí se encontram os saberes profissionais, os

conhecimentos técnicos, as destrezas práticas e as experiências sociais de que a escola

necessita como apoio a seu trabalho.

O filão disponível para as escolas entre os grupos de interesses, as associações

voluntárias, as instituições públicas, as organizações sociais, as empresas privadas e os grupos

profissionais presentes em seu entorno é ilimitado, e renunciar a aproveitá-lo para não alterar

o sono dos que se acostumaram aos velhos limites pode ser muito cômodo, mas promete

pouco e ameaça deixar a instituição escolar à margem do desenvolvimento.

O primeiro instrumento dessa abertura para o entorno já existe: é o conselho escolar.

Mas para que desempenhe suas funções, mister assuma sua posição de órgão efetivo da

comunidade e da gestão da escola, não como um lugar em que, por infelicidade, é preciso

ratificar as decisões que o corpo docente já tomou e que preferiria decidir sozinho. À Direção,

por outro lado, caberia importante papel na colaboração entre a escola e a comunidade,

deixando de ser a direção dos professores para ser da comunidade e sobre os professores.

Quando a organização escolar abre-se a si mesma (torna-se flexível) e flexibiliza sua

relação com o entorno (torna-se aberta), passamos do nível da estrutura ao do sistema em

sentido pleno. Seu equilíbrio passa a ser dinâmico, mutável. Não se empenha em manter

configurações próprias nem relações com o entorno, que já caducaram, ou que não respondem

nem aos fins nem ao contexto, mas busca novos estágios de equilíbrio. Então, a organização

se desenvolve, evolui para responder a necessidades e oportunidades mutáveis. Para isso,

requer de seus membros atitude de disposição à cooperação (não individualista ou ritual),

138

Page 139: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

proativa (não estática ou reativa) e de compromisso com seus fins (não de apego às suas

posições ou às suas rotinas).

7.2.6 Violência e Indisciplina Escolar

7.2.6.1 Indisciplina e Violência X Regras e Normas

A escola passa por momento de profundas mudanças, devido ao aumento das

dificuldades decorrentes de fenômenos externos à instituição e de suas próprias pressões

internas. Além de enfrentar problemas internos de gestão e precariedades que afetam o

processo pedagógico, a escola vê-se em um período de contestação da ideologia que a

sustentou até agora. O valor da educação é questionado sob alegações diversas: por perda de

qualidade e autoridade; por não preparar para o mercado de trabalho; por não estar centrada

na educação do homem integral; por não corresponder à expectativa de proporcionar

segurança aos jovens.

Ao selecionar as percepções de alunos, pais e educadores visando identificar e

caracterizar as múltiplas formas de violências na escola, bem como observar as relações entre

estas violências e as questões ético-valorativas, este estudo entrelaça narrativas e olhares,

descrevendo o estado do conhecimento, o percebido, o expresso e o silenciado, alertando

sobre os riscos de banalização da violência no âmbito escolar.

A pesquisa busca, além de identificar a violência escolar, propor medidas de combate

às violências nas escolas, tendo por base, além da literatura, as manifestações de alunos, corpo

técnico-pedagógico e pais, anunciando uma vontade por uma cultura de paz, que perpassa por

políticas públicas preventivas e pela revisão de pedagogias e gestão escolar.

E a formulação de políticas públicas efetivas com a finalidade de diminuir as

violências nas escolas brasileiras exige o entendimento do atual contexto escolar e a

compreensão das percepções dos próprios atores sobre o fenômeno.

139

Page 140: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Sposito, citada por Marília Pontes39, como Arendt40, encontra um nexo entre a

violência e a quebra do diálogo, da capacidade de negociação, esta consistente em matéria-

prima do conhecimento/educação. Assim, para a autora, “violência é todo ato que implica a

ruptura de um nexo social pelo uso da força. Nega-se, assim, a possibilidade da relação social

que se instala pela comunicação, pelo uso da palavra, pelo diálogo, pelo conflito”.

Consoante Abramovay e Rua (30), (2004, p. 139):

A educação consiste em um fenômeno social e universal, senão uma atividade humana necessária à existência e funcionamento de todas as sociedades. Cada uma delas precisa cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades físicas e espirituais, preparando-os para a participação ativa e transformadora nas várias instâncias da vida social. Por intermédio da ação educativa, o meio social exerce influência sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influências, tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora em relação àquele. Tais influências se manifestam por meio de conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes acumulados por muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos, assimilados e recreados pelas novas gerações.

O ambiente propiciado pela escola, favorecendo os processos informativos e de

comunicação, produz o amplo universo simbólico, estimulando configurações de sentidos e

significados, a possibilitar a constituição da subjetividade e a construção das identidades.

Nesse contexto de diversidade, as escolas convivem com atos de indisciplina e de

violência, adotando procedimentos formais ou informais, em consonância com o modo de ser

de cada Direção ou projeto pedagógico. Normalmente, as medidas adotadas para a solução

dos conflitos cabem à Direção da Escola.

Na escola pesquisada, os procedimentos adotados consistem, em sua maioria, em

advertências, afastamento da sala de aula, comunicado aos pais e suspensão, conforme a

gravidade do caso. Medidas como transferências e expulsões não são corriqueiras, mas não

39 PONTES. Marília. No artigo A instituição escolar e a violência. In: Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, nº 104, p. 60, jul. 1998.40 ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

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Page 141: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

são afastadas. Assim, normas são observadas pela Direção para lidar ou inibir a indisciplina e

a violência.

As regras, a seu turno, refletem os valores que devem ser comuns e conhecidos por

todos no processo de interação. A ausência delas na sociedade levaria ao caos, ao mesmo

tempo em que refletiria a total desintegração da consciência coletiva entre os indivíduos. As

regras de conduta estimulam os indivíduos a comportarem-se segundo as expectativas do

papel social que estão desempenhando.

Revelando-se tais aspectos, o presente trabalho irá abordar as regras e punições

aplicadas pela escola pesquisada, já que são elas que normatizam a convivência escolar. São

exploradas, ainda, as percepções e motivações dos seguintes atores pesquisados - alunos,

professores e Direção – sobre o ensino e a escola de que fazem parte. Enfocam-se também as

influências do contexto escolar, permeado por interações conflituosas e consensuais, entre os

alunos, seja de forma positiva ou negativa.

O Regimento Escolar da instituição de ensino pesquisada prevê, no item nove, as

“Normas de Convivência”, onde, de forma genérica e lacunosa, são previstos os

procedimentos a serem adotados pela Escola nas situações envolvendo “problemas

disciplinares” de alunos.

Consoante observar-se-á da transcrição integral do único trecho do Regimento Escolar

que se refere às regras e punições, são utilizadas expressões amplas, que permitem

interferência excessiva da subjetividade em sua interpretação, como “problemas

disciplinares”, “medidas mais enérgicas” e “falta de responsabilidade”, favorecendo a

arbitrariedade por parte da Direção na aplicação das punições e a insegurança entre os alunos

quanto às condutas consideradas “indisciplinadas” e “irresponsáveis”. Observou-se, assim, a

ausência de regras claras.

Consta no item nove do Regimento Escolar:

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Page 142: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Em caso de problemas disciplinares de alunos, após advertência oral e escrita, com o conhecimento dos pais, serão tomadas medidas mais enérgicas, pela Direção, em conjunto com a Coordenação Pedagógica e Conselho Escolar em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Quando houver dano ao Patrimônio Púbico será solicitada reposição ou conserto do bem danificado.

Quando o aluno faltar com a responsabilidade no cumprimento das atividades escolares ou apresentar problemas disciplinares será comunicado aos pais/responsáveis, por escrito, em um documento que deverá retornar à escola assinada pelo mesmo.

Desse contexto, emergem referências dos alunos insatisfeitos com as atitudes dos

professores ou da Direção, tecendo críticas às punições, refletindo negativamente nas

relações. As críticas que receberam maior destaque foram o tratamento diferenciado

dispensado a alguns alunos (“avisei a Direção que o aluno estava com um canivete e não

fizeram nada”). Por outro lado, observou-se que em situações de impunidade o aluno sente-

se protegido pelo próprio sistema e envaidecido diante dos colegas (“é uma esculhambação, a

gente faz o que quer na aula e a professora não faz nada, continua passando a matéria e não ta

nem aí”). Outra crítica refere-se ao exagero das ameaças de punir, que levam ao descrédito

(“tem professora que parece que ta de mal com o mundo e qualquer coisa que a gente faz

ameaça mandar para a supervisora ou para o Diretor”).

Os dois integrantes da Direção da escola e os dois professores participantes da

pesquisa foram questionados sobre a percepção acerca das expressões “problemas

disciplinares”, “medidas mais enérgicas”, “falta de responsabilidade”, bem como acerca das

punições mais freqüentes e os resultados obtidos são os que seguem.

Como “falta de responsabilidade” são consideradas as seguintes condutas:

injustificadamente, chegar atrasado, faltar às provas, não cumprir com as tarefas propostas em

aula ou para serem executadas em casa, vir para a escola sem material. Já os comportamentos

considerados como “irresponsáveis” parecem estar claros para os professores e para a Direção

da escola, que apresentaram significados convergentes para caracterizar aludidas condutas.

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Page 143: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

O regimento escolar, para os atos de irresponsabilidade, prevê como sanção à

comunicação aos responsáveis, por escrito, em documento que deverá retornar à escola

assinado.

Duas criticas, acompanhadas por sugestões, merecem ser destacadas pela

pesquisadora: a primeira refere-se a caracterização da irresponsabilidade, conceito que parece

de simples compreensão para os professores e Direção, mas que poderia ser melhor

esclarecido aos discentes e seus responsáveis, ao exemplificar-se no texto do regimento,

algumas das condutas classificadas como atos de irresponsabilidade passíveis de punição. A

segunda guarda referência com a aplicação equânime e igualitária da sanção prevista no

regimento a todos os alunos que transgredirem as regras.

Como “problemas disciplinares” dos alunos são considerados pelos professores e

Direção: faltam de respeito em relação aos professores (na maioria das vezes respondendo a

estes ofensivamente), ofensas verbais e apelidos aos colegas, atitudes desrespeitosas entre os

alunos (empurrões, tapas), desentendimentos (brigas entre os alunos) e danos. Os alunos que

praticam esses atos são classificados como os “piores alunos”.

Contudo, dois dos professores entrevistados confundem atos de indisciplina com

irresponsabilidade (professores 3 e 4), o que evidencia que nem para estes os conceitos são

tão claros.

As punições referidas pela Direção e professores foram: primeiro, conversa com o

aluno e advertência; na segunda vez, registro na ficha individual do aluno e chamado, por

escrito aos responsáveis; e quando o aluno é retirado três vezes da sala de aula, só entra na

escola acompanhado por responsável. Portanto, as punições mencionadas pela Direção e

professores estão em consonância com o Regimento Escolar que prevê advertência oral e

escrita para as transgressões disciplinares dos alunos.

Entretanto, as mesmas críticas e sugestões tecidas pela pesquisadora aos atos de

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Page 144: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

irresponsabilidade são pertinentes aos atos de indisciplina, cujos mais freqüentes deveriam ser

previstos, juntamente com as sanções disciplinares correspondentes, e com aplicação

observando à lógica da igualdade.

A falta de clareza na previsão das sanções disciplinares pode ser observada ao

cotejarmos as punições anotadas nas fichas disciplinares dos alunos e as previstas no

regimento da escola. Neste, limitam-se à advertência oral e escrita, com o conhecimento dos

pais e reposição ou conserto do bem danificado. Já, nas fichas individuais foram referidas,

além destas, as seguintes punições: ser encaminhado para a supervisão; ficar sem recreio; ser

retirado da sala de aula; ser encaminhado de volta para casa; suspensão e encaminhamento da

FICAI (Ficha de Comunicação do Aluno Infreqüente) ao Conselho Tutelar.

Informações interessantes surgiram quando a Direção e os professores indicaram as

‘‘medidas mais enérgicas, adotadas em conjunto pela Direção, Coordenação Pedagógica e

Conselho Escolar em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente”.

O Diretor entrevistado não indicou quais seriam as medidas, limitando a assegurar que

são evitadas, privilegiando-se o diálogo. A supervisora e uma das professoras pesquisadas

apontaram a suspensão como ‘medida mais enérgica’. E, outra professora indicou a

transferência ou encaminhamento para o Conselho Tutelar, referindo não haver expulsão.

Os efeitos da suspensão são questionados por um dos professores entrevistados, pois

normalmente o aluno vai para casa e fica “ocioso”, sem fazer “nada de útil”, ao mesmo tempo

em que não recebe orientação para refletir sobre as atitudes que o levaram a ser punido. O

aluno muitas vezes considera mais essa punição como um prêmio.

Observa-se, ainda, que a suspensão é aplicada em muitos casos em que os pais se

omitem, sugerindo que a escola, implicitamente, opera uma discutível transposição de

responsabilidades, atribuindo essa atitude à omissão dos pais e da família. Verifica-se essa

conduta em ocasiões em que os responsáveis não atendem ao chamado para comparecer na

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Page 145: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

escola, sendo os filhos suspensos até que os pais apareçam para resolver a situação.

Nas fichas disciplinares dos alunos pesquisados as suspensões foram aplicadas em

ocasiões que os alunos desrespeitaram (retiram-se da aula) ou foram mal educados

“responderam” indevidamente com os professores.

Quanto ao encaminhamento para o Conselho Tutelar, nas raras situações em que

ocorreu, normalmente verificou-se nos casos onde a violação das regras ocorreu fora dos

limites da escola, sobretudo quando os alunos faltam às aulas para “ficar á toa”. Na ficha de

um dos alunos pesquisados consta a anotação de encaminhamento da FICAI (Ficha de

Comunicação do Aluno Infreqüente) ao Conselho Tutelar.

Enquanto a expulsão é negada pelos entrevistados, não havendo previsão no

Regimento Escolar, a transferência é referida como último recurso para casos extremos de

indisciplina, quando a escola já esgotou todos os meios de que dispunha para resolver a

situação. Todavia, esse tipo de punição acaba somente transferindo o “problema” de uma

escola para outra e não o solucionando.

Na maioria das ocasiões, ao invés de aplicar punições, é suficiente que as autoridades

escolares ameacem comunicar as transgressões aos pais, seja porque os alunos temem a

reação destes, seja porque não intencionam decepcioná-los.

Os responsáveis são comunicados e convocados pela escola para conhecimento das

transgressões e para, em conjunto com a direção, encaminhar ou acatar uma solução para o

problema (“o diálogo é a melhor solução para os problemas, evitando aplicação de punições”

consoante a Direção da escola). Ocorre que, em alguns casos, os familiares convocados não

comparecem e a Direção e os professores vêem-se “enfraquecidos”, “desautorizados” e

“perdidos”, consoante mencionaram os entrevistados.

Aqui, novamente, é suscitada a questão da omissão familiar e de seus reflexos na crise

de autoridade da escola, ambas já analisadas. Porém, o dado a ser acrescido e destacado

145

Page 146: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

consiste no impacto dessa omissão e da crise de autoridade da escola na indisciplina e

violência escolar, contribuindo para a sua propagação.

Por outro lado, as punições podem se tornar tão banalizadas que passam a ser

desconsideradas como sanções. Nestes casos, conforme observado na escola pesquisada, a

Direção mostrou-se resistente em reconhecer os castigos aplicados como punições, pois

argumenta que “são evitadas medidas punitivas o diálogo é a melhor solução”.

Consoante o relato dos atores do ambiente escolar, percebeu-se haver uma hierarquia

entre as punições, que vão se agravando até atingir seu ápice, com a transferência da escola.

Outro dado importante, observado nas fichas individuais encaminhadas pela Direção

da escola à pesquisadora, consiste em representarem estas os registros dos alunos

considerados como “os piores”, que acabam estigmatizados como “alunos problema”,

tornando-se conhecidos por todos os membros da Coordenação/Direção da escola, ou ainda,

sua história (com as punições aplicadas) passa a ser divulgada pelos professores como forma

de intimidação aos demais alunos.

Verificou-se também falta de critérios e abuso de poder, pois uma mesma infração

pode resultar em punições diferentes. Machucar um colega, por exemplo, na ficha do aluno

“A”, correspondeu à advertência, já, na do aluno “B”, consta à punição de suspensão.

Desrespeitar um professor pode corresponder às mais diversas sanções: suspensão (aluno

“B”); afastamento da sala pelo professor e advertido pela direção (aluno “D”); retorno à

escola só com a presença do responsável (aluno “E”). E à infração de retirar-se da sala de aula

sem permissão: ao aluno “A” foi aplicada advertência e ao aluno “E” imposta a presença do

responsável para voltar à escola.

Fator que dificulta a análise dos critérios de aplicação das punições é a forma genérica

e lacunosa com que são efetuadas as anotações nas fichas individuais dos alunos. Não há

especificação, por exemplo, no que consistiu “machucar o colega” ou “desrespeitar o

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Page 147: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

professor”, por exemplo. Ou, ainda, “perturbar o andamento da aula” (aluno “D”) ou “atitudes

inconvenientes” (aluno “E”).

Assim fichas disciplinares preenchidas de forma esclarecedora, especificando a

conduta transgressora e a punição correspondente, contribuiriam para afastar a imagem da

escola como “lócus” privilegiado de exercício de violência simbólica.

Consoante Abramovay e Rua (30), (2004, p. 146):

O simbólico seria entendido, segundo Pinto (2000), como atividade de conhecimento (sentido), dinâmica de representação, estando, portanto, no domínio do subjetivo e operando por meio de signos nas relações sociais. Pela educação, principalmente na escola, administrar-se-iam sistemas simbólicos, legitimando as instituições de ensino como instância de poder. A violência, nesse caso, seria exercida mediante consentimento, pelo uso de símbolos de poder que não necessitam do recurso da força física nem das armas, nem do grito, mas que silenciam protestos. E no ambiente escolar, com alta probabilidade, seria exercida não somente entre alunos, mas nas relações entre eles e os professores.

Observou-se na pesquisa a dificuldade dos professores e também dos alunos em

identificar a violência simbólica (ou institucional) no âmbito escolar, em que pese sua

existência seja inegável.

Todos os alunos pesquisados apontam como violências mais freqüentes na escola a

violência física (traduzida em agressões entre alunos) e a verbal (representada por ameaças,

praticada pelos alunos).

Na ótica dos quatro educadores e dos cinco alunos entrevistados, as agressões físicas e

verbais entre alunos são consideradas os casos de violência escolar mais freqüentes. Em

segundo lugar, estariam os furtos e deterioração do patrimônio da escola (rasgar cortinas,

quebrar classes, estourar bomba no lixo), seguido por danos e furtos à propriedade particular.

Agressões verbais entre alunos e professores são referidas por um professor (3) e por um

aluno (“E”).

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Page 148: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Quanto à violência psicológica, é referida por apenas dois educadores pesquisados (2

e 4), na modalidade de “apelidos” pejorativos e ofensivos, de cunho discriminatório,

traduzindo preconceito racial e discriminação social (“gay”, “gordo”, “negro”, “Maria

breteira”), fenômeno atualmente conhecido por bullying. Um dos educadores citados admite

que as violências psicológicas, apesar de comuns no ambiente da escola, não chegam ao

conhecimento da Direção. Portanto, a Direção não se ocupa com essa última modalidade de

violência denunciada.

Em que esse estarem sendo desenvolvidos, no Brasil, inúmeros projetos e programas

visando a diminuição da violência escolar, são escassas as notícias que se têm sobre o

desenvolvimento de programas educacionais que incluam o combate e a prevenção do

fenômeno bullying em nossas escolas.

Segundo mencionado por Cleo Fante (31), a implantação de um programa preventivo

ou que objetive a redução deste fenômeno deveria ser embasada em três premissas essenciais,

para a obtenção de resultados positivos:

a) não existem soluções simples para a resolução do bullying, por tratar-se de fenômeno

complexo e variável;

b) cada escola deveria desenvolver suas próprias estratégias e estabelecer suas

prioridades no combate de tal fenômeno;

c) a única forma de obtenção de sucesso é a cooperação de todos os envolvidos: alunos,

professores, gestores e pais.

Questionados acerca dos encaminhamentos efetuados pelos educadores nos casos de

violência escolar, todos responderam que os casos são resolvidos quase sempre no âmbito da

escola, não sendo encaminhadas para outros órgãos por não serem considerados graves.

Apesar das dificuldades envolvendo algumas relações entre vários atores envolvidos

no cenário escolar, a escola simboliza importante espaço de socialização. É lugar onde

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Page 149: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

ocorrem aprendizagens significativas, já que o modo de vida dos sujeitos que interagem na

escola propicia trocas materiais e simbólicas.

Sob essa perspectiva tem-se que a escola que se organiza à base de princípios

democráticos e que constrói as regras a serem seguidas, juntamente com os alunos, consegue

um maior comprometimento no que tange a sua observância. Nesse caso, o aluno se sentirá

menos encorajado a testar os limites da conduta aceitável pelos adultos, pois como foi a

maioria que as definiu, ele também será cobrado pelos mesmos.

Os dados obtidos sobre os praticantes e vítimas da violência indicam que,

independentemente do tipo de violência, os praticantes são predominantemente os alunos.

Quatro dos cinco alunos pesquisados admitiram já terem figurado como autores e vítimas de

violência física e/ou verbal, no ambiente escolar. Ao focalizar a vitimização pela violência,

observa-se que os alunos também são as vitimas mais constantes. Seguidos pelos professores.

A violência física, como se observou, foi apontada como a mais freqüente.

Contudo, independentemente do tipo de violência, observa-se, da análise dos dados,

que a violência é uma construção social, com inúmeras e variadas percepções. Como ocorre

em relações sociais, envolve alteridades e sentimentos diferenciados para os atores envolvidos

e para a sociedade de referência. Alude-se a processos complexos e requer visão

multidimensional.

Em decorrência da dificuldade de definir o que seria violência escolar, na pesquisa

não definiu, “a priori”, o fenômeno. Optou-se por conhecer o mundo da escola e a percepção

de seus diversos atores. Assim, além de indicadores da violência apresentados nos

questionários e nas entrevistas, permitiu-se aos informantes a construção de sentidos sobre o

que seriam, para eles, violências na escola. O foco, então, pode ser delimitado como sendo

como a concepção, definição e explicação da violência no ambiente escolar, segundo aqueles

que a vivenciam.

149

Page 150: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Observou-se entre os jovens pesquisados que já foram vítimas ou agentes da violência,

em algumas situações. E mesmo nos casos em que não se envolveram diretamente, relataram

circunstâncias das quais tomaram conhecimento ou presenciaram no espaço escolar. Esta

proximidade contribuiu para banalizar o comportamento violento, tornando trivial a

ocorrência de agressões físicas, vinganças, furtos, depredações, entre outros.

A violência física é, portanto, a face mais visível do fenômeno na escola. O confronto

corporal ou armado (este último, menos freqüente), mobiliza grande parte das discussões.

Apesar de todos educadores entrevistados negarem a presença de armas na escola, os alunos

apontaram ocorrências envolvendo a apreensão, o uso de facas ou o porte de facas, canivetes,

estiletes, correntes e soqueiras.

Em algumas situações, a violência aparece justificada como vingança, como forma

de defesa pessoal ou como atitude para proteger os amigos. Em outras, aparece como

atitude impensada diante de uma provocação ou como resultado de um temperamento que não

admite a “humilhação” de “levar desaforo para casa”.

Independentemente de sua justificativa, a violência traduz-se em forma de negociação

de poder que exclui o diálogo, ainda que impulsionada por múltiplas circunstâncias,

inclusive de conotação moral, como a defesa dos amigos e dos excluídos.

Consoante Abramovay e Rua (30), tratar de violência escolar significa lidar com uma

interseção de elementos, isto é, um fenômeno de uma nova ordem, e não simplesmente o

somatório dos objetos “escola” e “violência”. É um fenômeno singular, pois envolve práticas

sociais que, para serem compreendidas, requerem um olhar que não as reduza a meras

extensões de praticas violentas ou escolares.

7.2.6.2 Reações dos Atores Envolvidos na Violência Escolar

Comumente, as vítimas de comportamento violento ou agressivo vivenciam

150

Page 151: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

sentimentos de medo, vergonha, raiva e impotência que diminuem a auto-estima. E, sendo por

prolongado período de tempo expostos a ação de seus agressores e aos olhares indiferentes ou

omissos dos “espectadores”, é natural que reajam com ansiedade, irritação, angústia, tristeza,

além de pensamentos de vingança e suicídio (FANTE, 2005, p. 158).

Diante das conseqüências provocadas pelo fenômeno da violência, considera-se

inadmissível que, nos tempos atuais, com tamanha evolução tecnológica, a escola seja

sinônimo de sofrimento e infelicidade ao aluno. Deve ser responsabilidade do profissional da

educação identificar as diversas formas de violência que os alunos possam estar enfrentando

silenciosamente para, assim, poder ajudá-los.

Ao se pensar em políticas e programas contra violência nas escolas, é indispensável

observar as diferenças entre universos simbólicos que permitem melhor compreensão acerca

do comportamento dos membros da comunidade escolar em face da violência. Destaca-se

serem comuns as discrepâncias entre os registros feitos pelos alunos e pelos membros do

corpo técnico-pedagógico (como, por exemplo, quando os primeiros apontam a vingança

como reação mais comum dos alunos agredidos e, os segundos, registram que, nesses casos, a

reação mais freqüente consiste em procurar a Direção).

Isso parece significar a presença de barreiras na comunicação, divergência de

perspectivas e de concepções da realidade, possivelmente evidenciando conflito entre tais

sujeitos.

Analisando-se as reações dos alunos diante das agressões sofridas no ambiente escolar

e das brigas de terceiros, observa-se que a reação mais freqüente entre os alunos, nestas

situações, consiste, respectivamente, em pedir ajuda aos amigos para vingar-se e incentivar as

brigas entre terceiros (na condição de “torcida” e “platéia”).

Não há registro, entre os alunos pesquisados, de terem se omitido diante de briga dos

colegas (pois a prática comum apontada é a de incentivar ou procurar separar) ou se mantido

151

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inerte quando vítimas de agressão. Tampouco assumem atitude de resolução do problema,

como buscar auxílio da Direção, professores, pais ou órgãos externos à escola.

Os alunos entrevistados afirmam haver brigas com tapas, socos e pontapés entre

estudantes, inclusive entre as alunas. Em alguns relatos, transparece a dificuldade dos alunos

em se comunicar, conversar e resolver seus conflitos, iniciando discussões que terminam em

violência física.

Mais uma vez é evidenciada na presente pesquisa a dificuldade dos jovens em manter

convívio harmonioso com seus pares, favorecendo a reflexão acerca da educação que estamos

proporcionando-lhes, a qual sequer prepara-os para manterem a comunicação e resolverem

seus conflitos pelo diálogo.

Muitas vezes, consoante referem os alunos, os desentendimentos iniciam na escola e

são “resolvidos” fora do espaço escolar, mediante agressões físicas (“vou te pegar na saída”).

Enfatiza-se que os dados coletados sugerem a prevalência, entre os alunos, de um

padrão de comportamento que descarta o recurso à autoridade policial ou à ajuda

familiar, em favor do exercício privado da violência praticada em grupo, estimulando a

disseminação de atitudes favoráveis a novos confrontos. Esse padrão de reação às agressões e

de enfrentamentos violentos entre terceiros parece ser componente de uma cultura que

incorpora a violência ao universo dos alunos, manifestando-se seja como prontidão ou estado

de alerta, diante das ocorrências, seja como envolvimento efetivo nos eventos violentos.

Outra modalidade de rivalidade apurada entre jovens, que se desdobra em

enfrentamentos violentos, é a que opõe estudantes de escolas ou de bairro diferentes,

freqüentemente estimuladas por disputas esportivas.

Alguns eventos esportivos, como o futebol, acabam estimulando a violência, o que

sugere reflexão sobre a mudança de seu significado: o jogo, o entretenimento, o lúdico,

perderia assim a qualidade de competição saudável, de solidariedade e de companheirismo.

152

Page 153: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Por fim, tanto os alunos como os membros do corpo técnico-pedagógico registram

como principais causas das agressões verbais (já que físicas não foram registradas) dos

primeiros contra os professores a desavença ocasionada pelas faltas disciplinares, pelo nível

de exigência ou por problemas de avaliação ou nota.

7.2.6.3 Repercussões Mais Freqüentes da Violência

A violência presente no ambiente escolar compromete o que deveria ser a identidade

da escola, como espaço de sociabilidade positiva, de aprendizagem de valores éticos e de

formação de espíritos críticos, pautados no diálogo, na aceitação da diversidade e na herança

do conhecimento acumulado. As situações violentas repercutem sobre a aprendizagem e a

qualidade de ensino tanto para alunos como para professores

Consoante Abramovay e Rua (30) (2004, p. 298), estudo recente da Confederação

Nacional dos Trabalhadores em Educação mostra que, além das conseqüências diretas, as

violências têm desdobramentos que afetam negativamente a qualidade do ensino e

aprendizagem Tais impactos seriam semelhantes àqueles exercidos por outros fatores já

conhecidos: a má formação dos profissionais da educação, a falta de infra-estrutura, o

reduzido nível de escolaridade dos pais e a falta de material bibliográfico nas residências dos

alunos.

Os dados da presente pesquisa corroboram essas afirmações. A maioria dos alunos (B,

C e E) sustenta que as violências no ambiente escolar fazem com que não consigam se

concentrar nos estudos. Aliado a isso, os mesmos alunos expressam ficarem nervosos e

revoltados com as situações de violência que enfrentaram na escola.

Ficou evidente que os alunos não apenas aparecem como os mais freqüentes autores e

vítimas das violências, como já analisado, mas também como os que mais sofrem as suas

conseqüências.

153

Page 154: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

A falta de concentração, o nervosismo e a revolta dos alunos também foram

enfatizados pelos professores pesquisados como as principais conseqüências da violência e

indisciplina escolar sobre o desempenho dos alunos.

Quanto aos membros do corpo técnico-pedagógico, a conseqüência primeira, referida

por todos os educadores entrevistados, é a perda do estímulo para o trabalho. As outras

repercussões consistem nos sentimentos de revolta, nervosismo e irritabilidade, seguidos pela

dificuldade de se concentrar nas aulas.

Cleo Fante (31) (2005, p. 165), ao comentar as repercussões da violência escolar,

elenca algumas graves conseqüências, incidentes sobre os atores envolvidos. No corpo

discente: perturbação, interrupção, desinteresse, absentismo (falta de assistência às aulas),

problemas somáticos e psicológicos (ansiedade, tédio, depressão), desencanto pela escola,

queda ao rendimento escolar, falta de perspectiva de futuro melhor via educação, queda de

auto-estima, evasão escolar e descrença no poder público.

No corpo docente e no quadro de funcionários: desesperança e desencanto pela

profissão, absentismo, descrença no sistema educacional, queda da auto-estima, problemas

somáticos e psicológicos, síndrome de Burnout ou síndrome do “esgotado” (problemas

relativos ao estresse profissional, caracteriza-se por progressiva perda do idealismo, energia e

objetivos profissionais, como resultado das condições de trabalho – baixos salários, tempo de

preparação insuficiente, desvalorização profissional, distanciamento entre aspirações e

expectativas) e descrença no poder público.

Na família e na sociedade: falta de perspectiva de futuro melhor via educação,

desvalorização do ensino, descrença no sistema educacional e descrença no poder público.

Considera-se que a escola tem o dever de prevenir a violência que se desenvolve em

seu contexto, e de intervir impedindo a sua proliferação. Mas, para que isso ocorra, seus

profissionais devem ser capacitados para atuar na melhoria do ambiente escolar e das relações

154

Page 155: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

interpessoais, promovendo a solidariedade, a tolerância, a atitude ética e o respeito às

características individuais, utilizando estratégias adequadas à realidade educacional que

envolvam a comunidade escolar como um todo.

Segundo Cleo Fante (31) (2005, p. 169):

Os cursos de graduação devem focar sua atenção na necessidade de prevenção à violência. Para isso, devem oferecer aos futuros profissionais de educação os recursos psicopedagógicos específicos que os habilitem a uma atuação eficaz em seus locais de trabalho para que utilizem metodologias estimuladoras ao diálogo como forma de resolução de conflitos; que promovam a solidariedade e a tolerância entre os alunos, criando com isso um ambiente emocional que incentive a aceitação e o respeito às diferenças inerentes a cada indivíduo; que promovam a tolerância nas relações interpessoais e socioeducacionais, proporcionando assim a construção de um ambiente alegre e criativo, resultando na melhoria do processo ensino-aprendizagem.

Considerando a amplitude de repercussões possíveis na vida de vítimas e autores da

violência escolar, é inadmissível que o problema seja ignorado ou considerado de menos

importância tanto pela comunidade escolar, como pela sociedade em geral e pelo Poder

Público.

Koichiro Matsura, Diretor-Geral da UNESCO, em 2004, na obra “Violência nas

Escolas” (30).

Os jovens reproduzem na escola as violências e tensões do mundo exterior. A família, a sociedade no seu conjunto, mas também e, sobretudo as escolas, são locais de transmissão desses valores culturais. A escola é, portanto, o local onde novos valores humanistas podem e devem ser transmitidos e onde eles devem desabrochar nas vivências quotidianas da sala de aula e da escola. É por isso que a UNESCO roga sem cessar pelo ensino generalizado dos direitos humanos e pela transmissão valores de tolerância, de não violência, de solidariedade, de respeito mútuo, através da reorganização de programas e textos escolares (2004, contracapa).

7.2.6.4 Medidas Contra a Violência e a Indisciplina Escolar Sugeridas Pela Escola Pesquisada

Foi apresentado aos professores participantes da pesquisa, em questionário, um leque

de medidas para a contenção da violência na escola pesquisada, a fim de que selecionassem

cinco e as apontassem por ordem de prioridade. Os resultados foram os seguintes:

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Page 156: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

1ª - Medidas preventivas de participação ampliada, baseadas na interação de atores

(estabelecimento de diálogo entre alunos, pais, professores e diretoria para solucionar a

violência e parceria entre escola e comunidade);

2ª - Qualificar a interação entre profissionais da educação e de outras áreas, como

psicólogos, assistentes sociais, conselheiros tutelares, policiais, juizes e promotores de justiça;

3ª - Medidas de segurança dentro e fora da escola (vigilância policial na escola e

intermediações);

4ª - Medidas de segurança ou de fiscalização na escola (instalação de detectores de

metais na entrada da escola; cercamento com muros altos ou grades de proteção; câmeras de

circuito interno de TV; contratação de vigilantes e agentes de segurança para fiscalizar

internamente a escola);

5ª - Medidas disciplinares orientadas para os alunos (disciplina mais inflexível com

expulsão dos que praticam atos irregulares).

Considerando que o conteúdo dessas sugestões já foi analisado no curso da presente

discussão de resultados, desnecessário repetir-se os comentários, evitando-se tautologia.

7.2.7 A Percepção da Atuação Ineficaz do Ministério Público no Cenário da Violência Escolar

Durante a realização da pesquisa, emergiu dado relevante acerca da atuação do

Ministério Público na escola: foi evidenciado o total desconhecimento da comunidade escolar

acerca das atribuições ministeriais. Observou-se que a instituição é identificada quase que

exclusivamente com sua atuação na esfera criminal, dado que causou surpresa à pesquisadora,

tendo em vista que trabalho de divulgação e esclarecimento sobre direitos/deveres, atribuições

e competências, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, já havia sido iniciado na

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Page 157: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

escola pesquisada quando da realização da pesquisa. Mas, ao mesmo tempo, motivou a

pesquisadora, como profissional integrante dos quadros do Ministério Público Riograndense,

a perseverar em sua atuação, repensando formas de abordagem e de aproximação da escola,

famílias e alunos, a fim de reduzir distâncias e favorecer a atuação institucional visando a

transformação social.

No que se refere ao relacionamento da escola com o Ministério Público foi ressaltado

pelos educadores o início de trabalho significativo, mas que deveria ser intensificado com

palestras e encontros no ambiente escolar. Referiram, ainda, a necessidade de desmitificar a

atuação do Promotor de Justiça, substituindo os sentimentos de temor e receio, presentes na

comunidade escolar.

Quanto aos alunos e responsáveis, a maioria dos entrevistados mencionou desconhecer

a finalidade da atuação do Ministério Público.

Sugestões relevantes emergem dos registros dos educadores, ao manifestarem-se sobre

a forma de interação entre família, escola e Ministério Público, capazes de contribuir para a

transformação positiva do cenário da indisciplina e da violência escolar.

Transcrevem-se, nesse sentido, as seguintes narrativas:

Professor 1: “Somente um trabalho integrado poderá reduzir a violência escolar, bem

como resgatar o papel de cada um. A família responsável pela educação do filho; a escola

responsável pelo acesso ao conhecimento, a Promotoria, zelando para que a criança tenha seus

direitos garantidos. A escola, a família e a Promotoria realizando um trabalho como parceiros,

terão mais força e êxito para resolverem os problemas do cotidiano”.

Professor 2: “É de suma importância a participação dos três segmentos, visto que a

família deve apoiar ajudando a cuidar as atividades e também cuidando da freqüência e dando

superior atenção a valorização dos estudos. A escola tem que cumprir a sua função social de

tentar, através da educação formal, elevar os discentes a patamares elevados de saber, moral,

157

Page 158: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

ético e humano, buscando dar condições para poder ter acesso a postos de trabalho que

possam desencadear superações de toda a ordem. A escola tem que ser o lugar da superação e

busca do resgate do cidadão. A Promotoria, como representante estatal, deve esclarecer os

direitos e deveres dos alunos, pais e professores, para que efetivamente aconteçam essas

condições para diminuir a violência”.

Professor 3: “A interação só contribuirá positivamente para a transformação desse

cenário, pois através da família poderemos nos interar dos problemas dos alunos e qual os

motivos que os levam à violência. Já com relação à escola e Promotoria, só acrescentará, pois

tendo a união entre ambas, a família sentirá maior segurança e apoio para cobrar mais dos

seus filhos. Há uma imagem errônea com relação a Promotoria, que, segundo a visão da

família, só atua para punir e não para ajudar a orientar melhor caminho a seguir, com relação

a árdua tarefa de educar. Por isso, muitos pais estão lavando as mãos com relação a

estabelecer limites a seus filhos, acarretando no crescimento da violência. A unidade e a

motivação são indispensáveis para obter-se resultados positivos na solução dos problemas.

Família e professores deveriam traçar linha de atuação conjunto para dar mais força”.

Professor 4: “Se houver uma interação realmente, poderá haver melhoras. A

Promotoria pode atuar com palestras e a família deve estar mais presente na Escola”.

Em busca da transformação positiva do cenário da violência escolar, espera-se que a

atuação do Ministério Público torne-se efetiva e eficaz.

Na temática da violência escolar, por decorrência de imposição legal, necessária a

intervenção do Ministério Público, pelo Promotor de Justiça da Infância e Juventude, quando

da prática de ato infracional por adolescente. O Ministério Público, como destinatário da

atividade policial, desencadeia a aplicação de medida sócio-educativa, de natureza

sancionadora e conteúdo pedagógico.

Além dessa atribuição, o Ministério Público pode e deve ser acionado pela escola em

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Page 159: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

face à constatação de ameaça ou violação dos direitos e garantias individuais ou coletivos dos

alunos, pela ação ou omissão da família, sociedade ou Estado, adotando as medidas

extrajudiciais ou judiciais cabíveis. Nesse sentido, perante o Poder Judiciário, cabe ao

Promotor de Justiça, utilizando-se do instrumento da ação civil pública, submeter postulações

visando à defesa de interesses de ordem individual, coletiva ou difusos, de titularidade de

criança ou adolescentes, sob os fundamentos de uma tutela jurisdicional diferenciada.

Conforme assinala Martha de Toledo Machado (20):

Na base da noção de proteção integral está a idéia de efetivação dos direitos fundamentais. Logo, na criação de instrumentos jurídicos que assegurem essa efetivação. Um deles, como dito, são as políticas sociais públicas. Outro é a tutela jurisdicional. (...) penso que o respeito à peculiar pessoa em desenvolvimento está no centro, também, dos fundamentos de uma tutela jurisdicional diferenciada, que a noção de proteção integral demanda (2003, p. 140).

Ainda, há a possibilidade de a escola encaminhar ao Ministério Público caso

específico, geralmente relacionado à evasão escolar (como a implementação da FICAI – Ficha

de Comunicação do Aluno Infreqüente) ou a ato de indisciplina no âmbito da escola, depois

de esgotadas as providências ao alcance desta (tanto no plano pedagógico como normativo) e

realizada a intervenção do Conselho Tutelar.

O Ministério Público teve seu papel redesenhado com o advento do Estatuto da

Criança e do Adolescente, que passou a demandar da instituição a adoção de novas posturas

na defesa desse segmento da sociedade, sempre que houver violação ou ameaça de violação

de seus direitos e garantias constitucionais e legais.

Constata-se, diante disso, a necessidade de que o Promotor de Justiça da Infância e da

Juventude de hoje, rompendo com a antiga postura de mero burocrata legal, seja socialmente

engajado e comprometido com o ideal de defesa da população infanto-juvenil. É preciso,

ainda, que conheça a realidade local onde atua, aproximando-se da comunidade a fim de

constatar suas demandas e, uma vez verificadas as necessidades, buscar soluções que evitem o

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Page 160: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

conflito e a via contenciosa, privilegiando a atuação política do Ministério Público,

demonstrando que a prevenção de litígios pode ser vantajosa para todos.

Segundo a Promotora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Mônica Rodrigues

Cuneo41 (2004, p. 46):

Atuando junto à comunidade, a partir do conhecimento da realidade local, poderá fomentar o implemento de políticas sociais públicas de grande significado para a infância, bem como incentivar e tensionar a malha social para a implantação de programas socioeducativos, de apoio familiar, de colocação em família substituta, dentre outros, colocando-se à disposição da sociedade para o enfrentamento e busca de soluções que melhor atendam às deficiências locais no atendimento às crianças e adolescentes, além de incutir junto ao Poder público e à sociedade, utilizando-se do respeito e da confiabilidade de que desfruta na comunidade, a relevância de se implementar, com absoluta prioridade, as disposições da Doutrina da Proteção Integral

.

Ainda, na condição de fiscal da lei, espera-se que atue como verdadeiro agente

político, interferindo positivamente na realidade social, inclusive cobrando das autoridades

públicas uma atuação mais eficiente na elaboração e implementação de políticas públicas

destinadas às crianças e adolescentes, especialmente a fim de assegurar o acesso aos direitos

fundamentais E, dentre esses, uma educação de qualidade.

Nesse contexto, é indispensável que o Promotor de Justiça da Infância e da Juventude

tutele com absoluta prioridade os direitos infanto-juvenis, contribuindo para a formação de

um novo Ministério Público, comprometido com os interesses da sociedade, com a visão de

que isso significa defender prioritariamente as camadas mais distantes do ideal de cidadania.

Somente assim estará contribuindo para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária,

fazendo valer a prioridade absoluta no tratamento das questões afetas à infância e juventude,

41 CUNEO, Mônica Rodrigues. Novos olhares, novos rumos: a proteção integral e a prioridade absoluta no Estatuto da Criança e do Adolescente e o Papel do Ministério público diante dos novos paradigmas. Revista Juizado da Infância e Juventude. Publicado por Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Corregedoria-Geral da Justiça. Porto Alegre: Departamento de Artes Gráficas do TJRS, ano II, n. 3 e 4, p. 46, 2004.

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Page 161: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

efetivando, plenamente, a proteção integral de seus direitos fundamentais, dentre eles o direito

à educação, conferindo a tão pretendida dignidade às crianças e adolescentes brasileiros.

Finalmente, como agentes de transformação social, espera-se ainda, que os Promotores

de Justiça atuem preventivamente aos atos de indisciplina ou de violência, contribuindo para o

esclarecimento da comunidade escolar (alunos, professores, orientadores, direção,

funcionários, pais), da Sociedade em geral e do Estado (este responsável pela execução das

políticas básicas) acerca de seus direitos e deveres.

Mas, para atingir os objetivos esperados, dois obstáculos devem ser transpostos:

primeiro, os Promotores de Justiça devem introjetar em seu pensar e em seu agir a revolução

de princípios proposta pelo ECA, ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de

direitos, beneficiados pela proteção integral e pela prioridade absoluta, sensibilizando-se para

a proposta da legislação, para, após, trabalha-la com os profissionais de áreas estranhas ao

Direito. Em segundo lugar, precisam buscar formação e especialização ampliada, que

contemple conteúdos de outras áreas do conhecimento, como a educação, a psicologia (social

e educacional), o serviço social e a antropologia.

7.2.8 A Ausência de Proposta de Educação Para Valores na Escola

Observa-se nas sociedades atuais, especialmente nas escolas, que a temática da

construção de valores não têm sido muito discutida. Em que pese às escolas trabalhem

indiretamente (de forma consciente ou não) valores com seus alunos, essa atuação é incipiente

e desarticulada, baseando-se nos valores e na moralidade de cada grupo ou professor, mesmo

que, em alguns casos, estes não estejam de acordo com os interesses gerais da sociedade. Por

exemplo, quando apresentam práticas e discursos discriminatórios. Nos últimos anos não se

constata política pública de valorização do tema e nem formação profissional para que uma

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educação moral calcada em valores humanitários de justiça, igualdade de direitos e cidadania

fosse adotada nas escolas brasileiras.

Na escola pesquisada, essa realidade está presente. Observaram-se escassas

referências, pelos educadores pesquisados, acerca da importância da construção de valores

favorecida pela escola. Apesar de a aquisição de valores estar presente em diversas passagens

do regimento escolar do estabelecimento de ensino pesquisado (em anexo), especialmente ao

referir os objetivos da escola e o processo pedagógico desta, constando como filosofia da

escola “educar para formar um cidadão capaz de integrar-se no meio em que vive,

acompanhando as mudanças, de acordo com os princípios de responsabilidade, ética,

criatividade, lealdade e justiça”, os educadores entrevistados praticamente não se referiram a

ela e, quando o fizeram, demonstraram estarem trabalhando de forma desarticulada e

incipiente.

No presente estudo, as reflexões acerca da proposta de educação para valores como

fator de prevenção à violência escolar foram desenvolvidas a título de alternativa para

enfrentar o problema.

Questiona-se hoje se estamos frente a uma humanidade sem humanidades, substituída

por especialidades técnicas que mutilarão as futuras gerações de visão histórica, filosófica

(ética e valorativa) e literária, imprescindível para o desenvolvimento completo da

humanidade.

O temor parece justificado. Os programas de ensino tendem a reforçar os

conhecimentos científicos ou técnicos de utilidade prática e imediata, diretamente aplicáveis

ao trabalho.

A questão das humanidades, dos valores e da ética não reside no título das matérias a

serem ensinadas, nem em seu caráter científico ou literário: todas são úteis, muitas são

oportunas e há as que são imprescindíveis. Considera-se que o êxito no trabalho das aludidas

162

Page 163: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

questões não reside em seu conteúdo intrínseco, fora do tempo e do espaço, mas na maneira

adequada de transmiti-las, aqui e agora.

Em vários momentos do presente trabalho, referiu-se que as expectativas em torno da

escola são grandes. Espera-se que a escola, além de preparar para a realização profissional,

estimule o aluno a educar suas emoções, a lidar com os seus medos, conflitos, frustrações,

dores e perdas, com sua ansiedade e agressividade, canalizando-os para ações que resultem

em benefícios sociais e para novas formas de relações capazes de produzir empatia,

favorecendo assim o aumento da probabilidade de a criança tornar-se um adulto equilibrado e

feliz.

Parte-se do pressuposto de que se as crianças encontrarem em sua vida professores

capazes de dar-lhes apoio e segurança, e de ajudá-las a educarem suas emoções por meio de

estímulos positivos, que despertem sentimentos de confiança, amizade e amor, provavelmente

crescerão saudáveis e estarão empenhadas na construção de uma sociedade promotora da

paz.

Ainda, o professor precisa suscitar no aluno o desejo de aprender. Desenvolver

competência como a convivência democrática na sociedade plural, implica em desenvolver as

capacidades de respeito e tolerância e o entendimento de que a educação opera-se ao longo da

vida, aproximando-se do conceito de sociedade educativa, onde tudo pode ser ocasião para

aprender e desenvolver talentos.

Da família, como primeiro espaço educacional, espera-se que assegure a ligação entre

o afetivo e o cognitivo, bem como a transmissão de normas e valores.

Mas as relações da entidade familiar com o sistema educativo são, às vezes,

antagônicas: os saberes transmitidos pela escola podem opor-se aos valores da família, ou,

algumas famílias vêem a instituição escolar como um mundo estranho, que não

compreendem.

163

Page 164: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Um diálogo verdadeiro entre pais e professores é necessário, pois o desenvolvimento

harmonioso das crianças e adolescentes implica na complementaridade entre educação

familiar e escolar. Estreitando esses laços, as famílias conhecerão e respeitarão mais o sistema

escolar.

Cada um aprende ao longo de toda a sua vida no seio do espaço social constituído pela

comunidade a que pertence. A educação deriva da vontade de viver junto e de buscar a coesão

do grupo num conjunto de projetos comuns: a vida associativa, a participação numa

comunidade religiosa, os vínculos políticos, concorrem para essa forma de educação. E a

escola deve manter-se ligada ao ambiente social.

Assim, a comunidade constitui um poderoso vetor de educação, pela aprendizagem da

cooperação e da solidariedade, e pelo aprendizado ativo da cidadania.

A escola deve, em colaboração com os meios de comunicação, cultivar a abertura a

museus, teatros, bibliotecas, cinema e de um modo geral, ao conjunto dos espaços culturais,

incentivando, assim, o sentido da emoção estética e o desejo de familiaridade com as diversas

criações do espírito humano.

Importa, ainda, a superação do antagonismo entre educação e os meios de

comunicação. De um lado, os educadores criticam os meios de comunicação, especialmente a

televisão, por impor uma espécie de mínimo denominador comum cultural, de reduzir o

tempo dedicado à reflexão e à leitura, por impor imagens de violência e de especular com as

emoções. Contrário senso, o sistema escolar é acusado de imobilismo e de recorrer a métodos

antiquados para transmitir saberes ultrapassados, provocando nos alunos desinteresse e até

aversão à aprendizagem.

De qualquer forma, é inegável que os meios de comunicação integram nosso espaço

cultural e seus objetivos nem sempre são de natureza educativa, mas têm poder de sedução, e

isso deve ser levado em consideração. Assim, o sistema escolar deve servir-se deles para os

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seus próprios fins: 90% das escolas do Japão utilizam a televisão como instrumento

pedagógico (DELORS42, 2004, p. 115).

A escola tem uma responsabilidade específica em relação aos meios de comunicação,

sobretudo a televisão, em face de esta ocupar espaço cada vez maior na vida dos alunos

(1.200 horas/ano na Europa Ocidental e o dobro nos EUA, sendo que as mesmas crianças

passam na escola cerca de 1.000 horas) (42) (2004, p. 116). É importante ainda, que os

professores estimulem uma leitura crítica que leve os alunos, por si, a usá-la como

instrumento de aprendizagem, fazendo a triagem e analisar as múltiplas informações.

Mister insistir sempre nesta finalidade essencial da educação: levar cada um a cultivar

as suas aptidões, a formular juízos e, a partir daí, a adotar comportamentos livres.

8 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES GERAIS

As considerações e conclusões abaixo consistem em uma tentativa de reunião do

referencial teórico estudado com os resultados da pesquisa, qualitativamente considerados.

Perseguiu-se, durante a realização do trabalho, a constatação acerca da participação da

família e da escola, como as principais instituições socializadoras, no cenário da violência

escolar, com ênfase na função da educação, especialmente quanto à construção de valores.

Nesse intento, partiu-se de reflexões em torno dos temas valores, ética e convivência

humana. Seguiu-se com a análise da educação familiar e escolar atual e de sua influência no

comportamento dos alunos, tendo-se observado que as crises de identidade (quanto às

42 DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir – 9 ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2004. “Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI”, p. 115

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funções, inclusive na construção de valores) e de autoridade da família e da escola, aliadas a

ausência de proposta de educação para valores nesta última, bem como o relacionamento

tenso e confuso entre ambas, contribuem para a propagação da violência escolar.

Considerando ser a família o principal núcleo de socialização do indivíduo e, portanto,

o agente primeiro para garantir a efetividade do Direito à Educação, os demais núcleos

socializadores devem atuar como associados e não substituí-la. No entanto, o que se observou

foi que, apesar de a família atual permanecer com as atribuições de cuidar e educar sua prole

tem se manifestado sem referenciais para dar conta dessa tarefa. Os alunos chegam a escola

com um núcleo básico de socialização insuficiente para enfrentar com êxito a função do

aprendizado.

E a escola, além de não realizar suas tarefas específicas como no passado, começa a

ser pressionada a atender novas demandas, para as quais não está preparada. Essa perda de

referência com relação às funções é também uma perda do status do professor. Enquanto sua

formação atual é praticamente a mesma de há um século, o nível geral do público elevou-se e

a dissonância daí decorrente reflete-se nas crises de identidade e de autoridade da escola.

O valor da educação atravessa um período de questionamento, sob diversas alegações:

por perda da qualidade e da autoridade; por não preparar para o mercado de trabalho, por não

estar centrada na formação do homem integral, por não corresponder à expectativa de

proporcionar segurança aos jovens.

Enquanto a função educacional da família e da escola está em crise, a função

educacional da televisão ocupa espaço cada vez maior, proporcionando que as crianças

tenham contato com tudo desde cedo, desrespeitando qualquer trâmite pedagógico.

Contudo, espera-se a superação do antagonismo entre educação e os meios de

comunicação, a fim de que estes sejam utilizados como ferramentas educacionais. De um

lado, os educadores criticam os meios de comunicação, especialmente a televisão, por impor

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uma espécie de mínimo denominador comum cultural, de reduzir o tempo dedicado à reflexão

e à leitura, por impor imagens de violência e de especular com as emoções. Paralelamente, o

sistema escolar é acusado de imobilismo e de recorrer a métodos antiquados para transmitir

saberes ultrapassados, provocando nos alunos desinteresse e até aversão à aprendizagem.

A questão da demissão familiar surgiu em vários momentos durante a realização do

trabalho. Foi constatado o reduzido envolvimento da família com o quotidiano escolar dos

adolescentes, evidenciado quer pelas reclamações da escola, quer pelo expresso sentimento de

“abandono” por parte dos alunos e, ainda, pela clara assunção de “culpa” pelos familiares

responsáveis.

Observou-se pais considerando-se incapazes de educar seus filhos, principalmente

quando estes ingressam na adolescência, e reconhecendo sua impotência quanto ao

estabelecimento de regras e limites. E o efeito direto do esvaziamento da família como

autoridade na criação dos filhos consiste na sua estigmatização, ao assumir a posição de

“incompetente” nessa tarefa, instalando-se, simultaneamente, como vítima e responsável por

sua condição, fragilizando seus laços afetivos e sua coerência interna, contribuindo para que

influências externas, nem sempre positivas, obtenham êxito na socialização das crianças.

Assim, essa desqualificação da família pode ser considerada uma das principais causas

de seu distanciamento das atribuições de educar e criar seus filhos. Em decorrência disso,

verificou-se deficiências significativas na comunicação e no entendimento entre os

responsáveis e os adolescentes.

Nesse contexto, foi classificada como ruim, pela maioria dos alunos entrevistados, as

relações dos adolescentes entre si, com a família e com os professores, conduzindo-nos à

reflexão acerca da educação que estamos proporcionando-lhes, a qual sequer prepara-os para

a convivência humana.

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Além de os jovens não considerarem a escola um espaço privilegiado para a

convivência humana, manifestaram não gostarem das aulas, evidenciando a dificuldade dos

professores em despertar o interesse dos alunos, fatores que fazem com que estes não

considerem atrativo o ambiente escolar.

No que se refere à educação para valores verificou-se a preocupação da família em

transmiti-los às suas crianças e adolescentes. Entretanto, desperta preocupação a constatação

acerca dos modelos educacionais reproduzidos pelas famílias, caracterizados pela tendência

ao individualismo, competitividade, superficialidade e redução do sujeito a “coisa

descartável”. Quanto à escola, não demonstrou empenho em auxiliar a família na educação

moral, restringindo sua atuação a mera transmissão de conhecimento intelectual.

Apontou-se para a necessidade de ser fomentada, no âmbito familiar e escolar, a

educação para valores universais, como a tolerância, a solidariedade, a fraternidade e a justiça,

visando favorecer a convivência qualificada entre os seres humanos, a fim de combater e

evitar atos de violência e indisciplina na escola.

Em semelhante sentido, mostrou-se indispensável que a escola preveja em seu

Regimento regras claras, que refletem os valores, que devem ser comuns e conhecidos por

todos no processo de interação, e normas predefinidas, a serem observadas pela Direção para

lidar ou inibir a indisciplina e a violência, prevendo sanções para os casos de descumprimento

das regras. Punições essas, previstas no Regimento Escolar, que deverão ser aplicadas de

forma igualitária e equânime, a todos os alunos que transgredirem as regras. Quanto às fichas

disciplinares individuais, resultou caracterizada a premência de passarem a ser preenchidas de

forma esclarecedora, especificando a conduta transgressora e a punição correspondente, a fim

de afastar a imagem da escola como lócus privilegiado de violência simbólica.

Ainda, sinalizou-se para a premência de os educadores serem sensibilizados para

almejarem uma formação profissional mais ampla e qualificada, que, além de auxiliá-los a

168

Page 169: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

identificar os casos de violência escolar, evitando a sua banalização, os permita atuar com

eficiência, segurança e satisfação, impedindo que continuem a integrar o rol dos praticantes de

violência (institucional ou simbólica) contra os alunos.

Partindo da constatação da existência de nexo causal entre a violência e a quebra de

diálogo, da capacidade de negociação, de tolerância e de convivência, quando o conflito

substitui a comunicação, o estudo pretendeu, além de identificar a violência escolar, propor

medidas de combate às violências nas escolas, baseando-se na literatura e nas manifestações

de alunos, familiares e educadores, anunciando uma vontade por uma cultura de paz, que

perpassa por políticas públicas preventivas e pela revisão de pedagogias e gestão escolar.

Observou-se também, no contexto da violência escolar, a inexistência ou a freqüente

ineficácia da intervenção de profissionais de áreas estranhas à educação, além de muitas vezes

esta ser considerada intromissão pelos professores, principalmente em se tratando de

membros do Conselho Tutelar ou do Ministério Público. Constatou-se, ainda, o

desconhecimento dos integrantes da comunidade escolar pesquisados (alunos, responsáveis e

educadores) acerca do conteúdo do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Diante disso, pretendeu-se sugerir a maior aproximação entre a comunidade escolar e

os profissionais de áreas diversas à educação, especialmente os membros do Ministério

Público. E, quanto a estes, antes de intencionar divulgar a proposta de universalização de

Direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, atenta-se para a necessidade de além de

introjetar os princípios basilares do Estatuto (a proteção integral e a prioridade absoluta) em

seu pensar e em seu agir, aprimorem sua formação, ampliando-a com a inclusão de conteúdos

originalmente afeitos a outras áreas do conhecimento, como a educação, a psicologia (social e

educacional) e a antropologia.

Buscando a superação da antiga discussão em torno das funções da família e da escola,

e visando a efetivação do Direito à Educação, na forma constitucional e legalmente prevista

169

Page 170: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

no Brasil, propôs-se uma mudança de atitude por parte de ambos os núcleos de socialização, a

fim de que se unam na tarefa de educar, transmitindo e construindo valores, pelo exemplo e

com afetividade, amando, respeitando e disciplinando crianças e jovens.

O indivíduo educado sem amor contribui para a perpetuação da sociedade em que

vivemos, na qual o individualismo, o egoísmo, a indiferença e a intolerância impedem o ser

humano de alcançar seu maior objetivo: ser feliz!

Seres humanos precisam ser orientados. E consiste em dever legal da família e da

escola a educação que trabalhe com as crianças e adolescentes a noção de fraternidade

universal, capaz de congregar a diversidade social infinita. O gesto de percebermos o outro

como concorrente deve ser substituído, sob a orientação ética, pelas noções de bem comum e

de sociedades igualitárias, formadas por homens capazes de sentir e pensar, na busca da

convivência possível. E, para ter preocupações éticas, deve desenvolver a capacidade de ver o

outro como um ser legítimo na relação.

Mas, para serem atingidos esses objetivos, necessariamente deve-se refletir acerca da

educação que se deseja.

8.1 Os Quatro Pilares da Educação

O relatório Jacques Delors (42), apresentado a UNESCO, aponta para a educação do

século XXI. A Comissão Internacional sobre educação que o elaborou, identificou tendências

e necessidades no cenário de incertezas que caracterizam este fim de século.

Visando atender à multiplicidade de questões originadas da diversidade, o Relatório

destaca quatro pilares básicos essenciais a um novo conceito de educação: aprender a

conhecer, aprender a viver juntos, aprender a fazer, aprender a ser.

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Page 171: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

Os pilares citados são sugeridos como essenciais para a construção de um novo

paradigma de valorização da vida e dos seres, uma educação que revele o tesouro escondido

em cada um.

Nesse intento, não há como restringir a educação a uma visão imediatista, mas sim,

construir espaços para considerá-la em sua plenitude: na busca da realização da pessoa, que

aprende a ser. E as soluções apontadas aos problemas ampliam as tarefas do Poder Público e

da própria sociedade civil.

Sob a perspectiva da educação para o século XXI, observa-se que uma educação

puramente quantitativa, que proponha grande acúmulo de conhecimento no começo da vida, é

inadequada. É necessário que a educação esteja à altura de aproveitar e explorar, durante toda

a vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer os primeiros conhecimentos, e

de adaptar-se a um mundo em mudança.

E, na busca de compreender o conjunto das suas missões, a proposta consiste em que a

educação organize-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, no transcurso de

toda a vida, serão pilares do conhecimento do indivíduo:

a) Aprender a conhecer – combinando cultura geral e a possibilidade de aprofundar

alguns conhecimentos, significa aprender a aprender, para beneficiar-se das

oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida;

b) aprender a fazer – a fim de adquirir, não somente qualificação profissional, mas

competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar

em equipe. Também, possui o sentido de o indivíduo intervir em seu contexto, nas

diversas experiências sociais ou de trabalho;

c) aprender a viver juntos – desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das

interdependências, estimular a realização de projetos comuns e a preparação para gerir

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Page 172: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

conflitos, observando o respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e

da paz;

d) aprender a ser – via essencial, que integra as demais competências. Proposta que busca

o melhor desenvolvimento da personalidade, estimulando o agir com capacidade de

autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Nesse intento, não deve ser

negligenciada na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória,

raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.

e) o ideal seria que cada um dos “quatro pilares do conhecimento” seja objeto de igual

atenção por parte do ensino, para que a educação represente uma experiência global,

que se protrai no tempo, ao longo da existência.

Em face do contexto em que vivemos, onde os sistemas educativos formais tendem a

privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem,

importa conceber a educação como um todo. E esta perspectiva deve inspirar e orientar as

reformas educativas, tanto em nível de elaboração de programas como da definição de novas

políticas pedagógicas.

Em função do tema delimitado no presente trabalho, interessa-nos, no momento,

aprofundarmos o estudo de um dos pilares do conhecimento: o aprender a conviver.

A aprendizagem de viver com os outros representa, atualmente, um dos maiores

desafios da educação, diante de um mundo em que a violência se opõe a esperança na

evolução da humanidade.

A história humana sempre foi conflituosa, mas há elementos introduzidos no século

XX que acentuam o risco, diante do extraordinário potencial de autodestruição criado pelo

homem.

Diante disso, questiona-se: será possível conceber uma educação capaz de evitar os

conflitos, ou de resolvê-los de maneira pacífica?

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Page 173: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

A tarefa de ensinar a não violência nas escolas é árdua, pois os seres humanos,

naturalmente, tendem a supervalorizar as suas qualidades e as de seu grupo, nutrindo

preconceitos em relação aos demais. Alia-se, ainda, o clima geral de competição e de sucesso

individual, lamentavelmente, muitas vezes, estimulado pelas escolas.

Para melhorar a situação não basta pôr em contato e em comunicação membros de

grupos diferentes (por meio de escolas comuns a várias etnias ou religiões, por exemplo). É

necessário que, além do espaço comum, que o contato seja feito num contexto igualitário

(regras equânimes) e que haja objetivos e projetos comuns, pois assim os preconceitos e

hostilidade poderão desaparecer, dando lugar à cooperação e talvez à amizade.

Seria importante que a educação utilizasse duas vias complementares: primeiro, a

descoberta progressiva do outro e, segundo, ao longo de toda a vida, a participação em

projetos comuns.

8.2 A Descoberta do Outro

A educação deve ter por escopo ensinar sobre a diversidade da espécie humana e

despertar a consciência das semelhanças e interdependências entre os seres do planeta. Desde

a tenra idade a escola deve aproveitar todas as ocasiões para esta dupla aprendizagem.

A família, a comunidade e a escola têm a responsabilidade de auxiliar a criança e o

adolescente a conhecerem a si mesmos e, a partir daí, desenvolverem a atitude de empatia,

posicionado-se no lugar dos outros e compreendendo as suas reações.

Os educadores, na condição de modelos, precisam reforçar em seus alunos a

capacidade de abertura à alteridade e de enfrentar inevitáveis tensões entre pessoas, grupos e

nações. O confronto pelo diálogo e pela troca de argumentos é um dos instrumentos

indispensáveis è educação do século XXI.

173

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Consoante Maturana (10), o amor “é o domínio de condutas relacionais através das

quais o outro surge como um legítimo outro em convivência com alguém; e a agressão é o

domínio dos comportamentos relacionais através dos quais o outro é negado como um

legítimo outro em convivência com alguém” (2000, p. 15).

8.3 Tender Para Objetivos Comuns

A finalidade desses projetos deve ser a estimulação dos alunos para que ultrapassem as

rotinas individuais e valorizem aquilo que é comum e não as diferenças.

Algumas sugestões de projetos nesse sentido consistem em atividades desportivas e

culturais, atividades sociais, como ações humanitárias, ajuda aos menos favorecidos, serviços

de solidariedades entre as gerações, renovação de bairros... Todos são projetos que, além de

estimular valores positivos, enriquecem a relação educador/educando.

No Brasil, algumas poucas instituições adotaram como bússola pedagógica as idéias

contidas no Relatório da UNESCO, coordenado por Jacques Delors, e as do economista

indiano Amarthya Sen, utilizadas na construção do Paradigma do Desenvolvimento Humano

do PNUD- Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento43.

O relatório foi adotado como balizador ético-político por essas instituições,

evidenciando que a grande tarefa histórica de nossa geração é buscar a diminuição da

distância entre o nosso PIB – Produto Interno Bruto (12º do mundo) e o nosso IDH – Índice

de Desenvolvimento Humano (65º). E isso passa pelo balanceamento entre desenvolvimento

econômico e equidade social (dados divulgados pelo PNUD em 2003).

Tanto o Desenvolvimento quanto os Direitos Humanos estão diretamente relacionados

aos princípios de liberdade, no sentido de garantir que o indivíduo esteja livre de

43 SEN, Amarthya. Desenvolvimento como Liberdade. Trad.: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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necessidades, violências, discriminações e livre para organizar-se, colocar-se, tomar decisões

(dentro da expectativa dos Direitos). Na esfera do desenvolvimento humano, a liberdade está

expressa no processo de ampliação de oportunidades e opções dadas a esse indivíduo para que

ele possa de fato, desenvolver seus potenciais (43).

Das análises tecidas no presente trabalho, considera-se que contribuição relevante

aponta para a proposta de implementação de um Paradigma do Desenvolvimento Humano.

E, para isso, socorre-se das reflexões do economista indiano Amarthya Sen e do pedagogo

Antônio Carlos Gomes da Costa 44.

O paradigma sugerido parte da consideração de que a vida é o mais básico e

universal dos valores, portanto, respeitá-la acima de tudo é o caminho para a justiça, a

solidariedade e a paz. Em uma perspectiva de igualdade, em que todo ser humano tem direito

ao acesso a condições básicas de bem-estar e dignidade, nenhuma vida humana tem mais

valor do que a outra.

Prossegue-se com a reflexão de que toda pessoa nasce com um potencial e tem o

direito de desenvolvê-lo, e qualquer condição impeditiva de que isto ocorra é, em si, uma

violência. Mas, para desenvolver o seu potencial, as pessoas precisam de oportunidades, e

as oportunidades educativas são aquelas que verdadeiramente desenvolvem o potencial

humano.

Nessa linha de raciocínio, o que uma pessoa se torna ao longo da vida depende de

duas coisas: das oportunidades que teve e das escolhas que fez. Assim, além de ter

oportunidades, as pessoas precisam ser preparadas para fazer escolhas, e as escolhas são

feitas com base nas crenças, valores, pontos de vista e interesses.

Perseguindo o ideal de responsabilidade social, cada geração deve legar para as

gerações vindouras um meio ambiente igual, ou melhor, do que aquele recebido das

44 COSTA, Antônio Carlos Gomes da; André, Simone. Educação para o Desenvolvimento Humano. São Paulo: Saraiva: Instituto Ayrton Senna, 2004.

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gerações anteriores, pois isso significa respeitar o direito à vida daqueles que ainda não

nasceram. No mesmo sentido, os indivíduos, as organizações, as comunidades e as sociedades

devem ser dotados de poder para participar nas decisões que as afetam. Só o poder

participativo dos cidadãos poderá mudar os demais poderes: executivo, legislativo e

judiciário.

A promoção e a defesa dos Direitos Humanos seriam o caminho para a

construção de uma vida digna para todos, consistindo a Declaração Universal dos Direitos

Humanos em um projeto de humanidade a ser construído por todos e para cada um dos povos

ao longo da história. E a melhor forma de fazer os Direitos Humanos transitarem da

intenção à realidade traduz-se no exercício consciente da cidadania, esta entendida como

direito de ter direitos e dever de deveres.

Por fim, a política de desenvolvimento deve basear-se em quatro esteios:

liberdades democráticas, transformação produtiva, eqüidade social e sustentabilidade

ambiental.

E a ética necessária para pôr em prática o Paradigma do Desenvolvimento

Humano é a ética da co-responsabilidade. Co-responsabilidade entre as políticas públicas

(primeiro setor), mundo empresarial (segundo setor) e organizações sociais sem fins

lucrativos (terceiro setor).

Os jovens brasileiros, vivendo em um país de desigualdades e falta de oportunidades,

precisam encarar e transformar essa realidade, como protagonistas.

A pedagogia voltada para a formação para a autonomia, solidariedade e

desenvolvimento de competências, ligada ao Paradigma do Desenvolvimento Humano,

acontece sobre três eixos: protagonismo juvenil, educação para valores e cultura da

trabalhabilidade45.

45 COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil, mobilização social e capital social – três conceitos. Belo Horizonte: Modus Faciendi Desenvolvimento Social e Ação Educativa, 1998.

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Esses três eixos de trabalho são explorados por Antônio Carlos Gomes da Costa nas

obras Protagonismo juvenil, mobilização social e capital social – três conceitos e Tempo de

Crescer, uma compilação de textos para a juventude.

Por fim, um dos saberes indispensáveis a quem trabalha em realidades marcadas pela

traição a nosso direito de ser é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade

ou determinismo. O mundo não é. Está sendo. O papel do educador, como subjetividade

curiosa, inteligente, interferidora e presente, deve ser o de quem intervém na realidade. Deve

constatar, não para adaptar-se, mas para mudar.

Ninguém pode estar no mundo de forma neutra, apenas constatando. Devemos buscar

inserção, que implica em presença, decisão, escolha e intervenção na realidade.

177

Page 178: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

9 IMPLICAÇÕES E SUGESTÕES

Após contextualizar-se o tema, interessa, nesses momentos derradeiros de

considerações, esclarecer que a proposta inicial do trabalho consistia em analisar a atuação da

família e da escola no cenário da violência escolar (incluídos nesse conceito os atos de

indisciplina na escola).

Contudo, ao aprofundar-se o tema, procedendo-se a verdadeira dissecação das

entranhas da escola, surgiu à constatação da dificuldade dos operadores do Direito em

enfrentar a problemática da violência escolar. Sentiram-se, principalmente, as deficiências

traduzidas por um ensino limitado do Direito, evidenciando a necessidade urgente de os

cursos de formação e especialização investirem na melhoria do ensino desses profissionais,

revendo conceitos e posições, a fim de serem introduzidos em seus currículos conhecimentos

outros, em áreas como a educação, psicologia e antropologia.

Somente ampliando o estudo aos demais ramos dos saberes, que deverão atuar de

forma convergente (ou buscando a consiliência), e mediante uma mudança de atitude também

dos profissionais do Direito quanto à forma de ver o ECA, pode-se esperar mudanças

significativas em sua atuação, que, então estará qualificada

O biólogo americano Edward O. Wilson46 defende a unidade fundamental de todo o

conhecimento e a necessidade de uma busca da consiliência, ou seja, a prova de que tudo no

mundo está organizado conforme um número reduzido de leis naturais fundamentais, que

compreendem os princípios subjacentes a todos os ramos do saber. E a expressão consiliência

46 WILSON, Edward O. A unidade do conhecimento. Trad.: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

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é adotada pelo autor, em lugar de “coerência”, por ter conservado a precisão de seu

significado, literalmente, como “salto conjunto” do conhecimento pela ligação de fatos com a

teoria baseada em todas as disciplinas para criar uma base comum de explicação.

Wilson (45) (1999, p.2) utiliza a interessante expressão “Encantamento Jônico” para

significar a crença na unidade das ciências, com uma convicção bem mais profunda do que

mera proposta de trabalho, de que o mundo é ordenado e pode ser explicado por um pequeno

número de leis naturais. Suas raízes remontam a Tales de Mileto, da Jônia, no século sexto

a.C.

Lastreando-se nos estudos já analisados de Edgar Morin e de Wilson, em que, segundo

este, o maior empenho da mente sempre foi a tentativa de ligação das ciências com as

humanidades, constata-se os reflexos negativos da fragmentação constante do conhecimento

na educação. Segundo Morin, a solução seria o pensamento sistêmico e, consoante Wilson, “a

consiliência é a chave da unificação” (1999, p. 7).

Assim, não obstante a via a ser seguida, o importante é que se alcance a superação do

modelo educacional atual, sedimentado na fragmentação e desumanização do conhecimento.

A intenção do presente trabalho é de tentar apontar saídas, sinalizando para a

necessidade de prevenirmos e combatermos a violência na vida de nossas crianças e

adolescentes, já em suas manifestações iniciais, no âmbito escolar, a fim de evitar a

disseminação de uma subcultura especificamente ligada ao mundo da violência, com valores,

rotinas, linguagens e símbolos próprios, consoante evidenciado na obra “Cabeça de Porco”

47.

Insta mencionar, por fim, a necessidade de despertar os educadores (pais,

responsáveis, professores...) para a importância de fazerem-se presentes na vida dos

educandos. A presença é apontada como o cerne, o objetivo maior da ação educativa dirigida

47 SOARES, Luis Eduardo; BILL, MV; ATHAYDE, Celso. Cabeça de Porco. Rio de Janeiro: Objetiva Ltda, 2005.

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ao adolescente em situação de dificuldade pessoal e social, inclusive envolvidos em atos de

indisciplina ou violência (e em atos infracionais).

A aprendizagem da presença, tarefa de alto nível de exigência, requer a dedicação do

educador ao ato de educar, a disponibilidade de “estar junto ao educando” para traduzir-se em

ação eficaz.

O educador Antônio Carlos Gomes da Costa, ao lançar sua proposta pedagógica da

“Pedagogia da Presença”, aduz: “Pela proximidade, o educador acerca-se ao máximo do

educando, procurando identificar-se com a sua problemática, de forma calorosa, empática e

significativa, buscando uma relação realmente de qualidade” 48.

O autor atenta para as reações que seriam esperadas de uma presença construtiva na

vida de um adolescente, Sugere que, diante de manifestações do educando como impulsos

agressivos, revoltas, inibições, intolerância, apatia, cinismo, alheamento e indiferença, deve o

educador situar-se num ângulo que lhe permita enxergar, além dos aspectos negativos, o

pedido de auxílio de alguém que, de forma confusa, se procura e se experimenta em face de

um mundo, a seus olhos, cada vez mais hostil e inteligível.

A orientação básica desta pedagogia, que busca que o educador assuma um papel

realmente emancipador, é resgatar e reforçar o que há de positivo na conduta dos jovens em

dificuldade, sem rotulá-los em categorias baseadas apenas em suas deficiências.

O ato de estar junto do educando envolve consentimento, reciprocidade e respeito

mútuo, convocando o educador para empenhar-se na tarefa também como pessoa humana e

cidadão.

Nesse intuito, é indispensável que o educando sinta ter valor para alguém e ser aceito,

desenvolvendo a consciência de aceitação, acolhimento, pertinência, integração e aconchego.

Pois os laços só são verdadeiros, contribuindo construtivamente para o existir, quando são

48 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Pedagogia da Presença: da solidão ao encontro. 2. ed. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 2001.

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frutos de uma troca, de um liberar e restringir acolhidos livremente.

A reciprocidade, entendida como interação entre pessoas que se revelam mutuamente,

aceitando-se e comunicando-se, é outro fator indispensável na Pedagogia da Presença.

Freqüentemente é o que explica os sucessos inesperados, quando desaparecidas as esperanças

razoáveis. Em busca desses resultados, surge uma pessoa-chave que compreendeu o jovem e

acolheu suas vivências, sentimentos e aspirações, filtrou-se a partir de sua própria experiência

e comunicou-lhe, com clareza, a solidariedade e força para agir.

A presença aberta, afetiva, solidária e contínua do educador deve contribuir para

despertar a auto - estima e amor próprio e ao próximo, favorecendo a convivência deste nos

contextos amplos, como a família, a escola, a comunidade e o trabalho.

Partindo-se do entendimento de que o objetivo da vida é crescer, evoluir, nenhum

esforço é demasiado nesse sentido. Apenas compreendendo isto, será possível que o educador

ajude alguém em seu caminho evolutivo, tornando sua presença realmente significativa.

Significar é assumir diante de alguém uma atitude de não-indiferença. Quando

deixamos de ser indiferentes diante de algo, aquilo assume para nós um valor (positivo ou

negativo). É desta valorização que nasce o significado da pessoa para nós. O valor que, em

determinado momento, esta vida tem para nossa vida.

O traço comum entre as pessoas que exercem influência sobre outras, tornando-se

significativas, consiste nas habilidades de lidar com outras pessoas.

Costa (48) (2001, p. 84-85), apresenta seis dimensões básicas (atitudes construtivas)

na relação terapêutica, mas que valem para o processo de ajuda como um todo. São elas:

empatia (capacidade de colocar-se no lugar do outro); aceitação incondicional ou respeito

(acolher); congruência (capacidade de ser autêntico, verdadeiro); confrontação (capacidade

de perceber e comunicar ao outro discrepâncias ou incoerência de seu comportamento –

distância entre o que fala e o que faz); imediaticidade (capacidade de trabalhar a própria

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relação, abordando sentimentos imediatos durante o processo); concreticidade (capacidade

de decodificar a experiência do outro em elementos objetivos e concretos, para que ele possa

compreender sua experiência).

A efetividade de um processo de ajuda mede-se pelas mudanças que ele foi capaz de

desencadear. E a mudança no sentido positivo e construtivo significa crescimento físico,

emocional e intelectual.

Conforme o enfoque da Pedagogia da Presença considera-se socializado o jovem que

dá importância a cada membro da sua comunidade e a todos os demais, respeitando-os na sua

pessoa, em seus direitos e nos seus bens. Agirá não apenas por força de lei ou por meio de

sanções, mas por uma ética pessoal que determina o outro como valor em relação a si

próprio.

Assim, é imprescindível tenha-se em mente que o Direito à Educação, idealizado

constitucionalmente e pela legislação infraconstitucional, abrange o direito ao acesso, à

permanência e ao sucesso na escola, sendo incompatível com o ambiente de violência escolar.

Isso significa que o sucesso esperado hoje ultrapassa as fronteiras da realização profissional,

na busca da formação do ser humano integral, apto a conviver socialmente, ético e que

preserve valores fundamentais, como solidariedade, respeito, tolerância e justiça. Enfim, que

seja realizado e feliz!

Diante disso, perde o sentido discutir-se se foram os pais que abdicaram das suas

funções educacionais ou se forma os professores que assim agiram, se as famílias exigem

muito da escola ou se é esta que oferece pouco. O importante é compreender que a família e a

escola, carentes de políticas públicas que as assistam, ficaram sozinhas nessa tarefa, que

nenhuma outra instituição virá socorrê-las, exceto em funções secundárias. Portanto, cabe a

ambas, em meio a um diálogo possível, nova divisão de tarefas adequada, eficiente e eficaz.

Nessa perspectiva, deixa-se o questionamento: com os modelos de educação

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desenvolvidos atualmente, a instituição familiar e a escola estão obtendo êxito na socialização

dos jovens?

A sociedade a ser construída depende da resposta à outra questão: em que mundo quer

viver? Pois nosso desejo guiará nosso agir, subordinando nossa razão a eles, e determinará o

mundo que construiremos para nossas crianças, com a possibilidade de oportunizar-lhes a

convivência humana responsável e livre.

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188

Page 189: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

ANEXOS

189

Page 190: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

ANEXO I – ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS ALUNOS(Não foi aplicado questionário aos alunos – este material serviu como roteiro. As assertivas foram usadas como sugestões e surgiram várias outras afirmações não

previstas neste roteiro)

Nome:

Idade: Série: Turno:

I Vida Escolar/Violência na Escola

a) Pensando nas coisas que você aprende na escola, você acha que são:

( ) úteis para a vida, para o futuro;

( ) inúteis, mas precisa delas para ter chances de trabalho;

( ) inúteis, e não afetam as chances de trabalho;

( ) não aprende nada.

b) O que você não gosta na escola?

( ) do espaço físico;

( ) da secretaria, da direção;

( ) da maioria dos alunos (desapreciam os colegas);

( ) das aulas;

( ) da maioria dos professores.

( ) outro.

c) Considera os maiores problemas de sua escola:

( ) alunos desinteressados/indisciplinados;

( ) carências materiais e humanas (“falta de espaço”, “não há professores suficientes”,

“faltam livros, vídeos e computadores”);

( ) professores incompetentes e faltosos.

( ) outros. Especificar.

d) Já viu alunos, pais, professores, funcionários, membros da Direção sofrerem na escola:

( ) ameaça ou ofensa verbal

( ) agressão física

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Page 191: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

( ) violência sexual

e) Como a maioria dos professores de sua escola trata os alunos? Pode marcar mais de uma

opção

( ) orienta, conversa com os alunos

( ) procura compreender os alunos

( ) exige demais dos alunos

( ) não está interessado nos alunos

( ) briga, usa linguagem pesada com os alunos

f) Como eles reagem a este tratamento dos professores?

g) Na sua escola, quando um aluno sofre agressão de um colega, o que ele geralmente faz

(como ele reage)? Pode assinalar mais de uma assertiva.

( ) vinga-se com ajuda de amigos

( ) fala com os pais

( ) não faz nada, cala-se

( ) fala com a Direção da escola

( ) procura a polícia.

h) Quando ocorre briga entre alunos, na escola, o que a maioria dos alunos geralmente faz?

( ) incentiva

( ) procura separar

( ) não se mete

( ) chama professores/direção

( ) outro.

i) Ocorrência de ferimento grave ou morte de alunos, pais ou professores no ambiente da

escola:

( ) Sim

( ) Não

j) Uso de armas nas ocorrências violentas na escola:

( ) armas de fogo

( ) outras armas (facas, canivetes, estilete, corrente, cacetete, porrete)

( ) não há utilização de armas nas ocorrências.

k) Ocorrência de disparos de arma de fogo dentro ou próximo à escola:

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Page 192: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

( ) Sim

( ) Não

l) Violência contra a propriedade, se já aconteceu na escola:

( ) furto (sem violência à pessoa)

( ) roubo ( com violência ou grave ameaça à pessoa)

m) Já ocorreu algum tipo de violência contra o patrimônio da escola?

( ) destruição ou depredação do espaço e do equipamento escolar

( ) furtos de bens de propriedade da escola

( ) pichações

n) Tipo de violência mais comuns na escola:

( ) física

( ) verbal

( ) contra o patrimônio ou a propriedade

o) Praticantes da violência escolar (numerar em ordem de ocorrência mais freqüente):

( ) alunos

( ) professores

( ) funcionários

( ) membros de gangues

( ) adultos ligados à escola

( ) adultos criminosos

p) Vítimas de violência escolar (numerar em ordem de ocorrência mais freqüente):

( ) alunos

( ) professores

( ) alunos específicos (“CDFs” ou delatores, por exemplo)

( ) funcionários

( ) grupos discriminados (negros e homossexuais, por exemplo)

q) Você já sofreu algum tipo de violência na escola? Qual?

r) Na sua relação com professores desta escola, você já se sentiu:

( ) desrespeitado como pessoa;

( ) receia que os professores o acusem injustamente de ter feito alguma coisa;

( ) intimidado;

( ) foi ameaçado;

( ) foi humilhado;

( ) sofreu violação da auto-estima

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Page 193: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

s) Conseqüências da violência na escola sobre o desempenho escolar do aluno: como você

acha que a violência afeta ou afetou os seus estudos? (pode marcar mais de uma):

( ) não consegue concentrar-se nos estudos

( ) fica nervoso, revoltado

( ) perde a vontade de ir à escola

II Relacionamento Familiar:

a) Os pais comparecem na escola em que ocasiões?

b) Como gostaria que fosse a participação de seus pais ou responsáveis na escola?

c) Sobre o registro por indisciplina em sua ficha escolar, o que tem a dizer?

d) É considerado “aluno problema” pela escola? Por quê?

e) Como se relaciona com sua família? Quem educa?

III Meios de Comunicação:

a) A quais tem acesso? O que assiste na TV? Conversa com a família sobre o que assiste?

IV Relacionamento da escola com a família e as demais instituições:

a) Conhece o MP e o CT? Como gostaria que fosse a participação do MP e do CT na escola?

b) O que sabe sobre o ECA?

193

Page 194: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

ANEXO II – FAMILIARES RESPONSÁVEIS PELOS ALUNOS

Nome do participante:

Idade: Escolaridade:

Nome do filho:

1 Constituição familiar

1.1 Composição familiar dos alunos (com quem vivem)

1.2 Tipo de união (casamento, união estável)

2 Renda familiar

3 Quanto à criação ( atendimento das necessidades básicas, materiais emocionais), e

também à educação (no sentido de ensinar, transmitir valores, princípios, atitudes e

conhecimentos):

3.1 de quem é a responsabilidade?

3.2 quem na verdade o faz?

3.3 sente-se preparado para criar seus filhos?

3.4 pensou em desistir de criar os filhos diante das dificuldades?

3.5 desistiu de criá-los porque “não dá mais conta”?

4 Bases de apoio da família na educação dos filhos

4.1 quem ajuda na criação diária dos filhos ou substitui os pais na ausência destes

4.2 referências para cuidar, educar e criar os filhos. Pessoas ou instituições procuradas

pelo familiar responsável quando este tem problemas com os filhos.

5 Onde busca informações sobre criação/educação dos filhos.

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Page 195: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

6 Significado de educação para as famílias. Questionar acerca dos valores.

7 O que considera mais importante para educar uma criança? /como educa seu filho?

8 Conversa com o filho (dialoga)?

9 Como exerce “poder de autoridade e disciplina”? Agride fisicamente o filho?

10 Divide com a escola a tarefa de educar? Acompanha a vida escolar do filho?

Como?

11 O que o filho deve aprender em casa? E o que deve ser ensinado na escola?

12 Preocupa-se com a violência escolar? Conhece a ficha individual do filho? Este já

foi vítima ou autor de ato de indisciplina ou violência na escola?

13 Conhece o Estatuto da Criança e do Adolescente?

14 Que impressões tem do Ministério Público? Conhece as atribuições do Promotor de

Justiça?

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Page 196: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

ANEXO III – ENTREVISTA E QUESTIONÁRIO

PROFESSORES, ORIENTADORA E DIRETOR DA ESCOLA:

I DADOS PESSOAIS:

Nome:

Idade: Tempo de serviço: Carga-horária de trabalho:

II ENTREVISTA DIRETA GRAVADA (temas a abordar):

- função da educação - crise de identidade da escola e educação para valores;

- crise de autoridade do professor;

- visão do ECA;

- papel da família na educação;

- papel dos meios de comunicação na educação;

- relação da escola com profissionais de áreas diversas à educação: psicólogos,

assistentes sociais e outros;

- relação da escola com o Conselho Tutelar, Polícia, Ministério Público, Poder

Judiciário. O que fazer para melhorar?

- Casos mais comuns de indisciplina e punições mais freqüentes;

- Casos de violência mais comuns (questionar sobre a violência psicológica) e

encaminhamentos efetuados;

- Causas e consequências da violência escolar;

- Soluções.

- Como a interação entre família, escola e Promotoria de Justiça pode contribuir para a

transformação positiva do cenário da violência escolar?

III QUESTIONÁRIO (aplicado de forma direta pela pesquisadora)

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Page 197: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

a) Os maiores problemas de sua escola são (numerar em ordem de gravidade):

( ) carências materiais e humanas (“falta de espaço”, “não há professores suficientes”,

“faltam livros, vídeos e computadores”);

( ) alunos desinteressados/indisciplinados;

( ) pais desinteressados.

( ) sugerir outros:..........................

b) Relações entre alunos e professores:

Como a maioria dos professores de sua escola trata os alunos? Pode marcar mais de uma

opção

( ) orienta, conversa com os alunos

( ) procura compreender os alunos

( ) exige demais dos alunos

( ) não está interessada nos alunos

( )briga, usa linguagem pesada com os alunos

c) Formas de violência simbólica a que foram submetidos na escola.

Na sua relação com alunos desta escola, como professor, você já se sentiu (pode assinalar

mais de uma opção):

( ) desrespeitado como profissional;

( ) desrespeitado como pessoa;

( ) receoso de que os alunos o acusem injustamente de ter feito alguma  coisa;

( ) intimidado;

( ) ameaçado;

( ) humilhado;

( ) sofreu violação da auto-estima

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Page 198: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

d) Opinião sobre a utilidade do que a escola ensina. Pensando nas coisas que você aprende na

escola, você acha que são:

( ) úteis para a vida, para o futuro;

( ) inúteis, mas precisa delas para ter chances de trabalho;

( ) inúteis, e não afetam as chances de trabalho;

( ) não aprende nada.

Violência escolar

e) Alunos, pais, professores, funcionários, membros da Direção já sofreram na escola:

( ) ameaça ou ofensa verbal

( ) agressão física

( ) violência sexual

f) Quando ocorrer briga entre alunos, na escola, o que a maioria dos alunos geralmente faz?

( ) incentiva

( ) procura separar

( ) não se envolve

( )chama professores/direção

g) Na sua escola, quando um aluno sofre uma agressão, o que ele geralmente faz?

( ) vinga-se com ajuda de amigos

( ) fala com os pais

( ) não faz nada, cala-se

( ) fala com a Direção da escola

( ) procura a polícia.

h) Ocorre o uso de armas nas ocorrências violentas na escola?

( ) armas de fogo

( ) outras armas (facas, canivetes, estilete, corrente, cacetete, porrete)

( ) não há utilização de armas nas ocorrências.

i) Ocorrência de disparos de arma de fogo dentro ou próximo à escola:

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Page 199: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

( ) Sim

( ) Não

j) Ferimento grave ou morte de alunos, familiares ou professores no ambiente da escola:

( ) Sim

( ) Não

k) Violência contra a propriedade privada, se já aconteceu na escola:

( ) furto (sem violência à pessoa)

( ) roubo ( com violência ou grave ameaça à pessoa)

l) Violência contra o patrimônio da escola, se já ocorreu nesta escola:

( ) destruição ou depredação do espaço e do equipamento escolar

( ) furtos de bens de propriedade da escola

( ) pichações

m) Violências mais comuns no ambiente escolar

( ) física

( ) verbal

( ) contra o patrimônio ou a propriedade

n) Praticantes da Violência Escolar (possibilidade de marcar mais de uma alternativa, em

ordem crescente de ocorrência):

( ) alunos

( ) professores

( ) funcionários

( ) outros não integrantes da comunidade escolar

o) Vítimas da Violência Escolar (possibilidade de marcar mais de uma alternativa, em ordem

crescente de ocorrência):

( ) alunos

( ) professores

( ) alunos específicos (“CDFs” ou delatores, por exemplo)

( ) funcionários

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Page 200: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

( ) grupos discriminados (negros e homossexuais, por exemplo)

p) Conseqüências da violência na escola sobre o desempenho escolar do aluno (pode marcar

mais de uma):

( ) não consegue concentrar-se nos estudos

( ) fica nervoso, revoltado

( ) perde a vontade de ir à escola

q) Nos últimos 12 meses você foi vítima de violência na escola?

( ) sim. Qual?

( ) não

r) Percepção das conseqüências da violência escolar sobre o desempenho profissional – Como

você considera que a violência afeta seu trabalho na escola (pode marcar mais de uma opção):

( ) seu estímulo para o trabalho diminuiu

( ) sente-se revoltado

( ) não consegue concentrar-se direito nas aulas

( ) perde a vontade de ir trabalhar

( ) fica nervoso e irritado na escola

s) Formas de reação: Se você sentir-se ameaçado, desrespeitado ou em perigo no ambiente

escolar, o que fará?

( ) buscará transferência para outra escola

( ) manterá a mesma conduta no trabalho

t) Medidas contra a violência nas escolas. Assinale, por ordem de prioridade, as cinco

medidas que considera mais eficazes a serem adotadas contra a violência escolar:

( ) Medidas de segurança ou de fiscalização na escola (instalação de detectores de metais

na entrada da escola; cercamento com muros altos ou grades de proteção; câmeras de circuito

interno de TV; contratação de vigilantes e agentes de segurança para fiscalizarr internamente

a escola);

200

Page 201: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

( ) Medidas preventivas de participação ampliada, baseadas na interação dos atores

(estabelecimento de diálogo entre alunos, pais, professores e diretoria para solucionar a

violência e parceria entre escola e comunidade);

( ) Medidas de segurança dentre e fora da escola (vigilância policial na escola e

imediações);

( ) Medidas disciplinares orientadas para os alunos (disciplina mais in- flexível com

expulsão dos que praticam atos irregulares);

( ) Medidas preventivas, calcadas na defesa pessoal (aulas de defesa pessoal para alunos e

professores);

( ) Medidas reativas, por violência (ter uma arma de fogo para proteger a si mesmo e/ou

aos filhos).

( ) Qualificar a interação entre profissionais da educação e de outras áreas (direito,

psicologia e serviço social, por exemplo), como psicólogos, assistentes sociais, conselheiros

tutelares, policiais, juízes e promotores de justiça.

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Page 202: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

ANEXO IV – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DA ESCOLA

I Dados gerais sobre a escola:

- idade da escola;

- número de alunos e distribuição destes;

- número de professores;

- número de funcionários;

- número médio de alunos por turmas.

II Dados do ambiente escolar observados durante as visitas

a) segurança do ambiente:

1) Itens de segurança de trânsito encontrados em frente à escola

( ) semáforo ou sinal luminoso para pedestres;

( ) passarela para pedestre;

( ) faixa de pedestres respeitadas pelo motoristas.

2) A escola é cercada por muros ou telas?

3) Se alguém controla os que entram, o que ele faz ou usa:

( ) exige documento de identidade;

( ) usa detector de metais;

( ) interfona para saber se as pessoas podem entrar;

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Page 203: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

( ) utiliza câmera de TV interna.

4) Como é controlada a entrada de alunos:

( ) há carteirinha de indentificação;

( ) usa-se detector de metais;

( ) pelo uniforme.

5) Entre o portão de entrada e o acesso às dependências da escola (salas e secretarias) existe

algum outro portão (como proteção ou controle)?

6) Os corredores têm portas gradeadas para serem fechadas após as aulas?

7) Foi visto algum funcionário da escola inspecionando os corredores?

8) As janelas têm grades?

9) Existem pessoas responsáveis pela fiscalização dos banheiros e vestiários?

10) Existe outro tipo de fiscalização: câmera de TV, detector de metais, etc.?

11) A maioria dos alunos estava de uniforme?

b) equipamento físico da escola

b.1) qualidade das instalações das salas de aula

1) Como são as salas de aula:

( ) as salas são amplas;

( ) o tamanho das salas é suficiente para o número de alunos;

( ) as salas são apertadas.

2) Qual o estado de conservação das carteiras dos alunos:

( ) Ruim

( ) Bom

3) Qual o estado de limpeza do chão e das paredes da sala:

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Page 204: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

( ) Ruim

( ) Bom

4) As salas têm janelas amplas com boa iluminação (luz do dia) e ventilação natural?

5) As salas têm ventilador?

6) No geral as lâmpadas acendem?

Todas as variáveis acima foram agregadas de forma que as respostas positivas determinam

boas condições das salas e as negativas, más condições.

b.2) espaço externo

1) Condições de limpeza do pátio

( ) Ruim

( ) Bom

2) Aspecto de conservação em geral

( ) Ruim

( ) Bom

3) Tamanho do pátio

( ) Pequeno;

( ) Médio;

( ) Grande;

( ) Muito grande

3) A escola tem pátio interno?

4) O pátio é coberto?

5) O pátio é aberto à luz do sol?

6) O pátio tem vegetação: grama, arbustos, árvores, vegetação alta?

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Page 205: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

7) O pátio é cimentado?

8) O pátio tem piso com algum revestimento (cerâmica, azulejo, etc.)?

O índice foi construído a partir da agregação dessas variáveis.

c) qualidade das instalações do prédio – a partir da agregação dos seguintes índices

(observados pela pesquisadora):

- qualidade do pátio

- qualidade dos corredores

- estado de conservação do prédio

- qualidade de atendimento da secretaria

- qualidade de atendimento das autoridades da escola

- qualidade das instalações dos banheiros da cozinha

- aspecto geral da cantina ou refeitório da escola:

d) Funcionários:

1) Atitude dos funcionários da secretaria para com os usuários?

( ) perguntaram se queria algo;

( ) ignoraram a presença da pesquisadora;

( ) tiveram má vontade;

( ) foram educados

2) Encontro com alguma autoridade da escola:

( ) Educado e cordial;

( ) Tiveram boa vontade;

( ) Ríspido, ofensivo ou desatencioso.

e) Comportamento dos alunos na escola durante as visitas:

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Page 206: EDUCAÇÃO PARA VALORES: UMA ALTERNATIVA PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA

1) Foram vistos alunos fumando no pátio da escola?

2) Durante as aulas eles entram e saem das salas à vontade?

3) Foi presenciado desentendimento envolvendo alunos da escola?

4) Foi observado o uso ou a venda de drogas na escola ou nos arredores?

5) Os professores fumam diante dos alunos?

6) Foram vistos alunos andando a esmo pelos corredores durante o horário de aulas?

7) Havia funcionário da escola inspecionando os corredores?

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