educação e formação de adultos

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 História de Vida e Referencial de Competências - Chave  - Tensões e conflitos no pro cesso de Reconhecime nto, Validação e Certificação de Competê ncias  1

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A importância da educação e formação de adultos. Diferentes abordagens. Relevância para se entender a especificidade da formação de adultos e a necessidade de adotar métodos pedagógicos diferenciados do ensino regular.

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  • Histria de Vida e Referencial de Competncias - Chave

    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

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    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

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    INTRODUO

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    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

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    A presente investigao prende-se com a mais recente estrutura de Educao e

    Formao de Adultos, o Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    (RVCC) e tem como principal objectivo determinar se existir nestes anos mais

    recentes, que correspondem a uma nova fase dos processos RVCC, uma tenso entre os

    dispositivos metodolgicos que utilizam e que se inscrevem em duas lgicas diferentes,

    uma de natureza informal, a Histria de Vida do adulto que procura o processo RVCC,

    a outra de natureza formal, o Balano de Competncias a serem reconhecidas, validadas

    e certificadas. A Histria de Vida conduz ao Balano de Competncias, e a articulao

    de ambos produz o Porteflio Reflexivo de Aprendizagens (PRA), processo

    aparentemente fcil mas que pressupe da parte do adulto uma capacidade real de

    reflectir sobre as aprendizagens efectuadas ao longo da vida em contextos formais, no

    formais e informais. O Balano de Competncias faz-se remetendo para um Referencial

    de Competncias-Chave, de nvel bsico ou secundrio, cujo dfice implica um

    processo de formao dos adultos que assume na prtica a forma escolar. A tenso

    mencionada, a existir, ser precisamente produzida pela tentativa de formalizao do

    informal, o qual princpio orientador fundamental do campo da Educao e Formao

    de Adultos, pois como reconhece Canrio as modalidades educativas no formais e

    informais constituiriam a matriz fundamental dos processos de aprendizagem (2000:

    82).

    O tema escolhido prende-se com o facto de ter entrado em contacto com esta realidade

    no 4 ano da Licenciatura em Cincias da Educao. O meu estgio decorreu no Centro

    de Novas Oportunidades (CNO) da Cruz Vermelha de Vila Nova de Gaia, tendo na

    ocasio estudado as razes do abandono dos adultos em processo RVCC. As concluses

    do relatrio de estgio indicam como razes de abandono constrangimentos de ordem

    diversa, desde a complexidade do Referencial de Competncias-Chave at inibio em

    falar da Histria de Vida, passando pela falta de apoio por parte dos profissionais

    (referida pelos adultos) ou pela presso de metas quantitativas a atingir (referida pela

    equipa tcnico pedaggica).

    No decurso daquele estudo, verifiquei existirem adultos que abandonavam o processo,

    regressavam, para de novo o abandonarem. Este abandono recorrente despertou-me a

    curiosidade e levou-me a interrogar se as razes subjacentes no residiriam

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    precisamente na prpria natureza do processo RVCC e na hipottica contradio entre

    dispositivos metodolgicos, nomeadamente as Histrias de Vida e o Referencial de

    Competncias-Chave.

    A presente investigao est estruturada em trs partes distintas: o quadro conceptual,

    que pretende enquadrar teoricamente o trabalho, o quadro metodolgico, que define as

    metodologias e procedimentos utilizados no desenvolvimento da investigao e os

    resultados e discusso, interligando teoria e estudo emprico na produo de

    conhecimento.

    O quadro conceptual divide-se em dois captulos os quais constituem em conjunto a

    moldura terica da investigao.

    O Captulo I intitulado Educao e Formao de Adultos remete-nos para o conceito

    de Aprendizagem ao Longo da Vida e como esta no discurso oficial se relaciona

    preferencialmente com a fase adulta da vida dos indivduos. A coloca-se a questo

    sobre o que um adulto e como olhada e tratada a questo da educao e formao de

    adultos.

    O Captulo II intitulado Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    faz uma breve contextualizao dos Centros de Novas Oportunidades, onde decorrem os

    processos RVCC, e reflecte sobre os dispositivos metodolgicos que utilizam, Histria

    de Vida e Balano de Competncias. Refere tambm o perfil dos profissionais RVCC,

    salientando o seu papel de mediadores e agentes de comunicao. Por fim, procura

    desenvolver o conceito de autonomia, dado que central ao processo RVCC, pedida

    autonomia ao adulto que o frequenta como condio fundamental de sucesso,

    constituindo ponto fulcral perceber se essa autonomia no deveria ser estimulada pelo

    processo em si em vez de exigida partida.

    O Captulo III intitulado Metodologia de recolha e tratamento de dados subdivide-se

    em quatro pontos distintos. O primeiro e segundo pontos abordam a problemtica de

    estudo e a metodologia qualitativa utilizada na sua abordagem, que se traduz numa

    anlise do sentido que os actores do s suas prticas. O terceiro ponto refere os

    procedimentos adoptados no decurso da investigao, nomeadamente os instrumentos

    de recolha de dados utilizados, entrevista e anlise documental, finalmente o quarto

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    desenvolve o conceito de anlise de contedo como mtodo de anlise e tratamento de

    dados.

    Os Resultados e Discusso contm dois captulos, o Captulo IV intitulado Principais

    Consideraes para o Tema em Estudo e o Captulo V intitulado (Re)problematizando

    o processo RVCC. No ponto 1 do Captulo IV feita a anlise de contedo das

    entrevistas, respeitando o significado atribudo pelos sujeitos aos acontecimentos e

    procurando compreender atravs da escuta as suas perspectivas sobre o tema em

    questo. No ponto 2 do mesmo Captulo so discutidos os resultados obtidos,

    interligando dados empricos e conceitos tericos, demonstrando que existe uma tenso

    entre a Histria de Vida individualizada do adulto e os Referenciais de Competncias-

    Chave padronizados, comuns a todos os CNOs, e avaliando as repercusses no

    processo RVCC.

    O Captulo V constitui uma reflexo sobre os CNOs, a realidade actual do processo

    RVCC e a realidade nos anos iniciais da sua criao e implementao no terreno,

    procurando determinar qual o ponto crucial da tenso Histria de Vida/Referencial de

    Competncias-Chave e que parece situar-se na mudana do perfil do pblico-alvo.

    A Concluso constituiu uma reflexo sobre o percurso da investigao, meditando sobre

    o que na realidade o processo RVCC, quais os objectivos dissimulados que visa e o

    que poderia ser se norteado pelos grandes princpios orientadores da Educao e

    Formao de Adultos.

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    1 Parte QUADRO CONCEPTUAL

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    Captulo I

    Educao e Formao de Adultos

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    1.1. Aprendizagem ao Longo da Vida

    Aprendizagem ao longo da vida: um conceito que surge na dcada de 19701

    Aps a Segunda Guerra Mundial os governos dos pases aliados assinaram a Carta das

    Naes Unidas, destinada a manter a paz e segurana recm adquiridas, promovendo

    simultaneamente o desenvolvimento econmico e social caracterstico do modelo de

    civilizao ocidental. Foi assim imposta a chamada modernizao, hegemonia da

    Histria e cultura ocidental, e comea-se a falar em Direitos Humanos, uma vez mais

    Direitos Humanos ocidentais que no tinham em linha de consta as diferenas

    culturais e se auto-proclamavam como norma de conduta moral universal. De acordo

    com Finger e Asn (2003: 27/30) surgiu ento o Economic and Social Council

    (ECOSOC), o qual tinha como objectivo a coordenao das agncias de

    desenvolvimento quer econmico quer social, tendo um ano mais tarde sido fundada a

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO),

    como agncia especializada do ECOSOC. A sua misso era contribuir para a paz e

    segurana, promovendo a colaborao entre os povos, atravs da educao, da cincia e

    da cultura (Constituio da UNESCO, in Finger e Asn, 2003: 28).

    A UNESCO teve o seu apogeu nos chamados gloriosos 30 anos que se seguiram ao

    ps-guerra, no decurso dos quais muitas colnias adquiriram a sua independncia,

    tendo-se ento alargado substancialmente o nmero dos seus pases membros. Por esta

    altura foi tambm criado o Conselho Internacional de Educao de Adultos por um

    colaborador prximo da UNESCO, uma vez que a educao para todos ao longo da vida

    era vista como um dos pilares fundamentais do desenvolvimento e do crescimento

    econmico. Em anos mais recentes teve contudo a UNESCO o cuidado de passar a falar

    em desenvolvimento sustentvel e a mostrar preocupao com a conservao ambiental

    e a poupana de recursos naturais.

    No entanto, o discurso e a filosofia da UNESCO em relao educao popular e de

    adultos so produtos tpicos das Dcadas de Desenvolvimento e de uma agenda de

    aco social de libertao e empowerment atravs da educao, quer cientfica, quer

    cultural (Finger e Asn: 2003: 29). A sua aco neste campo tem sido muito profcua ,

    1 Eurydice, (2000: 9)

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    quer mobilizando recursos e lanando programas de propagao de conhecimentos, quer

    atravs da organizao de conferncias e publicao e guarda de documentos

    Em 1948, Paul Lengrand inicia funes na Unesco, sendo nomeado responsvel pela

    Diviso de Educao de Adultos em 1962, tendo estado na base da implantao de uma

    Unidade de Aprendizagem ao Longo da Vida. Nessa capacidade apresenta em 1965 um

    relatrio no Comit Internacional da UNESCO, intitulado Uma Introduo Educao

    ao Longo da Vida. o emergir de um novo conceito que ir tentar restaurar o sistema

    educativo abalado com os acontecimentos de Maio de 1968, preconizando que a

    Educao Permanente era o princpio unificador que permitia reunir num todo coerente

    os vrios aspectos da educao (Lengrand, 1965, cit. Nogueira, 1996: 37).

    A Educao Permanente na Europa2 seguidamente impulsionada pelo Conselho da

    Europa, tendo-se realizado sob os auspcios da UNESCO duas conferncias, nas quais

    se procurou articular a Educao Escolar com a Educao de Adultos no seio da

    Educao Permanente. Foram elas a Terceira Conferncia Internacional de Educao de

    Adultos (realizada em Tquio em 1972) que estabeleceu como objectivos examinar as

    tendncias da educao de adultos durante o decnio precedente, considerar as funes

    da educao de adultos no contexto da educao permanente e examinar as estratgias

    do desenvolvimento educativo no que diz respeito educao de adultos e a

    Recomendao sobre o Desenvolvimento da Educao de Adultos de Nairobi (1976), a

    qual, embora sublinhando a prioridade que deve ser dada a grupos educacionalmente

    subpriveligiados", referindo melhoramentos a efectuar para colmatar essa situao e

    propondo diversas medidas nesse sentido, acaba por no estabelecer os direitos da

    educao dos adultos.

    2 Em 1970, o Conselho da Europa edita uma recolha de quinze estudos sob o ttulo Educao

    Permanente. o resultado de uma srie de reflexes iniciadas desde 1967 no mbito do Conselho da Cooperao Cultural. Em 1981 publicado um documento Contribuio para o desenvolvimento de uma nova poltica educativa que retoma os trs principais textos elaborados no mbito do projecto Educao Permanente. Este projecto, de 1972 a 1979, foi empreendido pelo Grupo Director sob a presidncia de Bertrand Schwartz, dando lugar em Junho de 1979 a um Simpsio de Sntese, em Siena,

    que marcou finalmente o termo. Depois, baseando-se nos princpios ou fundamentos do conceito de

    Educao Permanente, uma srie de projectos - principalmente no domnio da Educao dos Adultos -

    procurou traduzi-los em termos de estratgias educativas adaptadas evoluo social, econmica e

    cultural dos pases signatrios da Conveno Cultural Europeia. TITZ, Jean-Pierre (1995) O projecto Educao Permanente do Conselho da Europa, Formao Profissional n 6 Revista Europeia, 45 [On-line]

    http://www.cedefop.europa.eu/etv/Upload/Information_resources/Bookshop/132/6_pt_titz.pdf, 18/09/09

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    por conseguinte o Simpsio de Sienne de 1980 que vem confirmar para a Europa o

    valor da Educao Permanente e definir o quadro de aco constitutivo dos seus

    princpios, bem como as suas consequncias, os quais podem ser esquematizados da

    seguinte forma:

    Quadro n 1 - Os traos e os contornos dos Princpios da Educao Permanente

    Fonte: (Nogueira, 1996: 38)

    Quadro n 2 As consequncias dos princpios da Educao Permanente

    A Educao Permanente Consequncias

    Designa um Projecto. No um sistema fechado.

    global. No sectorizada.

    Destina-se tanto a reestruturar o sistema educativo como a desenvolver todas as possibilidades de formao fora do sistema educativo.

    Ultrapassa o sistema educativo e, como

    consequncia, ultrapassa as possibilidades de qualquer Ministrio da Educao.

    Considera o ser humano sujeito da sua prpria educao, por meio da interaco permanente das suas aces e reflexes.

    participativo, descentralizado e englobado nas necessidades sociais reais.

    Rejeita intervenes que se limitem ao perodo de escolaridade.

    transescolar.

    Abarca todas as dimenses da vida, todos os ramos do saber e todos os conhecimentos prticos que podem adquirir-se por todos os meios.

    integral.

    Contribui para todas as formas de desenvolvimento da personalidade.

    Articula projectos de formao com projectos de desenvolvimento.

    total. Articula todos os projectos educativos entre si.

    Fonte: (Nogueira, 1996: 38)

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    A Educao Permanente pelo exposto nos quadros e nas palavras de Canrio um

    princpio reorganizador de todo o processo educativo3 (2000: 88), objecto de citaes

    entusisticas de diversos autores, como por exemplo traz consigo um mundo melhor,

    a promoo de uma nova sociedade, um suplemento de alma para os anos 70

    (Grard Wiel, Hartung, Sarrouy cit. Nogueira, 1996: 36-37) ou mais recentemente

    Malgraive a formao inicial ser pensada e realizada em funo de e para a formao

    contnua de adultos (1981, cit. in Nogueira, 1996: 37).

    A publicao da UNESCO, conhecida como Relatrio Delors (1996), decorridos mais

    de trinta anos sobre o relatrio Lengrand, continua a promover o conceito de Educao

    ao Longo da Vida a Educao to diversificadaque abrange todas as actividades

    que permitem ao ser humano, desde a infncia at velhice, adquirir um conhecimento

    dinmico do mundo dos outros e de si prprio. (Eurydice 2000:11). A Organizao

    para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico (OCDE), tambm em 1996,

    enfatiza a progresso da vida activa, salientando que a mesma

    [] engloba o desenvolvimento social do ser humano sob todas as formas e em

    todos os contextos, tanto formaiscomo no formaise empreende esforos com

    vista a assegurar que todos os adultos, tanto empregados como desempregados, que

    necessitem de fazer uma reciclagem dos mesmos, tenham oportunidade de o fazer.

    (idem:11-12).

    Estava lanado um desafio aos sistemas educativos dos pases membros da OCDE, o

    qual adopta instrumentos internacionais, decises e recomendaes, para promover

    regras ou acordos multilaterais necessrios para garantir o progresso das naes dentro

    de uma economia cada vez mais global. O dilogo, o consenso e a presso sobre os seus

    pares so o verdadeiro centro de actuao da OCDE4.

    O significado do conceito em Portugal

    Seguindo o estudo da EURODYCE, Portugal interpreta o conceito de aprendizagem ao

    longo da vida como uma

    3 Em itlico no original

    4 OCDE Enquadramento Geral (2002) in Autoridade Nacional de Comunicaes (ANACON) [On-line]

    http://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=7821, 13/07/09

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    acelerao da transio para uma economia e sociedade diferentes. (economias

    baseadas no conhecimento) e (sociedades da informao) , assim como atribuir

    escola um papel central [] enquanto instncia privilegiada para a construo de

    conhecimentos, saberes, competncias e atitudes [...] capazes de dotar qualquer

    cidado com os instrumentos bsicos essenciais para o exerccio de uma cidadania

    activa numa sociedade em rpida mutao (idem:114).

    Uma das preocupaes transversais no relatrio de Portugal reforar a qualidade da

    educao escolar para todos considerando [] as fragilidades especficas da situao

    educativa da populao portuguesa, resultante dos atrasos acumulados durante geraes

    [] (idem:116). Ainda segundo a mesma fonte, em meados dos anos 90, 80% da

    populao entre os 15-64 anos detinha como habilitao escolar apenas 9 ou menos

    anos de escolaridade.

    A este atraso de Portugal durante geraes no est alheio o regime poltico de ditadura

    vivido antes do 25 de Abril de 1974, que em nada privilegiou a rea educativa.

    Remetendo especificamente para a rea da Educao de Adultos, antes de Abril de

    1974, houve pouca interveno no nosso pas, pese embora o ensaio de mltiplas

    tentativas de reformas nesse campo surgidas a partir do sculo XIX.

    No decurso desse sculo foram tentadas sucessivas reformas educativas as quais

    incluam os adultos analfabetos, tendo nessa poca surgido um movimento associativo

    muito forte. A ttulo de exemplo5, podemos mencionar um projecto de Henrique

    Nogueira, datado da dcada de 60, o qual preconizava a criao de escolas de adultos

    em cada povoado, acompanhadas de gabinetes de leitura e plos de cultura sediados em

    associaes; tambm o industrial Casimiro Freire, na dcada de 80, iniciou uma

    campanha pela criao das chamadas escolas mveis, escolas que iriam ao encontro

    de todos os que delas necessitassem. Contudo, o sculo XIX foi marcado pela

    instabilidade poltica decorrente das lutas liberais, instabilidade essa que se reflectiu nos

    impulsos reformadores. No final do sculo, apesar de tudo, surgiram inmeras

    associaes culturais, que privilegiavam a formao cvica e poltica, como preparao

    para a revoluo republicana.

    5 Informao retirada da obra de Antnio Incio C. Nogueira Para uma Educao Permanente Roda da

    Vida.

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    Porm o analfabetismo generalizado diminua muito lentamente, por razes diversas, a

    que no seriam alheias por ventura as sucessivas tentativas de europeizao de

    Portugal, seguidas de perodos de isolamento. A repblica foi de incio uma fonte de

    esperana, preconizando uma aposta forte na educao popular. Foram emitidos

    inmeros decretos, que logo eram substitudos por outros, numa srie de ajustamentos,

    que se revelaram pouco frutferos. Ainda assim a educao de adultos sofreu um

    impulso positivo, com as iniciativas culturais promovidas pelas escolas mveis,

    universidades populares e outras instituies dedicadas a projectos de desenvolvimento

    local. Esse impulso quebrou-se com a instaurao da ditadura, a qual tentou glorificar

    veladamente o analfabetismo. Por exemplo, a escolaridade obrigatria que na Primeira

    Repblica, em 1919, havia passado para cinco anos regressou aos trs anos de 1911,

    vindo a ser aumentada para seis anos apenas em 1964. Passou tambm a ser exercido

    um forte controlo sobre as instituies promotoras da educao popular. Abertamente

    contudo o regime promovia campanhas pela alfabetizao que poucos resultados

    alcanavam, embora seja de salientar a aco global de Leite Pinto no Ministrio da

    Educao, a reforma do ensino tcnico e o Plano de Educao Popular, durante os anos

    cinquenta. Porm ser apenas na dcada de 70, com a reforma de Veiga Simo, que a

    educao passa a assumir um papel central nos debates sobre a modernizao e o

    desenvolvimento do pas, e que se comea a falar de democratizao do ensino e de

    Educao Permanente. Surgiram os Cursos do Ensino Primrio Supletivos para Adultos

    (CEPSAS) que funcionaram entre 1971 e 1974, sem grandes resultados,

    particularmente nas regies mais remotas e sempre de cariz escolar.

    Foi necessrio esperar por Abril de 1974 para se viver de novo uma euforia de base

    associativista, tendo as variadas intervenes culturais e sociais ento promovidas

    comeado a institucionalizar-se e a fazer parte da estrutura de organismos como a

    Direco Geral de Educao Permanente. Nos dois anos seguintes apareceram novas

    correntes neste mbito, fortemente impregnadas por um ambiente revolucionrio e um

    subjacente processo de democratizao. O poder poltico dedica mais ateno

    educao de adultos: por um lado foi criado o Plano Nacional de Alfabetizao6 (PNA),

    6 O P. N. A. apareceu em Maio de 1975, a partir de uma iniciativa do Ministro da Educao do IV

    Governo Provisrio, e pretendia baixar significativamente a taxa de analfabetismo (para 3%), apenas em

    trs anos.

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    sendo o seu principal objectivo de difcil concretizao, e por outro, apareceu um

    modelo de educao popular, que segundo Rothes (2005) procurou dar voz s classes

    socialmente mais desfavorecidas e melhorar a qualidade dos processos educativos. Estes

    esforos do ps 25 Abril representaram o [] tentar lanar-se o embrio do que seria

    um campo e um edifcio de educao de adultos em Portugal. Conceberam-se e

    experimentaram-se, nessa altura, algumas inovaes significativas (Melo, Alberto7).

    Melo refere como exemplo o exame da 4 classe para adultos que nos anos 75/76 foi

    totalmente renovado, passando a centrar-se no adulto, no se baseando apenas numa

    situao puramente escolar, mas em todo o seu percurso de vida. Est aqui j presente a

    lgica que preside ao actual sub-sistema RVCC, quando utiliza a metodologia das

    Histrias de Vida e contempla as aprendizagens realizadas em todos os lugares e tempos

    de vida.

    No por falta de iniciativa/empenhamento por parte dos tcnicos pertencentes aos

    movimentos de educao que a Educao de Adultos no tem os resultados previstos.

    Em 1979 surge o Plano Nacional de Alfabetizao e Educao de Base de Adultos

    (PNAEBA), aprovado pela Lei n 3/79 de 10 de Janeiro. Os seus principais objectivos

    eram reduzir o analfabetismo e alargar o acesso dos adultos escolaridade obrigatria.

    Este plano englobava parmetros necessrios que permitiam desenvolver medidas e

    prticas transversais Educao Popular e Educao Permanente, estando a sua

    execuo prevista para um perodo de dez anos. A nvel central, pretendia-se a criao

    de um Instituto Nacional de Educao de Adultos, que nunca chegou a ser uma

    realidade. S em 1986, e com a Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei n 46/86 de 14

    de Outubro, documento emergente da reforma do sistema educativo, contemplada a

    educao de adultos numa perspectiva que tem como referncia a educao escolar, no

    tendo em conta a vertente plurifacetada e a dimenso mais vasta da educao de adultos.

    Estrutura-se unicamente em torno do ensino recorrente de adultos e da educao extra-

    escolar. O primeiro destina-se aos indivduos que j no se encontram na idade normal

    7 Comunicao apresentada no Painel Desenvolvimento da Aplicao de Polticas de Educao / Formao, integrado no Seminrio Polticas de Educao / Formao: Estratgias e Prticas, promovido pelo Conselho Nacional de Educao, no mbito da divulgao do Programa Novas Oportunidades. Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006. Publicada Associao o direito de Aprender [On-line] http://www.direitodeaprender.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=45&Itemid=12,

    07/07/09

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    de frequncia do ensino bsico e secundrio8 e aos indivduos que no tiveram

    oportunidade de se enquadrar no sistema de educao escolar na idade normal de

    formao, tendo em especial ateno a eliminao do analfabetismo.9 A educao

    extra-escolar destina-se a todo o jovem ou adulto, que pretenda aumentar os seus

    conhecimentos e desenvolver as suas potencialidades, em complemento da formao

    escolar ou em suprimento da sua carncia.10 Est direccionada numa perspectiva de

    educao permanente e visa a continuidade da aco educativa. A Educao de Adultos

    teve um tratamento menor e diminuto por parte dos governos, nunca tendo existido no

    sistema educativo no que a ela diz respeito um tratamento articulado dos diferentes

    contextos educativos formais e no-formais e das diferentes prticas que se inserem

    dentro do conceito alargado de educao de adultos, parecendo traduzir, por

    conseguinte, uma no valorizao deste campo. (Veloso, 2004:197). Atendendo que a

    Lei de Bases do Sistema Educativo apenas abordava esta questo no sentido restrito e

    escolarizante, surgiram em 1988 duas novas tentativas que procuram reorganizar um

    projecto para o subsistema da educao de adultos.

    O Documento Preparatrio III, elaborado a pedido da Comisso de Reforma do Sistema

    Educativo, pretendia consolidar e estruturar todo o subsistema de educao de adultos,

    no menosprezando as vias de cariz mais escolar, mas valorizando uma perspectiva

    plurifacetada, onde de acordo com Rothes estavam integradas as seguintes modalidades

    da educao no escolar: extenso educativa, formao para o trabalho, promoo

    cultural e cvica, e interveno socioeducativa. O Plano de Emergncia para a Formao

    de Bases de Adultos, constitudo no mbito da Direco Geral de Apoio e Extenso

    Educativa, tinha como principal finalidade, contribuir para melhorar o nvel de

    qualificao da mo-de-obra, atravs da formao profissional que inclua uma

    formao geral de base, na perspectiva dum melhor desempenho profissional e a

    possibilidade de prossecuo das carreiras e de melhor adaptao s exigncias do

    mercado de trabalho (Rothes, 2005: 273). Contudo, mais uma vez, este plano nunca

    viria a ser adoptado, mantendo-se as medidas meramente escolarizantes da interveno

    do Estado no campo da Educao de Adultos.

    8 Artigo 20, ponto 1, da Lei n46/86 de 14 de Outubro.

    9 Artigo 20, ponto 2, da Lei n46/86 de 14 de Outubro

    10 Artigo 23, ponto 1, da Lei n46/86 de 14 de Outubro

  • Histria de Vida e Referencial de Competncias - Chave

    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    15

    Coincidentemente em 1986, com a entrada de Portugal para a Comunidade Europeia,

    emerge a formao j largamente difundida nos outros pases membros, incentivada

    pela possibilidade de recurso aos fundos comunitrios. As aces de formao

    profissional ento implementadas tiveram o apoio do Fundo Social Europeu. Um pouco

    mais tarde, em 1989, com o alargamento dos fundos estruturais comunitrios, Portugal

    candidata-se ao PRODEP11

    , Subprograma 3, Educao de Adultos. No mbito do

    PRODEP, o Subprograma de Educao de Adultos que veio a ser aprovado inserido no

    1. Quadro Comunitrio de Apoio, em 1990, teve como objectivos essenciais a obteno

    da escolaridade obrigatria articulada com uma formao profissional inicial. Podemos

    dizer que a dcada de 90, foi marcada pelo PRODEP entre 1990 e 1993, decorreu o

    PRODEP I e entre 1994 e 1999, o PRODEP II. Estes programas, representaram uma

    melhoria das medidas implementadas e desenvolvidas pelo governo neste sector,

    contudo no existiram alteraes qualitativas significativas, permanecendo o enfoque na

    escolaridade obrigatria (ampliando-se o Ensino Recorrente - 1 e 2 Ciclos) e em

    algumas aces de formao profissional inicial. Uma das debilidades do programa12

    prendeu-se com o facto de se destinar a indivduos dos 14 aos 45 anos, o que

    comportava dificuldades, dada a diferena de maturidade e de interesses e objectivos de

    uns e outros. Na realidade no estamos a lidar apenas com Educao de Adultos, mas

    educao de adultos e de jovens que abandonaram precocemente o sistema escolar

    formal. Com uma componente de formao geral e uma componente de formao

    tcnico-prtica que se destinava a introduzir os sujeitos no mundo profissional, o

    PRODEP/Educao de Adultos, ainda que teoricamente contemplasse o

    desenvolvimento individual e scio-cultural, na prtica instrumentalizou o processo

    educativo, tendo obtido pouco resultado, dado o nmero restrito de formandos que

    frequentaram as aces de formao profissional.

    Perante a situao da populao adulta portuguesa, foi constitudo o Grupo de Misso

    para o Desenvolvimento da Educao e Formao de Adultos, por deciso conjunta do

    Ministrio da Educao e do Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social.

    (Veloso, 2004:212). Um dos seus objectivos era a criao de uma Agncia Nacional de

    11

    Programa Operacional de Desenvolvimento da Educao para Portugal 12

    Informao retirada da obra de Ftima Barbosa (2004) A Educao de Adultos: Uma Viso Crtica

  • Histria de Vida e Referencial de Competncias - Chave

    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    16

    Educao e Formao de Adultos (ANEFA)13

    , a qual surgiu em 1999, sob a tutela

    conjunta dos Ministrios da Educao e do Trabalho e da Solidariedade, extinguindo-se

    ento o Grupo de Misso.

    Quais as finalidades da ANEFA? No diploma pode ler-se que a ANEFA foi criada

    com a natureza de instituto pblico, sujeito tutela e superintendncia dos Ministros

    da Educao e do Trabalho e da Solidariedade, concebida como estrutura de

    competncia ao nvel da concepo de metodologias de interveno, da promoo de

    programas e projectos e do apoio a iniciativas da sociedade civil, no domnio da

    educao e formao de adultos, e ainda da construo gradual de um sistema de

    reconhecimento e validao das aprendizagens informais dos adultos.

    A ANEFA manteve-se em regime de instalao at a sua integrao final em 2002

    (Decreto-Lei n 208/2002, de 17 de Outubro) na DGFV (Direco Geral da Formao

    Vocacional), actual Agncia Nacional para a Qualidade, (ANQ)14

    .

    As finalidades destes organismos pouco diferem entre si primeira vista quanto aos

    objectivos previstos no diploma que criou a ANEFA e os que prev a ANQ, a diferena

    mais notria reside na qualificao mnima a que se refere a ANQ, ou seja o 12 ano. Os

    restantes objectivos permanecem aparentemente os mesmos, apesar dos oito anos

    entretanto decorridos; contudo a diferena de linguagem utilizada, ao introduzir o

    conceito certificao, e das prticas que da forosamente decorrem significativa se

    nela nos detivermos com ateno, traduzindo um desvirtuamento dos processos de

    Educao e Formao de Adultos, pela insistncia nas qualificaes, conotando

    Educao e Formao Profissional e pela introduo de um novo pblico, os jovens,

    excludos do sistema de educao formal.

    13

    Criada pelo Decreto-Lei n387/99, de 28 de Setembro. 14

    A ANQ foi criada pelo Decreto-Lei n 276-C/2007 de 31/07/2007 o mesmo decreto prev no seu

    artigo 18 a extino da DGFV e do Instituto para a Qualidade na Formao, organismos cujas

    atribuies passaram para a responsabilidade da ANQ - Dirio da Repblica n 146 Srie I de 31/07/2007 Suplemento [on line]

    http://bdjur.almedina.net/item.php?field=node_id&value=1207485, 12.06.08

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    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    17

    Quadro n 3 Quadro comparativo entre finalidades da ANEFA e da ANQ

    Finalidades da ANEFA15

    Finalidades da ANQ16

    O desenvolvimento da educao e formao ao

    longo da vida, considerada como condio para a plena participao na sociedade, assenta num

    conceito de educao de adultos definido como o

    conjunto de processos de aprendizagem, formais

    ou no formais.

    Uma poltica de educao de adultos que visa, em simultneo, corrigir um passado marcado pelo atraso

    neste domnio e preparar o futuro deve assegurar

    respostas eficazes e adequadas que garantam a

    igualdade de oportunidades, permitam lutar

    contra a excluso social atravs do reforo das

    condies de acesso a todos os nveis e tipos de

    aprendizagem, ao mesmo tempo que asseguram a

    transio para a sociedade do conhecimento.

    Nesta ptica, a estratgia para a educao e formao de adultos deve combinar uma lgica de servio pblico e uma lgica de programa, que se

    traduza no estmulo e apoio iniciativa e

    responsabilidade individual e de grupos, no sentido

    de uma capacitao crescente das pessoas e das comunidades, privilegiando para isso a dimenso

    local e regional e mobilizando a sociedade civil.

    Assim, a aco a desenvolver deve dar

    visibilidade e substncia a estratgias de

    valorizao pessoal, profissional, cvica e

    cultural, na ptica da empregabilidade, da

    criatividade, da adaptabilidade e da cidadania

    activa.

    misso da ANQ, I. P., coordenar a execuo das polticas de educao e formao profissional de jovens e adultos e assegurar o desenvolvimento

    e a gesto do sistema de reconhecimento,

    validao e certificao de competncias. A

    coordenao das polticas de educao e formao, assegurando a coerncia e a pertinncia

    da oferta formativa orientada pelo objectivo da

    dupla certificao, bem como a valorizao dos

    dispositivos de reconhecimento, validao e certificao de competncias so pilares

    fundamentais da estratgia de qualificao da

    populao portuguesa e de promoo da

    aprendizagem ao longo da vida protagonizadas, em particular, pela Iniciativa Novas

    Oportunidades.

    Esta Iniciativa prope metas ambiciosas no

    domnio da certificao escolar e profissional

    da populao e exige a mobilizao alargada

    dos instrumentos, polticas e sistemas de

    qualificao.

    tm por principal desgnio promover a generalizao do nvel secundrio como

    qualificao mnima da populao portuguesa

    A interveno da ANQ, I. P. visa assim, de modo

    global e articulado, melhorar a relevncia e a

    qualidade da educao e da formao

    profissional

    A leitura do quadro suscita diversas questes, como por exemplo que direccionamento

    teve a educao e a formao de adultos nos ltimos anos?

    A sua anlise reveste-se de grande interesse, porque enfatiza as diferentes concepes

    de educao subjacentes a cada um dos organismos, nomeadamente uma abordagem

    humanista com centralidade do sujeito no seu processo de educao e formao, por

    parte da ANEFA, por contraponto a uma abordagem tecnicista que visa a mera

    qualificao da populao portuguesa por parte da ANQ. Neste ponto da pesquisa

    terica, j visvel uma tenso de posturas entre dois organismos que se sucederam no

    tempo, e consequentemente em contextos polticos diferentes, o que como sabido se

    repercute nas polticas educativas.

    15

    Decreto-Lei n. 387/99 de 28 de Setembro (Revogado pelo artigo 37. do Decreto-Lei n. 208/2002 de

    17 de Outubro) [On line]

    http://dre.pt/pdf1sdip/1999/09/227A00/66726675.pdf, 12.06.08 16

    Decreto-lei n 276-C/2007 de 31-07-2007 [On line]

    http://dre.pt/pdf1sdip/2007/07/14603/0001600020.pdf, 20/09/09

  • Histria de Vida e Referencial de Competncias - Chave

    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    18

    Considerando que a preocupao central do meu trabalho tentar perceber quais as

    directivas que regem actualmente a Educao e Formao de Adultos em processo

    RVCC e consequentes metodologias utilizadas, esta tenso observada constituiu o

    primeiro sinal que perspectiva outras mudanas, as quais iro ser objecto de posterior

    pesquisa. De facto, em termos efectivos aonde tm conduzido estas medidas? Se

    tivermos em considerao o mais recente documento oficial Programa Operacional

    Potencial Humano 2007-2013 (POHP) e observarmos quais as suas

    finalidades/objectivos, temos a sensao de estar perante o relatrio Delors com uma

    actualizao de semntica, com a introduo de novos conceitos como coeso social,

    sustentabilidade e a nfase dada globalizao. A Educao j foi contemplada com

    inmeros financiamentos da UE, esperando-se que o Prodep III lidere a evoluo do

    sistema educativo na primeira dcada do novo milnio, inspirado por uma Viso de

    Qualidade do servio pblico de educao. So elementos fundamentais destes

    programas de desenvolvimento educativo para Portugal:

    a convergncia, com os outros pases europeus, das taxas de pr-escolarizao e

    de escolarizao no ensino secundrio;

    a abertura prestao de novos servios pelas instituies escolares, especialmente

    dirigidos a adultos e activos, estimulantes de Aprendizagem ao Longo da Vida;

    a rpida evoluo do sistema tradicional de ensino para um sistema de

    aprendizagem orientada, no qual os alunos so estimulados a aprender com os

    meios e ao ritmo do seu tempo. (Prodep III)17

    Em todo este discurso notrio que vrias oportunidades no foram no devido tempo

    aproveitadas, tornando-se premente uma postura por parte do Estado Portugus que seja

    suficientemente proactiva. O sub-sistema RVCC surgiu como uma das sadas com mais

    potencial para alcanar as metas impostas e deste modo cumprir os protocolos na rea

    da Educao, tendo entre 2001 e 2005 sido certificados a nvel nacional 44.192 adultos

    e de 2006 em diante 189.508 adultos.18

    17

    Prodep III [On-line]

    www.prodep.min-edu.pt/menu/1.htm, 15/07/09 18

    Fonte: Ministrio da Educao, a partir de dados fornecidos pelos CNOs DGFV (2006) e

    plataforma SIGO (2007), com dados provisrios at 30 de Junho de 2009. [On-line] www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.novasoportunidades.gov.pt, 29/08/09

  • Histria de Vida e Referencial de Competncias - Chave

    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    19

    1.2. O que ser adulto (no sistema educativo)?

    Gaston Mialaret diz-nos que A educao se destina a todas as idades da vida de um

    homem, desde que nasce at que morre (1996: 17). A aprendizagem ao longo da vida

    contudo est directamente associada no discurso poltico ao campo da educao e

    formao de adultos. Antes de se iniciar um percurso nesse mundo da educao e

    formao de adultos convm determinar o que se entende por adulto, dado ser um

    conceito, alis como o de juventude, que pode flutuar e estar sujeito a mltiplas

    interpretaes.

    At ao final da Segunda Guerra Mundial, o adulto era olhado como algum que atingiu

    uma determinada idade, idade essa considerada como a referncia e a norma, a qual

    Avanzini defende ser tanto estatstica como ideal. Afirma o autor que

    a noo de adulto designa tanto uma norma estatstica, isto , o estado que a maioria

    dos sujeitos parece ter atingido a uma certa idade, como uma norma ideal, isto , um

    certo estado de equilbrio. Mas ainda que este equilbrio seja frequentemente mais

    desejado que possudo, torna-se aos olhos dos que chegam a estas idades, uma espcie

    de exigncia em nome da qual criticamos a imaturidade daqueles que no o

    possuem (1991: 14)

    Vaz por sua vez afirma que a passagem idade adulta corresponde a mudanas

    fundamentais de estatuto o incio da vida profissional, a sada da famlia de origem e o

    casamento (2003: 12); este conjunto de transies implica a aquisio de maturidade e

    at determinada altura posicionava os indivduos que a alcanavam numa situao

    normativa na sociedade.

    Segundo Boutinet (2000, cit in Sousa: 2007:58), tal deixou de acontecer devido ao

    desenvolvimento de uma sociedade ps-industrial em mutao constante, tendo-se ento

    comeado a problematizar o conceito de adulto. Ainda de acordo com Avanzini, ao

    falarmos de adulto estamos a utilizar um termo difuso e incerto, propondo o autor a

    seguinte definio processo atravs do qual os sujeitos (adolescentes) enfrentam e

    ultrapassam progressivamente dificuldades e encontram equilbrios para as tenses,

    isto processo de conquista de autonomia onde antes no existia, de capacidade de se

    tornar auto-suficiente [] (1991:11-12). Contudo outros autores salientam que o

    adulto algum em maturidade vocacional nunca atingida (Boutinet, 2000, cit Sousa,

  • Histria de Vida e Referencial de Competncias - Chave

    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    20

    2007: 61) que se mantm em contnuo desenvolvimento, numa perspectiva humanista

    evolucionista (Rogers, 1961, cit in Sousa, 2007: 61), sendo esta imaturidade vivida

    actualmente de forma vulnervel e arriscada, dada a incerteza e o risco de uma

    sociedade em permanente transformao. Filomena Sousa refere no seu artigo de 2007

    O que ser adulto: as prticas e representaes sociais sobre o que ser adulto

    na sociedade portuguesa, os trs modelos que Boutinet considera estarem na base da

    definio do conceito de adulto:

    1) um modelo tradicional do adulto padro, esttico, estvel, que caminha,

    vocacionalmente, para uma maturidade que entende como definitiva modelo que se

    considera ainda persistir como representao predominante na sociedade portuguesa

    e outros dois modelos emergentes que, nos ltimos trinta anos, tm caracterizado as

    duas direces para onde se encaminha o adulto inacabado. So eles: 2) o adulto em

    perspectiva, do perene desenvolvimento vocacional; e 3) o adulto como problema, do

    caos vocacional. (Sousa, 2007: 62)

    este inacabamento que permite admitir uma predisposio do adulto para a

    aprendizagem ao longo da vida. Esta realidade faz com que as respostas dadas pela

    Educao/Formao de Adultos sejam muito diversificadas, surgindo desde logo certa

    ambiguidade entre ambos os conceitos, o que pode originar um conflito entre as

    expectativas do adulto que se deseja educar ou formar, nunca sendo demais referir a

    polivalncia quer de semntica quer de interpretao entre diversos autores (estando em

    geral educao mais associada ao ensino formal e a formao na sua gnese ao ensino

    profissional), e os interesses polticos reguladores do sistema educativo e formativo em

    geral.

    1.3. Educao ou Formao de adultos conceitos interligados?

    Considerando o que referi em relao s diferenas de interpretao a que esto sujeitos

    os conceitos de Educao e de Formao, procurarei nesta rubrica expor diferentes

    pontos de vista de diferentes autores, que me permitam retirar algumas ilaes e

    construir uma abordagem pessoal para o desenvolvimento do trabalho.

    Para alguns autores a educao mais vasta do que a formao, havendo

    inequivocamente opinies divergentes. A ilustrar o referido temos a posio de Agustin

  • Histria de Vida e Referencial de Competncias - Chave

    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    21

    Osrio, na sua obra Educao Permanente e Educao de Adultos, diz-nos que

    educao e formao so dois processos inter-relacionados. A primeira tem uma viso

    ou considerao mais holstica (desenvolvimento integral da pessoa) enquanto a

    formao parece um processo mais pontual e funcional, dirigida aquisio das

    destrezas especficas normalmente vinculadas ao mundo do trabalho (2005: 197). Um

    outro autor, Gaston Pineau,19

    considera porm a formao como processo ontolgico

    essencial prvio ao processo educativo, o qual contribuiria para a formao[]

    humana. A formao, segundo o autor, uma funo inerente evoluo humana e deve

    ter em conta factores como o quotidiano, as experincias, a narrativa da vida. nesse

    sentido uma formao permanente totalmente pessoal e intransmissvel, uma formao

    que no nem uniforme nem comandada, mas depende da prpria pessoa e da sua

    relao consigo mesma, com os outros e com o meio envolvente. Por sua vez para

    Marie-Christine Josso, a educao no mais do que

    a aco duma sociedade atravs das diversas instituies que essa sociedade pe em

    funcionamento atravs das diversas instncias polticas, dos governos, a fim de

    assegurar as transmisses do savoir faire dos comportamentos que vo assegurar a

    integrao na vida social, cultural, econmica, poltica das novas geraes20.

    Assim, a educao assegura, simplesmente, a continuidade da vida da sociedade. Este

    savoir-faire que Josso aqui aponta , indubitavelmente, aquilo que denominamos de

    capacidade, de skills, a forma como agimos, reagimos e operacionalizamos uma

    determinada tarefa ou situao, conceito que mais adiante se revestir de alguma

    importncia quando abordar a noo de balano de competncias.

    Seja qual for o ponto de vista aceite ou preferido no que diz respeito educao ou

    formao de adultos, existiu e provavelmente ainda subsiste uma concepo sobre

    educao de adultos algo redutora, como mero combate ao analfabetismo, o que a reduz

    forma escolar e no distingue por isso os motivos e objectivos dos adultos daqueles

    que animam as crianas, se bem que no sero to diferentes assim, excepto pelo facto

    das ltimas serem foradas frequncia escolar. Esta viso de educao de adultos

    coloca um conjunto de pessoas de uma determinada idade sentadas em bancos

    escolares, num lugar especfico e a horas especficas, com um professor que lhes

    19

    Pineau, G. (2004) Temporalidades na Formao, So Paulo: Triom 20

    Em entrevista concedida Associao O direito de Aprender Out/2008

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    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    22

    transmite conhecimentos, conhecimentos que lhes faltam, ou seja, que colmatam um

    dfice de que so portadoras. No pergunta porque que aquelas pessoas ali esto, e

    sendo voluntrias, que propsito as anima e o que querem realizar.

    H porm uma concepo de educao de adultos mais abrangente, a que valoriza a

    experincia vivida informalmente, e que se apoia na histria de vida do adulto para a

    conhecer e a converter em fonte de conhecimento. J no se encontram presentes apenas

    intenes educativas mas tambm efeitos educativos, efeitos produzidos pelas

    aprendizagens realizadas a partir do quotidiano, atravs do contacto com a realidade

    social, por osmose como refere Abraham Pain. (Pain, 1990 citado in Canrio, R.,

    2000: 82)21

    . O adulto torna-se ento objecto, sujeito e agente de socializao,

    conduzindo o seu processo educativo, em ambiente formal, no formal ou informal,

    auto, hetero ou ecoformando-se.

    A educao assim considerada um processo complexo, heterogneo e plural, no

    compartimentalizvel em disciplinas ou em temas especficos. factor de

    desenvolvimento humano, na tripla vertente do saber, conhecimento terico, do saber

    fazer, a tcnica, e do saber ser, competncias de relacionamento consigo prprio e com

    os outros, e que sem dvida contribuem para uma maior capacidade de conceber e

    realizar com xito projectos de vida. Surge o conceito de Educao Permanente como

    educao em todas as idades, em todas as situaes e circunstncias da vida, em todos

    os espaos sociais e no apenas nas instituies especializadas, contudo na prtica os

    saberes construdos pelas pessoas continuam a ser olhados com cepticismo, e a oferta

    educativa exagerada tem tendncia a conduzir normalizao e condicionamento dos

    adultos, como o faz com os jovens.

    O movimento da Educao Permanente tem a sua gnese no incio dos anos 70 do

    sculo passado, assumindo-se como ruptura e crtica ao modelo escolar, trazendo

    consigo o embrio de uma nova sociedade. Nogueira obra afirma que a Educao

    Permanente apresenta-se como paradigma de um novo tipo de homem, dinmico e em

    constante via de complemento; um princpio que preside, fora e orienta a formao do

    cidado ideal (1996: 36). Era uma concepo de educao cheia de promessas,

    21

    Canrio, R. (2000). Educao da Adultos Um Campo e uma Problemtica, Lisboa: Educa

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    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    23

    particularmente a partir da dcada de 70, em que se procurou conjugou a Educao

    Escolar e a Educao de Adultos na Educao Permanente, tornando-se a primeira

    apenas uma das etapas num processo global de educao permanente. A esse propsito,

    Nogueira cita Dias22

    (1986):

    emerge um novo conceito de Educao Permanente que pode descrever-se como um

    processo de crescimento ou desenvolvimento at realizao final da prpria pessoa,

    no tempo, ao longo de todas e cada uma das fases da existncia infncia, juventude,

    vida adulta, terceira idade e no espao, em todos os lugares em que a vida decorre

    (1996: 37).

    As promessas da Educao Permanente no se cumpriram porque continuamos a no

    ser capazes de assumir a realidade descontnua e informal da Educao Permanente;

    rubricamos uma nova forma de dominao, agora durante toda a vida (idem: 40-41).

    Simultaneamente, desvalorizaram-se no campo das prticas educativas os saberes

    adquiridos por via experiencial, relegados para segundo plano, o que Canrio afirma

    tratar-se de uma ideia totalmente contraditria com o conceito de aprender a ser que

    estrutura os ideais da educao permanente (2000: 89). Talvez por estas razes evoluiu

    posteriormente o conceito de Educao Permanente para educao ao longo da vida e

    mais recentemente fala-se em Aprendizagem ao Longo da Vida como processo de

    formao de responsabilidade individual, humanista, ligado aos imperativos de

    desenvolvimento econmico, de combate ao desemprego, e constituindo-se como factor

    de manuteno da coeso social.

    A formao de adultos, por sua vez, conheceu um grande crescimento na segunda

    metade do sculo XX, confundindo-se com a formao profissional contnua, pois esta

    constitui-se como vertente fundamental da visibilidade e autonomia do campo da

    formao de adultos, relativamente aos tradicionais sistemas escolares (Canrio, 2000:

    39). Foi identificada por conseguinte com a formao profissional, necessria ao mundo

    do trabalho, tendo criado sua volta expectativas de mudana profunda e constituindo-

    se como veculo fundamental ao xito de reformas estruturais na sociedade. Canrio

    afirma que o sentimento de decepo que se sucedeu a uma primeira fase marcada pela

    22

    Dias, J. C. (1986) A educao de adultos como objectivo de educao escolar no contexto da educao

    permanente, in A. Incio et al. (coord.), Primeiro Congresso Nacional de Educao de Adultos.

    Coimbra: Associao Portuguesa para a Cultura e Educao Permanente

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    24

    euforia, levou paradoxalmente ao crescimento em flecha da oferta de formao

    profissional contnua (2000: 40), marcada porm pela ineficcia. Os cursos de

    formao profissional, de uma maneira geral, quer se tratasse de formao inicial ou

    contnua, pareciam uns e outros dotados de alguma inutilidade: no segundo caso apenas

    uma forma de obter lucro, porque as empresas pagavam bem para os seus trabalhadores,

    todos quadros mdios e superiores, se reciclarem; no primeiro caso, essencialmente uma

    questo de amortizar conflitos sociais, colocando na formao jovens adultos

    desempregados ou procura do 1 emprego, sem que a formao viesse a ter qualquer

    impacto na sua empregabilidade futura. Especificamente a formao contnua parecia a

    maior parte das vezes no ir de encontro s necessidades reais dos formandos, no os

    escutando nem valorizando os seus saberes experienciais, no construindo com eles o

    conhecimento, no provocando mudana; era-lhes imposta pela sociedade de forma

    compulsiva, para manterem um emprego que de alguma maneira sentiam em perigo. Os

    indivduos tinham que frequentar os cursos de formao, porque estes eram eficazes, de

    qualidade, e por muita decepo que sentissem, sentiam-se na obrigao de se formarem

    para se actualizarem, consequentemente as ofertas formativas multiplicaram-se sem

    controlo algum da real necessidade da sua existncia. A oferta formativa traduziu-se

    num acumular de cursos dispersos, desgarrados, fragmentados, que nada tinham a ver

    uns com os outros. Tratava-se antes de mais de uma questo de competio entre

    indivduos numa sociedade cada vez mais exigente, na qual, segundo Lima

    [] a educao tende a ser considerada como um bem de consumo passvel de

    mercadorizao, e de troca, e a aprendizagem ao longo da vida se transforma num

    atributo meramente individual, s plenamente eficaz quando utilizado contra o outro,

    com menos competncias para competir. (Lima, 2007: 20).

    Numa perspectiva mais abrangente, existem contudo modalidades de formao que

    tornam possvel a aproximao entre situaes de trabalho e de formao, afirmando o

    formando como sujeito co-produtor da sua formao, realizando-se a prtica formativa

    no prprio ambiente de trabalho. Ali transformam os sujeitos as experincias em

    aprendizagens no formalizadas, em saberes, atravs da reflexo e da pesquisa sobre o

    prprio exerccio do trabalho, auto-formando-se de forma permanente, individual e

    colectivamente. Canrio fala de aprendizagem organizacional e refere que o colectivo

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    25

    de actores em presena aprende teorizando sobre o trabalho, teorizao essa que

    estrutura a aco colectiva, o que permite no apenas a possibilidade de aprendizagem

    atravs da organizao, mas tambm, dando expresso um sentido metafrico, a

    possibilidade de as organizaes aprenderem, no sentido de reforarem a sua

    capacidade autnoma de mudana (2000: 45). Adquirem assim os sujeitos

    competncias que nada tm a ver com qualificaes, graus acadmicos e diplomas. So

    conhecimentos adquiridos na aco, no contacto e interaco com os outros e que

    dependem tambm da experincia de vida de cada um. Pelo exposto a formao no se

    desliga do contexto de trabalho, realiza-se nele e com ela aprendem pessoas e

    organizaes, adquirindo-se competncias tcnicas e relacionais.

    Gostaria no entanto de salientar que apesar da prevalncia do contexto profissional e das

    competncias nele adquiridas serem particularmente exploradas no processo RVCC,

    no podem ser desconsideradas todas as aprendizagens obtidas noutros contextos. So

    todas essas competncias que interessam ao presente estudo, porque so elas que se

    pretendem formalizar no processo RVCC, atribuindo-lhes uma correspondncia escolar,

    num paradigma de Aprendizagem ao Longo da Vida, como realado anteriormente.

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    7

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    26

    Captulo II

    Reconhecimento, Validao e Certificao de

    Competncias

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    27

    2.1. Breve contextualizao dos CNOS

    Ser pertinente situar contextualmente os Centros de Novas Oportunidades, as razes

    que levaram sua criao e os objectivos que se propem atingir, caracterizando a

    relevncia que assumiram no campo da Educao e Formao de Adultos.

    O poder poltico nacional, assim como directivas Europeias tm tido uma influncia

    decisiva no rumo que levam as polticas de Educao, tendo surgido uma srie de

    directivas conjuntas, que obrigam os diferentes pases a tomar medidas para

    acompanhar as resolues adoptadas, como por exemplo: O ensino, a formao e a

    empregabilidade foram reconhecidos pelo Conselho Europeu de Lisboa, de Maro de

    2000, como parte integrante das polticas econmicas e sociais necessrias para atingir o

    objectivo estratgico de fazer da Europa a economia baseada no conhecimento mais

    dinmica do Mundo at 2010 (cit. in Conselho da Europa, n. doc. ant: 9175/04 EDUC

    101 SOC 220).

    A directiva com maior visibilidade para alcanar as metas referidas a qualificao dos

    jovens e adultos, com o incremento da Iniciativa Novas Oportunidades, na qual se

    insere o subsistema Reconhecimento, Validao, Certificao e Validao de

    Competncias (RVCC). O seu objectivo principal orientar os adultos, maiores de 18

    anos, que no possuem a escolaridade obrigatria, para processos de reconhecimento,

    validao e certificao de competncias, tendo em vista a melhoria dos seus patamares

    de certificao escolar e profissional, bem como para a continuao de processos de

    formao contnua, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida. (Portaria

    n1082-A/2001 Art 2).

    No podemos esquecer contudo que ensino e formao esto relacionados com

    empregabilidade no discurso oficial, ou seja, traduzem uma formao subordinada

    economia e interesses empresariais. Tal tem conduzido tradicionalmente a um

    desinteresse do sistema educativo Portugus em conceder Educao de Adultos um

    tratamento articulado dos diferentes contextos educativos formais e no-formais e das

    diferentes prticas que se inserem dentro do conceito alargado de educao de adultos,

    parecendo traduzir, por conseguinte, uma no valorizao deste campo. (Veloso,

    2004:197). Para colmatar esta falha, embora mantendo a educao cativa da economia,

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    28

    as directivas actuais centram-se numa estratgia dual: por um lado, a elevao das taxas

    de concluso do nvel secundrio nos jovens, com um forte combate ao abandono

    precoce e uma aposta no reforo das vias profissionalizantes; por outro lado, a

    persistente recuperao dos nveis de qualificao da populao adulta, atravs da

    conjugao da educao de adultos com a generalizao dos processos de

    reconhecimento, validao e certificao de competncias.

    Apenas perante esta viso global das estratgias governamentais para se alcanar uma

    melhoria dos indicadores de abandono escolar precoce e consequente melhoria nos

    ndices de qualidade na educao, podemos determinar o porqu da especificidade da

    formao dos adultos que procuram os RVCC e as motivaes dos formadores para a

    ela se dedicarem. Estes encontram-se colocados perante uma situao para a qual no

    receberam eles mesmos formao, tendo para alm disso de dar formao formatada

    e medida das necessidades dos adultos. Estaremos perante um modelo de formao

    em que realmente os alunos aprendem com os meios ao seu dispor e ao ritmo do seu

    tempo ou, dadas as limitaes de tempo impostas pelas metas a atingir pelos CNOs e

    as exigncias de apresentao de resultados, centrando-se no produto final a obter e no

    no processo, tratando-a como treino em vez de prtica reflexiva, transformando os

    actores envolvidos em objectos em vez de sujeitos de formao?

    Em boa verdade a qualificao dos adultos que recorrem aos CNOs, para alm dos fins

    estatsticos j mencionados, traz consigo a noo muito em voga hoje em dia de

    constituir a formao uma forma privilegiada de enfrentar e resolver problemas de cariz

    social. De facto, segundo Ferry (1987), a formao constitui um dos grandes mitos do

    nosso sculo, apresentando-se como resposta para todos os problemas. O autor diz que

    a formao saiu dos limites estritamente profissionais e alargou-se a outros campos,

    tendo-se banalizado de tal forma que se imps como resposta a todas as interrogaes,

    a todas as desordens, a todas as angstias dos indivduos e dos grupos desnorteados e

    agitados por um mundo em constante mutao e ainda por cima desestabilizados pela

    crise econmica. Da formao exige-se o domnio das aces e situaes novas, a

    mudana social e pessoal que j no se espera de mudanas estruturais23 (1987: 31). O

    poder poltico, para manter a coeso social, envia os desempregados para cursos de

    23

    Em francs no original.

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    29

    formao, os activos empregados fazem cursos de formao para conservarem o

    emprego; todo este frenesim de formao, mais imposta que desejada, do meu ponto

    vista questionvel, porm quando se confrontado com questes de desemprego ou de

    crise econmica, espera-se que a formao se estruture de forma a fornecer solues,

    tornando-se assim uma ferramenta imprescindvel na luta pela incluso social, pois

    tambm ajuda a promover [] o emprego e a mobilidade social [] (Canrio,

    2000:39). Sendo pois o actual pblico-alvo dos CNO's em larga medida desempregado

    ou com emprego precrio tais destinatrios tero em comum a partilha do risco de

    excluso socioprofissional (Imaginrio, 2001: 122), criam-se expectativas da

    existncia de uma relao directa e quase imediata entre formao/qualificao e

    ingresso num mercado de trabalho estvel, as quais sendo defraudadas podem

    eventualmente ter como consequncia o abandono do processo.

    Contudo no discurso oficial a criao e o desenvolvimento do Sistema RVCC justifica-

    se pelos baixos nveis de escolaridade da populao portuguesa e pelo facto duma parte

    significativa desta populao exercer funes e responsabilidades, sociais e

    profissionais, nas quais evidencia competncias e conhecimentos muito para alm das

    que correspondem s suas certificaes/qualificaes.

    Coloca-se aqui a questo, j enunciada, de determinar se as aprendizagens formais, no

    formais e informais feitas pelo adulto no seu percurso de vida e materializadas em

    produto identificvel com o ensino formal, no traduzir alguma tenso entre um

    princpio de reconhecimento de saberes adquiridos em contexto experiencial, as

    Histrias de Vida, e um Balano de Competncias que poder ser entendido como

    pretendendo moldar essas mesmas Histrias de Vida?

    2.2. A Histria de Vida

    De acordo com Vieira na sua obra Histrias de Vida e Identidades (1999), as Histrias

    de Vida enquanto metodologia de pesquisa surgem ligadas Antropologia, com a obra

    de autobiografia de um ndio realizada em 1920 por Radin, a qual, segundo Balandier

    (Balandier, 1990, cit Vieira, 1999: 71) revela do interior, do ponto de vista do sujeito,

    como se estabelece a relao entre a sociedade e a cultura.

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    30

    Marie-Christine Josso concebe a Histria de Vida como projecto metodolgico. A

    autora considera que esta opo metodolgica se baseia na necessidade de reivindicar,

    de dar um lugar, justificar a sua sustentao, dando uma legitimidade mobilizao da

    subjectividade como modo de produo de saber e intersubjectividade como suporte

    do trabalho interpretativo e de construo de sentido para os autores dos relatos (Josso,

    1999: 15).24

    Deste modo se justifica que as Histrias de Vida sejam entendidas, nas

    Cincias da Educao, como formao e/ou auto-formao, pois permitem-nos conhecer

    melhor os adultos e os seus percursos, pelo que se pode considerar as Histrias de Vida

    como uma mediao para a formao, [] no no sentido de as considerar como uma

    tcnica de formao, mas como uma abordagem que produz, ela prpria, um certo tipo

    de formao e um certo tipo de conhecimento. (Couceiro, 1996: 2).25

    A Histria de Vida por conseguinte pensamento reflexivo necessrio a um processo de

    formao, que se deseja com continuidade no tempo. No campo da educao a

    metodologia das Histrias de Vida pode contribuir para que seja valorizada a

    aprendizagem experiencial individual, mas tambm colectiva, alicerando no actual

    mundo globalizado a identidade cultural dos povos. Tem por conseguinte potencial para

    dar estabilidade ao processo educativo, independentemente das ideologias polticas em

    vigor num determinado momento.

    O processo RVCC reclama a Histria de Vida como metodologia fundamental, sendo

    pedido a cada candidato que faa uma reflexo sobre as suas aprendizagens

    experienciais, sobretudo aquelas que foram ricas no desenvolvimento de competncias.

    Compete ao profissional RVCC utilizar os instrumentos necessrios desocultao

    dessas competncias e identificao dos interesses e motivaes do adulto,

    conduzindo-o a uma reflexo sobre as experincias passadas e presentes, tendo em vista

    a definio de projectos de vida futuros. A operacionalizao de todo o processo

    materializada no Referencial de Competncias Chave para a Educao e Formao de

    Adultos, documento oficial pelo qual se regem as equipas tcnico-pedaggicas dos

    Centros Novas Oportunidades. No Referencial de Competncias - Chave para a

    24

    Josso, Marie-Christine Life history and Project: life history as a Project and life histories attending to projects in Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 25, n. 2, 11-23, jul/dez 1999

    25Couceiro, Maria do Loreto Paiva (1996) O porqu e para qu do uso das Histrias de Vida in Manuela Malpique, Histrias de Vida, Porto: Campo das Letras.

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    31

    Educao e Formao de Adultos - nvel secundrio guia de operacionalizao, so

    caracterizadas as Histrias de Vida, dando orientaes metodolgicas para a sua

    utilizao; fazem algumas distines, designando-as como Abordagem (Auto)

    biogrfica. Esta definida como um item estruturante do seguinte modo:

    A Abordagem (Auto) biogrfica aproxima-se das Histrias de Vida como mtodo, na

    medida em que visa a construo de um sentido vital dos factos temporais

    (Couceiro, 2002:31). Apela interrogao permanente: colocar-se face vida,

    atribuir-lhe um sentido, construir um pensamento legitimado pela experincia

    existencial, compreender o modo como o sujeito se formou e deu forma sua

    existncia , de facto, um processo de interrogao, de descoberta, de criao e no de

    adequao ou eventual transformao em funo de algo previamente definido e

    conhecido. (Honor, 1992 in Couceiro, 1995: 360).

    Os registos biogrficos tm, sobretudo, um valor heurstico de auto e hetero-

    descoberta e de elicitao de competncias. So um instrumento, que assume um

    carcter historicamente situado e que permite descrever, re-escrever ou verificar,

    informalmente, vrios nveis da experincia relevantes para o sujeito, envolvendo

    dimenses individuais e sociais, tanto na esfera privada como na pblica.

    (Referencial de Competncias-Chave para a Educao e Formao de Adultos Nvel

    Secundrio Guia de Operacionalizao: pg. 29).26

    Esta abordagem s Histrias de Vida como instrumento para validar competncias

    direccionando os adultos para o cumprimento de objectivos, pareceria muito redutora ao

    despoj-los das suas subjectividades, inibindo uma auto-reflexo, produtora de

    conhecimento.

    Antnio Nvoa,27

    a partir do conceito de autoformao participada, desenvolve uma

    reflexo metodolgica em torno das potencialidades e dos limites do mtodo

    autobiogrfico, salientando trs ideias fundamentais:

    as histrias de vida constroem-se numa perspectiva retroactiva (do presente para o

    passado) e procuram projectar-se no futuro; a formao deve ser entendida como uma

    tomada de conscincia reflexiva (presente) de toda uma trajectria de vida percorrida

    26 Anexo I Quadro com as Diferenas entre Histrias de Vida e (Auto) biografias 27 Antnio Nvoa Vice-Reitor da Universidade de Lisboa. Professor Catedrtico da Faculdade de Psicologia e de

    Cincias da Educao da Universidade de Lisboa. Presidente da Associao Internacional de Histria da

    Educao - ISCHE (2000-2003). [On-line]

    http://www.asa.pt/autores/autor.php?id=413, 12/03/09

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    32

    no passado; fundamental que a abordagem biogrfica no deslize no sentido de

    favorecer uma atitude intimista (e no participada), na medida em que tal poderia

    dificultar a meta terica a atingir, isto , a compreenso a partir da histria de vida de

    cada um do processo de formao dos adultos (Nvoa citado por Nvoa & Finger,

    1988: 15).

    Tambm Correia28

    cit. in Ana Pires (2007), falando sobre os saberes experienciais,

    privilegia uma perspectiva crtica, defensora de modelos de interveno preocupados

    com o aprofundamento das valncias emancipatrias da formao, procura a

    reabilitao das experincias inserindoas num processo cuja pertinncia j no se

    defina pela sua adequabilidade relativamente aos saberes formais e susceptveis de

    serem transmitidos, mas pelo sentido que lhes atribuem os indivduos e os grupos em

    formao. [] Para alm de se preocupar com o reconhecimento destes saberes, o

    trabalho de formao procura induzir situaes em que os indivduos se reconheam nos

    seus saberes e sejam capazes de incorporar no seu patrimnio experiencial os prprios

    saberes produzidos pelas experincias de formao (op. cit., p. 37).

    Na minha opinio, as perspectivas dos autores supra corroboram o enunciado nos

    Referenciais de Competncias-Chave no que concerne a utilizao das Histrias de

    Vida como metodologia, sendo no plano terico o processo RVCC sobretudo um

    processo de formao. Contudo, na prtica o conceito de Histria de Vida imbudo de

    adaptaes necessrias ao funcionamento do processo, (instrumentalizao da biografia

    do sujeito, criao de instrumentos que direccionam a biografia). Esta abordagem

    coloca-se pela obrigatoriedade de cumprimento do referencial. esta necessidade de

    coerncia que poder eventualmente deturpar a essncia do processo, tornando-o

    essencialmente um processo de ortopedia social.

    2.3. Balano de competncias

    O Balano de Competncias est muito ligado s competncias adquiridas no mundo do

    trabalho, embora em teoria se dirija aos saberes experienciais provenientes de contextos

    diversos, formais, no formais e informais. Marise Ramos na sua obra A Pedagogia das

    28PIRES, A.L.O. (2007) Reconhecimento e Validao das Aprendizagens Experienciais. Uma problemtica

    educativa in Ssifo. Revista de Cincias da Educao, 2, 5-20. [On-line] http://sisifo.fpce.ul.pt, 14/05/09

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    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    33

    Competncias: autonomia ou adaptao? salienta que a ideia central em qualquer

    caso, distanciar a certificao da concepo acadmica de credencial obtida ao

    concluir estudos com xito demonstrado por meio de provas e aproxim-la da descrio

    de capacidades profissionais reais do trabalhador, independentemente da forma como as

    tenha adquirido (2006: 87). Contrapondo a esta ideia de que o balano de competncias

    se direcciona essencialmente s adquiridas em contexto de trabalho, surgem outras

    definies mais abrangentes de competncia.

    altura de retomar o conceito de capacidade j referido anteriormente quando abordei a

    questo da educao e da formao de adultos, pois parece-me esta mais directamente

    ligada ao trabalho, execuo de tarefas. Grard Malglaive (1995) considera a

    capacidade como o potencial que cada indivduo tem em si mesmo (j que esta noo

    faz parte do sistema neurolgico) em realizar uma determinada tarefa. , no fundo, o

    valor, o mrito ou o talento. Quanto competncia quer a integrao, quer a

    coordenao de um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que, por serem

    pessoais e intransmissveis, produzem uma actuao diferenciada. A competncia

    encerra em si mesma vrias dimenses humanas, convocadas no momento de realizar

    uma determinada tarefa. O conjunto de crenas e valores inerentes a cada indivduo

    (presentes, obviamente, em tudo aquilo que o indivduo realiza) determinar o seu modo

    de ser, o seu modus operandi, o qual, por sua vez, determinar sem dvida o grau de

    motivao que o indivduo tem para a realizao de actividades concretas. Poder-se-

    concluir, assim, que a competncia se expressa pelo modo singular como uma

    determinada tarefa operacionalizada. A competncia evoca, segundo Malglaive, a

    excelncia do fazer, a habilidade, a amplitude de saberes e do saber - fazer num

    determinado domnio (Malglaive, 1995:122).

    Tambm Ana Pires nos fala de competncia como de um conceito abrangente, dotado

    de ambiguidade, com uma multiplicidade de categorias. No seu artigo As Novas

    Competncias Profissionais, prope uma sistematizao da noo de competncia da

    autoria de Patrick Gilbert e Michel Parlier:

    - A competncia possui um duplo carcter operatrio e finalizado: apenas tem sentido

    em relao aco ela sempre competncia para agir - e tambm na medida

    em que realiza essa aco. A competncia indissocivel da actividade pela qual se

  • Histria de Vida e Referencial de Competncias - Chave

    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    34

    manifesta.

    - relativa a uma determinada situao. Tirando partido dos diferentes elementos

    dessa situao, permite que o indivduo se adapte a ela ou que se adapte s suas

    condies evolutivas.

    - Combina de forma dinmica os diferentes elementos que a constituem (saberes,

    saberes-fazer prticos, raciocnios) para responder a essas exigncias de

    adaptao. (1994: 6)

    Refere em seguida que as competncias, embora a autora fale especificamente das

    profissionais, no so apenas tcnicas, mas pessoais e relacionais, no se reduzindo nem

    s capacidades nem mesmo s qualificaes.

    Aponta onze competncias genricas, nas quais se incluem por exemplo o esprito

    crtico, a percepo e interpercepo nas relaes pessoais e a preocupao e solicitude

    em relao aos outros, os soft skills, competncias-chave fundamentais tais como a

    autonomia, a flexibilidade, o esprito de liderana e a criatividade e finalmente as

    competncias de terceira dimenso, as quais agrupam os comportamentos profissionais

    e sociais, as atitudes relativas comunicao, auto imagem e capacidade de

    adaptao e mudana, as capacidades criativas e as atitudes existenciais ou ticas.

    Porm, de salientar o facto que tais competncias podem ser desenvolvidas quer por

    actividades profissionais e de formao, quer por actividades ligadas vida social e

    familiar.

    Por sua vez o vocbulo Balano sugere desde logo avaliao dos aspectos positivos ou

    negativos das competncias dos adultos, avaliao com carcter reflexivo, critico, auto

    avaliao, feita embora em conjunto com o profissional RVCC na sua qualidade de

    mediador. Esta avaliao formativa que o discurso oficial afirma estar presente no

    Balano de Competncias, assume ou deveria assumir um papel orientador de apreenso

    das aprendizagens realizadas ao longo da vida a que Lusa Corteso (1999, cit in

    Terrasca, 2002: 197)29

    chama papel de bssola para o distinguir do papel de

    balana desempenhado pela avaliao sumativa.

    29

    CORTESO. L. (1999), cit in TERRASCA (2002) Tenso controlo/avaliao in Avaliao de

    Sistemas de Formao. Contributos para a compreenso da avaliao enquanto processo de

    construo de sentido. Porto: FPCE-UP (Tese Doutoramento) pp. 195-210.

  • Histria de Vida e Referencial de Competncias - Chave

    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    35

    um Balano de Competncias desta natureza, em que a bssola aponta o caminho

    para o reconhecimento de um conjunto de competncias de natureza abrangente, no

    apenas profissionais mas tambm do mbito do saber ser, que parece ter repercusses na

    obra de Lus Imaginrio, sobre a origem do sub-sistema RVCC, quer a nvel

    internacional, quer em Portugal. Intitulada Balano de Competncias, Discursos e

    Prticas (2001) d-nos a contextualizao do referencial de competncias (emergiu em

    Frana) como ferramenta para a validao dos saberes adquiridos. A Parte III

    dedicada a Portugal, [] onde as prticas que se reivindicam do qualificativo de

    balano de competncias so percorridas segundo as mesmas variveis utilizadas na

    anlise do dispositivo francs e na base da informao recolhida, sobretudo, por

    questionrio postal junto dos respectivos actores (Idem: 3).

    Diz-nos o autor que o balano de competncias tende a ser concebido de duas formas,

    uma de reconhecimento de saberes experienciais, adquiridos em ambientes no formais

    e informais, outra como dispositivo de certificao formal. Na primeira concepo, a

    seu ver, estar presente uma dimenso de projecto, ausente da segunda. Decorrente

    desta dupla natureza do balano de competncias, tambm os seus objectivos envolvem

    um duplo desgnio, o do reconhecimento, por um lado e da certificao por outro.

    Identifica ainda o autor caractersticas comuns a todos os actores institucionais

    envolvidos no que diz respeito aos objectivos do balano de competncias, a saber:

    [] tendem a considerar conjuntamente competncias pessoais, sociais e

    profissionais, [] manifestam-se particularmente atentos s competncias no-

    formais ou informalmente adquiridas e [] articulam mais ou menos explicitamente

    o balano de competncias com projectos de formao consubstanciveis em percursos

    individualizados (2001: 112).30Quanto s metodologias utilizadas afirma o autor algo

    de muito significativo na minha opinio, e que traduz o dilema presente na pergunta de

    partida deste trabalho: [] uma interveno supostamente ajustada aos ritmos do

    confronto e da explorao pessoal dos sujeitos se transverteria num curso quase escolar

    sobre o balano de competncias (2001: 120). Quanto ao pblico-alvo o balano de

    competncias dirige-se sobretudo queles que partilham o risco de excluso

    30

    De salientar a constatao interessante que faz o autor no que diz respeito ao perfil preferencial do

    profissional do balano de competncias, que o de psiclogo, embora no estejam excludos o de

    outros profissionais das reas das cincias sociais e humanas.

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    - Tenses e conflitos no processo de Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias

    36

    socioprofissional, tanto jovens como adultos, desempregados ou em risco de

    desemprego e ainda aqueles que desejam uma certificao profissional ou, entre os

    activos, os que querem progredir na carreira.

    A partir deste conceito de Balano de Competncias foi elaborado o Referencial de

    Competncias-Chave pela Direco-Geral de Formao Vocacional (DGFV), para

    ambos os nveis de escolaridade, bsico e secundrio, procurando-se colmatar os baixos

    ndices de qualificao da populao portuguesa.

    O Referencial de Competncias-Chave do nvel bsico assenta

    numa organizao em quatro reas nucleares e uma rea de conhecimento e

    contextualizao das competncias, consideradas todas elas necessrias para a

    formao da pessoa/cidado no mundo actual. As reas nucleares so: Linguagem e

    Comunicao (LC); Tecnologias da Informao e Comunicao (TIC); Matemtica

    para a Vida (MV) e Cidadania e Empregabilidade (CE).

    A viso integradora subjacente ao referencial pressupe a existncia de articulao

    horizontal e vertical entre as reas, j que o domnio de competncias especficas de

    cada uma delas enriquece e possibilita a aquisio de outras, existindo algumas

    competncias gerais comuns s diferentes reas, que resultam da viso transversal do

    conhecimento e das capacidades subjacentes noo de competncia-chave. Ler e

    interpretar informao oral, escrita, visual, numrica ou em formato digital uma

    competncia transversal imprescindvel ao exerccio da cidadania e da

    empregabilidade. (2002: 10) 31

    Sistematizam-se tais reas de competncias da seguinte forma:

    31

    Fonte: Referencial de Competncias-Chave para a Educao e Formao de Adultos Nvel Bsico

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    37

    Figura 1 Nvel Bsico

    Cada rea tem trs nveis correspondentes aos trs ciclos de ensino bsico (sem com

    eles se identificarem), denominados B1, B2 e B3, cada um deles com 400 h de

    formao, correspondentes a 40 crditos, num total de 1.200 h de formao e 120

    crditos.

    Quanto ao Referencial de Competncias-Chave do nvel secundrio composto por trs

    reas, das quais a rea Cidadania e Profissionalidade (CP) assume [] um carcter

    explicitamente transversal, ao reflectir conhecimentos, comportamentos e atitudes

    articulados e integradores das outras reas de Competncias-Chave. Esta sua

    transversalidade, envolvente das outras duas reas, aparece clara no modelo conceptual

    do Referencial de Competncias-Chave, e traduz-se tambm na definio de uma

    estrutura semelhante com os mesmos elementos de referncia das reas operatrias. As

    duas reas - Sociedade, Tecnologia e Cincia (STC) e Cultura, Lngua, Comunicao

    (CLC) so consideradas de natureza instrumental e operatria [] envolvendo

    domnios de competncias especficas e cobrindo campos cientficos e tcnicos muito

    diversos, mas utilizando estruturas iguais e os mesmos elementos de referncia

    conceptual. (2006: 24)32

    Sistematizam-se tais reas de competncias da seguinte forma:

    32

    Fonte: Referencial de Competncias-Chave para a Educao e Formao de Adultos Nvel Secundrio

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    38

    Figura 2 - NVEL SECUNDRIO

    Neste nvel necessria a obteno de 44 crditos para que o candidato seja certificado

    dentro deste sistema. De notar que este nmero de crditos deve distribuir-se pelas trs

    reas de Competncias-Chave da seguinte forma: 16 crditos em Cidadan