educação como mediação

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  A ed uca çã o como mediação: espaço social e política pública  Aparecida Luzia A. Zuin *  Resumo  Neste artigo, apresenta-se a ideia de educação como mediação, ou seja,  por educação, neste caso, compreende-se uma política social planejada pelo Poder Público para servir à cidade, à comunidade e aos seus usuários. O modelo de educação que se pretende “mediação” é articulado e consolidado, dando unicidade às suas ações, a m de se atingir o objetivo da fomentação do “valor ético discursivo”. Isso signica que a educação é o espaço cuja  proposta i nsere o debate nas escolas das comunidades com o objetivo de combater o tráco de inuências da gestão municipal nas tomadas de de- cisões e nos gerenciamentos das ações educativas e educacionais da escola.  Palavras-chave : Educação. Comunicação. Mediação. Espaço social. Política. *  Doutora pelo Programa de Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontif ícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora adjunta do Departamento de Artes (Artes Visuais, Teatro e Música) da Univer- sidade Federal de Rondônia. Líder do Grupo de Estudos Semióticos em Jornalismo (GESJOR). Pesquisadora nas áreas de políticas públicas, espaço urbano, webjornalismo, educação, política e comunicação. [email protected]; [email protected].

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educação como mediação

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  • A educao como mediao:

    espao social e poltica pblica

    aparecida Luzia a. Zuin*

    ResumoNeste artigo, apresenta-se a ideia de educao como mediao, ou seja, por educao, neste caso, compreende-se uma poltica social planejada pelo Poder Pblico para servir cidade, comunidade e aos seus usurios. O modelo de educao que se pretende mediao articulado e consolidado, dando unicidade s suas aes, a fim de se atingir o objetivo da fomentao do valor tico discursivo. Isso significa que a educao o espao cuja proposta insere o debate nas escolas das comunidades com o objetivo de combater o trfico de influncias da gesto municipal nas tomadas de de-cises e nos gerenciamentos das aes educativas e educacionais da escola.Palavras-chave: Educao. Comunicao. Mediao. Espao social. Poltica.

    * Doutora pelo Programa de Ps-Graduados em Comunicao e Semitica da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP). Professora adjunta do Departamento de Artes (Artes Visuais, Teatro e Msica) da Univer-

    sidade Federal de Rondnia. Lder do Grupo de Estudos Semiticos em Jornalismo (GESJOR). Pesquisadora nas reas de polticas pblicas, espao urbano, webjornalismo, educao, poltica e comunicao.

    [email protected]; [email protected].

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    introduo

    Para garantir os eixos que constituem o espao social da educao, necessrio incorporar ao projeto poltico-pedaggico das escolas a sis-tematizao da metodologia dialgica. A ideia freireana sobre a meto-dologia dialgica consiste na proposta que permite, mediante a gesto democrtica participativa, dar condies comunidade de recepcionar a escola no seu espao fsico, enquanto se insere na constituio do projeto educacional. A ao da comunidade, nesse caso, se integra s aes do Poder Pblico, conforme definidas nas diretrizes do projeto poltico-pedaggico (PPP).

    De acordo com esse paradigma freireano, qualquer proponente do PPP recusa o autoritarismo, o antidilogo, a publicidade. Desse modo, ao planejar o PPP embasado no ideal freireano, os idealizadores da escola como espao democrtico defendem uma educao, humana, autnoma e democrtica para a libertao do indivduo. Num sentido mais amplo, esse ideal, para Freire (1980) significa uma poltica pblica educacional nunca pensada de modo sectrio, mas como mediao, porque pretende no impor a ao sobre os outros, e, sim, uma educao que ultrapasse a sloganizao. Contrria ideia de sloganizao mencionada por Freire (1980) a proposta da educao como lugar da mediao a es-cola cidad , espao social onde o indivduo visto com dignidade e respeito. A escola passa a ser, nesse modelo, o espao da educao media-ativa que agrega, na sua concepo democrtica, a comunidade do seu entorno. Educao como mediao transcende a sala de aula e o espao escolar, alcana a comunidade e a cidade num todo.

    Na educao como mediao destaca-se, tambm, a descentralizao do poder na figura do gestor, isto , busca-se o discurso articulado, que no parece possvel sem o domnio da sensibilidade e da descentrali-zao do poder porque, para Freire (1980, p. 60, apud PREFEITURA MUNICIPAL DE SO PAULO, 2002, p. 109), alcanada a descen-tralizao, h o incio de um processo estimulador e viabilizador das parcerias. A concentrao do poder na figura do gestor enfraquece a ao comunicativa e educativa, pois, autocrtica, a concentrao esti-mula a subordinao e inviabiliza a participao da comunidade onde a escola se insere e, do mesmo modo, impossibilita a participao direta e ativa dos sujeitos que a compem: alunos, professores, gestores, pais e comunidade em geral. Frise-se, nesse aspecto, que somente a gesto de-mocrtica coerente com a natureza de uma organizao educacional, que visa participao relacionada a um processo educativo que contri-bua para o crescimento humano dos indivduos e para a transformao

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    da sociedade, por isso, e sobretudo, incompatvel com os princpios da sloganizao, tpica da sectarizao:

    A sectarizao tem uma matriz preponderantemente emocional e acrtica. arrogante, antidialogal e por isso anticomunicativa. reacionria, seja assumida por direitista, que para ns um sectrio por nascena, ou esquerdista. O sectrio no respeita a opo dos outros. Pretende a todos impor a sua, que no opo, fanatismo. Da a inclinao do sectarismo ao ativismo, que ao sem vigilncia da reflexo. Da o seu gosto pela slogani-zao, que dificilmente ultrapassa a esfera dos mitos e, por isso mesmo, morrendo nas meias verdades, nutre-se do puramente relativo a que atribui valor absoluto. (FREIRE, 2006, p. 59)

    Portanto, quando o Poder Pblico adota a metodologia dialgica para a programao poltica educacional, parte da convico de que todos tm o direito de usufruir do ambiente educativo da instituio escolar, porque, ao mesmo tempo em que adquirem conhecimentos, os sujeitos participam do processo de educao e dos espaos pblicos. com esse sentido que o Poder Pblico cria espaos para a participao da comunidade, com o objetivo de que ela venha administrar a escola ao lado dos gestores. Por isso, medida que se colocam como propositores de projetos educacionais, os gestores se posicionam como instncias de poder administrativo voltadas para a prtica da educao democrtica, como preconiza a ideia da educao como mediao.

    Desse modo, para os idealizadores da educao como mediao, o plano de concretizao, alm de obedecer obrigatoriedade da realizao de planejamento das aes do Estado, procura conclamar os sujeitos envolvidos no processo educacional a fim de definir precisamente quais devem ser seus fins e tambm os meios necessrios sua consecuo.

    Para Padilha e Silva (2004, p. 29), a sistematizao da metodolo-gia dialgica, aquela residente no paradigma freireano, fundamental para o desenvolvimento da cidadania. O paradigma de Paulo Freire concentra-se no dilogo que deve servir construo dos consensos ati-vos, ouvindo o outro. , pois, na possibilidade de cada um se pronunciar no espao social que se constri a ao coletiva e, nela, se respeita a individualidade e a diversidade dos sujeitos. Nesse desenvolvimento, a questo central se volta ao desafio do discurso da prxis educativa das quais se originam propostas alternativas de mudanas no modelo de educao dirigida, manipuladora ou voltada para a propaganda, porque, para Freire (2004, p. 109),

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    a propaganda, o dirigismo, a manipulao, como armas de do-minao, no podem ser instrumentos para a reconstruo de homens oprimidos... No h outro caminho seno o da prti-ca de uma pedagogia humanizadora, em que a liderana revo-lucionria, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase coisas, com eles estabelece uma rela-o dialgica permanente.

    a educao media-ativa

    A educao, para Freire (2004, p. 29), aquela que liberta porque, oferecida no ambiente de participao e dilogo, possibilita ao sujeito descobrir seus potenciais e, como consequncia, coopera para a elabo-rao do projeto educacional para seus semelhantes. Para a efetivao desse apelo sensvel, Freire chama a ateno dos sujeitos responsveis pela educao para a importncia da convocao dos envolvidos fam-lia, gestores pblicos e pedaggicos, educadores e educandos a assumir com lucidez a proposta educacional na e com a sociedade. Desse modo, o campo de educao se volta para o atendimento de todos os indivduos como espao social receptor das diferentes vozes. Ao compartilhar a experincia de se colocar em discurso com as outras vozes do seu meio, os indivduos comeam a compreender que a conscincia e o mundo no podem ser entendidos separadamente, de maneira dicotmica, mas em suas relaes complementares ou contraditrias.

    Determina, nesse contexto, a possibilidade de os sujeitos construrem a histria, com base em dada circunstncia concreta de uma estrutura que j existe no mundo. Desse modo, para Freire (2004, p. 11-12),

    o tempo e o espao tm que ser um tempo-espao de incluso, de possveis realizaes e participao, e no um tempo-espao que determinado mecanicamente. Logo, o presente e o futuro no so dados, predeterminados ou preestabelecidos, mas constru-dos, por isso, a histria possibilidade e no determinao.

    Quando os sujeitos entendem esse sentido histrico, a educao tam-bm convertida em possibilidade, dotada de valores e descobertas limi-tveis, e no de acasos. Porque limitvel, ou limitada ideolgica, eco-nmica, social, poltica e culturalmente, que ela tem eficcia (FREIRE, 2001, p. 90-91). A eficcia da prtica educativa o resgate da liberdade se, por algum motivo, o indivduo deixou de senti-la ou vivenci-la. Para o autor, a liberdade se conquista na singularidade do efetivo compar-tilhamento de ideias e ideais das pessoas na construo do cognitivo.

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    A ideia de educao se desenvolve sem opresso e manipulao, a fim de que o indivduo possa perceber o mundo pelo seu olhar e no por meio dos exerccios de outrem. Afinal, a viso da liberdade tem nesta pedagogia uma posio de relevo; a liberdade a matriz que atribui sentido prtica educativa na medida da participao livre e crtica dos sujeitos. (FREIRE, 2006, p. 15)

    O problema central da tese freireana a defesa de uma educao que visa ao respeito pelo conhecimento gerado na cotidianidade do sujeito, o respeito por sua linguagem, sua cultura, por sua identidade cultural (FREIRE, 2006, p. 15). Todas essas condies devem ser levadas em conta antes da elaborao do projeto pedaggico da escola, ou mesmo antes da construo do prdio escolar.

    Como processo permanente, esse modelo de educao se d pelas e nas relaes, seja do indivduo para outro indivduo, ou ainda do indiv-duo com o seu meio. Em face dessas relaes, os discursos provenientes da prtica educativa libertadora se direcionam quela eficcia e estru-turao do crculo de cultura, unidade de ensino que substitui a escola autoritria, por estrutura e tradio. A inteligncia, nesse caso, espera por um discurso livre que, no sendo neutro, faz com que os sujeitos se posicionem perante o mundo.

    Alm das ideias acima, a fim de complementar o pensamento da educao como espao social e de integrao, Paulo Freire defende a proposta das Cidades Educadoras, porque a educao vista como possi-bilidade pode ser a realizadora e a propulsora dos diferentes discursos existentes no espao urbano que se entrelaam gerando saberes. Sabe-res do corpo, dos gostos, dos semelhantes, dos gneros, da poltica, etc. Segundo Gadotti (2004), a cidade como espao de cultura e como espetculo da vida, e a cidade como troca de saberes e competncias. Do mesmo modo, Freire entende a educao da cidade relacionada s diferenas interculturais existentes em seu ambiente e, como prolonga-mento delas, de naes.

    Portanto, o sujeito reage de modo consciente com o objetivo de no ser domesticado, o que significa uma realizao educativa que lhe per-mite, medida que se coloca no mundo, a adquirir a competncia para fazer a leitura crtica deste mesmo mundo.

    Em torno dessa afirmao, Freire (2006, p. 22) destaca que a Cidade se faz educativa pela necessidade de educar, de aprender, de ensinar, de criar, de sonhar, de imaginar. Enquanto educadora, a Cidade tambm se educa. Muito dessa tarefa depende da poltica em torno de como sublinhar este ou aquele conjunto de memrias da Cidade. Para isso,

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    significa (re)conhecer a natureza poltica de projetos educacionais que supem descartar o cunho assistencialista para contextualiz-los nas ca-ractersticas de cada lugar. Para Freire (2006, p. 65), o grande perigo do assistencialismo est na violncia do seu antidilogo que, impondo ao homem mutismo e passividade, no lhe oferece condies especiais para o desenvolvimento ou a abertura de sua conscincia, que nas democra-cias autnticas, h de ser cada vez mais crtica.

    Buscando a educao comprometida e dialgica no contexto de Ci-dade Educadora, Freire (2003, p. 43) aponta trs desdobramentos tem-ticos de suma importncia: i) Educao para a Qualidade; ii) Qualida-de da Educao e iii) Educao e Qualidade de Vida.

    No h qualidades que possam ser consideradas como absoluta-mente isentas, uma vez que valores so vistos de ngulos diferentes, em razo de interesses de classes ou de grupos. Por isso, nos dizeres de Gadotti (2004, p. 2), a educao com qualidade social manifesta-se em sua concepo plena, na mobilizao da sociedade para a conquista de novos direitos e na participao direta da populao na gesto da vida pblica, superando os estreitos limites da democracia puramente repre-sentativa. Nesse contexto, a educao se volta para toda a comunidade, reconduzindo-a e integrando-a ao espao, estrutura didtico-pedag-gica e gesto da cidade.

    Nesse alcance, a gesto democrtica participativa, aquela que se pro-move em conjunto, tem em seu bojo o campo da esfera comunicativa. Com esse processo, o campo da gesto democrtica participativa passa a contemplar o cotidiano das pessoas e dos grupos sociais, assim como o uso das ferramentas da informao nos processos educativos na escola, na comunidade ou na cidade

    Para Freire (apud PADILHA, 2004, p. 28), outro dado importante, para a realizao de uma educao com qualidade social e sem frag-mentao das propostas pedaggicas, a preocupao que os envolvidos devem ter em no separar a teoria e a prtica, pois sabe-se que o distan-ciamento do discurso terico com o realizado, muitas vezes, pode causar danos irreversveis educao (uma coisa o que se prope outra, o que se faz).

    Em Freire, as questes que se apresentam nos pargrafos acima so marcadas pelo pensamento de que a escola no o nico espao da veiculao do conhecimento; desse modo, ele considera outros espaos sociais como propcios interao de prticas pedaggicas diferencia-das, de maneira a possibilitar as experincias do cotidiano dos sujeitos no seu aprendizado. No resta dvida de que a noo de politicidade

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    da educao que Freire menciona se volta para o oferecimento de uma poltica educacional crtica, superando os obstculos de um sujeito dis-perso e/ou desvinculado do seu mundo vivido. Desse modo, chama a ateno para uma educao como lugar da ao poltica e de expresso do sujeito. Importante destacar, nesse contexto, que o mundo vivido, tal qual concebido por Habermas (1997, p. 53), permite a ao comunicati-va, onde deve dominar a ao dos sujeitos no ambiente, logo, um espao social lugar por excelncia do agir comunicacional, cujo domnio his-toricamente constitudo de modo democrtico e do uso livre e pblico da razo do sujeito.

    Sob essa perspectiva, o espao social de educao tenderia a ser o es-pao onde os sujeitos poderiam construir a comunidade de comunicao, onde se praticassem os ensinamentos necessrios, consubstanciados em um processo poltico-pedaggico substantivamente comunicativo-dial-gico, pois, conforme se prev, essa concepo est voltada para a relao sujeito/sujeito, em vez de sujeito-objeto. Portanto, o que est pressuposto nesse argumento da ideia da comunidade de comunicao que a cons-cincia determinada pelo cogito ou como a percepo transcenden-tal pode ser identificada e determinada apenas em relao ao jogo de linguagem existente, ou seja, em relao comunidade de comunicao real (MLOVIC, 2002, p. 203), ao passo que o que est indiretamente pressuposto a ideia da comunidade de comunicao ideal.

    Para Mlovic (2002, p. 203), somente no mbito desse jogo de lingua-gem pode-se explicar significativamente o cogito, e a tentativa de tornar essa explicao vlida aponta para a comunidade de comunicao ideal, que , por isso mesmo, implicitamente antecipada. Deve ser possvel para uma conscincia pensante expor e tornar vlidas suas representaes.

    Segundo Habermas (1997 apud MLOVIC, 2002, p. 206-207), a comunidade de comunicao que nos permite afirmar o que declaramos como verdadeiro relativamente ao mundo objetivo, como correto em relao ao mundo social, como sincero em relao ao mundo subjetivo.

    Em outras palavras, relativamente ao significado, pressupe-se a comunidade de comunicao real, enquanto que a relao vali-dade, pressupe a ideal. Ademais, a comunidade de comunicao real mostra o presente, e a ideal somente aponta para o futuro. (MLOVIC, 2002, p. 206-207)

    Como se objetiva neste projeto educacional, as potencialidades hu-manas no so neutralizadas pela racionalidade tecnolgica ou pela des-sublimao do sujeito. O discurso destinado escola nesse paradigma de

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    comunidade de comunicao pressupe um modelo que preza o dilogo entre as partes: primeiro com a sociedade e seu ambiente, depois com o Poder Pblico, para, em seguida, consolidar o fenmeno do prazer pela escola.

    Nessa ordem, as necessidades sociais das comunidades (lugares) pas-sam a ser motivos estratgicos para gerar mtodos capazes de introduzir o sujeito na realidade, mas com capacidade de identific-las e super-las. Isso porque as vozes da comunidade como forma de comunicao ou rede destinada a fundamentar as possveis validades da ao comuni-cativa, como trabalha Habermas (1997), visa, ao mesmo tempo, ao agir comunicativo, porm, com clareza lgica e argumentativa. Desse modo, supe-se transformar o espao da escola no lugar para a explanao e discusso para a fundamentao das pretenses de validez problemati-zadas. (HABERMAS, 1997, p. 53)

    Ao abordar a gesto participativa, vlido lembrar que no estamos limitando nossa anlise s aes da comunidade, pois, embora esta seja a responsvel pelo processo comunicativo dentro da escola, em um pro-cesso democrtico participativo, a ao do governo faz parte do rol das aes educativas, por ser o Poder Pblico responsvel por administrar a poltica pblica.

    graas orientao da ao comunicativa sociabilidade, esponta-neidade, solidariedade e cooperao que, segundo Habermas (1997), privilegia-se a competncia comunicativa e, por conseguinte, os indiv-duos fazem afirmaes sobre fatos, julgam as aes e as normas e do ex-presso aos seus sentimentos e vivncias. Prossegue o terico: Por isso mesmo, a ao comunicativa mais rica, mais complexa e abrangente, porque permite que o indivduo se situe no mundo, com o qual interage em vrios registros. (HABERMAS, 1997, p. 53)

    Os valores afirmados por Habermas se relacionam com aqueles de-fendidos por Paulo Freire na realizao da educao cidad dialgica. Se, por um lado, a educao para Freire se faz privilegiando a histria de vida dos sujeitos e dos discursos destes na construo do prprio conhecimento, do mesmo modo, Habermas permite-nos entender que toda a ao que envolve a comunicao deve ser discutida pelo grupo, pela comunidade, buscando o consenso e a efetiva cooperao dos par-ticipantes.

    Nesse sentido, o discurso pblico, para a concretizao dessa prxis educativa, pressupe identificar na comunidade de comunicao o refe-rencial da proposta educacional, por isso tem como meta tornar o espao pblico em espao de interao plenamente democratizado no num

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    tempo distante, mas no presente dos sujeitos. Portanto, ao investir na gesto democrtica participativa, o governo tenta promover e fazer vi-svel pelos modos de educao, prevista aqui, a centralizao dos fatos educacionais nos atos comunicativos da comunidade. Uma construo discursivo-verbal que deve estar presente no texto do PPP, cuja evidn-cia um conjunto contnuo de aes a fim de ser seguido por todos os sujeitos envolvidos. Uma construo discursivo-verbal apoiada nas diretrizes institucionais e o governo ou Poder Pblico como condutor desse modo de fazer discursivo se comprometem a elabor-lo.

    Para que o processo de educao inclusiva seja disponibilizado a to-dos os envolvidos que circundam esse espao social a escola , pre-ciso permitir a comunicao dialgica. Entretanto, corresponde a esse ideal a integrao da comunidade no trajeto histrico da cidade. Tanto Freire, apresentado na Pedagogia, quanto Juan Bordenave, na Cincia da Comunicao, defendem que a ao comunicativa dialgica somente se concretiza quando a sociedade acolhe o contexto vivido e se relaciona direta e indiretamente com ele:

    Como qualquer outro elemento que integra a sociedade, a co-municao somente tem sentido e significado em termos das relaes sociais que a originam, nas quais ela se integra e sobre os quais influir. Quer dizer que a comunicao que se d entre as pessoas manifesta a relao social que existe entre essas mesmas pessoas. (BORDENAVE, 1983, p. 12)

    O fundamento dessa dinmica educativa, desde o pensamento frei-reano, passando por Bordenave, at chegar a Habermas, a linguagem. Porque, o que defendido pela gesto pblica para a escola tem como denominador comum a linguagem, a fim de integrar os pontos de vista pedaggico, comunicativo e sociolgico e tornando possvel a unidade na inter e na multidisciplinaridade a expresso da ao comunicativa da comunidade no desenrolar e/ou desenvolvimento do projeto. A ao comunicativa permite que os atores se movimentem, relacionando-se diferentemente com os objetos da natureza, com as pessoas na sociedade e com as pulses e os fantasmas de sua prpria interioridade. (HA-BERMAS, 1997, p. 53)

    Ao considerar essa ao educativa e comunicativa com a perspectiva de compartilhar as aes do dito com o feito, os sujeitos da comunida-de se disporiam a personificar seus discursos ou a relacionar os mtodos educativos aplicados no espao escola com a sua realidade, suas angs-tias e dificuldades do mundo vivido. A educao prevista tem, nessa

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    relao dinmica e processual, a perspectiva de estimular os envolvidos com o objetivo de desafiar, no debate, os discursos dominantes e centra-lizadores. Nesse grau de execuo os atores, segundo Habermas (2003, p. 165),

    tratam de harmonizar internamente seus planos de ao e de s perseguir suas respectivas metas sob a condio de um acordo existente ou a se negociar sobre a situao e as conseqncias esperadas. Em ambos os casos, a estrutura teleolgica da ao pressuposta na medida em que se atribuiu aos atores a capacida-de de agir em vista de um objetivo e o interesse em executar seus planos de ao.

    A cada poca, constatada a necessidade de criar meios educacionais que visem subsidiar o indivduo para adapt-lo s novas condies de vida social e, ao mesmo tempo, assegurar sua satisfao e valorizao pessoal. Embora nessa realidade a educao possa parecer a soluo para todo mal-estar da sociedade, as inferncias que se fazem dela, medida que se experimentam os modos de vida dos sujeitos, devem levar em conta seus pr-requisitos, o que significa valorizar o sujeito com base no conhecimento prvio que ele tem do mundo que o cerca, porque o conhecimento que se produz social e historicamente, segundo Freire (1997, p. 45), tem historicidade. No h argumento novo que, produzi-do se apresente isento de vir a ser superado.

    Com essa perspectiva socioeducacional, o Poder Pblico prope uma suposta tica discursiva. Ao empregar essa suposta tica discursiva o esforo da (re)construo discursiva, incide sobre os fundamentos que repou-sam sobre a razo, mais especificamente, sobre a razo comunicativa.

    Nesse sentido, Freitag (1997, p. 45) diz que a razo comunicativa de Habermas implica o esforo a um fazer. Nesse contexto, um fazer ex-presso que proporcionaria a competncia comunicativa s comunidades entorno das escolas. Esse esforo identificaria o caminho para alcanar a constituio da conscincia moral, mediante a competncia comuni-cativa do ator individual, remetendo ao carter intersubjetivo, dialgico, da tica discursiva. (FREITAG, 1992 apud GOMES, 1997, p. 52)

    Kohlberg (2003, p. 154-155), tomado como exemplo por Habermas, nos ajuda a compreender a participao do sujeito na construo da pr-pria aprendizagem. Nessa fase, para o terico, no se deve desmerecer os pr-requisitos subjacentes aos discursos do seu mundo da vida. Mencio-na que o desenvolvimento da pessoa dotado de significado quando o indivduo transforma e diferencia as estruturas cognitivas j disponveis

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    em cada caso, o que supostamente far com que ele consiga resolver melhor do que anteriormente a mesma espcie de problema. Em outras palavras, o processo de maturao do indivduo que Freire explicita no processo de aprendizagem , conforme Kohlberg (2003, p. 155), o est-dio de princpios ticos universais, em concordncia com Jean Piaget, resultado de uma reorganizao criativa e de um inventrio cognitivo preexistente. Ambos os autores, diz Habermas, fazem suposies sobre a lgica interna de um processo de aprendizagem.

    , portanto, por meio desses marcos referenciais pedaggicos (educa-cionais) e discursivos (comunicacionais) que as comunidades do entorno das escolas passariam a se organizar no espao cultural de aprendiza-gem o grande espao que se abre e onde os cidados poderiam gozar o direito da cidade, num movimento espacial e temporal que permiti-ria envolver a comunidade tornando-a aprendente. Isso implica, nos dizeres de Gadotti (2004), falar de educao cidad, porque tratar do dilogo entre a escola e a cidade e os seus moradores pensar a educao cidad sem deixar de compreend-la dentro da escola participante, es-cola apropriada pela populao como parte da apropriao da cidade a que pertence.

    Com o objetivo de tornar o espao pblico plausvel para as suposi-es que acabamos de desenvolver sobre a ontognese das perspectivas da comunidade e seu entorno como protagonista daquela ao educati-va, apoiamo-nos sobre os pontos de vista daqueles que defendem uma comunicao na sua totalidade, visto que a percepo dada um projeto que no deve ser ancorado e/ou regulado por normas do agir por au-toridade e governado por interesses poltico-partidrios, constitudo por uma ao estratgica do Poder Pblico.

    Com tal formulao, e na linha de educao restauradora do discur-so popular, a educao como mediao obedeceria aos critrios gerais que norteiam a poltica do bem-estar social, aqueles previstos no eixo poltico-administrativo da Cidade Educadora. Nessa tentativa, a gesto municipal se assume como sujeito cognoscente frente do processo que busca defender e mobilizar a prtica educativa relacionando-a prtica poltica.

    desse modo que se instaura o princpio ontolgico alocado por Freire (2003, p. 22): espao educativo a servio do coletivo e no apenas como instrumento ou mtodo tecnolgico ou modo assistencialista. escola caberia, portanto, a obrigatoriedade de responder de modo uni-versal necessidade do saber: histrica, poltica e ideologicamente de acordo com a cultura do lugar.

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    Trata-se, com esse modelo, de observar, no conjunto das propostas comunicativas e educacionais, o aperfeioamento da escola fora dos aspectos propriamente pedaggicos, didticos e interiores inclusive poltico-administrativo, porque o primeiro movimento possibilitar a abertura do espao escolar comunidade, aos alunos, pais etc.; sucede num segundo movimento a transformao do espao pblico num es-pao de cultura com mltiplas atividades, onde os envolvidos se voltam para a aprendizagem, a autoaprendizagem e a alteraprendizagem; espa-o condicionador da criao da rede dialogizante. Assim, como men-ciona Habermas (1997, p. 29), um lugar dos atos comunicativos dentro da interao social, indicado pelas mediaes por ele significados, ou seja mediao.

    Education as mediator of social space and public policy

    AbstractThis paper presents the idea of education as a mediator since we view education, as a whole, as a social policy planned by the government to serve the city, community, and its users. The model of education, which is to act as a mediator, is thus articulated and consolidated. This calls for unison of actions to meet its objective of stimulating the ethical value of discourse. Therefore, it means education offers the space for dis-cussions in the communities in which the schools are located on how to fight influence peddling in the decision making process and management of education actions at the municipal administration level.Key words: Education. Communication. Mediation. Social space. Policy.

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    Enviado em 23 de abril de 2011. aceito em 15 de maio de 2011.