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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULV SEMINRIO DE ESTUDOS EM ANLISE DO DISCURSO

    O acontecimento do discurso: filiaes e rupturasPorto Alegre, de 20 a 23 de setembro de 2011

    TATUAGEM: MUITO ALM DA PELE

    Edileide de Souza Godoi1

    INTRODUO

    Este trabalho apenas uma pequena amostra de nosso trabalho de doutorando, O processo

    de subjetivao e identidade no discurso da tatuagem, que vem sendo desenvolvida junto ao

    programa de ps graduao em lingustica/ PROLING -UFPB.

    Nosso projeto aceita a afirmao que os sujeitos se subjetivam na e pela linguagem, pois,

    segundo Foucault (2004) no funcionamento da linguagem temos um complexo processo de

    constituio do sujeito e produo de sentidos, por isso, propomos investigar no funcionamento

    discursivo da escrita do corpo (tatuagem) como o sujeito se constitui enquanto sujeito de uma prtica

    articulada s relaes interdiscursivas e memria discursiva, buscando na disperso enunciativados discursos da tatuagem (comunidades, blogs de tatuagem) as regularidades que apontam no

    apenas uma forma de comportamento na sociedade, mas que produzem um determinado saber que

    permite investigar os sujeitos e seu processo de identificao atravs da escrita na pele.

    Analisar como acontece o processo de subjetivao do sujeito dentro da rede discursiva que

    toma a tatuagem como objeto faz emergir alguns questionamentos: h um acontecimento discursivo

    em que se exploram novas formas de significar o corpo ou h um acontecimento discursivo em torno

    da escrita do corpo que sofre interdio ? Quais processos simblicos irrompem nessa prtica

    discursiva da escrita no corpo na contemporaneidade?

    Compreender a textualizao no corpo contemporaneamente , em alguma medida,

    compreender as novas formas de significar o corpo e significar os sujeitos, ou seja, o desejo de

    constituio de outras formas sujeitos alm das impostas pela comunidade de fato (famlia, igreja,

    empresa, nao, etc.), podendo, assim desempenhar reconhecimento de seu desejo e de seu ser.

    Conforme Ravel (2005, p.83) o processo de subjetivao so prticas de objetivao que permite

    constituir-se sujeito de sua prpria existncia. Trata-se de compreender as modalidades de uma

    relao consigo, que envolve a realizao de uma prtica continua de procedimentos de escrita de si

    e para si.

    Foucault (2007) prope que o processo de subjetivao deve ser entendido como prticas

    refletidas e voluntrias que no somente fixam regras de conduta, mas tambm procuram

    transformar-se, modificar-se em seu singular e fazer de sua vida uma obra que seja portadora decertos valores estticos e responda a certos critrios de estilo.

    a partir desse processo de subjetivao proposto por Foucault que chegamos ao que se

    entende, contemporaneamente, por sujeito. Para ele o sujeito reconhecido no duplo processo: o

    indivduo transformado em sujeito pelas prticas de subjetivao, pr-construdo por um saber

    1Aluna de doutorado UFPB/PROLING

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    O acontecimento do discurso: filiaes e rupturasPorto Alegre, de 20 a 23 de setembro de 2011

    poder que o determina. Por outro lado, o processo de subjetivao se d na relao consigo, por

    meio de tcnicas que lhe permite constituir-se sujeito da prpria existncia.

    Entender o sujeito contemporneo, atravs de prticas de subjetivao, determinado scio-

    historicamente, e tcnicas de si para consigo, nos prope pensar a escrita no corpo como receptor e

    produtor de uma escrita para si que alimenta no sujeito a liberdade e o constrangimento a certos

    procedimentos de controle, pois segundo Milanez (2009, p. 14), a confeco de subjetividades nos

    permite estar dentro e fora, compor a dobradura da histria com poder e resistncia.

    O que somos no objetivado aleatoriamente, mas por um conjunto de prticas construdas

    ao longo do tempo, portanto, as escolhas que fazemos, o que comemos, o que lemos, o que

    escrevemos, vestimos, etc., fazem parte de um conjunto de ateno para si, de quem somos.

    Tomamos para nosso trabalho que os sujeitos que enunciam um discurso da tatuagem no

    corpo ainda, em certa medida, vem recusar as tcnicas de conhecimento e de controle das

    subjetividades, criando, produzindo, inventando novos modos de estilos, novas ligaes comunitrias,daquelas implantadas pelas modernas tcnicas e relaes de poder. H um conjunto de prticas

    voltadas para si que fazem parte do processo de constituio do sujeito.

    aes que so exercidas de si para consigo, aes pelas quais nos assumimos,nos modificamos, nos purificamos, nos transformamos e nos transfiguramos [....],prticas que constituem uma espcie de fenmeno extremamente importante nosomente na histria das representaes , mas na prpria histria da subjetividade,ou, se quisermos, na histria das prticas de subjetividade (FOUCAULT, 2004, p.15-20).

    Tatuagem: escrita de si para si

    Queremos, assim, nos atrever a problematizar uma escrita de si para si, reveladora de um

    tipo de procedimento que singulariza sujeitos. Acreditamos que a escrita no corpo/tatuagem faz parte

    de um universo simblico que particulariza e identifica sujeitos. Uma prtica discursiva que, em certa

    medida, luta contra a sujeio, contra as diversas formas de subjetivao e submisso que lhes so

    impostas e oferecidas atravs das tcnicas de si. Foucault (1982), enxerga que as diferentes tcnicas

    que modificam os indivduos em sujeitos atraem diversas formas de lutas e resistncia.

    Ansiosos por romper com o puritanismo imposto pela igreja e pelo estado totalitrio, a partir

    de 1968 nossos jovens vm buscando imagens e canais alternativos para expressar uma

    subjetividade privada, publicando seu eu no espao pblico. As pichaes, grafites ganham as ruas,a cidade, mas, logo depois, talvez tenhamos percebido que a cidade era de todos, e o que de

    todos, no de ningum. (RAMOS, 2002). Assim, passamos a textualizar nosso prprio corpo, nico

    canal posto permanentemente nossa disposio, fazendo do corpo um espao de liberdade.

    Orlandi (2006, p. 270), concebe que o sujeito d continuidade a esses processos de significao do

    eu na pele.

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    O sujeito acaba textualizando o prprio corpo: o pierceng, a tatuagem . Do lado defora, o excesso transborda, tudo texto, escrita, e o sujeito se subjetivaescrevendo tambm para todo lado. Da a voltar-se para si mesmo um passo que dado: o corpo se textualiza. Inscrio no corpo como anncio/denncia de que o

    confronto do simblico com o poltico faz problema (reivindicao de si). Fora: vriascamadas de publicidade, de pichaes, de letras assinadas nas diferentessuperficie[ ....] Isso representa como um trabalho do excesso do sujeito no sujeito:transbordando de um excesso de linguagem o tempo todo visvel sobre o sujeito,que passa a necessidade de um excesso de marcas visveis em simesmo.(ORLANDI, p.270, 2006)

    A idia do sujeito ps-moderno (disperso, mltiplo, voltil) sustenta no indivduo a construo

    de tcnicas de si, o desejo de cdigos, smbolos e estilos de viver. Este sujeito da tica de si,

    percebido no discurso da escrita na pele, ao modo foucaultiano, pode ser pensado a partir de novas

    ordens subjetivas do corpo. Mas como se coloca uma escrita marcada, para sempre, na pele em

    uma sociedade do consumo, de enunciados efmeros, sujeita as tramas da mdia? Como essa

    prtica ganha adeptos estando fora/dentro dos processos miditicos? Segundo Gregolin (2003), amdia, sendo uma fonte poderosa e inesgotvel de produo e reproduo de subjetividade, os meios

    de comunicao compelem os consumidores a adotarem um estilo singular. 2

    H um conjunto de formulaes que vem sendo construdo, midiaticamente, em torno dos

    discursos da tatuagem em que a escrita na pele sai dos guetos e ganha os corpos malhados de

    pessoas famosas, de jovens de classe media e alta, traando assim um conjunto de dizeres

    diferentes daqueles traados no imaginrio social em torno da marginalidade.

    Acatando essa afirmativa, venho investigando estruturas e acontecimentos que irrompem nos

    meios de comunicao (revistas, blogs, comunidades) sobre a tatuagem, tomando o prprio corpo e

    tendo como efeito a produo de subjetividade ao passo que constri estilos de viver diferentes.Conforme Breton (2004) esses novos usos lanaram por terra os antigos valores negativos

    que lhes estavam associados. Doravante so decises sobre si que cristalizam uma larga parte do

    entusiasmo das novas geraes. (BRETON, 2004, p.9)

    ANLISE

    Reconhecendo que no discurso tomamos para anlise as estruturas e o acontecimento, tomo

    neste trabalho, para uma anlise discursiva a reportagem da revista Veja, edio especial , 2003,

    onde enunciados vem apresentar um novo lugar a prtica da tatuagem. A edio aborda a galera

    ilustrada, o retrato de uma gerao (veja, 2003, p.12).

    A tatuagem j foi sinal de rebeldia. Hoje apenas decorao do prprio do corpo

    2GREGOLIN,M.R. Discurso, histria e identidade na mdia.In: MALUF, O. (org.). Discurso, Sujeito, histria (noprelo)

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    Foi-se o tempo em que a tatuagem era smbolo de rebeldia. De to comum, virouum acessrio do corpo. Depois da fase dos desenhos tradicionais de marinheiros,doabstracionismo dos smbolos tribais e dos motivos orientais, com drages eideogramas, a moda so os grafismos e a releitura de motivos clssicos, comocoraes partidos e personagens de histria em quadrinhos, sobretudo com efeitode 3D. Discretas, as tatuagens conquistaram a pele de modelos, das patricinhas edos adolescentes em geral.(VEJA, 2003, p.53).

    Para se trabalhar nesse jogo enunciativo proposto pela revista suscetvel colocar em jogo

    uma bipolarizao lgica das proposies enunciveis. A primeira questo : ser que a tatuagem,

    agora, como decorao do prprio corpo no sofre interdies? Por que ser que a revista,

    simultaneamente, diz que a tatuagem smbolo de moda, mas deve ser feita de preferncia em

    locais que a roupa esconde. Se considerada, sinnimo de beleza e moda por que deve estar

    escondida? Podem ser flores discretas e at uma escancarada chama em estilo tibetano, de

    preferncia em locais escondidos pela roupa

    A tatuagem, embora h muito estivesse presente em diferentes culturas, marcando diferentes

    lugares e comunidades, em nossa sociedade at pouco tempo esteve restrita a alguns grupos tidoscomo marginais, no entanto, hoje ela passa a ocupar um novas formas de subjetivao, arriscando-se

    a outros lugares, outros modos de marcar sujeitos.

    Aps os anos 60 e 70 a prtica da tatuagem sair dos guetos, smbolos das classes marginais,

    passando a fazer parte da arte plstica, da moda, da beleza deixando o lugar de provocao contra a

    cultura e amoral estabelecida e passa a ressignificar um campo de saber-poder, articulando-o a

    novas regras e coeres. Para Foucault (2001), a maior parte das funes de poder- contra os quais

    os sujeitos resistem - s so difundidas pelas vias do saber.

    O saber em torno da prtica da tatuagem aps o sculo xx se d com os avanos

    tecnolgicos aliados a certas vanguardas culturais, tornando acessvel um nmero muito maior de

    pessoas tatuadas. Com a criao da primeira mquina de tatuagem criada em 1891 por O'Reilly em

    Nova Iorque, o processo se torna mais rpido e mais popular ( CARUCHET: 1995).

    Os anos 60 e 70 inserem a tatuagem no mundo da contracultura de da indstria pop.

    Hippies, punks e choppers, esses grupos - cada um a sua maneira procurando ocupar um novo

    espao scio, poltico e esttico apoderaram-se do seu mais imediato meio de comunicao, o corpo.

    O movimento pacifista dos hippies e a cultura Rock'n'Roll foram frteis para os que queria tatuar

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    corpo. Mas a tatuagem ainda estava, de alguma forma, margem, e em certa medida simbolizava

    uma forma de protesto social (SCHIFFMACHER:1996).

    O que nos inquieta nos desafia a uma escavao arqueolgica sobre a inscrio na prpria

    pele atravs das tatuagens : ser que diante das transformaes scio-culturais ocorridas no

    perodo compreendido por muitos tericos como ps-modernidade ou modernidade lquida

    (BAUMAN, 2007), a textualizao no corpo uma forma de subjetivao resistente a tcnicas de si

    imposta pela sociedade capitalista ou mais uma forma de pertencimento a um determinado grupo?

    Para Breton (2004), o sujeito do desejo quer marcar, tatuar o sinal da sua diferena. A busca de si

    entre as mltiplas facetas vivenciadas pelos sujeitos modernos est relacionada aos mais variados

    modos de subjetivao.

    At aqui, percebemos que a escrita no corpo tanto marca um lugar em que os sujeitos esto

    inseridos, um desejo de grupo, como emerge no interior de lutas contras prticas de subjetivao

    imposta socialmente, criando assim novas formas de ser e novos estilos de viver.Entendemos, assim, que a prtica da tatuagem como dispositivo pelo qual os indivduos so

    levados a prestar ateno a si mesmo, procuram reconhecer-se como sujeito de desejo ao

    estabelecer de si para si uma relao que propicia descobrir, no desejo, o que seria a verdade de seu

    ser, mesmo que natural ou decado. (MILANEZ, 2004, p.187).

    REFERNCIA

    BAUMAN,Zigmunt. Modernidade lquida. Trad. Plnio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2007.

    BRETOM Le, Sinais de identidade: tatuagens, piercings e outras marcas. Trad.Tereza Frazo, 1ed.maro, 2004.

    CARUCHET, William. Le tatouage ou le corps sans honte.. Paris: ditions Sguier, 1995.

    COURTINE, J. J.; CORBIN, A.; VIGARELLO, G. Histria do corpo.Petrpolis: Vozes, 2009. v. 3 (Asmutaes do olhar: sculo XX

    FOUCAULT, Michel. Microfsica do Poder.Rio de Janeiro: Edies Graal, 2004.

    ______. A ordem do discurso.11ed. So Paulo: Loyola, 1999.

    ______. A Hermenutica do sujeitos. So Paulo, Martins Fontes, 2004.

    GREGOLIN, Maria do Rosrio. Identidade objeto ainda no identificado? Disponvel emwww.cchla.ufpb.br/proling, acessado em 12/10/2008.

    ______, Maria do Rosrio. AD: descrever interpretar acontecimentos cuja materialidade fundelinguagem e histria. In NAVARRO, P. (org). Estudo do texto e do discurso: mapeando conceitos emtodos. So Carlos: Clara Luz, 2006.

    ______, Maria do Rosrio. (org). Anlise do Discurso:as materialidades do sentido.2ed. So Carlos:Clara Luz, 2003.

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    O acontecimento do discurso: filiaes e rupturasPorto Alegre, de 20 a 23 de setembro de 2011

    MILANEZ, Nilton. As aventuras do corpo:dos modos de subjetivao s memrias de si em revistaimpressa. 2006. 209f. Tese (Doutorado em Lingstica) - Faculdade de Cincias e Letras deAraraquara, Universidade Estadual Paulista, Araraquara. 2006.

    SCHIFFMACHER, Henk. 1000 Tattoos. Colnia: Taschen. 1996.

    ORLANDI, Eni Pulcinelli.Cidade dos sentidos. Campinas, SP: Pontes, 2005.

    REVEL, Judith. Foucault:conceitos essenciais. So Carlos: Clara Luz, 2005.