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  • Pedagogia da terra: Ecopedagogia e educao sustentvel Titulo Gadotti, Moacir - Autor/a Autor(es)Paulo Freire y la agenda de la educacin latinoamericana en el siglo XXI En:Buenos Aires LugarCLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales Editorial/Editor2001 Fecha

    ColeccinSociedad; Universidad; Mercado; Politica; Educacion; Pedagogia; TemasCaptulo de Libro Tipo de documentohttp://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/gt/20101010031842/4gadotti.pdf URLReconocimiento-No comercial-Sin obras derivadas 2.0 Genricahttp://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/deed.es

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  • Pedagogia da terra:Ecopedagogia e educao sustentvel*

    Moacir Gadotti**

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    Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...Por isso a minha aldeia to grande como outra terra qualquer.

    Porque eu sou do tamanho do que vejo e no do tamanho da minhaaltura...

    Fernando Pessoa

    V ivemos uma era de exterminismo. Pela primeira vez na histria dahumanidade, no por efeito de armas nucleares, mas pelo descontrole daproduo industrial (o veneno radioativo Plutnio 239 tem um tempo dedegradao de 24 mil anos), podemos destruir toda a vida do planeta. Passamos domodo de produo para o modo de destruio. Apossibilidade da autodestruionunca mais desaparecer da histria da humanidade. Daqui para a frente todas asgeraes sero confrontadas com a tarefa de resolver este problema (Schmied-Kowarzik, 1999: 6). S esperamos que as providncias sejam tomadas a tempopara que no cheguemos tarde demais. Por isso precisamos ecologizar a economia,a pedagogia, a educao, a cultura, a cincia, etc.

    * Reuni neste artigo diversas reflexes debatidas em diferentes encontros e congressos eparticularmente na Conferncia Continental das Amricas, em dezembro de 1998, em Cuiab (MT)e durante o Primeiro Encontro Internacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educao,organizado pelo Instituto Paulo Freire, com o apoio do Conselho da Terra e da UNESCO, de 23 a 26de agosto de 1999, em So Paulo. Venho acompanhando esse tema desde 1992 quando representei aICEA(Internacional Community Education Association) na Rio-92(Conferncia das Naes Unidassobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), chamada de Cpula da Terra, que elaborou e aprovoua Agenda 21. No Frum Global-92, na mesma poca, coordenei, ao lado Moema Viezer, FbioCascino, Nilo Diniz e Marcos Sorrentino, a Jornada Internacional de Educao Ambiental queelaborou o Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e ResponsabilidadeGlobal. Agradeo as contribuies e sugestes recebidas, particularmente de Francisco Gutirrez,Carlos Alberto Maldonado, Fbio Cascino, ngela Antunes Ciseski, Paulo Roberto Padilha eGustavo Belic Cherubine. Este texto retoma e desenvolve idias tratadas no meu livro Perspectivasatuais da Educao.

    ** Professor titular da Universidade de So Paulo, Diretor do Instituto Paulo Freire e autor de vriasobras, entre elas: Aeducao contra a educao(Paz e Terra, 1979: Francs e Portugus), Convite leitura de Paulo Freire (Scipione, 1988: Portugus, Espanhol, Ingls, Japons e Italiano), Histriadas idias pedaggicas(tica, 1993: Portugus e Espanhol), Pedagogia da prxis(Cortez, 1994:Portugus, Espanhol e Ingls) e Perspectivas atuais da educao(Artes Mdicas, 1999).

  • Paulo Freire y la agenda de la educacin latinoamericana en el siglo XXI

    O potencial destrutivo gerado pelo desenvolvimento capitalista o colocounuma posio negativa frente natureza. O capitalismo aumentou mais acapacidade de destruio da humanidade do que o seu bem-estar e prosperidade.As realizaes concretas do socialismo seguiram na mesma esteira destrutivacolocando em risco no apenas a vida do ser humano mas de todas as formas devida existentes sobre a Terra. De tal forma que hoje, a questo ecolgica, tornou-se eminentemente social ou, como afirma Elmar Altvater, hoje a questo socialpode ser elaborada adequadamente apenas como questo ecolgica (1992: 18).

    Por outro lado, vivemos tambm na era da informaoem tempo real, daglobalizao da economia, da realidade virtual, da Internet, da quebra defronteiras entre naes, do ensino distncia, dos escritrios virtuais, da robticae dos sistemas de produo automatizados, do entretenimento.

    O cenrioest dado: globalizaoprovocada pelo avano da revoluotecnolgica, caracterizada pela internacionalizao da produo e pela expansodos fluxos financeiros; regionalizao caracterizada pela formao de blocoseconmicos; fragmentaoque divide globalizadores e globalizados, centro eperiferia, os que morrem de fome e os que morrem pelo consumo excessivo dealimentos, rivalidades regionais, confrontos polticos, tnicos e confessionais,terrorismo.

    nesse contexto, nessa travessia de milnio, que devemos pensar aeducao do futuroe podemos comear por nos interrogar sobre as categorias quepodem explic-la. As categorias contradio, determinao, reproduo,mudana, trabalho e prxis, aparecem freqentemente na literaturapedaggica contempornea, sinalizando j uma perspectiva da educao, aperspectiva da pedagogia da prxis. Essas so categorias consideradas clssicasna explicao do fenmeno da educao. Elas se constituem um importantereferencialpara a nossa prtica. No podem ser negadas pois ainda nos ajudaro,de um lado, para a leitura do mundo da educao atual e, de outro, para acompreenso dos caminhos da educao do futuro.

    No podemos negar a atualidade de certas categorias freireanas e marxistas,como dialogicidade e dialeticidade, a validade de uma pedagogia dialgicaou da prxis. Marx, em O Capital, privilegiou as categorias hegelianasdeterminao, contradio, necessidade, possibilidade. A fenomenologiahegeliana continua inspirando nossa educao e dever atravessar o milnio. Aeducao popular e a pedagogia da prxis, lidas de forma crtica, deverocontinuar como paradigmas vlidos para alm do ano 2000. Contudo,necessitamos de novas categorias explicitadoras da realidade, que no surgemidealisticamente, mas no prprio processo de sua leitura.

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  • Categorias para a anlise das perspectivas atuais da educao

    Eis algumas categorias que se apresentam mais freqentemente hoje naliteratura pedaggica e que se prestam melhor para entender as perspectivasatuais da educao. Elas nos suscitam muitas interrogaese podem nos abrirnovos caminhos. Entre elas devemos destacar:

    1- Planetaridade. A Terra um novo paradigma (Leonardo Boff). Queimplicaes tem essa viso de mundo sobre a educao? O que seria umaecopedagogia(Francisco Gutirrez) e uma ecoformao(Gaston Pineau)? Otema da cidadania planetriapode ser discutido a partir desta categoria.Podemos nos perguntar com Milton Nascimento: para que passaporte sefazemos parte de uma nica nao?. Que conseqncias podemos tirar paraalunos, professores e currculos?

    2 - Sustentabilidade. O tema da sustentabilidade originou-se na economia(desenvolvimento sustentvel) e na ecologia, para inserir-se definitivamente nocampo da educao, sintetizada no lema uma educao sustentvel para asobrevivncia do planeta, difundido pelo Movimento pela Carta da Terra naPerspectiva da Educao e pela Ecopedagogia. O que seria uma cultura dasustentabilidade? Esse tema dever dominar muitos debates educativos dasprximas dcadas. O que estamos estudando nas escolas? No estaremosconstruindo uma cincia e uma cultura que servem para a degradao edeteriorao do planeta?

    3 - Virtualidade. Essa categoria implica toda a discusso atual sobre aeducao distncia e o uso dos computadores nas escolas(Internet). Ainformtica, associada telefonia, nos inseriu definitivamente na era dainformao. A informao deixou de ser uma rea ou especialidade para tornar-se uma dimenso de tudo, transformando profundamente a forma como asociedade se organiza, inclusive o modo de produo. Quais as conseqnciaspara a educao, para a escola, para a formao do professor e para aaprendizagem? Conseqncias da obsolescncia do conhecimento. Como fica aescola diante da pluralidade dos meios de comunicao? Eles nos abrem os novosespaos da formaoou iro substituir a escola?

    4 - Globalizao. O processo da globalizao est mudando a poltica, aeconomia, a cultura, a histria... portanto tambm a educao. uma categoriaque deve ser enfocada sob vrios prismas. O global e o local se fundem numanova realidade: o glocal. Para pensar a educao do futuro, precisamos refletirsobre o processo de globalizao da economia, da cultura e das comunicaes.

    5 - Transdisciplinaridade. Embora com significados distintos, certascategorias, muito prximas da transdisciplinaridade, comotransculturalidade,transversalidade, multiculturalidadee outras, como complexidadee holismo,

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  • Paulo Freire y la agenda de la educacin latinoamericana en el siglo XXI

    tambm indicam uma nova tendncia na educao, que ser preciso analisar.Como construir interdisciplinarmente o projeto poltico-pedaggico da escola?Como relacionar multiculturalidade, educao para todos e currculo? Comoencarar o desafio de uma educao sem discriminao tnica, cultural, de gnero?

    Essas categorias so importantes para compreender as perspectivas atuais daeducao, mas, como veremos, no so suficientes para entender a ecopedagogiacomo teoria da educao que promove a aprendizagem do sentido das coisas apartir da vida cotidiana. Neste caso devemos desenvolver outras categoriasligadas a esfera da subjetividade, da cotidianidadee do mundo vivido, categoriasque estruturam a vida cotidiana, levando em considerao as prticas individuaise coletivas e as experincias pessoais.

    Essas categorias j vem sendo apresentadas por vrios filsofos, cientistassociais e educadores, alguns deles falando de holismoou de paradigmasholonmicosda educao. Os holistas sustentam que a utopia, o imaginrio, soinstituintes da nova sociedade e da nova educao. Recusam uma ordem fundadana racionalidade instrumental que menospreza o desejo, a paixo, o olhar, aescuta. Segundo eles, os paradigmas clssicosbanalizam essas dimenses davida, sobrevalorizando o macroestrutural, o sistema, as superestruturas socio-econmico-polticas e epistmicas, lingsticas ou psquicas.

    Valeria a pena retomar aqui o debate de algumas categorias, tais como:imaginrio (Gilbert Durand e Cornelius Castoriadis), curiosidade (PauloFreire), tolerncia (Karl Jaspers), acolhida (Paul Ricoeur), dilogo (MartinBuber), autogesto (Celestin Freinet, Michel Lobrot), desordem (EdgarMorin), paixo (Marilena Chau), ao comunicativa (Jrgen Habermas),radicalidade (Agnes Heller), empatia (Carl Rogers), esperana (ErnestBloch), alegria (Georges Snyders), cuidado (Boff). Essas categoriasrepresentam uma espcie de sinal dos tempos, isto , apontam uma certadireo, um caminho a seguir para uma pedagogia da unidade, no conturbadocenrio atual de confronto de tendncias educacionais.

    Princpios pedaggicos para uma sociedade sustentvel

    Para entender o que ecopedagogia precisamos comear por explicitar o que pedagogia e o que sustentabilidade. Nos livros de Francisco Gutirrez eDaniel Prieto sobre a mediao pedaggica (1994 e 1994[a], os autoresdefinem pedagogia como o trabalho de promoo da aprendizagem atravs derecursos necessrios ao processo educativo no cotidiano das pessoas. Para eles, avida cotidiana o lugar do sentido da pedagogia pois a condio humana passainexoravelmente por ela. A mdia eletrnica, nos interligando ao mundo todo, noanula esse lugar, pois a revoluo eletrnica cria um espao acstico capaz de

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  • globalizar os acontecimentos cotidianos (Gutirrez, 1996: 12) tornando o local,global e o global, local. o que chamamos, nas Organizaes No-Governamentais (ONGs), de glocal. O cotidiano e a histria fundem-se numtodo. A cidadania ambientallocal torna-se tambm cidadania planetria.

    Mas, no podemos falar em cidadania planetria excluindo a dimensosocial do desenvolvimento sustentvel (Gutirrez, 1996: 13). Essa advertnciade Francisco Gutirrez esclarecedora pois preciso distinguir um ecologismoelitistae idealista, de um ecologismo crticoque coloca o ser humano no centrodo bem-estar do planeta. S que ... o bem-estar no pode ser s social, tem deser tambm scio-csmico..., como afirma Leonardo Boff (1996: 3). O planeta a minha casa e a Terra, o meu endereo. Como posso viver bem numa casa malarrumada, mal cheirosa, poluda e doente?

    Para Francisco Gutirrez, parece impossvel construir um desenvolvimentosustentvelsem uma educao para o desenvolvimento sustentvel. Para ele, odesenvolvimento sustentvel requer quatro condies bsicas. Ele deve ser:

    1. economicamente factvel

    2. ecologicamente apropriado

    3. socialmente justo

    4. culturalmente eqitativo, respeitoso e sem discriminao de gnero.

    Essas condies do desenvolvimento sustentvel so suficientemente claras,auto-explicativas. O desenvolvimento sustentvel, mais do que um conceitocientfico, uma idia-fora, uma idia mobilizadora, nesta travessia de milnio.A escala local tem que ser compatvel com uma escala planetria. Da aimportncia da articulao com o poder pblico. As pessoas, a Sociedade Civil,em parceria com o Estado, precisam dar sua parcela de contribuio para criarcidades e campos saudveis, sustentveis, isto , com qualidade de vida.

    Em seu livro Pedagogia para el Desarrollo Sostenible(1994), FranciscoGutirrez denomina desenvolvimento sustentvel como aquele que apresentaalgumas caractersticas (ou chaves pedaggicas) que se completam entre elasnuma dimenso maior (holstica) e que apontam para novas formas de vida docidado ambiental:

    1 - Promoo da vida para desenvolver o sentido da existncia. Devemospartir de uma cosmoviso que v a Terra como um nico organismo vivo.Entender com profundidade o planeta nessa perspectiva implica uma reviso denossa prpria cultura ocidental, fragmentria e reducionista, que considera aTerra um ser inanimado a ser conquistado pelo homem.

    Uma viso que se contrape cultura ocidental imperialista, que nos causaimpacto, pela maneira peculiar com que se relaciona com a natureza, a filosofia

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  • Paulo Freire y la agenda de la educacin latinoamericana en el siglo XXI

    Maia. Ao invs de agredir a Terra para conquist-la, os maias, antes de ar-la paracultiv-la (= cultu-la), eles fazem uma cerimnia religiosa na qual pedemperdo Me Terra por ter que agredi-la com o arado para dela tirarem o seusustento.

    2 - Equilbrio dinmico para desenvolver a sensibilidade social. Porequilbrio dinmico Gutirrez entende a necessidade de o desenvolvimentoeconmico preservar os ecossistemas.

    3 - Congruncia harmnica que desenvolve a ternurae o estranhamento(assombro, capacidade de deslumbramento) e que significa sentir-nos comomais um ser -embora privilegiado- do planeta, convivendo com outros seresanimados e inanimados. Segundo Gutirrez, ... na busca desta harmonia serpreciso uma maior vibrao e vinculao emocional com a Terra... (1994: 19).... Na construo de nossas vidas, como cidados ambientais, no podemosseguir, como at agora, excluindo toda retroalimentao ao sentir -a emoo- e aintuio como fundamento da relao entre os seres humanos e a natureza...(Gutirrez, 1996: 17).

    4 - tica integral, isto , um conjunto de valores -conscincia ecolgica- qued sentido ao equilbrio dinmico e congruncia harmnica e que desenvolve acapacidade de auto-realizao.

    5 - Racionalidade intuitiva que desenvolve a capacidade de atuar como umser humano integral. A racionalidade tcnica e instrumental que fundamenta odesenvolvimento desequilibrado e irracional da economia clssica precisa sersubstituda por uma racionalidade emancipadora, intuitiva, que conhece oslimites da lgica e no ignora a afetividade, a vida, a subjetividade. Ou, como dizMorin, por uma lgica do vivente: Ns tivemos que abandonar um universoordenado, perfeito, eterno, por um universo em devir dispersivo, nascido nocenrio onde entram em jogo, dialeticamente -isto , de maneira ao mesmo tempocomplementar, concorrente e antagnica- ordem, desordem e organizao. (...) por isso que todo conhecimento da realidade que no animado e controlado peloparadigma da complexidade est condenado a ser mutilado e, neste sentido, falta de realismo (1993: 69; 148). O paradigma da racionalidadetcnica,concebendo o mundo como um universo ordenado, perfeito, admitindo que preciso apenas conhec-lo e no transform-lo, acaba conduzindo naturalizaodas desigualdades sociais. Elas deveriam ser aceitas porque o mundo assimmesmo e natural que seja assim. A racionalidade tcnica acaba justificandoa injustia e a iniqidade.

    6 - Conscincia planetria que desenvolve a solidariedade planetria. Umplaneta vivo requer de ns uma conscincia e uma cidadania planetrias, isto ,reconhecermos que somos parte da Terra e que podemos viver com ela emharmonia -participando do seu devir- ou podemos perecer com a sua destruio.

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  • Segundo Francisco Gutirrez a razo de ser da planetaridade e sua lgica soconseqncia tanto de uma nova era cientfica -no deixar a cincia s para oscientistas- quanto do recente descobrimento da terra como um ser vivo (1996: 3).

    Essas so tambm as caratersticas de uma sociedade sustentvel, o que nosleva a concluir que no h desenvolvimento sustentvel sem sociedadesustentvel. Alm de se constiturem em princpios ou chaves pedaggicas(Gutirrez), as caractersticas acima descritas, podem muito bem ser consideradascomo princpios pedaggicos da sociedade sustentvel.

    No resta dvida de que esta concepo do desenvolvimento coloca emcheque o consumismodo modo de produo capitalista, principal responsvelpela degradao do meio ambiente e pelo esgotamento dos recursos materiais doplaneta. Essemodelo de desenvolvimento, baseado no lucro e na excluso social,no s distancia cada vez mais ricos e pobres, pases desenvolvidos esubdesenvolvidos, globalizadores e globalizados. Na era da globalizao, ocapitalismo est criando, em escala mundial, um ambiente favorvel aos u rgimento de alternativas polticas regressivas e antidemocrticas que seaproximam do fascismo. Ele no nos traz apenas o produto, traz-nos formas deorganizao social que destroem a nossa capacidade de utiliz-lo adequadamente.Assistimos impotentes bestificao de crianas e adultos frente televiso, aofato de passarmos cada vez mais tempo trabalhando intensamente para comprarmais coisas destinadas a economizar o nosso tempo. Vemos simultaneamente oimpressionante avano do potencial disponvel e somos incapazes de transformareste potencial numa vida melhor. (...) Enquanto aumenta o volume de brinquedostecnolgicos nas lojas, escasseiam o rio limpo para nadar ou pescar, o quintal comas suas rvores, o ar limpo, gua limpa, a rua para brincar ou passear, a frutacomida sem medo de qumica, o tempo disponvel, os espaos de socializaoinformal. O capitalismo tem necessidade de substituir felicidades gratuitas porfelicidades vendidas e compradas (Ladislau Dowbor in Freire, 1995: 12-13).

    No ms de junho de 1997, a Conferncia de Assentamentos Humanos -Habitat II- organizada pelas Naes Unidas e realizada em Istanbul, na Turquia,reuniu milhares de pessoas para discutir a qualidade de vida dos centros urbanos.Estavam presentes 3.638 delegados de 171 pases, mais de 3.000 jornalistas e2.500 representantes de organizaes no-governamentais. Podemos dizer que osparticipantes buscavam no seio da velha cidade o nascimento dacidade saudvelque todos almejamos. Foram abordados temas variados em torno da chamadacrise urbana como violncia, desemprego, falta de habitao, de transporte, desaneamento e misria nas grandes cidades, degradando o meio ambiente e aqualidade de vida.

    Experincias inovadorasde diversos pases foram apresentadas e premiadas.Dentre elas, estavam as propostas do Brasil desenvolvidas por cidades dediferentes regies. Fortaleza foi premiada por um projeto de reurbanizao de

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    favelas que evitou a demolio das casas e a retirada dos favelados do local,capacitando-os a construir sua prpria moradia e conscientizando-os de que amelhoria da condio de vida dependia tambm deles mesmos. A proposta deoramento municipal participativo de Porto Alegre, para combater a corrupo epromover o uso adequado do dinheiro pblico, constituindo-se num programa decapacitao cidad da populao para tomar em suas mos o destino da suacidade, e o programa de coleta e reciclagem de lixo, apresentado pela cidade deRecife, que resultou em gerao de renda e reduo de problemas de sade,tambm foram projetos premiados. Pudemos constatar, sempre presente nessasexperincias bem sucedidas, um componente de educao comunitria eambiental (ecoeducao). O que mostra a sua importncia na melhoria daqualidade de vida da populao e no desenvolvimento sustentvel.

    Tambm ficou claro nesta Conferncia que o n e o l i b e r a l i s m o, fundado nalgica do mercado, predominante em muitos pases, gerando desemprego,debilitando as polticas sociais do Estado, um modelo econmico que no resolve-ao contrrio, agrava- a crise urbana e no leva em conta a idia dodesenvolvimento sustentvel contida na Agenda 21, estabelecida na reunio dasNaes Unidas em 1992, no Rio de Janeiro. Mais tarde (setembro de 1999) o FundoMonetrio Internacional (FMI) reconheceu publicamente que suas diretrizes depoltica econmica seguidas pelos pases membros que tomam seus emprstimosno reduziam a pobreza, ao contrrio, acentuavam a distncia entre ricos e pobres.

    No podemos desconsiderar que os problemas urbanos so conseqncia domodelo econmico e da falta de um planejamento orientado pelodesenvolvimento sustentado, mas, inegavelmente, a educao e, em particular aeducao comunitria e ambiental, tambm tem um papel importante comopudemos constatar. Falou-se das deficincias de infra-estrutura das grandescidades, dos ndices de pobreza, da insalubridade das casas e dos alimentoscontaminados. Tudo isso causa, como sabemos, doenas como diarria,pneumonia, malria e outras transmitidas pela gua contaminada. Muitas dessasdoenas, contudo, poderiam ser evitadas por uma educao para a sade. Aecoeducao, a educao ambiental e comunitria (popular), o que chamamosaqui de educao sustentvel, precisa, nesse sentido, ser estimulada. A elaboraode polticas de humanizao e democratizao das cidades necessita certamentede planejadores e urbanistas, mas necessita tambm de vontade poltica e de umaeducao para a cidadania.

    Conscincia ecolgica, ecopedagogia e ecoformao

    nesse contexto que surge o tema da ecopedagogia (Francisco Gutirrez),da ecoformao (Gaston Pineau) e da conscincia ecolgica (Edgar Morin).Como afirma Edgar Morin, a conscincia ecolgica levanta-nos um problema

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  • duma profundidade e duma vastido extraordinrias. Temos de defrontar aomesmo tempo o problema da Vida no planeta Terra, o problema da sociedademoderna e o problema do destino do Homem. Isto obriga-nos a pr novamenteem questo a prpria orientao da civilizao ocidental. Na aurora do terceiromilnio, preciso compreender que revolucionar, desenvolver, inventar,sobreviver, viver, morrer, anda tudo inseparavelmente ligado (in Lago e Padua,1984: 6).

    O desenvolvimento sustentvel tem um componente educativoformidvel: apreservao do meio ambiente depende de uma conscincia ecolgica e aformao da conscincia depende da educao. aqui que entra em cena aecopedagogia. Ela uma pedagogia para a promoo da aprendizagemdo sentidodas coisas a partir da vida cotidiana. Encontramos o sentido ao caminhar,vivenciando o contexto e o processo de abrir novos caminhos; no apenasobservando o caminho. , por isso, uma pedagogia democrtica e solidria.Encontramos essa preocupao com a cotidianidade desde os primeiros escritosde Paulo Freire: nesse sentido que se pode afirmar que o homem no viveautenticamente enquanto no se acha integrado com a sua realidade. Criticamenteintegrado com ela. E que vive uma vida inautntica enquanto se sente estrangeirona sua realidade. Dolorosamente desintegrado dela. Alienado de sua cultura. (...)No h organicidade na superposio, em que inexiste a possibilidade de aoinstrumental. (...) A organicidade do processo educativo implica na sua integraocom as condies do tempo e do espao a que se aplica para que possa alterar oumudar essas mesmas condies. Sem esta integrao o processo se fazinorgnico, superposto e inoperante (1959: 9). Se no houver relao deorganicidade pouco se mudar, no haver promoo da aprendizagem(Gutirrez). A ecopedagogia se prope a realizar essa organicidade (Freire) napromoo da aprendizagem e isso s ser conseguido numa relao democrticae solidria.

    O que significa promover? Segundo Francisco Gutirrez, que cunhou apalavra ecopedagogia no incio dos anos 90, promover facilitar, acompanhar,p o s s i b i l i t a r, recuperar, dar lugar, compartilhar, inquietar, problematizar,r e l a c i o n a r, reconhecer, envolver, comunicar, expressar, comprometer,entusiasmar, apaixonar, amar (1996: 36).

    O que significa caminhar com sentido? Na educao bancria (PauloFreire), no se discute o sentido da aprendizagem, pois, para essa educao,aprender um fim em si mesmo. A ecopedagogia teve origem na educaoproblematizadora (Paulo Freire), que se pergunta sobre o sentidoda prpriaaprendizagem. Para Francisco Gutirrez, caminhar com sentido significa, antesde mais nada, dar sentido ao que fazemos, compartilhar sentidos, impregnar desentidoas prticas da vida cotidiana e compreender o sem sentido de muitasoutras prticas que aberta ou solapadamente tratam de impor-se (1996: 39).

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  • Paulo Freire y la agenda de la educacin latinoamericana en el siglo XXI

    A pedagogia tradicional centrava-se na espiritualidade, a pedagogia daescola nova na d e m o c r a c i ae a tecnicista na n e u t r a l i d a d ecientfica. Aecopedagogia centra-se na relaoentre os sujeitos que aprendem juntos emcomunho (Paulo Freire). sobretudo uma pedagogia tica, uma ticauniversal do ser humano (Freire, 1997: 19), no a tica do mercado (idem) quefundamenta a mercoescola. Continua Paulo Freire: No podemos nos assumircomo sujeitos da procura, da deciso, da ruptura, da opo, como sujeitoshistricos, transformadores, a no ser assumindo-nos como sujeitos ticos (...) atica de que falo a que se sabe afrontada na manifestao discriminatria deraa, de gnero, de classe. por esta tica inseparvel da prtica educativa, noimporta se trabalhamos com crianas, jovens ou com adultos, que devemos lutar.E a melhor maneira de por ela lutar viv-la em nossa prtica, testemunh-la,vivaz, aos educandos em nossas relaes com eles (1997: 19).

    A tica no mais uma coisa, um contedo, uma disciplina, umconhecimento que se deve acrescentar ao quefazer educativo. a prpriaessncia do ato educativo. Por isso, a eticidade conota expressivamente anatureza da prtica educativa, enquanto prtica formadora (Freire, 1997: 16). Naviso da ecopedagogia, ela faz parte essencial da competncia (prxis) de umeducador (Rios, 1993). A democracia e a cidadania so parte integrante hoje dareconstruo tico-poltica da educao. Por isso a cidadania acabou tornando-seo eixo central da educao (escola cidad). Neste aspecto, a tica acabaconfundindo-se com a noo de cidadania.

    tica vem do grego: those, mais tarde, thos.

    Por thosos gregos entendiam o espao externo ocupado pelo homem comorefgio, toca, abrigo, morada. O espao de segurana onde o homem sente-seprotegido da luta diria. Depois de um dia de trabalho, de busca da suasobrevivncia, da luta pela vida, ele se desarma, tira o seu uniforme, suasformalidades e se aconchega ao lar, sentindo-se em casa. Mas no um espaodado. construdo e reconstrudo permanentemente.

    Por thosos gregos entendiam o espao interno do ser humano, isto , o seucarter, a sua personalidade, os seus hbitos e costumes, que iam se modificandona medida em que ele pertencia a uma comunidade, onde construa a suaidentidade. Assim, a tica pode ser definida como a arte de conviver (LiaDiskin in Migliori, 1998: 65-77), o que implica em desenvolver certashabilidades e capacidades para se relacionar com o outro, adquiridas atravs daprxis, da reflexo e do exemplo.

    Hoje a tica volta ao centro dos debates das cincias da educao, na medidaem que a escola tornou-se um local problemtico e na medida em que asobrevivncia do ser humano est diretamente relacionada sobrevivncia doplaneta. Dispomos de instrumentos que podem destruir o planeta e, se no houver

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  • um comportamento tico, individual e institucional, de buscar o bem comum e asolidariedade, acabaremos aniquilando a ns mesmos (era do exterminismo). Atica e a solidariedade no so hoje apenas uma virtude, um dever. So condies,exigncias da sobrevivncia do planeta e dos seres que nele vivem.

    A ecopedagogia pretende desenvolver um novo olharsobre a educao, umolhar global, uma nova maneira de ser e de estar no mundo, um jeito de pensar apartir da vida cotidiana, que busca sentido a cada momento, em cada ato, quepensa a prtica (Paulo Freire), em cada instante de nossas vidas, evitando aburocratizao do olhar e do comportamento.

    Foi explorando a problemtica da autoformao que Gaston Pineau criou oneologismo ecoformao nos anos 80, relacionado-o s histrias de vida daspessoas. Experincias cotidianas aparentemente insignificantes -como umacorrente de ar, um sopro de respirao, a gua da manh na face- fundamentamas relaes com si prprio e com o mundo. A tomada de conscincia dessarealidade profundamente formadora. O meio ambiente forma tanto quanto ele formado ou deformado.

    Nascida na pesquisa em educao permanente, a ecoformao se alimenta doparadigma ecolgico, interrogando-se sobre as relaes entre o ser humano e omundo. Ns dependemos dos elementos naturais -o ar, a gua, a terra e o fogo(Gaston Bachelard)- mais do que estes dependem de ns, afirma Gaston Pineau(1992). Precisamos de uma ecoformao para recuperar a conscincia que temosdeles e no nos ligarmos a eles apenas para domin-los e nos utilizar deles.

    A ecoformao pretende estabelecer um equilbrio harmnico entre ohomem/mulher e o meio ambiente. Ela se inscreve no conceito mais amplo deformao tripolar j anunciada por Rousseau (Pineau, 1992: 246-247): os outros,as coisase a nossa natureza pessoal. So trs modelos formativos que participamdo nosso desenvolvimento ao longo de toda a vida, nossos mestres segundoRousseau: a heteroformao (amplamente dominante), a autoformao (em viasde desenvolvimento) e a ecoformao (ainda engatinhando).

    Ecopedagogia: movimento pedaggico e abordagem curricular

    A palavra ecologia foi criada em 1866 pelo bilogo alemo Ernst Haeckel(1834-1919), como um captulo da biologia, para designar o estudo das relaesexistentes entre todos os sistemas vivos e no-vivos entre si e com seu meioambiente. Hoje podemos distinguir 4 grandes vertentes da ecologia: a ecologiaambiental-que se preocupa com o meio ambiente-, a ecologia social-que insereo ser humano e a sociedade dentro da natureza e propugna por umdesenvolvimento sustentvel-, a ecologia mentalou profunda-que estuda o tipode mentalidade que vigora hoje e que remonta a vida psquica humana consciente

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    e inconsciente, pessoal e arquetpica-, e a ecologia integral-que parte de umanova viso da Terra surgida quando, nos anos 60, ela pde ser vista de fora pelosastronautas (Boff, 1996). Aera planetria comea com a descoberta de que aTerra apenas um planeta (Morin e Kern, 1993: 16).

    A ecologia naturalse referia apenas preservao da natureza. A ecologiasocial integralse refere qualidade de vida. Como se traduz na educao oprincpio da sustentabilidade? Ele se traduz por perguntas como: at que ponto hsentido no que fazemos? At que ponto nossas aes contribuem para a qualidadede vida dos povos e para a sua felicidade? A sustentatibilidade um princpioreorientador da educao e principalmente dos currculos, objetivos e mtodos.

    no contexto da evoluo da prpria ecologia que surge e ainda engatinha,o que chamamos de ecopedagogia, inicialmente chamada de pedagogia dodesenvolvimento sustentvel e que hoje ultrapassou esse sentido. Aecopedagogia est se desenvolvendo seja como um movimento pedaggico sejacomo abordagem curricular.

    A ecopedagogia como movimento pedaggico

    Como a ecologia, a ecopedagogia tambm pode ser entendida como ummovimento social e poltico. Como todo movimento novo, em processo, emevoluo, ele complexo e, pode tomar diferentes direes, at contraditrias. Elepode ser entendido diferentemente como o so as expresses desenvolvimentosustentvel e meio ambiente. Existe uma viso capitalista do desenvolvimentosustentvel e do meio ambiente que, por ser anti-ecolgica, deve ser consideradacomo uma armadilha, como vem sustentando Leonardo Boff .

    Ao contrrio dos termos educao e sade, que correspondem a reasbastante conhecidas pela populao, a expresso meio ambiente quasetotalmente ignorada. A populao conhece o que lixo, asfalto, barata... mas noentende a questo ambiental na sua significao mais ampla. Da a necessidadede uma ecopedagia, uma pedagogia para o desenvolvimento sustentvel.

    A ecopedagogia como movimento social e poltico surge no seio daSociedade Civil, nas organizaes, tanto de educadores quanto de ecologistas ede trabalhadores e empresrios, preocupados com o meio ambiente. A SociedadeCivil vem assumindo a sua cota de responsabilidade diante da degradao domeio ambiente, percebendo que apenas atravs de uma ao integrada que essadegradao pode ser combatida.

    Os movimentos sociais e populares e as Organizaes No-Governamentaistm alertado os governos e a prpria sociedade sobre os danos causados ao meioambiente e aos seres humanos por polticas pblicas anti-sustentveis. Foramprincipalmente as ONGs que mais se empenharam, nos ltimos anos, para

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  • superar os problemas causados pela degradao do meio ambiente. Da mesmaforma, antecipando-se s iniciativas do Estado, as Organizaes No-Governamentais que esto se movimentando mais na busca de uma pedagogiado desenvolvimento sustentvel, entendendo que, sem uma ao pedaggicaefetiva, de nada adiantaro os grandes projetos estatais de despoluio e depreservao do meio ambiente. com esta hiptese que trabalha o Instituto PauloFreire em seu Programa de ecopedagogia e que inspira tambm o Movimentopela ecopedagogia criado em agosto de 1999 durante o Primeiro EncontroInternacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educao.

    A ecopedagogia como abordagem curricular

    A ecopedagogia implica uma reorientao dos currculos para queincorporem certos princpios defendidos por ela. Estes princpios deveriam, porexemplo, orientar a concepo dos contedos e a elaborao dos livros didticos.Piaget nos ensinou que os currculos devem contemplar o que significativo parao aluno. Sabemos que isso correto, mas incompleto. Os contedos curricularestm que ser significativos para o aluno, e s sero significativos para ele, se essescontedos forem significativos tambm para a sade do planeta, para o contextomais amplo.

    Como buscar significado para o conhecimento fora de um contexto? Paracompreender o que conhecemos no podemos isolar os objetos do conhecimento. preciso, como diz Edgar Morin, recoloc-los em seu meio ambiente para melhorconhec-los, sabendo que todo ser vivo s pode ser conhecido na sua relao como meio que o cerca, onde vai buscar energia e organizao (1993: 1-2). Ora, oscurrculos monoculturais oficiais primam por ensinar histria, geografia, qumica efsica dentro de categorias isoladas, sem saber, ao mesmo tempo, que a histriasempre se situa dentro de espaos geogrficos e que cada paisagem geogrfica fruto de uma histria terrestre; sem saber que a qumica e a microfsica tm omesmo objeto, porm, em escalas diferentes (Morin e Kern, 1993: 1-2).

    Sem dvida, a ecopedagogia tambm dever influenciar a estrutura e ofuncionamento dossistemas de ensino. sabido que os sistemas nacionais deeducao nasceram no sculo passado sob o signo da pedagogia clssica,racionalista e centralizadora. A ecopedagogia prope uma nova forma degovernabilidade diante da ingovernabilidade do gigantismo dos sistemas atuaisde ensino, propondo a descentralizao democrtica e uma racionalidadebaseadas na ao comunicativa. Ela dever influenciar tambm a formao dosnovos sistemas de ensino, o Sistema nico e Descentralizado de EducaoBsica, por exemplo (Gadotti, 1999: 175-178). O princpio da gestodemocrtica -portanto da a u t o n o m i ae da p a rt i c i p a o- muito caro aomovimento ecopedaggico.

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    A pedagogia clssica construiu seus parmetros curriculares baseada namemorizao de contedos. A nossa to difundida pedagogia dos contedos filha do iluminismo como o demonstrou Jos Tamarit (1996). A ecopedagogiainsiste na necessidade de reconhecermos que as formas (vnculos, relaes) sotambm contedos. Como essa pedagogia est preocupada com a promoo davida, os contedos relacionais, as vivncias, as atitudes e os valores, a prticade pensar a prtica (Paulo Freire) adquirem expressiva relevncia.

    A ecopedagogia defende ainda a valorizao da diversidade cultural, agarantia para a manifestao tico-poltico e cultural das minorias tnicas,religiosas, polticas e sexuais, a democratizao da informao e a reduo dotempo de trabalho, para que todas as pessoas possam participar dos bens culturaisda humanidade. A ecopedagogia, portanto, tambm uma pedagogia daeducao multicultural.

    Finalmente, a ecopedagogia no uma pedagogiaescolar. Ela no se dirigeapenas aos educadores, mas aos habitantes da Terra em geral. Como afirmaFrancisco Gutirrez, estamos frente a duas lgicas que de modo algum devemosconfundir: a lgica escolar e a lgica educativa (1996: 26). A educao para umdesenvolvimento sustentvel no pode ser confundida como uma educaoescolar. A escola pode contribuir muito e est contribuindo -hoje as crianasescolarizadas que levam para os adultos em casa a preocupao com o meioambiente- mas a ecopedagogia pretende ir alm da escola: ela pretende impregnartoda a sociedade.

    Colocada neste sentido, a ecopedagogia no uma pedagogia a mais, ao ladode outras pedagogias. Ela s tem sentido comoprojeto alternativo globalonde apreocupao no est apenas na preservao da natureza (Ecologia Natural) ou noimpacto das sociedades humanas sobre os ambientes naturais (Ecologia Social),mas num novo modelo de civilizao sustentvel do ponto de vista ecolgico(Ecologia Integral) que implica uma mudana nas estruturas econmicas, sociaise culturais. Ela est ligada, portando, a um projeto utpico: mudar as relaeshumanas, sociais e ambientais que temos hoje.

    Claro que a ecopedagogiano tem a pretenso simplista de inventar tudo denovo. Ela se insere, como movimento, na evoluo do prprio movimentoecolgico como doutrina e como atitude diante da vida. Da mesma forma que omovimento ecolgico, ela inclui a corrente no-violenta do pensamentoanarquista, o movimento pacifista e humanista, o prprio marxismo libertrio epensadores que em diversos campos da cincia e do conhecimento tm adotadoperspectivas globalizantes e voltadas para a libertao social e psicolgica doshomens (e Pdua, 1984: 41). A ecopedagogia insere-se tambm num movimentorecente de renovao educacional que inclui a transdisciplinaridade e o holismo.

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  • Um exemplo concreto da ecopedagogia como movimento social est hoje notrabalho realizado por muitas Organizaes No-Governamentais para que aC a rta da Te rr a a ser proclamada pelas Naes Unidas no seja apenasproclamada, mas seja vivida pelos habitantes do planeta e construdacoletivamente antes de ser proclamada. A pedagogia conteudista e burocrtica semovimenta da oferta para a demanda: da proclamao iluminista para a aosobre as pessoas. A ecopedagogia se movimenta da necessidade real, analisada,interpretada, refletida, organizada, codificada e decodificada para a ao coletivae individual transformadora, para o vivido na cotidianidade. Primeiro se vive, seexperimenta, se elabora e depois se d o nome e se proclama. Por que asexigncias do cotidiano so importantes? Por que a demanda importante? Porque de nada adiantaria proclamar burocraticamente direitos se eles no foremexigidos, se eles no forem sentidos e refletidos, se no forem demandados ecriados debaixo para cima. Entendida dessa forma, a ecopedagogia uma novapedagogia dos direitosque associa os direitos dos humanos aos direitos da Terra.

    Despertarda cultura ecolgica e destino comum do planeta

    Para entender melhor o movimento no qual est inserida a ecopedagogia preciso relembrar alguns momentos desse percurso.

    Pela importncia que teve, devemos lembrar, por exemplo, da Confernciadas Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento(CNUMAD/UNCED) que foi realizada na cidade do Rio de Janeiro (Brasil), de3 a 14 de junho de 1992. A nica vez em que os pases haviam se reunido paradiscutir a sobrevivncia do planeta tinha sido em 1972, em Estocolmo (Sucia).

    Alm da Conferncia oficial patrocinada pela ONU, ocorreu, paralelamente,oFrum Global 92, promovido pelas entidades da Sociedade Civil. Participaramdo Frum mais de 10 mil representantes de Organizaes No-Governamentais(ONGs) das mais variadas reas de atuao de todo o mundo. Ele se constituiunum conjunto de eventos, englobando, entre outros, os encontros de mulheres,crianas, jovens e ndios. Neste Frum foi aprovada uma Declarao do Rio,tambm chamada de Carta da Terra, conclamando a todos os participantes paraque adotassem o seu esprito e os seus princpios, em nvel individual e social eatravs das aes concretas das ONGs signatrias. As ONGs se comprometeramainda a iniciar uma campanha associada chamada Ns somos a Terra, pelaadoo da Carta.

    A Carta da Terraconstituiu-se numa declarao de princpios globais paraorientar a questo do meio ambiente e do desenvolvimento. Ela inclui osprincpios bsicos que devero reger o comportamento da economia e do meioambiente, por parte dos povos e naes, para assegurar nosso futuro comum.Ela pretende ter a mesma importncia que teve a Declarao dos Direitos

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    Humanos, assinada pelas Naes Unidas em 1948. Contm 27 princpios com oobjetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global atravs da criao denovos nveis de cooperao entre os Estados, setores importantes da sociedade eo povo. Para conseguir o desenvolvimento sustentvel e melhor qualidade de vidapara todos os povos, a Carta da Terra prope que os Estados reduzam e eliminempadres insustentveis de produo e consumo e promovam polticasdemogrficas adequadas.

    A Conferncia das Naes Unidas foi tambm chamada de Cpula daTerra, pois representou o maior encontro internacional de cpula de todos ostempos, com a participao de 175 pases e 102 chefes de estado e de governo.Ela ficou conhecida como ECO-92ou, simplesmente, RIO-92.

    Entre os muitos temas tratados na RIO-92, destacam-se: arsenal nuclear,desarmamento, guerra, desertificao, desmatamento, crianas, poluio, chuvacida, crescimento populacional, povos indgenas, mulheres, fome, drogas,refugiados, concentrao da produo e da tecnologia, tortura, desaparecidos,discriminao e racismo.

    Foi nessa poca que apareceu o conceito de tecnologia dura, como umatecnologia no sustentvel. Segundo Robin Clarke (in Lago, 1984: 65), atecnologia dura se caracteriza por:

    1. Grande gasto de energia e recursos no-renovveis.

    2. Alto ndice de poluio.

    3. Uso intensivo de capital e no de mo-de-obra.

    4. Alta especializao e diviso do trabalho.

    5. Centralizao e gigantismo.

    6. Gesto autoritria da produo.

    7. Limites e inovaes tcnicas ditadas pelo lucro e no por necessidades sociais.

    8. Conhecimento tcnico restrito aos especialistas.

    9. Prioridade para o grande comrcio e no para o mercado local.

    10. Prioridade para a grande cidade.

    11. Produo em massa.

    12. Impacto destrutivo na natureza.

    13. Trabalho alienado do prazer.

    14. Numerosos acidentes.

    15. Tendncia ao desemprego.

    16. Despreocupao com fatores ticos e morais.

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  • Como difcil de separar hoje cincia e tecnologia, mutatis mudandi, essasso tambm caractersticas de uma cincia dura, uma cincia semconscincia (Morin).

    Cumprindo o seu objetivo de propor um modelo de desenvolvimentocomprometido acima de tudo com a preservao da vida no planeta, a UNCEDproduziu importantes documentos. O maior e mais importante deles foi a Agenda21. Trata-se de um volume composto de 40 captulos com mais de 800 pginas,um detalhado programa de ao em matria de meio ambiente edesenvolvimento. Nele constam tratados em muitas reas que afetam a relaoentre o meio ambiente e a economia, como: atmosfera, energia, desertos, oceanos,gua doce, tecnologia, comrcio internacional, pobreza e populao.

    As 175 naes presentes aprovaram e assinaram a Agenda 21,comprometendo-se a respeitar os seus termos. Ela representa a base para adespoluio do planeta e a construo de um modelo de desenvolvimentosustentvel, isto , que no agrida o ambiente e no esgote os recursosdisponveis. A Agenda 21 (1996) tem por objetivos(cap. 4, itens 4 e 7):

    1 Promover padres de consumo e produo que reduzam as pressesambientais e atendam as necessidades bsicas da humanidade;

    2 Desenvolver uma melhor compreenso do papel do consumo e da formade se implementar padres de consumo mais sustentveis.

    Esses objetivos visam a alcanar o desenvolvimento sustentvel como aquele quesatisfaz as necessidades do presente com eqidade, sem comprometer a capacidadedas geraes futuras para satisfazer as suas necessidades (equilbrio dinmico).

    A R i o + 5, um novo Frum de organizaes governamentais e no-governamentais, reunido no Rio de Janeiro em maro 1997, avaliou os resultadosprticos obtidos com os tratados assinados em 1992. Muitas das organizaes eredes da Sociedade Civil e econmica participaram deste evento com o objetivode revisar os progressos especficos em direo ao desenvolvimento sustentvele de identificar prticas, valores, metodologias e novas oportunidades paraimplement-lo.

    Os participantes concluram que os resultados obtidos com a Agenda 21,cinco anos depois (1992), eram ainda muito pequenas e que seria necessriopassar para aes mais prticas, para alm das grandes proclamaes deprincpios. Foi aprovada uma nova redao da Carta da Terra. Na avaliao deLeonardo Boff, se a RIO-92 no trouxe grandes encaminhamentos polticosobjetivos, serviu para despertar uma cultura ecolgica, uma preocupaouniversal com o destino comum do planeta. (...) Temos uma nova percepo daTerra como imensa comunidade da qual somos parte e parcela, membrosresponsveis para que todos possam viver em harmonia (1993: 2).

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    As organizaes no-governamentaisso cada vez mais reconhecidas comovitais para o projeto, execuo e obteno de bons resultados do desenvolvimentosustentvel. A promoo de um desenvolvimento durvel necessitar de novasferramentas para a anlise e a resoluo de problemas para os quais as ONGs vmacumulando experincia e reflexo. Elas se multiplicaram em todo o mundo emostraram sua fora poltica e econmica na RIO-92 e continuam demonstrandogrande vitalidade. Foram consideradas como os olhos da populao naConferncia da ONU e, depois, como interlocutoras obrigatrias entre osgovernos dos pases pobres e as instituies financiadoras dos pases ricos.

    Uma mdia de 25 mil pessoas esteve presente diariamente para participar doscerca de 350 eventos promovidos pelo Frum Global 92. Participaram, durante15 dias, cerca de 3 mil entidades, ambientalistas ou no, de diferentes pases, dasmais variadas partes do planeta.

    A educao ambientalfoi um dos temas de maior destaque deste mega-evento, sendo discutida especialmente na Jornada Internacional de EducaoAmbiental, organizada pelo ICAE (Conselho Internacional de Educao deAdultos) com apoio de organizaes no-governamentais, como o SUM (ServioUniversitrio Mundial) e a ICEA (Associao Internacional de EducaoComunitria).

    O resultado mais importante desse evento foi o lanamento, dia 7 de junho,do Tratado de Educao ambiental para sociedades sustentveis eresponsabilidade global. Destacamos alguns princpios bsicos desseimportante documento (Forum Global 92, 1992: 194-196):

    1. A educao ambiental deve ter como base o pensamento crtico e inovador,em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal, no formal e informal,promovendo a transformao e a construo da sociedade.

    2. A educao ambiental individual e coletiva. Tem o propsito de formarcidados com conscincia local e planetria, que respeitem a autodeterminaodos povos e a soberania das naes.

    3. A educao ambiental deve envolver uma perspectiva holstica, enfocandoa relao entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar.

    4. A educao ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e orespeito aos direitos humanos, valendo-se de estratgias democrticas e interaoentre as culturas.

    5. A educao ambiental deve integrar conhecimentos, aptides, valores,atitudes e aes. Deve converter cada oportunidade em experincias educativasdas sociedades sustentveis.

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  • 6. A educao ambiental deve ajudar a desenvolver uma conscincia ticasobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitarseus ciclos vitais e impor limites explorao dessas formas de vida pelos sereshumanos.

    A educao ambiental, tambm chamada de ecoeducao, vai muito alm doconservacionismo. Trata-se de uma mudana radical de mentalidade em relao qualidade de vida, que est diretamente ligada ao tipo de convivncia quemantemos com a natureza e que implica atitudes, valores, aes. Trata-se de umaopo de vida por uma relao saudvel e equilibrada, com o contexto, com osoutros, com o ambiente mais prximo, a comear pelo ambiente de trabalho epelo ambiente domstico.

    O Frum Global 92 encaminhou Conferncia da UNCED 32 tratados comnumerosas propostas. Pediam sobretudo a participao das ONGs, com direito avoz e voto, na tomada de decises governamentais que afetam o ambiente. OTerceiro Setor dava uma demonstrao de fora que continuou crescendo durantetoda a dcada e poder tornar-se um fator novo de equilbrio poltico-econmicoentre Estado e Mercado.

    A abordagem comunitriatambm foi amplamente ressaltada pelas ONGs,e, em particular, no que se refere ao papel da educao. Insistiu-se naspossibilidades abertas pelo trabalho comunitrio em favor do desenvolvimentosustentvel, em favor da proteo ambiental e da construo de uma comunidadesaudvel. A educao continua sendo a chave para esta nova forma dedesenvolvimento.

    A e c o p e d a g o g i ano se ope educao ambiental. Ao contrrio, para aecopedagogia a educao ambiental um pressuposto. Aecopedagogia incorpora-a eoferece estratgias, propostas e meios para a sua realizao concreta. Foi justamentedurante a realizao do Frum Global 92, no qual se discutiu muito a educaoambiental, que se percebeu a importncia de uma pedagogia do desenvolvimentosustentvel ou de uma e c o p e d a g o g i a. Hoje, porm, a ecopedagogia tornou-se ummovimento e uma perspectiva da educao maior do que uma pedagogia dodesenvolvimento sustentvel. Ela est mais para a educao sustentvel, para umae c o e d u c a o, que mais ampla do que a educao ambiental. Aeducao sustentvelno se preocupa apenas com uma relao saudvel com o meio ambiente, mas com os e n t i d omais profundo do que fazemos com a nossa existncia, a partir da vida cotidiana.

    A pedagogia tradicional, centrada sobretudo no escolar e no professor, noconsegue dar conta de uma realidade dominada pela globalizao das comunicaes,da cultura e da prpria educao. Novos meios e uma nova linguagem precisam sercriados. Mas no s: necessrio fundamentar esses meios e essa linguagem numa t i c ae numa e s t t i c a. O uso intensivo da comunicao audiovisual, da educao adistncia e das redes se impe e exige uma nova mediao pedaggica.

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  • Paulo Freire y la agenda de la educacin latinoamericana en el siglo XXI

    Para se firmar como uma pedagogia que responda a uma questo tocomplexa quanto a do desenvolvimento sustentvel, a ecopedagogia precisatrilhar ainda um longo caminho. E precisa no s do debate acadmico e daconstruo terica. Precisa sobretudo ser experimentada na prtica. o que estsendo feito com o movimento em torno da Carta da Terra na perspectiva daeducao, um movimento organizado pelo Instituto Paulo Freire (IPF), com oapoio da UNESCO e do Conselho da Terra. O IPF, enquanto membro daCoordenao Nacional da Carta da Terra, atravs de acordo de cooperao com oConselho da Terra, foi incumbido de realizar uma consulta mundial parasistematizar as contribuies redao da Carta da Terra na perspectiva daeducao.

    Para este fim, nos dias 23 a 26 de agosto de 1999, o Instituto Paulo Freirerealizou em So Paulo o I Encontro Internacional da Carta da Terra naPerspectiva da Educao. Com a participao de 17 pases e 13 estadosbrasileiros, representados pelos seus educadores e tambm pelos pesquisadores,especialistas, profissionais e estudantes das diversas cincias e atividadeshumanas, o evento promoveu reflexes e a troca de experincias sobre os temastica, Cultura da Sustentabilidade e Prtica da No-violncia. Um dos resultadosdos trabalhos foi a criao doMovimento pela Ecopedagogia, ficando o IPFresponsvel pela organizao e encaminhamento das atividades relacionadas aotema. Na Assemblia Geral de Encerramento, os participantes elaboraram trsdocumentos: Contribuio dos Educadores Carta da Terra, A Agenda deCompromissos 1999-2020 e o Movimento pela Ecopedagogia. As atividades doIPF so no sentido de facilitar a troca de informaes, promover debates, realizarintercmbios, produzir trabalhos tericos, realizar pesquisas e acompanhar edesenvolver projetos de Gesto do Espao com base na Ecopedagogia.

    Da demanda dos povos proclamao dos Direitos da Terra

    Baseada em princpios e valores fundamentais, que nortearo pessoas eEstados no que se refere ao desenvolvimento sustentvel, a Carta da Terraservir como um cdigo tico planetrio. Uma vez aprovada pelas Naes Unidaspor volta de 2002, a Carta da Terraser o equivalente Declarao Universaldos Direitos Humanos no que concerne sustentabilidade, eqidade e justia.

    O projeto da Carta da Terrainspira-se em uma variedade de fontes,incluindo a ecologia e outras cincias contemporneas, as tradies religiosas eas filosficas do mundo, a literatura sobre tica global, o meio ambiente e odesenvolvimento, a experincia prtica dos povos que vivem de maneirasustentada, alm das declaraes e dos tratados intergovernamentais e no-governamentais relevantes.

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  • Dever constituir-se em um documento vivo, apropriado pela sociedadeplanetria, e revisto periodicamente em amplas consultas globais.

    Entre os valoresque se afirmam na minuta de referncia encontramos:

    1. Respeito Terra e sua existncia.

    2. A proteo e a restaurao da diversidade, da integridade e da beleza dosecossistemas da Terra.

    3. A produo, o consumo e a reproduo sustentveis.

    4. Respeito aos direitos humanos, incluindo o direito a um meio ambientepropcio dignidade e ao bem-estar dos humanos.

    5. A erradicao da pobreza.

    6. A paz e a soluo no violenta dos conflitos.

    7. A distribuio eqitativa dos recursos da Terra.

    8. A participao democrtica nos processos de deciso.

    9. A igualdade de gnero.

    10. A responsabilidade e a transparncia nos processos administrativos.

    11. A promoo e aplicao dos conhecimentos e tecnologias que facilitam ocuidado com a Terra.

    12. A educao universal para uma vida sustentada.

    13. Sentido da responsabilidade compartilhada, pelo bem-estar dacomunidade da Terra e das geraes futuras.

    Consensualmente, entende-se que a Carta da Terradeve ser:

    1. Uma declarao de princpios fundamentais com significado perdurvel eque possa ser compartilhada amplamente pelos povos de todas as raas,culturas e religies.

    2. Um documento relativamente breve e conciso, escrito com linguageminspiradora.

    3. Ela deve ser clara e significativa.

    4. A articulao de uma viso que reflita valores universais.

    5. Uma chamada para a ao, que agregue novas dimenses significativas devalores s que j se encontram expressas em outros documentos relevantes.

    6. Uma Carta dos povos que sirva como um cdigo universal de conduta parapessoas, para instituies e para Estados.

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  • Paulo Freire y la agenda de la educacin latinoamericana en el siglo XXI

    A Proclamao dos Direitos Humanos pelas Naes Unidas em 1948 partiude um grupo de especialistas e negociada entre os Estados Membros daorganizao. Ela foi feita antes de consultar a demanda, embora ela tivesse semanifestado de diversas formas. A Sociedade Civil no participou ativamente desua elaborao, inclusive porque o crescimento das organizaes sociais deu-sesobretudo na segunda metade deste sculo.

    Hoje, graas a um esforo que est mobilizando numerosas pessoas einstituies num imenso processo pedaggico, a proclamao dos Direitos daTerra ou, simplesmente a Carta da Terra, ser precedida por um abrangenteprocesso de c o n s u l t a: parte-se das exigncias da vida cotidiana, da demanda dospovos para a promulgao dos direitos da Terra que incluem os direitos dos sereshumanos. O Conselho da Terra, com sede na Costa Rica, em estreita cooperaocom outras organizaes, como a Cruz Verde, a Cruz Vermelha e o Programa dasNaes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), vem lanado o debate para ointerior da Sociedade Civil Mundial, com um extenso programa de consultas porreas e por setores chaves. Amdio e longo prazos, esse processo de consultadever culminar com o fortalecimento da participao das diversas organizaes daSociedade Civil na sustentabilidade das comunidades e pases em todo o mundo.

    A C a rta da Te rr a ser proclamada pelas Naes Unidas, dandoprosseguimento aos compromissos assumidos pelos Povos, Naes, Estados eSociedade Civil, na Rio-92, tanto no Frum Global quanto na UNCED (UnitedNations Conference on Environment and Development). Entretanto, todos osesforos nesse sentido pouco adiantaro se a Carta da Terra representar apenasum conjunto de princpios elaborados por especialistas, negociados politicamentepelos governos e proclamados solenemente. necessrio que a Carta seja, acimade tudo, vivenciada no cotidiano das pessoas. Para que isso acontea de fato, fundamental o processo coletivo de educao, sistemtico e organizado, que nosassegure que o maior nmero possvel de cidados do planeta, no apenas tenhatomado conhecimento do contedo da Carta, mas tenha participado ativamente dasua elaborao e tomado conscincia de que um futuro saudvel da Terradepende da criao de uma cidadania planetria.

    Esta cidadania deve sustentar-se com base numa tica integralde respeito atodos os seres com os quais compartilhamos o planeta. Como construir na prticaessa tica integral sem um processo educativo? Isso exige certamente uma novacompreenso do papel da educao, para alm da transmisso da cultura e daaquisio do saber. Implica na construo de novos valores e novas relaes.Nosso futuro comum depende de nossa capacidade de entender hoje a situaodramtica na qual estamos devido deteriorao do meio ambiente. E isso passapor um processo de conscientizao planetria.

    Por isso, temos certeza de que os temas relacionados com o desenvolvimentos u s t e n t v e le a e c o p e d a g o g i at o r n a r-se-o muito importantes nos debates

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  • educacionais das prximas dcadas. Ao mesmo tempo, cremos que o papel daeducao popular comunitriaser decisivo para a mudana de mentalidadeseatitudesem direo da sustentabilidade econmica.

    No basta apenas ler e informar-se sobre a degradao do meio ambiente.Sem um processo educativo, a Carta da Terrapode tornar-se mais umadeclarao incua de princpios. Foi com essas preocupaes que a UNESCO, oPNUMA (Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente), Conselho daTerra e outras instituies internacionais como a ICEA(International CommunityEducation Association), o WUS (World University Service) e o ICAE(International Council of Adult Education) deram incio a um esforointernacional e inter-institucional no sentido de desenvolver um processoeducativo -tanto em nvel formal quanto no-formal- que envolva a SociedadeCivil. Como diz Francisco Gutirrez, h duas pedagogias opostas. A pedagogiada proclamaono d nfase aos interlocutores enquanto protagonistas. Pelocontrrio, a pedagogia da demanda, porque parte dos protagonistas, busca, emprimeira instncia, a satisfao das necessidades no satisfeitas, desencadeandoem conseqncia, um processo imprevisvel, gestor de iniciativas, propostas esolues (1994: 6).

    Os processos pedaggicos exigidos pela proclamaoso radicalmentediferentes dos exigidos pela demanda. Trata-se de dois discursos essencialmentediferentes: o estruturado rigorosamente racional, linear e lgico da proclamaoe o vivencial, intuitivo, dinmico, complexo e experiencial da demanda. Odiscurso da proclamao est feito e praticamente perfeito (por exemplo, aDeclarao Universal dos Direitos Humanos), e o discurso da demanda se faze se refaz na cotidianidade e conseqentemente inacabado e imperfeito.

    A educao centrada no discurso da proclamaoexige uma pedagogiavertical, impositiva, porque est precisamente baseada em mensagens, emcomunicados -como diz Paulo Freire- e contedos que devem ser transmitidos.A proclamao se limita a uma pedagogia propositiva e conceitual em todas asdinmicas. A participao est mais em funo daquele que ensina e docontedo que ensinado do que naquele que aprende.

    A educao centrada na demanda, ao contrrio da primeira, exige umapedagogia da intercomunicao a partir da cotidianidade dos interlocutores.Nessa pedagogia as dinmicas e a participao nascem da prpria realidadevivenciada e anterior a ela, do prprio imaginrio das pessoas (Durand, 1997 e1998) e dos grupos de pessoas, que o que realmente imprime sentido aoprocesso ecopedaggico.

    O processo de elaborao da Carta da Terra est ainda em pleno andamento.Contudo, segundo os documentos j elaborados, podemos assinalar seusprincipais eixosque so ao mesmo tempo os valores nos quais deve sustentar-se

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    Moacir Gadotti

  • Paulo Freire y la agenda de la educacin latinoamericana en el siglo XXI

    a ecopedagogia:

    1. Sacralidade, diversidade e interdependncia da vida.

    2. Preocupao comum da humanidade de viver com todos os seres doplaneta.

    3. Respeito aos Direitos Humanos.

    4. Desenvolvimento sustentvel.

    5. Justia, eqidade e comunidade.

    6. Preveno do que pode causar danos.

    So grandes chaves poltico-pedaggicas que traduzem sobretudo o desejo deconstruir uma humanidade menos opressiva do que aquela que construmos athoje. Contudo, o necessrio grau de generalidade desses eixos, no pode nosdistanciar de uma prtica pedaggica concreta. Por isso nos perguntamos: o quepodemos fazer no interior de um movimento como o da Carta da Terra, partindodesses eixos?

    Alm de participar como cidados, cremos que podemos, como educadorespopulares, tornar a Carta da Terra um pretexto para organizar um movimento emtorno da condies de vida do excludos dos benefcios do seu desenvolvimento.O tipo de desenvolvimento sustentado na delapidao dos recursos materiais estbeneficiando cada vez menos pessoas. A mudana de paradigma econmico condio necessria para estabelecer um desenvolvimento com eqidade.

    Portanto, a luta ecolgica no nada elitista, como sustentam alguns, mesmoque o discurso ecolgico seja muitas vezes manipulado pelo capital. Como dizAntnio Lago, os mais pobres so os que recebem com maior impacto os efeitosda degradao ambiental, com o agravante de no terem acesso a condiesfavorveis de saneamento, alimentao etc., e no poderem se utilizar dosartifcios de que os mais ricos normalmente se valem para escapar do espaourbano poludo (casas de campo, viagens, etc.) (1984: 56). Segundo Stephen JayGould, o movimento conservacionista -que precedeu ao movimento ecolgico-surgiu como uma tentativa elitista dos lderes sociais ricos no sentido depreservar reas naturais como domnios para o lazer e a contemplao dosprivilegiados. O que necessrio se livrar desta viso do ambientalismo comoalgo oposto s necessidades humanas imediatas, especialmente as necessidadesdos pobres. O ser mais ameaado pela destruio do meio ambiente o serhumano e dentre os seres humanos os mais pobres so as suas principais vtimas(Gould, 1993: p. 4).

    O movimento ecolgico, como todo movimento social e poltico, no ummovimento neutro. Nele tambm, como movimento complexo e pluralista, semanifestam os interesses das grandes corporaes. O que nos interessa, enquanto

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  • educadores, no combater todas as formas de sua manifestao, mas entrar noseu campo e construir, a partir do seu interior, uma perspectiva popular edemocrtica de defesa da ecologia. Ele pode ser uma espao importante de lutaem favor dos seres humanos mais empobrecidos pelo modelo econmicocapitalista globalizado. Mas trata-se, acima de tudo, de salvar o planeta. Sem queo planeta seja preservado, as lutas por melhores relaes sociais, pela justadistribuio da riqueza produzida etc. perdem sentido, pois de nada adiantaroestas conquistas se no tivermos um planeta saudvel para habitar.

    Uma das formas de participar dessa luta reunir pessoas e instituies paradiscutir o que fazer com a Terra. Partindo das coisas cotidianas ou dos dadosdramticos sobre a degradao da qualidade de vida de todos os habitantes daTerra, podemos nos interrogar sobre o que est se passando e sobre o papel quepodemos ter em relao a essa questo. Ns, conscientemente ou no, somosparte deste problema.

    Coerentes com a ecopedagogia, no final de cada discusso, precisamosbuscar os caminhos da ao, isto , o que ns podemos fazer para mudar, seja emnvel pessoal, seja socialmente, institucional e coletivamente. No podemosseparar a ecopedagogia, da cotidianidade.A pedagogia tradicional considerava aesfera do cotidiano muito pequena para ser levada a srio. Hoje estamos cientesde que, por exemplo, a lgrima de um aluno na classe ou o desenho de umacriana na rua, podem ser considerados como grandes livros, se soubermos fazeruma leitura em profundidade. A partir de manifestaes simples da cotidianidadepodemos descobrir e enfrentar a complexidade das questes mais amplas e geraisda humanidade. A ecologia parece particularmente sensvel essa relao entre ogeral e o particular, sustentando que preciso pensar globalmente e agirlocalmente. Na era globalparece possvel fazer ambas as coisas: pensar e agirglobal e localmente, sem dicotomiz-las.

    Eu sou do tamanho do que vejo: a conscincia planetria

    Como falar de cotidianidade no contexto da globalizao? Qual o sentido deuma ecopedagogia fundada na cotidianidade, diante dos efeitos perversos daglobalizao? Eis algumas perguntas que a ecopedagogia deve enfrentar.

    Aglobalizao como fenmeno desse final de sculo, impulsionado sobretudopela tecnologia, parece determinar cada vez mais nossas vidas. As decises sobreo que nos acontece no dia-a-dia parecem nos escapar, por serem tomadas muitodistante de ns, comprometendo nosso papel de sujeitos da histria. Mas no bem assim. Como fenmeno e como processo, a globalizao tornou-seirreversvel, mas no esse tipo de globalizao qual estamos submetidos hoje -aglobalizao capitalista- cujos efeitos mais imediatos so o desemprego, o

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    aprofundamento das diferenas entre os poucos que tm muito e os muitos que tmpouco, a perda de poder e autonomia de muitos Estados e Naes. H pois quedistinguir os pases que hoje comandam a globalizao -os globalizadores (pasesricos)- dos pases que sofrem a globalizao, os pases globalizados (pobres).

    Dentro deste complexo fenmeno podemos distinguir tambm a g l o b a l i z a oe c o n m i c a, realizada pelas transnacionais, da globalizao da cidadania. A m b a sse utilizam da mesma base tecnolgica, mas com lgicas opostas. Ap r i m e i r a ,submetendo Estados e Naes, comandada pelo interesse capitalista; a segundaglobalizao a realizada atravs da organizao da Sociedade Civil. AS o c i e d a d eCivil globalizada a resposta que a Sociedade Civil como um todo e as ONGsesto dando hoje globalizao capitalista. Neste sentido, o F rum Global 92s econstituiu num evento dos mais significativos deste final de sculo: deu grandeimpulso globalizao da cidadania. Hoje, o debate em torno da C a rta da Te rr aest se constituindo num fator importante de construo desta cidadania planetria.Qualquer pedagogia, pensada fora da globalizao e do movimento ecolgico, temhoje srios problemas de contextualizao.

    O movimento ecolgico e a globalizao esto abrindo novos caminhos nos para a educao mas tambm para a cultura e a cincia. A fragmentao vaisendo gradativamente substituda por uma anlise que leva em conta muitos evariados aspectos (teoria da complexidade). O pensamento fragmentado quesimplifica as coisas e destri a possibilidade de uma reflexo mais ampla sobrequestes da prpria sobrevivncia da humanidade e do planeta, vai aos poucossendo substitudo pela transdisciplinaridade. A tradicional separao entre asdisciplinas das reas de humanas, exatas e naturais, perde sentido, j que o que sebusca o conhecimento integrado de todas elas para a soluo dos problemasambientais (Reigota, 1994: 26). A partir da problemtica ambiental vividacotidianamente pelos mais prximos, ou seja, na famlia, na escola, na empresa,na aldeia, nas diversas comunidades nativas, na biografia de cada um, nas suashistrias de vida, processa-se a conscincia ecolgica e se opera a mudana dementalidade. A transdisciplinaridade no anula as disciplinas, mas as aproxima,as fortalece naquilo que elas tem de comum, que as atravessa, as ultrapassa.

    A ecopedagogia no quer oferecer apenas uma nova viso da realidade. Elapretende reeducar o olhar ou, como diz Edgar Morin, o olhar sobre o olhar queolha (Petraglia, 1998). Reeducar o olhar significa desenvolver a atitude deobservar a presena de agresses ao meio ambiente, criar hbitos alimentaresnovos, observar o desperdcio, a poluio sonora, visual, a poluio da gua e doar etc. e intervir no sentido de reeducar o habitante do planeta.

    No Instituto Paulo Freiretemos defendido nos ltimos anos o que chamamosde Escola Cidad e de Pedagogia da Prxis. Como chegamos a eleger hoje aecopedagogia como um tema central de preocupao do Instituto sem perder asbandeiras at agora sustentadas?

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  • O caminho que o IPF trilhou para chegar ecopedagogia foi o resultado dasua prpria reflexo e interveno na prtica educativa contextualizada hoje,partindo do legado do seu fundador, Paulo Freire. A Escola Cidad, como adefendemos, enquadra-se perfeitamente nas preocupaes da ecopedagogia, namedida em que seu suposto bsico que cada escola construa o seu projetopoltico-pedaggico. A autonomia tambm uma caracterstica da ecopedagogia.A Pedagogia da Prxis, inserida na tradio marxista renovada da pedagogia,tambm no se contrape ecopedagogia como pedagogia libertadora. NoInstituto Paulo Freire no abandonamos as categorias crticas (marxismo,libertao) mesmo incorporando categorias ps-crticas (significao,representao, cultura, multiculturalismo). A Escola Cidad, ao propor aecopedagogia fundamenta-se numa concepo crtica da educao e avana naps-modernidade cientfica e educativa, progressistamente, como nos escreviao seu fundador, Paulo Freire (Gadotti, 1995: 11), levando em conta os novosparadigmas da cincia e da pedagogia, sem dicotomiz-los burocraticamente, mastirando deles as necessrias lies para poder continuar caminhando.

    Cremos que tanto uma como outra de nossas primeiras bandeiras tm aganhar com a ecopedagogia na medida em que ela contribui para alargar ohorizonte das propostas defendidas pelo IPF. Tanto no caso da Escola Cidadquanto no caso da Pedagogia da Prxis, a ecopedagogia agrega mais um valor que o valor da cidadania planetria (Gutirrez, 1996). O conceito de cidadaniaganha nova dimenso. Como cidados/s do planetanos sentimos como seresconvivendo no planeta Terra com outros seres viventes e inanimados. Esseprincpio deve orientar nossas vidas, nossa forma de pensar a escola e apedagogia.

    A cultura oriental, ao contrrio da nossa (ocidental e crist) poderia aqui serevocada para dar suporte a essa integrao com a natureza: Isto uma pedra,mas daqui a algum tempo talvez seja terra, e a terra se transformar numa planta,ou num animal, ou ainda num homem. (...) No lhe tributo reverncia ou amor,porque ela um dia talvez possa se tornar isso ou aquilo, seno porque tudo isso,desde sempre e sempre. E precisamente por ser ela uma pedra, por apresentar-se-me como tal, hoje, neste momento, amo-a e percebo o valor, o significado queexiste em qualquer uma da suas veias e cavidades, nos amarelos e nos cinzas dasua colorao, na sua dureza, no som que lhe extraio ao bater nela, na aridez ouna umidade da sua superfcie (Hesse, 1994: 153). Herman Hesse, que recebeu,em 1946, o Prmio Nobel de Literatura com seu livro Sidarta, expressa nessapassagem a profunda unidade que existe entre todos os seres, animados ou no,com os quais dividimos o planeta.

    Vivemos numa poca de transio paradigmticada sociedade e da escola.A chamada esquerda est em crise de busca, dentro de suas convices, de umnovo quadro tericoque supere o dilvio neoliberal atual. Isso significa que

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    devemos abandonar nossos sonhos de igualdade e justia e decretar o fim dahistria? No. Ao contrrio, nesse contexto de crise paradigmtica, precisamosfazer valer as nossas utopias de sempre, como o espao pblico no estatal, criadopor iniciativas como a do oramento participativo da Prefeitura Municipal dePorto Alegre. A descentralizao, a autonomia e a participao tambm soaceitas pelos neoliberais. Porm eles as utilizam com outra lgica de poder. Nsa utilizamos na construo da contra-hegemonia neoliberal.

    As relaes entre Estado e Sociedade esto evoluindo no sentido indicado porHabermas no que ele chama de paradigma da ao comunicativa e que PauloFreire chama de paradigma da ao dialgica. A p a rc e r i aentre Estado eMovimentos Sociais Populares, como a que foi realizada pela Prefeitura Municipalde So Paulo (1989-1992) com o Programa MOVA-SP (Movimento deAlfabetizao da Cidade de So Paulo) uma demonstrao disso (Gadotti, 1996).O paradigma do conflito(Marx) que orientava nossa ao durante o capitalismoconcorrencial, parece menos eficaz hoje, no contexto do capitalismo monopolista eglobalizado, do que o paradigma da ao comunicativa(Habermas). Ta l v e zprecisemos articular ambos, j que a crise no apenas de paradigmas, mas daprpria noo de paradigma como uma viso totalizadora do mundo.

    Afirmar a necessidade da ao comunicativa no significa que negamos aexistncia dos conflitos de classe. Eles continuam existindo enquanto houverclasses sociais. Apenas que a p a rticipao citadina, diante das tradiesestatistas, centralizadoras, patrimonialistas e padres de relao clientelistas,meritocrticas, no Estado moderno, tornou-se um instrumento mais eficaz parareforar os laos de solidariedadee criar a contra-hemegonia do que nossasantigas estratgias de fortalecimento burocrtico do Estado. Entre o Estadomnimo e o Estado mximo, existe o Estado necessrio, como costuma nosdizer nosso colega do IPF, o cientista poltico Jos Eustquio Romo.

    O Estado pode e deve fazer muito mais no que se refere educaoambiental. Mas, sem a participao da sociedade e uma formao comunitriapara a cidadania ambiental, a ao do Estado ser muito limitada. Cada vez mais,neste campo, a participao e a iniciativa das pessoas e da sociedade decisiva.

    No se pode dizer que a ecopedagogia representa j uma tendncia concretae notvel na prtica da educao brasileira. Se ela j tivesse suas categoriasdefinidas e elaboradas, ela estaria totalmente equivocada, pois uma perspectivapedaggica no pode nascer de um discurso elaborado por especialistas. Aocontrrio, o discurso pedaggico elaborado que nasce de uma prtica concreta,testada e comprovada. Assim, o que podemos fazer no momento apenas apontaralgumas pistas, algumas experincias, realizadas ou em andamento, que indicamuma certa direo a seguir. E esperar que os pesquisadores atentem para essarealidade, a investiguem, possam compreend-la com mais profundidade eelaborem sua teoria.

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  • Alm dos exemplos apontados acima, gostaria de mencionar mais dois: otrabalho desenvolvido no Municpio de Diadema (SP) e o realizado pela CrecheOeste da Universidade de So Paulo.

    O projeto Umafrutano quintal da Prefeitura Municipal de Diademadistribui aos alunos de escolas de primeiro grau sementes gratuitas de rvoresfrutferas, proliferando mais verde na cidade e conscientizando as crianas sobrea importncia das rvores e a necessidade de melhorar o meio ambiente. Todauma programao, que envolve teatro, discusso nas escolas, festividades,danas, etc. envolve a implementao do projeto, visando formao daconscincia ecolgica. As mes dos alunos so convocadas para cursos dereaproveitamento de alimentos, recebendo uma cartilha e aprendendo a reutilizarsobras, cascas de alimentos e utilizar as frutas da poca. um exemplo, entretantos que poderiam ser citados, da importncia da escola e do papel do Estadona educao ambiental.

    A Creche Oeste da USPatende filhos de funcionrios, de docentes e dealunos com idade entre quatro meses e sete anos. Com restos de comida quesobram das refeies das crianas, esta Creche criou uma composteira (projetoUSP Recicla). Os restos orgnicos correspondem a 90% dos resduos dacreche. Todos os integrantes desta creche esto envolvidos neste processo detransformao de algo que era desprezado, jogado fora, em algo que fortalecee condiciona o solo. Crianas e adultos participam de todas as etapas do processode compostagem, desde a separao dos resduos orgnicos, at o ensacamentodo composto j pronto e com cheiro de terra. Assim, refletem sobre o desperdcio,sobre a reutilizao de algo que era desprezado, vivenciam valores e sentimentosde cooperao e efetivamente preservam e melhoram o meio ambiente.

    O filsofo francs Michel Maffesoli (1976) nos fala de p o d e re p o t n c i a,indicando, pelo primeiro, o exerccio da dominao poltico-econmica e, pelasegunda, a resistncia na Sociedade Civil que se manifesta positivamente pelaparticipao. Exemplos como os acima, brevemente descritos, nos mostram ummovimento vivo e que parece representar muito bem essa potncia. Eis um outroexemplo singelo dessa potncia, nascida de uma conscincia planetria: na semanado dia 5 de junho de 1996, dia mundial do Meio Ambiente, foi distribudo um cartopostal dos professores e estudantes de Itabirito (MG), com os seguintes dizeres:

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    RIO SO BARTOLOMEU

    Bartolomeu foi nome de batismo. Era belo e lmpido, junto de tibrincavam as crianas, bebia a criao, lavavam as mes as roupas.

    Cresceu e tornou-se So Bartolomeu.

    Andei nas suas margens e em suas guas. Vi turvos os nossos olhos, malcheirosos os nossos lixos, estpidas as nossas atitudes.

    s o reflexo de ns mesmos. Esta a tua singularidade - refletir o que atua volta est.

    Andei nas suas margens e a sua volta. Vi as antenas paranicas daparania coletiva

    A TVa cabo dando cabo vida. O lixo das ruas e as crianas do lixo...

    Mas existe outra margem do rio. E dela que queremos falar. Caminharjunto as vossas margens, ao teu lado re a p rendendo olhar o cu refeito em ti.

    A luz do sol. O sorriso das crianas, a alegria de brincar na gua ques conhece quem j fez um dia.

    Perdoai nossa estupidez. Aceitai de bom grado nossa vontade de verrefletido em vs a nossa conscincia. Aprender de ti, toda vossasabedoria.

    Que sejam todas as letras assim escritas, todas as pessoas que de boavontade queiram caminhar nas vossas margens A vossa bno, Rio SoBartolomeu.

    Poesia tambm luta! Algo ensinado em O Carteiro e o poeta (romance efilme) com muita propriedade, maestria e embelezamento. Muitos so os meios eespaos possveis para a construo de um planeta saudvel. Ns osencontraremos mais facilmente se tivermos conscincia ecolgica. Todos osespaos so vlidos para isso.

    Planetaridade e globalizao da cidadania

    Estrangeiro eu no vou ser. Cidado do mundo eu sou, diz uma das letrasde msica cantada por Milton Nascimento. Se as crianas de nossas escolasentendessem em profundidade o significado das palavras desta cano, estariaminiciando uma verdadeira revoluo pedaggica e curricular. Como posso sentir-me estrangeiro em qualquer territrio se perteno a um nico territrio, a Terra?No h lugar estrangeiro para terrqueos, na Terra. Se sou cidado do mundo, no

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  • podem existir para mim fronteiras. As diferenas culturais, geogrficas, raciais eoutras enfraquecem, diante do meu sentimento de pertencimento Humanidade.

    Mas ser que somos realmente cidados/cidads do mundo? O que sercidado/cidad? O que cidadania?

    Cidadania essencialmente conscincia de direitos e deveres. No hcidadania sem democracia embora possa haver exerccio no democrtico dacidadania. A democracia fundamenta-se em trs direitos: direitos civis(comosegurana e locomoo);direitos sociais(como trabalho, salrio justo, sade,educao, habitao, etc.); direitos polticos(como liberdade de expresso, devoto, de participao em partidos polticos e sindicatos, etc).

    O conceito de cidadania, contudo, ambguo. Em 1789 a Declarao dosDireitos do Homem e do Cidadoestabelecia as primeiras normas para assegurara liberdade individual e a propriedade. uma concepo restrita de cidadania.Assim, podem existir diversas concepes de cidadania: uma concepo liberal,neoliberal, socialista democrtica (o socialismo autoritrio e burocrtico noadmite a democracia como valor universal e desprezou a cidadania como valor).Existe hoje uma concepo consumistade cidadania sustentada nacompetitividade capitalista. Ela se restringe ao direito do cidado de exigir aqualidade anunciada dos produtos que compra. Seria uma cidadania de mercado.Em oposio a essa concepo restrita existe uma concepo plenade cidadania.Ela no se limita aos direitos individuais. Ela se manifesta na mobilizao dasociedade para a conquista dos direitos acima mencionados, que devem sergarantidos pelo Estado. uma cidadania que visa tambm conquista econstruo de novos direitos. O cidado que cumpridor das leis, paga impostose escolhe seus representantes polticos est exercendo a cidadania. Mas acidadania plena mais exigente. Ela cria direitos, novos espaos de exerccio dacidadania.

    A concepo liberal e neoliberal de cidadania entende que ela apenas umproduto da solidariedade individual (da gente de bem) entre as pessoas e nouma conquista e construo no interior do prprio Estado. A cidadania implicaem instituies e regras justas. O Estado, numa viso democrtica e solidriaprecisa exercer uma ao, para evitar, por exemplo, os abusos econmicos dosoligoplios, fazendo valer as regras definidas socialmente. No basta conquistaro poder de Estado, preciso ocup-lo para que seja melhor qualificado para oexerccio de suas funes, para torn-lo mais competente no atendimento aocidado. Mais do que conquistar o estado para inverter sua lgica autoritria preciso diluir, dissolver o seu poder no corpo social como um todo.

    Embora haja consenso em torno do valor da cidadania, ela compreendidade formas muito diferentes e at antagnicas. Como afirma Adela Cortina (1997),existem dimenses complementares da cidadania:

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    1. Cidadania poltica: participao numa comunidade poltica.

    2. Cidadania social: justia como exigncia tica (da sociedade de bem-estar sociedade justa).

    3. Cidadania econmica: a empresa cidad, tica e a transformao daeconomia: os trabalhadores do saber, o terceiro setor (privado, porm,pblico).

    4. Cidadania civil: a sociedade civil e a civilidade, civilizao. Valorescvicos: liberdade, igualdade, respeito ativo, solidariedade, dilogo.

    5. Cidadania interc u l t u r a l: multiculturalidade, interculturalidade,transculturalidade. A interculturaldade como projeto tico e poltico (misriado etnocentrismo). A questo da identidade.

    A noo de cidadania planetria(mundial) sustenta-se na viso unificadorado planeta e de uma sociedade mundial. Ela se manifesta em diferentesexpresses: nossa humanidade comum, unidade na diversidade, nossofuturo comum, nossa ptria comum, cidadania planetria.

    Cidadania Planetria uma expresso adotada para expressar um conjunto deprincpios, valores, atitudes e comportamentos que demonstra uma n o v apercepo da terracomo uma nica comunidade (Boff, 1995). Freqentementeassociada ao desenvolvimento sustentvel, ela muito mais ampla do que essarelao com a economia. Trata-se de um ponto de referncia tico indissocivelda civilizao planetriae da ecologia. A Terra Gaia (Lovelock, 1987), umsuper-organismo vivo e em evoluo, o que for feito a ela repercutir em todos osseus filhos.

    H vrios processos de globalizao. Destacamos pelo menos dois deles:

    1 O processo de globalizao que estendeu um modelo de dominaoeconmica, poltico e cultural totalitrio e excludente: a globalizao do modo deproduo capitalista. Nele, podemos distinguir pases globalizadores e pasesglobalizados. Aqui, a globalizao essencialmente excludente e tem criado ascondies para um retrocesso brutal do ponto de vista dos direitos da maioria doscidados do mundo todo. Nesse processo, a economia de mercado tem favorecidoas disputas regionais atravs de blocos: o europeu, o asitico, o norte-americanoampliado e o latino-americano, retardando -ao invs de promover- uma realglobalizao. O mundo, do ponto de vista econmico, continua dividido. Agoradividido em blocos, em grandes interesses regionais.

    2 O processo de globalizao propiciado pelos avanos tecnolgicos, quecriam as condies materiais (no tico-polticas) da cidadania global, aglobalizao da sociedade civil. A globalizao da sociedade civil possibilitanovos movimentos sociais, polticos e culturais intensificando a troca de

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  • experincias de suas particulares maneiras de ser, questionando as desigualdadesno interior dos Estados-Nao. A questo fundamental colocada por essesmovimentos a da reterritorialidade: uma cidadania planetria que supere asnacionalidades (e sobretudo os nacionalismos), mas que, ao mesmo tempo,reconhea expectativas ticas, ecolgicas, de gnero etc como constitutivas deum direito institucionalidade como novos Estados-Nao (por isso fala-se,por exemplo, em Nao negra, Nao indgena etc). So novasterritorialidades que combinam os determinantes econmicos com os daetnicidade, de gnero etc. A cidadania nacional perde o seu territrio de origem eaparece uma cidadania pluriterritorial. Este o espao (ciberespao?) das ONGse das estruturas intergovernamentais que tomam fatias de poder cada vez maiordo Estado-Nao. O desafioque se coloca a essas novas territorialidades o defortalecimento da perspectiva democrticano seio da prpria sociedade civil.

    Muitos movimentos encontram formas de legitimao de seus atos no planointernacional. Veja-se o exemplo do poderoso movimento ecolgico Greenpeace.O Greenpeace faz campanhas de preservao da natureza em quase todo omundo. A World Wild Life (WWF) outro exemplo importante. Ela uma dasmaiores organizaes em defesa da ecologia com 4,7 milhes de membros eatividades em mais de cem pases. maior do que algumas naes. Ainda paracitar outro exemplo: o Earthwatchpatrocina pesquisas cientficas em mais decem pases, incluindo sade, arqueologia e sociologia.

    Na viso do primeiro processo, centrado no modelo econmico-polticoneoliberal, a cidadania global j teria sido alcanada. o que sustentam osglobalistas. Na viso do segundo processo, a cidadania global consideradacomo um processo lento de construo, inconcluso, na medida em que existemainda muitos excludos da globalizao. Diante do fenmeno da globalizao nopodemos nos comportar nem como os apocalpticos, que vem na globalizao afonte de todos os males atuais e nem como os integradosque vem nela asalvao ou a condio final da realizao plena do ser humano.

    Ouvimos com freqncia que um dos objetivos dos projetos de informtica nasescolas dos governos educar para uma cidadania global, numa sociedadetecnologicamente desenvolvida, e que os novos Parmetros Curriculares Nacionaisvisam a adequar o currculo globalizao, etc. Mas a que tipo de globalizao sereferem? No o mencionam, supondo que a globalizao econmica a nicaforma possvel de globalizao. No h dvida de que, na viso mais corrente, otermo global est muito mais ligado ao processo de globalizao econmica doque ao processo de globalizao (solidariedade) da sociedade civil.

    A sociedade civil mundialou global est ainda em formao e ... abrangeuma grande variedade de sociedades contemporneas, a leste e a oeste, pobres ericas, centrais e perifricas, desenvolvidas e subdesenvolvidas, dependentes eagregadas