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E D I T O R I A L

Caros amigos,

Pode-se cogitar sustentabilidade planetária sem segurança alimentar? Atéquando os bem aquinhoados continuarão a ignorar o atual contin-gente de 1.020 bilhão de famintos e desnutridos? O que fazer paraacabar com os milhões de toneladas de alimentos perdidos e/ou des-perdiçados todos os anos – tanto nos países ricos quanto nos emdesenvolvimento e nos pobres? Poderá o engenho humano suplantaro desafio de produzir mais 70% de alimentos para o sustento dos 9,1bilhões de habitantes do planeta em 2050? O mosaico de artigosdesta edição analisa a questão segurança alimentar e oferece subsídiospara a tomada de posição sobre tema tão atual e vital.

A atual crise alimentar não teria razão de ser se todos pudessem comprarsua ração diária de sustento calórico. Afinal, a atividade agrícolamundial produz alimentos (cereais, frutas, legumes, verduras, carne,peixe, laticínios) em volume mais do que suficiente para o total debocas a alimentar. Por que, então, tantos famintos e subnutridos?

Fome e subnutrição são crias do atual modelo de desenvolvimentovia especulação financeira, eventos climáticos extremos (efeitos do aqueci-mento global), redução dos estoques de cereais destinados ao consumo huma-no, perdas e desperdícios de alimento desde os sítios de produção aos de consumo,expansão dos agrocombustíveis que competem com a agricultura de alimentos eaumento do custo dos derivados de petróleo. Terá a governança global pulsoe disposição para exorcizar esses “mensageiros do apocalipse”?

E o que dizer do atual apetite mundial pela carne bovina, cujo con-sumo crescente responde pela derrubada de florestas para criaçãode pastagens, pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa(dióxido de carbono e metano) e pelo desastroso desvio de cereaisda mesa humana para a ração animal?

Segurança alimentar só existe quando todos têm acesso físico e eco-nômico a alimento nutritivo e em quantidade suficiente para supriras exigências dietéticas diárias, satisfazer as preferências alimenta-res e garantir uma existência ativa e saudável. Embora esse objeti-vo seja exequível, o futuro da segurança alimentar, como apontamos autores selecionados nesta edição, corre no fio da incerteza. Con-fira como os atuais desvios de rota podem ser equacionados atravésdo consenso político global. E faça a sua parte.

Helio CarneiroEditor

A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de Cultura

Telefaxes (21)2432-8961• (21)2487-4128

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Editada e impressa no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

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Uma ferramenta de incentivo aoconhecimento e à reflexão através de

notícias, informações, artigos de opiniãoe artigos técnicos, sempre discutindo

cidadania e meio ambiente,de forma transversal e analítica.

Colaboraram nesta edição

Débora CarvalhoEd MilibandEric Aplyn

Jacques DioufJosé Eli da VeigaMárcia Pimenta

Paul SingerUNEP

Verónica Calderón

DiretoraDiretoraDiretoraDiretoraDiretora

Edi torEdi torEdi torEdi torEdi tor

Subedi torSubedi torSubedi torSubedi torSubedi tor

ProjetoProjetoProjetoProjetoProjetoGráficoGráficoGráficoGráficoGráfico

RevisãoRevisãoRevisãoRevisãoRevisão

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Mariana Simõ[email protected]

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Nº 23 – 2009 - ANO IVCapa: Refugiado eritreu no campo sudanês de Khashm el GirbaFoto: Daveblume

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A crise alimentar ambientalA crise de alimentos de 1998 fez disparar o preço de algumas commodities em 50 a 200%,projetando 110 milhões de indivíduos na pobreza e aumentando em 44 milhões o contingentede desnutridos. Conheça as causas e as soluções para este problema global. Por UNEP

Alimentos para o futuroSe não forem tomadas as decisões políticas e estratégicas capazes de assegurar a todos oshabitantes do planeta alimento suficiente hoje e amanhã, nos arriscamos a ter a dispensa mundialperigosamente vazia no futuro imediato e crise humanitária sem precedente. Por Jacques Diouf

O Brasil e o desperdício de alimentosGigante do agronegócio e grande exportador de grãos, nosso país ocupa o décimo lugarentre as nações que precisam equacionar um problema básico de segurança alimentar: odesperdício de alimentos ao longo das cadeias produtiva e consumidora. Por Débora Carvalho

Assim no mar como na TerraA sobrepesca, a pesca acidental, a poluição das águas costeiras e oceânicas, as mudançasclimáticas e a fragilidade das regulamentações internacionais para o setor pesqueiro anunciam ocolapso da vida marinha e ameaçam a sobrevivência de milhões de indivíduos. Por Márcia Pimenta

O limite ecológico do mundo: onde vamos parar?A sustentabilidade planetária depende da resolução das crises energética e alimentar: menostransporte devorador de energias fósseis, menos consumo de carne bovina, melhor distribuiçãodos alimentos e adeus ao esbanjamento consumista dos recursos terrestres. Por Paul Singer

Transgênicos: poluição genéticaAs consequências imprevisíveis da dispersão de organismos vegetais geneticamente modificadas(OGM) na natureza, na saúde humana, na economia e nos serviços dos ecossistemas já semanifestam em todo o mundo. Confira o pesadelo que apenas engatinha. Por Eric Aplyn

Já somos demais?O mundo terá 7 bilhões de habitantes em 2012, e 9,1 bilhão em 2050. Haverá espaçosuficiente e recursos para garantir sobrevivência e bem-estar à toda humanidade no atualmodelo econômico gerador das crises climática, alimentar e energética. Por Verónica Calderón

Copenhage: o ponto de virada pra o climaPara o ministro de Energia e Mudanças Climáticas do Reino Unido, a COP 15 não éapenas mais uma negociação internacional. É o momento de se fazer a escolha que garantaàs próximas gerações uma Terra capaz de se regenerar e se sustentar. Por Ed Miliband

Os vetores da descarbonizaçãoVital para a mitigação das mudanças e das catástrofes climáticas, o rumo da descarbonizaçãoglobal será decidido pelas vias que forem abertas para os países do Segundo Mundo nãoficarem na dependência de perversas transferências de tecnologia. Por José Eli da Veiga

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Oaumento dos preços dos alimentos nos últimos anos, após umséculo de preços baixos, foi o mais marcante do último séculoem sua magnitude, duração e na quantidade de commodities

cujos preços encareceram. A crise conseqüente fez subir o custo de algu-mas commodities em 50 a 200%, jogando110 milhões de indivíduos napobreza e aumentando em 44 milhões o contingente de desnutridos.

O aumento no preço dos alimentos resultou em impactos dramáticos nocotidiano, com a escalada dos índices de mortalidade infantil, de subnutri-dos e dos que vivem na pobreza e gastam de 70 a 80% da renda diária emcomida. As principais causas da atual crise alimentar são os efeitos combi-nados da especulação nos estoques de alimentos, dos eventos climáticos ex-tremos, do baixo estoque de cereais, do aumento da cultura de agrocombustí-veis que compete com a agricultura alimentar e os altos preços do petróleo.Embora os preços tenham sensivelmente baixado desde o pico de julho de2008, ainda são, para muitas commodities vitais, mais elevados do que ospraticados em 2004. E as tensões sobre oferta e demanda pouco mudaramnos últimos meses desde que os preços atingiram o clímax.

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A demanda por alimento continuará a au-mentar até 2050 como resultado do cresci-mento demográfico, que incorporará mais2,7 bilhões de indivíduos, e do maior con-sumo de carne. A produção de alimentos emescala mundial também aumentou substan-cialmente no último século como resultadodos crescentes aumentos de produtividadedevido à irrigação,ao uso de fertilizantes etambém pela expansão das terras agríco-las, embora se tenha dado pouca atenção àeficiência energética alimentar. No entan-to, na última década, a produtividade doscereais quase se estabilizou, declinando nosetor pesqueiro. Para manter em 2050 a atualproporção dietética de pescado, a produ-ção do setor aquacultura exigirá um aumen-to da ordem de 56%, além de novas alterna-tivas para garantir que os estoques naturaisde peixe possam alimentar a aquacultura.

A falta de investimentos no desenvolvi-mento do setor agrícola teve papel crucialneste nivelamento da produtividade. É in-certo que os aumentos de produtividadepossam ser alcançados para manter o rit-mo crescente na demanda por alimentos.Além disso, as atuais projeções do impres-cindível aumento de 50% na produção dealimentos para sustentar a demanda até2050 não levaram em conta as perdas deprodutividade e de solo resultantes da de-gradação ambiental.

O meio ambiente natural é a base da produ-ção alimentar através da água, dos nutrien-tes, dos solos, do clima, das condições at-mosféricas e dos insetos polinizadores econtroladores de pragas. A degradação dosolo, a expansão urbana e a conversão dasculturas alimentares e das terras agrícolasem culturas não alimentares – caso da agri-cultura de biocombustíveis – podem redu-zir as áreas produtoras de alimento em 8 a20% por volta de 2050, caso não ocorramoutros meios de compensação. Além disso,as mudanças climáticas começarão a se ma-nifestar de forma crescente em 2050, poden-do levar ao derretimento de vastas porçõesdas geleiras do Himalaia, à alteração dos pa-drões das monções, e provocando maisinundações e secas sazonais nas terras agrí-colas irrigadas da Ásia, que respondem por25% da produção mundial de cereais.

Os efeitos combinados das mudanças cli-máticas, degradação do solo, perdas de co-lheita, escassez de água e infestações porpragas podem levar a produtividade projeta-

da para a demanda de 2050 ser mais baixa em5 a 25%. Os preços do petróleo majoradospodem elevar o custo dos fertilizantes e dimi-nuir a produtividade mais adiante. Caso asperdas de produtividade e de área agrícolasejam apenas parcialmente compensadas, aprodução de alimentos poderá se tornar até25% menor do que a demanda em 2050. Oque exigirá novas estratégias para se aumen-tar o aprovisionamento de alimentos.

Em consequência, poderão ocorrer duasreações principais. A primeira: o aumentode custo dos alimentos resultará em sub-nutridos e mal-nutridos adicionais e, tam-bém, em investimentos mais altos no setoragrícola para compensar (em parte) as re-duções de produtividade. A outra reaçãopode ser uma adicional expansão agrícolaàs custas de novas terras e da biodiversi-dade. A compensação convencional porsimples expansão das terras agricultáveis

em áreas de baixa produtividade alimenta-das por chuva resultaria em perda acelera-da de floresta, estepe e outros ecossiste-mas naturais, com os subseqüentes cus-tos para a biodiversidade, perda adicionaldos serviços de ecossistema e mudançasclimáticas aceleradas. Mais de 80% de to-das as aves e mamíferos em risco de extin-ção são ameaçados pelo uso insustentá-vel do solo e pela expansão agrícola. A in-tensificação agrícola na Europa é a princi-pal causa do declínio de quase 50% de avesnas terras cultivadas da região nas últimastrês décadas.

Levando em conta esses efeitos, calcula-seque o preço mundial dos alimentos ficará de30 a 50% mais alto nas próximas décadas, ecom maior volatilidade. Não se pode preci-sar até que ponto os agricultores dos paí-ses em desenvolvimento reagirão aos efei-tos dos preços, às mudanças em produtivi-dade e à disponibilidade de terra cultivável.Boa parte dos pequenos agricultores mun-diais, particularmente na Ásia central e naÁfrica, sofre as consequências da falta deacesso a mercados e do alto custo de insu-mos como fertilizantes e sementes. A carên-cia de infra-estrutura, de investimentos, deinstituições confiáveis (por exemplo, parafornecimento de água) e a parca disponibili-dade de financiamento ao pequeno produ-tor tornariam mais difícil o aumento da pro-dução de alimentos nessas regiões mais ne-cessitadas. Além disso, o comércio e a urba-nização afetam as preferências do consumi-dor nos países em desenvolvimento. A rápi-da diversificação da dieta urbana não podeser acompanhada pela cadeia produtiva ali-mentar tradicional no interior de muitos pa-íses em desenvolvimento. Em consequên-cia, pode ficar mais fácil e menos onerosoimportar alimentos para satisfazer a deman-da por alimento diversificado do quecomprá-lo em fornecedores domésticos.

A crescente diferenciação regional em pro-dução e demanda conduzirá muitos paísesa uma maior dependência da importação. Aomesmo tempo, as mudanças climáticas po-deriam aumentar a variabilidade na produ-ção anual, levando futuramente a uma maiorvolatilidade de preço e ao subseqüente ris-co especulativo. Sem a intervenção da ins-tância política, os efeitos combinados daredução de produção, maior volatilidade depreços e alta vulnerabilidade às mudançasclimáticas, particularmente na África, pode-riam resultar em aumento significativo do

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A crise aumentouo preço de algumas

commodities em50 a 200%,

projetando 110milhões

de indivíduosna pobreza

e aumentando em44 milhões

o contingentede desnutridos.”

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contingente de indivíduos desnutridos –para além dos atuais 963 milhões.

Não obstante, ao invés de focar somente noaumento da produção, a segurança alimentarpode ser ampliada pelo aumento da oferta,via otimização da eficiência energética alimen-tar. Eficiência energética alimentar vem aser a habilidade em minimizar a perda energé-tica na cadeia alimentar – da colheita e pro-cessamento ao consumo e reciclagem. Aootimizar essa cadeia, a oferta de alimentospode ser ampliada com menor dano ao meioambiente, fato semelhante ao que ocorre nosetor de geração de energia.

Isso pode ser conseguido, em primeira ins-tância, com o desenvolvimento de alternati-vas para o cereal utilizado em ração animal –via reciclagem das sobras e dos descartesda indústria pesqueira. Esse cereal poupa-do poderia sustentar a demanda energéticado crescimento populacional projetado emmais de 3 bilhões de indivíduos, e gerar umacréscimo de 50% na aquacultura. Em se-gunda instância, a mitigação das mudançasclimáticas reduziria seus impactos, particu-larmente nos recursos de água do Himalaiadepois de 2050. Além disso, uma significati-va guinada para a produção mais ecológica,com reversão da degradação do solo, aju-daria a limitar a expansão de espécies inva-soras, a conservar a biodiversidade e osserviços de ecossistema, e a proteger a pla-taforma produtiva alimentar do planeta.

AUMENTAR A OFERTA DE ALIMENTO

PELA REDUÇÃO DO DESPERDÍCIO

Seria aconselhável investigar os processosde produção, de distribuição e os padrõesde consumo para determinar a eficiênciaenergética alimentar e a oferta potencial dealimento, e não simplesmente aumentar aprodução alimentícia sem maior critério. Emmuitos países, os esforços para produzir ali-mento da mais alta qualidade para acomercialização frequentemente resultaminúteis simplesmente porque o alimento éjogado fora. Essa realidade atinge 30 a 40%dos alimentos produzidos, industrializados,transportados, comercializados e levadospara casa pelos consumidores do ReinoUnido e dos EUA (Vidal, 2005). O atendi-mento da futura demanda global por alimen-to deve potencializar a eficientização dasatuais áreas de produção e de processos,converter o alimento desperdiçado em ra-ção animal e restaurar os ecossistemas quesustentam a geração de nosso alimento.

PERDAS DE ALIMENTOS

O PAPEL DA MUDANÇA NA DIETAA produção global de cereais (inclu-sive trigo, arroz e milho) desempenhapapel crucial no aprovisionamentomundial de alimentos, respondendopor aproximadamente 50% do con-sumo calórico humano. Qualquer al-teração na produção ou na utiliza-ção de cereais para o consumo nãohumano terá efeito imediato no con-sumo calórico de grande parcela dapopulação mundial.

Como quase metade da produçãocerealífera mundial é destinada à ra-ção animal, o proporcional de carnena dieta humana influencia de modopreponderante a demanda global poralimentos (Keyzer et al., 2005). Comoas projeções indicam um aumento noconsumo de carne de 37,4 kg/pes-soa/ano (em 2000) para mais de 52kg/pessoa/ano, em 2050, (FAO,2006), a demanda de cereais para aprodução mais intensiva de carnepode substancialmente aumentar emmais de 50% do total da produçãocerealífera (Keyzer et al., 2005).

MUDANÇAS HISTÓRICAS E PROJETADAS

(Fonte: FAO, 2008; FAOSTAT, 2009).

NA COMPOSIÇÃO DA DIETA HUMANA E NO VALOR NUTRICIONAL

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Nos países em desenvolvimento, as perdas de alimento no campo (entre o plantioe a colheita) podem alcançar 20–40% da colheita potencial em consequência daspragas e doenças (Kader, 2005). As perdas pós-colheita variam grandemente de-pendendo das commodities , das regiões de produção e das estações do ano. NosEUA, as perdas com frutas frescas e legumes são estimadas entre 2% a 23%, segun-do a commodity, com uma média geral de perda de 12% entre os pontos deprodução e de consumo.

para diferentes commodities

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❚❚❚❚❚ Até 2050, 1.573 milhões de toneladas de cereais serão desviados da boca dahumanidade (FAO, 2006a), dos quais calcula-se que pelo menos 1,45 milhãode toneladas será destinada à produção de ração animal. Estima-se, por baixo,que cada tonelada de cereal contenha 3 milhões de kcal. Isto quer dizer que adestinação anual de cereais para uso não alimentar humano representa 4.350bilhões kcal. Se assumirmos que a necessidade de calorias diárias é de 3.000kcal, aquele montante se traduzirá em aproximadamente 1 milhão de kcal/anonecessário por pessoa.❚❚❚❚❚ A partir da perspectiva calórica, a não destinação alimentar de cereais ésuficiente para cobrir as necessidades calóricas de aproximadamente 4,35 bi-lhões de indivíduos. Seria mais correto ajustarmos a realidade ao valor energé-tico dos produtos de origem animal. Assumindo que todo cereal não consumi-do pela humanidade destina-se à produção de alimentos de origem animal;assumindo que são necessários 3 kg de cereais para produzir 1 kg de produtoanimal (FAO, 2006b); e que cada quilograma de produto animal apresentametade das calorias contidas em um quilograma de cereais (mais ou menos1,500 kcal por quilo de carne), isto significa que cada quilograma de cerealusado em ração animal renderá apenas 500 kcal para o consumo humano.❚❚❚❚❚ Uma tonelada de cereal destinado à alimentação animal resultará em 0,5milhão de kcal. Assim, a produção total de calorias a partir de grãos será de 787bilhões kcal. Subtraindo esse total dos 4.350 bilhões do valor calórico dos grãosdestinados à ração animal, temos 3.563 bilhões de calorias. Assim, levando emconsideração o valor energético da carne produzida, a perda em calorias doscereais destinados à alimentação ao invés do consumo humano representa anecessidade anual de calorias para mais de 3,5 bilhões de indivíduos.

Perda de alimento também é desperdício deágua, já que grandes volumes do líquidosão usados na produção do alimento perdi-do. Indubitavelmente, as perdas na agricul-tura e na indústria alimentícia são, nos paí-ses em desenvolvimento, particularmentealtas entre o campo e a comercialização, sen-do o desperdício (por exemplo, ingestãocalórica em excesso e obesidade) mais altonas nações mais industrializadas. A perda e/ou a redução em outros serviços deecossistema primários (por exemplo, estru-tura do solo e fertilidade; biodiversidade,em particular as espécies polinizadoras; e adiversidade genética para futuros aprimo-ramentos agrícolas) e a produção de gasesde efeito estufa (especialmente metano),pela decomposição do alimento descarta-do, são importantes para a sustentabilidadeagrícola mundial a longo prazo.

O desperdício de alimento não se resumeapenas ao uso ineficiente dos serviços deecossistema e dos recursos em combustí-veis fósseis usados em sua produção, masigualmente contribui significativamentepara o efeito estufa ao chegar aos aterrossanitários. Nos Estados Unidos, o desper-dício orgânico é o segundo maior compo-nente dos aterros sanitários – as maioresfontes de emissões de metano. No ReinoUnido, os processos digestivos dos ani-mais e seus excrementos liberam perto de40% do total das emissões de metano(Bloom, 2007). Por isso, a contribuição daagricultura para a mudança climática deveser considerada na questão do aumentoda produção alimentícia global.

Deve-se encorajar a mudança na percepçãodo desperdício de algo que precisa ser des-cartado para o de commodity com valor ener-gético renovável para o setor agrícola e paraa indústria alimentícia. Os governos podemprover sustentação e implementação à polí-tica ambiental através do despertar daconscientização, da inovação e da transfe-rência tecnológica, da integração com osagricultores, e de políticas de apoio que fa-çam avançar a administração e a reciclagemdos rejeitos da agricultura e da produção dealimentos em ração animal.

Também podem promover políticas que le-vem em conta o valor de serviços de ecossis-tema para assegurar que as exigências ecoló-gicas também sejam brindadas, tal como ovolume de água nas reservas naturais paramanter seu próprio funcionamento. ■

QUANTOS INDIVÍDUOS PODEM SER ALIMENTADOSCOM OS CEREAIS DESTINADOS À RAÇÃO ANIMAL?

❚❚❚❚❚ A escolha do alimento – onde ele existe – vem a ser um complexo pool detradições, religião, cultura, disponibilidade e possibilidade financeira. Emboraalguns desses aspectos também se apliquem à pecuária e à aquacultura, acapacidade humana em alterar a fonte de alimento destinada ao gado e aospeixes é provavelmente maior do que a da mudança de hábitos alimentarespelos seres humanos, que não são tão facilmente controláveis.❚❚❚❚❚ Como os produtos à base de cereal são crescentemente usados na raçãobovina – pelo menos 35-40% de todo o cereal produzido em 2008, com proje-ção de alcançar quase 45-50% antes de 2050 –, se o consumo de carne au-mentar (FAO, 2003; 2006) será vital encontrar fontes alternativas de alimentopara substituir os cereais na ração de ruminantes e animais monogástricos.Outras fontes de vegetais fibrosos, como palha, folhas e cascas de nozes estãodisponíveis em grandes quantidades. Encontrar meios de alimentar o rebanhomundial constitui um desafio fundamental (Keyzer et al., 2005).

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NOTA DO EDITOROs textos deste artigo são excertos do relatório The Environmental Food Crisis, cuja leitura aconselhamos para a compreensão do estado atual dasegurança alimentar no planeta. O texto integral pode ser baixado, em formato .pdf, no site http://www.grida.no/publications/rr/food-crisisNellemann, C., MacDevette, M., Manders, T., Eickhout, B., Svihus, B., Prins, A. G., Kaltenborn, B. P. (Eds). February 2009. The environmental food crisis– The environment’s role in averting future food crises. A UNEP rapid response assessment. United Nations Environment Programme, GRID-Arendal,www.grida.no

ESTADOS UNIDOSNos Estados Unidos, 30% de todos os alimentos – no valorde US$48.3 bilhão (32.5 bilhões de euros) – são jogadosfora a cada ano. Estima-se, igualmente, que metade daágua utilizada para produzir todo aquele alimento tambémseja desperdiçada, já que a agricultura é a maior consumi-dora dentre as atividades produtivas. As perdas no setor decultivo alcançam aproximadamente 15 a 35% em função daatividade. O setor de varejo apresenta, comparativamente,altas taxas de perda – por volta de 26% –, enquanto ossupermercados surpreendentemente só desperdiçam aproxi-madamente 1%. Ao todo, as perdas chegam ao redor deUS$90 bilhões a US$100 bilhões por ano (Jones, 2004,citado em Lundqvist et alt., 2008).

ÁFRICAEm muitos países africanos, as perdas de cereais alimentíciosno pós-colheita são estimadas em 25% do total colhido. Paraalgumas culturas menos resistentes que os cereais – frutos,verduras, legumes e tubérculos –, as perdas no pós-colheitapodem alcançar 50% (Voices Newsletter, 2006). Na África Ori-ental, as perdas econômicas no setor laticínios devido aodesperdício pode alcançar uma média de até US$90 milhões/ano (FAO, 2004). No Quênia, a cada ano, por volta de 95milhões de litros de leite, no valor de US$22,4 milhões, sãoperdidos. As perdas acumuladas na Tanzânia atingem apro-ximadamente 59,5 milhões de litros de leite por ano, acimade 16% da produção leiteira total na estação seca e 25% naestação de chuvas. Em Uganda, aproximadamente 27% detodo o leite produzido são perdidos, o equivalente a US$23milhões/ano (FAO, 2004).

ÁSIAAs perdas com cereais e sementes oleaginosas são mais baixas,aproximadamente 10 a 12%, segundo a Food Corporation ofÍndia. Cerca de 23 milhões de toneladas de cereais alimentíci-os, 12 milhões de toneladas de frutas e 21 milhões de tonela-das de legumes são perdidos a cada ano, com um valor totalcalculado de 240 bilhões de rúpias. Uma recente estimativa doMinistério de Processamento Alimentar indica que 580 bilhões

FATOS E DADOSPERDA E DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS

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de rúpias em produção agrícola são desperdiçados por ano naÍndia. (Rediff News, 2007, citado em Lundqvist et al., 2008).

EUROPAOs domicílios do Reino Unido desperdiçam um volume estima-do de 6,7 milhões de toneladas de comida todos os anos,algo em torno de um terço dos 21,7 milhões de toneladascompradas. Isto significa que aproximadamente 32% de todosos alimentos adquiridos por ano não são ingeridos, sdos quais5,9 milhões de toneladas ou 88% são atualmente recolhidospelas autoridades locais. A maior parte desse desperdício (4,1milhões de toneladas ou 61%) poderia ser evitada e os ali-mentos consumidos se corretamente manipulados (WRAP, 2008;Knight and Davis, 2007).

AUSTRÁLIA

Uma pesquisa realizada pelo Australia Institute em mais de1.600 domicílios australianos, em 2004, concluiu que no país$10,5 bilhões são gastos em artigos nunca usados ou joga-dos fora. O que perfaz mais do que $5,000/per capita/ano.

IMPACTOS AMBIENTAISDO DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS

O impacto do desperdício de alimentos não é apenas finan-ceiro. Em termos ambientais ele conduz a:❚ desperdício de substâncias químicas, como fertilizantes e pesticidas;❚ mais combustível usado em transporte; e❚ mais comida apodrecida, o que gera mais metano – umdos mais prejudiciais gases de efeito estufa (GEE) a contri-buir para as mudanças climáticas. O metano é 23 vezesmais potente do que CO2 como gás de efeito estufa.A imensa quantidade de alimentos que vai para aterrossanitários contribui significativamente para o aquecimentoglobal. O WRAP (Waste and Resource Action Program)estima que se o alimento não fosse descartado daquelaforma, o nível de abatimento de gases de efeito estufaequivaleria à retirada de um em cada cinco automóveisdas estradas do Reino Unido (WRAP, 2007).

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OPÇÕES COM EFEITOS A CURTO PRAZOPARA MINIMIZAR O RISCO DE PREÇOS ALTAMENTE VOLÁTEIS, DEVE-SE FIXAR UM PREÇO REGULADOR DAS COMMO-DITIES E CRIAR MAIORES ESTOQUES DE CEREAL, MECANISMOS QUE AGIRIAM COMO PÁRA-CHOQUE AOS MERCADOS

DAS COMMODITIES DE ALIMENTOS E AOS SUBSEQÜENTES RISCOS DA ESPECULAÇÃO NESSES MERCADOS.Isso implica a reorganização da infra-estrutura do mercado de alimentos e das instituições como objetivo de regular o custo dos alimentos e prover redes de segurança alimentar capazes dealiviar os impactos nos custos e em sua escassez, através de transferência direta e indireta, talcomo um fundo global capaz de garantir a sustentação ao microcrédito e, assim, dar fôlego àprodutividade do pequeno agricultor.

ENCORAJAR A ELIMINAÇÃO DOS SUBSÍDIOS E DOS PROPORCIONAIS DE MISTURA AOS BIOCOMBUSTÍVEIS DE

PRIMEIRA GERAÇÃO, O QUE PROMOVERIA UMA GUINADA PARA A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS COM BASE

EM DESCARTES (CASO NÃO COMPITA COM A PRODUÇÃO DE RAÇÃO ANIMAL), O QUE EVITARIA O DESVIO DAS

CULTURAS ALIMENTARES PARA A DE BIOCOMBUSTÍVEIS.Isso inclui a eliminação de subsídios para as commodities agrícolas e para os insumos que exa-cerbam o desenvolvimento da crise alimentar, o investimento na implementação de sistemasalimentares sustentáveis e a eficiência energética alimentar.

OPÇÕES COM EFEITOS A MÉDIO PRAZOREDUZIR O USO DE CEREAIS E DE PESCADO NA RAÇÃO ANIMAL E DESENVOLVER ALTERNATIVAS PARA A ALIMEN-TAÇÃO DE ANIMAIS E DO PESCADO PRODUZIDO NA AQUACULTURA.Isso pode seja conseguido numa economia “verde” com o aumento da eficiência energéticaalimentar através da utilização das sobras da indústria pesqueira, do recolhimento e da recicla-gem das perdas e sobras do pós-colheita, e do desenvolvimento de novas tecnologias queaumentariam a eficiência energética alimentar de 30 a 50% aos níveis da produtividade atual.Também implica, quando possível, na realocação para o consumo humano do pescado atual-mente direcionado à aquacultura.

APOIAR OS AGRICULTORES NO DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS DE ECOAGRICULTURA DIVERSIFICADA E CONSIS-TENTE CAPAZES DE GARANTIR OS SERVIÇOS CRÍTICOS DE ECOSSISTEMA (SUPRIMENTO E REGULARIZAÇÃO DA ÁGUA,HABITAT PARA PLANTAS E ANIMAIS SELVAGENS, DIVERSIDADE, POLINIZAÇÃO, CONTROLE DE PRAGAS, REGULAÇÃO

CLIMÁTICA), BEM COMO ALIMENTO ADEQUADO PARA SATISFAZER AS NECESSIDADES LOCAIS E DO CONSUMO.Isso inclui a administração do regime pluviométrico e a rotação de culturas para minimizar adependência em insumos (fertilizantes industriais, defensivos e irrigação por aspersão), e o desen-volvimento, a implementação e o apoio a tecnologias ecológicas para os pequenos agricultores.

A AMPLIAÇÃO DO COMÉRCIO E O MAIOR ACESSO AO MERCADO PODEM SER ALCANÇADOS ATRAVÉS DO APRIMO-RAMENTO DA INFRA-ESTRUTURA E DA REDUÇÃO DAS BARREIRAS COMERCIAIS.Porém, isto não implica em mercado livre, já que a regulação dos preços e os subsídios governa-mentais constituem cruciais redes de segurança e de investimentos para a produção. A amplia-ção do acesso ao mercado também deve brindar a redução dos conflitos armados e a corrupçãoque impactam gravemente o comércio e a segurança alimentar.

OPÇÕES COM EFEITOS A LONGO PRAZOLIMITAR O AQUECIMENTO GLOBAL ATRAVÉS DA PROMOÇÃO DE SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA “AMIGA DO

CLIMA” E DE POLÍTICAS DE USO DO SOLO EM ESCALA CAPAZ DE AJUDAR A MITIGAR AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.

CONSCIENTIZAR PARA AS PRESSÕES DO CRESCENTE AUMENTO DEMOGRÁFICO E DOS PADRÕES DE CONSUMO EM

UM ECOSSISTEMA FUNCIONAL SUSTENTÁVEL.

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SETE OPÇÕES

A implementação da eficiência energética garante o atalhopara o aumento significativo do aprovisonamento alimentarsem comprometer a sustentabilidade ambiental. Sete opçõessão propostas para curto, médio e longo prazo.

PARA AUMENTAR A SEGURANÇA ALIMENTAR

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Nas próximas quatro décadas, a po-pulação mundial crescerá 2,3 bi-lhões de pessoas e ficará mais rica.

Satisfazer a demanda dos 9,1 bilhões de pes-soas no planeta em 2050 exigirá produzir 70%mais alimentos do que hoje. Portanto, a me-nos que tomemos, agora, as decisões ade-quadas, nos arriscamos a que, amanhã, a dis-pensa mundial esteja perigosamente vazia.

Sobretudo porque, nos próximos anos, osistema alimentar mundial deverá enfren-tar o crescente desafio da mudança climá-tica – que pode reduzir a produção agríco-la potencial em até 21% no conjunto dospaíses em desenvolvimento –, bem comopragas e doenças transfronteiriças maisgraves de animais e plantas.

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Alimentos para o futuro

por Jacques Diouf

A menos que sejam tomadas – já – as decisões políticas e estraté-gicas que assegurem a todos alimento suficiente hoje e amanhã,nos arriscamos a ter a dispensa mundial perigosamente vazia nofuturo imediato. Confira o cenário preocupante que se delineia.

Ao mesmo tempo, haverá uma redução damão-de-obra agrícola – cerca de 600 mi-lhões de pessoas trocarão o campo pelacidade – e uma maior competição pelo usoda terra e dos recursos naturais.

Nossa resposta a esses desafios determina-rá como poderemos alimentar o planeta nofuturo. Igualmente importante é garantir queas pessoas estejam bem alimentadas hoje.Isso supõe ajudar 1,020 bilhão de pessoassubnutridas, atuando de forma decidida paraerradicar a fome completa e rapidamente.

Graças à Revolução Verde do século passa-do e dedicando 17% da ajuda internacionalao desenvolvimento a projetos agrícolas erurais, o mundo pôde evitar a fome maciça

na Ásia e América Latina nos anos 70.

Ao enfrentar desafio semelhante, hoje, ocaminho a seguir precisa necessariamenteser diferente. Além de impulsionar o inves-timento na agricultura, precisamos usarcom mais eficiência a energia, os insumosquímicos e os recursos naturais e focar maisnas necessidades das famílias rurais quevivem da agricultura.

Nesse sentido, um desafio importante seráo da água, já que precisamos ampliar a su-perfície irrigada usando proporcionalmen-te menos água. As chaves estão na capta-ção, no armazenamento e em técnicas quemelhorem a eficiência do uso da água e man-tenham a umidade do solo.

Foto:Daveblume

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❚ O mundo está nitidamente dividido quanto à capacitação do uso daciência para promover a produtividade agrícola e alcançar a seguran-ça alimentar e reduzir a pobreza e a fome.

❚ Para cada US$100 de produção agrícola, os países desenvolvidos gas-tam US$2,16 em pesquisa e desenvolvimento agrícola (P&D), enquantoos países em desenvolvimento gastam apenas US$0,55 (IFPRI, 2008).

❚ O total de P&D agrícola investido pelos países em desenvolvimento au-mentou de US$3,7 bilhão (1991) para US$4,4 bilhão (2000) – ou seja,1,6% anualmente (IFPRI, 2008). Tal investimento foi majoritariamente con-centrado na Ásia, região onde os investimentos anuais cresceram 3,3%.Hoje, a Ásia responde por 42% do total de P&D agrícola investidos nospaíses em desenvolvimento (China com 18%; Índia com 10%).

❚ Na África, os investimentos em P&D agrícola recuaram 0,4%/ano.Embora o continente africano seja geograficamente grande, seu in-vestimento em P&D agrícola é de apenas 13%.

❚ A América Latina responde por 33%, e o Brasil responde por 48%dos investimentos realizados na região.

Para produzir mais alimentos e de maior qua-lidade para uma população mais urbana, maisrica e numerosa, a agricultura torna-se cadavez mais intensiva em capital e em conhe-cimentos. Portanto, precisamos investir maisem pesquisa e desenvolvimento, porquepraticamente todo incremento futuro da pro-dução virá dos aumentos de rendimentos, enão do aumento da área plantada.

Os pequenos agricultores também preci-sam se capacitar para aprender novos mé-todos e tecnologias, e isso requer investi-mentos em educação e em extensão agrá-ria. Muitos desses investimentos virão dosetor privado e dos próprios agricultores.Mas para serem atrativos, também se devededicar importantes quantidades de recur-sos públicos à infraestrutura, à educação,à tecnologia e aos sistemas de extensão.

Aparte a simples agricultura de subsistência,não faz sentido produzir alimentos a não serque haja estradas e veículos para levá-los aosmercados, que efetivamente existam mercadose que o produto possa ser armazenado e con-servado. No entanto, nem o financiamento nemas colheitas recordes serão capazes de asse-gurar por si só que todas as pessoas tenhamacesso aos alimentos de que precisam.

Se pessoas passam fome hoje, não é por-que o mundo não produza comida sufici-ente, mas porque esses alimentos não sãoproduzidos pelos 70% das pessoas pobresque dependem da agricultura e, paradoxal-mente, não têm o suficiente para satisfazersuas necessidades básicas de alimentação.

Portanto, alimentar o mundo em 2050 reque-rerá também estratégias de redução da po-breza, redes de proteção social para produ-tores e consumidores e programas de desen-volvimento rural. Será necessário ter uma me-lhor governança e o estabelecimento de con-dições socioeconômicas que melhorem oacesso a alimentos. Também é importante umareforma do sistema de comércio agrícola paraque ele seja não só livre, mas também justo.

Em 2050, o que comer deixará de ser um pro-blema para muitos que já têm certa idade.Porém, considero que é meu dever, assimcomo é nosso dever como comunidade glo-bal, fazer tudo o que está ao nosso alcancepara desterrar o fantasma da fome para sem-pre e assegurar que nossos filhos e netospossam comer dignamente e desfrutar deuma vida saudável. ■

Jacques Diouf, é diretor-geral da FAO(Organização das Nações Unidas para Agri-cultura e Alimentação). Os temas abordadospor Diouf direcionaram a pauta da CúpulaMundial sobre Segurança Alimentar, que reu-niu em Roma (16 a 18/11/2009) chefes deEstados e de governo dos 192 Estados-mem-bros da FAO. Artigo originalmente publica-do na Folha de S.Paulo (18/10/2009) e emwww.ecodebte.com.br (19/10/2009).

PAÍSES QUE ARRENDAM TERRAS INTERNACIONAISPARA SUSTENTAR E GARANTIR SUA PRODUÇÃO ALIMENTAR

Fonte: GRAIN, 2008; Mongabay 2008. Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, Nordpil. Grá-fico publicado em 2009 em The Environmental Food Crisis - The Environment’s Role inAverting Future Food Crises – Link: http://maps.grida.no/go/graphic/an-increasing-number-of-countries-are-leasing-land-abroad-to-sustain-and-secure-their-food-production

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Cada quadrícula representa 50 mil ha. Totais abaixo deste limite são representados por uma quadrícula.

Arrendamentos internacionaisde terras agricultáveis

Mil hectares

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por Débora Carvalho

O investimento em tecnologiade ponta nas últimas décadas

colocou o Brasil entre os países maiscompetitivos do agronegócio no

mercado internacional, mas não foisuficiente para acabar com um

problema básico: o desperdício dealimentos ao longo das cadeias

produtiva e de consumo.

Com a crise econômica internacional, aestimativa da Organização das Nações

Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)é que, até o final de 2009, a América Latinadeve contabilizar 53 milhões de famintos.

Ao mesmo tempo, os países da região des-perdiçam grandes volumes de alimentos,que seriam suficientes para alimentar todaa população carente. Para a FAO, a redu-ção das perdas é uma solução para o au-mento da oferta de comida. As causas pri-mordiais desse prejuízo são maus hábitosde alimentação e o gerenciamento inade-quado, desde o plantio até a chegada doproduto à mesa do consumidor.

O Brasil está entre os 10 países que maisdesperdiçam comida no mundo. 35% detoda a produção agrícola vão para o lixo.Isso significa que mais de 10 milhões detoneladas de alimentos poderiam estar namesa dos 54 milhões de brasileiros que vi-vem abaixo da linha da pobreza. Segundodados do Serviço Social do Comércio(Sesc), R$ 12 bilhões em alimentos são jo-gados fora diariamente, uma quantidadesuficiente para garantir café da manhã, al-moço e jantar para 39 milhões de pessoas.

O descuido percebido no processo produti-vo se repete na casa das pessoas. De acor-do com o Instituto Akatu, organização não-

governamental dedicada a promover o con-sumo consciente, uma família brasileira des-perdiça, em média, 20% dos alimentos quecompra no período de uma semana. Em va-lores, isso representa US$ 1 bilhão, dinheirosuficiente para alimentar 500 mil famílias.Além das pessoas que poderiam ser alimen-tadas com o que vai para o lixo, desperdiçarsignifica prejuízo financeiro. Levantamentoda Secretaria de Abastecimento e Agricul-tura do Estado de São Paulo mostra que to-dos os alimentos não aproveitados ao lon-go da cadeia produtiva representam 1,4%do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro,um rombo de R$ 17,25 bilhões de reais nofaturamento do setor agropecuário.

Brasil entre os 10 +Desperdício de alimento:

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Em 2005, o Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE) analisou os índicesde perdas do plantio à pré-colheita dos prin-cipais grãos cultivados no país, entre 1996e 2002, tais como arroz, feijão, milho, soja etrigo. Essa pesquisa aponta que a Compa-nhia Nacional de Abastecimento (Conab)estimava perdas de grãos em cerca de 10%da produção, o que correspondia a 9,8 mi-lhões de toneladas, considerando núme-ros da safra 2000/2001.

O governo promete para 2010 um novoestudo do panorama do desperdício nalavoura, o que vai ajudar na formulaçãode alternativas para resolver o problema.“Já havia um contrato com uma universi-dade federal para começar o estudo noano passado, mas o projeto foi posterga-do por problemas contratuais’, explica osuperintendente de Armazenagem e Mo-vimentação de Estoques da Conab, Mil-ton Libardoni. Segundo ele, o governodispõe de um orçamento de R$ 500 mil paracomeçar o trabalho e está negociandoparcerias com 15 universidades em todo oBrasil para uma pesquisa de perdas, quedeve ser iniciada em 2010.

O superintendente da Conab ressalta a ne-cessidade de conhecer o problema paracombatê-lo. “As perdas existem, mas esta-mos usando índices estrangeiros. E o des-perdício maior acontece na hora da colheita.Caminhando na roça, é visível a produçãoperdida’, comenta.Uma alternativa apontada pelo superinten-dente da Conab – muito comum nos paísesdesenvolvidos – é o financiamento de ar-mazéns nas próprias fazendas. Isso reduzi-ria a manipulação do produto, que passa-ria a ser transportado apenas uma vez paraa indústria de beneficiamento ou para o va-rejo. “O problema é que isso é muito caro’,afirma Libardoni. Hoje, é preciso levar a pro-dução do campo para a armazenagem e daípara o processamento.”

A falta de qualificação e tecnificação nocampo foi uma realidade apontada pelapesquisa do IBGE, que avaliou as perdasagrícolas. Segundo o estudo, o prejuízocomeça muito antes da perda física, rela-cionada ao produto que fica pelo caminhoantes da comercialização. No plantio, porexemplo, foi verificado que o uso de se-mentes de baixa qualidade ou a escolha de

variedades não recomendadas para as con-dições de clima da região e a falta de prepa-ro correto do solo podem representar per-das nas lavouras antes e depois do mo-mento de colher os produtos.

Os pesquisadores apontaram, inclusive,que é na fase de colheita que ocorrem asmaiores perdas e os motivos são diversos.Um exemplo é a falta de regulação, opera-ção e manutenção adequadas das colhei-tadeiras ou equívocos na identificação dograu de maturação do produto. A partirdessa pesquisa, é possível observar quequestões colocadas como desafios à miti-gação desse desperdício ainda hoje sãocitadas como entraves a serem resolvidos.“Um problema também seria treinar o pes-soal dos armazéns e os operadores decolheitadeiras para reduzir prejuízos”, su-gere Libardoni.

As dificuldades se repetem na pós-co-lheita. Falta infraestrutura na rede de ar-mazenagem e no transporte da produ-ção brasileira. Nessa fase, os estragospodem ocorrer tanto do ponto de vistafísico, como da qualidade do produto.Os pesquisadores do IBGE identificaramque os danos mais expressivos se dãonas commodities, com perdas ao longodo transporte até a chegada aos portos.Segundo o Ministério da Agricultura,em 2008, o Brasil arrecadou US$ 71,9 bi-lhões com as exportações de produtosagropecuários.

Para o consultor em Logística e Infraestru-tura da Confederação Nacional da Agricul-tura e Pecuária do Brasil (CNA), Luiz Antô-nio Fayet, os debates sobre o desperdíciorevelam a ponta de um iceberg, formadopelos fatores que minam a competitividadedo agronegócio brasileiro. Ele explica queas pessoas se impressionam ao ver os grãosà beira das estradas, caídos dos caminhões,mas isso seria insignificante se comparadoàs perdas financeiras no carregamento deestoques. “Não existe perda zero, o prejuízofísico tem uma variação de cerca de 5%. Maso custo e os problemas gerados pela faltade infraestrutura acarretam prejuízos muitomaiores’, afirma Fayet.

Segundo o IBGE, a estimativa é de que 67%das cargas brasileiras sejam deslocadaspelo modal rodoviário, o menos vantajosopara longas distâncias. Conforme estudode viabilidade econômica dos transportes

Foto: R. Motti

De acordo comum levantamentodo governo deSão Paulo, ovolume de perdasda Companhiade Entrepostos eArmazéns Geraisde São Paulo(Ceagesp), o maiormercado daAmérica Latina,chega a 1%de tudo o queé vendido em umdia, ou seja, maisde 100 toneladasdiárias no lixo.”

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de cargas, o modal rodoviário éo mais adequado para as dis-tâncias inferiores a 300 km, en-quanto o ferroviário o é paradistâncias entre 300 km e 500km; e o fluvial para distânciasacima de 500 km.

Esse entrave se agravou aindamais com a mudança na geogra-fia de produção que passou dasregiões Sul e Sudeste para oCentro-Norte do país. Um exem-plo é o valor pago pelo frete emrelação ao que o agricultor re-cebe pelo produto. SegundoFayet, em 2007 um produtor desoja do município de Sorriso,Mato Grosso, recebia R$ 23 pelasaca e gastava R$ 12 para levá-la até o porto, onde embarcariaa carga para o mercado interna-cional. Ou seja, o gasto com oescoamento representava maisde 50% do valor recebido peloprodutor. “Além do grão que édesperdiçado, o Brasil fica im-pedido de crescer e de se tor-nar ainda mais competitivo”, comenta.

No Paraná, governo, iniciativa privada, uni-versidades e entidades ligadas ao agrone-gócio se juntaram para trabalhar contra odesperdício. Há seis anos são organizadosconcursos regionais e estaduais para pre-miar os agricultores que apresentam osmenores índices de perdas nas lavourasaté a colheita. O extensionista do InstitutoParanaense de Assistência Técnica e Ex-tensão Rural (Emater-PR), Luiz Vicentini,explica que o objetivo é estimular produto-res e operadores a realizarem com mais cui-dado a tarefa da colheita. A meta é chegar omais próximo possível dos níveis de per-das aceitáveis para cada região, no casoda soja, em média uma saca por hectare.

A apuração dos resultados é feita por téc-nicos da Emater e acadêmicos da Universi-dade Estadual de Maringá, que percorremas lavouras antes e depois da colheita, con-tabilizando e medindo o que foi desperdi-çado. Na última edição do prêmio, o ga-nhador perdeu menos de 5 quilos por hec-tare. “Mais de 30 prêmios, como carros,motocicletas e máquinas agrícolas são umestímulo para as pessoas cuidarem melhor,ajustarem as máquinas e reduzirem os pre-juízos’, diz Vicentini.

Ele explica que a iniciativa começou em 1995,quando os organizadores da Festa da Co-lheita da Soja – tradicional no estado – per-ceberam que, além da comemoração, pode-riam mobilizar os produtores. “É importantepensar nisso, porque desperdiçar significao lucro líquido do agricultor que vai embo-ra. E a competição tem promovido uma mu-dança de cultura também nos mais de 200colhedores que trabalham nas fazendas”,ressalta o técnico. Ele lembra ainda que oconcurso paranaense é um exemplo que jáatraiu técnicos de outros estados produto-res, principalmente do Centro-Oeste, paraconhecer e levar a ideia a outros lugares.

Mas o caminho do desperdício não se limi-ta ao percurso da colheita até o transporte.Quando se fala em frutas e hortaliças, pro-dutos mais perecíveis, as perdas são aindamaiores e ultrapassam os limites do cam-po, chegando ao varejo e às cozinhas bra-sileiras. Um estudo da FAO, de 2004, reve-la que o Brasil está entre os 10 países quemais jogam comida no lixo, com perda mé-dia de 35% da produção agrícola. A Embra-pa Agroindústria de Alimentos realizouuma pesquisa focada nesse tipo de produ-tos e mostrou que o brasileiro joga foramais alimentos do que, efetivamente, levaà mesa. Nas 10 principais capitais do país,

o consumo anual de vegetais éde 35 quilos por habitante. Noentanto, o desperdício chega a37 quilos por habitante/ano.

Do total de desperdício no país,■ 10% ocorrem na colheita;■ 50% no manuseio e transpor-te dos alimentos;■ 30% nas centrais de abaste-cimento; e■ 10% ficam diluídos entre su-permercados e consumidores.

Segundo o pesquisador da Em-brapa, Antônio Gomes, o fimdesse problema tem vantagensem diferentes aspectos. “Se oBrasil reduzisse as perdas, po-deria oferecer mais produtospara o mercado interno, barate-ando os preços, e também ex-portar mais, sem a necessidadede investimentos adicionais naabertura de novas fronteirasagrícolas’, argumenta Gomes.Ele afirma que o índice de per-das é maior do que se conse-

gue calcular, basta observar a quantidadede lixo orgânico gerado nas centrais deabastecimento das grandes capitais.

De acordo com um levantamento do gover-no de São Paulo, o volume de perdas daCompanhia de Entrepostos e Armazéns Ge-rais de São Paulo (Ceagesp), o maior merca-do da América Latina, chega a 1% de tudo oque é vendido em um dia, ou seja, mais de100 toneladas diárias no lixo.

O pesquisador da Embrapa explica que oproblema começa no campo, mas culminano varejo. Colheita incorreta, transporte ina-dequado, embalo dos produtos em caixasde madeira são exemplos de práticas queresultam em uma realidade preocupante:muitos produtos que saem do campo paraa cidade nem chegam a ser comercializa-dos porque se perdem no caminho. Issosignifica que o custo para produzir aquelealimento foi totalmente perdido. “Muitasfrutas, como laranja, abacaxi, são transpor-tadas a granel em caminhões, que vão sa-cudindo na estrada e causando injúrias nosvegetais que nem chegam às prateleiras’.

Antônio Gomes lembra que não existe umacadeia de frio para distribuir esse tipo deproduto. Ele argumenta que, em um país de

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R$12 bilhões em alimentossão jogados fora diariamente:o suficiente para garantir caféda manhã, almoço e jantar

para 39 milhões de brasileiros.”

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Débora Carvalho - Reportagem publicadapela revista Desafios, set/out 2009; pelo IHUOn-line [IHU On-line é editada pelo InstitutoHumanitas Unisinos (IHU) da Universidade doVale do Rio dos Sinos (Unisinos) em SãoLeopoldo, RS] e pelo portalwww.ecodebate.com.br (12/11/2009).

Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, Nordpil. Gráfico publicado em 2009 em The Environmen-tal Food Crisis - The Environment’s Role in Averting Future Food Crises – http://www.grida.no/publications/rr/food-crisis/ – Link to website: http://maps.grida.no/go/graphic/losses-in-the-food-chain-from-field-to-household-consumption

Após descontar as perdas, as conversões e o desperdício nos vários estágios produ-tivos, restam apenas 2.800 kcal disponíveis para utilização (alimentos de origemvegetal e animal). E, ao final da cadeia, uma média de 2.000 kcal – apenas 43% dopotencial comestível das colheitas – são disponibilizados para o consumo.Fonte: Lundqvist et al., 2008

PERDAS NA CADEIA ALIMENTAR: DO PLANTIO AO CONSUMO DOMÉSTICO(ANTES DA CONVERSÃO DO ALIMENTO EM COMIDA)

dimensões continentais como o Brasil e comclima tropical intenso durante a maior partedo ano, seria mais adequado que frutas, le-gumes e verduras saíssem das lavouras di-reto para o resfriamento. A temperatura pre-cisaria ser mantida em baixos níveis duranteo transporte e o período de exposição novarejo, o que não acontece no Brasil.

Outro problema apontado pelo pesquisadoré a falta de informação dos consumidores.Não se trata apenas de saber aproveitarmelhor os produtos na hora de cozinhar, massim da necessidade de cuidados também nomomento da compra. “É preciso educar oconsumidor. Se na hora de escolher o quia-bo, você quebra a ponta, ninguém mais vaiquerer esse produto. Se, ao escolher o to-mate, o cliente amassa o vegetal, é mais umaperda”, exemplifica Gomes.

Em meio a tantas formas de desperdício, aalta conta gerada pelas perdas não fica di-luída ao longo da cadeia. Segundo a Em-brapa, agricultor e consumidor são os maisprejudicados. Isso acontece porque o in-vestimento para produzir, manipular e trans-portar o alimento já foi feito. Antes do pro-duto se perder, a rede varejista faz uma pre-visão de perdas e repassa tanto ao preçopago ao produtor, quanto ao que é cobra-do do cliente. “O agricultor recebe menose o consumidor paga mais. É preciso re-ver esse processo, porque o varejo dilui oprejuízo. Investir em produtividade temsignificado também aumentar o volume dodesperdício. Quanto mais produzimos,mais jogamos fora. É preciso pensar commais seriedade em uma solução para asperdas’, lamenta o pesquisador.

O Ministério da Agricultura possui uma re-gulamentação que classifica os vegetais eestabelece regras para manter a qualidade,mas, na prática, as normas não são cumpri-das. “Governo e agentes do mercado preci-sam ser parceiros e fazer valer a lei”. Para opesquisador, a mudança desse quadro pas-sa pela qualificação de todos os envolvidosna cadeia produtiva, desde o trabalhador ru-ral que colhe o alimento até os estoquistas efuncionários dos pontos de varejo.

A redução do desperdício, no entanto, é umapreocupação séria da rede varejista. A Asso-ciação Brasileira de Supermercados (Abras),em parceria com outras entidades, faz todosos anos uma avaliação de perdas. A pesqui-sa mostrou que, em 2007, mais de 82% dos

pontos de varejo pesquisados possuíam de-partamentos específicos para cuidar desseassunto e 75% deles reconheciam ter investi-do em soluções. O levantamento, feito todosos anos, busca identificar causas e avaliar ocusto-benefício para a implantação de pro-gramas de prevenção de perdas.

Em 2007, o índice médio de desperdício foide 2,15% do total comercializado, dessevolume 55% são produtos perecíveis. Ape-sar de permanecer crescendo desde 2004,o ritmo de perdas no caso específico dosperecíveis avançou apenas 0,2 ponto

percentual ao final de três anos. O estudoda Abras chama atenção para o fato de asperdas de perecíveis terem reduzido em2007, mas revela um aumento desse preju-ízo com causas desconhecidas. Isso difi-culta a formulação de iniciativas para com-bater o problema. ■

NOTA DO EDITOR: A perda e o desperdício de alimentos é um fenômeno em escala mundial, fato que sinaliza a prementenecessidade de se estruturar uma nova atitude frente à sustentabilidade alimentar. Com os instrumentos e as tecnologiasdisponíveis para tratar a questão, pode-se minimizar o imoral desperdício que só faz aumentar o crescente contingente defamintos e subnutridos em todo o planeta. O gráfico abaixo revela as proporções do problema em escala mundial.

Colheita decomestíveis4600 kcal

Perdas nacolheita

Apóscolheita

4000 kcal

Alimento p/animais

Carne elaticínios

2800 kcalPerdas e

desperdíciona distribuição Alimento

consumido2000 kcal

Campo Domicílio

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A sobrepesca, a pesca acidental, a poluição das águascosteiras e oceânicas e a fragilidade das regulamentaçõesinternacionais rígidas para a atividade pesqueira anunciamo colapso da vida marinha e ameaçam a sobrevivência demilhões de indivíduos. por Márcia Pimenta

O mito da extensão infinita dos oce-anos, como acontece com as gran-des áreas de floresta, promove a

crença de que os recursos naturais destesecossistemas são infinitos. Porém, maisimportante do que o tamanho é a saúde doecossistema e sua capacidade de produti-vidade biológica, e no caso dos oceanos,sua produtividade pesqueira.

Ao explorarmos estes recursos de modoinsustentável perdemos biodiversidadee dinheiro, como advertiu SigmarGabriel, Ministro para Meio Ambiente,Conservação da Natureza e SegurançaNuclear da Alemanha, na cerimônia deabertura da 9ª Conferência das Partes

Assim no mar,como na terra

da Convenção sobre Diversidade Bio-lógica – CDB, em Bonn. Segundo ele, aperda anual de espécies vegetais e ani-mais custa 2 trilhões de Euros, ou seja,6% do PIB mundial.

A vida marinha é um bom exemplo. Se nadafor feito, até 2050 não haverá mais pescacomercial, segundo Gabriel. Podemos ima-ginar o que isto representa para o estoquede alimentos, uma vez que bilhões de pes-soas dependem da pesca como fonte deproteína. A crise no setor fica evidente pelasituação de estagnação da pesca extrativamundial, em torno de 85 milhões de tonela-das, ou, mesmo redução na produção, apartir de meados de 1980.

Segundo a FAO – Organização das NaçõesUnidas para Agricultura e Alimentação – 76%dos principais recursos pesqueiros estão ex-plorados ao máximo, sobrepescados, em co-lapso ou em recuperação de colapso.

A demanda crescente por barbatana coloca21 espécies de tubarão e arraias na lista deespécies em risco de extinção, segundo es-tudo organizado pela União Internacionalpara Conservação da Natureza – IUCN. Re-tiradas do mar acima do nível de sustentabi-lidade também estão o peixe-espada, o ba-calhau e o atum. Após ter sido quase extin-to no Atlântico, o atum, preferido pelos queapreciam sushis e sashimis, é agora alvo dosenormes navios pesqueiros no Pacífico. Na

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Argentina, os cardumes damerluza comum, devido à faltade controle do Estado e à pes-ca exagerada, levaram à redu-ção de 70% da população adul-ta nos últimos 20 anos.

No Brasil, segundo o Progra-ma de Levantamento Potenci-al Sustentável de RecursosVivos na Zona Econômica Ex-clusiva – REVIZEE os cama-rões, a sardinha-verdadeira,cações, tubarões, arraias e acorvina estão sendo captura-dos acima dos limites possí-veis. A gestão equivocada dosrecursos pesqueiros pode sera chave para entender comochegamos a esta situação.

José Dias Neto, Engenheiro dePesca e Coordenador Geral deAutorização do Uso e Gestão da Fauna eRecursos Pesqueiros da DBFLO/IBAMA,argumenta que com o fim da Superinten-dência do Desenvolvimento da Pesca –SUDEPE – em 1989, houve a divisão decompetências de gestão que ficou da se-guinte forma:Ÿ as espécies sobrexplotadas e as amea-çadas de sobrexplotação ficaram com o Mi-nistério do Meio Ambiente (MMA); eŸ as subexplotadas com o Departamen-to de Pesca e Aquicultura (DPA), do Mi-nistério da Agricultura, Pecuária e Abas-tecimento (MAPA).

Assim deu-se a divisão do indivisível, já queuma espécie subexplotada hoje passa rapi-damente para a lista de sobrexplotadas, comofoi o caso do peixe-sapo e do caranguejo deprofundidade. Hoje, a Secretaria Especial deAquicultura e Pesca da Presidência da Repú-blica (SEAP/PR) divide as atribuições com oIBAMA, mas não por muito tempo.

O Professor José Angel Perez, pesqui-sador do Centro de Ciências Tecnológi-cas da Terra e do Mar (CTTMar) da Uni-versidade do Vale do Itajaí (Univali), emSanta Catarina, também acredita que“atualmente o cenário mais nocivo noque tange à gestão pesqueira do Brasilé a existência de divisão de atribuiçõesentre SEAP e IBAMA. Essa opinião éunânime na academia e em outros se-tores. A questão passa a ser onde con-centrar essa gestão”.

Perez sustenta que “a academia se divideentre aqueles que querem modernizar a ges-tão e por isso acham que o Ministério podeoportunizar isso. E outros que temem queum Ministério fique ainda mais submetido àpressão da indústria da pesca e, por conse-guinte, preocupe-se pouco com “conserva-ção” dos estoques naturais, já muito debili-tados pela sobrepesca. É uma escolha difí-cil. Eu me enquadro entre os primeiros, poisacho que hoje existem mecanismos de co-brança da sociedade, por exemplo, atravésde comitês de gestão participativa e da pre-sença do Ministério Público de olho nasquestões ambientais. Mas reconheço queos riscos dessa escolha são reais”.

Neto defende que “o Brasil foi um dos pio-neiros em colocar a gestão do uso dos re-cursos pesqueiros na área ambiental e, hoje,o mundo toda caminha para tal. Assim, se-ria uma pena que o Brasil desse um passopara trás”. Ele acrescenta que “os posicio-namentos da SEAP têm se mostrado simi-lares ao da ex-SUDEPE que consideravamos recursos pesqueiros como recursos eco-nômicos”. E lembra que “colocar sob ummesmo comando as ações de fomento, pro-moção e apoio à cadeia produtiva, gestãodo uso dos recursos ambientais e a fiscali-zação, é o mesmo que “colocar a raposapara vigiar o galinheiro””.

Apesar de toda a polêmica, o Presidente Lulacriou o Ministério da Pesca, através de MPem 30/07, e 150 vagas para o novo Ministé-

rio. E em menos de 30 dias opróprio Lula revogou a MP,não havendo previsão para avotação do projeto de lei.

A alta recente dos preços dosalimentos tende a aumentarainda mais a pressão sobre osrecursos pesqueiros que hojese encontram sobrexplotadosem todo o planeta. Mas o Bra-sil e o mundo não devem seaproveitar da crise mundial poralimentos para apresentar me-tas mirabolantes para ativida-de pesqueira que hoje já dásinais de exaustão, adverteNeto. Segundo ele, a idéia épreocupante já que para via-bilizar o aumento da produçãocorre-se o risco de promoverum regime de terra arrasada,ampliando a insustentabilida-

de em larga escala na pesca e naaqüicultura, e potencializando impactosonde a sobrepesca não é a única agressãoa que estão sujeitos os oceanos.

PESCA ACIDENTAL E EXAUSTÃO MARINHA

Também o desperdício contribui para a in-sustentabilidade desta atividade. Segundo oGreenpeace, a pesca acidental, ou seja, aquelaque captura espécies diferentes daquela quetinha como objetivo é responsável por ¼ dototal global de captura. Estes exemplares sãodevolvidos ao mar mortos, ou quase mortos.Uma única passagem de um arrastão removeaté 20 por cento da fauna e flora do fundo domar. As campanhas de pesca com os maioresníveis de captura colateral são as do cama-rão, pois mais de 80% de cada captura podeconsistir em espécies marinhas diferentes docamarão, que é o objetivo.

Com a vida marinha em estado terminal, osoceanos não conseguirão responder aosdesafios das mudanças climáticas geradaspela concentração de gases de efeito estu-fa. O CO2 absorvido pelos oceanos torna omar mais ácido, colocando em perigo oscorais e corroendo conchas, esqueletos deestrela-do-mar, moluscos e outras criatu-ras marinhas. Nos últimos dois séculos, omar absorveu cerca de 1/3 de todas as emis-sões de CO2, modificando sua composiçãobioquímica e tornando-se corrosivo.

Para tornar o panorama mais sombrio, o au-mento populacional nas zonas costeiras de

Uma única passagemde um arrastão remove

até 20% da fauna e da florado fundo do mar.”

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todo o mundo só tende a aumentar, princi-palmente em algumas regiões da Ásia, o quetrará mais impactos para este ecossistema.Descarga no mar de esgotos sem tratamento,excesso de nutrientes e agrotóxicos aplica-dos na agricultura, despejo de lixo, além desedimentos oriundos do desmatamento sãoproblemas que se somam à perda de habitatscosteiros como manguezais e áreas alagadas.

A perda daquelas áreas torna a costa vul-nerável em caso de fenômenos climáticosextremos, debilita a capacidade dos recifesde corais se recuperarem dos efeitos doaquecimento do clima e reduz a já “camba-leante” produtividade dos ecossistemascosteiros que fornecem meios de subsis-tência e alimento básico aos mais pobres.O mais dramático é que toda esta degrada-ção ocorre em uma região que correspon-de à área mais produtiva do oceano, ouseja, aquela até 100 km da linha costeira, auma profundidade de cerca de 200m.

AQUICULTURA: PROBLEMA OU SOLUÇÃO?Com os recursos pesqueiros sobrexplota-dos, as políticas públicas se direcionam paraa Aquicultura, que vem aumentando sua par-ticipação na produção e no consumo mun-dial ao responder por 43% de todo o pesca-do consumido no mundo. Segundo o rela-tório O estado da Aquicultura e da pescamundial/2006, da FAO, a atividade vemcrescendo mais rapidamente do que qual-quer outra do setor de alimentos, a uma médiamundial anual de 8,8% por ano desde 1980.

Mas a pressão destas atividades sobre osecossistemas é grande! No Chile, recente-mente, as fazendas de salmão foram ataca-das pelo vírus da anemia infecciosa do sal-mão. Para combater a doença são necessá-rias doses maciças de antibióticos, poden-do elevar a resistência aos antibióticos nosseres humanos que consomem este pesca-do. Além disso, a criação destes peixes car-nívoros não se mostra sustentável, já queé necessário aproximadamente 5kg de pei-xe fresco para a produção de 900g de sal-mão criado em fazendas. O desenvolvimen-to em larga escala da cultura de camarões,em algumas áreas, resulta em degradaçãode áreas alagadas e manguezais, e tambémcausa poluição hídrica, salinização do soloe das águas subterrâneas.

A insustentabilidade de atividades comer-ciais selvagens e o papel minimalista dosgovernos nacionais na regulamentação da

pesca têm um custo que a princípio não sepercebe. É o custo da perda da biodiversi-dade que, como alertou o ministro alemão,custa caro para a sociedade. Pesquisas,políticas públicas e fim dos subsídios quedeslocam para além do sustentável o pon-to de equilíbrio, estimulando o sobreusodas espécies ou mascarando os prejuízosda atividade pesqueira, são fundamentais

para não ficarmos como expectadores pas-sivos de um colapso anunciado em ummundo onde a fome já é uma realidade paramilhões de pessoas. ■

❚ As projeções atuais para o setor da aquacultura sugerem que o crescimento do setorocorrido anteriormente não deverá ser mantido no futuro em virtude do limitado esto-que de peixe disponível no oceano para alimentar a aquacultura (FAO, 2008).❚ Os estoques de pequenos espécimes pelágicos constituem 37% do total captura-do pela atividade pesqueira. Deste montante, 90% são transformados em produ-tos para consumo e em óleo de peixe. E os restantes 10% utilizados diretamente naalimentação animal (Alder et al., 2008).

Fonte: FAO. 2009. FishSTAT Fishery Statistical Collections Global Aquaculture Production. http://www.fao.org/fishery/statistics/global-aquaculture-production (Accessed January 22, 2009) FAO. 2009. FishSTAT FisheryStatistical Collections Global Capture Production. http://www.fao.org/fishery/statistics/global-capture-production(Accessed January 22, 2009). Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, Nordpil. Gráfico publicado em 2005 em TheEnvironmental Food Crisis - The Environment's Role in Averting Future Food Crises – Link para o website: http://www.grida.no/publications/rr/food-crisis/ Ÿ Link geral: http://maps.grida.no/go/graphic/carbon_cycle - a

Leilão de atum em Tsukiji, Japão, o maior mercado atacadista de peixe efrutos do mar do mundo. Foto: JoshBerglund19

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Aquacultura em terraAquacultura no marAtividade pesqueira em terraAtividade pesqueira no mar

(milhões de toneladas)

PRODUÇÃO MUNDIAL DE PESCA E DE AQUACULTURA

Márcia Pimenta é jornalista com especiali-zação em Gestão Ambiental, colaboradora e ar-ticulista do EcoDebate. Artigo publicado emwww.ecodebate.com.br (11/10/2008).

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Para o economista PaulSinger, as crises alimentí-cia e energética são umasó, porque o encareci-mento do petróleo passapara os alimentos. Tam-bém defende a revisão dasistematização de distri-buição de alimentos e afir-ma ser vital o desestímuloao consumo de carnes ederivados.

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O limite ecológico do mundo:Entrevista com Paul Singer

IHU ON-LINE – QUAL A RELAÇÃO ENTRE A CRISE MUNDIAL DE ALI-MENTOS E A PRODUÇÃO DOS BICOMBUSTÍVEIS?Paul Singer – Estamos diante de uma crise mundial basicamenteecológica, porque não estamos conseguindo mais atender às de-mandas economicamente solváveis. Hoje, existem milhões de pes-soas, principalmente na China, na Índia e também no Brasil, quemelhoram seus padrões de vida e têm dinheiro para comer bife aoinvés de arroz, e eventualmente comprar carros. Isso significa oaumento de demanda por derivados de petróleo e por alimentos.Ora, alimentos de origem animal exigem cereais. O cereal que co-meríamos é dado como ração ao boi, galinha ou porco, que depoiscomeremos. Isso faz dobrar o gasto do trabalho humano, o uso daterra, a necessidade de água, enfim, usa-se o dobro de recursosnaturais para obter o mesmo efeito – a alimentação.

Em relação aos automóveis, temos uma situação conhecida emtodo o mundo. Na Índia, inventaram o carro mais barato do mun-do. Vivemos uma situação de demanda crescente de derivados depetróleo. O automobilismo é, provavelmente, a razão imediata doencarecimento do petróleo. Este nunca foi tão caro. O barril dele,agora, está custando U$ 126. Mas a crise também está relacionadaao encarecimento da carne, ao encarecimento dos laticínios e atédos cereais, porque eles estão sendo hoje disputados pelos ani-

mais, por nós e pelos produtores de etanol, ou seja, os biocom-bustíveis, que têm ligação com a crise climática.

Ao mesmo tempo, a crise é de alimentos e energética, porque o encare-cimento do petróleo passa para os alimentos. Usa-se petróleo paramover os tratores e as máquinas que processam o que é produzido.Então, na medida em que o petróleo e, portanto, os combustíveis au-mentam bruscamente de preço, também os produtos que dele depen-dem aumentam de preço. São duas crises que, no fundo, são uma crisesó, porque não conseguimos aumentar a produção de petróleo namedida em que estamos colocando automóveis em nossas cidades.Com isso, aumenta o efeito estufa. O preço do petróleo está dessetamanho porque, pela primeira vez na história, há demanda pelos seusderivados, não tendo produção suficiente. Então, uma parte dos quequerem usar o petróleo agora já não pode pagar o preço. Isso é claro nomercado: quando você tem demanda, o preço dispara. Conseqüente-mente, a parte mais pobre dos demandantes é colocada para fora. Vocêtem uma inflação de gasolina e outros derivados de petróleo e umainflação de alimentos que também faz a mesma coisa, ou seja, colocapara fora do mercado os mais pobres, que estão, inclusive, sujeitos àfome. Pelo que averiguei, já ocorreram motins de fome em 37 países; aspessoas se levantam contra essa situação porque não têm o que comernem podem comprar alimentos básicos.

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IHU ON-LINE – POR QUE NÃO ESSA CRISE NÃO FOI CONTROLADA

ANTES DE CHEGAR AO PONTO ATUAL?P.S. – Boa pergunta! Em 1974, o Celso Furtado [1] escreveu umlivro chamado O mito do desenvolvimento (Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1974), em que sustentava a tese de que era um mito imaginarque através do desenvolvimento econômico o mundo inteiro des-frutaria algum dia do padrão de consumo dos americanos. Eletinha certeza, assim como embasamento, para afirmar que tal fatonão aconteceria nunca. E que, portanto, o desenvolvimento nãose poderia gerar por falta de recursos naturais. Ele disse isso há 34anos. Nessa época, eu li e achei que ele teve um ataque demalthusianismo [2]. Isso porque Malthus, há 200 anos, dizia que aTerra era finita, que os recursos naturais acabariam e que o aumen-to da população resultaria em fome etc., na medida em que estáva-mos indo para além da capacidade da Terra.

A tese de Malthus foi várias vezes refutada porque houve diver-sos avanços científicos que permitiram a utilização de recursosnaturais que na época dele não existiam. Em 1974, nós acreditáva-mos que o Celso estava um pouco pessimista demais porque, namedida em que os recursos naturais se esgotavam, outros substi-tutos eram encontrados. No lugar do petróleo que está acabando,nós desenvolveríamos biocombustíveis, energia eólica, energiasolar, e assim por diante. Só que o Celso estava certo e nós erra-dos. Ele não estava sendo excessivamente pessimista. Chegou omomento em que a pressão da demanda está muito mais forte doque a capacidade de resolução propiciada pelo avanço científicoatravés de novas tecnologias, esses impasses.

IHU ON-LINE – O SENHOR AFIRMA QUE AS PESSOAS QUEREM TER O

PADRÃO DE VIDA DAS PROPAGANDAS E QUE, SE PASSARMOS A CONSU-MIR O QUE OS AMERICANOS CONSOMEM VAMOS ROMPER OS LIMITES DA

NATUREZA. O QUE ENTÃO FAZER PARA CONTER ESSA CRISE?P.S – Quem está consumindo são os mais ricos; os outros nãoestão podendo consumir. Se mais gente quiser comer derivadosda carne, ela irá subir mais ainda e os que tiverem menos dinheiroirão ficar de fora. Não podemos cruzar os braços e ficar choran-do. Em primeiro lugar, precisamos criar condições de usar damelhor maneira possível aquilo que temos. Existem alternativaspara melhorar a produção agrícola. Nesse tempo todo, no entan-to, não se investiu na agricultura da pequena propriedade que éecologicamente viável.

Pouco tem-se investido na agricultura da pequena propriedade que éecologicamente viável. A agricultura industrial é extremamente predatória

com os recursos naturais. O uso intensivo de agrotóxicosenvenena a terra, a atmosfera e a água.

No mundo de hoje tem-se dois tipos de agricultura: a industrial,praticada pelas grandes empresas capitalistas, e a camponesa,que pratica uma tecnologia pré-industrial. A agricultura industrialé extremamente predatória com os recursos naturais, o que já éconsenso científico. O uso intensivo de agrotóxicos envenena aterra, a atmosfera , os lençóis freáticos e os rios. Enquanto isso, aagricultura camponesa é respeitosa, pois não estraga nada. Então,nós precisamos privilegiar a agricultura camponesa, mesclandoos conhecimentos tradicionais à ciência mais avançada.1IHU ON-LINE – ACREDITA QUE A EXPANSÃO DA AGRICULTURA FA-MILIAR POSSA CONTER A CRISE ALIMENTÍCIA?P.S. – Exatamente.

IHU ON-LINE – A CRISE ENERGÉTICA?P.S. – Para a crise energética teremos de encontrar outras solu-ções. Uma delas é reduzir drasticamente o número de automóveisem nossas cidades. Eles são poluentes, congestionantes e caóti-cos. Em São Paulo, houve um boom de automóveis. Estão ven-dendo a prazo: pode-se pagá-los em até oito anos. Obviamente,nenhum automóvel dura oito anos, pois, nesse meio tempo, eledesvaloriza. Enfim, é uma loucura! O fato concreto é que há umacrise de trânsito em São Paulo. A cidade não anda, tem congestio-namentos o dia todo e até em lugares onde ninguém imagina exis-tir. Há ainda a poluição pelos automóveis, algo muito grave. Preci-samos oferecer transporte mais racional e compatível com a natu-reza. Isso significa usar o metrô, a bicicleta.

Paris criou, por exemplo, ciclovias por toda a cidade. Em muitas cida-des da Europa a municipalidade coloca bicicletas em pontos estraté-gicos, como nas estações de metrô. A pessoa sai do metrô e alugauma bicicleta por um preço muito barato e vai até onde precisa. Alémde não ser poluente, também é muito bom do ponto de vista da saúde.Para solucionar em parte a crise energética precisamos reformularinteiramente o transporte urbano, tornando-o não poluente e nãocriando mais consumidores vorazes de combustíveis fósseis.

Por outro lado, é preciso criar, através de tributos e subsídios, umdesestímulo ao consumo de carnes e derivados. É necessário torná-los mais caros ainda, e fazer com que as pessoas voltem a se alimen-tar de vegetais. Não há outra saída. Os governos precisam fazer issopara que os pobres possam comer. Não estou dizendo que devemosvirar vegetarianos – o que seria uma boa alternativa –, mas, pelo

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menos, não deveríamos comer carne todos os dias. Pertenço a umaclasse social que come carne no almoço e no jantar. Isso não serámais possível. Acredito que, através de instrumentos tributários ecom educação alimentar a população possa ter uma dieta mais com-patível com a disponibilidade atual de solo.

IHU ON-LINE – ACREDITA QUE A POPULAÇÃO MUNDIAL QUE NÃO

PASSA FOME JÁ SE CONSCIENTIZOU DA DIMENSÃO DESSA CRISE E DE SUAS

CONSEQÜÊNCIAS?P.S. – A população não precisa pensar. Se a carne estiver tão caraa ponto de a população não conseguir pagá-la, ela terá de acharum substituto e pode ser que a indústria encontre formas apetito-sas de satisfazer a fome sem mais do que duplicar a produção decereais. Segundo um estudo da ONU, para produzir um quilo decarne bovina são consumidos sete quilos de cereais. Precisamosreorganizar nosso consumo alimentar de maneira a que todos te-nham o que comer.

IHU ON-LINE – A CRISE DOS ALIMENTOS JÁ É SENTIDA PELA ELEVA-ÇÃO DE PREÇOS. MAS O QUE FAZER PARA CONTER A CRISE DE FOME?P.S. – Eu desejaria que ninguém passasse fome, o que é um direitofundamental. Deixar uma criança subnutrida é um crime. Para isso, ogoverno pode racionalizar os alimentos e distribuí-los de forma aque todos possam pelo menos comer vegetais. Essa é a direçãopara a qual devemos caminhar. Essa crise alimentar também advémdo fato de os chineses, que só comiam arroz, agora comem mantei-ga, queijo, iogurte e carne. Só que eles são um terço da populaçãomundial. Pensemos nisso! Os hindus também passaram a comercarne, e os brasileiros aumentaram em 70% desse consumo. Tam-bém outros países consomemmuita carne. É preciso que todos co-mam menos carne. A ONU será o instrumento para sairmos dessacrise. Nós teremos de transformá-la num governo mundial.

IHU ON-LINE – COMO A SOBERANIA ALIMENTAR PODE CONTRIBUIR

PARA CONTER ESSA CRISE?P.S. – A soberania alimentar é desejável no sentido de não se ficarna dependência de preços internacionais e de alimentos que che-gam do outro lado do mundo, até porque isso é muito poluente.Hoje, o comércio internacional está exagerado, a globalização le-vou o comércio internacional a níveis desnecessários. Não temsentido você importar da China brinquedos e outras coisas. Osnavios que trazem esses alimentos poluem muito, são grandes

consumidores de derivados de petróleo e fazem piorar as mudan-ças climáticas. É preciso reduzir todo o comércio internacional efazer apenas comércio internacional daquilo que não pode serproduzido localmente. É um absurdo importar montanhas de coi-sas apenas pelo imperativo de preço. Nosso mundo está chegan-do ao limite ecológico. Os camponeses já perceberam isso há anos,o que já é uma reivindicação da economia solidária européia. ■

NOTA:[1] Celso Monteiro Furtado foi um importanteeconomista brasileiro e um dos mais destacados in-telectuais do país ao longo do século XX. Suas idéi-as sobre o desenvolvimento e o subdesenvolvimen-to divergiram das doutrinas econômicas dominantesem sua época e estimularam a adoção de políticas

intervencionistas sobre o funcionamento da economia. Em 1946, ingres-sou no curso de doutoramento em economia da Universidade de Paris-Sorbonne, concluído em 1948, com uma tese sobre a economia brasileirano período colonial. Em 1949, mudou-se para Santiago do Chile, integran-do a recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),órgão das Nações Unidas. Na década de 1950, Furtado presidiu o GrupoMisto CEPAL-BNDES, que elaborou um estudo sobre a economia brasi-leira que serviria de base para o Plano de Metas do governo de Jusce-lino Kubitschek. Participou da criação, em 1959, da Superintendênciade Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Formação econômica doBrasil, a mais consagrada obra de Celso Furtado, foi escrita nesse ano.Em 1962, no governo João Goulart, foi nomeado o primeiro Ministro doPlanejamento. Com o golpe militar de 1964, teve seus direitos políticoscassados por dez anos. Com a Anistia, em 1979, retornou ao Brasil. De1986 a 1988, foi ministro da Cultura do governo José Sarney.

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Paul Israel Singer é graduado em Economia e Ad-ministração pela Universidade de São Paulo (USP),onde também doutorou-se em Sociologia e obteve otítulo de livre-docência. É professor da USP desde1984, além de secretário de Economia Solidária doMinistério do Trabalho e Emprego, e autor de inúme-ros livros, entre os quais Globalização e desemprego:diagnósticos e alternativas (São Paulo: Contexto,1998), O Brasil na crise: perigos e oportunidades (São

Paulo: Contexto, 1999), Para entender o mundo financeiro (São Paulo:Contexto, 2000) e Economia socialista (São Paulo: Perseu Abramo, 2000).Entrevista publicada pelo IHU On-line em 16/05/2008 [IHU On-line épublicado pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU) da Universidade doVale do Rio dos Sinos (Unisinos) em São Leopoldo, RS] e pelo portalwww.ecodebate.com.br (17/05/2008).

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MOTORISTA LEGAL É MOTORISTA CONSCIENTE.

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JAMAIS FALE OU MANDE MENSAGENSPELO CELULAR QUANDOESTIVER DIRIGINDO.

No trânsito é preciso ter sempre em mente o perigo

que você pode causar aos outros e a si mesmo. Por

isso, nada deve distrair a sua atenção. A conversa

no celular pode ficar para depois. Em primeiro lugar

vem a sua segurança e a de todos os passageiros.

Dirija com consciência.

www.eusoulegalnotransito.com.br

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O IMPACTO DOS OGMS

EM INSETOS BENÉFICOS

Por muitos anos, os agricultores orgânicosse valeram da bactéria Bacillus thuringien-sis (Bt) para controlar algumas pragas. Como álibi de proteger o milho, o algodão, a ba-tata e outras culturas dos predadores, asempresas de biotecnologia se aproveitaramda descoberta dos agricultores e incorpora-ram segmentos do código genético do Btno código genético de cereais, legumino-sas e outras commodities. Só que tais em-presas não revelam que os genes do Bt in-seridos no DNA das plantas são extrema-mente diferentes dos do Bt original.

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por Eric Aplyn

Não bastassem poluição ambiental, mudança climática, desmatamento,pesticidas e agrotóxicos, abelhas e insetos que polinizam e atuam nocontrole de pragas agora enfrentam um novo e letal desafio: as plantasgeneticamente modificadas (OGM). As consequências para a natureza epara a economia já se manifestam em todo o mundo. Confira e proteja-se

TRANSGÊNICOS

Em sua forma natural, a bactéria Bt contémuma longa proteína cristalizada que deveser parcialmente digerida no estômago deum inseto antes de liberar a toxina ativaque esburaca o trato digestivo do inseto,matando-o. Foi esta proteína tóxica da queos biotecnólogos inseriram nas plantas.Porém, esta toxina ativa só é criada nasentranhas de certos insetos, e poucos or-ganismos já foram a ela expostos. O efeitoque pode causar a liberação indiscriminadada toxina ativa em organismos não origi-nalmente alvo do Bt não foi pesquisadopelos criadores de plantas Bt, e os dadoshoje disponíveis são alarmantes.

Por exemplo, os artrópodes ápteros e hexá-podes – insetos não alados da ordem Col-lembola – que se alimentam de fungos e derestos vegetais são ativos recicladores danatureza, constituindo agente essencialpara o ciclo dos ecossistemas vegetais. Umestudo apresentado à Agência de Prote-ção Ambiental dos EUA indica que o milhoBt da Novartis prejudica os membros daordem Collembola (EPA MRID No. 434635).

Os insetos da ordem Neuroptera (ocrisopídeo, a crisopa e outros) são os prin-cipais predadores das pragas que atacamo milho. Investigadores da Estação de Pes-

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agespoluição

genética

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RE F E R Ê N C I A S SCompeerapap, J. (1997). The Thai debate on biotechnologyand regulations. Biology and Development Monitor, 32, 13-15.Hawkes, N. (1997). London Times. October 22.Hilbeck, A., Baunigartner, M., Fried, P.M. & Bigler, F. (1998).Effects of transgenic Bacillus thuringiensis corn-fed prey onmortality and development time of immature Chysoperlacarnea (Neuroptera: Chrysopidae). EnvironmentalEntomology, 27(2), 480-487.Palmer, J.D. Evolution Explosive invasion of plantmitochondria by a group I intron. PNAS 95(24):14244-14249.

Eric Aplyn – Consultor independente e autordo artigo More Dangers of Genetically AlteredPlants publicado em Synthesis/Regeneration 18(Winter 1999). Tradução livre de Cidadania &Meio Ambiente.

quisa Federal Suíça para Agroecologia eAgricultura evidenciaram aumento da mor-talidade ordem de dois-terços nas larvasdos insetos Neuropetera alimentadas compragas criadas no milho Bt da Novartis emcomparação com larvas alimentadas commilho não-transgênico (Hillbeck et al.,1998). Verificou-se que após se banquete-arem com o alimento transgênico, os inse-tos resistentes aos efeitos tóxicos do mi-lho BT voavam para plantas não BT, ondeeram devorados pelos insetos Neuropteraque, por sua vez, sucumbiam ao venenosoBT embutido no organismo de suas pre-sas. Desse modo prova-se que odesmantelamento da cadeia ecológica vaimuito além das áreas plantadas com orga-nismos transgênicos.

Na Tailândia, país no qual foram iniciadosos ensaios de cultivo do algodão Bt, daMonsanto, em 1996, a comissão encarrega-da de fiscalizar os campos de provas cons-tataram a morte de 40% das abelhas duranteo período de ensaio do novo algodão (Com-peerapap, 1997). Infelizmente não se pôdeestabelecer a conexão entre a mortalidadedas abelhas e o Bt pela simples razão de quenenhuma outra informação adicional ter sidodesde então disponibilizada.

O jornal The Londres Times publicou queo tempo de vida das joaninhas foi reduzidoà metade quando eles comeram afídeoscevados em batatas geneticamente modifi-cadas plantadas na Escócia. As joaninhastambém botaram menos ovos.

POLUIÇÃO GENÉTICA

A atual economia com base em hidrocar-boneto ainda é forte e embute um novotipo de Ameaça: a poluição genética, queocorre quando os genes criados laborató-rio se incorporam em versões naturais oucultivares da mesma planta, ou ainda emespécies aparentadas.

Os perigos da poluição transgênica ainda nãosão totalmente percebidos e compreendidos.As pesquisas indicam que a disseminaçãode cultivares resistentes a herbicidas colhei-tas muito provavelmente gerará “super er-vas daninhas” resistentes a herbicidas. Ospesquisadores também especulam a possibi-lidade da transferência dos genes de expres-são Bt para plantas selvagens, fato que rom-peria seriamente os ciclos ecológicos, confe-rindo-lhes vantagem sobre os predadores queos mantêm sobcontrole.

As empresas de biotecnologia nem consi-deram tais possibilidades, subestimando aprobabilidade de “transferência horizontalde genes.” No entanto, pesquisa recenterevelou que o fluxo de genes entre plantasde cultivo e seus aparentados selvagenspode ser mais alto que normalmente se ima-gina, fato que aumenta o risco de migraçãode sequências genéticas produzidas em la-boratório para outras plantas. Ainda maisassustador é o relatório de pesquisadoresda Universidade de Indiana documentandocomo um parasita genético que antes per-tencia à família dos fermentos migrou semexplicação para outras espécies vegetaismais complexas e sem conexões com os fer-mentos (Palmer 1998).

Além disso, numerosos casos de poliniza-ção cruzada com colheitas transgênicas fo-ram informados no último ano, especialmen-te no Reino Unido, onde teste-piloto com

canola geneticamente alterada teve de serdestruído após comprovar-se que a cano-la-OGM polinizara plantas vizinhas. Umjornal britânico citou o sentimento do ge-rente de provas da Perryfield Holdings, acorporação responsável pelo ensaio: “Nósesperamos ser processados”. ■

MORATÓRIA PARA OS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS

Fonte: Edinilson Takara – Agência Estadual de Notícias do Paraná.

A Academia pede por:❚ Uma moratória sobre os alimentos geneticamente modificados, implementação detestes de segurança de longo prazo imediatos e etiquetação dos alimentos transgênicos.❚ Que os médicos alertem seus pacientes, a comunidade médica e o público paraevitar os alimentos geneticamente modificados.❚ Que os médicos considerem o papel dos alimentos geneticamente modificados nasdoenças de seus pacientes.❚ Mais estudos independentes de longo prazo que comecem a juntar dados parainvestigar o papel dos alimentos transgênicos na saúde humana. “Vários estudos emanimais mostraram que os alimentos geneticamente modificados causam danos a vári-os sistemas orgânicos. Com essa evidência volumosa, é imperiosa uma moratória sobreos alimentos transgênicos para a segurança de nossos pacientes e do público”, diz omédico Amy Dean, chefe do Paraná e membro do Conselho da Academia nos EUA.

“Os médicos estão provavelmente vendo os efeitos em seus pacientes, mas precisamsaber como fazer as perguntas certas”, diz a dra. Jennifer Armstrong, presidente daAcademia. “Os alimentos geneticamente modificados mais comuns consumidos nosEUA são soja, milho, canola e óleo de algodão”.

❚ O comunicado da Academia sobre alimentos geneticamente modificados pode serencontrado em http://aaemonline.org/gmopost.html. A American Academy of Envi-ronmental Medicine é uma associação internacional de médicos e outros profissio-nais dedicados a mostrar os aspectos clínicos da saúde ambiental. Mais informaçõessão disponíveis em www.aaemonline.org.

A Academia Americana de Medicina Ambiental di-vulgou documento com posição sobre os alimentosgeneticamente modificados, afirmando que “os pro-dutos transgênicos representam um sério risco a saú-de”, ao mesmo tempo em que pede uma morató-ria imediata.Citando vários estudos realizados com animais, aAcademia dos EUA conclui: “Há mais do que umaassociação casual entre os alimentos transgênicos eos efeitos adversos à saúde”. No documento, a Aca-demia ainda alerta: “Os alimentos geneticamentemodificados representam um risco nas áreas da toxi-cologia, alergias, funções imunológicas, saúde re-produtiva, metabolismo, fisiologia e saúde genética.”

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?por Verónica Calderón

Em 2050 a Terra abrigará 9,1 bilhões. Agrande maioria dos novos habitantesviverá nos países pobres. Segundo

cálculos da ONU, em 2050 a população espa-nhola será praticamente igual à de 2009, cer-ca de 42,8 milhões de habitantes. Muito lon-ge do crescimento previsto para países comoNíger, Somália e Uganda, cujas populaçõescrescerão até 150% nos próximos 40 anos.

A população dos países desenvolvidos semanterá praticamente igual e em alguns in-clusive diminuirá. Em troca, os países maispobres do mundo terão um crescimentoacelerado. Dos 2,4 bilhões de pessoas amais que haverá no mundo em 2050, 98%viverão em países pobres. Há espaço sufi-ciente e recursos para todos?

As taxas de natalidade diminuíram 50% nosúltimos 30 anos, e espera-se que caiam ain-da mais. Inclusive nos países mais pobres

Seremos 7 bilhõesde habitantes no mundoem 2012 e 9 bilhõesem 2050. O problemanão é a fecundidade,que já está diminuindo,mas a má distribuiçãode recursos e ainsustentabilidade do

do mundo, a natalidade se reduzirá pelametade. As previsões da ONU coincidemem que a tendência se manterá. Prevê-seque em 2050 a fertilidade mundial será deapenas 1,85 filho por mulher. Sem os méto-dos anticoncepcionais, a população mun-dial cresceria para 11 bilhões de pessoas em2050. Os controles de natalidade foram fun-damentais, mas não são a única solução.

Há mais de 200 anos, o inglês ThomasMalthus já advertia eu seu célebre “En-saio sobre o Princípio da População” queos recursos naturais seriam insuficientespara abastecer a população mundial.

A pesquisadora Rosamund McDougall,diretora adjunta da ONG Fundo para umaPopulação Ótima (OPT na sigla em inglês),adverte que

“uma população de mais de 9 bilhões deindivíduos teria um impacto terrível so-

bre a Terra, e não só na qualidade de vida.O volume de emissões de gases do efei-to estufa tornaria impossível viver noplaneta em 20503 .

Quem então ocupará a Terra? A populaçãodos 49 países mais pobres do mundo se dupli-cará, de 840 milhões para 1,7 bilhão de pesso-as, segundo aponta o relatório “Perspectivasobre a População Mundial”, divulgado em2008 e elaborado pela Divisão de PesquisaDemográfica e População Mundial da ONU.

Os países desenvolvidos, em comparação,não sofrerão uma mudança significativa emsua população: de 1,23 bilhão de habitan-tes em 2009 para 1,28 bilhão em 2050. Inclu-sive Japão, Geórgia, Rússia e Alemanhaperderão 10% de suas populações.

O cientista e escritor britânico Fred Pearce opinaque o problema não é quantos somos, mas a

Augustograph

modelo de desenvolvimento gerador das crises climática, alimentare energética. Há espaço suficiente e recursos para todos?

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Já somos demais

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maneira como distribuímos os recursos:“É evidente que o problema é o consu-mo excessivo dos países desenvolvidose não a superpopulação dos mais po-bres”, afirma.

O consumo de uma pessoa nos EUA emite20 toneladas de dióxido de carbono porano; o equivalente ao de dois europeus,quatro chineses, 10 indianos ou 20 africa-nos. Oitenta por cento da população pa-gariam as consequências econômicas eambientais do consumo de 20%.

Stephen Pacala, diretor do Instituto Ambi-ental da Universidade Princeton (EUA),calcula que os 500 mil habitantes mais ri-cos do mundo – cerca de 0,7% da popula-ção atual – são responsáveis por 50% dasemissões de CO2 no mundo.

E a situação só fará agravar-se nos próxi-mos anos. Pierce adverte:“O desafio é, na realidade, que os recur-sos sejam distribuídos de maneira maisequitativa. Os efeitos sobre o meio ambi-ente são extremamente difíceis de reverteratravés das taxas de natalidade. Mesmose reduzíssemos a zero a fertilidade nomundo, as emissões de gases do efeitoestufa deveriam diminuir pelo menos 50%até meados do século”.

OS FAMINTOS DA TERRA

Além dos efeitos da mudança climática, ospaíses menos desenvolvidos enfrentam afome, a causa direta ou indireta de 58% dototal de mortes do mundo, segundo um es-tudo da ONU divulgado em 2004. O Institu-to de Recursos Mundiais (WRI na sigla eminglês) advertiu na semana passada que em2050 haverá mais 25 milhões de criançasdesnutridas no mundo, que se somarão as150 milhões que atualmente padecem fome.

Os níveis de pobreza continuarão aumen-tando: entre 1981 e 2001 duplicou o númerode pessoas que viviam com menos de US$1 por dia na África subsaariana: de 164 mi-lhões para 316 milhões; e nos próximos 40anos dois terços da população mundial vi-verão em países em desenvolvimento.

O fato é que hoje 1 bilhão de pessoas (umsexto da população mundial) sofre fome. Em2050 serão 1,7 bilhão, 18% da populaçãoprevista para então. Além da degradaçãoambiental, os conflitos e o baixo desenvol-vimento causam a escassez de alimentos.

Os agricultores africanos empregam o equi-valente a 1% do fertilizante utilizado por umagricultor em um país rico. E enquanto nospaíses pobres se consome uma dieta basea-da em vegetais, os ricos consomem comida(carne) que come vegetais.

Para produzir um quilo de carne são neces-sários pelo menos 10 quilos de pasto. Umamericano médio consome 120 quilos decarne por ano, enquanto nos países em de-senvolvimento a média é de 28 quilos. Afalta de tecnologias que desenvolvam aagricultura nos países menos desenvolvi-dos e os efeitos da crise econômica globalpioram as circunstâncias. Para Pacala:

“A cooperação marcaria uma diferençasignificativa. As crises de fome se de-vem na maioria das vezes ao fraco de-senvolvimento dos países e a uma pro-dução insuficiente.”

A Organização das Nações Unidas para Agri-cultura e Alimentação (FAO na sigla em in-glês) advertiu, em 2008, que o gasto anualem alimentos importados nos países maispobres poderia representar quatro vezes maisdo que em 2000. Observa o relatório:

“Para os consumidores mais pobres, queaplicam 60% de seus recursos em alimen-tação, o aumento significa um golpe bru-tal em seus orçamentos.”

A FAO também salienta que para combatera fome o mundo deveria produzir, em 2050,70% mais alimentos do que hoje.

O artigo de Verónica Calderón foi publicadooriginalmente no jornal espanhol El País e emwww.ecodebate.com.r (09/11/2009). Tradução:Luiz Roberto Mendes Gonçalves

UM DESAFIO NADA NOVO

A chamada Revolução Verde conseguiu du-plicar a produção de alimentos entre 1960 e1990. E na atualidade ainda existem 60% deterra fértil no mundo. Mas o que garante aospaíses pobres um desenvolvimento susten-tável nos próximos anos? Pearce e Pacala con-cordam que um bom início é o investimento.

Em 2008, um relatório do Ministério do De-senvolvimento britânico calculou que aredução da fome no mundo exigiria pelomenos 900 milhões de libras (cerca de 987milhões de euros) para garantir o desen-volvimento e as tecnologias necessáriasao favorecimento da agricultura nos paí-ses mais pobres.

O orçamento da FAO, em 2008, foi de US$870 milhões. Em 2009, subiu ligeiramente paraUS$ 930 milhões. Ao comparar a cifra com osUS$ 700 bilhões que o governo americanodestinou para evitar a quebra do banco deinvestimentos Bear Stearns, as hipotecáriasFreddie Mac e Fannie Mae e a seguradoraAIG em setembro do ano passado, o orça-mento mundial dedicado a combater a fomerepresenta apenas 2% dessa cifra.

Os líderes reunidos na cúpula do G20 reali-zada em Pittsburgh em setembro passadoconcordaram em destinar cerca de US$ 2bilhões em ajudas para combater a fome nomundo, mas um estudo publicado pelo Ins-tituto Internacional para Pesquisa de Polí-ticas Agrárias em outubro indica que é in-suficiente. Gerard Nelson, um dos autoresdo relatório, adverte:

“São necessários pelo menos US$ 7 bi-lhões ao ano para a pesquisa agrope-cuária e a melhora da infraestruturarural nos países. Se a política que pri-vilegia os lucros perseverar, as conse-quências serão desastrosas”,

A prioridade para resolver a fome, uma gra-ve consequência da má distribuição de re-cursos no mundo, também não é nova. Em1972, numa entrevista a Dick Cavett sobreas consequências da superpopulação, JohnLennon foi claro ao definir o primeiro passo:

“Temos comida e dinheiro suficientespara alimentar a todos. Há espaço sufici-ente e alguns até vão para a lua”. ■

Juan

Fal

que

Dos 2,4 bilhõesde pessoas a mais

que haverá nomundo em 2050,

98% viverãoem países pobres.”

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Tendo chegado a uma cidade sitiadapor pessoas e papéis, já tenho cer-teza de uma coisa: Copenhague não

é apenas mais uma negociação internacio-nal. É um momento de escolha crucial paratodos nós. E estou certo de que faremos aescolha certa. Independentemente do su-cesso das negociações, o mundo será mui-to diferente até o meio deste século.

Nossas escolhas determinarão como se-rão essas mudanças. Podemos escolher ofuturo que queremos para nós e nossosfilhos ou podemos deixar que escolhamum futuro menos positivo e mais sombrio.

Se formos bem-sucedidos no combate àsmudanças climáticas, o mundo terá sidotransformado pelos nossos esforços.Nações terão trabalhado juntas para re-duzir suas emissões de carbono. Tere-mos construído um sistema de energianeutro em carbono com novos empre-gos e novo crescimento. Teremos criadoum variado leque de tecnologias de bai-xo carbono. Nossas economias terãomais segurança energética. A coopera-ção terá vencido as rivalidades.

Se falharmos, o mundo já estará vivendoum aumento de temperatura de 2ºC. Eestará irreversivelmente destinado a umaumento de 4ºC e além. O mapa que oMetOffice (1) lançou recentemente mos-tra que mundo inimaginável será estecom enchentes e secas tornando água ealimento escassos para centenas de mi-lhões de pessoas. A competição por re-cursos terá vencido a cooperação.

Essas são as escolhas que temos de fa-zer em Copenhague. Temos a tecnologiae, apesar da recessão, a transformação

Copenhague:

por Ed Miliband

Independentemente dosucesso das negociações,

o mundo será muito diferenteaté o meio deste século.

(1) MetOffice – Organismo para previsão de condições mete-orológicas e de mudanças climáticas para o Reino Unido emundo (www.metoffice.gov.uk/(2) Gordon Brown – Primeiro-ministro britânico.

Ed Miliband, mestre em economia pelaLondon School of Economics, é o ministro deEnergia e Mudanças Climáticas do Reino Unido.

necessária do nosso sistema de energia é fac-tível. A questão é se teremos vontade políti-ca coletiva suficiente.

As apostas não poderiam ser mais altas paraa humanidade. Por isso, Gordon Brown (2) foio primeiro de 130 líderes a confirmar sua pre-sença em Copenhague.

Estamos entrando na segunda semana denegociação e ainda há muito a fazer. A essên-cia do acordo é clara. Ele precisa refletir aresponsabilidade do mundo industrializadopelo carbono que já foi emitido. Mas é impor-tante também olhar adiante as emissões quevirão do crescimento dos países emergentes.

Países industrializados devem concordar emdiminuir suas emissões. A União Europeia foia primeira a colocar uma oferta ambiciosa namesa. E nós agora temos ofertas substanci-ais dos maiores países desenvolvidos, comEstados Unidos, Japão, Noruega e Rússiaanunciando propostas.

As economias emergentes também precisamser claras quanto às ações que irão realizarpara evitar emissões de carbono. Isso já estáacontecendo: Brasil, China, Indonésia, Áfri-ca do Sul e a República da Coreia já anuncia-ram o que irão fazer.

Nossa tarefa em Copenhague é assegurar quetodas essas ofertas se combinem para colocaro mundo no caminho para manter o aquecimen-to global em menos de 2ºC. Juntos, precisamosesticar nossas ofertas e colocar mais na mesa.

O Reino Unido está fazendo o esforço. Fo-mos o primeiro país a definir metas de redu-ção com força legal, uma diminuição de 34%até 2020 em relação aos níveis de 1990 e umcorte de 80% até 2050. O Reino Unido ainda

fará mais como parte da União Europeia.Como o primeiro-ministro disse na terça-feira, estamos fazendo o possível para quea UE aumente sua oferta para 30%.

Países industrializados também precisamapresentar propostas de financiamento decurto e longo prazo para a criação de umfundo de ações para que o mundo em de-senvolvimento possa se adaptar às mudan-ças climáticas ou reduzir suas emissões.Essa quantia deve chegar a US$ 100 bi-lhões em 2020. Isso tem o potencial de le-var o crescimento de baixo carbono aospaíses pobres, tirando milhões da pobreza.Há muitos assuntos importantes a seremdiscutidos, mas no coração do acordo estáisto: os países desenvolvidos precisam re-duzir emissões, os emergentes devem agire o financiamento deve acontecer. A nãoser que isso seja acordado, haverá poucoprogresso em outras questões.

Para completar a escolha, um acordo políti-co entre os líderes mundiais em Copenha-gue deve levar a um acordo com força legalno mais tardar até meados de 2010.

Política, sempre nos lembra, é a arte do possí-vel. Sucesso em Copenhague precisa maisdo que isso. Precisamos reunir vontade polí-tica suficiente para expandir o reino do pos-sível. É isso que liderança política significa.

Está em nosso alcance, precisamosapenas segurar. ■

o ponto de viradapara o clima

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Se tratados entre quase 200 nações fos-sem realmente decisivos, o mundo esta-

ria muito mais seguro do que ao término daGuerra Fria. Porém, já são 40 os países compotencial nuclear, embora não passassem demeia dúzia quando foi adotado o Tratado deNão Proliferação de Armas Nucleares (NPT).Que chegou a ter 187 adesões até a retiradada Coreia do Norte, em 2003.

“Mutatis mutandis”, a Convenção-Quadrodas Nações Unidas sobre Mudanças Climá-ticas (UNFCCC) tem 189 países signatários,mas também não passam de 40 os responsá-veis por mais de 90% das emissões de carbo-no. E praticamente todos estão no G20, amelhor instância de governança global, quejunta 15 das maiores economias do mundoàs 27 da União Europeia, além da participa-ção ex-officio do FMI e do Banco Mundial.

Então, se o G20 foi incapaz de chegar a umacordo sobre o regime climático a vigorarem 2012, pouco se pode esperar da algara-via que rábulas de 196 nações promoverãoem Copenhague de 7 a 18 de dezembro.

Pior: mesmo na hipótese da mais grata sur-presa, o precedente da ameaça de um inver-no nuclear permite supor que ela não impe-diria o longuíssimo verão carbônico decor-rente da dependência de energias fósseis.

Prognóstico pessimista? Muito pelo contrá-rio. Ele só realça que os vetores dos proces-sos geopolíticos reais vão muito além de acor-dos globais. A biosfera não teria sobrevividose dependesse só de respeito ao velho NPT.De modo similar, a descarbonização continu-ará por outras razões, seja qual for o desfe-cho da cúpula climática de Copenhague.

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por José Eli da Veiga

Os vetores daO rumo da descarbonização global será influenciado pelas viasque forem abertas para que os países do Segundo Mundo nãosejam dependentes de perversas transferências de tecnologia.

A predisposição a se engajar na transiçãoao baixo carbono tem sido primordialmen-te determinada pela preocupação de cadanação com a sua própria segurança ener-gética e pela confiança que pode ter emsua capacidade científico-tecnológica paraaproveitar as oportunidades já vislumbra-das da próxima onda longa de desenvolvi-mento do capitalismo.

Processo cada vez menos influenciado pe-los setores econômicos e segmentos soci-ais que serão perdedores com o inexorávelencarecimento da emissão de carbono.Algo que parece valer para todos, inclusi-ve para os grandes emissores da semiperi-feria, como é o caso do Brasil.

Todavia, ao contrário do que ocorre no Pri-meiro Mundo, os chamados emergentes nãotêm como confiar na geração própria dasinovações necessárias à descarbonização.Por isso, ainda vêm nessa transição maissacrifícios ao seu crescimento econômicodo que possíveis vantagens competitivasem novos negócios e novos mercados.

A ressalva é importante, pois, dos 20 paísesque mais contribuíram em termos absolutospara o aumento de 60% das emissões glo-bais de 1980 a 2006, entre 12 e 15 são emer-gentes, a depender de como se classifiqueos tigres Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura.Somente cinco são indiscutivelmente dopequeno clube dos ricos: Estados Unidos,Japão, Austrália, Espanha e Canadá.

Por isso, o que mais influenciará o rumo dadescarbonização global serão as vias queforem abertas aos países desse SegundoMundo para que não fiquem na dependên-cia de perversas transferências de tecno-logia. Que possam, ao contrário, se benefi-ciar de esquemas de cooperação na mon-

tagem de seus próprios sistemas de ciên-cia, tecnologia e inovação.

A China tem mostrado muita clareza sobreessa prioridade, principalmente em seus en-tendimentos bilaterais com os EUA. Certa-mente devido à sua imensa dependência docarvão e por precisar muito da energia nucle-ar, busca saídas das mais pragmáticas parauma equação energética muito difícil de serresolvida em uma sociedade cuja economianão pode crescer menos de 8% ao ano.

Ao contrário do Brasil, onde a evolução daatitude governamental só evidencia a au-sência de estratégia nacional. Em grandeparte resultante do comodismo induzidopor uma das mais limpas matrizes energéti-cas do mundo. E também, é claro, por di-vergências ministeriais que refletem cliva-gens entre os segmentos mais organiza-dos da sociedade civil.

Muito outros argumentos em favor dessatese – de que pouco importa o desfecho daCOP 15 para a transição ao baixo carbono –estão no livro “Mundo em Transe: Do Aque-cimento Global ao Ecodesenvolvimento”, aser lançado na Livraria Cultura (São Pulo)exatamente no início do segundo tempo dapelada de Copenhague: dia 14/12. ■

José Eli da Veiga – Professor titular da Facul-dade de Economia (FEA) e orientador do Pro-grama de Pós-Graduação do Instituto de Rela-ções Internacionais (IRI) da USP; pesquisadorassociado do “Capability & Sustainability Cen-tre” da Universidade de Cambridge. Autor dolivro “A Emergência Socioambiental” (Senac,2007) e co-autor, com Lia Zatz, de “Desenvol-vimento Sustentável, que Bicho É Esse?”. Arti-go publicado no jornal VALOR (09/06/2009).Recomendamos visita à página do autor na web:www.zeeli.pro.br

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1descarbonização

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