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14/08/2019 Byung-Chul Han. Ensaísta feroz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
www.ihu.unisinos.br/78-noticias/578000-ensaista-feroz 1/9
21 Abril 2018
Agudos, profundos e com uma ponte de arrogância, ensaios de filósofo coreano
fornecem chaves para compreender o nosso tempo.
O comentário é de Paula Sibilia, publicado por Revista Quatro cinco um, nº.10, abril de 2018.
Paula Sibilia é antropóloga, ensaísta e pesquisadora argentina residente noRio de Janeiro, dedica-se ao estudo de diversos temas culturais contemporâneos
sob a perspectiva genealógica, contemplando particularmente as relações entre
corpos, subjetividades, tecnologias e manifestações midiáticas ou artísticas.
Também é mestre em Comunicação (UFF), doutora em Saúde Coletiva (IMS-
UERJ) e em Comunicação e Cultura (ECO-UFRJ), e professora na Universidade
Federal Fluminense (UFF).
Eis o artigo.
Byung-Chul Han. Ensaísta ferozByung-Chul Han. Ensaísta feroz
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Byung-Chul Han. A Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini
Vozes • 136 pp • R$ 24
Agudo decifrador das calamidades do presente, Byung-Chul Han é também, ele
próprio, um fenômeno de nossa época. O autor dos dois livros aqui resenhados
não se parece com o clássico intelectual europeu, tampou co com o acadêmico
que profere seus saberes desde o púlpito de uma renomada universidade
estadunidense. A sua peculiaridade, contudo, não se restringe ao exotismo de ser
asiático e ter um nome impronunciável para boa parte dos ocidentais, mas se
concentra sobretudo no seu estilo inconfundível e – em vários sentidos –
absolutamente contemporâneo.
Nascido em Seul, em 1959, Han tinha pouco mais de vinte anos e es tudavametalurgia quando resolveu emigrar para a Alemanha, onde se doutorou em1994 com uma tese sobre Heidegger. Em seguida, fez uma carreira meteórica,
passando pelas universidades de Base) e Karlsruhe, até que, em 2012, seestabeleceu como professor em Berlim. Desde então, assinou quase duasdezenas de livros, muitos dos quais tiveram enorme sucesso e chamaram a
atenção de editoras do mundo inteiro, o que resultou em traduções para
múltiplas línguas e uma inusitada repercussão global.
A grande guinada aconteceu com A
sociedade do cansaço, de 2010, um dos
títulos agora publicados em português,
assim como A sociedade datransparência, cuja edição originaldata de 2012. Outros ensaios lançados
por Han nos últimos anos foramTopologia da violência (2011), Noenxame: reflexões sobre o digital(2013), A agonia de Eros (2014),Psicopolítica (2014), A salvação dobelo (2015) e A expulsão dodiferente (2016).
São muitas as características comuns a
todas essas obras, a começar pela
temática: o foco sempre recai sobre
certas mazelas demasiadamente
contemporâneas. Por exemplo, o fastio
do burburinho nas redes sociais; ailusão de autonomia profissional
camuflando uma "autoexploração"
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/575924-hoje-o-individuo-se-explora-e-acredita-que-isso-e-realizacaohttp://www.ihuonline.unisinos.br/edicao/185http://www.ihu.unisinos.br/170-noticias/noticias-2014/534128-a-sociedade-do-cansacohttp://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565264-uberizacao-do-trabalho-subsuncao-real-da-viracao
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camuflando uma autoexploração
cada vez mais depressiva pelo bom desempenho; a falta de tempo para a
contemplação e a reflexão na correria consumista; a dificuldade para serelacionar com os outros numa sociedade marcada pelo narcisismo.
Violência da positividade
"Vivemos numa época pobre de negatividade", eis um dos principais argumentos
de A sociedade do cansaço. Isso não teria impedido, porém, odesenvolvimento de formas peculiares ele violência, mais sutis e invisíveis,próprias de "uma sociedade permissiva e pacificada". Assim, contrariamente ao
que ocorria algum tempo atrás, essa violência ela positividade que hoje impera
"não é privativa, mas saturante; não excludente, mas exaustiva". Sob lemas
como o famoso "Yes, we can", ao qual poderíamos acrescentar outros como "justdo it" ou "porque eu mereço", Byung-Chul Han parece acer tar em cheio: "Nolugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação".
Todo esse estímulo positivo, porém, cansa: "A sociedade do desempenho produz
depressivos e fracassados". O paradoxo é complicado, pois, ao acreditarmos que
nos libertamos de todas as opressões que vinham de fora, vemo-nos enredados
em coações auto destrutivas que são altamente eficientes, entre outros motivos
"porque a vítima dessa violência imagina ser alguém livre".
Já em A sociedade datransparência, o autor arremetecontra a mania de exposição que hoje
também abunda, e que estaria
igualmente afiliada a essa tola
positividade sem sombras nem
relevos. "Tudo deve tornar-se visível;
imperativo da transparência coloca
em suspeita tudo o que não se
submete à visibilidade", constata.
Quando a informação e a
comunicação penetram por toda
parte, sem deixar margem alguma ao
mistério, destrói-se algo primordial
para os relacionamentos humanos: a
confiança. "A intensa exigência por
transparência aponta precisamente
para o fato de que o fundamento
http://www.ihu.unisinos.br/563838-privacidade-mercadoria-de-luxo
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Byung-Chul Han. A Sociedade da transparência. Tradução de Enio Paulo Giachini
Vozes • 120 pp • R$ 20
p q
moral da sociedade se tornoufrágil", após o declínio de valores
outrora bastante prezados como a
honestidade e a sinceridade. Assim,
vivemos numa "sociedade da desconfiança e ela suspeita que, em virtude do
desaparecimento da confiança, agarra-se ao controle".
Sem desconhecer a sagacidade nem a ousadia que emanam desses oportunos
lampejos, também é necessário admitir que Han está longe ele ser o únicoensaísta a oferecer uma visão descarnada e lúcida dos modos de vida mais
habituais na atualidade. Inúmeros autores vêm se dedicando, há décadas, a
estudar esses assuntos; alguns dos quais inclusive comparecem – de modo
explícito ou implícito – nos textos de Han. Por isso, a chave de seu atípicosucesso provavelmente resida em outra parte: no formato em que ele se
expressa, que sem dúvida é singular e vale a pena esmiuçar.
Todos os seus livros são pequenos e breves: poucas páginas, num tamanho que
cabe no bolso – tanto por sua leveza como por seu preço – e uma apresentação
gráfica convidativa, com letras grandes e reconfortantes espaços em branco. Os
títulos seduzem pela contundência, são chamativos e eficazes por prometerem
algo que de fato não escamoteiam: a tentação irresistível de um diagnóstico
rápido e preciso sobre a confusa complexidade do mundo atual.Pontilhadas por vários subtítulos igualmente atraentes, as páginas fluem
disparando frases ágeis e incisivas, por vezes extremamente assertivas, que
parecem surgir do papel como rajadas de uma metralhadora.
A escrita de Byung-Chul Han não é particularmente bela, elaborada ouvigorosa. Sem se preocupar com as firulas da graça literária nem com a
originalidade de uma voz própria no sentido estético, ele prioriza o impacto das
agulhas que são expelidas uma após a outra, misturando alusões que remetem às
vivências cotidianas com citações de prestigiados filósofos, artistas e cientistas
sociais. Assim, fica sempre esboçada uma certa verdade sem fissuras ou
atenuantes, que, embora costume ser terrível, não deixa de produzir um efeito
"tranquilizador" no leitor ao providenciar uma compreensão total do quadro sob
análise.
Ferocidade crítica
Nesse sentido, cabe destacar a sua afi nidade não só teórica mas também
estilística com Jean Baudrillard, o ensaísta francês que brilhou nos anos 80 e 90
com vários best sellers sobre as transformações históricas que estavam
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=742&secao=211
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com vários best-sellers sobre as transformações históricas que estavamocorrendo naquela época. De fato, ele é um dos autores mais citados por Han, etambém um dos que mais se salvam de sua ferocidade crítica.
Porque uma das marcas do ensaísta coreano é, precisamente, a curiosa relação
que ele tece com seus inter locutores ou referentes bibliográficos. Em muitos
casos, talvez em virtude da celeridade do seu pensamento, conceitos alheios são
mobilizados sem dar o devido crédito a seus autores; em várias ocasiões, porém,
esse reconhecimento só se efetua para apontar os "erros" ou a insuficiência do
trabalho dos outros; lacunas que ele, a seguir, se ocupa de ressarcir.
Giorgio Agamben, Alain Ehrenberg, Roberto Esposito, Richard Sennett e atéHannah Arendt e Michel Foucault, por exemplo, são acusados de serem "pouco
convincentes" em algum ponto, de "não se darem conta" ou "não conseguirem
captar" alguma coisa, de "tirarem conclusões equivocadas" ou terem "passado
por alto" algo fundamental. Em seguida, ele se encarrega de "corrigir" esses
deslizes. Assim, em vez de festejar a gloriosa possibilidade de pensar junto,
agradecendo com generosidade e elegância as trocas polifônicas que sempre
subjazem nessa atividade, aqui comparece um certo páthos competitivo enarcísico, que também não deixa de ser extremamente atual.
Poderia se tratar de· um detalhe menor, que revela uma arrogância mal contida
ou uma mesquinharia gulosa sem maior importância, mas o problema é que
muitas dessas acusações são injustas. Conta-se, portanto, com o
desconhecimento cúmplice ou desatento do leitor, que não recorrerá às fontes
para conferir essas supostas falhas dos autores alvejados e, na pressa, irá
endossar as teses de quem cantou por último e supostamente melhor – ou
gritando mais alto. Uma aposta que também parece mais alinhada com a
dinâmica hoje triunfante das redes sociais, com seus códigos emprestados doespetáculo midiático e do mercado, do que com os velhos rituais da "cidadeletrada".
O caso mais impressionante é o de Gilles Deleuze. Evidentemente, Han seapropria do conceito de "sociedade de controle" cunhado pelo filósofo francês
em 1990, a ponto de usar essa expressão como título para o último dos nove
capítulos de seu livro A sociedade da transparência. Contudo, não hámenção alguma a esse trabalho ao longo dos dois livros aqui resenhados. A única
ocasião em que o nome de Deleuze aparece referenciado é num rodapé do sextocapítulo de A sociedade do cansaço, dedicado ao Caso Bartleby, parailustrar o que ele considera com desdém “uma das diversas Interpretações
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A leitura de Han é uma aventura vertiginosa, da qual é
possível extrair pistas valiosas para enxergar o presente,
apesar do 'excesso de positividade'
Tweet
metafísicas ou tecnológicas” do célebre relato de Melville.
Quanto às contribuições do filósofo para as suas próprias teorias sobre a
sociedade contemporânea, que são óbvias e sem dúvida muito fecundas, eleas despacha nas páginas iniciais desse mesmo livro com duas enigmá ticas
sentenças e sem sequer nomear o autor. "Também aquele conceito de
'sociedade de controle' não dá mais conta de explicar aquela mudança",garante Han, e em seguida proclama o singelo motivo: "Ele contém sempre
ainda muita negatividade".
Byung-Chul Han já foi apelidado de "filósofo virai", por constituir umfenômeno raro entre os autores desse gênero, comparável, portanto a outros
poucos colegas como Zygmunt Bauman ou Slavoj Zizek. Neste caso, po rém, o
mote parece ainda mais adequado, talvez por pertencer a uma geração mais
recente e, nesse sentido, ter uma sintonia mais afinada com o espírito do século
21. O fato é que tan to a sua figura como a sua obra são sintomáticas do
panorama que ele mesmo descreve. Por isso, ao ler seus veredictos sobre as
misérias da vida atual, às vezes tem-se a impressão de que o autor está também
se referindo a seu próprio modo de pensar e escrever. "A complexidade retarda a
velo cidade da comunicação", assevera em A sociedade datransparência; por isso, "a hipercomunicação anestésica, para acelerar-se,reduz a complexidade".
Ler os livros de Han consiste, portanto, numa aventura vertiginosa, da qual épossível extrair muitas pistas valiosas para enxergar o presente e tentar intervir
nele. Se seus textos sofrem do tal "excesso de positividade" que ele denunciacom tanto afinco – pois as suas afirmações são tão categóricas que repelem
qualquer obstáculo ou vacilação –, isso pode até ser um valor agregado nessa
travessia da leitura.
O vazio deixado pelas antigas certezas é, também, uma causa frequente de
sofrimento na contemporaneidade, e as prateleiras estão cheias de
https://twitter.com/intent/tweet?text=A%20leitura%20de%20Han%20%C3%A9%20uma%20aventura%20vertiginosa,%20da%20qual%20%C3%A9%20poss%C3%ADvel%20extrair%20pistas%20valiosas%20para%20enxergar%20o%20presente,%20apesar%20do%20%27excesso%20de%20positividade%27%20http%3A%2F%2Fwww.ihu.unisinos.br%2F578000-ensaista-feroz+via+%40_ihuhttp://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/565065-a-utopia-foi-privatizada-afirmou-zygmunt-bauman-em-entrevista-ineditahttp://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/572165-a-catastrofe-inevitavel-artigo-de-slavoj-zizek
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soluções prontas para preencher essa ausência. Os livros fazem parte des se
arsenal, mas eles talvez sejam os remédios com efeitos colaterais mais
imprevistos e perigosos de que dispomos, sobretudo para aqueles que gostam de
sondar entrelinhas.
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