drogas: mitos desfeitos
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Pesquisa FAPESP - Ed. 52TRANSCRIPT
A TRANSFORMAÇAO DO MUNDO RURAL
UMA PUBLICA~ÃO MENSAL DA fUNDA~ÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
SUPLEMENTÓ ESPECIAL SOO ANOS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL
14 Pesquisa domiciliar realizada pela Universidade Federal de São Paulo nas maiores cidades paulistas concluiu que o álcool e o cigarro são ainda as drogas mais consumidas e o seu uso ocorre cada vez mais cedo
32 A Clorovale tornou-se a pnmeua empresa da América Latina a produzir diamante sintético para aplicações industriais diversas. A empresa, no âmbito do PIPE, já está utilizando esses diamantes em brocas de uso odontológico
42 O ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, explica os novos mecanismos de financiamento do sistema nacional de pesquisa
Capa e ilustração: Hélio de Almeida
26 O gás carbônico retirado da atmosfera pela recuperação natural de áreas desmatadas é bem menor do que se pensava, o que
agrava ainda mais os efeitos do desmatamento. Esta é a conclusão de estudo realizado por
pesquisadores do Inpe, em Rondônia
EDITORIAL 5 MEMORIAS 6 OPINIÃO 7 CIÊNCIA 8 TECNOLOGIA 32 POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA 40 HUMANIDADES 48 LIVROS 56 LANÇAMENTOS 57 ARTE FINAL 58
45 Pesquisadores da rede ONSA vão seqüenciar o genoma da Xylella fastidiosa causadora do mal de Pierce, que ataca as videiras da Califórnia. Pesquisadores norte-americanos participarão dos trabalhos de análise
48 O meio rural brasileiro está mudando, com a consolidação de atividades urbanas e de lazer em áreas antes ocupadas pela agricultura tradicional
PESQU ISA FAPESP · ABRIL DE 1000 • 3
PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE
PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE
CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO
FLÁVIO FAVA DE MORAES JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO
MOHAMED KHEDER ZEYN PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO
RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN
CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI
DIRETOR PRESIDENTE
PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO
PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO
EQUIPE RESPONSÁVEL
CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI
PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ
EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA
EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS
EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA
EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIA) CARLOS HAAG (HUMANIDADES)
MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (TEXTO)
DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÃFICA T ÀNIA MARIA DOS SANTOS
COLABORADORES ADILSON AUGUSTO
CLÁUDIA IZIQUE GERALDO MAYRINK LUCAS ECHIMENCO
MARIA APARECIDA MEDEIROS LIMA MARTA GÓES
MAURO BELLESA SIMONE BIEHLER MATEOS
THEREZA L. O. DE ALMEIDA ULISSES CAPOZOLI
WAGNER DE OLIVEIRA
SUPLEMENTO ESPECIAL SOO ANOS DE CI~NCIA ETECNOLOGIA NO BRASIL
FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN
TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES
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SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
4 · ABRil DE 2000 • PESQUISA FAPESP
CARTAS
Patentes
Nossos parabéns à FAPESP pela atenção que vem sendo dada à proteção da propriedade intelectual. Destacamos a qualidade da reportagem sobre esse tema, contida na revista de janeiro/fevereiro, e do conteúdo do encarte "Patentes", na mesma revista, ambos resultantes da reunião ocorrida na FAPESP. Esperamos que a FAPESP continue incentivando e centralizando as discussões nessa área.
PROF. DR. ANTONIO CARLOS MASSABNI
Diretor de Fomento à Pesquisa da Fundunesp- Fundação para o
Desenvolvimento da Unesp- São Paulo, SP
Revista
Somos docentes e pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais e/ou representantes do Departamento de Ciência e Tecnologia da Associação dos Professores Uni versitários de Belo Horizonte (Apubh) e da SBPC/Minas. Gostaríamos de receber exemplares da revista Pesquisa FAPESP, em especial a edição N° 48, de novembro de 1999. Antecipamos que a repercussão de artigos contidos na citada edição tem muito contribuído para alertarmos o governÓ de nosso Estado sobre o importante papel das FAPs no desenvolvimento científico-tecnológico dos Estados.
ANDR~A MARA MACEDO
Secretária adjunta da SBPC/Minas
FLAVIA PLENTZ
Representante Apubh
GLORIA R. FRANCO
coordenadora do Projeto Genoma do Schistosoma mansoni
MICHELYNE S. c. FARIA
estudante de pós-graduação em Genética Belo Horizonte, MG
Tenho recebido sistematicamente a revista Pesquisa FAPESP. Gostaria de parabenizá-los pela qualidade da publicação e sua nova apresentação. Mais uma vez a FAPESP demonstra sua capacidade, leveza e versatili-
dade, agora no nível de sua publicação mensal.
Prof. Dr. Antônio Carlos Bernardo Assessoria Especial da Reitoria da Unesp
São Paulo, SP
Gostaria de ter algumas informações sobre a revista Pesquisa FAPESP. Sou aluna da pós-graduação da Unesp de Bauru e, em uma das disciplinas, o professor responsável indicou que os alunos procurassem receber a revista para posterior uso em sala de aula.
SILVIA GIGLIOLI,
Bauru, SP
Sou pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos, atuando na área de visualização científica. Gostaria de receber a excelente revista Pesquisa FAPESP, publicada pela Fundação.
ENI A. OLIVEIRA
São José dos Campos, SP
Se possível gostaria de receber Pesquisa FAPESP e Notícias FAPESP. Sou funcionária do Hospital das Clínicas e tais publicações muito me interessaram, ao ler exemplares recentemente.
MARIA LU!SA BARCA GAZETTA
São Paulo, SP
A publicação Notícias FAPESP surgiu em 1996, como um pequeno house organ, de 4 páginas, com informações da FAPESP para os pesquisadores. Com periodicidade mensal, foi, ao longo dos anos, aumentando o número de páginas e a tiragem e modificando o conteúdo editorial e o projeto gráfico. A publicação teve o nome Notícias FAPESP até a edição 47, de setembro de 1999. A partir da edição seguinte, o seu nome foi mudado para Pesquisa FAPESP.
CORREÇÃO O título da reportagem sobre o
cientista Carlos Chagas Filho, página 17 da edição passada, foi publicado de maneira incorreta. O título correto é: Fé e ciência conciliadas.
EDITORIAL
Repondo as coisas em seus termos justos
A pesquisa científica, com freqüência, derruba idéias preconcebidas
Existe hoje uma impressão generalizada de que o consumo de drogas ilegais no país, especialmente entre as faixas mais jovens da po
pulação, atinge índices de um dramático flagelo social. Mas, ainda que seja justa a preocupação com o consumo, dados os pesados dramas individuais e as mazelas sociais que ele aciona, e ainda que se conclua que o Estado deveria enfrentar o tráfico das drogas ilegais com ações muito mais efetivas do que aquelas de que tem se vali-do, dado seu efeito devastador so-bre o tecido social e mesmo para a economia, é necessário registrar que:
colas que pressupõe, como o demonstra, por exemplo, o crescimento do setor de serviços e da renda dele decorrente, nesse universo.
De certo modo, destina-se igualmente a provocar alguma turbulência em convicções instituídas - por exemplo, a de que não se pode falar em contribuições brasileiras à ciência antes do século 20 -,o suplemento especial desta edição sobre 500 anos de ciência e tecnologia no Brasil. É claro que
ele tem um sentido de comemora-ção, que é mais uma peça entre as muitas que foram e estão sendo produzidas em homenagem a esses
considerando-se parâmetros internacionais, e extrapolando para o país a situação de São Paulo, é baixo o consumo das drogas ilegais no Brasil. É bem menor que o consumo dessas drogas nos Estados Unidos, por exemplo. Já, de fato, alarmantes, são os índices de consumo de drogas legais, como o álcool e o fumo.
"Alarmantes,
de fato,
cinco séculos de uma história que fez do Brasil o país que ele é hoje. Mas alinha-se entre aquelas que, independentemente de uma roupagem mais ou menos formal, mais ou menos sofisticada, querem provocar reflexão e são passíveis de serem aprofundadas, desdobradas.
são os índices
de consumo
Essas são revelações do estudo que é tema de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, baseado num le-
de drogas legais:
álcool e fumo" Finalmente, como tem ocorrido
sistematicamente nas edições mais recentes de Pesquisa FAPESP, por força da impressionante dinâmica do pro
vantamento feito nas 24 maiores cidades do Estado de São Paulo e que já forneceu a seus autores ma-terial suficiente para um livro, com lançamento programado para o mês de maio. Os pesquisadores pretendem ampliar o estudo para todo o país, providência que poderá se mostrar extremamente útil para fornecer novas bases empíricas às políticas relativas às drogas e até para corrigir falsas impressões difundidas na opinião pública.
Pesquisa FAPESP também concede um bom espaço a outra importante pesquisa cujos resultados subvertem algumas noções do senso comum. Trata-se do projeto Rurbano, um extenso estudo sobre o mundo rural brasileiro, que já foi algumas vezes objeto de reportagens na imprensa nacional, mas que continua avançando na análise do processo de transformação sócio-econômica do chamado campo, para mostrar que cada vez menos rural e agrícola são equivalentes no Brasil. O rural é, na verdade, muito maior que as atividades agrí-
. grama Genoma patrocinado por esta fundação, voltamos a publicar, neste número, matérias dando conta dos
avanços obtidos nesse front no caso, nos projetos Genoma Humano do Câncer, Genoma-Cana e até mesmo no já concluído projeto da Xylella fastidiosa -porque, graças à expertise acumulada, os pesquisadores da ONSA foram convidados a seqüenciar, junto com colegas norte-americanos, o genoma de uma variante dessa bactéria que afeta as videiras da Califórnia. Mas não poderíamos deixar de registrar na seara da genômica os resultados da pesquisa feita em Minas Gerais, e altamente significativa para o país, sobre o padrão genético dos brasileiros brancos (de fato, fortemente índios). E para concluir: de última hora, chegou-nos a informação de que a Nature publicará brevemente o artigo científico dos pesquisadores brasileiros sobre o genoma da Xylella fastidiosa. A solução editorial foi incluir uma linha sobre isso na notícia que dá conta da parceria com os Estados Unidos, provocada pela X. fastidiosa.
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 5
MEMÓRIAS
Os cem anos de Manguinhos Instituição revolucionou o jeito de enfrentar os problemas de saúde pública
Cidades vivendo epidemias, portos insalubres que afastavam navios de bandeira estrangeira, hospitais lotados de doentes. Era assim que o Brasil entrava no século 20. Criada em 25 de maio de 1900 como Instituto Soroterápico Federal, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi a resposta
encontrada pelo govv€e:r:n:o _ _ !5~~~~~· para a caótica ,. situação da saúde pública. De produtor de vacinas nos primeiros anos de funcionamento, a Fiocruz, que está completando o pnme1ro centenário, passou a dedicar-se à pesquisa e à medicina experimental, trazendo para o Brasil as novidades consagradas na Europa da revolução pasteuriana, com a sua definição do papel dos micróbios na transmissão de doenças. O sanitarista Oswaldo Cruz, diretor a partir de 1902, foi o principal articulador dessa política que usava os conhecimentos da microbiologia em saúde pública. Ele pôs em prática memoráveis campanhas de saneamento, principalmente no Rio de Janeiro, livrando a cidade de surtos e epidemias. Em 1904, enfrentou oposição da imprensa e de setores da sociedade até explodir a "Revolta da Vacina': levante popular contra a vacinação antivariólica. Tempos depois, a erradicação da varíola
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Manguinhos no início do sécu lo. À esq., O swaldo Cruz
Carlos Chagas em exped ição pelo interior
do país, em 191 2
por meio da imunização mostrou que Oswaldo Cruz estava certo. Em sua homenagem, Manguinhos foi rebatizado, em 1908, como Instituto Oswaldo Cruz. Nas anos seguintes, os cientistas da Fiocruz, com Oswaldo Cruz e Carlos Chagas à frente, voltaram a se destacar através de expedições científicas ao interior do país. Nas décadas de 50 e 60, a Fiocruz defendeu a criação do Ministério da Ciência. Mas o governo priorizava a produção de vacinas e a polêmica acabou gerando, em abril de 1970, o chamado "Massacre de Manguinhos", a aposentadoria e a cassação de dez dos mais renomados
~ cientistas da instituição u
g pelo regime militar. A trajetória da Fiocruz foi marcada por importantes contribuições científicas. A descoberta da doença de Chagas, em 1909, por Carlos Chagas, foi uma das mais destacadas. Outro avanço foi a descoberta do tratamento das leishmanioses por Gaspar
Vianna, em 1910, que mudou o prognóstico dessa doença que matava de 70% a 90% dos infectados. A identificação do micróbio causador de um tipo de tifo e a descrição por Adolpho Lutz do fungo causador da paracoccidioidomicose, ou mal de Lutz, são outras contribuições. O trabalho da Fiocruz não se limitou à saúde pública. Em Manguinhos, descobriu-se o inseto responsável pela broca do café e o uso pioneiro do controle biológico dessa praga. Os cientistas da Fiocruz também foram os primeiros a isolar no país os vírus da hepatite A, da Aids e da dengue.
OPINIÃO
JOSÉ GALIZIA TUNDISI
Novas perspectivas e desafios Os fundos setoriais para a pesquisa podem transformar o país
A recente criação, pelo governo federal, de um conjunto de fundos setoriais para o desenvolvimento científico e tecnológico, sem dú
vida deverá ter um impacto positivo extremamente importante na ciência e tecnologia do Brasil. Após quase 50 anos de um sistema de apoio à ciência e tecnologia, que começou formalmente em 1951, com a implementação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), da FAPESP, em 1961, e da Finep, em 1973, o Brasil passa por uma fase de transição na formulação de políticas públicas de apoio ao desenvolvimen-to com base em ciência e tecnologia.
A criação dos fundos setoriais deve resolver um dos problemas mais cruciais do financiamento, que é a falta de continuidade e a instabilidade na alocação de recursos para o fomento à C&T. Quando na presidência do CNPq, procurei resolver esse problema, implementando ações conjuntas com algumas Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais e elaborando projetas nas áreas de Saúde, Meio Ambiente e Agricultura, para comparti-
lhá-los com os vários setores dos respectivos Ministérios.
Outro destaque importante da criação dos fundos setoriais é a clara
A constituição desses fundos sinaliza que o governo federal considera estratégico o apoio à ciência e tecnologia, à ampliação da capacidade de produzir conhecimento e à aceleração das interações universidadeindústria com o apoio decisivo à inovação. É também auspicioso assinalar que o apoio à infra-estrutura está contemplado nesse esforço.
"A medida definição de prioridades, o que deve acelerar o desenvolvimento de algumas áreas estratégicas, como Saúde, Agricultura, Energia e Recursos Hídricos, entre outras.
sinaliza que o
governo federal Há, atualmente, um número
crescente de Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais que estão se consolidando, o que permitirá efetiva mobilização de recursos com-
considera
estratégico o
apoio à C&T " A produção científica do Brasil
foi a segunda maior no período de 1995 a 1998 entre 34 países pesqui-sados pelo SCI. Em 1998, o Brasil já ocupava o 21 o lugar na produção de conhecimento (com base no número de artigos científicos e técnicos publicados- dados do SCI 1999). O sistema de formação de recursos humanos constitui um respeitável conjunto de bolsas de várias categorias. Esse sistema não tem paralelo na América Latina, e é citado como exemplo em muitos países.
Todas essas conquistas são importantes, mas não são suficientes para o desenvolvimento do Brasil. É necessário ampliar a base quantitativa do sistema, consolidar centros de excelência e estimular em grande escala a interface universidade-indústria. Também há problemas de disparidades regionais que necessitam de solução adequada e de longo prazo. O conjunto de fundos deve, também, dar condições para uma melhor integração entre os vários programas existentes no país em nível federal e estadual.
. partilhados, para resolução de problemas em nível regional.
O grande desafio que esses fundos devem promover é um sistema moderno e dinâmico, adequado de
administração e revisão, com apoio decisivo da comunidade científica, tecnológica e empresarial qualificada e implantação de mecanismos eficientes e inovadores do peer-review system, que deve ser o pilar do processo. Os fundos são excelente notícia e podem acelerar a transformação do País, consolidando os ganhos já realizados na área de ciência e tecnologia e promovendo novos patamares de desenvolvimento econômico e social para o Brasil.
]OSÉ GALIZIA TUNDISI foi presidente do CNPq (1995-
1998) e é atualmente secretário Municipal de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Car
los e presidente do Instituto Internacional de Ecologia
em São Carlos.
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 • 7
CIÊNCIA
BIOLOGIA MOLECULAR
Genoma Câncer amplia metas Projeto dobra o número de seqüências e antecipa prazo de conclusão
O projeto Genoma Humano do Câncer - iniciado em março
do ano passado com financiamento da FAPESP em parceria com o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer- vai dobrar o número de seqüências de regiões importantes do genoma humano que pretende identificar. Estipulada inicialmente em 500 mil até abril de 2001, a meta agora é atingir 1 milhão, em um prazo me-
nor - até o final deste ano. Para chegar lá, os 30 laboratórios em operação devem ganhar reforços, tanto na equipe, hoje de 150 pesquisadores, quanto nos equipamentos, e outros centros de seqüenciamento podem ser incorporados ao projeto. Pretende-se também tornar ainda mais eficiente a identificação de genes, uma etapa crucial do trabalho, realizada nos centros de bioinformática.
O Genoma Humano do Câncer deve ganhar também as primeiras aplicações práticas, por meio do subprojeto Genoma Clínico do Câncer, sujeito aos ajustes finais mis próximas semanas. Essa nova vertente do trabalho vai se abrir à participação de
No coração dos genes
médicos cujo conhecimento possa contribuir com o desenvolvimento de diagnósticos precoces e novos procedimentos terapêuticos, a partir das informações já disponíveis. De todo modo, os planos devem dobrar o orçamento do projeto, para o qual a FAPESP e o Instituto Ludwig destinaram cerca de US$ 1 O milhões. "É preciso responder à percepção de que há uma nítida oportunidade para dar uma contribuição relevante para o Genoma Humano e para o estudo do câncer", comenta José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP.
A expansão do projeto apóia-se em resultados. Sob a coordenação do Instituto Ludwig, os pesquisadores
O método Orestes faz o seqüenciamento de trechos das porções codificadoras -localizadas na região central dos genes - com alta densidade de informações
O O DNA e os genes
A maior parte do DNA éo ----chamado DNA nãocodificador, sem função definida
Os segmentos coloridos representam trechos de genes (exons) que vão se juntar para formar uma molécula de RNA mensageiro, que permite a síntese de proteínas
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8 O RNA mensageiro A partir do DNA, os organismos produzem moléculas de ácido ribonucléico mensageiro (mRNA), molécula intermediária entre o DNA que contém a informação genética e as proteínas que vão formar os organismos.
Há RNAs mensageiros diferentes em cada tecido ou fase do desenvolvimento biológico. O mRNA serve de molécula-molde para a geração das ESTs (Expressed Sequence Tags ou Etiquetas de Seqüências Expressas)
As regiões regulatórias (nas pontas) contêm informações que promovem a síntese de proteínas. Em geral, são ricas em adeninas e ti minas
A região codificadora contém as informações necessárias para a produção de proteínas. É a parte mais importante do gene. Tem de 2 mil a 3 mil nucleotídeos, com uma alta densidade de
A ponta 5' é formada por cerca de 300 nucleotídeos
extremidades da região regulatória, a ponta 3', contém cerca de SOO nucleotídeos
Durante a síntese do mRNA, na ponta 3', são adicionadas de 200 a 600 adeninas, a cauda poli-A
atrelaram-se a um ritmo de trabalho altamente produtivo, que fez com que as metas fossem ultrapassadas. Até o início de maio, o grupo brasileiro deverá ter acumulado informações a respeito de cerca de 300 mil seqüências do genoma humano- os laboratórios produzem cerca de 2.500 novas seqüências por dia. Se, por uma fatalidade, o trabalho tivesse de parar no estágio em que se encontra, oBrasil já desfrutaria uma posição de destaque entre os primeiros grupos de estudo do genoma humano. Ainda não há um método consensual que peneire os genes dessa massa de informações, mas calcula-se que possa haver cerca de 45 mil genes no material já analisado, algo próximo da metade dos estimados 100 mil genes do genoma humano.
Câncer de mama - Estima-se que um terço das informações processadas sejam mundialmente inéditas.
O método tradicional
Portanto, há um material passível de patenteamento, que poderia assegurar a autonomia no desenvolvimento de novos diagnósticos ou medicamentos. No dia 6 de abril, seguiu para a filial do Ludwig em Londres a documentação necessária para a solicitação de patenteamento internacional do primeiro gene resultante desse projeto, a RNA helicase, descoberto no início de 1999, pouco antes da constituição do projeto conjunto com a FAPESP. Os autores do pedido de patente - o bioquímico Andrew Simpson, coordenador do projeto, e os biólogos Emmanuel Dias Neto e Anamaria Camargo - já haviam verificado que a RNA helicase tem uma expressão intensa em câncer de mama. Este ano, comprovaram que ele é único, sem similaridade com qualquer outro gene humano. É, sim, muito semelhante a um da moscade-fruta, a Drosophila melanogaster, cujo genoma completo - com 160
milhões de pares de bases e estimados 13.600 genes - foi apresentado no final de março por um grupo de pesquisadores do Instituto Médico de Howard Hughes e da empresa Celera Genomics, dos Estados Unidos. O acúmulo de evidências motivou os pesquisadores do Ludwig em São Paulo a trabalhar até chegar à seqüência completa do gene, com 1.889 nucleotídeos.
"Estou realmente entusiasmado com os resultados': observa Marcelo Bento Soares, pesquisador da Universidade de Iowa, dos Estados Unidos, e um dos integrantes do Steering Commitee, o comitê externo de avaliação. Soares, que esteve em fevereiro no Brasil, aponta cinco benefícios estratégicos propiciados pelo projeto brasileiro. Primeiro, a quantidade de dados relevantes para a comunidade científica mundial, "de modo como só os grandes projetos internacionais proporcionam". Segundo, o fato de o
O As etapas iniciais de seqüenciamento
Para gerar as ESTs, o seqüenciamento é feito a partir das extremidades das moléculas inseridas nos plasmídeos O O seqüenciamento
As moléculas de mRNA correspondem aos genes expressos em um dado momento Esses genes são seqüenciados após a síntese in vitro de moléculas de cDNA, (DNA complementar ao mRNA).
Os cDNAs são inseridas nos plasmídeos (DNA circular sintético, no qual é inserido o material que se pretende estudar) para a construção das bibliotecas de cDNA.
A diferença básica entre a metodologia tradicional e o Orestes é a construção das bibliotecas de cDNA
Bibliotecas tradicionais de cDNA são construídas a partir de poli-Ts (conjunto de timinas). Os poliTs permitem a síntese do cDNA completo, de ponta a ponta
O método Orestes
Para a construção das bibliotecas de cDNAs, a região inserida no plasmideo é a porção central dos RNAs mensageiros. Isso é possível porque, na etapa anterior (a síntese e amplificação de cDNAs) empregamse oligonucleotídeos (primers) sintéticos de seqüência aleatória de adeninas, timinas, citosinas e guaninas
Como a população de genes clonados reflete a de genes expressos, os genes mais freqüentes são seqüenciados repetidas vezes, dificultando a descoberta de genes raros. Se um gene foi eficientemente copiado em cDNA, as ESTs obtidas serão derivadas apenas das pontas 3' e 5'
Em Orestes, os oligonucleotídeos, com IS a 20 nucleotídeos, se ligam de modo parcialmente complementar às moléculas de mRNA e de cDNA durante a reação de transcrição reversa, quando o mRNA serve de molde para a síntese de cDNA
Como os primers não são ancorados nas extremidades dos RNAs mensageiros, é favorecida a síntese da porção central e mais informativa dos genes
Os plasmideos são retirados das bactérias e os fragmentos de cDNA são decodificados por meio de seqüenciadores de DNA, usando enzimas e nucleotídeos fluorescentes. A leitura no seqüenciador reconstitui a seqüência nucleotídica original
As reações de seqüenciamento geram trechos contínuos de 400 a 500 nucleotídeos
Fonte: Emmanuel Dias Neto, Instituto Ludwig
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 9
grupo "ter se proposto metas ambiciosas, que estão excedendo". O ter-
Genes raros e abundantes
ceiro ponto que ele destaca é a aproximação entre o Ludwig Brasil e internacional e a comu-
Distribuição de abundância de RNA mensageiro em uma célula
Abundância Cópia por N° de Abundância célula mRNA de cada
(média) por célula mRNA
Abundantes 12.000 < lO 3% nidade científica nacional, por meio da FAPESP. O quarto: a demonstração de que é possível coordenar grupos de instituições distintas, de modo bastante produtivo. E, por fim, o
Intermediários 300 soo <0,1%
Raros lO 11 .000 <0,004%
Fonte: Huang GM et ai, Prostate cancer expression profil ing by cDNA sequencing analysis, Genomics, 15 de Julho de 1999, p. 185
fato de a FAPESP ter tomado a liderança e proposto o desenvolvimento do programa, como já faz o National Institute of Health dos Estados Unidos, em vez de esperar a demanda dos cientistas. "Em breve, quando as seqüências do projeto brasileiro forem colocadas inteiramente à disposição da comunidade científica internacional, o impacto será grande", antecipa Soares.
21). O mapeamento do cromossoma 22 - apresentado com alarde por representar o resultado inaugural do Projeto Genoma Humano, um consórcio internacional de centros de pesquisa que pretende identificar os 23 cromossomas do genoma humano até 2002 - ganhou as páginas da revista Nature do dia 2 de dezembro de 1999. Assinado por 217 pesquisadores dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Japão, o artigo descreve 545 genes, quase a metade dos estimados 1.000 desse cromossoma.
O biólogo Sandra José de Souza, coordenador de bioinformática do Genoma Humano do Câncer, soube da preparação do artigo algumas semanas antes de sua publicação. Ao perceber que o cromossoma 22 era uma oportunidade para pôr em f>rá-
tica a metodologia empregada no projeto paulista, foi à luta. Chamou sua equipe do Ludwig e planejou o trabalho, que terminou ainda em dezembro, de modo gratificante. "Conseguimos identificar cerca de 100 genes que o resto do mundo não descobriu", festeja o pesquisador. Louve-se também o aproveitamento do material disponível. Segundo Souza, o reconhecimento de genes do cromossoma 22 baseou-se em apenas 100 mil seqüências, 15 vezes menor do que a base de da-
dos sobre a qual trabalhou a equipe do artigo da Nature.
Não se trata de seguir à sombra ou de ir contra o mundo- tanto que já se tem como certo que o projeto paulista, daqui para a frente, seguirá uma trilha internacional, a da busca e interpretação apenas dos genes transcritos ativos e de suas variantes, os chamados transcriptons. É uma forma de concentrar o trabalho nos trechos relevantes dos genes, os chamados exons, sem incluir as partes apenas estruturais, os íntrons, que não levam à formação de proteínas. Devem, portanto, residir nos transcriptons as informações mais importantes para entender a genética do câncer. "Interpretar os transcriptons é o atual desafio do mundo inteiro", diz Simpson.
Não deve tardar. Já estão em domínio público cerca de 65 mil seqüências e até junho o Ludwig deve completar 250 mil seqüências depositadas nos bancos internacionais de DNA, o que tornará a informação obtida no Brasil disponível para os centros de pesquisa do mundo todo. Essa providência não foi tomada antes- a despeito do compromisso inicial entre as instituições de pôr tudo no domínio público (uma posição reiterada em março pelo presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e semanas depois pelos cientistas da Academia Nacional de Ciências do Estados Unidos e da Real Sociedade de Londres) -porque se pretendia analisar um pouco melhor as descobertas.
A corrida pelo mapeamento
Achados no cromossoma 22 - A equipe que trabalha em São Paulo não apenas acompanha a corrida mundial do genoma humano, mas também tem encontrado novidades até mesmo em espaços percorridos por grupos de pesquisas internacionais. É o caso do cromossoma 22, o segundo menor entre os 23 do genoma humano (o menor de todos é o
I O • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP
Ainda não se pode dizer se o geneticista Craig Venter, presidente da empresa norte-americana Celera Genomics, entrou efetivamente para a h istória ao anunciar, no dia 6 de abril, a conclusão da primeira etapa do seqüenciamento do genoma humano: a leitura dos 3,5 bilhões de pares de nucleotídeos ou bases (adenina, timina, citosina e guanina) do genoma humano.
A notícia causou impacto no mundo todo, por indicar que a iniciativa privada poderia vencer a corrida para o seqüenciamento do
genoma humano, da qual participam, principalmente, instituições públicas de pesquisa. Mas ainda falta muito trabalho para identificar, nas bases já listadas, os cerca de 100 mil genes humanos, cada um deles com um arranjo único de cerca de 3 mil nucleotídeos. Os genes ocupam apenas 3% da molécula de DNA, constituído quase integralmente por regiões sem funções definidas, prováveis resquícios evolutivos do genoma humano.
Segundo os especialistas, o que Venter fez até agora pode ser com-
No início de abril, ao encontrar-se com os coordenadores dos laboratórios para tratar das possibilidades de divulgação dos resultados obtidos em publicações científicas, Simpson comentou que estava orgulhoso não apenas pelas descobertas, mas também pela maneira como estão trabalhando. A satisfação e os resultados obtidos até o momento devem-se ao emprego de uma técnica inédita de seqüenciamento, o Orestes, sigla de Open Reading Frames EST Sequences.
Soares: previsão de grande impacto internacional do projeto
geralmente está dividida em diversos pedaços ao longo da molécula de DNA - os exons. O mecanismo de splicing, descoberto em 1977 pelo químico norte-americano Phillip Sharp, prêmio Nobel de 1993, que em setembro esteve no Brasil (ver Notícias FAPESP no 46), junta os exons. Souza conta que, por um processo de splicing alternativo, é possível que mais de uma proteína se forme a partir do mesmo gene com a inclusão ou exclusão de um ou mais
Criado por Simpson e pelo biólogo Emmanuel Dias Neto, aperfeiçoado nos últimos oito anos e amadurecido ao longo do Genoma Xylella, o Orestes busca genes expressos (ativos), os transcriptons - uma abordagem mais do que oportuna quando não se pensa mais em investigar o genoma inteiro, mas apenas esses trechos ativos dos genes.
Abordagem incomum - Em vez de ler o gene a partir das pontas, como os métodos em uso em outros países, o método Orestes concentra-se nas informações que se encontram na região central da molécula de RNA mensageiro e, desse modo, tem mais
parado a uma fotografia na qual não se distinguem pessoas, bonecos, rochas ou árvores. Ele teria agora de distinguir cada elemento da foto e, mais ainda, descobrir a profissão de cada pessoa. Mesmo assim, Craig, que trabalhou com base no genoma de uma pessoa, diz que tem condições de concluir a segunda parte do trabalho dentro de dois meses, por meio de análises feitas por computadores de alto desempenho. Há alguns anos, ele compete no seqüenciamento genético humano com o Projeto Genoma Humano, um consórcio público que conta com financiamento
condições de encontrar genes raros. É uma busca insana. Em cada célula, conta Dias Neto, há em média 11.000 genes raros, cada um copiado apenas dez vezes. No extremo oposto, há menos de dez genes abundantes, ainda que possa haver cerca de 12.000 duplicatas de cada um deles. Em mil genes, há 99,9% de chance de encontrar um gene abundante e 0,00001% de achar um raro (ver tabela). E há casos em que as funções mais importantes para o organismo são cumpridas pelos raros, que às vezes só agem em combinação com outro, também raro.
Para complicar um pouco, a parte codificadora de um gene qualq1.1er
público, já seqüenciou cerca de 2 bilhões de pares de bases e pretende anunciar em maio um rascunho completo do genoma humano.
Num encontro de cientistas no Canadá, na semana seguinte, Francis Collins, do Instituto Nacional de Pesquisa sobre o Genoma Humano, dos Estados Unidos, reconheceu o esforço da Celera, mas lembrou que o trabalho foi feito com apenas três - e não dez, conforme os procedimentos científicos internacionalmente reconhecidos - releituras da seqüência de bases. Segundo ele, "ninguém vai conseguir completar o seqüenciamento nos próximos dois anos".
exons. "O método Orestes contribui para a identificação dessas variantes de splicing', conta Souza. Uma dessas variações foi encontrada no cromossoma 22: um transcrito do gene fosfatidil-4-kinase, responsável pela formação de uma enzima que adiciona um átomo de fósforo a outras proteínas, foi encontrado com um exon a menos do que a forma conhecida.
Ao contribuir no desenho do genoma humano e acenar com uma melhor compreensão dos mecanismos genéticos do câncer, o Orestes tem conquistado o respeito internacional e feito Simpson viver dias de emoção intensa. No início de fevereiro, ele conta, havia sido muito bem recebida sua apresentação sobre as descobertas brasileiras do cromossoma 22 no Genomics Two Thousands, um encontro realizado na Flórida, Estados Unidos, que tratou dos avanços na pesquisa de genomas humanas e de bactérias.
No final de abril, outra dose de contentamento. No dia 28, uma sexta-feira, saiu o artigo publicado na revista Proceedings of The National Academy of Sciences, a PNAS, dos Estados Unidos, por indicação do próprio Phillip Sharp. Pàra completar, no dia 29 a equipe de Simpson chegaria à marca de 250 mil seqüências identificadas. "Sinto que o cenário internacional do genoma está mudando, a nosso favor", comenta Simpson. •
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • li
CIÊNCIA
Efeitos práticos: genes identificados podem ampliar a produtividade dos canaviais
BIOLOGIA MOLECULAR
Achados preciosos Genoma Cana acumula informações sobre 42 mil genes inéditos
O Projeto Genoma Cana-deAçúcar (Sucest) - financiado
pela FAPESP em parceria com a Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar)- poderá chegar a 85% de seus objetivos até o final de maio, o equivalente a 100 mil seqüências válidas ou 42 mil genes únicos, exclusivos da planta, com uma parte deles nunca relatados em qualquer outro tipo de vegetal. O projeto deverá antecipar-se ao cronograma inicial em pelo menos seis meses e concluir até o final deste ano o seqüenciamento dos cerca de 50 mil genes de maior interesse científico ou econômico, associados a características específicas da planta, como o metabolismo do açúcar e a resistência a doenças. Estão agora razoavelmente conhecidos muitos dos genes da cana
12 · ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP
responsáveis pela resistência a fungos e vírus, além daqueles que desencadeiam uma produção mais intensa de álcool e açúcar.
O biólogo Paulo Arruda, coordenador de DNA do projeto e diretor do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), lembra que o rápido avanço do seqüenciamento abre espaço para uma série de medidas voltadas para a intensificação da fase final do projeto, o chamado data mining (prospecção e comparação de dados) . Uma delas é a incorporação de novos laboratórios de todo o País, de acordo com o edital lançado em abril. "Vamos selecionar novos grupos interessados em utilizar o banco de dados do Sucest para pesquisas básicas e aplicadas não só na área agronômica, mas também na agroindústria': diz Arruda. O prazo para a apresentação das propostas dos laboratórios termina em 25 de maio.
Comparações - No Instituto de Biociências da Universidade de São Pau-
lo (USP), a equipe de Carlos Martins Menck já trabalhava na identificação de genes de reparo do DNA antes de integrar-se ao Genoma Cana. "Iniciamos buscas de genes da cana que sejam homólogos a genes de reparo de DNA humanos, que estão envolvidos na manutenção da integridade do genoma celular, tanto em seres humanos quanto em plantas': diz ele.
Sua equipe já conhece 130 genes de reparo, 70% deles encontrados no genoma de cana. "Partimos agora para o seqüenciamento completo para definir se temos, ou não, os genes buscados': diz Menck. Esse trabalho pode ajudar a entender melhor algumas doenças graves dos seres humanos. Por exemplo, um dos genes identificados na cana, o BRCA1, em humanos, quando mutado, pode levar ao câncer de mama.
Os dados recolhidos também são estimulantes entre as equipes dedicadas ao estudo de fatores genéticos relacionados à produção de açúcar, com evidentes conseqüências macroeconômicas. É o caso do grupo coordenado por Eiko Izioka, na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, que descobriu 180 genes envolvidos na resistência a fungos, bactérias e vírus e a estresse ambiental, que indiretamente asseguram melhor produtividade.
Já o grupo que analisa o ciclo celular e o metabolismo da cana, liderado por Paulo Cavalcanti, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também chegou a descobertas inéditas a respeito da assimilação e fixação de nitrogênio.
Outro resultado animador: já estão identificadas seqüências de 144 dos 339 genes relacionados com a metabolização de sacarose, segundo Eugênio César Ulian, da seção de biologia molecular da Copersucar. "Identificamos também todos os genes envolvidos com a produção e degradação de açúcares que a cana ou não produz ou produz em quantidades muito reduzidas': diz ele. Encontra-se igualmente listada uma série de genes envolvidos na fixação do carbono e na síntese de sacarose. •
CIÊNCIA
DEMOGRAFIA
Marcas genéticas da . . -m1sc1genaçao
Estudo avalia a herança indígena, negra e européia nos brasileiros brancos
Três em cada cinco brasileiros, o equivalente a cerca de 95 mi
lhões de pessoas, carregam em cada célula do corpo uma herança genética que provém dos índios ou dos africanos e se preservou por meio das mães ao longo das gerações. 11esmo que não se traduza necessariamente em traços do rosto ou na cor da pele, a miscigenação entre os povos formadores do Brasil é mais intensa do que se imaginava, como
Verificou-se que cerca de 60% das matrilinhagens (linhagens maternas) são de origem ameríndia ou africana, enquanto a maioria, mais de 90%, das patrilinhagens dos brancos brasileiros é de origem européia - portanto, apenas um em cada dez brasileiros brancos tem um ascendente paterno negro ou índio. Entretanto, pelo lado materno, seis em cada dez têm ascendência negra ou índia. A herança materna, especificamente, é constituída por 33% de linhagens ameríndias, 28% de africanas e 39% de européias, com variações de região para região. No Sul, predomina a linhagem européia, e no Nordeste, a africana.
"Embora desde 1500 o número de nativos no Brasil tenha se reduzido a 10% do original (de cerca de
demonstrou um Sérgio Pena: marcas da miscigenação
3,5 milhões para 325 mil), o número de pessoas com DNA mitocondrial ameríndio aumentou cerca de 1 O vezes", relatam os autores da pesquisa. As patrilinhagens, muito semelhantes à distribuição genética verificada em Portugal, exibem uma variabilidade que reflete a formação do povo ibérico, para a qual grupo de pesquisa-
dores da Universidade Federal de 11inas Gerais (UF11G) num artigo publicado na Ciência Hoje de abril.
A equipe, coordenada pelo geneticista Sérgio Danilo Pena, analisou a formação genética da população a partir do DNA de 200 brasileiros brancos, de diversas origens e regiões do país. Como marcadores biológicos, os pesquisadores examinaram a variação do cromossoma Y, exclusivamente masculino. Nas mulheres, estudaram o DNA mitocondrial, encontrado nas mitocôndrias, uma organela da célula, e considerado um dos indicadores mais precisos da herança materna (a mitocôndria paterna se perde durante a fertilização do óvulo).
contribuíram celtas, fenícios, gregos, romanos, judeus e, especialmente, mouros, que ocuparam o território luso durante 700 anos.
A genética complementa os e'studos históricos e sociológicos sobre miscigenação, que começou quando os portugueses chegaram - e, sozinhos, estabeleciam relações informais com as índias. O estudo também questiona o termo raça. Para os cientistas, é cientificamente inconsistente, ainda que adotado largamente, e deveria ser substituído por etnia. Segundo os pesquisadores, "não há na Terra nenhum grupo humano biologicamente (nem culturalmente) homogêneo". •
IMUNOLOGIA
Defesa programada contra o câncer
Vacina em estudo faz o organismo deter as células tumorais
O médico Fernando Kreutz, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), pode ter aberto uma alternativa no tratamento do câncer ao desenvolver um novo método. de produção de vacinas autólogas (com células do próprio paciente). Sua abordagem consiste na alteração da expressão de uma proteína da superfície das células tumorais. Ao funcionarem como antígenos, as células serão atacadas como os vírus e bactérias de qualquer vacina. "O organismo deve reconhecer as células e desencadear a resposta imunológica", diz o pesquisador, que solicitou a patente desse processo. Para Kreutz, que viveu sete anos no Canadá, onde fez o doutorado e trabalhou numa empresa de biotecnologia, as células tumorais passam despercebidas no organismo porque o sistema imunológico não consegue detectá-las.
Por meio de sua empresa, a JKBiotecnologia, ligada à Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), Kreutz pretende inici~r ainda este ano os testes de toxicidade e eficácia da vacina com pacientes do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Até o momento, a pesquisa contou com o apoio do Centro de Biotecnologia da UFRGS, da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e da Fundação Soad. Segundo ele, o método funcionou em células de laboratório e houve regressão de tumor de cólon nos experimentos feitos com camundongos. •
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 13
14 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP
CAPA
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 15
A o contrário do que sugere aquele cenário de camburões e tarjas pretas que aparece na imprensa toda vez que se fala do assunto, as drogas que mais devastam os brasileiros podem ser
expostas nas cristaleiras ou consumidas em festas de família. Nas maiores cidades do Estado de São Paulo consomem-se álcool e cigarro em níveis tão altos quanto nos Estados Unidos, mas o uso de maconha, cocaína, crack e outras substâncias ilegais permanece em patamares tão baixos quanto os de outros países da América Latina. Essa percepção,
que soa como um argumento para legitimar o consumo da maconha, é uma realidade que acaba de ser confirmada e medida num estudo realizado em 1999 nas 24 cidades do Estado de São Paulo com mais de 200 mil habitantes. Trata-se da primeira etapa do Levantamento Nacional Domiciliar sobre Uso de Psicotrópicos, desenvolvido com recursos da FAPESP (R$ 210,1 mil) por pesquisadores do Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina-Universidade Federal de São Paulo e do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid).
O grupo de autores, formado pelo professor de Psicofarmacologia Elisaldo Carlini, pelo psiquiatra José Carlos F. Galduróz, pela farmacêutica Solange A. Nappo e pela psicóloga Ana Regina Noto, já desenvolveu importantes pesquisas sobre o consumo de drogas em grupos sociais específicos, como estudantes e meninos de rua. As conclusões do Levantamento Domiciliar retratam a atitude do brasileiro médio, morador das grandes cidades, diante do assunto. Além de mais abrangentes, são dados mais atuais e aprofundados do que os gerados por outras fontes de pesquisa- registras de internações hospitalares, de atendimento ambulatorial, do Ins-
16 · ABRil DE 2000 • PESQUISA FAPESP
tituto Médico Legal e de apreensões de droga pela polícia. Foram ouvidas 2.411 pessoas de 12 a 65 anos de todas as classe sociais e o levantamento é o primeiro de uma série de outros estudos regionais proposta à Secretaria Nacional Antidrogas. Suas conclusões foram reunidas em livro ( 1 o Levantamento Domiciliar Nacional sobre Uso de Drogas Psicotrópicas - Parte A: Estudo Envolvendo 24 Cidades do Estado de São Paulo), uma edição Cebrid-Unifesp, com lançamento programado para maio.
Já se sabia que o álcool é o psicotrópico de uso mais difundido no País, mas a estridência dos
meios de comunicação ao falar de drogas ilegais sugeria que elas estariam tomando a dianteira como ameaça social. 53% da população experimenta álcool pelo menos uma vez na vida e uma grande porcentagem dos que bebem se torna dependente: entre os homens, um em cada seis. Mais silenciado e em muitas instâncias protegido por uma capa de respeitabilidade, o álcool é consumido regularmente - de três a quatro vezes por semana ou, até, todos os dias - por 4,5% da população pesquisada, ou 673 mil pessoas. Mas não é a freqüência do uso que caracteriza a dependência. Há um tipo de consumi
dor que bebe nos fins de semana, mas é capaz de se abster durante os dias úteis. Segundo o critério adotado no estudo, é considerado dependente quem perde o poder de escolha quanto ao consumo. Indica dependência a presença de pelo menos dois sintomas de um conjunto de seis, entre os quais estão gastar muito tempo para obter, usar ou se recuperar do uso de uma substância, perder o controle sobre a quantidade e querer parar. O número estimado de dependentes nas grandes cidades do Estado de São Paulo é 981.000 pessoas (6,6%), e a incidência é especialmente alta entre os homens de 18 a 24 anos (18,2%). Entre os dependentes de álcool, as queixas mais freqüentes são querer parar ou diminuir (8,3%), beber mais do que gostariam (6,6%) e viver sob efeito do álcool situações de risco físico como dirigir, usar máquinas e nadar (3,6%).
"Contribui para o consumo intenso de álcool e de tabaco o estereótipo de que droga é só maconha e cocaína': diz o pesquisador José Carlos Galduróz, que coordenou o levantamento. "Graças a isso, o álcool pode ser anunciado livremente e costuma ser vinculado pela publicidade até à imagem de atletas. A maioria das pessoas nem sequer o consi-
dera um psicotrópico." Segundo a Organização Mundial de Saúde, no Brasil, há pouco controle da venda de bebidas alcoólicas a menores de idade e a valorização da bebida como indício de maturidade e de virilidade facilitam o consumo doméstico e precoce. Segundo a pesquisa de 1997 do Cebrid com estudantes de dez capitais brasileiras, 40% dos entrevistados de 12 a 18 anos beberam pela primeira vez em casa.
Num levantamento domiciliar, os dados podem subestimar a realidade, porque os entrevistados sentem-se inibidos de mencionar em casa todas as suas experiências. Na pesqui
sa do Cebrid com estudantes, eles se sentiam mais confortáveis porque preenchiam questionários individuais, em sala de aula, sem a presença dos professores. Nos estudos com meninos de rua, os pesquisadores faziam diversos contatos com os futuros entrevistados para ganhar sua confiança, antes que eles respondessem às perguntas. A distorção entre a realidade e o relato na pesquisa domiciliar é mais importante no caso das drogas ilícitas, cuja menção é constrangedora, mas pode alterar também alguns índices relativos às conseqüências do uso do álcool. Embora estudos estatísticos do Cebrid mostrem que 90% das internações hospitalares por dependência de drogas sejam motivadas por alcoolismo, no Levantamento Domiciliar o item "problemas pessoais" acarretados por uso de álcool foi mencionado por apenas 3,3% dos entrevistados, em quinto lugar entre os seis sintomas de dependência que constavam do questionário. Acontecimentos como brigas ou acidentes de carro quase não aparecem no estudo.
As informações sobre consumo de tabaco são também alarmantes. 39% dos habitantes das maiores cidades do Estado de São Paulo já fumaram alguma vez. Cerca de 20% - um número estimado em 3 milhões de pessoas - fumam diariamente e chega a quase 10% o número de dependentes de cigarro na população, muitos deles já na faixa dos 12 a 17 anos (3,5% ou 84.000 pessoas). O estudo revela que o desejo de deixar o cigarro cresce com a idade. Na faixa dos 12 aos 17 anos, 5% dos dependentes manifesta essa intenção. Entre os fumantes de 35 anos ou mais, 20,4% querem parar. Essa é a queixa mais insistente, mencionada por 16%. É mais notável nos homens (18,7%) do que entre as mulheres (13,8%).
Em relação às drogas ilícitas, o Levantamento Domiciliar mostra que o medo que os meios de comunicação alimentam e ampliam é exagerado. Nas grandes cidades paulistas, apenas 11,6% das pessoas utilizaram alguma delas na vida, um con-
Drogas psicotrópicas - uso na vida
Drogas % Intervalo de Confiança 95%
Qualquer Droga 11,6 (10,3- 12,9)
Maconha 6,6 (5,6- 7,6)
Solventes 2,7 (2,0- 3,3)
Cocaína 2,1 (1,6- 2,7)
Estimulantes 1,2 (0,8- I ,7)
Benzodiazepínicos 0,9 (0,5- I ,2)
Orexígenos 0,9 (0,5- I ,2)
Xaropes (codeína) 0,7 (0,4- I ,0)
Alucinógenos 0,7 (0,4- I, I)
Esteróides* 0,6 (0,3- 0,9)
Crack 0,4 (0,2- 0,7)
Sedativos 0,3 (0,1- 0,5)
Anticolinérgicos 0,3 (0,1 - 0,5)
Analgésico Opiáceo 0,2 (O- 0,3)
Merla o (O- O)
Heroína o (O- O)
População estimada
em Intervalo de milhares Confiança 95%
Qualquer Droga 1.720 ( 1.533 - 1.907)
Maconha 979 (834 - 1.123)
Solventes 394 (300- 488)
Cocaína 318 (233- 403)
Estimulantes 183 (118- 248)
Benzodiazepínicos 129 (74- 184)
Orexígenos 126 (72- 181)
Alucinógenos 110 (59- 161)
Xaropes (codeína) 104 (55- 153)
Esteróides* 96 (49- 142)
Crack 61 (23- 99)
Sedativos 49 (IS- 83)
Anticolinérgicos 49 (IS- 83)
Analgésico Opiáceo 22 (-I- 46)**
Me ria o (O- O)
Heroína o (O- O)
*Embora Esteróides Anabolizantes não sejam considerados drogas psicotrópicas. estão aqui elencadas devido ao crescente número de relatos de uso dessas substãncias. ** Baixa pressão
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 17
Álcool - uso na vida
Drogas (anos)/Sexo
12 a 17
M
F
18 a 24
M
F
25 a 34
M
F
~ 35
M
F
Total
M
F
12 a 17
M
F
18 a24
M
F
25 a 34
M
F
~ 35
M
F
Total
M
F
Observado %
Intervalo de Confiança 95%
35.0 (27,4 - 42,6)
37,7 (30,0 - 45,5)
32,3 (25, 1 - 39,5)
56,5 (48,9- 64,0)
66,0 (58,7- 73,4)
46,9 (40,2- 53,7)
58,6 (52,1 - 65, 1)
67,8 (61,5 -74, 1)
49,7 (44, 1 - 55,3) ----------------
55,6 (55,1 - 60,0)
70,5 (66,3- 74,8)
41,5 (38,0 - 45,0)
53,2 (51,2- 55,1)
63,6 (56,2 -71,1)
43,0 (35,4- 50,6)
População estimada
em milhares
840
454
387
1.518
886
632
2. 106
1.200
906
3.422
2.107
1.314
7.886
4.647
3.239
Intervalo de Confiança 95%
( 658 - 1.023)
(361 - 547)
(300- 473)
(1.315- 1.722)
(787- 985)
(541- 723)
(1.871- 2.341)
( 1.088 - 1.312)
(803 - 1.008)
(3.148- 3.696)
( 1.980 - 2.235)
( 1.204 - 1.424)
(7.602- 8.171)
(4.103- 5.192)
(2.666 - 3.812)
sumo muito mais baixo do que o registrado na Europa e nos Estados Unidos, onde 34,8% da população já fez uso de alguma droga. Uma parte dos números apurados - referentes a maconha, cocaína, solventes, benzodiazepínicos, estimulantes e esteróides anabolizantes- não pôde ser expandida, porque resultou em amostras demasiado pequenas para ser extrapoladas para a população e referem-se apenas aos 2.411 entrevistados. Eles indicam, por exemplo, que maconha, a droga ilegal mais usada segundo o Levantamento Domiciliar, é experimentada por 6,6% dos entrevistados. Nos Estados Unidos esse número chega a 32%. A parcela dos que já usaram
18 · ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP
Tabaco - uso na vida
Drogas (anos)/Sexo
12 a 17
M F
18 a 24
M
F
25 a 34
M
F
~ 35
M
F
Total
M
F
12 a 17
M
F
18 a24
M
F
25 a 34
M
F
~ 35
M
F
Total
M
F
Observado %
15,8
18,5
13,0
32.7
34,6
30,8
40,4
46,2
34,9
49,9
60,7
39,7
39,0
45,5
32,7
Intervalo de Confiança 95%
(10,0- 21,6)
( 12,3- 24,7)
(7,8- 18,2)
(25,4 - 40,0)
(27,2 - 42,0)
(24,6 - 37,0)
(33,9 - 47,0)
(39,5 - 52,9)
(29,5 - 40,2)
(45,3 - 54,5)
(56,2 - 65,3)
(36,2- 43 , 1)
(37, 1 - 40,8)
(37,9- 53,0)
(25,6 - 39,8)
População estimada
em milhares
379
223
156
879
464
415
1.454
818
636
3.070
1.814
1.256
5.782
3.319
2.463
Intervalo de Confiança 95%
(240- 518)
(148- 297)
(94- 218)
(683- 1075)
(365- 563)
(331 - 499)
( 1.217 - 1.690)
(699- 937)
(538- 734)
(2.789 - 3.352)
( 1.678 - 1.951)
( 1.147- 1.365)
(5.506 - 6.059)
(2.767- 3.871)
( 1.927- 2.999)
cocaína alguma vez é de 2,1 %, enquanto nos Estados Unidos chega a 10%. O uso de crack ficou restrito a 0,4% dos entrevistados, e no público americano a parcela dos que experimentaram é de 2%. O levantamento não registrou nenhum caso de uso de heroína, embora 38% dos entrevistados tenham declarado que a poderiam comprar sem dificuldade, se quisessem.
As drogas psicotrópicas ilícitas são percebidas como perigosas e prejudiciais à saúde pela maioria dos entrevistados. 47,8% consideram risco grave tomar 1 ou 2 drinques por semana e 95% acham perigoso beber todo dia. 30% acham que é perigoso fumar maconha uma ou duas vezes na vida, e se
a freqüência for diária essa percepção cresce para 96%. Consumir cocaína uma ou duas vezes na vida é risco grave para 62, 7%, e se o uso for diário, para 98,9%. O crack é muito mais temido do que a cocaína: 77,5% acham muito grave o perigo de usar uma ou duas vezes e 99,3%, se o uso for diário.
A diferença entre a realidade e a maneira como a população enxerga o consumo e o tráfico de drogas no Brasil aparece em diversos momentos da pesquisa Unifesp-Cebrid. Transpare
ce, por exemplo, na impressão de que é muito fácil comprar qualquer tipo de droga, que não se confirma na experiência prática dos entrevistados. 70,2% consideraram que seria muito fácil conseguir maconha, caso desejassem, 60% acreditam que teriam facilidade em obter cocaína e 62,1% que conseguiriam facilmente comprar crack. 34% acreditam nessa mesma facilidade em relação ao LSD, embora apenas 0,7% façam uso de alucinógenos. Um quinto dos entrevistados afirma ter visto alguém vendendo ou procurando comprar drogas nos últimos 30 dias, mas apenas 3,6% disseram ter sido abordados por traficantes no mesmo período. O possível temor de se envolver com a questão do tráfico contribui para essa discrepância, acreditam os autores do estudo, mas ela sinaliza também a existência de um imaginário da droga, que deforma a percepção da realidade. É o que sugere também outro item do levantamento: a metade dos entrevistados acredita ter visto alguém embriagado nas redondezas nos últimos 30 dias e 38% afirmam ter visto alguém sob efeito de drogas. A se concordar com esse índice, o cenário urbano seria mais ameaçador, com outras conseqüências evidentes.
Alguns aspectos que ainda merecem ser aprofundados ganharam contornos mais claros no novo estudo. Um deles é o impacto das diferenças de comportamento entre homens e mulheres no consumo de drogas. "É obrigatório que futuras campanhas falem de maneira diferenciada com públicos femininos ou masculinos." Embora inicialmente todos sejam expostos da mesma maneira ao consumo, com o tempo os homens passam a usar muito mais. No caso do álcool, especificamente, enquanto um em cada seis usuários do sexo masculino se torna dependente, isso acontece apenas com uma em cada 17 mulheres. Em cada
quatro usuários de maconha, três são homens. Em relação ao tabaco, as mulheres são vítimas preferenciais- uma em cada quatro que experimentam cigarro se viciam, contra um em cada cinco homens. Na faixa etária de 35 anos ou mais, há um número discretamente maior de dependentes entre as mulheres. Só no caso dos estimulantes (em geral moderadores de apetite, como inibex, hipofagin e moderex) nota-se um nítido predomínio feminino - elas consomem quatro vezes mais do que os homens, e os estimulantes entram em quarto lugar no ranking das drogas mais utilizadas pe-
los entrevistados. A adesão a esses medicamentos pelo público feminino exprime com grande eloqüência a obrigação social imposta às mulheres de caber num certo modelo físico, a magreza obrigatória. "Isso já aparecia muito claramente na pesquisa com estudantes", lembra Galduróz.
O novo estudo Unifesp-Cebrid verificou o IMC, Índice de Massa Corporal dos entrevistados. Dados sobre as parcelas correspondentes a desnutridos, pessoas de peso compatível com a altura (eutróficos) e obesos na população permitiram observar, por exemplo, que o número de obesos é extremamente baixo, ao contrário do que sugerem as vendagens de moderadores de apetite. O número de pessoas com peso abaixo do que seria ideal para a estatura é especialmente alto entre adolescentes. Na faixa de 12 a 17 anos, 18% dos entrevistados, e em especial as meninas (27,3% do público feminino), apresentavam IMC semelhante ao de desnutridos. No grupo dos maiores de 35 anos, há 5,9% de mulheres de peso abaixo do esperado, contra apenas 0,9% dos homens. A predominância de mulheres no uso de ansiolíticos (benzodiazepínicos)- 1,7%, em contraposição a 1% dos homens- também pode ser remetida à escravidão da magreza feminina,
PESQUISA FAPESP • ABRil DE 2000 • 19
porque, freqüentemente, usa-se esse tipo de remédio para compensar os efeitos tensionadores do moderador de apetite.
As conclusões do Levantamento Domiciliar oferecem um contraponto oportuno à conduta dos meios de comunicação que, ao bater apenas na tecla do perigo, reforçam o
róz, aconteceu isso com o crack, que chegou às nossas publicações no final dos anos 80, antes de existir para os consumidores locais, e está acontecendo o mesmo fenômeno com o ecstasy, nota Galduróz. A informação . . ngorosa, ass1m co-mo o diagnóstico certo, é fundamental quando se enfrenta o problema
medo e o preconceito. "A opinião geral é a de que usuários de droga sejam pessoas fracas, incapazes de controlar seu comportamento moralmente condenável", aponta o médico Dráuzio Varella em artigo para a revista Carta Capital. Os avanços da neurociência nos últimos anos mudaram radicalmente essas impressões. "A adição é uma doença cerebral na qual o contexto social tem importância crítica", afirma Varella. Não é o que se depreende da estridência das coberturas. Outra conseqüência de tomar como nossas as dimensões que o problema da droga só tem em outros países é oferecer um involuntário estímulo ao consumo. Como aponta o coordenador do levantamento, José Carlos Galdu-
da droga, mas é apenas parte da solução. "Informação sozinha não muda nada", diz o pesquisador. "Todo mundo sabe que cigarro dá câncer e ainda assim fuma; adolescente sabe do risco de transar sem camisinha e engravida." Ou, para usar uma informação do Levantamento Domiciliar, quase 50% da população das grandes cidades considera beber um ou dois drinques por semana risco grave, mas nem por isso os índices de consumo e dependência de álcool são menores. A informação tem que ser trabalhada em campanhas, currículos escolares e em políticas de saúde pública. Mas, como freqüentemente se utilizam como ponto de partida realidades importadas e alvos equivocados,
I
- -O roteiro da pesquisa
A pesquisa, patrocinada pela FAPESP com apoio da, Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia (Afip ), definiu suas amostras a partir de setores censitários - a menor unidade de informação socioeconômica utilizada pelo IBGE e formada, em geral, por 200 a 300 domicílios. Os dados socioeconômicos e técnicas estatísticas multivariadas permitiram aumentar a precisão das estimativas com amostras reduzidas. Em cada setor realizaram-se 24 entrevistas e o número de setores pesquisados em cada município variou de acordo com o tamanho da população. Ao iniciar o trabalho numa das ruas de cada setor censitário, o aplicador elegia uma casa qualquer e respeitava, a partir daí, um intervalo regular de domicílios até a próxima visita (estabelecido dividindo-se por 24 o número total de domicílios do setor) . A definição de quem ia ser entrevistado em cada casa acontecia por meio de um sorteio com regras preestabelecidas, para evitar que as respostas fossem dadas sempre pela pessoa que estivesse lá na hora da visita do aplicado r.
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Os 22 aplicadores das entrevistas receberam treinamento específico. Além de receber informações sobre drogas psicotrópicas e sobre a aplicação dos questionários, aprenderam a proceder de maneira semelhante ao chegar às residências. Foram instruídos, por exemplo, a fazer suas entrevistas no local mais isolado possível, dentro da casa, para permitir mais privacidade ao entrevistado. Apenas 2,5% das 2.411 pessoas procuradas se recusaram a responder; a regra geral foi a boa receptividade aos aplicadores. As recusas ocorreram em regiões mais abastadas, onde as pessoas contatadas freqüentemente procuraram o Cebrid para se certificar se de fato estava sendo realizada uma pesquisa. Nas favelas, os aplicadores fizeram o primeiro contato com a ajuda de associações de moradores, que designaram alguém para acompanhá-los. Uma das razões de todos esses cuidados foi contornar o risco de o entrevistado se sentir confrontado ou inseguro diante de perguntas sobre seu comportamento com drogas. O questionário utilizado foi o do Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA), traduzi-
muitos esforços resultam inúteis.
á está amplamente provado que a proibição e a repressão são
insuficientes para impedir o consumo. A Lei Seca, que imperou nos Estados Unidos nos anos 20, fez crescer verticalmente o uso de álcool e todo o investimento do governo americano em repressão, na última década, não impediu que o país se tornasse o maior mercado consumidor de drogas do mundo. "Tornar ilegal é uma bobagem e legalizar também é uma postura que inclui muito oba-oba, mas é preciso dificultar o acesso': recomenda o pesquisador Galduróz. É preciso, além disso, ter uma nova filosofia para as drogas, e uma política mais clara e menos hesitante do que a oferecida pelos nossos poderes públicos. "De vez em quando surge uma onda pró-descriminalização, aí ela desaparece e dá lugar ao reforço da repressão e nada tem continuidade': avalia o pesquisador. No que depender de informações rigorosas e atualizadas, ele já deu sua contribuição. •
Galduróz (esq.) e Carlini: estudo realizado em 24 cidades de São Paulo
PERFIS:
• ELISALDO LUIZ DE ARAúJO CARLINI é graduado em Medicina pela Escola Paulista de Medicina (atual Universidade Federal de São Paulo - Unifesp). Fez o mestrado em Farmacologia na Yale University. É professor titular de Psico farmacologia da Unifesp e diretor do Centro Brasilei
ro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da mesma instituição. Foi membro titular do International Narcotic Control Board (INCB), das Nações Unidas, e Secretário Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. • Jos~ CARLOS GALDUROZ é médico psiquiatra graduado pela Escola Paulista de Medicina (atual Universidade Federal de São Paulo- Unifesp ), onde fez o mestrado e o doutorado na área de Psicobiologia . É pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid). Projeto: I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas Investimento: R$ 210.125,00
Apenas no aspecto étnico a amostra deixa de retratar a realidade brasileira, ae incluir o predomínio de caucasóides sobre os demais grupos étnicos. Os 2.411 entrevistados de 12 a 65 anos foram divididos em quatro faixas etárias. A de 12 a 17 anos corresponde a 12,9o/o dos entrevistados, a de 18 a 25 a 16,9o/o, a de 26 a 34 a 19,7o/o e a de 35 anos ou mais a 50,55%. Os casados correspondem a cerca de SOo/o da amostra, e verificase um ligeiro predomínio de solteiros sobre as solteiras. A maioria dos entrevistados concentra-se nas classes C (35,6%), B (31,8o/o) e D
do e adaptado às condições brasileiras, depois de um teste inicial numa pequena amostra em diferentes locais da cidade de São Paulo.
No que diz respeito a idade, sexo, estado civil e religião, a amostra utilizada na pesquisa reproduz equilibradamente o total da população pesquisada.
(19,6%). O número de analfabetos e de indivíduos com primeiro grau incompleto é desanimadoramente grande, na amostra- 33,4o/o dos entrevistados, contra O, 7o/o de pós-graduados, 17,7o/o com 1° grau completo, 19,4o/o com 2° grau completo e 10,6o/o com superior completo.
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 21
CIÊNCIA
Recife: pouca atenção ao mangue e às transformações da cidade
O descuido com a paisagem urbana
Os moradores de Recife têm baixa estima para com eles mesmos e com a cidade onde vivem. Não aceitam o mangue e, em conseqüência, permitem que os aterros modifiquem a estrutura geográfica e biológica da região da capital de Pernambuco. Edvânia Torres, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), chegou a essas conclusões após realizar enquetes com 600 habitantes da cidade e examinar relatos históricos, poemas, fotos e mapas. A pesquisadora lembra que é comum comparar Recife a Veneza, mas, enquanto na cidade italiana "os rios e canais são realmente valorizados", na capital pernambucana "são transformados em esgotos". Segundo Edvânia, sem consciência da importância dos recursos naturais da cidade, os moradores permitem a construção de estacionamentos e edifícios em áreas que deveriam ser preservadas. "Se continuar desse jeito, é provável que a qualidade de vida dos recifenses piore", comenta a pesquisadora. •
22 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP
Mapeadas bactérias que causam doenças
O mapeamento do genoma da cepa A da bactéria Neisseria meningitidis, que causa a maioria dos casos de meningite nos países em desenvolvimento, agora está completo. Foi feito pelos pesquisadores do Sanger Centre e da Universidade de Oxford, do Reino Unido, e do Instituto Max Planck de Genética Molecular, da Alemanha. Outro grupo, formado por cientistas norte-americanos e ingleses, anunciou, também em março, a conclusão do mapeamento da cepa B da bactéria,
Arabidopsis: planta-modelo
mais comum na Europa e nos Estados Unidos. As duas seqüências, com muitos genes em comum, devem aj udar a entender os mecanismos por meio dos quais a bactéria consegue escapar do sistema imunológico dos organismos. Também na Europa, um consórcio de dez instituições, coordenado pelo Instituto Pasteur, de Paris, concluiu o seqüenciamento do genoma da bactéria Listeria monocytogenes, responsável por infecções alimentares, com uma mortalidade entre 20 e 30%. Os cientistas do Pasteur finalizaram também o seqüenciamento do bacilo da lepra, o Mycobacterium leprae, em colaboração com o Sanger Centre. A comparação com o genoma do bacilo da tuberculose, Mycobacterium tuberculosis, caracterizado pela mesma equipe em 1998, deve fornecer detalhes sobre o desenvolvimento das duas doenças. Há grupos de genes das duas bactérias com 93% de semelhança. O Brasil encontra-se em segundo lugar entre os países com maior incidência de lepra, após a Índia. •
Espanhóis avançam na genômica
Uma equipe da empresa espanhola Sistemas Genomicos, em colaboração com a Universidade de Valencia, completou o seqüenciamento do cromossomo 5 da Arabidopsis thaliana, uma planta da mesma família do repolho e do rabanete. Segundo o diretor científico da Sistemas Genomicos, Manuel Peres-Alonso, o grupo que fez esse trabalho -e antes havia participado do seqüenciamento do genoma da
levedura Saccharomyces cerevisiae, usada na produção de cerveja- poderá até o final do ano seqüenciar os outros quatro cromossomos da planta. Mesmo sem significado agronômico, a Arabidopsis é largamente usada como modelo biológico de genética vegetal. Para Peres-Alonso, esses resultados demonstram que os cientistas espanhóis têm condições de colaborar no mapeamento do genoma humano. •
Comprovada ação da caramboleira
Caramboleira: antidiabético
Em busca da comprovação do conhecimento popular, pesquisadores da Universidade do Amazonas, sob a coordenação de I vete de Araújo Roland, estudaram a ação da caramboleira, a Averrhoa carambola L., na redução da glicose no sangue. As folhas secas da caramboieira são muito utilizadas pela população de Manaus como antidiabético. Em experimentos realizados em ratos e camundongos, o extrato aquoso da Averrhoa, em diferentes concentrações, reduziu em 50% o teor de glicose no sangue, simulando um quadro de hiperglicemia, 15 minutos após a aplicação. •
CIÊNCIA
MATEMÁTICA
Computadores de olhos abertos Grupo da USP avança no reconhecimento de pessoas pelas máquinas
Por enquanto, computadores dificilmente seriam cineastas se
quer razoáveis. Seria desse modo mostrado nas imagens abaixo - sem qualquer sensibilidade, por meio de
1998, dirigido por Paschoal Samora e produzido pela Grifa Cinematográfica. Com 52 minutos, o filme conta a história da frente de colonização do ouro nos séculos XVII e XVIII na comarca de Rio das Mortes, sudeste de Minas Gerais, por meio de relatos de descendentes dos pioneiros. Nem de longe o computador teria condições de interpretar as sutilezas do filme, embora o reconhecimento de imagens esteja avançando.
arte nessa área, que é a dependência de ambientes estáticos e bem-comportados. Pode parecer que a quebra dessa barreira depende do avanço da tecnologia de instrumentos ópticoeletrônicos. Mas não. A maior dificuldade está mais para o lado do arsenal matemático, mais precisamente para a ciência da computação, na área de desenvolvimento de algoritmos.
"Nosso objetivo é desenvolver dispositivos que funcionem em tem-
Cenas de Con(tdências do Rio das Mortes: o reconhecimento de imagens se dá por meio de pontos selecionados (nariz, boca e olhos)
cruzinhas que indicam os pontos mais importantes de um rosto (os olhos, o nariz e a boca)- que um Pentium de capacidade média reconheceria o personagem Tião Paineira, que faz peças de barro e aparece no documentário Confidências do Rio das Mortes, de
Um grupo de jovens pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) está empenhado na tarefa de elaborar programas de computação que permitam a identificação e o reconhecimento de pessoas. O desafio é romper a limitação do estado da
po real, para que o computador reconheça quem está na sua frente", diz Roberto Marcondes Cesar Junior, professor do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP. "Esse seria um grande avanço na in-
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 • 23
teração homem-máquina." Aos 31 anos, há 11 estudando visão computacional, Cesar Junior trabalha no projeto Análise Multi-Escala de Imagens, iniciado em 1998 com um financiamento de R$ 12,5 mil da FAPESP. À frente do Grupo de Pesquisa Criativa em Visão, conta com a colaboração de sete alunos, dois deles trabalhando em uma área próxima, a análise de neurónios (ver box).
Aplicações - A visão computacional tem como objetivo o desenvolvimento de tecnologias Cesar Junior: o desafio não é de equipamentos de identificação e reconhecimento de imagens. Algumas aplicações já fazem parte do dia-a-dia, como a tomografia computadorizada. Não é difícil imaginar outras. Programas de reconhecimento de pessoas poderão permitir, por exemplo, o acesso a dados de conta corrente a um usuário localizado em frente a um terminal em uma agência bancária ou diante de um computador conectado à rede de um banco.
Talvez essa seja uma alternativa mais amigável que o reconhecimento da imagem da retina, empregada experimentalmente em agências bancárias no Reino Unido. A informação contida na retina é muito mais complexa do que a de uma impressão digital e dos traços fisionómicos de um rosto. Segundo Cesar Junior, o desenvolvimento desse tipo de programas poderá também tornar mais eficiente a identificação de criminosos a partir de retratos falados ou de crianças desaparecidas que estejam circulando em locais como estações rodoviárias, de trem ou metró.
Os programas de reconhecimento de pessoas têm uma elevada taxa de acerto quando não há variação dos fatores ambientais. "Basta uma pequena variação na iluminação do ambiente e a taxa de acerto cai radicalmente': observa Cesar Junior. Segundo ele, existem instrumentos ópticoeletrónicos adequados para trabalhar com imagens em movimento ou com grande variação do ambiente. E os computadores atuais são capazes de
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realizar o processamento dos dados necessários para o reconhecimento de imagens faciais. A preocupação é outra: ainda não há como processar a massa de informações fornecida por uma imagem digital.
"Temos de criar algoritmos mais robustos': diz o pesquisador. Algoritmos são seqüências de operações ordenadas aplicáveis na resolução de problemas específicos. Traduzidas em uma linguagem de programação, as operações de um algoritmo passam a ser as instruções a serem executadas por um computador.
Essa robustez algorítmica significa maior complexidade, na medida em que se busca trabalhar com as variáveis das condições do contorno do rosto humano em uma imagem digi-
Uma ajuda aos neurocientistas O Grupo de Pesquisa Criativa
em Visão realiza um trabalho inédito no Brasil na área de neuromorfometria, que consiste na análise de imagens de neurónios. O objetivo dessa linha de pesquisa é fornecer ferramentas para ajudar os neurocientistas a compreender melhor o processo de interação dessas células que compõem o cérebro e o sistema nervoso.
"É um caminho de mão dupla: fornecemos para os neurocientistas
tal ou em uma seqüência de vídeo de imagens digitais. O ponto de partida para o reconhecimento de imagens é a análise de formas bidimensionais. No caso das imagens de rostos humanos, esse procedimento passa a exigir a abordagem tridimensional, para a qual já existem ferramentas computacionais.
Pontos privilegiados - Dada uma imagem em que aparece um rosto, é preciso que o programa identifique o conjunto de pontos que corresponde à face. O programa a ser desenvol
vido teria uma monstruosidade algorítmica se tivesse de processar indiscriminadamente todos os pontos de uma imagem digital, envolvendo análises de forma, de cor e de textura. O processamento de todos esses dados de imagens implicaria sua conversão em dados numéricos de uma matriz de dimensão gigantesca. "É preciso fazer um trabalho de mineração dos dados a serem processados", diz o pesquisador.
Os mecanismos pesquisados por Cesar Junior trabalham com pontos privilegiados. A inspiração veio da psicologia. De acordo com testes psicológicos, não são todos os pontos de uma imagem que têm relevância no processo de reconhecimento de um rosto. Existe uma atenção seletiva,
ferramentas para que eles aprofundem o conhecimento de processos do sistema nervoso, como a visão, e em contrapartida adquirimos conhecimentos importantes para o trabalho em visão computacional e em outras áreas", afirma Roberto Marcondes Cesar Junior, que trabalha em colaboração com o neurocientista Herbert Jelinek, da School of Community Health, da Charles Sturt University, na Austrália.
Estudos recentes têm demonstrado que o processo de interação das células neuronais pode estar intimamente relacionado à sua for-
que se concentra em pontos específicos, como os que correspondem às extremidades laterais da boca, aos orifícios das narinas e aos ólhos.
Para produzir computacionalmente a diferenciação dos pontos correspondentes aos contornos dos objetos, os matemáticos e especialistas em computação desenvolveram algoritmos para detectar as bordas em imagens. Uma das primeiras contri-
buições nesse campo foi dada pelo húngaro Dennis Gabor (1900-1979), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1971 por sua contribuição no campo da holografia. Os chamados filtros de Gabor, utilizados para detectar os elementos correspondentes a uma borda, geram uma imagem mais simples, que ressalta somente as bordas do rosto e dos outros objetos de uma imagem original.
As formas matemáticas da biologia
Estão representados abaixo dois tipos de neurônios de gato, as células a. (alfa) e ~ (beta), utilizadas nos experimentos de reconhecimento de imagens por computador. Os algoritmos examinam a estrutura de cada célula, principalmente a ramificação dos dendritos (braços menores dos neurônios) e axônios (os braços maiores).
O resultado dessa análise toma a forma de um gráfico, no qual as células a. e ~ são sintetizadas em pontos que podem ser claramente identificados e refletem sua complexidade.
NMWE (a28) 2,5
2,0
*
1,5 jo o
o* 1,0 o o
o 0,5 0 0 - Células ~ o
0,5 1,0
Um trabalho com 50 células neurais de gato indicou um acerto de 83% de reconhecimento correto das células alfa e 69% das beta, em um processo inteiramente automático.
* - Células a
* o ** *
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4**
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o
I ,5 2,0 2,5 NMWE(al)
Obs.: NMWE (energia multiescala de Wavelets normalizada) são medidas de formas de neurônio, que refletem sua complexidade estrutural.
Fonte: Roberto Marcondes Cesar Jr. e Luciano da Fontoura Costa, Neural Cell classification by Wavelets and multiscale curvature, Biological Cybernetics , 79, p. 354 e 356, 1998.
ma. Os principais resultados de reconhecimento de neurônios obtidos pelo pesquisador baseiam-se na classificação de células pertencentes a duas classes morfológicas de células ganglionares da retina de gato, as classes alfa e beta. Segundo o pesquisador, essas células têm sido estudadas há décadas e fornecem um excelente exemplo de células neurais em que a relação entre morfologia e função foi identificada.
A curvatura dos filamentos neuronais é hoje vista como uma medida adequada de classificação. Por essa razão, a análise de imagens de neurônios segue o caminho inverso ao da geração de gráficos a partir de dados: é a partir das imagens que são extraídos os valores numéricos a elas correspondentes, que consistem em dados sobre o número de curvaturas e de ramificações.
Em seguida, para selecionar as regiões que correspondem ao rosto, é reproduzido computacionalmente o procedimento de fixação dos seis pontos correspondentes aos olhos, narinas e extremidades da boca. Essa função é desempenhada por algoritmos que comparam distâncias entre alguns dos pontos da imagem. Entram em cena as chamadas séries de Fourier, que permitem expressar qualquer função de uma variável em uma soma de senos e co-senos. Apresentada em 1822, no célebre Théorie Analytique de la Chaleur (Teoria Analítica do Calor), a análise desenvolvida pelo matemático francês Joseph Fourier (1768-1830) tornou-se uma ferramenta de amplo uso em problemas algorítmicos com o impulso da computação somente nos anos 60.
O trabalho prossegue na busca da definição de subconjuntos de pontos essenciais para a identificação, assim como no desenvolvimento de mecanismos que permitam traduzir esses pontos em dados numéricos. O grupo da USP já consegue fazer o acompanhamento desses seis pontos em uma seqüência de vídeo. Mas o desafio do algoritmo robusto permanece, assim como o entusiasmo do jovem professor e de seus colaboradores. •
PERFIL:
• ROBERTO MARCONDES CESAR JuNIOR tem 31 anos e desde 1998 é professor do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP). Concluiu sua graduação em Computação em 1991 no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) em São José do Rio Preto. Terminou o mestrado em 1993 na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Campinas (Unicarnp) e o doutorado em 1997 no Instituto de Física de São Carlos, da USP. Projeto: Análise Multi-Escala de Imagens Investimento: R$ 12.500,00
PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2000 • 25
Queimada em Rondônia: pesquisa do lnpe ajuda a reavaliar os modelos de impacto do efeito estufa em escala planetária
Mata recuperada absorve menos gás carbônico do que até agora se pensava
Ogás carbônico retirado da atmosfera pela recuperação
natural de áreas desmatadas para a formação de pastagens e culturas agrícolas na Amazônia representa apenas uma fração modesta das emissões devidas ao desmatamento, ao contrário do que se pensava. É o que mostra pesquisa realizada por uma equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em Rondônia. Essas conclusões podem alterar a ênfase de pesquisas relacionadas com desmatamento e emissões de gases do efeito estufa, já que o desmatamento é considerado uma das principais fontes brutas desses gases e tanto emissões como seqüestro de carbono nas áreas abandonadas interessam aos cientistas.
26 • ABRIL DE lODO • PESQUISA FAPESP
"Num primeiro momento, a descoberta nos incomodou': afirma Diógenes Salas Alves, pesquisador do Inpe e coordenador da pesquisa, que usou técnicas de sensoriamento remoto e trabalhos de campo nup1a área de 35 mil quilômetros quadrados, próxima aos municípios de IiParaná, Machadinha do Oeste e Ariquemes. "Parecia que toda uma linha de pesquisa estava condenada a desaparecer." No entanto, o projeto permitiu obter resultados sobre o balanço de carbono e sobre o processo de desmatamento propriamente dito.
A destruição das florestas, especialmente na região tropical, é considerada um dos fatores que levam ao aumento do efeito estufa, juntamente com as emissões de gás carbônico provenientes da queima do petróleo e do carvão. Estimativas anteriores indicavam que as áreas de abandono podiam representar até metade das áreas derrubadas, motivando investigações do papel dessas áreas no balanço do carbono.
Os resultados da pesquisa do Inpe devem levar a uma atitude mais conservadora sobre o papel das áreas abandonadas no balanço do carbono. Por outro lado, ajudarão a elaborar uma estimativa mais precisa sobre a quantidade de gás carbônico liberada pelas atividades humanas para a atmosfera, calculada entre 7 e 8 bilhões de toneladas por ano. Assim, será possível elaborar modelos físico-matemáticos mais próximos da realidade. E, dessa maneira, juntar dados mais concretos ao quebra-cabeça em que se transformou a compreensão do mecanismo do efeito estufa, em escala planetária.
Índice variável - O trabalho, cuja última etapa começou em 1995 e terminou no ano passado, já levou a duas teses de mestrado. Os dados obtidos com a conclusão da última etapa estão sendo tratados agora, de acordo com Alves, em mais uma tese de doutorado e uma de mestrado. A pesquisa recebeu o nome de Análise
da Dinâmica do Uso da Terra na Região de Ii-Paraná, RO, e sua Relação com o Ciclo do Carbono. Um investimento de R$ 38 mil da FAPESP colaborou para sua realização.
Uma conclusão importante da pesquisa é que a intensidade do uso da terra antes do abandono influencia mais a velocidade daregeneração do que outros fatores, como a diversidade climática. Terras ocupadas com pastagens e que sofreram pisoteio excessivo, ou seja, tiveram uma superlotação de animais, mostram uma recuperação bem mais lenta que as abandonadas depois de pouco uso.
i'
panham as estradas abertas na reg1ao. Com a abertura ãe ramais a partir das principais estradas, vão sendo formados desenhos em forma de espinha de peixe. Isso cria pontos com altos índices de des-matamento, com um forte impacto no ecossistema local, enquanto áreas mais distantes permanecem inalteradas.
Há outros fatores Desmatamento: primeira etapa da ocupação de terras depois abandonadas
Alves calcula que 95% de todas as áreas desmatadas estão concentradas em apenas 40% da Amazônia Legal. A tendência é que o desmatamento cresça ao longo dos corredores das estradas e como expansão das áreas pioneiras. Os dados levantados pela equipe do Inpe mostram que influenciam a si-
tuação. Há casos em que foram preservadas manchas de bosque no interior das áreas desmatadas. Nesse caso, a recuperação caminha melhor e, com mais vegetação, o seqüestro de gás carbônico aumenta. Outros fatores importantes são a disponibilidade de sementes nas áreas que foram deixadas intactas em redor do terreno desmatado e a capacidade de rebrota das raízes que permaneceram no solo, mesmo durante o aproveitamento econômico.
Projeto de ocupação - Isso é importante porque o desmatamento da Amazônia está crescendo em ritmo acelerado. De acordo com Alves, a Amazônia Legal, com 5 milhões de quilômetros quadrados, cobrindo áreas de Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, tinha menos de 10 milhões de hectares desmatados na década de 1970. Houve um enorme aumento, para 38 milhões de hectares, em 1988. E o desmata-
menta continua. Em 1997, o total tinha saltado para 53 milhões de hectares.
Alves diz que a derrubada das florestas está intimamente ligada a um projeto de ocupação da Amazônia posto em prática na década de 70, em que estradas pretendiam integrar a An;tazônia ao resto do País, acelerando o estabelecimento de grandes pecuaristas e pequenos agricultores na região.
O pesquisador lembra que partes do Estado do Paraná chegaram a perder população na década de 70, quando muita gente partiu para tentar a sorte nas fronteiras agrícolas. Chegando ao terreno, uma das primeiras atividades do agricultor era derrubar a mata. O próximo passo era tentar ganhar a vida, com o plantio ou a criação de gado. Nem todos deram certo. Algumas áreas foram abandonadas e estão sendo retomadas pela mata. São esses terrenos os estudados pelo grupo do Inpe.
Os estudos da equipe do Inpe confirmaram tendências já registradas anteriormente. Por exemplo, está claro que as áreas desflorestadas acom-
que 86% dos desmatamentos mais recentes estão no máximo a 25 quilômetros das áreas de abertura pioneiras, que começaram a ser ocupadas economicamente por volta de 1978.
Corredores de estradas- O grupo do Inpe identificou três corredores formados pelas estradas da região. Uma rede, mais a oeste, é formada pela rodovia Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco, a BR-364, e por trechos formados pelas rodovias BR-17 4 e BR-070. A rede leste é criada pelas estradas do leste de Mato Grosso e do Pará e por rodovias do Maranhão e Tocantins, como BR-010, BR-153 e PA-150. A rede central é formada pela BR-163, a Cuiabá-Santarém, e pela BR-230, a Transamazônica, além de diversas estradas que saem como ramais da BR-163 para pontos do norte de Mato Grosso.
Os trabalhos do Inpe estimam que foram desmatados, entre 1991 e 1996, cerca de 9,1 milhões de hectares na Amazônia Legal. Desse total, 3 7% ocorreram em Mato Grosso,
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 • 27
29% no Pará, 16% em Rondônia, 5% no Maranhão e no Amazonas, 3,3% no Acre, 2,4% em Tocantins e 1,3% em Roraima.
Efeito estufa - A semelhança do processo de ocupação de Rondônia com o de outras áreas veio em auxílio dos pesquisadores. "O trabalho agora concluído em Rondônia, revelando uma absorção de carbono menor que a prevista em modelos anteriores, permite a extrapolação de dados para todas as re-
Fonte D16genes Salas Alves/lnpe
giões desmatadas em processo de recuperação natural': diz Alves. Uma melhor compreensão do impacto do desmatamento e do abandono sobre o balanço de carbono contribui para melhorar nosso entendimento sobre o efeito estufa.
Os registras históricos mostram que a temperatura média do globo aumentou cerca de 0,6 grau Celsius nos últimos 150 anos. Os climatologistas estão divididos sobre a origem desse aquecimento. Uma parcela crescente de pesquisadores atribui esse aumento à ação do homem. Alguns, no entanto, afirmam que dados ainda pouco conhecidos também devem ser levados em conta. Entre esses dados estariam variações na radiação solar e a ação de gases e cinzas expelidos por atividades vulcânicas na atmosfera. A elevação nas temperaturas médias poderia já estar produzindo degelos nos cumes das montanhas mais altas e um aumento da formação de icebergs, especialmente na Antártica.
Período e finalidade -Algumas lacunas permanecem. Entre elas, as relações entre o período e a finalidade do uso das terras desmatadas e o seu padrão de recuperação. Esse problema é muito claro em Rondônia, um dos
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Estados que tiveram maior impacto proveniente da ocupação humana num curto período de tempo. O Estado tem uma área de 234.800 quilômetros quadrados. A área desmatada saltou de 4.200 quilômetros quadrados, em 1978, para 34.600 quilômetros quadrados, em 1991. Esse total inclui a devastação de florestas, excluídas as áreas de cerrado. A forma predominante do uso da terra é o pasto. As culturas, perenes ou anuais, ocupam, segundo o IBGE, cerca .de 7.000 quilômetros quadrados.
Poucos estudos- "Como área de ocupação recente, Rondônia tem sido pouco estudada': afirma o pesquisador. O ponto de partida para as estimativas, tanto em Rondônia como em outras partes da Amazônia, é a série de dados coletada pelo projeto Radambrasil, na década de 70. Esses dados foram aumentados com o trabalho de sensoriamento remoto, feito pelo satélite Landsat, e numa escala de maior detalhe com o trabalho de campo feito pela equipe do Inpe. Esse trabalho incluiu entrevistas com os donos dos terrenos, tentando achar elementos como o período em que as áreas foram usadas e o tempo em que estão abandonadas, permi-
Vilhena
tindo a recuperação da cobertura natural.
Alves chama a atenção para a relação entre as áreas de desmatamento mais intenso e a rede de estradas. "Isso é uma indicação de que regiões mais fortemente ligadas aos processos econômico e social em escala nacional estão sujeitas a maiores pressões para a abertura de áreas em florestas naturais': sublinha. Isso, acrescenta, deve ser levado em conta na formulação de políticas governamentais. "O Programa Brasil
em Ação prevê uma significativa ampliação da rede viária já existente e de sua infra-estrutura", lembra.
A ocupação humana começou a crescer em Rondônia na década de 70, depois da abertura da BR-364, vinda de Cuiabá, e do estabelecimento de assentamentos pioneiros. A colonização de áreas mais distantes, como Machadinha d'Oeste, na área da pesquisa, começou no início da década de 80. Nas áreas distantes até 12,5 quilômetros da BR-364, as áreas de florestas remanescentes eram inferiores a 20% em 1995. Um quadro similar foi encontrado nas áreas próximas às três principais estradas da região, mostrando que a retirada das florestas superou os limites legais de 50% à época. As culturas perenes mais presentes na área são o café e o cacau. Entre as anuais, o milho, o arroz e o feijão. As áreas de recuperação natural abrangidas pelo estudo foram abandonadas por diversos motivos, como a queda dos preços de mercado de vários produtos agrícolas e a falta de capitais.
O resultado do estudo, indicando que mesmo as áreas devolvidas à floresta absorvem uma fração modesta do carbono emitido no desmatamento, questiona um modelo de ocu-
menta de pequenos agricultores e os de estabelecimento de grandes áreas de pecuária, incorrem em práticas que se traduzem na destruição das florestas", acrescenta.
O impacto da destruição das florestas, prossegue o pesquisador, não deve ser medido somen-
. te em termos de um aumento na carga de gás carbônico na atmosfera. Ele também afeta os recursos naturais representados pela fauna e pela flora e tem um impacto significativo sobre os rios e os recursos hídricos em geral, assim como sobre o clima.
Os perigos da ocupação humana: áreas próximas a estradas sofrem redução drástica da floresta Para mudar isso, se-
pação da Amazônia que, segundo Alves, passou por Getúlio Vargas, ganhou uma nova dimensão com Juscelino Kubitschek e foi posto em prática pelo regime militar. "Esses projetas não levaram em conta a dimensão social da transferência de populações e nem poderiam considerar o processo de liberação de gás carbônico produzido pelo corte de florestas': afirma. Finalmente, a redução importante das florestas nas áreas próximas às es tradas leva a que essas regiões sofram mais alguns dos impactos do desmatamento, em particular aqueles relacionados à fragmentação elevada e à perda de espécies nessas áreas.
Realmente, o efeito estufa provocado pelo dióxido de carbono foi descrito pela primeira vez em 1863 pelo britânico John Tyndall, em artigo publicado na Philosophical Magazine. Em 1896, o cientista sueco Svante Arrhenius também chamou a atenção sobre o assunto. As preocupações cresceram na década de 60, quando
mo em áreas distantes das atividades humanas, como Mauna Loa, no Havaí, e na Antártica, detectaram um aumento da presença de dióxido de carbono na atmosfera. E atingiram um ponto ainda mais alto na década de 70, quando se descobriu o papel destruidor dos CFCs sobre a camada de ozônio.
Barreira ao acesso - "A mentalidade que vem desde o descobrimento, .de ver as florestas como uma barreira ao acesso para o interior, ainda não foi alterada': afirma Alves. "Projetas convencionais, como os de assenta-
rá necessária uma ação envolvendo todos os interessados. Mas essa união não parece estar próxima. "No Brasil", diz o pesquisador, "empresários e ambientalistas ainda não falam a mesma linguagem quando se trata de estabelecer. critérios. Os grupos de pressão, freqüentemente, é que fazem valer suas pretensões". •
PERFIL:
• DIOGENES SALAS ALVES tem 43 anos e é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) desde 1987. Formou-se em Engenharia da Computação e Matemática Aplicada pelo Instituto Eletrônico de São Petersburgo, na Rússia, com pós-graduação na Universidade Pierre et Marie Curie (Paris-6), na França, e na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Projeto: Análise da Dinâmica do Uso da Terra na Região de Ii-Paraná, RO, e sua Relação com o Ciclo do Carbono
observatórios situados mes- Alves: imagens de satélite exibem o avanço do desmatamento Investimento: R$ 38.075,00
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 • 29
CIÊNCIA
ZOOLOGIA
A dieta equilibrada do lobo-guará Estudo aprofundado mostra preferência por frutos e pequenos animais
Olobo-guará ( Chrysocyon brachyurus), um canídeo brasilei
ro ameaçado de extinção, não é, ao contrário do que as pessoas coroumente acreditam, um voraz comedor de galinhas: essa ave doméstica corresponde a apenas de 0,1 a 1,9% de sua alimentação que, diga-se em favor do lobo brasileiro, pauta-se por uma dieta bastante equilibrada, dividida meio a meio entre animais e frutos. Aliás, por ser um grande consumidor de frutos, o lobo é um ótimo dispersar de sementes, o que já deveria ser suficiente para reduzir o papel de vilão que a cultura popular lhe atribui. Entre os alimentos mais ingeridos pelo guará estão a lo beira ( Solanum lycocarpum), a gabiroba ( Campomanesia spp) -frutos típicos do cerrado - e pequenos roedores.
rá, Chrysocyon brachyurus (Mammalia: Canidae), no Sudeste do Brasil-, no qual a FAPESP investiu R$ 32,7 mil, Motta Junior procurou obter o perfll mais completo, até hoje já feito, da dieta do lobo-guará, estabelecendo sua variação nas diferentes paisagens em que ele vive.
O trabalho de campo desenvolveu-se ao longo de 27 meses, em oito localidades, seis delas no Estado de São Paulo e duas em Minas Gerais. Embora tenha partido de um estudo específico de dieta, o projeto desdo-
brou-se em subprojetos, entre eles o de avaliação das atitudes e do conhecimento da população rural sobre o lobo-guará. O alvo prático da pesquisa era, evidentemente, dispor de novos subsídios para um planejamento adequado de manejo e conservação da espécie.
Andarilho noturno- O caminho usado para investigar a alimentação do lobo foi basicamente a análise de fezes, prática facilitada pela característica do animal de engolir quase intei
"' ras as presas de até três i quilos, como tatus e fi~ lhotes de veado. Mas o o ~ guará é onívoro, o que ~ 15 significa que também Q. se alimenta de frutos e ~ plantas. Para chegar a ~ < essas conclusões, a aná-
lise centrou-se no exame das sementes encontradas nas fezes, que indicou o número e o tipo de frutos consumidos. A lobeira destacou-se como o fruto preferido, correspondendo a cerca de um terço de toda a alimentação.
Os dados referentes à ingestão de frutos caracterizam o lobo-guará como um legítimo dispersar de sementes. ''As sementes passam pelo aparelho digestivo razoavelmente intactas e depois normalmente germinam': diz Motta Junior.
Essas são algumas das conclusões de um estudo coordenado pelo pesquisador José Carlos Motta Junior, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), sobre os hábitos dessa espécie típica da biodiversidade brasileira, hoje sob risco de desaparecimento. Nesse trabalho - Ecologia Trófica do Lobo-gua- O lobo-guará: dispersor de sementes e exterminador de roedores
A importância do lobo como agente dispersar aumenta pelo fato de ele ser um animal que caminha muito - sobretudo durante a noite-, por áreas exten-
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sas, que variam de 20 a 110 quilômetros quadrados.
Falsa impressão - Motta Junior ouviu a população rural das áreas envolvidas na pesquisa. "Colhemos as impressões sobre o animal nas oito localidades estudadas comparamos com o conhecimento científico, em busca de convergências e divergências", diz ele.
foco do projeto. Nas oito localidades estudadas, encontraram-se condições muito diferentes, desde áreas muito devastadas até regiões bem preservadas. "Obtivemos imagens de satélite para fazer uma análise mais detalhada, procurando correlacionar as distintas paisagens com a dieta", diz Motta Junior. "Quanto mais alterada está a paisagem natural, menos natural é a alimentação do
"' o z 2. ., b I:
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Lobeira, a fruta preferida do lobo-guará, e Motta Junior: desfazendo os preconceitos
da população rural de São Paulo e Minas
Vm resultado: a maioria esmagadora dos entrevistados respondeu que o alimento preferido do lobo eram frangos e galinhas - o que absolutamente diverge dos dados da pesquisa de campo, que indicaram que galinhas e frangos ocupam uma posição completamente secundária na dieta do animal (0,1 a 1,9%). Mais: a pesquisa já constatara que, para cada galinha, o lobo consome de 50 a 70 ratos, prática que tem um benéfico e pouco conhecido efeito para a população (uma vez que ratos são transmissores de várias doenças e podem ser pragas agrícolas). As impressões errôneas da população sobre o animal contribuem para sua morte não natural e agravam a ameaça de extinção da espécie.
Mas essa reação negativa da população ao lobo não representa, nem de longe, a única ameaça à preservação da espécie. A devastação de seu ambiente (cerrados), os freqüentes atropelamentos e a caça são outras. As paisagens que os lobos brasileiros habitam foram outro
animal, incluindo frutos cultivados e até as galinhas."
No Estado de São Paulo, os trabalhos de campo foram realizados na Estação Experimental de Itapetininga, estações ecológicas de Itirapina, Águas de Santa Bárbara e Luís Antônio (ou Jataí), Fazenda Fortaleza, de propriedade da Ripasa S/A, no município de Ibaté, e áreas naturais do câmpus da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Em Minas, foram estudados o Parque Nacional da Serra da Canastra, no município de São Roque de Minas, e a Fazenda Salto e Ponte, no município de Prata, de propriedade da A. W. Faber Castell. Todas essas áreas e suas vizinhanças possuem uma cobertura vegetal principalmente de cerrados e campos cerrados.
O Parque Nacional da Serra da Canastra foi a maior e mais natural área trabalhada, enquanto a Fazenda Fortaleza foi o local mais alterado: ela abriga basicamente eucaliptos, além do cultivo de cana-de-açúcar e de cítricos em seu entorno, com uma proporção muito baixa de vegetação natural.
Os dados sobre a quantidade de animais foram obtidos indiretamente, por meio de vestígios, pega
das e entrevistas z
~ com os moradores §
locais. Por meio ::>
~ desses estudos, cal-culou-se que na extensão trabalhada na Serra da Canastra devam viver de . . . cmco a seis casais. Já na fazenda Fortaleza apenas um casal foi observado.
Sabe-se hoje, depois da pesquisa, que, além de frutos, pequenos roedores e aves, o guará alimenta-se também de pequenos mamíferos, marsupiais e, em menor escala, de insetos e répteis. Segundo Motta Junior, os re
sultados da pesquisa certamente representam uma boa contribuição aos planos de conservação do ameaçado lobo-guará. •
PERFIL:
• ]OSÉ CARLOS MoTTA ]UNIOR, formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), fez o mestrado no Instituto de Biociências na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e o doutorado na UFSCar. É professor de Ecologia Animal do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) desde 1996. Projeto: Ecologia Trófica do Lobo-guará, Chrysocyon brachyurus (Mammalia: Canidae), no Sudeste do Brasil Investimento: R$ 32.715,00
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 31
TECNOLOGIA
NOVOS MATERIAIS
Produto resistente e brilhante
Empresa de São José dos Campos é a primeira a fabricar diamante
A produção de diamantes artificiais já é uma realidade no
Brasil. A empresa Clorovale, de São José dos Campos, está em vias de iniciar a industrialização de brocas odontológicas feitas com esse nobre material. Comparada com as convencionais, de metal ou de diamante importado, a superfície da ponta dos instrumentos desenvolvidos aqui é mais regular, não contém resíduos metálicos e sofre
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menos desgaste. ~
Com isso, a Cloro- ~ vale será a primei- ~ ra empresa na América Latina a produzir diamantes sintéticos, puros sem adição de metais. Esse produto está ganhando espaço, no exterior, entre os equipamentos de precisão de uso industrial, nas ferramentas para usinagem de metais, na configuração de dissipadores de calor de alto desempenho utilizados na base de chips de computadores, em implantes biológicos e em naves espaciais (veja na página 35).
A Clorovale atingiu um processo de produção sofisticado e inovador, depois que passou a se dedicar mais decididamente a esse material a partir de 1998, quando foi aprovado pela FAPESP o projeto Desenvolvimento de Dispositivos em DiamanteCVD para Aplicações de Curto Prazo,
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coordenado pela pesquisadora da empresa, Kiyoe Umeda. O financiamento total de R$ 135,3 mil e US$ 76,4 mil faz parte do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), que financia projetos a fundo perdido para empresas com proposta de desenvolvimento tecnológico e menos de cem funcionários.
Série de brocas odontológicas que serão produzidas pela Clorovale
A produção de diamantes sintéticos na Clorovale foi possível com a associação de três pesquisadores, além de Umeda, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Evaldo José Corat, Edson Del Bosco e Vladimir Jesus Trava-Airoldi, com o empresário e também pesquisador Luiz Gilberto Barreta, fundador da empresa. Trava-Airoldi é um dos
pioneiros do estudo de diamantes artificiais no Brasil. Ele e sua equipe estudam esse novo material desde 1991, no Inpe, e, desde 1996, na Universidade São Francisco (USF), de Itatiba, com o grupo do professor João Roberto Moro, também sócio na Clorovale. Além do Inpe e da USF, no Brasil existem outros grupos de estudo em diamantes artificiais, na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), no Instituto de Física da Universida
de de São Paulo (Ifusp), na Universidade Estadual
Paulista (Unesp) e na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Cinco patentes -Os pesquisadores do Inpe e um pesquisador da Unicamp, o professor Vítor Baranaus
kas, já fizeram a so-licitação de cinco
patentes de produtos e processos que
estão em trâmite de julgamento no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Duas são refe-
rentes aos dois tipos de brocas odontológicas que serão industrializadas, uma para motores rotativas e outra para aparelho de ultra-som, esta última com a vantagem de evitar a anestesia em 80% dos casos de utilização. Outras duas patentes referem-se a produtos que estão em fase de desenvolvimento final nas universidades. São serras diamantadas para corte de precisão em vidro e em pedras e a produção de peças de diamante com orifícios, iguais a fieiras, destinados à produção de fios condutores e arames.
A quinta patente refere-se a uma inovação que os pesquisadores incorporaram à tecnologia chamada CVD ( Chemical Vapor Deposition -ou deposição química na fase vapor). Eles introduziram gases halógenos ( tetrafluoreto de carbono (CF4), por exemplo), como matéria-prima, junto com hidrogênio e metano na fabricação de diamantes sintéticos. Com isso, o resultado é um produto com maior grau de pureza que a tecnologia empregada na confecção dos primeiros diamantes artificiais. Atualmente, a técnica utilizada para a produção desse ma-
cos, como sinalizadores luminosos chamados de leds, normalmente vermelhos, verdes ou amarelos, que com o diamante CVD poderão ter a cor azul.
Produzir diamantes para a Clorovale é, além das boas perspectivas comerciais, a oportunidade de utilizar o gás hidrogênio, um subproduto da fabricação do hipoclorito de sódio - matéria-prima do processo de produção da água sanitária, produzida pela empresa desde a sua fundação em 1991. Com o novo projeto, o hidrogênio deixa de ser, simplesmente, jogado no ar para
a 2.300°C. Nessa temperatura, o hidrogênio e o metano se decompõem em radicais ( CH3 e H) e vão reagir e se fixar à superfície de um substrato, que pode ser silício, molibdênio, nióbio ou quartzo.
Nessa superfície começa a se formar uma cadeia carbônica policristalina, cuja célula unitária é um cubo. A união dessas células cúbicas forma uma película ou filme de diamante sobre o substrato, podendo atingir espessuras desde frações de mícron até vários milímetros. O crescimento homogêneo da película é garantido no controle preciso dos
parâmetros de temperatura, distância do filamento ao substrato, composição e fluxo dos gases, pressão interna no reator, etc. Para produzir tubos, por exemplo, o processo é conduzido de modo que a película cresça o mais lisa possível. Na produção de brocas, as células cúbicas do diamante crescem de forma abrasiva, com rugosidades.
Umeda e Trava-Airoldi: experiência no lnpe foi decisiva para a produção de diamantes industriais
Mesmo com o domínio dos processos de fabricação de diamantes, foi difícil para os pesquisadores do Inpe encontrar empresas interessadas na transferência da tec
terial ainda é pré-CVD. Ela se vale da adição de vários tipos de metal para dar liga a um pó de diamante industrializado.
Cortes e cores - A tecnologia CVD também será incorporada, em futuro próximo, à fabricação de agulhas hipodérmicas, facas para cortes de precisão de plásticos mineralizados, serras para corte de vidro e pedras, como granito e mármore, e tubos para corte por jato d'água em altíssima pressão, o chamado "corte limpo': O uso também será estendido a alguns componentes eletroeletrôni-
tornar-se um componente essencial à produção de diamante artificial -feito, no caso, pela mistura de hidragênio e metano -, transformando-o num produto disponível para o mercado a custos mais baixos.
O processo- No início da produção de diamante pelo método CVD, o hidrogênio é misturado ao metano e, eventualmente, a um tipo de gás halógeno, dentro de uma câmara de mistura. Depois, a composição gasosa é introduzida em um reator, onde é submetida a um conjunto de filamentos de tungstênio aquecidos
nologia desenvolvida pela equipe. Foi aí que os próprios pesquisadores resolveram empreender a fase industrial e fizeram uma providencial união com o empresário Barreta, que os convidou para serem sócios na empresa. "Então, unimos o útil ao agradável", conta Trava-Airoldi. Em 1995, a Clorovale começou um trabalho modesto de pesquisa em diamante-CVD. "Dois anos depois, enviamos o projeto à FAPESP, que aprovou a primeira fase em 1998 e a segunda em 1999. Isso nos deu força para intensificarmos o trabalho e hoje já temos o primeiro produto em
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 • 33
vias de industrialização, que é a broca de dentista", afirma. Na fase atual, a empresa conta com dois reatares, que serviram para testar a viabilidade técnica do projeto, e está montando mais quatro, com tecnologia também desenvolvida no Inpe e na USE
Ponta de broca convencional com impurezas ... ... e sem resíduos, produzida no sistema CVD
Exportação - Um fator que tem animado os sócios da Clorovale foi a boa receptividade que os dois tipos de brocas odontológicas tiveram em janeiro deste ano, quando foram apresentadas no XIX Congresso Internacional de Odontologia, reunido em São Paulo. Uma empresa de Ribeirão Preto, a Adiel Comercial, pesquisou o mercado para a Clorovale e várias indústrias mostraram-se interessadas, entre elas uma japonesa do setor odontológico, que poderá importar as brocas odontológicas brasileiras.
As perspectivas industriais e comerciais para o diamante CVD ainda devem apresentar um crescimen-
Dureza do carbono
Diamante é um material constituído unicamente de átomos de carbono. É o material mais duro que existe na natureza e também o mais duro que se pode produzir em laboratório. Outra de suas propriedades notáveis é ostentar grande nível de transparência dentro do espectro de radiação eletromagnética -um intervalo que vai da faixa do raio X até a do infravermelho. Seu coeficiente de atrito é extremamente baixo - equivalente ao do teflon utilizado em frigideiras -, o que o torna um material autolubrificante. Sua capacidade de dissipar calor é muito alta, quatro vezes maior que a do cobre. É
34 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP
to vertiginoso nos próximos anos até, quem sabe, se tornar um verdadeiro "pau para toda obra" no século XXI. A demanda pelo diamante CVD ainda não atingiu toda a pleni-
tude criativa que esse produto feito basicamente de hidrogênio e metano pode receber. Portanto, tudo indica que no futuro próximo haverá espaço para novas indústrias se for-
marem no país, como a Clo-.: rovale. Com tantos institu
tos de pesquisa envolvidos no estudo desse material no Brasil, existe a chance, também, do aparecimento de novas parcerias entre pesquisadores e empresas ou entre empresas e instituições acadêmicas. Assim, certamente, as perspectivas são de um futuro brilhante. •
de átomos de boro, transformando-o em um semicondutor, o que permite seu uso no segmento eletroeletrônico.
Imagem microscópica do diamante CVD
O diamante CVD tem propriedades equivalentes às do diamante natural, com a vantagem de ser obtido na forma de filmes finos em superfícies pequenas (meno
um material compatível com tecidos biológicos e quimicamente inerte, possibilitando boa integração com material ósseo e implantes. Por tudo isso, o diamante tem numerosas aplicações. Embora seja eletricamente isolante, pode ser "dopado" por meio da introdução em sua estrutura de pequena quantidade
res que lmm2) e grandes (maio
res que 100 cm2) em diferentes
formatos para vários usos. A única dificuldade é transportá-lo para jóias, porque seus cristais não crescem como na natureza, em uma só direção. No CVD, eles crescem formando pequenos grãos, impedindo a mesma beleza expressa no diamante natural.
No rumo de Marte A Agência Espacial America
na, a National Aeronautics and Space Administration (Nasa), está testando em seus laboratórios alguns protótipos de tubos de diamante dotados de uma espécie de broca para perfurar e retirar material para análise do solo do planeta Marte. Pesquisadores da Nasa leram estudos do professor Vladimir Trava-Airoldi em revistas especializadas e fizeram um contato, ainda de modo informal, solicitando amostras do material. Trava-Airoldi, então, co-
PERFIS:
• VLADIMIR JESUS TRAVA AIROLDI, 45 anos, formou-se em Física pela USP, fez mestrado e doutorado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e pós-doutorado nos Estados Unidos, no California Institute of Technology (Caltech) e na NASA. • KrYOE UMEDA, 61 anos, formou-se em Engenharia Química pela Escola de Engenharia Mauá. Fez mestrado na Escola Politécnica e doutorado no Instituto de Química, ambos da USP. Fez pós-doutorado
meçou a fazer os tubos no Inpe, em conjunto com a equipe do professor João Roberto Moro, da Universidade São Francisco.
O interesse da Nasa é pela capacidade do tubo em ser transparente ao raio X. Com isso, além de coletar o material, a análise pode ser realizada na própria nave pousada em solo marciano. Os tubos são minúsculos. Medem 0,4 milímetro de diâmetro interno e 0,6 milímetro de diâmetro externo e de 2 a 10 milímetros de compri-
---- ~ mento. "Esse é um <: estudo a longo pra-
zo, sem previsão de conclusão", informa o professor Airoldi. Se forem levados a Marte, esses tubos de diamante certamente se transformarão em um novo marco na ciência brasileira.
Tubo de diamante de 0,5 milímetro de diâmetro enviado à Nasa
no Centro de Pesquisa Nuclear de Karlsrue, Alemanha. • L UIZ GILBERTO BARRETA, 47 anos, formado em Química pela Unicamp. Fez mestrado em Engenharia Nuclear na Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado em Química na USP. Projeto: Desenvolvimento de Dispositivos em Diamante-CVD para Aplicações de Curto Prazo Investimento: R$ 135.333, 50 e US$ 76.485,00
TECNOLOGIA
APICULTURA
Apicultores ganham com qualidade
Pesquisador desenvolve nova técnica para análise de própolis
U ma nova técnica de controle da qualidade de amostras e de
extratos de própolis está disponível para os apicultores brasileiros. A pesquisa Proposta de Parâmetros e Métodos de Controle Químico de Própolis resultou em protocolos de análise des-se produto sintetiza- z
do pelas abelhas. Ela ~ ~ foi coordenada pelo :>
professor Antônio Sa- ~
latino, do Laboratório de Fitoquímica do Instituto de Biociências da USP. Ele orientou o mestrado de Ricardo Woisky, da Faculdade de Ciên- Produto da abelha
cias Farmacêuticas da USP e bolsista da FAPESP.
Publicado no americano ]ournal of Apiculture Research, o trabalho é importante, porque o Brasil é um dos grandes exportadores para países como Japão e Alemanha. "Corremos o risco de perder mercado se não houver uma padronização das características da própolis", afirma Salatino.
Depois de divulgar mais amplamente o trabalho no ano passado, Salatino recebeu correspondências de apicultores, mas nenhum interessouse em implementar o novo método. "Eles pedem que a própria USP faça os testes. Mas eu acredito que essa não é função da universidade. Nós devemos dar consultaria para os apicultores desenvolverem a infra-estrutura e aplicarem esse método." •
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 35
TECNOLOGIA
MICROELETRÔNICA
Maior capacidade de memória
Pesquisas melhoram componentes para uso em equipamentos eletrônicos
Oaumento das fronteiras no mundo da microeletrônica é
constante. Trabalha-se muito em todo o mundo para o desenvolvimento de memórias eletrônicas cada vez mais potentes, capazes de armazenar e processar mais informações. No Brasil, não é diferente. Pesquisas recém-finalizadas mostram um novo método de obtenção de filme ferroelétrico, um componente que ganha espaço na produção de memórias de computadores e de capacitares- armazenadores de energia - de aparelhos eletrônicos.
A novidade parte de dois grupos de pesquisadores. Um liderado pelo professor José Arana Varela, do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (LIEC) da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), em Araraquara, e o outro sob a coordenação do professor Elson Longo, do laboratório também chamado de LIEC, da Universidade Federal de São Carlos. Eles estão finalizando o projeto temático Desenvolvimento de Cerâmicas e Filmes Ferroelétricos através do Controle da Microestrutura. A pesquisa recebeu financiamento da FAPESP, com valores de R$ 88,7 mil e US$
utilizados, principalmente, na compra de equipamentos importados, durante os quatro anos do projeto. Participaram dos estudos 40 pesquisadores, entre docentes e alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Essa equipe obteve resultados que permitiram até agora, a produção de 45 artigos que foram publicados em revistas especializadas internacionais.
Ácido cítrico - Com resultados melhores que os esperados inicialmente, os trabalhos resultaram em um filme produzido, de forma inédita, com solução orgânica de ácido cítrico, presente em frutas como laranja e limão, sobre substratos (material de suporte) monocristalinos, compostos de silício ou safira, por exemplo. Esses filmes também poderão ser aplicados em guias de ondas, artefatos ainda estudados em laboratório, que con-
duzem energia elétrica sob a forma de ondas luminosas, de forma semelhante e mais eficiente que as fibras ópticas utilizadas em telefonia.
Entende-se por filme, aqui, qualquer película muito fina que separa duas fases de um sistema, ou forma a própria interface dessa separação. Eles originam-se entre dois líquidos, como acontece entre a água e o óleo, entre um líquido e um vapor ou na superfície dos sólidos. As pesquisas na área de filmes finos sólidos - com espessura menor que um micrometro (milionésima parte do metro)crescem de forma significativa devido às vantagens desse material, principalmente, na miniaturização de equipamentos eletrônicos.
A confecção de filmes ferroelétricos mais eficientes e baratos ganha importância porque eles garantem maior capacidade de memória e são candidatos a substituir as atuais me-
438,4 mil que foram Varela: filmes ferroelétricos deverão substituir as atuais memórias ferromagnéticas dos computadores
36 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP
monas dos computadores, formadas por materiais ferromagnéticos. "No futuro, as memórias ferroelétricas serão as mais utilizadas", afirma o professor Varela. A ferroeletricidade é um fenômeno apresentado por alguns cristais, como o titanato de bário. Esses materiais possuem dois centros de cargas elétricas com sinais opostos - chamados dipolosseparados por uma pequena distância. Esses dipolos podem ser direcionados por meio de um campo elétrico aplicado ao material (processo chamado de polarização), permitindo o arquivo de sinais eletrônicos.
Bilhões de ciclos - As memórias ferroelétricas de acesso aleatório, as FeRAMs, têm características não voláteis, ou seja, uma vez removida a energia, a informação continua armazenada. O problema é que elas perdem a polarização com o tempo de uso (número de ciclos). Essa dificuldade, denominada fadiga ferroelétrica, é causada por vários fatores, incluindo a composição do filme e a reação deste com os eletrodos, material que cobre e faz as interconexões de um sistema.
equipes dos professores Varela e Longo foi dado com a produção de filmes muito finos (de 0,4 a 1 micrometro) com a otimização de processos convencionais utilizando um ácido tão simples e barato como o ácido cítrico. Além de simplificar o processo, o ácido cítrico é facilmente dissolvido em água, solubilizando sais inorgânicos de baixo custo contendo características químicas necessárias para o processamento do material desejado. O processo, denominado de precursores poliméricos, substitui com vantagens o processo convencional, chamado de sol-gel, que requer sais caros e importados, além de necessitar de
uma manipulação em laboratório mais complexa.
O primeiro passo do trabalho dos pesquisadores foi atingir a produção das cerâmicas com as características ferroelétricas. Elas têm a mesma composição dos filmes, porém possuem tamanhos bem maiores, tornando-se mais aptas aos experimentos que essas películas microscópicas. A rota do processo de obtenção dos filmes inicia-se com a produção de resinas contendo um metal, como titânio ou bário, que forma uma reação química com ácido cítrico e álcool, resultando em uma solução polimérica. Essa solução pode ser utilizada tanto para pro
duzir pó cerâmico como para obter filmes finos. Para atingir esse segundo objetivo, mergulha-se o substrato nessa solução, obtendo-se filmes precursores que, em seguida, passam por tratamento térmico- queima-, resultando num filme cristalino e denso com características ferroelétricas. A morfologia da superfície desses filmes deve ter características como homogeneidade e baixa rugosidade.
Nesse sentido, os resul- A produção da cerâmica é realizada em uma prensa quente
Dopagem metálica - Obter uma cerâmica ou filme padrão, no entanto, não resolve definitivamente as necessidades tecnológicas. É preciso que o material processado seja reprodutível, ou seja, que os lotes de materiais não apresentem discrepâncias em propriedades elétricas uns em relação aos outros, avalia Varela. Daí uma razão adicional para o controle rígido da microestrutura da cerâmica ou do filme. Esse controle é estratégico para se conseguir os resultados reprodutíveis, pois as propriedades elétricas desses materiais são de-
tados obtidos no LIEC no processamento de filmes finos ferroelétricos de titanato de bário e de tantalato de bismuto e estrôncio são bastante animadores. Esses filmes, produzidos com soluções de ácido cítrico, depositados em substratos de silício recobertos com eletrodos de platina, apresentam fadiga ferroelétrica desprezível após 10 bilhões de ciclos, valor de referência mínima para testes de vida útil de memórias de computadores.
O salto qualitativo nas pesquisas realizadas pelas A última etapa da preparação dos filmes é o tratamento térmico
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 37
pendentes do tamanho de grãos, distribuição de fases, etc. Quando necessário, para otimizar as propriedades elétricas, os físicos e químicos envolvidos nesse tipo de trabalho recorrem a estratégias de "dopagem", com a adição de elementos químicos diferentes da composição da cerâmica.
Isolantes - Os materiais cerâmicos ferroelétricos contendo chumbo são, atualmente, os mais estudados. A razão disso, segundo Varela, é que esses compostos têm Microestrutura de filme de titanato de bário sobre silício
alta constante dielé-trica. Dielétricos são substâncias incapazes de conduzir ou que conduzem muito mal uma corrente elétrica. Ao contrário do que acontece num condutor, onde a corrente elétrica flui com facilidade, num dielétrico não existem portadores de carga capazes de se deslocar sob ação de um campo elétrico externo. Os dielétricos são isolantes e só deixam passar carga elétrica sob a forma de uma descarga, quando sua rigidez dielétrica é superada. Esses materiais apresentam inúmeras aplicações na indústria eletrônica, especialmente na microeletrônica, como em capacitares, componentes constituídos por dois ou mais condutores separados por dielétricos.
Um dos desafios na construção de capacitares para memórias de acesso dinâmico (DRAM na abreviatura em inglês), para utilização em microeletrônica, é obter filmes extremamente finos - menores que 0,04 micrometro e com baixíssima corrente de fuga. As DRAMs armazenam informações em circuitos integrados que contêm capacitares. Segundo o professor Varela, nas pesquisas realizadas em Araraquara e São Carlos, em
38 • ABRIL DE 2000 • PESQUISA FAPESP
filmes constituídos com os metais bário, bismuto e tantálio, foi possível obter características elétricas que demonstraram a utilidade e o grande potencial desses componentes para uso como memória DRAM, e em memórias RAM, de computadores.
Mercado amplo - Uma dessas aplicações está ligada às memórias de acesso dinâmico. Na avaliação dós pesquisadores dos LIECs, praticamente todos os objetivos específicos da pesquisa foram atingidos nesses quatro anos de trabalho. Especialmente os relacionados à síntese das cerâmicas. Segundo o professor Varela, em todos os casos foi possível relacionar a microestrutura com as propriedades elétricas observadas. Todos os filmes considerados tiveram sua cristalização estudada, permitindo a maximização das propriedades desejadas. Além disso, as pesquisas envolveram ainda a determinação teórica da natureza de polarização dos materiais ferroelétricos por meio de cálculos quânticos.
As pesquisas permitiram ainda o estudo sistemático do processamento de cerâmicas ferroelétricas visan-
do ao controle mlcroestrutural desse material. Foi possível relacionar as propriedades elétricas com a microestrutura desenvolvida na cerâmica e filmes ferroelétricos depositados em substratos monocristalinos.
As aplicações para filmes finos como os desenvolvidos pelo LIEC têm um mercado atual estimado em bilhões de dólares, avalia o professor Varela.
Embora ainda não tenha indústria produtora desse tipo de componente eletrônico, o Brasil desen-volve conhecimentos
e prepara recursos humanos da mesma forma que muitos países que pesquisam tecnologias avançadas no campo da microeletrônica e da computação, como mostraram os estudos desse projeto temático. •
PERFIS:
• JOSÉ ARANA VARELA graduou-se no Instituto de Física da USP. Fez mestrado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, doutorado na Universidade de Washington e pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia, ambas nos Estados Unidos. É professor do Instituto de Química da Unesp, em Araraquara. • ELSON LoNGO é formado em Química pelo Instituto de Química de Araraquara (Unesp). Fez mestrado e doutorado no Instituto de Química (USP) de São Carlos. É professor do Departamento de Química da UFSCar. Projeto: Desenvolvimento de Cerâmicas e Filmes Ferroelétricos através do Controle da Microestrutura Investimento: R$ 88.700 mais US$ 438.437,50
Feromônio dentro da armadilha atrai mariposa macho do furão
Pastilha controla praga dos laranjais
Uma pastilha impregnada por feromônio, substância odorizante emitida pelas fêmeas de insetos para atrair os machos, é a nova arma para controlar o bicho furão, uma praga que consome cerca deUS$ 50 milhões, por ano, dos citricultores brasileiros, em perdas de frutos e gastos com defensivos agrícolas. A novidade foi desenvolvida por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV), com um investimento de R$ 200 mil do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). O furão é a fase de lagarta de uma mariposa negra (Ecdytolopha aurantiana) que fura o fruto e ali se desenvolve até se transformar em pupa e sair como adulta. O feromônio foi sintetizado por uma empresa japonesa da cidade de Tsuku-
TECNOLOGIA
ba, capital científica do Japão, pelo pesquisador brasileiro Walter Soares Leal. Segundo o coordenador do projeto, Evaldo Vilela, da UFV, a síntese foi realizada lá porque os resultados são mais rápidos e Leal, um dos maiores especialistas da área, trabalha naquele país. Nos primeiros testes de campo, a pastilha de feromônio mostrou-se eficiente acondicionada dentro de urna armadilha revestida na parte interna com uma membrana adesiva. Com isso, os insetos são atraídos, ficam grudados à armadilha e morrem. Esse sistema serve para controlar o número de indíviduos dessa praga. O citricultor detecta com mais facilidade o problema e pode pulverizar o local exato onde ocorre o furão, não necessitando fazer controle preventivo com produtos químicos. •
Aparelho ortopédico facilita recuperação
Crianças e adolescentes entre 6 e 13 anos com problemas ortopédicos na região do quadril terão maior facilida-
de de recuperação com um aparelho chamado artrodistrator, desenvolvido na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (FMRP). "Esse aparelho é indicado para várias patologias (traumas, infecções, doenças metabólicas e congênitas) em que a criança tem dificuldade de caminhar ou possui afecções dolorosas no quadril'; explica o professor José Volpon, do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia e pesquisador do laboratório de Bioengenharia da FMRP. O artrodistrator vai substituir tratamentos convencionais que incluem grandes cirurgias, principalmente na cabeça do fêmur, o maior osso da perna. Uma dessas afecções mais freqüentes e com alto poder lesivo é a doença de LeggCalvé-Perthes. Com a utilização do aparelho em crianças doentes, os pesquisadores conseguiram diminuir os problemas causados por essa doença. Para a instalação do aparelho é preciso uma pequena cirurgia para fixação dos pinos nos ossos através da pele. O artrodistrator afasta o osso da cabeça do fêmur da região do quadril onde está articulado. Essa
Artrodistrator instalado
estratégia deixa a área lesada protegida e propicia a aceleração do processo de revascularização do local doente, acelerando também a regeneração dos ossos. Os pacientes usam o artrodistrator por períodos de 3 a 4 meses. Com isso, eles podem caminhar sem a necessidade de ficar confinados a uma cama. O artrodistrator de quadril da FMRP está em fase de patenteamento. •
O grande mundo da nanotecnologia
Daqui a poucos anos estaremos vivendo a era das nanomáquinas, dispositivos em escala molecular, milhões de vezes menores que um fio de cabelo. A previsão foi feita no encontro anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência (American Association for the Advancement of Science), realizado em fevereiro, conforme relatou o jornal americano Financial Times. Pesquisadores de laboratórios acadêmicos e de indústrias revelaram que há rápidos progressos no desenvolvimento de nanomáquinas como motores moleculares e memórias para computadores, 50 mil vezes mais potentes que os meios magnéticos atuais. Além disso, será possível confeccionar membranas capazes de abrir e fechar poros de acordo com o tipo de molécula que se aproxime delas. Uma técnica útil, por exemplo, para tecidos de roupas que tenham o objetivo de evitar o suor. O diretor de ciências físicas da IBM, Thomas Theis, disse que mais de cem cientistas estão trabalhando no desenvolvimento de nanotecnologias em centros de pesquisa da empresa localizados na Suíça e nos Estados Unidos. •
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 1000 39
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
HOMENAGEM
Qualidade brasileira reconhecida ISI homenageia pesquisadores e lança base sobre patentes
Os 104 cientistas brasileiros mais citados em revistas científicas
internacionais entre 1990 e 1999 foram homenageados, dia 29 de março, pelo Institute for Scientific Information (ISI), entidade norte-americana que mantém o banco de dados mais abrangente do mundo sobre estudos científicos em todas as áreas. Fundado em 1958, o ISI divulga, desde 1961, o Science Citation Index (SCI), um registro de todas as citações de estudos
Artigo na Web ôf Science
feitas nas cerca de 3 mil publicações científicas internacionais mais relevantes. Todos os homenageados são autores ou co-autores de estudos citados mais de 50 vezes em trabalhos posteriores.
"Um número tão alto de citações demonstra a importância do trabalho no avanço do conhecimento científico daquela área. Com esta homenagem, estamos reconhecendo a excelência dos pesquisadores brasileiros': disse Keith McGregor, vice-presidente de marketing acadêmico do ISI, durante a homenagem.
O ISI identificou, nesta década, 66.974 papers escritos por pesquisadores brasileiros ou radicados no país,
Os mais citados
dentre os quais havia cerca de 60 trabalhos com mais de 50 citações posteriores. Foram selecionados, então, os 27 papers mais citados no maior número de especialidades diferentes. Cento e quatro cientistas estavam envolvidos na elaboração desses estudos. A maior parte dos trabalhos era de um amplo espectro de especialidades das áreas de ciências médicas e biológicas.
A homenagem, feita na Universidade de São Paulo, contou com a presença de representantes da comunidade científica de todo o país. A solenidade abriu encontro de dois dias que teve como objetivo apresentar a pesquisadores e bibliotecários de universidades e centros de pesquisa os no-
N" de Autor/Autores e Instituição citações
• Lapped Transforms for Efficient Transform Subband Coding 58 Henrique Sarmento Malvar (UNB)
• A Search for T-Tauri Stars Based on the IRAs Point-Source
• lnternai-Stress Reduction by Nitrogen lncorporation in Hard Amorphous
• Tellurium Reagents in O rganic-Synthesis
• Path Following Methods for Linear-Programming
• Chronic ln hibition of Nitric-O xice Synthesis - A New Model of Arter ial Hypertension
• Beneficiai-Effects of the Open Lung Approach with Low Distending Pressures in Acute Respiratory Distress Syndrome -A Prospective Ramdomized Study on Mechanical Ventilation
• Coronary Artery Bypass Grafting without Cardiopulmonary Bypass
• Therapy for Neurocysticercosis - Comparison Between Albendazole and Praziquantel
• Restaging of Colo rectai-Cancer Based on the ldentification of Lymph Nade Micrometastases Through lmmunoperoxidade Staining of CEA and Cytokeratins
• Amazonia Biomass Burnings in 1987 and na Estimate ofTheir Tropospheric Emmisions
• Evol ution of Digestive Systems of lnsects
40 • ABRIL DE 1000 • PESQUISA FAPESP
67
68
70
86
259
115
158
67
60
75
81
Jane Cris tina Gregorio Hetem (USP) Jacques Raymo nd D. Lepine (Lab.Nac.Astrofísica), Germano Rodrigo Quast (Observat . Nacional), Carlos Alberto Torres (Observ. Nac.),Jo rge Ramiro De la Reza (Observ. Nac.)
Dante Ferreira Franceschini Filho (UFRJ), Carlos Alberto Achete (PUC/RJ), Fernando Lázaro 'Freire Júnior (PUC/RJ
Nicola Petragnani (USP), João Valdir Comasseto (USP)
Clóvis Caesar Gonzaga (UFRJ)
Maria Odete Ribeiro Leite (USP), Edson Ant unes (Unicamp), Gilberto De Nucci (Unicamp), Ste lla Michelazzo Loviso lo (Unicamp), Roberto Zatz (Unicamp)
Marcelo Brito Passos Amato (HC/USP). Carmem Sílvia Valente Barbas (HC/USP), Denise M. Medeiros (HC/USP), Guilherme de Paula P. Schettino (HC/USP) , Geraldo Lorenzi Filho (HC/USP) , Ronaldo Adib Kairalla (HC/USP). Daniel Daheinzelin (HC/USP), Cristiane Morais (Sta.Casa Misericórdia/ Pto.Aiegre), Eduardo Fernandes (Sta.Casa Misericórdia/Pto.Aiegre), Teresa Yae Takagaki (HC/USP), Carlos Roberto R. de Carvalho (Sta. Casa Misericórdia/Pto.Aiegre)
Enio Buffo lo (Hosp. S.Paulo/Unifesp), José Carlos de Andrade Silva (Hosp. S. Paulo/Unifesp), João Nelson Rodrigues Branco (Hosp. S. Pau lo/Unifesp), Carlos Alberto Teles (Hosp. S. Pau lo/Un ifesp), Luciano Figueiredo Aguiar (Hosp. S. Paulo/Unifesp), W alter José Gomes (Hosp. S. Paulo/Unifesp)
Osvaldo Massaiati Takayanagui (USP/RP) , Edymar Jardim (USP/RP)
Raul Cutai t (USP),Venâncio Avancini F. Aives (Hosp. Sírio Libanês), Daher El ias Cutait (Hosp. Sírio Libanês), José LuizAivim Borges (Hosp. Sírio Libanês), Júlio da Motta Singer (Hosp. Sírio Libanês), José Hippólito da Silva (Hosp. Sírio Libanês), Fábio Schimidt Goffi (Hospital Sírio Libanês)
Alberto Waingort Setzer (INPE), Marcos da Cosa Pereira (INPE)
W alter Ribeiro Terra (USP)
Keith McGregor: ISI identificou 66.974 papers escritos por pesquisadores do país
lados a instituições paulistas que desenvolvem projetos financiados pela FAPESP, assim como aqueles vinculados a universidades e institutos de pesquisa federais, aos quais a Capes garantirá o acesso. Também os pesquisadores que trabalham em empresas terão acesso à base de dados graças a convênio feito entre a FAPESP e três instituições: Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Micro Empresa (Sebrae), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Associação Nacional dos Pesquisadores em Empresas Industriais (Anpei) . vos bancos de dados contratados pela
FAPESP e pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Patentes - A maior novidade é o Derwent Innovation Index (DII), a mais completa base internacional de dados sobre patentes, que inclui informações sobre todas as inovações registradas no mundo desde 1963.
São mais de 18 milhões de patentes sobre as quais se oferece uma breve descrição, informações sobre o grau de proteção, nome e endereço do proprietário, além das referências sobre o artigo científico que deu origem ao invento. O acesso pode ser feito por meio de pesquisa sobre autor, área ou palavra -chave.
O acesso ao DII integra uma série de esforços empreendidos pela Capes e FAPESP para aprofundar a integração da ciência brasileira com o resto do mundo. A Fundação contratou em 1997 - e a Capes em 1999- os serviços da Web ofScience, o mais completo banco de dados sobre artigos publicados em mais de 8 mil revistas científicas internacionais de qualidade reconhecida. •
Terão acesso gratuito ao banco de dados todos os pesquisadores vincu-
Artigo na Web of Science
• Effect of Heliobacter-Pylori Eradication on Antral Gastrinlmmunoreactive and Somatostatin - lmmunoreactive Ceii-Density and Gastr in and Somatostatin Concentrations
• lnsect Digestive Enzymes- Properties, Compartimentalization and Function
• Linkage Analysis in Autosomal Recessive Limb-girdle Muscular Distropy (AR LGMD) Maps a Six Form to 5 a 33-34 (LGMD2F) and indicares that three is at least one more subtype of AR LGMD
• Extracellular-Matrix Proteins in lntrathymic T-Cell Migration and Differentiation
• Afferent Connections of the Subthalamic Nucleus- A Combined Retrograde and Anteretrograde Horseradish - Peroxidase Study in the Rat
• Role of the Amygdala and Periaqueductal Gray in Anxiety and Panic
• Effects of Acute Nitric-Oxide lnhibition o n Rat Glo merular Microcirculation
• lmplantation and Decidualization in Rodents
• Magnetic lron-Sulfur Crystals From a Magnetotactic Microorganism
• Ethopharmacological Analysis of Rat Behaviour on the Elevated Plus-Maze
• Peripheral Analgesia and Activation of the Nitric Oxide-Cyclic GMP Pathway
• lnhibitors of the Major Cysteinyl Proteinase (G P 57/5 1) lmpair Host-Cell lnvasion and Arrest the lntracellular Develo pment of Trypanosoma-Cruzi in vitro
• Metallothionein Protects DNA From Oxidative Damage
• Generalized Statisticai-Mechanics-Connection with Thermodynamics
No de Autor/Autores e Instituição citações
60 Dulcilena Maria de M. Queiroz (UFMG), Edilberto N. Mendes (UFMG), Gifone Aguiar Rocha (UFMG), Sílvia Beleza de Moura (UFMG), Letícia Maria H. Resendes (UFMG),Aifredo José Afonso Barbosa (UFMG), Luiz Gonzaga Vaz Coelho (UFMG), Maria do Carmo Friche Passos (UFMG),Luiz de Paulo Castro (UFMG), Celso Afonso Oliveira (UFMG), Geraldo Ferre ira Lima (UFMG)
75 Walter Ribeiro Terra (USP), Clélia Ferreira (USP)
62 Maria Rita Passos-Bueno (USP), Eloísa de Sá Moreira (USP), Mariz Vainzof (USP). Suely Kazue Nagahashi Marie (USP) , Mayana Zau (USP)
62 Wi lson Savino (Fiocruz), Déa Maria Serra Villaverde (Fiocruz), Jose! i Lannes Vieira (Fiocruz)
79 Newton Sabino Canceras (USP). Sara Joyce Shammah Lagnado (USP), Bonfim Alves Silva (USP), Juarez Aranha Ricardo (USP)
62 Frederico Gui lherme Graeff (USP/RP), Maria Crist ina Leite Silveira (USP/RP), Regina Lúcia Nogueira (Univ. Est. Maringá), Elisabeth Audi (Univ. Est. Maringá), Rúbia Maria W. de O liveira (Univ. Est. Maringá)
154 Roberto Zau (USP), Gilberto De Nucci (Unicamp)
70 Pau lo Alexandre Abrahamsohn (USP), Teima Maria Tenório Zorn (USP)
58 Marcos Farina (CBPF) , Darei Mota de Souza Esquivei (UFRJ), Henrique G. P. Lins de Barros UFRJ)
92 Antônio Pedro de Mello Cruz (USP/RP), Fernando Frei (Unesp/Ass is), Freder ico Guilherme Graeff (USP/RP)
99 lgor Dimitri Gama Duarte (USP/RP) , Berenice Borges Lorenzetti (USP/RP) , Sérgio Henrique Ferreira (USP/RP)
73 Maria de Nazareth S. L. Meirelles (UFRJ), Lu iz Ju liano Neto (Fiocruz), Euridice Carmona (Unifesp), Suelen G. Silva (Unifesp) , Eduardo Moreria da Costa (Unifesp), Ana C. M. Murta (Unifesp), Júlio Scharfstein (Unifes p)
I 06 Leda Satie Chubatsu (USP), Rogério Meneghini (USP)
155 Evaldo Mendonça Fl eury Curado (C BPF), Constantino Tsallis (CBPF)
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • 4 1
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ENTREVISTA
Recursos para acertar o passo Ministro diz que novos fundos devem acelerar o ritmo da produção nacional de C &T
Os cinco fundos setoriais de pesquisa, mais o fundo de apoio à infra
estrutura de pesquisa na universidade pública, apresentados em abril pelo governo federal, como instrumentos com potencial para injetar mais R$ 1 bilhão por ano na área de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, deverão ter existência real só no próximo ano, a julgar pelas estimativas do próprio ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg. A matéria está no Congresso, com pedido de votação em caráter de urgência, o que leva o ministro a crer que será votada ainda neste semestre. Depois, deve-se
~ junto de medidas de que ele já tinha ~ conhecimento, evidentemente, e que g são essencialmente os seis fundos seta-" ~t riais. Eles foram negociados com os º- respectivos setores e com as autorida-
gastar mais seis meses em regulamen- Sardenberg: R$ I bilhão a mais
des econômicas. Eles dizem respeito a que? Energia, recursos hídricos, atividades minerais, transporte, atividades espaciais e, finalmente, há o fundo de apoio à infra-estrutura de pesquisa da universidade pública, incluindo os centros de pesquisa. O último fundo resulta de uma parcela de 20% dos demais. Portanto, como é apenas a aplicação de uma parcela, não é objeto de um projeto de lei. Mas é o principal fundo, o mais importante do ponto de vista conceituai, porque é o fundo que tação e outros detalhamentos técnicos.
De qualquer sorte, Sardenberg confia que os fundos constituirão um instrumento importante para que o país não fique para trás "na revolução científica e tecnológica que está em andamento no mundo': Pensa que eles vão estimular a parceria entre universidades e empresas. E aposta que incentivarão a cooperação entre universidades de regiões mais e menos desenvolvidas, reduzindo as disparidades regionais em C&T, na medida em que um volume maior de recursos será destinado às últimas que, para gastar bem o dinheiro, procurarão o apoio daquelas mais avançadas- normalmente situadas nas regiões mais desenvolvidas do país. Na entrevista a seguir, concedida a Mariluce Moura, o ministro detalha o funcionamento dos fundos.
• Eu gostaria que o senhor explicasse em linhas gerais como vão funcionar os fundos setoriais de pesquisa.
- Em primeiro lugar, a criação de fundos setoriais e de outros mecanismos decorre da percepção de que os recursos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento por intermédio do Ministério da Ciência e Tecnologia são insuficientes. A partir dessa percepção, o próprio presidente da República pediu a mim e ao ministro Paulo Renato (da Educação) que apresentássemos propostas relativas à pesquisa e a sua infra-estrutura nas universidades e nos centros de pesquisa. Isso foi em 15 de janeiro. Em 3 de abril, apresentamos formalmente ao presidente um con-
42 • ABRil DE 1999 • PESQUISA FAPESP
apoia a universidade e a empresa no processo de inovação, agora, com a finalidade da inovação tecnológica.
• Como são gerados os recursos para os fundos setoriais?
- Eles derivam basicamente de contribuições pagas pelas empresas em função dos processos de privatização e de concessões. Já o sexto fundo deriva do imposto de renda sobre royalties que as companhias remetem ao exterior para fim de remuneração de marcas, de patentes, de serviços técnicos. Em todos os casos tratam-se de parcelas desses recursos que são atribuídos ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT. E um aspecto importante desse processo é que o FNDCT se tornou perene. Uma semana antes do anúncio dos fundos isso foi feito pelo presidente, quer dizer, ele não mais devolverá ao Tesouro o superavit que tiver no correr do ano.
• Isso permite trabalhar com prazos mais longos ...
- .. . sim, o que é mais eficaz, porque a maioria das pesquisas corre, na realidade, por mais de um ano. Assim, os fundos fortalecem o setor em termos financeiros, facilitam sua estabilidade, até porque os recursos vêm de uma grande variedade de fontes, e não é provável que todas as fontes sofram problemas ao mesmo tempo. Outro aspecto importante é que são fundos não orçamentários, e não
estão em princípio sujeitos a cortes de tipo orçamentário, problema que temos vivido. E há também um aspecto a considerar de crescimento dos recursos, porque os fimdos serão implementados aos poucos. Por exemplo: o ciclo do fundo de energia vai a seis anos de recursos crescentes, depois estabiliza. No total, os recursos do fundo são da ordem de R$ 1 bilhão, no momento.
• A contribuição decorrente de privatizações e concessões é estabelecida a partir de um percentual. De que ordem?
-Isso varia muito, às vezes é 10%, às vezes é 1%. Isso foi objeto de uma longa negociação. E é importante notar que, como são contribuições já previstas nos contratos, não provocam impacto sobre
cional de Petróleo e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) divulgaram quatro editais no valor de R$ 97 milhões. Com mais R$ 1 O milhões que tinham sido anunciados pelo edital do CNPq são, ao todo, R$ 107 milhões, que constituem o maior conjunto de editais já feito em matéria de ciência tecnologia no Brasil, em qualquer tempo.
• E esses editais destinam esses recursos para que?
- Dois editais, perfazendo R$ 25 milhões de reais, selecionam, por concorrência, instituições públicas e privadas, sem fins lucrativos, que desenvolvam processos e
instrumentos para melhorar o controle de qualidade do combustível e a
custos empresariais ou sobre preços ao consumidor. Assim, de certa forma, o que temos é um ovo de Colombo. Uma parcela de recursos que eram correntemente devolvidos ao Tesouro, por exemplo, por agências reguladoras superavitárias, passará a ser recolhida ao FNDCT.
"O projeto em
parceria entre
universidade
implantação de uma rede de laboratórios de pesquisa e monitoramento da qualidade dos combustíveis que são vendidos ao consumidor. Depois, R$ 55 milhões são para atender áreas temáticas da indústria de petróleo, quer dizer, melhorar a tecnologia de águas profundas, melhorar a tecnologia de dutos, de refino, etc. Desses R$ 55 milhões, R$ 40 milhões destinam-se a projetos cooperativos entre
• Em relação ao percentual do imposto de renda sobre royalties para o sexto fundo, de quanto ele é?
e empresa
terá pontuação
melhor"
- O imposto de renda é da ordem de 25%. E nós vamos recolher para esse ftmdo 10%, sendo que os outros 15% continuarão sendo recolhidos ao Tesouro. Há uma renúncia fiscal, portanto, de 10%.
• Mas na utilização do imposto de renda sobre royalties aproveitou-se de algum mecanismos estabelecidos pela lei 8661, de1994?
- Não. A lei 8661 é um outro mecanismo de incentivo. Não há impacto, não há incidência de uma coisa sobre a outra. Ela continua em vigor, mas, em função da crise de 98, das medidas adotadas na ocasião, os incentivos caíram pela metade. Mais adiante, superada essa fase, vamos discutir com as autoridades económicas a necessidade de fazer voltar os incentivos aos padrões anteriores, de normalidade. Mas essa é uma discussão que está no futuro. O que está já no presente é que também foram criados três grupos de trabalho para criar três outros fundos: de saúde, agronegócio e aeronáutica. Já começamos efetivamente a discussão com agricultura, e é mais do que provável que daqui a 60 dias, 90 dias no máximo, tenhamos propostas concretas para apresentar ao presidente
• Ministro, qual foi a fonte de inspiração dos fundos setoriais?
- Começou com o fundo de petróleo e gás, no final do ano passado. E já no mês de abril deste ano, a Agência Na-
as universidades, os centros de pesquisa e as empresas, e os R$ 15 milhões
restantes vão para projetos isolados feitos pelas empresas. Do valor total, 40% serão obrigatoriamente aplicados no Norte e Nordeste, de acordo com a lei do fundo de petróleo e gás, o CTPetro visando diminuir os desequilíbrios regionais.
• Chegamos assim a R$ 80 milhões. E o resto?
- O quarto edital vai para 20 universidades do Norte e Nordeste e cada uma receberá até R$ 1 milhão para reforço da infra-estrutura de pesquisa. Quanto ao edital do CNPq, ele se dirige diretamente à pesquisa básica dirigida. E é interessante nesse caso do CTPetro, como deverá ser nos outros fundos, sua tendência a promover um programa de pesquisa integrado, que possa cobrir praticamente toda a cadeia de conhecimento, desde a pesquisa básica, até a engenharia, o desenvolvimento tecnológico, repercussão sobre o homem e sobre a sociedade, repercussões ambientais, etc.
• Aproveitando sua referência a repercussões ambientais, na regulação desses fundos está prevista alguma medida de preservação ambiental?
- O conceito essencial que está em sua base é o de desenvolvimento sustentável, que incorpora as preocupações ambientais. Por trás dos valores existe uma filoso-
PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 1999 • 43
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
fia de modernização do processo e de modernização dos objetivos, que devem ser congruentes com as aspirações da sociedade e com as necessidades do setor produtivo. Por outro lado é importante ressaltar a mudança dos métodos de gestão, a generalização da experiência do CTPetro. Isso quer dizer que a gestão é compartilhada, há um comitê gestor de cada fundo, no qual está representado o Ministério da Ciência e Tecnologia e o ministério do setor. Às vezes, quando há formação de recursos humanos, está representado também o Ministério da Educação. Assim, em primeiro lugar, há uma avaliação das necessidades tecnológicas do setor, das demandas, dos gargalos e a partir daí, esse comitê, que também tem represen-tantes da iniciativa privada e da co-
complementares, há que detalhar, há que criar um regulamento, daí porque ficamos com receio de que, seguindo por um processo mais longo, tendo em vista que o próximo semestre é um semestre eleitoral, acabássemos perdendo muito tempo e, claro que a razão última desses fundos é o fato de que existe uma revolução científica e tecnológica em andamento no mundo e que nós não podemos ficar para trás. Como até o presidente disse, temos que acelerar. O dado mais essencial é o da aceleração. O segundo dado essencial é o da parceria. Precisamos juntar recursos.
• O senhor acredita que o sistema já instalado de produção de pesquisa científica e tecnológica é suficiente para absorver esses recursos?
munidade científica, elabora esses editais, ou seja, eles não são arbitrários. E aí os diferentes interessados em realizar projetos apresentam suas propostas, que são objeto de competição entre eles. De concorrência.
"Os indicadores
internacionais
mostram que
nosso sistema
- Eu não espero sobra, não. Existe uma demanda muito grande. Agora, é claro que por trás de tudo está uma avaliação de que é necessário que o sistema cresça. Quer dizer: para poder acompanhar a revolução científica e tecnológica em andamento é necessário que o nosso sistema cresça. Aliás, as estatísticas, os dados, os indicadores internacionais nos levam a perceber que
• Esses projetas podem vir só de universidades, de esquemas de parceria universidade/empresa e só de empresas.
é relativamente
pequeno"
- Exato. Evidentemente, quando houver parceria a pontuação será melhor, porque um dos nossos objetivos básicos é unir os esforços da universidade com os esforços empresariais, quer dizer, mobilizar o capital forte que o Brasil tem em matéria de conhecimento para a geração de inovações tecnológicas.
• Há alguma inovação no sistema de seleção dos projetas?
-Os projetos serão apresentados ao comitê gestor, que tem a liberdade de contratar consultores, relatores; é um problema puramente de gestão. Evidentemente, tendo em vista a composição de cada comitê gestor, com oito ou nove pessoas e em que os diferentes setores interessados estão representados, há uma transparência muito grande no processo.
• Quando os recursos dos novos fundos estarão, de fato, disponíveis?
- Neste momento, esses fundos estão no Congresso e o presidente solicitou ao deputado Arnaldo Madeira, líder do governo na Câmara, que gestione no sentido de que eles mereçam tratamento de urgência, não urgência urgentíssima, mas urgência. Minha expectativa é de que eles sejam votados ainda neste semestre. Mas, naturalmente, para colocar um fundo desse em vigor vamos gastar pelo menos seis meses. Há uma série de instrumentos legais,
44 · ABRIL DE 1999 • PESQUISA FAPESP
o nosso sistema é relativamente pequeno, ainda que haja gente que acha que
existem 180 mil pessoas no setor, provavelmente uma estimativa exagerada.
• Feitas as contas dos fundos e considerando os recursos já canalizados para pesquisa científica e tecnológica, a qt!e patamar de investimento anual chegaremos?
-Estamos nesse momento justamente fazendo a avaliação da participação percentual de ciência e tecnologia no produto interno bruto. Não estamos ainda com esse número final, mas o importante é que o orçamento do ministério hoje é de R$ 1 bilhão e no novo orçamento vai chegar a praticamente R$ 1,7 bilhão. Somando-se isso com os recursos dos fundos, temos a maior injeção de recursos no Brasil, no setor, nesses 15 anos de ministério ou mesmo anteriormente.
• Parece-me que o senhor não acredita naquele percentual de 1% do PIB que já teríamos atingido em investimentos na área de ciência e tecnologia.
- Olha, provavelmente chegamos, embora haja uma controvérsia. A minha opinião pessoal é que devemos estar por essa ordem, de 1 o/o a 1,1 o/o. Mas não quero me fixar num número específico porque estamos justamente estudando esse problema e, se eu definir um número, acabo influenciando o resultado do nosso estudo. •
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
PARCERIA
Competência exportada para os EUA
Pesquisadores da ONSA vão seqüenciar o genoma da Xylella da videira
P esquisadores brasileiros da rede ONSA vão realizar o seqüen
ciamento genético da Xylella fastidiosa que ataca videiras nos Estados Unidos, causando prejuízos anuais de dezenas de milhões de dólares a plantações na Califórnia. Pesquisadores norte-americanos vão participar dos trabalhos de análise. O anúncio da parceria foi feito no dia 14 de abril, naquele Estado, em reunião que teve a presença do ministro brasileiro da Agricultura, Marcos Pratini de Moares. O convite para a participação brasileira veio do Serviço de Pesquisa em Agricultura (ARS) dos Estados Unidos, órgão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), e da American Vineyard Foundation, após os 35laboratórios paulistas ligados à rede ONSA terem concluído, em janeiro passado, o seqüenciamento genético da Xylella fastidiosa que ataca os citros. O artigo cientifico sobre esse feito será publicado na Nature, nas próximas semanas.
Parentes próximas, as duas bactérias agem e produzem sintomas bastante parecidos nas plantas atacadas por elas. A que afeta os laranjais brasileiros, provoca a clorose variegada dos citros ( CVC) ou praga do amarelinho. Tendo como veto r cinco diferentes espécies de cigarrinhas, essa Xylella entope o xilema da planta, impedindo a circulação da água e nutrientes, causando o amarelamento de folhas e o emurchecimento dos frutos, até amorte da árvore. A Xylella fastidiosa que
Folha afetada pelo mal de Pierce
Cigarrinhas vetoras da Xy/e//a
ataca as videiras norte-americanas provoca o mal de Pierce. Também transmitida por uma cigarrinha, ela age da mesma forma que a sua homônima, provocando os mesmos sintomas.
Oportunidades - O projeto será financiado pelas duas instituições norte-americanas e pela FAPESP. A ARS e a American Vineyard Foundation entrarão com US$ 125 mil cada e a FAPESP com US$ 250 mil. A pesquisa brasileira será coordenada por Andrew Simpson, que foi o coordenador de DNA do projeto Genoma Xylella, enquanto a parte norte-americana estará sob a responsabilidade de Edwin Civerolo, do Departamento de Patologia de Plantas da Univer-
sidade da Califórnia e da Unidade de Pesquisa em Genética de Produtos Agrícolas e Patologia, do ARS.
Para Civerolo, as perspectivas da parceria são muito animadoras. "É uma oportunidade muito boa e acreditamos que teremos bons resultados, a partir dessa pesquisa em colaboração, no conhecimento e controle da Xylella que ataca as uvas da Califórnia." E segundo Floyd Horn, administrador do ARS, a expertise dos pesquisadores brasileiros será de enorme importância para a adoção de estratégias de controle do mal de Pierce.
Também para os brasileiros a parceria representa boas oportunidades, segundo o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. "A informação sobre o genoma dessa outra linhagem da Xylella fastidiosa que ataca as vinhas vai ser muito importante para o Genoma Funcional da Xylella que provoca o amarelinho, pela observação de genes ausentes ou presença de seqüências de genes com a mesma função", diz ele. Ainda no âmbito do Genoma Funcional da Xylella, Perez assinala ainda que o trabalho conjunto com excelentes fitopatologistas norte-americanos poderá acelerar a obtenção de estratégias para controle da CVC.
Por fim, no entender do diretor científico, o projeto confere uma grande visibilidade à ciência brasileira, na medida em que se reconhece a competência dos nossos pesquisadores para dar uma contribuição científica na solução de um problema de relevância econômica para os Estados Unidos, país líder em ciência e tecnologia no mundo. Isso ficou evidente na edição do jornal Los Angeles Times do dia 15 de abril, que publicou reportagem sobre a parceria, com o título "Grupo brasileiro vai ajudar a combater a doença da videira".
A expectativa é que a semelhança entre as duas Xylellas simplifique o processo de obtenção do genoma inteiro da bactéria e o seqüenciamento esteja concluído em menos de um ano. Da rede ONSA, cerca de dez laboratórios deverão participar. •
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 45
Salvem a ciência britânica!
Três novos relatórios sobre a situação dos jovens pesquisadores britânicos reforçam a visão de que muitos deles estão abandonando o universo acadêmico, desencorajados por salários e perspectivas insatisfatórias da carreira científica, informou a Nature de 30 de março passado. Dois dos relatórios, publicados naquele mesmo dia pelo Wellcome Trust, ressaltam que jovens pesquisadores beneficiados por generosas bolsas de doutorado dessa instituição experimentam, depois, na maior parte dos postos acadêmicos, queda nos salários líquidos e uma considerável desilusão com o mundo acadêmico. O grupo Save British Science, por sua vez, em relatório baseado num levantamento feito entre estudantes de ciência de nível superior, mostrou que muitos deles consideram muito baixa a bolsa de doutorado de 6,5 mil libras ao ano (US$10,3 mil). Os estudantes também foram unânimes na avaliação de que em nenhum estágio receberam informação suficiente que os capacitasse a fazer boas escolhas na carretra.
Demissão para acalmar professores
Derrotado pela poderosa comunidade científica francesa e por professores dos vários níveis de ensino,
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS
Claude Allegre perdeu no fim de março o cargo de ministro da Educação Nacional, da Pesquisa e da Tecnologia. O primeiro ministro Lionel Jospin, amigo de longa data de Allegre, decidiu afastá-lo depois que a impopularidade do ministro entre os professores atingiu um ponto crítico, culminando com grandes manifestações de rua para exigir sua demissão. Pesquisa e educação estão agora divididas em diferentes ministérios, cada um liderado por um político. O ministro de Pesquisa é Roger-Gérard Schwartzenberg, um parlamentar de esquerda e especialista em leis que foi secretário de Educação no começo da década de 80. E Jack Lang, ex-ministro da Cultura e um dos mais populares políticos franceses, é o ministro da Educação.
Índia e EUA retiram o frango do freezer
Regunath Mashelkar, presidente do Conselho de Pesquisa Científica e Industrial da Índia, descreve a colaboração com os Estados Unidos como um "frango congelado" que, em decorrência de tensões políticas entre os países, foi deixado no freezer por nove anos. Mas há cerca de dois meses, informa a Nature de 30 de março, os dois países concordaram em instituir um fórum conjunto para promover uma maior interação entre os institutos de pesquisa do governo, as universidades e a indústria privada. Apesar da relativa falta de recursos e de um programa incerto, assessores do governo indiano dizem que a criação do fórum, que deve começar a funcionar em junho, marca um passo importante para a renovação de relações científicas entre os dois países. "O fórum tirou o frango do freezer", disse Mashelkar. O acordo foi assinado pela secretária de Estado dos Estados Unidos, Madeleine Albright, e pelo ministro da Ciência indiano, Murli Manohar Joshi, durante a visita do presidente Bill Clinton a Nova Délhi. A cooperação científica entre os dois países atingiu seu ápice nos anos 80 e declinou nos
anos 90, quando os EUA queriam que a Índia assinasse a Convenção de Paris (finalmente assinada no ano passado) e promovesse a proteção de patentes para produtos desenvolvidos em programas conjuntos. A Índia primeiramente se recusou a introduzir emendas em sua lei sobre direitos de propriedade intelectual, que permitia patentes de processos, mas não de produtos (agora há uma nova lei de patentes no congresso). A cooperação também parou virtualmente porque Washington pretendia que a Índia acabasse com seu programa de mísseis e com os testes nucleares postos em prática dois anos atrás. "O fórum é um sinal de que
a porta está se abrindo de novo", disse Valangiman Ramamurthi, secretário para o Departamento de Ciência e Tecnologia. Os Estados Unidos não estão pondo dinheiro novo no fórum, apenas transferindo cerca de US$ 7 milhões do agora extinto Fundo Estados Unidos-Índia.
Mais doutores, mais patentes
Tecnologia dá retorno? A questão foi tema de um simpósio promovido pela Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), no auditório da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em 30 de março último. A associação apresentou os resultados da última versão (a nona) da Base de Dados Sobre Indicadores Empresariais de Inovação Tecnológica, em que foram ouvidos representantes de 427 empresas de todos os tamanhos, desde micros a companhias de grande porte. Alguns dos dados mais interessantes da pesquisa referem-se ao impacto da interação entre empresas e universidades. Vejamos: estabelecidos dois diferentes grupos de empresas conforme o grau de sua interação com universidades e centros de pesquisa, o primeiro com 47 empresas em que ela é mais intensa, e o segundo com 39 empresas em que essa interação é mais débil, verificou-se que, no primeiro, existem, em média, 113 funcionários por empresa (sendo 9 doutores) trabalhando em pesquisa, desenvolvimento e engenharia (P&D&E), enquanto no segundo há, em média, 21 funcionários por empresa nessas atividades (apenas 0,05 doutor). Mais importante: no primeiro grupo, que tem mais profissionais com doutorado, registraram-se duas patentes por ano e por empresa; no outro,
apenas 0,8 patente por empresa no mesmo período. Dado importante também a considerar é que, no geral, a liderança no registro de patentes, nos últimos dez anos, vem sendo exercida pelas empresas nacionais (341 na pesquisa): elas apresentam um registro médio anual de 0,48 patente enquanto as multinacionais (86) respondem por 0,31 patente. Curioso é que as multinacionais tiveram, em 1998, um valor médio de dispêndios em P&D&E de US$ 4,6 milhões, enquanto as nacionais despenderam em média US$ 1,9 milhão.
Lucros da inovação tecnológica
No simpósio organizado pela Anpei foram apresentados três casos de sucesso do desenvolvimento de tecnologia dentro da empresa, bem expressos em lucros e maior participação de mercado. O primeiro foi o da Embraer, relatado pelo gerente de desenvolvimento tecnológico da empresa, Hugo Borelli Rezende, que detalhou o permanente esforço de inovação tecnológica da empresa para atingir e se manter na liderança do mercado mundial de aviões a jato regionais. No caso da Johnson & Johnson, seu gerente de P&D, Antonio Carlos Ribeiro, mostrou que 41% do faturamento da empresa depende da atividade de P&D&E. O último caso de sucesso apresentado foi o da ltautecPhilco, com destaque para os sistemas de automação bancária, terminais de pontos-de-venda
e o lançamento do Infomusic, um aparelho destinado a amostragem de músicas em CD. A exposição foi feita pelo gerente de desenvolvimento e automação da empresa, Milton Shizuo Noguchi. Na última parte do simpósio - que até o final do ano será repetido em Curitiba, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza -, o presidente da FAPESP, Carlos Henrique Brito Cruz, explicou os programas de.apoio à inovação tecnológica mantidos por esta Fundação: o PITE, Parceria para Inovação Tecnológica, e o PIPE, Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas. Depois de ressaltar que o apoio financeiro da FAPESP tem por objetivo levar o conhecimento para mais perto do desenvolvimento econômico e social, Brito Cruz lançou um desafio para empresários e gerentes de P&D presentes à reunião: "Tragam sugestões e propostas para envolver empresas em projetas que gerem tecnologia e sejam interessantes para a indústria".
Renovação no Conselho Superior
Os professores Ricardo Renzo Brentani e Vahan Agopyan são os dois novos membros do Conselho Superior da FAPESP. Eles substituem os professores Ruy Laurenti e Celso de Barros Gomes que terminaram o mandato. No decreto assinado em 14 de abril pelo governador Mário Covas, também consta a indicação de Adilson Avansi de Abreu, reconduzido a um novo mandato de seis anos. Os três representam a USP. Brentani é professor da Faculdade de Medicina e diretor do Instituto Ludwig. Agopyan é vicediretor da Escola Politécnica. No dia 15 de maio haverá a eleição da lista tríplice que será enviada ao governador para a escolha de mais um membro do Conselho Superior. Dessa vez, a representação refere-se aos Institutos de Ensino Superior e de Pesquisa, oficiais ou particulares. Estão inscritos 17 professores de 12 instituições.
Homenagem aos consultores
A FAPESP homenageou, em 21 de março passado, os membros do Steering Committee do projeto Genoma da Xylella fastidiosa com placas de reconhecimento à sua contribuição à ciência brasileira. Estavam presentes os pesquisadores André Goffeau eSteve Oliver. Mas as placas foram destinadas também a John Sgouros, Antonio Paiva e João Lúcio de Azevedo.
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ECONOMIA
O novo rural brasileiro
Reduziu-se o abismo tradicional entre
meios urbanos e rurais
CLAUDIA IZIQUE
A, rea rural brasileira não se restringe mais aquelas atividades relacionadas à agropeuária e agroindústria. Nas últimas déca
das, o meio rural vem ganhando novas unções- agrícolas e não-agrícolas- e ofe
recendo novas oportunidades de trabalho e renda para famílias. Agora, a agropecuária moderna e a agricultura de subsistência dividem espaço com um conjunto de atividades ligadas ao lazer, prestação de serviços e até à indústria, reduzindo, cada vez mais, os limites entre o rural e o urbano no País.
Esse é o cenário que está se delineando a partir dos resultados da pesquisa Caracterização do Novo Rural Brasileiro, 1992/98, batizada de Projeto Rurbano, coordenada pelos professores José Graziano da Silva e Rodolfo Hoffmann, do Núcleo de Estudos Agrícolas, do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp ). O projeto, que inicia sua terceira fase, conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do Programa de Núcleos de Excelência- Pronex/CNPq/Finep e da Secretaria de Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura e do Abastecimento(SDR/MAA), e reúne 35 especialistas com doutorado, 17 pesquisadores, 11 universidades federais e dois núcleos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
"O mundo rural é maior do que o agrícola", constata Graziano. O novo rural incorporou atividades até então consideradas como hobbies ou pequenos empreendimentos, transformando-as em negócios rentáveis: multiplicam-se os "pesque-pague", os sítios de lazer, as casas de campo, fruticultura, floricultura, além de uma série de serviços, como restaurantes, clubes, hotéis-fazenda, etc.
Trabalhador do campo: novos personagens substituem o antigo "caipira"
.... ....__ ___ .
Essas atividades têm se revelado, muitas vezes, mais lucrativas do que a produção agrícola tradicional. Os mais de mil pesque-pague espalhados por chácaras e sítios em todo o Brasil, por exemplo, utilizados como lazer pela classe média urbana, já são responsáveis por 90% do destino dos peixes de água doce criados em cativeiro. "Muitas dessas propriedades trocaram a agricultura pela pescaria de lazer, que pode gerar alta receita para os proprietários", afirma Graziano.
Os exemplos - Na região de Ribeirão Preto, um fazendeiro substituiu a produção de lei Muralha de cowboys: Barretes salta de I I O mil para I, 2 milhão de pessoas durante Festa do Peão
te deficitária por uma bem-sucedida criação de aves nobres e exóticas, como faisões, perdizes e codornas, vendidas a supermercados, restaurantes e à agroindústria. Junto com a criação, está implantando um programa de turismo ecológico, que inclui aula de educação ambiental, com o qual pretende aumentar ainda mais a rentabilidade da área.
Muitos agricultores igualmente têm tido sucesso com investimentos na criação de rãs, camarões de água doce, javalis ou escargots. E cresce, cada vez mais, o cultivo de verduras e legumes em estufas ou pelo método hidropônico, atividades altamente intensivas em mão-de-obra. Só para ter uma idéia, a produção de legumes em São Paulo, apesar de ocupar apenas 1% da área total cultivada no Estado, responde por cerca de 9% da demanda da força de trabalho agrícola. Também é significativa a expansão do mercado consumidor de flores e plantas ornamentais, cuja produção utiliza, em média, 50 pessoas para cada hectare cultivado.
O turismo rural, atividade em franca expansão nas áreas de repre-
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Musa country: inspiração americana
sas formadas para a geração de energia elétrica e ao longo dos rios, é apontado por Graziano como um importante vetar de desenvolvimento de novas atividades não-agrícolas, sobretudo das áreas rurais ribeirinhas à Hidrovia Tietê-Paraná, que
corta os Estados de São Paulo, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul.
Festas de rodeio - Nesse conjunto de atividades não-agrícolas que se proliferam na área rural, o pesquisador destaca as festas de rodeio como uma das mais dinâmicas, lucrativas e expressivas do novo rural brasileiro. Anualmente, mais de 1.200 festas de rodeio são realizadas em todo o País. "Em 1996, essas festas atraíram um público de 26 milhões de pessoas, três vezes mais do que o Campeonato Brasileiro de Futebol. E movimentaram algo em torno de US$ SOO milhões", contabiliza Graziano.
Durante a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, considerada o maior rodeio do mundo, a população do município salta de 110 mil habitantes para 1,2 milhão. O faturamento atinge a cifra de US$ 120 milhões, bem mais do que os US$ 45 milhões registrados no carnaval carioca. "E esse é um gasto local, um dinheiro que gira no município e alavanca o desenvolvimento das lo-
temente o Brasil, a convite da FAPESP, quem demonstrou que essa perspectiva de análise, transposta à realidade brasileira, estava equivocada.
Nos Estados Unidos, de acordo com a análise de Goodman, a modernização da sociedade levou à constituição de três áreas distintas e complementares: o urbano, o rural e o selvagem. "O urbano é entendido como sinônimo de metropolitano, o rural diz respeito às áreas não-metropolitanas e o selvagem engloba os Parques de Conservação Nacional", detalha.
Salto duplo: durante as festas, faturamento da cidade supera em muito o do carnaval carioca Na Europa, o pro
calidades situadas fora do eixo metropolitano", afirma.
O rodeio também é a galinha dos ovos de ouro de Americana. A sua Festa de Peão resulta num faturamento deUS$ 15 milhões e já representa 10% da receita do município, além de ser um forte estímulo ao comércio local, que se recupera dos efeitos da crise da indústria têxtil.
Um detalhe importante: as duas festas, assim como a maioria dos rodeios do País, são realizadas sem qualquer apoio da Embratur, que, entre os seus 26 programas de incentivo, não tem linha de crédito para o financiamento desse tipo de atividade, afirma Graziano.
Esses exemplos, argumenta o professor, não deixam dúvidas de que o novo rural brasileiro, distinto do agrícola, precisa ser repensado. Caso contrário, ele diz, corremos o risco de chegar ao novo milênio "com as mesmas políticas produtivistas inspiradas na Revolução Verde dos anos 50".
Análise equivocada - "Durante décadas, reduzimos o rural ao agrícola,
De tirar o chapéu: sucesso sem a Embratur
em função da mecanização da agricultura, e utilizamos o mesmo modelo do pensamento americano", admite Graziano. E foi exatamente um pesquisador norte-americano, David Goodman, da Universidade da Califórnia, que visitou recenten-
cesso é distinto. A organização do espaço vai da metrópole ao urbano (neste caso, definido como não-metrópole), passando pelo rural (já intensamente urbanizado), até o country side, área destinada às fazendas de caça, pousadas, etc. "Na Europa, o rural convive com o não-agrícola", ressalva. "No Brasil, não temos preservação de áreas selvagens nem um country side, mas um rural reduzido ao agrícola", deduz Graziano.
O resultado dessa confusão é que, no Brasil, o rural travestido de agrícola acaba por se tornar "terra de ninguém". O município, responsável pelos serviços de água, coleta de esgoto, energia elétrica, etc., não atende a população rural e tampouco tem competência para legislar fora do perímetro urbano. O resultado é que, enquanto mais de 95% da população urbana tem acesso a esgotos sanitário e luz elétrica, de acordo com dados do PNAD de 1996, na área rural essa porcentagem é pouco maior do que 60%.
Outro exemplo, ainda mais dramático, dá conta do preço pago pelas
PESQUISA FAPESP · ABRIL DE 2000 • SI
famílias rurais pela falta de políticas adequadas ao campo: o índice de analfabetismo na área rural, no mesmo período, era de 29,3% contra 10% registrado nas áreas urbanas.
"Quem legisla sobre o rural é o Ministério da Agricultura e a legislação é estritamente agrícola, para favorecer a produção", afirma. "É preciso reformular a legislação federal, estadual e municipal, adequando-as à realidade do novo rural no Brasil."
Parâmetros ultrapassados pela dinâmica do desenvolvimento do meio rural brasileiro estabelecem, por exemplo, que a área mínima autorizada para o fracionamento da propriedade rural é de 1 hectare. "Uma fração menor do que 1 hectare é considerada ilegal; então, o rural brasileiro é ficção e ilegalidade total", comenta Graziano.
As mesmas regras restringem, ainda, os programas de assentamento de famílias, tanto no âmbito federal como estadual, às atividades agrícolas; limitam a concessão de benefícios permanentes, como pensões e aposentadorias a trabalha-dores rurais, especialmente z
quando J.á existe outro bene- ~ g ficiário na família; excluem
" os domicílios rurais que não ~
são produtores agrícolas dos programas de eletrificação rural e impedem o desenvolvimento de uma política habitacional para o meio rural, apenas para citar alguns exemplos.
E o mais grave: a velha leg.islação não reconhece as novas ocupações rurais. "A profissão de peão de boiadeiro, por exemplo, não é
Gado, crisântemos e condomínios de luxo
reconhecida ou regulamentada: o que acontece quando ele se acidenta? E o caseiro: é um trabalhador rural ou um empregado doméstico?", indaga. E continua: "Quem cria escargot ainda é considerado pecuarista".
A família Sato cultiva 8 mil mudas de crisântemo nas 79 estufas que ocupam pouco mais de um oitavo da área de um sítio de 8 alqueires localizado na Estrada do Guará, a pouco menos de 8 quilômetros do perímetro urbano de Campinas. "Essas terras já produziram de tudo, de legumes até café; hoje, somos cooperados de Holambra e está dando para viver': conta Wanda Sato, 32 anos.
No ano passado, a queda no preço do crisântemo obrigou a família Sato a recorrer a um empréstimo do Banespa. "O maço do crisântemo,
Sem mentira: I 00 pessoas por dia nos pesque-pague
A propriedade, dividida entre dois irmãos, fazia parte da antiga Colônia Tozan, formada por japoneses que se instalaram em área loteada da fazenda Monte Desch, há mais de 40 anos. "Muitos colonos voltaram ao Japão e venderam suas terras para brasileiros, mas a nossa família permaneceu", diz Wanda.
O sítio emprega entre 12 e 14 empregados. "Os nossos filhos ainda são pequenos, têm entre 8 e 10 anos, logo, só ajudam quando levamos as flores para Holambra."
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comprado pelo preço médio àe R$ 10,00, caiu para R$ 2,50", conta. "Não teve jeito: tivemos que arranjar dinheiro para não quebrar."
A pouco mais de três quilômetros do sítio da família Sato, Douglas Montenegro Ferreira, 60 anos, funcionário aposentado da Rhodia, tenta a sorte num pesque-pague. "Venho aqui uma vez por mês. Eles cobram R$ 15 por pessoa. Preferia pescar no Mato Grosso, mas a pesca ficou restrita a 15 kg de peixe. Não vale a pena." Ele e um jovem ajudante observam atentamente as iscas dispostas em seis varas com carretilha. "O que a gente pesca, a gente consome em casa, e ainda dá para distribuir para os filhos e vizinhos", garante.
A menos de 300 metros dali, em frente ao laboratório Síncrotron e ao lado de uma fazenda de gado, protegida por muros e guarita, outro pesque-pague aguarda o primeiro cliente. A tabela de preços assusta o freguês : R$ 4,00 pelo quilo de traíra, R$ 5,00 pelo quilo da carpa e R$ 8,00 pelo quilo do pintado. "No final de semana, a freqüência é de cerca de 100 pessoas por dia", garante a proprietária.
O caminho entre o sítio da família Sato e os dois pesque-pague é um exemplo inequívoco de que a área rural brasileira mudou: a estrada ladeia o Residencial Sapucaí, três condomínios de luxo protegidos por guarita e muros de três metros de altura, corta pelo menos duas
A indefinição e confusão nas regras também atrapalham o acesso ao crédito agrícola oficial e restringem as atividades desses novos produtores rurais. "Um criador de canário, por exemplo, não tem crédito oficial", sublinha Graziano.
Graziano sugere a execução de pelo menos cinco novas políticas para possibilitar o desenvolvimento do rural brasileiro. A primeira delas é a "desprivatização" do espaço rural, com o estímulo à criação de povoados e vilas rurais urbanizadas, com
Flores em Holambra, perto de Mogi-Mirim, São Paulo: investindo no turismo rural
chácaras de aluguel para festas, dá acesso a uma escola infantil instalada numa área arborizada, de cerca de 4 mil metros quadrados, e faz uma pausa no Centro Comercial Guará, que vende água, refrigerantes, carnes, verduras e jornais.
Do pequeno bar instalado junto a essa área de comércio é possível contemplar os jardins e pomares da chácara Caraigá, cuidadosamente esculpidos numa área de 12 mil hectares. O caseiro, que prefere não se identificar, orgulha-se de seu trabalho. "Mas o proprietário, que mora em Campinas, só vem aqui no final da tarde. Não passa sequer o final de semana': lamenta.
A mesma estrada cruza a rodovia Mogi-Mirim que leva a Holam-
bra. A cidade de colonização holandesa, ainda famosa pela produção de flores, começa a investir no turismo rural ou, como eles preferem, no turismo alternativo. E o sítio Floriada é um exemplo disso. A família Wagemaker substituiu a área de viveiros de plantas por um minissítio com pavões, passarinhos e coelhos, apropriado ao entretenimento infantil. Junto ao minissítio, funciona um restaurante típico e uma floricultura, administrados pela família. "Enquanto os pais almoçam, os filhos podem brincar com os animais", explica Esther Wagemaker. O negócio cresce e se expande. "Estamos investindo na ampliação dos viveiros de animais para expandir o turismo alternativo': diz.
economias locais dinâmicas, que enfatizem o uso não-agrícola do solo.
A segunda medida seria a implementação de políticas de urbanização do meio rural para melhorar a qualidade de vida das famílias residentes no campo, como, por exem
plo, a criação de um Programa Nacional de Cidadania do Meio Rural, que teria como principal objetivo coordenar as ações públicas e privadas que tratam da questão do social. Essa proposta foi encampada pelo Grupo Temático Educação, Saúde e Habitação, do Fórum Nacional de Agricultura, no ano passado.
A terceira sugestão é o desenvolvimento de políticas de renda e ocupações não-agrícolas, com estímulo à criação de microempresas industriais e comerciais que fortalecessem o trabalho por conta própria.
É claro, ele reconhece, que a geração de ocupações não-agríco
las nem sempre dará conta de propiciar um nível de renda satisfatório para todas as famílias rurais. Para esses casos, será preciso apoio de fundos públicos, seja na forma de aposentadoria e pensões, seja na forma de bolsa-escola para os mais jovens.
Por último, Graziano aposta nas tentativas das prefeituras de municipalizar o Imposto Territorial Rural (ITR), proposta que integra o projeto da reforma tributária em debate no Congresso Nacional, na obrigatoriedade de ampliação dos Planos Diretores de Uso de Solo também para áreas rurais, nos programas de gestão de bacia hidrográfica e nas políticas de habitação rural.
Ampliação do cré dito - As primeiras conclusões do Projeto Rurbano, de-
PESQUISA FAPESP · ABRIL OE 2000 • 53
batidas em diversos seminários com distintos interlocutores, e as sugestões para a alteração de políticas públicas formuladas a partir da pesquisa já apresentam resultados, pelo menos no que se refere à concessão de crédito. O Banco do Brasil (BB), em parceria com o Sebrae, abriu uma linha de crédito para atividades rurais não-agrícolas. "Os empréstimos ainda são poucos e o dinheiro é caro, mas antes o Programa de Geração de Emprego e Renda Rural (Proger Rural) só dava crédito para a agricultura", diz.
Outra mudança diz respeito à legislação do Programa de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf), cujo crédito beneficiava apenas os produtores rurais que comprovassem que 80% da renda era originária de produção agrícola e os empregadores agrícolas com até dois empregados permanentes. Esse critério, vigente até 1998, acabava por restringir o crédito a famílias agrícolas com mais de 100 hectares e excluía do programa as famílias pluriativas, ou seja, que combinavam atividades agrícolas e não-agrícolas. "Felizmente, o então diretor executivo da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Murilo Flores, por ocasião do seminário final da Fase I do Projeto Rurbano, aceitou as sugestões propostas com base nos resultados da pesquisa das rendas familiares e alterou as normas de acesso ao Pronaf, já para o ano de 1999. Hoje, a receita agrícola é de mais ou menos 20%; o resto é não-agrícola."
A terceira vitória foi a autorização para a implementação de atividades não-agrícolas nas áreas de assentamento do Programa de Reforma Agrária. "A mulher do assentado, por exemplo, estava impedida de fazer doces para vender e ampliar a renda familiar", afirma.
Apesar desses resultados, ainda há muito por fazer. Neste mês, Graziano estará em Washington, a convite do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), defendendo a tese de que as atividades nãoagrícolas ajudam a combater a po-
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Graziano: rural é maior que agrícola
na área rural, duas estavam vinculadas a atividades não-agrícolas. Em 1997, a proporção já era de três para dez pessoas.
O aumento das oportunidades de trabalho em atividades não-agrícolas estancou a queda no tamanho da população rural no País. Nos anos 80, a população rural caiu, em média, 0,2% ao ano. Na década de 90, essa tendência se inverteu e a população rural registrou crescimento de 0,5% ao ano. "É claro que ainda há o êxodo rural na direção dos centro urbanos, mas muito menos intenso do que o registrado nas décadas anteriores", ressalva Graziano.
Evolução da renda total das pessoas residentes na zona rural, segundo o setor de ocupação, 1992-97 - Brasil
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1992 1993
Fonte: Projeto Rurbano, IE/UNICAMP. Deflator: INPC
breza rural. Essa foi uma das principais constatações da primeira fase do Projeto Rurbano, que iniciou em 1997 com o objetivo de reconstruir séries históricas a partir de microdados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Volta ao campo - Na primeira etapa de pesquisa, os dados demonstraram que, apesar de o emprego agrícola apresentar queda sistemática desde meados dos anos 80, a população rural ocupada, ao contrário, cresceu no mesmo período. Em 1981, de cada dez pessoas ocupadas
1995 1996 1997
• Agríco la - Não-agríco la
Graziano atribui essa mudança à estrutura de ocupação do campo, à mecanização da agricultura, que exige cada vez menos mão-de-obra, à importação de alimentos e aos cortes no crédito agrícola. O desemprego e custo de vida, por outro lado, tornaram as cidades menos atraentes. O resultado foi que a população rural buscou alternativas de trabalho no meio rural, voltando-se para atividades não-agrícolas.
Na segunda fase do Projeto Rurbano, iniciada em março de 1999, a pesquisa tomou como unidade de análise as atividades dos 7,7 milhões de famílias residentes em áreas rurais que, em 1997, representavam
aproximadamente 19% do total de famílias brasileiras. Constatou-se que metade dessas famílias trabalhava por conta própria, ou seja, não contratava trabalhadores fora do núcleo familiar, sendo que 538 mil famílias já exerciam exclusivamente atividades não-agrícolas.
A análise da pluriatividade permitiu explorar melhor o efeito dessas ocupações não-agrícolas sobre o rendimento das famílias rurais e das famílias agrí-
no meio rural e ainda não regulamentadas, a avaliação do impacto da expansão dos condomínios de luxo sobre o meio ambiente, a análise das condições da água disponível em cada região e um estudo sobre a evolução do turismo rural.
O Projeto Rurbano é, atualmente, uma das mais importantes referências para os estudiosos de economia rural no Brasil. Os resultados de
inadequado. Há que se considerar o potencial da comunidade local e as diversidades geográficas, cultural e ambiental das áreas rurais.
O turismo no meio rural, como ele conceitua, envolve atividades como os spas rurais, centros de convenções rurais, locais de treinamento de executivos, turismo ecológico ou ecoturismo, turismo de aventura, turismo cultural ou de negócios, turismo jo-
vem, de negócio e esportivo.
colas com e sem acesso à terra. Graziano constatou
Principais setores de atividade da PEA não-agrícola residente nas áreas rurais:
Essa modalidade de negócio constitui-se, ainda, numa forma de valorização do território, de proteção ao meio-ambiente e de conservação do patrimônio natural, histórico e cultural do meio rural.
que, entre os residentes Brasil e São Paulo, 1995
do meio rural, as rendas não-agrícolas são substancialmente maiores que as agrícolas. Em alguns
Setor Brasil São Paulo
casos, essa diferença chegava a ser quatro a cinco vezes mawr.
As estimativas demonstraram que a pluriatividade era comum a 35% das famílias ligadas às atividades agropecuárias no Brasil.
de atividade
Serviços doméstic os
Construção
Ensino público
Comércio de alim entes
Indústria de alime ntos
lnd. T ransformaçã o -
Restaurantes -
Alfa iataria
Comércio ambula nte
Adm. Municipal
Subtotal
Total
Mil
Pessoas %
620 15,8
419 10,7
359 9,1
231 5,9
175 4,4
151 3,9
137 3,5
126 3,2
21 3,1
118 3,0
2.457 62,5
3.930 100,0
Tx.cr.
92/95 Mil
% a.a. Pessoas
6,8~ 110
8.o· 62
0,4 lO
7,2- 14
-0,4 29
O, I 18
2,5 18
-4,1 5
8,r IS
7,8- lO
4.r 293
3,5- 523
%
21,1
11,9
2,0
2,7
5,5
3,5
3,4
0,9
2,9
2,0
56,0
100,0
Tx. cr.
92/95
% a.a.
5,4
21.r
2,8
26,0'
-1 .8
8,6
0,2
6,2
56,4-
-2,2
9,6'
9,8'
As famílias, ele sugere, poderiam oferecer produtos a "nichos" de turistas com interesses bastante específico que, pelo seu pequeno número, desistimularia a participação de empresas de grande porte neste empreendimento. •
PERFIS: Os resultados da se
gunda fase do projeto indicaram, ainda, o crescimento no número de desempregados e aposentados residentes no campo, deixando claro que a dissociação entre o local
Fonte: N úcleo de Economia Agrícola do IEIUNICAMP. Projeto Rurbano, Tabulações Especiais
• JOSÉ FRANCISCO GRAZIANO DA SILVA é graduado em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricul-* e ** - valores significativos ao nível de 20 e I 0%, respectivamente
de residência e de traba-lho, próprio das cidades, também já ocorre nas áreas rurais.
A terceira fase do projeto, que agora se inicia, tem três grandes objetivos: ampliar a base de dados das etapas anteriores, aprofundar alguns pontos da análise das famílias e pessoas ocupadas e realizar estudos de caso para melhor qualificar as tendências registradas no que diz respeito às ocupações e rendas das famílias rurais e agrícolas de algumas regiões do País. "A questão que agora se coloca é qual a identidade dessas pessoas e qual a sua ambição como sujeito social", esclarece Graziano.
Essa fase inclui, ainda, a identificação de atividades desenvolvidas
cada uma das fases da pesquisa e temas estudados estão reunidos em quatro livros, já publicados, e inspiraram oito teses de doutoramento, seis delas já defendidas. Isso sem falar num sem-número de artigos publicados em revistas especializadas e nos JOrnais.
O Turismo rural pode se constituir num importante vetor de desenvolvimento regional, desde que o controle dos processos seja regional e as comunidades locais se apropriem dos benefícios gerados, diferentemente do que ocorre com o agroturismo. Nesta nova perspectiva, o enfoque tradicional de trazer capital de fora para explorar negócios, é
tura Luiz de Queiroz, da USP, com mestrado em Ciências
Sociais Rurais pela mesma faculdade e doutorado em Economia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Fez o pós-doutorado no Institute of Latin Arnerican Studies University College London, na Inglaterra. É professor titular na área de Economia Agrícola do Instituto de Economia da Unicamp. • RODOLFO HOFFMANN é professor do Instituto de Economia da Unicamp e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP. Projeto: Caracterização do Novo Rural Brasileiro Investimento: R$ 40.683,35, da FAPESP
PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2000 • 55
LIVROS
RENATA SARAIVA
Uma relação tão delicada Estudo retrata como conviviam senhores e cativos no Brasil
Um "cancro" a corroer a sociedade. Simples, essa metáfora, muito utilizada pelas elites brasileiras no século XIX, define bem o
perfil que a professora Joseli Maria Nunes Mendonça traça da escravidão brasileira durante seu longo processo de emancipação, desde o fim do tráfico negreiro, em 1831, até a abolição, em 1888. No livro Entre a Mão e os Anéis-A Lei dos Sexagenários e os Caminhos da Abolição no Brasi~ lançado pela Editora da Unicamp, com apoio da FAPESP, Joseli usa atas e documentos parlamentares da Câmara dos Deputados da Assembléia Geral do Império, para mostrar como foram as relações entre escravos e senhores e, posteriormente, entre libertos e ex-senhores.
O foco central é a Lei dos Sexagenários, ou Saraiva-Cotegipe, que a autora prefere chamar de "Lei de 1885': Mas não se restringe a ela, uma vez que o projeto, encabeçado pelo conselheiro José Antonio Saraiva, era uma espécie de atualização do projeto Dantas, apresentado em 1884. Dantas queria a alforria dos escravos de idade superior a 60 anos, mas não falava em indenizações aos senhores cujos escravos fossem libertos por esta disposição. Pois o "cancro" a que se referiam os homens letrados e abastados não era o câncer social provocado pelo tronco e os maus-tratos feitos aos escravos, mas sim um sistema produtivo falido, indigno para um país que pretendia crescer e impedir que a escravidão fosse o grande freio da civilização.
A Lei de 1885 obrigava os escravos de 60 anos, a título de indenização pela sua alforria, a prestar serviços aos seus ex -senhores pelo tempo de três anos. A indenização cessaria para os escravos que atingissem 65 anos, não importando que tivessem cumprido um tempo de serviço menor do que três anos, caso já tivessem mais de 60 no ato da aplicação da lei.
Uma ironia supor que o escravos se sentissem aliviados por poderem trabalhar menos de três anos
56 • ABRIL DE 1000 • PESQUISA FAPESP
como forma de pagamento por sua liberdade, só porque completavam 65 anos. Em que condições de saúde e com que força de trabalho chegavam esses cativos a essa idade? O que poderiam fazer longe das casas de seus ex-proprietários, onde tinham encontrado alguma forma de subsistência até essa idade avançada? A autora expõe, nesse questionamento, a forma como diversos historiadores interpretaram a Lei de 1885: uma lei feita por proprietários para propnetários, que na verdade viam-
se livres de um contingente humano já improdutivo, mas que ao mesmo tempo não podia deixar prejuízos.
Ainda na análise historiográfica, Joseli apresenta interpretações sobre os problemas da integração do exescravo na sociedade livre feitas por autores consagrados como Florestan Fernandes, Octavio lanni, Emília Viotti da Costa e Fernando Henrique Cardoso. Tratava-se de um problema também para os senhores, pois
• estes não podiam confiar no trabalho de ex-cativos assalariados, visto que estes não se adaptariam à cultura do trabalho incentivado pelas necessidades- suas necessidades eram poucas. Ao mesmo tempo, temiam o
imigrante, cujas mesmas necessidades tinham um porte muito maior- havia de se pagar bons salários.
O difícil dilema vivido por essa sociedade em período de transição fez da graduação uma necessidade para o processo de emancipaçao dos escravos. O livro de Joseli faz uma análise do contexto social em que os degraus foram vencidos e detalha os aspectos legais desse processo. O resultado é a compreensão de um processo político dinâmico atuando em uma sociedade repleta de conflitos e interesses ambíguos. Um manancial-de elementos para derrubar alguns mitos sobre a liberdade.
R ENATA SARAIVA é jornalista e historiadora.
LANÇAMENTOS
Moléculas
Uma análise acessível desse mundo de formas pequenas, mas de imensa complexidade, o estudo do físico-químico P.W. Atkins traz esse universo microscópico próximo da nossa realidade e de nosso entendimento, explicando sua formas, inter-relações e como
executam suas ações. O que faz a doçura do açúcar, as cores das flores, o efeito dos analgésicos, o cheiro dos animais, a acidez e o amargo dos alimentos, a composição do petróleo, sabonetes, enfim, a dinâmica do nosso cotidiano, estruturado pelas moléculas. Um lançamento da Edusp.
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Astronomia. Uma Visão Geral do Universo
Com organização de Amâncio Friaça, Elisabete dei Pino, Laerte Sodré Jr. e Vera Jatenco-Pereira, este livro, lançado pela Edusp, igualmente trata um tema complexo em palavras simples, sem perder a sua densidade. Uma visão panorâmica do cosmos,
elencando as questões fundamentais da astronomia e da astrofísica, o estudo é composto de 13 capítulos escritos por professores do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo, levando o leitor de um passeio pela galáxia até as fronteiras do universo.
História Universal dos Algarismos· (2 volumes)
Escrita por Georges Ifrah, matemático francês, esta edição da Nova Fronteira mostra a inteligência dos homens contada pelos números e pelo cálculo. Os dois volumes foram um sucesso de venda na França. A história da relação nem sempre bem-sucedida
entre seres humanos e seus algarismos inicia-se na era paleolítica e chega até a atualidade, passando por egípcios, gregos, indígenas, chineses, entre outros. O autor retrata, com prazer para seus leitores, a obsessão humana por contar e calcular, a fim de mensurar o mundo ao seu redor e, com sua lógica, compreendê-lo. Delicioso de ler.
REVISTAS
revista brasileira de
história Revista Brasileira de História
A publicação semestral da Associação Nacional de História (ANPUH/Humanitas) chega ao volume 19 trazendo o dossiê Identidades/ Alteridades, enfocando as relações entre cultura, família, política e indivíduo. Entre os muitos
artigos: "A Criança no Estado Novo", de André Ricardo Pereira; "Debates e Ilusões em torno do Ensino de História", de Christian Laville; "Marinheiros e Escravos no Tráfico Negreiro para o Brasil", de Jaime Rodrigues; "A Fotografia na Guerra do Paraguai", de André Amaral de Torai, entre outros.
REVISTA' 'í":\STITUTO
~1 E DI C I i\,, T ROPICAL
SÃO PAULO ..... -...... , ........... _ ... ............ _ .. _
Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo
Volume no 42, referente a janeiro e fevereiro, da revista editada pelo Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP) . Entre ·os vários tópicos analisados: "Estudo clínico-epidemiológico dos acidentes causados por, aranhas do gênero Phoneutria"; "Síndrome pulmonar por hantavírus no Brasil: aspectos clínicos de três novos casos"; "Avaliaçãà do estado nutricional de pacientes com pênfigo foliáceo sob corticoterapia prolongada': Contatos pelo fone e fax 011 852 21 74.
Revista da ABPI
Este é o volume 45 (referente a março e abril) da Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual, o único periódico dedicado apenas às questões de propriedade intelectual. Já nesta edição, a revista traz o programa do 20° Seminário
de Propriedade Intelectual, a ser realizado em 21 e 22 de agosto em São Paulo. Neste número, entre outros artigos temos: "Licenças Compulsórias: Abuso, Emergência Nacional e Interesse Público" e "Registro de Medicamentos Genéricos na ANVS e Infração de Patentes".
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S AN TI AGO
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Suplemento Especial
ESPECIAL
500 anos de Ciência e Tecnologia no Brasil
Parece fora de dúvida que vale a pena falar de quinhentos anos de ciência e tecnologia no Brasil, como se falou sobre tudo, a propósito dos nossos quinhentos anos. Mas há quem duvide
do proveito em tocar nesse assunto. Quinhentos anos? Que ciência? E que tecnologia?
Dizem essas pessoas que a pesquisa, seja científica, seja tecnológica, só se estabeleceu no solo brasileiro, com feições modernas, na segunda metade do século XIX, não existindo quase nada antes. Seriam quatrocentos anos de solidão, portanto.
Esta é uma tentativa de jogar luzes sobre esta questão. Ela diz respeito, ao mesmo tempo, a uma das dez maiores economias do mundo e a uma das dez piores distribuições de renda deste mesmo mundo. Fala dos conhecimentos indígenas, com suas insuperáveis canoas de madeira, e de nossos mestres na física e na construção de cidades lindas, como Ouro Preto e Rio de Janeiro, poderosas, como São Paulo, pobres e ricas, como todas as outras.
De um mundo ao outro, da selva ao asfalto, somamse cinco séculos de sabedoria e, também, de sofrimento e orgulho.
A sabedoria será mostrada nas próximas páginas. O sofrimento num país colossal e pobre nem precisa ser
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escrito, embora vá ser mencionado. O orgulho é o de lembrar que com verbas modestas, sem ajuda, sem nada a não ser a vontade e às vezes o lampejo de gênio, produziu-se aqui de tudo - de pontes e edifícios a pesquisas na área da física, de uma liderança no conhecimento agrícola a um saber universitário que engloba a sociologia, a política e a própria História que aqui vai ser contada de forma resumida.
A ciência e a tecnologia (que nas páginas seguintes serão nomeadas como C&T) não estão sozinhas no mundo. Elas fazem parte da vida. No caso da vida brasileira, são mostrados nossos pioneiros e nossos criadores - do padre Bartolomeu de Gusmão a Santos Dumont, que tentaram voar, com dois séculos de diferença. Nossos médicos, biólogos, engenheiros. E a inestimável contribuição estrangeira para o estudo da nossa fauna, flora e recursos minerais. Um desses visitantes de fora disse: "Este é o paraíso dos naturalistas".
Os autores dos textos deste suplemento especial de Pesquisa FAPESP são pesquisadores - historiadores, biólogos, engenheiros, sociólogos e físicos- do Centro Interunidade de História da Ciência da USP, dirigido pelo historiador Shozo Motoyama. Capa e projeto gráfico de Hélio de Almeida e ilustração de Laurabeatriz.
aos
Aprodução científica brasilei~a não atingiria sequer 1 o/o do total mundial. E o que se diz. Mas, mesmo que fosse verdade, aceitar esses fatos friamente, sem uma análise mais crítica, seria,
no mínimo, desprezar uma parte fascinante da nossa história.
O descobrimento ou conquista do Brasil constituiuse numa das etapas de um processo mais amplo da europeização do mundo, da expansão do capitalismo nascente, com Portugal e Espanha à frente. A lenta transformação das Américas à imagem e ao desejo dos europeus resultou de longos embates frente à resistência dos nativos e à necessidade de moldar a natureza americana aos desígnios dos recém-chegados. Nesse processo, as atividades técnicas e científicas tiveram um peso indubitável.
É do que vamos tratar por partes. O achamento das terras brasileiras deu-se no século XVI, seguindo-se uma época de combates das duas potências ibéricas com países emergentes como a Inglaterra, Holanda e França, no desafio da manutenção de suas hegemonias. Nesse cenário complexo a ciência moderna começou a sua caminhada, lado a lado e intimamente ligada com a ascensão rápida e vertiginosa, mas nada ingênua, da· economia capitalista. Hoje, não há mais dúvida de que dois dos fatores fundamentais que fizeram a diferença em detrimento das pretensões espanholas e portuguesas foram a ciência e a tecnologia.
Sem as duas não se poderia compreender o rumo tomado pelos acontecimentos na época moderna e contemporânea. Para atestar isso, basta notar suas presenças flagrantes em eventos cruciais como a Revolução Industrial, no século XVIII, ou a Revolução Técnico-Científica, na passagem do século XIX para XX, só para citar
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SHOZO MOTOYAMA
FRANCISCO A. DE QUEIROZ
J. JEREMIAS DE ÜLIVEIRA FILHO
MARIA AMÉLIA DANTES
MARILDA NAGAMINI
MILTON VARGAS
ÜSWALDO FIDALGO
alguns. Ora, se o Brasil fez parte dessa trama histórica, e tudo parece indicar que sim, deve ter desempenhado, também, um papel ou diversos papéis na história da C&T. É óbvio que isso se fez dentro da especificidade do país, no seu canto remoto dos trópicos, sem perder, todavia, a sua importância para a economia mundial.
Qual teria sido, então, esse papel ou esses papéis? A pergunta é fascinante e de difícil resposta. Não existem ainda estudos sistemáticos e de profundidade sobre o assunto e as informações disponíveis são insuficientes e fragmentárias. Entretanto, nos últimos 20 anos, a situação vem mudando. Um bom número de trabalhos, teses e dissertações foi realizado, tendo como tema a história da C&T no Brasil. Assim, já é possível vislumbrar algumas respostas à indagação acima, abrindo novas perspectivas para a compreensão da nossa história sob novos ângulos. Com esse pano de fundo, o objetivo deste artigo é mostrar como o percurso histórico do país, ao longo desses 500 anos, não foi alheio ao desenvolvimento científico e tecnológico, com uma contribuição nada desprezível.
Contudo, não temos a pretensão, de fazer um balanço geral do tema nem de apresentá-lo de forma sistemática. O nosso propósito é muito mais modesto. Esperamos discorrer sobre alguns dos episódios para mostrar a riqueza das atividades técnicas e científicas no solo brasileiro, no decurso desses cinco séculos. Pela limitação inerente a qualquer tipo de escolha, muitos eventos relevantes ficaram de fora, assim como muitos nomes importantes não foram mencionados. Queremos deixar bem claro que a escolha foi feita em função da adequação a este artigo e não por causa da importância intrínseca dos episódios ou dos personagens citados. A história é múltipla, complexa e cambiante - daí o seu fascínio.
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A ciência a cargo dos naturalistas estrangeiros Raros talentos locais conseguiram emergir no ambiente dominado por uma política retrógrada
Para. muita gente, sena um contra -senso falar em C&T, na fa
se do Brasil Colônia. De fato, não se tem notícia de qualquer atividade científica ou técnica de peso no país, naquele período. Porém, isso não significa que a evolução da C&T não tenha recebido contribuições do Brasil, na época. O próprio descobrimento foi resultado, em parte, do vigoroso desenvolvimento das técnicas náuticas e do espírito empreendedor do povo lusitano. Por mais surpreendente que possa parecer, Portugal do século XV deti
Terra Brasilis (1515-19), vista por Lopo Homem e Pedro e Jorge Reinei
discussões matemáticas, de muito bom nível, necessárias para a pilotagem. Para ter sucesso nessa atividade, o piloto deveria ser versado no manuseio e conhecimento do astrolábio, do quadrante, da linha e chumbo, da tabela de marés, da bússola marítima, da carta portulano (mapas), da ampulheta para medir velocidade, da toleta de marteloio ou carta de travessia e do compasso. Deveria saber aritmética, geometria, trigonometria e astronomia náutica. A navegação forçou os portugueses ao exame direto da fauna,
nha liderança em alguns pontos de afazeres técnicos e científicos, fruto, sobretudo, dos esforços do infante Dom Henrique e do rei Dom João II. Foi esse o segredo do sucesso das Grandes Navegações, levadas a cabo pelos portugueses, engendrando um enorme reino, espalhado pelos quatro continentes.
Na Lisboa quinhentista, os homens do mar, desde o piloto, passando pelo capitão das caravelas, até o comandante das armadas, discutiam, com freqüência, como ler uma carta de marear, como conduzir uma nau ou como determinar uma longitude. Não eram raras as
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da flora e da geografia de terras novas e exóticas. Não seria diferente com o Brasil. Não foi por acaso que uma das primeiras providências tomadas por Pedro Álvares Cabral tenha sido a medição da latitude, feita pelo Mestre João, médico e cirurgião da frota, no dia 27 de abril de 1500. Assim, preparava-se o terreno para a elaboração de mapas mais precisos, necessários para orientar as futuras expedições exploratórias.
Por outro lado, a natureza e os habitantes da terra achada, pela riqueza e novidade, serviriam, eles próprios, como objetos da investigação científica. O índio, a
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PER (ODO CO LON I AL
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Forte dos Reis Magos (RN): projeto de Gaspar de Sampêres (1597) e construção de Francisco Frias de Mesquita (1614)
preguiça, o moleiro, a arara-canindé, a tunga (bicho-depé), o guará, o guaiamum, o guaxe, o arabutã (pau-brasil), o jenipapo, o urucu, o tucum, a mandioca, o gravatá, a caviúna, o pau-d'arco, a sapucaia e muitos outros frutos da terra eram pratos cheios para a curiosidade e cobiça dos europeus. Em conseqüência, elaboraram-se nos séculos XVI e XVII numerosos relatos, narrativas, cartas, notas, apontamentos e outros documentos, descrevendo, de forma precisa ou fantasiosa, as características do novo domínio lusitano. Encabeçada pela conhecida carta de Pero Vaz de Caminha, são obras como a de Padre Manuel da Nóbrega, de Padre José de Anchieta, de Simão de Vasconcelos, de Pero de Magalhães Gandavo, de Gabriel Soares de Sousa, de André Thevet, de Jean de Lery, de Ives d'Evreux, de Claude d'Abbeville, de Hans Staden, de Gaspar Barleus, de Willem Piso, de Georg Marcgraf, de André João Antonil, de Fernandes Brandão, de Frei Vicente de Salvador, entre outras.
A sabedoria indígena
Graças ao trabalho desses viajantes, cronistas e religiosos, recolheu-se uma enorme massa de dados sobre a fauna, flora, geologia, geografia, costumes e hábitos indígenas, aconteci
mentos históricos, usados para os estudos científicos, não só da época mas também de períodos posteriores (séculos XIX e XX). Assim ficamos sabendo, por exemplo, que muitos animais, como peixe-boi, guará, lobomarinho e outros, hoje raros ou quase extintos, freqüe_ptavam as florestas, as costas e os rios brasileiros, nos tempos desses autores. Igualmente, depreende-se
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desses relatos o modo de vida dos indígenas. O conhecimentos botânicos destes não eram triviais e estavam longe de ser rudimentares. Essa foi a conclusão a que chegou o ilustre botânico Mário Guimarães Ferri ao analisar, nos nossos dias, as informações fornecidas pelos primeiros cronistas.
Assim como os recém-chegados portugueses, os índios também tinham sua própria perícia na arte de navegar. Trabalhavam muito bem as madeiras e faziam canoas de excelente qualidade. Da união dessas habilidades de povos tão distantes nasceram embarcações como a jangaéla, somando o modelo indígena à carpintaria portuguesa. Deu origem, também, à baleeira, barco de pesca da baleia, com comprimento de 12 a 15 metros, ainda hoje em uso, com a adaptação de um motor moderno. Os pequenos estaleiros, existentes na época, espalhados pela costa brasileira, especializaram-se em fabricar embarcações de pequeno calado, de até 40 toneladas. Usavam-se esses barcos, conhecidos com o nome contraditório de caravelões, pela facilidade de navegar nos portos e barras dos rios brasileiros, em geral pouco profundos. Tratava-se, pois, de uma técnica apropriada, como se diria hoje. Esses estaleiros funcionavam também como oficinas de reparos de navios de longo curso.
Os índios também sabiam cultivar algodão, fumo, mandioca, batata-doce, milho, feijão, amendoim e muito mais. Fabricavam o cauim, uma bebida alcoólica, a partir da fermentação da mandioca, teciam as suas redes com diversas fibras, construíam as suas moradias com materiais de origem vegetal, pintavam os seus corpos com tintas originárias de jenipapo e urucu e faziam
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os seus arcos e flechas usando, entre outros, caviúna, pau-d'arco e bambu. O fato de saberem como eliminar o veneno da mandioca nativa, tornando-a comestível, revela um saber técnico bastante elaborado. Os seus conhecimentos zoológicos eram minuciosos e fidedignos. Esses dados recolhidos pelos primeiros cronistas permitiram a identificação científica de plantas e animais, como no caso do chapéu-de-napoleão, descrito por Thevet, em 1558, que recebeu, mais tarde, o nome científico de Thevetia ahouaí. O clássico trabalho de Flores~ tan Fernandes, A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá ( 1951 ), utiliza-se dos relatos fornecidos pelos viajantes quinhentistas e seiscentistas.
Um outro toque europeu
Toda essa riqueza natural e o conhecimento nativo parece não ter interessado muito à Coroa portuguesa, a não ser no início da sua conquista, na primeira metade do século XVI. Já em 1576, o
lusitano Pero Magalhães Gandavo reclamava do pouco caso que os Portugueses fezerão sempre da mesma província (de Santa Cruz), contrastando com a atitude tomada pelos estrangeiros que a têm noutra estima, e sabem suas particularidades melhor e mais de raiz que nós. Naquela época, processava-se uma incrível reviravolta em Portugal. Como que esquecida do seu fervor pelas coisas da ciência e da técnica, da sua sede de expansão territorial e econômica, a sociedade lusitana optava pelo imediatismo e reação, simbolizados pelo mercantilismo e inquisição. Dali em diante pouco espaço restaria em Portugal para a pesquisa científica e o espírito de inquirição técnica.
Basta lembrar o que aconteceu com a tecnologia de navegação, mencionada acima. O mais famoso estaleiro de reparos (Ribeira das Naus, como se dizia), no período colonial, foi o de Salvador. Mas estas instalações não progrediram nem se multiplicaram. Não se permitia que que barcos de grande calado fossem projetados aqui. E mesmo Portugal perdia cada vez mais sua competência nesse ofício, visível até na diminuição de seus profissionais na área. Outras leis draconianas dificultavam ao máximo a construção naval na colônia e esta nunca passou de uma mera promessa.
Se a situação estava ruim na metrópole, seria muito pior na sua colônia, a pobre província de Santa Cruz, onde nem sequer se permitiu a instalação da imprensa. De forma contraditória, o Brasil ia ganhando um lugar de destaque no cenário econômico do reino português, à medida que o comércio das especiarias perdia sua importância. A despeito de não ter, no início, nem ouro, nem prata, a exploração das madeiras, principalmente do paubrasil, ia muito bem. Havia na Europa uma grande crise no fornecimento de madeira, importante para construção naval, obtenção de energia, tintura para a indústria têxtil.
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PERIODO C OLO N IAL
Historia Naturalis Brasiliae (1648), por W. Piso e G. Marcgraf
Ao mesmo tempo, a cultura de cana-de-açúcar começava a se firmar como a mais rentável das atividades econômicas. Estima-se em 300 milhões de libras o valor da produção brasileira desse produto, durante os 3 séculos do jugo lusitano. Esse valor supera em muito o da mineração, que parece não ter atingido a casa de 200 milhões de libras. Para assegurar o seu domínio, o governo português não hesitou em impor uma política obscurantista à sua maior colônia. Por outro lado, a grande lavoura canavieira, baseada no trabalho escravo, com suas casas-grandes e senzalas, estimulou ainda mais esse tipo de cultura retórica e literária, afastada de lides produtivas.
Com esse pano de fundo, compreende-se por que quase não existiu investigação científica e inovação técnica aqui, no século XVII e em boa parte do XVIII. Isso seria realizado por estrangeiros, sobretudo holandeses e franceses, que chegaram no Brasil nessa época. O caso do curto domínio dos holandeses, no nordeste seiscentista, destaca-se pela sua singularidade. O governador holandês, Príncipe Maurício de Nassau (1637-1644),
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P ER! OD O C OLO N I A L
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Engenho de açúcar no Nordeste, em pintura de Franz Post, que integrou a comitiva de Maurício de Nassau
implementou uma política cultural avançada, fundando, em Recife, imprensa, museus, bibliotecas e o primeiro observatório astronômico do país, estimulando a ação de alguns cientistas, arquitetos e pintores da sua corte. Faziam parte dela intelectuais do porte de Willem Piso, médico de Amsterdã, Georg Marcgraf, astrônomo e naturalista alemão, Franz Post, pintor, e o seu irmão Peter Post, arquiteto, entre outros. Ao que tudo indica, Marcgraf foi o primeiro a fazer observações astronômicas sistemáticas no país, além de ter recolhido o vasto material que serviu de base para o famoso livro Historia Naturalis Brasiliae (1648), publicado por João de Laet.
Os jesuítas têm sido acusados de introduzirem, na colônia, uma mentalidade pouco favorável à pesquisa e à ação técnica em virtude do seu esforço em difundir a educação escolástica. Isso pode ser verdade com referência aos seus alunos nativos, mas não se aplica em relação a eles próprios. Os apóstolos da Companhia de Je-
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sus foram perscrutadores incansáveis da realidade brasileira, sobretudo, da vida e dos costumes indígenas. Tendo o padre José de Anchieta como pioneiro, chegaram mesmo a elaborar uma gramática geral do tupi, dando uma forma unificada à diversidade lingüística de um grande número de tribos. Eram também argutos investigadores da natureza e realizavam observações empíricas, como as astronômicas de Valentim Estancel, professor do Colégio da Bahia, honrado por ter um dos seus trabalhos citado no famoso Principia Mathematica (1687) de Isaac Newton. Contudo, esse espírito de inquirição, resultante do zelo em conquistar os silvícolas e conhecer a terra brasileira, não trouxe desdobramentos mais conseqüentes na seara científica ou no desenvolvimento de técnicas competitivas dentro da economia mundial. Com grande probabilidade, isso se explica pelo fato de o projeto jesuítico, na Província de Santa Cruz, não estar direcionado para esses pontos.
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z o o u
PER f ODO CO LON I A L
As primeiras construções renomado dos engenheiros militares parece ter sido o sargento-mar José Fernandes Pinto Alpoim, autor de muitas obras, como o aqueduto da Carioca, no Rio de Janeiro. O Brigadeiro Alpoim, como era conhecido, português de nascimento, esteve no Brasil de 1738 a 1765. Além de ter publicado dois livros: Exame de Artilheiros (1744) e Exame de Bombeiros (1748), ensinou na Aula de Fortificação e de Arquitetura Militar, no Rio de Janeiro. Por intermédio desses profissionais das técnicas de ocupação territorial, o Brasil ia adquirindo uma feição semelhante à da Europa, na esteira da modernização. Todavia, essa não se fazia de maneira linear nem pacífica diante da resistência dos indígenas e peculiaridades regionais do país, resultando uma sociedade sui generis, com características tropicais numa matriz européia.
O s portugueses começaram a ocupação territorial da nova terra usando técnicas trazidas da Península Ibérica. É verdade que, num primeiro momento, isso se faz de maneira lenta
porque a extração do pau-brasil e de outras madeiras, atividade econômica principal dos primórdios da colonização, não incentivava o povoamento. Com a chegada de Thomé de Souza, o primeiro governador geral, em 1549, vieram os jesuítas e os mestres de corporação de ofícios: Luiz Dias, mestre-de-obras da fortaleza, Diogo Peres, mestre pedreiro, Pedro Goes, mestre pedreiro-arquiteto, junto com outros pedreiros, carpinteiros e demais artífices. A função deles era construir a cidade de Salvador, capital do Governo Geral, ao lado de uma fortaleza de pedra e cal [. .. ]como melhor pode ser. Mesmo antes, já havia casas de estilo europeu no Brasil. Fala-se muito na lendária Casa de Pedra, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, que teria sido construída em 1503.
Da mesma forma, a economia colonial estava inserida no contexto de planetarização, apresentando, porém, suas especificidades, para não dizer distorções. No decorrer de três séculos ocorreram múltiplas ativi-
Todavia, a europeização das construções, inclusive das casas particulares, começou de maneira intensa a partir do primeiro quartel de seiscentos, quando elas passaram a ser edificadas com cal e pedra.
Outro profissional responsável pelas construções era o engenheiro militar, que também se ocupava de obras de defesa, seja no litoral, seja nas fronteiras. Fazia demarcação e levantamentos geográficos e topográficos, além de obras civis e a própria formação de seus pares. No período colonial, faltavam engenheiros militares em Portugal, que contratava estrangeiros ou mesmo civis e religiosos. Por exemplo, o Forte dos Reis Magos, em Natal, foi projetado no século XVI, pelo espanhol Gaspar de Samperes. Mesmo duzentos anos depois, importantes trabalhos cartográficos e geográficos ficariam ainda sob a responsabilidade de uma Missão dos Padres Matemáticos. O mais
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Bartolomeu de Gusmão, o padre voador
~ O "padre voador", Bartolo
ª ~ meu Lourenço de Gusmão ~ (1685-1724), paulista de g Santos, foi professor de 6 matemática em Coimbra, ~ além de inventor. Em 1709, ~ apresentou ao rei de Portu~ 8 gal, D. João V, a sua criação Q
- um aparelho capaz de voar "por 200 e mais léguas
por dia". Era o aeróstato, um balão impulsionado por ar quente.
O balão subiu ao ar em Lisboa, no dia 8 de agosto de 1709. As versões sobre esse acontecimento se contradizem. Numa, o balão pegou fogo antes de decolar. Em outra, subiu a uma altura de cinco metros, antes de se queimar.
Qualquer que tenha sido o acontecido, ele em nada beneficiou o padre Gusmão. Ele era perseguido pela Inquisição e fugiu de Portugal para a Espanha, onde morreu. Como aconteceria depois com Santos Dumont, sua invenção foi usurpada. Dois fabricantes de papel, Joseph e Etienne Montgolfier, registraram como sua a criação do aeróstato, em 1783, mais de meio século depois da proeza do padre brasileiro.
dades econômicas, entre as quais destacam-se a exploração de açúcar e a mineração de ouro. As técnicas necessárias para a produção desses bens, técnicas também chamadas de trocacomércio, não precisavam de muita sofisticação. O engenho de açúcar, apesar de exigir grandes investimentos, operava na forma de uma manufatura rudimentar. Além dos escravos, trabalhavam mestres de produção, de manutenção de barcos, e alguns outros trabalhadores livres, perfazendo cerca de 7 a 8 o/o em relação a aqueles submetidos à escravidão.
O processo de produção, após a colheita da cana, iniciava-se na moenda, passando pela fornalha e pela purgação, terminando no armazém, onde se fazia a embalagem do produto. De lá, geralmente por via fluvial, o açúcar chegava para o porto de embarque. As habilidades requeridas para a mineração eram, do mes-mo modo, simples. Utilizavam-se batéias que não
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PERIODO COLON IAL
Extração de diamantes no arraial do Tejuco, em Minas Gerais, no século 18, em trabalho elaborado por artista desconhecido
passavam de gamelas de madeira ou tanques para efetuar lavagens de encostas auríferas. Tudo muito simples e precário.
Em busca do ouro
No entanto, mesmo com toda essa simplicidade precária, a mineração gerou riqueza. Foi o lucro trazido pela mineração que estimulou a arte de arquitetura e de construção, princi
palmente em Minas Gerais, tendo como epicentro a cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto.
Vila Rica era um sucesso, por causa do ouro. Em 1776, como uma das maiores cidades da América, tinha cerca de 78 mil habitantes e na época da Inconfidência Mineira (1789) cerca de 250 músicos trabalhavam lá e na região, principalmente em São João del Rei. As bandas e orquestras foram sendo fundadas em função de um mercado muito próspero, o da fé. Como, na época, o Estado era a Igreja e a Igreja, o Estado, isso gerou um número formidável de feriados religiosos, praticamente um por semana. E essas comemorações precisavam de
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músicos, além de artífices que construíssem e enfeitassem os lugares onde tocavam - igrejas, de preferência.
Segundo Afonso Arinos de Melo Franco, mineiro de sete gerações, Minas produziu uma quantidade de ouro superior à de todo o ouro do mundo de então. Segundo ele, os portugueses levaram daqui uma fortuna tão grande que permitiu aos ingleses, que dominavam seu comércio, realizar a sua famosa Revolução Industrial. Como conseqüência, Minas aprendia em latim, língua que até hoje faz parte de sua bandeira. Lia em grego, escrevia sobre filosofia e seu teatro era em francês.
Com tanta riqueza, foram edificadas não só casas de câmara, igrejas, cadeias e residências imponentes como também praças públicas e chafarizes. Estes existiam em grande quantidade, além de serem de boa qualidade técnica e artística. Os tubos para condutos de água eram muitas vezes feitos de pedra-sabão- uma novidade local. Minas gostava de dar feições próprias às suas obras de talha, pinturas de igreja, chafarizes, mobiliário, produtos de arte. Formou-se, então, grande número de arquitetos, artistas, ourives, marceneiros, entalhadores e outros pro-
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PERIODO COLONIAL
Ouro Preto, marcado pelas obras de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em desenho de von Martius
fissionais, geralmente mulatos, que não conseguiam uma ocupação no comércio ou na burocracia. O mais famoso deles é Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, autor de muitas obras do chamado Barroco Mineiro. Em muitas de suas obras como esculturas e portadas de igrejas, pode ser notada, igualmente, a utilização de pedra-sabão. Pela abundância e a facilidade de ser trabalhada, inclusive por talhadeiras de madeira, a adoção desse material deve ser considerada como uma solução engenhosa para se adaptar às adversidades regionais.
A história da técnica colonial é a testemunha eloqüente de como uma política retrógrada, imposta por uma metrópole estagnada, impediu a eclosão de talentos e inventividade.
Contra a corrente
Mesmo assim, contribuições valiosas teimaram em aparecer. O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724), natural de Santos, ao que tudo indica, inventou uma
bomba capaz de elevar a água à altura de 100 metros. Criou também um aeróstato primitivo, porém original, no início do século XVIII, adiantando-se aos inventores europeus. Entretanto, a repercussão de seus trabalhos, do ponto de vista técnico ou científico, foi quase nula, não só em Portugal como no resto do mundo. A sociedade lusobrasileira viu o padre Bartolomeu como bruxo, impostor e herege. Outro exemplo, bastante diferente, mas igualmente lapidar, aconteceu na manufatura do açúcar no nordeste brasileiro. Logo de início, melhorou-se o processo de fabricação, introduzindo-se uma divisão de trabalho, muito semelhante ao fordismo. Depois, nos duzentos anos seguintes, pouca coisa mudou.
As elites da sociedade colonial, no conforto das casasgrandes, longe do burburinho do capitalismo industrial em plena vigência na Europa, não se interessavam na transformação da sua sociedade ou da sua economia. Mas os ecos da Revolução Industrial não poderiam dei-
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xar de chegar a Portugal, mesmo porque o antigo sistema colonial estava em xeque em função do avanço dessa revolução. As elites lusitanas procuravam saídas -sendo talvez a mais radical a do Marquês de Pombal. Assim, implementaram-se políticas modernizantes com reflexos na sua maior colônia. Por conseguinte, abriram-se espaços, embora pequenos, para a investigação científica e técnica. Caso típico foi o de Alexandre Rodrigues Ferreira, baiano que recebeu da Coroa Portuguesa, em 1783, a incumbência de explorar as capitanias do Pará, do Rio Negro (Amazonas) e Cuiabá. Rodrigues Ferreira permaneceu por sete anos na região, remetendo centenas de amostras e relatórios ao Real Museu da Ajuda de Lisboa, com informações sobre a fauna, flora e recursos minerais.
Todo esse material foi confiscado pelo general Junot, por ocasião da invasão francesa ( 1808) em Portugal, sendo enviado para o Museu de Paris. A glória da identificação dessas amostras acabou ficando com o naturalista francês Etienne Geoffrey Sainte Hilaire, que as analisou.
De qualquer forma, no final do século XVIII, começou a haver algum estímulo para fazer C&T no Brasil, permitindo o surgimento de pesquisadores de primeira, como José Bonifácio de Andrada e Silva, que ficou famoso não como cientista (era mineralogista conhecido na Europa, descobridor de doze minerais), mas como político, pelo seu papel na concretização da independência do Brasil. A inércia de uma cultura plasmada por séculos, no imobilismo de uma sociedade escravocrata, não seria fácil de vencer. Em geral, as tentativas da seara científica ou técnica continuavam a ser vistas com descrédito, desconfiança ou escárnio. Dessa forma, é compreensível o insucesso da Sociedade Científica do Rio de Janeiro, fundada em 1772, por iniciativa do Marquês de Lavradio, Vice-Rei do Brasil, bem como o fato de a propriedade de Manuel Jacintho de Sampaio e Mello ser ridicularizada com o nome de Engenho de Filosofia, só porque o seu proprietário queria aumentar a sua produtividade pela aplicação de conhecimentos científicos.
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A retórica em vez da ação, a ciência como luxo
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PER!ODO MONÁRQUICO
Durante os longos anos do império, discutia-se no Parlamento se investir em pesquisa valia a pena
A transmigração da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, veio mudar esse quadro, sacudindo um pouco a letargia cultural da antiga colônia. Havia, então, entre os lusitanos,
um esforço no sentido de modernização, para enfrentar as mudanças inexoráveis advindas da queda do Antigo Regime. O espírito da Ilustração permeava agora a elite portuguesa. Contudo, centrada demasiadamente nos aspectos utilitários, essa retomada da C&T na metrópole marcava passo, sem perspectivas brilhantes na época da transmigração. De toda forma, Portugal possuía uma infra-estrutura científica e tecnológica que lhe permitia alinhar-se entre as nações modernas.
Portanto, como seria natural, chegando a Rio de Janeiro, D. João VI começou a transplantar para cá as instituições de cunho técnico-científico. No mesmo ano em que chegou, 1808, fundou a Academia de Guardas Marinhas, o Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia, a Escola Médica-Cirúrgica do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional e o Real Horto, além de uma fábrica de pólvora. Ainda no mesmo ano, criou a Real Fábrica de Ferro do Morro de Gaspar Soares, confiando a direção ao intendente Câmara. Nos anos seguintes, estabeleceram-se outras instituições do gênero, como o Museu Real (1818, mais tarde Museu Nacional), junto com algumas medidas para a implantação de uma infra-estrutura técnico-científiéa.
O Brasil precisava, de alguma forma, remediar o seu atraso científico e técnico. Afinal, fora guindado à posição de metrópole de reino imenso, apesar de decadente. E nenhum país moderno poderia sobreviver sem possuir um mínimo de um sistema em C&T. A própria guerra, cada vez mais complexa, não podia prescindir de conhecimentos técnicos cada vez mais aperfeiçoados. Daí a necessidade de academias militares. Como a exploração racional das riquezas de uma região depende de pesquisas geográficas, geológicas, mineralógicas e biológicas, justificava-se a criação do Museu Nacional para aproveitar o conhecimento das ciências naturais em benefício do comércio, da indústria e das artes. Por outro lado, qualquer aspiração de modernidade exige certo grau de industrialização. Com esse objetivo, foram realizados esforços para a implantação da indústria siderúrgica no
Cena da vida urbana e da saúde no Rio de Janeiro, vista por Debret, da Missão Francesa (1816)
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PER ! O DO MO NÁ RQUI C O
país. É verdade que desde o século XVI, quando Afonso Sardinha instalou a sua fábrica rudimentar em Araçoiaba, perto da atual Sorocaba, o ferro vinha sendo trabalhado em pequenas forjas do tipo catalão para produzir ferramentas como picaretas, pás, machados, facas, facões, panelas e ferraduras, entre outros artefatos. Mas isso não atendia nem de longe às exigências da modernidade. Das várias tentativas feitas, desde a do Morro de Gaspar Soares, passando pela do São João de Ipanema (1810), a de Congonhas de Campo (1811), até a de Monlevade (1817), somente a penúltima teve algum sucesso, graças,
papéis marginais. Nem por isso ciência e tecnologia deixaram de ser amparadas em alguns países do centro pelas suas potencialidades econômicas no futuro. Estas eclodiram, de fato, no século XIX. Apenas nessa época o estágio da ciência alcançou o nível de maturação suficiente para poder atender aos reclamos da industrialização, cada vez mais competitiva. Em conseqüência, a Alemanha saltou para a linha de frente na corrida capitalista, graças ao fato de ter priorizado a educação técnica e a investigação científica.
Não foi por acaso que as indústrias mais científicas, como a química e a elétrica, se estabeleceram apenas no
século XIX. Na primeira, só após a ~ revolução química feita pelo traba~ lho de toda uma geração de quími~ cos do século XVIII, como Black, ~ Scheele, Priestley e Lavoisier, é que ~ se tornou possível o conhecimento ~ da estrutura molecular das subs-"' tâncias. Isto abriu o caminho para
Museu Nacional, no Rio de Janeiro, instituição organizada no período monárquico
a era das substâncias sintéticas. Foi possível, então, o surgimento gradativo de complexos industriais de borracha, de plásticos, de petroquímica, só para citar alguns. Por sua vez, durante muito tempo, a eletricidade e o magnetismo não passaram de objetos de curiosidade, com os seus estranhos fenômenos servindo de entretenimento para uma classe de pessoas ociosas. O esforço continuado de cientistas como Faraday, Ampere, Oersted, Kelvin, Maxwell e outros, como aventura intelectual, acabou desvendando as leis existentes no universo eletromagnético. A partir de então, começaram as suas aplica-
em parte, ao aperfeiçoamento na injeção do ar no forno, pela utilização de uma trompa hidráulica.
As pretensões luso-brasileiras de modernização esbarravam na falta de pesquisadores e técnicos capacitados. A C&T é de maturação lenta, requerendo algum tempo para responder às necessidades sociais ou políticas. É preciso ter uma certa tradição, um mínimo de pesquisadores e profissionais capazes de executar as necessidades técnicas e/ou científicas de um projeto político-econômico. O processo de desenvolvimento é complexo, não admitindo uma visão simplória da idéia de custo-benefício. Para acompanhar o futuro, é necessário deixar alguns espaços para as alternativas não alinhadas com as prioridades imediatas.
Uma prova da afirmativa acima pode ser encontrada na própria história daquele século XIX. Na evolução capitalista de antes, a C&T, sobretudo a primeira, só teve
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ções nos setores de energia, transporte, iluminação e informação, entre outros. Essas novas indústrias requeriam investimento de grandes capitais, dando bases para o aparecimento das empresas monopolistas.
Dentro desse quadro mundial, as tentativas brasileiras em estabelecer áreas científicas e técnicas foram bastante tímidas. Aparentemente satisfeita com a sua condição de nação primário-exportadora, a monarquia brasileira não conseguia encarar de forma mais consistente a necessidade de cultivar a C&T. Essa atitude contrasta singularmente com a dos Estados Unidos, empenhados em promover a capacitação tecnológica, contribuindo com inventos importantes no front do desenvolvimento industrial. Para compensar o seu atraso científico, os norte-americanos foram bem-sucedidos em aperfeiçoar o sistema de pesquisa e desenvolvimento. No Brasil, as coisas ocorreram de forma bem diferen-
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te. Sem a pluralidade das culturas e das elites como as da antiga colónia britânica, bem marcantes entre o norte industrial e o sul escravocrata, a sociedade brasileira herdara uma tradição pesada e monolítica do sistema colonial lusitano e da Contra-Reforma, que acarretou a debilidade de segmentos sociais diferentes dos setores dos senhores de engenho e de governantes. A cultura resultante era bastante sólida e se caracterizava pelo imediatismo e desprezo pelo trabalho manual.
Não que a ciência estivesse fora da pauta do dia. Contudo, na tradição de valorizar mais a retórica do que a ação, a maioria do
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nosso Parlamento ficava ~ discutindo, em boa ora- ~
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tória, se a ciência era relevante ou não, se valia a ~
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PERfODO MONÁ RQU I CO
(1838), da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (1825) e da Sociedade Vellosiana (1850).
O Instituto, embora se notabilizasse pela sua atuação no campo da história e da geografia, não deixou de con- · tribuir para estudos naturalistas, pois considerava a história natural como parte da História do Brasil. Instituiu uma Comissão Científica de Exploração que atuou no Ceará entre 1859 e 1861, fazendo levantamentos na área de botânica, geologia, mineralogia, astronomia, geografia e etnologia. A Sociedade Auxiliadora, particular, com cerca de 200 signatários, procurava incentivar a utiliza-
quisa ou não e assim por diante. Esse tipo de atitude persistiu durante todo o Império. Mesmo no ocaso desse regime, em 1882, quando D. Pedro II pediu uma pequena verba para a participação brasileira na observação da passagem de Vênus pelo disco solar, a grita foi geral, tanto no Parlamento como na Imprensa. Foram publicadas diversas charges sarcásticas e um matutino estampou um desenho no qual o imperador caía num poço por estar entretido na obser-
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Academia de Direito, primeira instituição pública de ensino superior implantada em São Paulo (1827)
vação de uma moça atraente, simbolizando Vênus, que passeava pelo céu. Trata-se de uma prova eloqüente de que uma grande parte da elite brasileira considerava a ciência como luxo desnecessário.
O paraíso dos naturalistas
Naturalmente, havia segmentos interessados em fazer avançar a C&T no país, acreditando serem dois dos fatores fundamentais de prosperidade económica e de progresso cultural.
Tudo faz crer que, no início, esse tipo de ação provinha de pessoas influenciadas pela Ilustração. Efetivamente, foram criados, nos primeiros tempos do regime monárquico, varias instituições voltadas para a promoção de atividades científicas ou industriais. São dessa época a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
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ção das máquinas e inventos na agricultura, além de difundir conhecimentos úteis. Para isso editou uma revista: O Auxiliador. Pelas suas páginas pode-se ver como, na agricultura, a química foi substituindo a botânica em importância ao longo do século XIX. A Sociedade chegou a montar um sítio para pesquisas agrícolas, sob a direção de Luís Reidel. A Sociedade Vellosiana foi fundada por naturalistas do Rio de Janeiro, estendendo-se depois para outras províncias. Entre os seus fundadores, notam-se nomes reconhecidos como os de Freire Alemão, Silva Maia, Guilherme Capanema, Frederico Burlamaque, Candido A. Coutinho e o próprio Reidel, já citado. A ênfase das discussões estava em temas nacionais, muitas vezes de cunho prático.
Do mesmo modo, o Museu Nacional, concebido com fins utilitários, foi se transformando numa instituição de pesquisa. Com a contribuição de naturalistas estrangeiros
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P ERI O DO REP U BLI C A NO
inseto, o Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas formou várias comissões compostas de naturalistas conhecidos na época, como Frederico Burlamaqui, F. de Rocha Freire, F. Freire Alemão, Emílio Goeldi e outros para debelar a ameaça. Embora as comissões tenham conseguido identificar a doença como a ferrugem, já notada nas Antilhas em meados do século XIX, não conseguiram encontrar meios para curá-la. Parece que esse foi um dos fatores da decadência do café no Vale do Paraíba.
Mas a criação do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), por D. Pedro II, no fim do século XIX, inaugurou uma nova fase para as investigações agrícolas com enfoque científico. Claro que o IAC teve enormes dificuldades para impor essa linha tecnológica, em função das demandas de uma sociedade demasiadamente pragmática e apressada. Ainda na década de 20, ele sofria as conseqüências da orientação imediatista imposta de fora, contra aquela de moldes científicos adotada pelo seu primeiro diretor, F. W. Dafert. De forma irânica, essa orientação imedia-
ele contra a broca-do-café, o Instituto tornou-se durante muito tempo num paradigma de pesquisa em moldes modernos. Quem o levou nessa direção foi Henrique da Rocha Lima, seu diretor a partir de 1932. Tendo trabalhado por 20 anos na Alemanha, onde recebeu reconhecimento, Rocha Lima impôs um padrão invejável ao Biológico, que adquiriu rapidamente uma posição de liderança nas investigações fitopatológicas e bacteriológicas. Apesar de mais aberto e flexível que Manguinhos, prefigurando uma verdadeira universidade, o Instituto sofreu influência da entidade do Rio, que lhe forneceu vários pesquisadores, como Otto Bier, José Reis e Adolpho Martins Penha.
tista estava fracassando na prática, aconselhando erradamente os fazendeiros. Só depois da reforma concretizada por Theodureto de Camargo (1927), com a valorização novamente da pesquisa, é que a situação mudou. Assim, já na década de 30, o IAC pôde contribuir para a melhoria da produção agrícola, por meio de estudos sobre café, milho, fumo, trigo e batata, entre outros. Foram notáveis as investigações de genética agrícola, introduzidas pioneiramente por C. A. Krug e J. E. T. Mendes, e os trabalhos de Alcides Carvalho sobre o café.
O Instituto Biológico constitui-se num dos casos mais bem-sucedidos nessa linha de pesquisa e desenvolvimento, dentro da associação da ciência básica com a aplicada. Fundado em 1927, graças ao empenho e habilidade política de Arthur Neiva, que soube capitalizar o sucesso de uma comissão chefiada por
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De toda forma, graças à atuação eficiente desses institutos de pesquisa agrícola, o Brasil saltou à linha de frente dos conhecimentos agronômicos, conseguindo manter a sua invejável posição mundial no campo da agricultura. Basta lembrar o triste exemplo dos planejadores americanos de Fordlândia e Belterra, no Pará. Eles sentiram amargamente o quanto os conhecimen-
Gilberto Freyre, um intérprete do Brasil
g De Gilberto de Mello Frey"' re (Recife, 1900-1987) já se ~ disse de tudo, sempre de
.......,.;..<rt• ~ maneira superlativa. De ~ gênio a mentecapto. No ;"; <§ primeiro caso, por ter ilu-z
"' minado a compreensão do Brasil. No segundo, pelo seu fascínio por regimes autoritários como o Salaza-
rismo português (cunhou a expressão luso- tropicalismo, que nos uniria ao universo português na época fascista).
Com uma atuação intelectual difícil de classificar no amplo espectro das ciências sociais, Gilberto Freyre é um ponto de referência. É dele o livro que nove entre dez historiadores consideram o melhor retrato da vida brasileira, o clássico Casa Grande & Senzala (1933). Seus temas, neste e em outros livros, como Sobrados e Mocambos (1936), são a escravidão, relações sociais entre senhores e servos, cultura e sociedade. Foi deputado constituinte em 1946, representou o Brasil na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1949 e recebeu distinções de diversas universidades do mundo.
tos técnicos são vitais para um empreendimento agrícola. Interessada em concretizar a organização vertical da sua produção econômica, a Ford conseguiu uma concessão de um milhão de hectares na Amazônia, para a plantação de seringais e extração intensiva da borracha, em 1927. Quatro anos antes, um grande grupo técnico brasileiro-americano percorrera a Amazônia estudando a possibilidade de uma produção em alta escala. Os extensos seringais da companhia americana iam bem, até que apareceram os fungos que atacavam a Hevea brasiliensis. Na verdade, esses fungos são naturais da Amazônia e já atacavam a seringueira havia muito tempo. Acontece que uma seringueira fica muito distante de outra seringueira. Separada por uma vegetação cerrada, a doença não podia alastrar-se. Retirada essa proteção natural, como aconteceu naquele caso da
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PERIODO MONÁRQUICO
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O pedido de privilégio industrial para o balão Brasil foi pedido por José Passos Faria, em 1873
que aqui apartavam em quantidade, começaram a ensaiar-se os primeiros passos da pesquisa biológica. É digno de nota o laboratório de fisiologia experimental de João Batista Lacerda e Louis Couty, criado em 1880, quando o Museu se encontrava sob a direção de Ladislau Neto, cuja atuação foi sempre no sentido de estimular a pesquisa. No campo geológico e mineralógico, o Museu Nacional possuía um vasto acervo de minerais e um laboratório para análise e ensaios mineralógicos, com atividade nada desprezível. O seu exemplo irradiou-se de norte a sul, propiciando a criação do Museu Paraense (1866), em Belém, e de outras agremiações congêneres. Neste ponto, mais uma vez se constata, com tristeza, que enquanto os museus norte-americanos, instituídos na mesma época, cresciam e se consolidavam, os nossos mal podiam manter-se, apesar da existência de períodos fecundos, mas fugazes, de pesquisa.
Isso apesar do interesse que a natureza brasileira continuava a despertar no cenário internacional. A abertura dos portos decretada por D. João VI foi também abertura para as investigações biológicas estrangeiras represadas durante o século XVIII. Retomaramse as investigações da nossa flora, fauna e geologia,
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sucedendo-se visitas científicas de pesquisadores de renome internacional, como Langsdorff, Sellow, Príncipe de Wied-Neuwied,Auguste de Saint-Hilaire, Lund, Warming, só para citar uns poucos. Sem dúvida, o trabalho mais monumental, resultante dessas expedições científicas, foi a Flora Brasiliensis, de Carl Friedrich Phillip von Martius, baseado no material recolhido por ele próprio, junto com Spix e outros da comitiva da Arquiduquesa D. Leopoldina. Ela viera ao Rio de Janeiro, em 1817, para casar-se com D. Pedro de Alcântara, depois o primeiro imperador do Brasil. A Flora, cuja publicação foi iniciada em 1840 por Martius, só foi completada 66 anos depois, com a colaboração de 65 botânicos. Em 130 fascículos em 40 volumes in-fólio, com 3.000 estampas, descreve 20.000 espécies, das quais cerca de 6.000 eram desconhecidas.
Também não deixa de ser extraordinária a contribuição do país para a concretização da Teoria de Evolução das Espécies, um dos maiores feitos científicos do século XIX. Tanto Charles Darwin como Alfred Russel Wallace, propositores da Teoria, estiveram colhendo dados aqui. O primeiro, a bordo do Beagle, passou por São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro em 1832, voltando à Bahia
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e a Pernambuco, quatro anos mais tarde. O segundo explorou a Amazônia, em torno do Rio Negro, durante quatro anos a partir de 1848. Como se não bastasse, Henry Walter Bates descobriu nas suas andanças de onze anos pela Amazônia (1848-1859) o mimetismo das borboletas. É um achado fundamental para o entendimento da seleção natural, mecanismo central da Teoria da Evolução. Encantado com a Amazônia, ele achamou de o Paraíso dos Naturalistas.
Outro que se fascinou com a natureza brasileira, mas desta vez, com a de Santa Catarina, foi Fritz Müller. Ele veio ao Brasil em 1852, com 30 anos de idade, e aqui permaneceu até a sua morte, em 1897. Nos seus 45 anos de investigação biológica no país, conseguiu resultados excelentes nas áreas de embriologia, de ecologia, de etologia e mesmo de genética. O seu trabalho mais relevante refere-se a um outro tipo de mimetismo de borboletas, o de imitação recíproca, diferente daquele estudado por Bates. Tratava-se de mais uma prova essencial para o evolucionismo. Müller publicou-o em 1864, com o título de Für Darwin. A repercussão mundial foi imediata, dando renome internacional ao seu autor. Thales Martins, um dos nossos mais reconhecidos fisiologistas, considera Fritz Müller um dos maiores biologistas do século XIX. Todas essas provas da Teoria de Evolução obtidas em pesquisas feitas no Brasil constituem-se em pontos favoráveis à nossa tese de que o país participou efetivamente da história da C&T, no âmbito internacional.
Do café às ferrovias
Esses acontecimentos deram-se no contexto econômico mundial da afirmação do capitalismo industrial. Este mundializava-se cada vez mais, re
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Algodão e sobretudo cana-de-açúcar voltaram, no princípio do século, a alcançar posições importantes na economia, fazendo renascer o fastígio do Nordeste. Mesmo quando eles entraram de novo em decadência, I}OS
meados do século, a saúde financeira da nação como urn todo não sofreu abalo, graças à ascensão do café, borracha e cacau. Até essa época, o pequeno mercado brasileiro, pois a maioria da população era escrava, não exercia muita atração aos capitalistas industriais da Grã-Bretanha. Na verdade, eles ainda implantavam a malha ferroviária no seu próprio país. Não é de estranhar que apesar da vigência de um decreto imperial, de 1835, concedendo privilégios para a construção de ferrovias interligando Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul, nada tenha acontecido de verdade.
A partir da segunda metade do século XIX, no entanto, a situação começou a mudar em função, sobretudo, da prosperidade do café. A necessidade de transporte exigiu a instalação das ferrovias, indo ao encontro dos planos de exportação industrial da Inglaterra. De igual forma, para melhorar o embarque dos produtos agrícolas, foi preciso melhorar os portos. Essas aspirações não alcançaram o êxito esperado, mas os trens começaram a circular em 1854, graças a uma iniciativa de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Naquele ano, terminava a instalação da primeira ferrovia brasileira, ligando o município de Estrela a Petrópolis.
O projeto da estrada baseara-se nos estudos dos engenheiros ingleses William Bragge, Robert Milligan e William G. Ginty. Tinha uma extensão de 14,5 quilômetros, com a bitola de 1,676 metro. Desde então, multiplicou-se o número de companhias ferroviárias, tais como a Estrada de Ferro D. Pedro II (1854, depois a famosa Central do Brasil) a The'São Paulo Railway (depois a igualmente cé
lebre Santos-Jundiaí), a Companhia Paulista de Vias Férreas e outras. No início, a maioria dos projetos ficou a cargo de engenheiros ingleses ou norte-americanos. Mas os nacionais tiveram participações importantes na condução do processo. Por exemplo, Christiano Benedito Ottoni, engenheiro militar, dirigiu por bom tempo a construção da ferrovia D. Pedro II. E Honório Bicalho, formado igualmente pela Escola Militar, e Francisco Pereira Passos, egresso da Escola Central. Eles projetaram o trecho de Juiz de Fora da mesma estrada.
forçando a idéia de um mercado internacional para poder escoar os produtos fabricados em massa. Nesse aspecto, a velha estrutura mercantilista atrapalhava os planos dos novos rumos da economia, sendo colocada em xeque. Os ideais do livre-cambismo espalhavam-se, inflados pela propaganda liberal emanada pela Velha Albion, vulgo Grã-Bretanha. No Brasil, essas idéias foram defendidas, já em 1804, por José da Silva Lisboa, futuro Visconde de Cairu. Ele tinha a indústria em grande apreço, mas o país foi na direção contrária, procurando novos produtos agrícolas para substituir o ouro e a prata que escasseavam.
Charge contra o pedido de verbas apresentado pelo imperador para observação astronômica
Nessas e outras tarefas, ficava clara a importância de formar engenheiros e técnicos em quan-
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tidade, tarefa em parte cumprida pela Escola Militar e pela Escola Central, desdobramentos da antiga Academia Imperial Militar. Diante da demanda cada vez mais crescente, a Escola Central transformou-se em Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Alguns jovens foram estudar engenharia na Europa. Em conseqüência, nas últimas décadas do século, constituiu-se uma competência nacional capaz de fazer frente a algumas questões ferroviárias relevantes. Uma das polêmicas candentes, na qual se envolveu o engenheiro paulista Antônio Francisco de Paula Souza, versava sobre a superioridade ou não da bitola estreita em relação à larga. Paula Souza, o mesmo que fundaria depois a Escola Politécnica de São Paulo, defendia o uso da bitola estreita no seu estudo Estradas de Ferro na Província de São Paulo. Hoje, a maioria das ferrovias brasileiras segue a bitola métrica. Numa bitola ou noutra, a verdade é que se construíram poucas ferrovias.
Pelas mãos do imperador
Mas, nesse panorama, o sucesso da construção da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, entre 1880 e 1885, merece destaque. Construída sob a direção dos engenheiros João Teixeira Soares e Guilherme B. Weins
As comissões geográficas e geológicas, criadas nessa época, fizeram trabalhos exemplares de investigação. A Comissão Geológica do Império (1875-1877), sob a direção do mesmo
Hartt, conseguiu esclarecer em seus traços gerais a estrutura geológica brasileira, além de recolher cerca de SOO mil amostras de minerais. A despeito do seu êxito, a Comissão foi desativada, em nome de uma duvidosa economia. Essa tem sido uma constante nos países subdesenvolvidos- sacrificar a ciência e a pesquisa tecnológica em favor de empreendimentos supostamente mais rentáveis, sob a ótica do imediatismo. Mesmo havendo na época, em escala mundial, um boom de investigação geológica estimulada pela procura de matéria-prima para as indústrias químicas e para a petroquímica. Na província de São Paulo, estatuiu-se, em 1886, uma Comissão Geográfica, sob a responsabilidade de Orville Derby e E. Hussak, com a finalidade de fazer levantamentos de cartas geográficas, topográficas, geológicas e
chenk, o seu projeto é do brasileiro Antônio Pereira Rebouças. Essa estrada, construída num terreno acidentado de região montanhosa, é uma combinação engenhosa de túneis e pontes, sendo ainda hoje uma das poucas que não sofrem com o problema de deslizamento das encostas. As ferrovias, sobretudo, as paulistas, foram veículos por excelência da modernização, levando à integração de vastas regiões, abrindo caminho para novas regiões produtoras, tornando-se sede de atividades técnicas por meio das oficinas de reparo. Chamaram atenção também para a necessidade de pesquisas mais abrangentes, como no episódio da construção da E. F. D. Pedro II, por método de simples aderência, no trecho do Rio de Janeiro até a Barra do Piraí, quando se tornaram necessários investigações geológicas, feitas por Louis Agassiz e Charles Frederic Hartt.
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Madame Durocher, pioneira da obstetrícia
Madame Durocher não foi uma daquelas mulheres de má fama que vieram para o Brasil, em séculos passados. Pelo contrário, trilhou um caminho que a aproxima da santidade. Maria Josefina Matilde Durocher (1809-1893) nasceu em Paris, chegou à Bahia com a mãe e naturalizou-se·brasileira. No Rio de Janeiro, matriculou-se no curso de parto na Faculdade de Medicina. Tornou-se a primeira parteira diplomada no Brasil e publicou trabalhos sobre obstetrícia. Foi a primeira mulher aceita como sócia da Academia Imperial de Medicina, em 1871.
A atendente da Casa Imperial, cargo que lhe garantia clientes ricos, não deixou de socorrer os pobres. Durante 60 anos ajudou a trazer ao mundo milhares de bebês, além de fazer tratamentos ginecológicos e tratar das doenças dos recém-nascidos. Perita médico-legal, nas epidemias de febre amarela (1850) e cólera-morbo (1855) foi convocada ao trabalho. Era interessada em questões sociais. Fez um projeto sobre a fiscalização das amas-deleite e um outro sobre a emancipação dos escravos. Teve carreira excepcional, numa época de escassas oportunidades para mulheres.
agrícolas, além de realizar estudos de meteorologia e botânica. Já na fase republicana, no ano de 1891, foi criada, em Minas Gerais, uma comissão com objetivos semelhantes. Essa tradição de pesquisa geológica continuou com a criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil ( 1907), sob a direção de Derby, enfrentando sempre dificuldades crônicas pela falta de apoio oficial.
Como se viu, no período monárquico, cada vez mais ficava clara a necessidade de alcançar competência científica e tecnológica. Esforços foram feitos nessa direção, alcançandose um certo sucesso, pois a pesquisa começou a freqüentar algumas instituições brasileiras. Entrementes, ela não prosperou, como se patenteou na Guerra do Paraguai, quando se evidenciou o nosso despreparo nas técnicas militares. Qual teria sido a razão disso? A resposta não
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Ferrovias se expandem junto com o café: ramal ferroviário liga a fazenda do pai de Santos Dumont a Ribeirão Preto (foto de 1900)
é fácil. Não há mais dúvidas de que existiam segmentos sociais interessados em promover a C&T, como mostraram os estudos feitos na segunda metade do século XX pela geração de novos historiadores. Ainda falta pesquisar muito para esclarecer alguns pontos nodais, mas algumas coisas podem ser ditas.
No Brasil Monárquico, pesou muito a tradição colonial, aliada ao tipo vigente de economia, na falta de compreensão do papel da pesquisa como meio para atingir os padrões da civilização, para usarmos os termos da época. Mesmo as pessoas bem-intencionadas e idealistas, de sincera fé nas atividades científicas e tecnológicas, muitas vezes não conseguiam apreender a sua verdadeira dimensão no concerto mundial.
Nesse sentido, um exemplo paradigmático foi o do Imperador D. Pedro II. No período em consideração, parece que ninguém fez mais que ele pela ciência no Brasil. O seu nome está ligado à maioria dos eventos importantes dessa área, como à instalação do Laboratório de Fisiologia Experimental no Museu Nacional, já mencionada, à criação da Escola de Minas de Ouro Preto (1875), à fundação da Estação Agronômica de Campinas (1887), ao melhoramento do Observatório Nacional, entre outros. Não só isso. Ele esteve presente em quase todos os grandes eventos técnico-científicos do mundo, conheceu e correspondeu-se com inúmeros
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cientistas famosos no cenário internacional. Porém, ao que tudo indica, o seu posicionamento é o de monarca esclarecido, protetor de artes e de ciências, e não o de um estadista contemporâneo, articulador de uma política científica e tecnológica voltada para o fortalecimento futuro da 'nação.
É bem verdade que ainda não se fez nenhum estudo mais profundo e sistemático sobre esse aspecto da vida de D. Pedro II e pode-se estar incorrendo numa lamentável injustiça. Não é muito conhecida, por exemplo, a sua ação pelo reflorestamento da Tijuca, no Rio de Janeiro, primordialmente com espécies nativas da região contígua de Guaratiba, como forma de proteger as encostas e reerguer a biodiversidade do local. Não obstante a forma artesanal de plantio, a continuidade do processo garantiu a formação da maior floresta urbana do mundo. Do mesmo modo, ele fez a substituição, por sugestão de A. Glaziou, de espécies exóticas por nativas, na arborização de ruas, parques e jardins do Rio de Janeiro- fonte de inspiração, no século XX, para Roberto Burle Marx projetar os seus jardins à base de plantas tropicais. Esses exemplos recomendam cautela na avaliação da atuação de D. Pedro II, ainda mais se recordarmos o turbulento jogo de poder entre as elites, existente no seu reinado. Todavia, isso não muda o fato de que o Brasil ocupava uma posição medíocre em C&T, no ocaso do Império.
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Uma luta sem trégua para criar ciência e tecnologia A briga entre os que querem desenvolver C& T e a tradição imediatista atravessa todo o século 20
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"' ü ARepública iniciava seus passos sob um novo signo - o signo da modernização. Tendo São
Paulo à frente, esforçava-se para montar uma infra-estrutura capaz de enfrentar os desafios de uma nova era marcada pela Revolução Técnico-Científica, também chamada de Segunda Revolução Industrial. Após quatro séculos de maturação, a ciência atingira um nível alto capaz de responder as demandas técnicas com eficiência. Em conseqüência, novos produtos de grande intensidade tecnológica como o automóvel, o avião, o rádio, o telefone, o telégrafo sem fio, a
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Manguinhos: dos laboratórios muito simples, erguidos em 1900 com propósitos práticos ...
geladeira, entre muitos outros, subverteram a ordem econômica, propiciando o surgimento de grandes conglomerados como a General Motors, General Eletric, I.G. Farben, Siemens, Mitsubishi, Shell e outros. As competições dessas companhias entre si e as disputas entre as potências econômicas provocaram grandes tensões políticas e militares, tornando a primeira metade do século XX num período de extrema instabilidade, simbolizada pela duas guerras mundiais. E, nesse planeta tão perigoso, a sobrevivência dependia cada vez mais da C&T.
Isso porque essa segunda revolução industrial, mais do que a primeira, imiscuiu-se e tornou mais complexa a sociedade em geral. A capacidade produtiva não só aumentou de forma exponencial como começou a colocar a alcance de amplas camadas populacionais (mas não à sua maioria) novos produtos de origem industrial, fabricados em grande escala. Não eram apenas os produtos sofisticados como os citados acima, mas também os de uso mais doméstico: escova de dentes, dentifrício, papel higiênico, comidas enlatadas, cervejas engarrafadas, sabão em pó e quanto mais se possa imaginar e comprar. O próprio trabalho adquiriu os foros de ciência, difundindo-se o taylorismo e o fordismo. A guerra tornou-se mais mortífera com os seus gases ve-
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nenosos, os submarinos, as bombas aéreas e outros artefatos horríveis que não poupavam nem os civis. Todos esses fatos tiveram reflexos nos hábitos e nos comportamentos gerais', com desdobramentos planetários num processo de globalização.
No Brasil, as coisas não seriam diferentes. Para ajustar-se à nova situação global, libertaram-se os escravos, receberam-se os imigrantes, aumentou-se a classe média. Todavia, aqui, modernizar-se significava europeizar-se. Assim, tendo como modelos França, Inglaterra e Alemanha, esforçou-se em importar os modos de vida e as formas de pensamento daqueles países- civilizar-se, como diziam os intelectuais da época. E nas classes altas e médias, em pleno país tropical, seria difundido o uso de terno e gravata e adotar-se-iam teorias sociais de cunho cientificista, mormente do darwinismo de Spencer, do positivismo de Comte e do evolucionismo alemão de Haeckel.
Ainda no Império, na segunda metade dos oitocentos, formara-se uma geração de intelectuais brasileiros, fortemente influenciada pelas correntes mencionadas acima. Queriam entender e explicar as razões do seu país ser tão diferente em contraste com os da Europa. Esses intelectuais, entre os quais destacavam-se Sílvio
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.. . à instituição que se tornou um paradigma da investigação científica, graças ao carisma de Oswaldo Cruz
Romero, Raimundo Nina Rodrigues e João Batista Lacerda, perguntavam-se se seria possível a nossa sociedade, colocada no ambiente desfavorável dos trópicos, atingir uma civilização capaz de equiparar-se à européia. Para eles, além do fator geográfico, a culpa maior cabia à raça brasileira, união infeliz do branco com a inferioridade racial do negro e do índio.
Estes intelectuais seguiam as teorias racistas de Lapouge, Gobineau, Buckle e Chamberlain, conseqüências previsíveis do darwinismo social e do evolucionismo. A solução encontrada foi a teoria do branqueamento, solução engenhosa, mas sem fundamento científico, embora os seus propositores pensassem o contrário. De acordo com essa visão, se não mais aumentasse o número de seres inferiores, a raça brasileira acabaria tornando-se branca, pois os caracteres genéticos desta sobrepor-se-iam aos das outras por serem mais fortes. Apesar de não corresponderem à realidade, essas formulações sobre o branqueamento podem ser consideradas como as primeiras manifestações da investigação sociológica no Brasil, por combinar,em a teoria com a coleta empírica de dados, como argumenta de maneira convincente o professor Oracy Nogueira. Outras obras de grande valor, porquanto revelavam a realidade social brasileira,
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publicadas na época, como aquelas de Euclides da Cunha e de Oliveira Vianna, continuavam a sustentar a tese da superioridade do branco em relação ao negro. Todavia, à medida que se consolidava a República, principiaram a aparecer trabalhos defendendo a igualdade das raças. Só para ilustrar, citaremos, dessa corrente, os nomes de Manuel Bonfim, Alberto Torres e Edgar Roquette-Pinto.
Entrementes, nas últimas décadas do século XIX, não foi apenas essa leva de intelectuais que surgiu. Políticos, administradores, militares, engenheiros, médicos e artistas, de forte convicção positivista, aliados aos ricos fazendeiros do oeste paulista, tiveram presença mais marcante ainda no cenário nacional. Conhecidos como geração de 70, por estarem fortemente vinculados à fundação do Partido Republicano em 1870, vão dominar o curso de acontecimentos políticos e econômicos dos anos seguintes. Proclamada a República em 1889, eles impõem os novos moldes inspirados na plataforma de modernização e industrialização. Com esse objetivo, implantam, com mão de ferro, um projeto de remodelação tanto do ponto de vista econômico quanto urbanístico e sanitário. A despeito de não ter beneficiado uma grande parte da população e ter provocado um verda-
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deiro rebuliço no sistema financeiro com a balbúrdia de especulação desenfreada propiciada com o encilhamento, o projeto que ficou conhecido com o nome de regeneração foi bemsucedido. Destarte, Rio de Janeiro, vitrine dessa plataforma, reconstruiu-se numa forma moderna, tornou-se salubre e ampliou o seu porto para dinamizar o comércio com o exterior. Era um grande avanço, sem dúvida. Mas, o país continuava essencialmente primário-exportador, porquanto a industrialização progredia a passos tardos, mal atendendo o mercado interno, somente nos bens mais rudimentares.
Mesmo um país primárioexportador, para ser moderno,
Integrantes do Gabinete de Resistência dos Materiais da Escola Politécnica de São Paulo, em fotografia de 1904. Ao centro, o criador do Gabinete, Antônio Francisco de Paula Souza
precisava ter condições mínimas para realizar atividades científicas e tecnológicas, mormente na área de agricultura e saúde. Assim, no fim do século XIX, fundou-se um bom número de escolas superiores e institutos de pesquisa, além da criação de várias comissões geográficas e geológicas. Entre as escolas superiores, pode-se citar, entre outras, a Escola Politécnica (1893), a Escola de Engenharia Mackenzie (1896), a Escola Livre de Farmácia (1898), todas em São Paulo, a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária (1898), no Rio de Ja-
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Paula Souza, pondo o progresso nos trilhos
!!: Um engenheiro ferroviário, ~ s Antônio Francisco de Paula ~ < Souza (1843-1917), não por
acaso ajudou a colocar o progresso brasileiro nos trilhos. Paulista de ltu, mas com vistosa formação internacional, ele se formou na Escola Politécnica de Zurique e na Karlhsue, na Alemanha, além de ter tra-
balhado dois anos na construção de estradas de ferro nos Estados Unidos. ·
De volta ao Brasil, continuou na engenharia fer-
neiro, a Escola de Engenharia ( 1896), em Porto Alegre, e, já no século seguinte, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ- 1901), em Piracicaba. Ao examinar esse quadro, verifica-se a predominância de instituições paulistas. Como já foi dito, em São Paulo formara-se uma elite empreendedora bastante diferenciada daquelas de outras regiões brasileiras. Uma parte dela, imbuída de um espírito de capitalismo mais moderno, conhecia a importância da pesquisa e da competência tecnológica e esforçava-se em dar condições para isso.
roviária. Mas com uma experiência que lhe deu condições para se tornar professor, escritor de livros sobre C&T e, mais tarde, organizador de políticas para essas áreas.
Nesse papel, foi o primeiro diretor da Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo e ministro das Relações Exteriores, da Agricultura e Viação no governo Floriano Peixoto. Uma de suas constribuições mais importantes para a C&T se deu quando era deputado estadual. Foi autor do projeto que criou a Escola Politécnica de São Paulo ( 1894), que dirigiu até sua morte. Professor das cadeiras de Resistência dos Materiais e Estabilidade das Construções, introduziu pela primeira vez no Brasil, no início do século XX, o ensino do concreto armado. Sua grandeza, como a de outros, foi integrar a C&T a uma visão mais ampla da realidade social.
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guinhos ( 1900) e, em Belém, fundou-se o Museu Paraense (1894), que passou a se chamar Museu Emílio Goeldi a partir de 1900.
As trajetórias históricas dessas instituições são muito semelhantes. Criados com propósitos utilitários, esses órgãos, pela sua eficiência, iam ganhando algum espaço para a realização de investigação científica. Para Manguinhos tornar-se um paradigma, foi necessário o carisma de Oswaldo Cruz e o sucesso retumbante do seu programa de saneamento.
Retrato de 1910: sentados (a partir da esquerda), Godoy, Gomes de Faria, Cardoso Fontes, Giemsa, Cruz, Prowazek e Lutz. De pé: Chagas, Rocha Lima, Vasconcellos, Aragão e Neiva
Só que o cientista Oswaldo Cruz queria salvar o povo, mesmo que à força, invadindo residências e vacinando seus moradores contra a varíola. O povo
Portanto, não foi por acaso que surgiram no estado paulista muitos institutos de pesquisa e desenvolvimento na área de saúde e de agricultura. São dessa época: o Vacinogênico (1892), o Bacteriológico (1893) e o Butantan (1899), além do Agronômico (1887) -fundado pelo Imperador D. Pedro II, mas que continuou suas atividades com o apoio do governo paulista. Também em outros estados, na esteira da modernização intentada pelo governo federal, iam surgindo instituições de pesquisa. No Rio de Janeiro, criou-se o Instituto de Man-
Oswaldo Cruz, um salvador incompreendido
i O médico e sanitarista Oswal~ do Cruz (São Luís do Parai~ tinga, SP, 1872 - Petrópolis, u RJ, 1917) é um dos tótens da ~ ciência. Foi um exterminador ci ~ de doenças desde que se for-< mou na Faculdade de Medici-
na do Rio de Janeiro com a tese "Veiculação Microbiana pelas Águas". Em 1896 já esta-
va em Paris, especializando-se em bacteriologia e estagiando no Serviço de Vias Urinárias do Instituto Pasteur. De volta ao Brasil, combateu a peste bubô-
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enfrentou a polícia e os bombeiros, pois não queria ser vacinado. O cientista teve de enfrentar a hostilidade geral e até revolta militar, no episódio conhecido como a Revolta da Vacina - terrível sedição ocorrida em 1904 e só debelada pela determinação do Presidente, o paulista Rodrigues Alves. É evidente que a vacinação foi apenas o estopim para a eclosão da insatisfação da plebe excluída de quase todos os benefícios da modernização e vítima do autoritarismo governamental. O "despotismo sanitário do governo", como se falou na época,
nica que assolava a cidade de Santos e a febre amarela, a malária e a varíola no Rio de Janeiro.
Como diretor de Saúde Pública ligou seu nome ao combate dessas doenças, mas pagou um preço altíssimo. As autoridades achavam que tinham o direito de impor a profilaxia à força, invadindo domicílios em busca de pessoas para serem vacinadas. A cidade se revoltou, alegando que a invasão aumentava a repressão policial. Em 1904, quando saiu a lei tornando obrigatória a vacina contra a varíola, milhares de pessoas saíram às ruas e 23 morreram na luta. Quase mil prisões foram feitas e alguns manifestantes acabaram deportados para a Amazônia. Nos anos seguintes, milhares de pessoas morreram por não terem sido vacinadas.
Cruz publicou centenas de trabalhos de pesquisa, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e morreu como político, no cargo de prefeito de Petrópolis.
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Roberto landell de Moura, o inventor do rádio
g O religioso Roberto Landell g " de Moura (Porto Alegre, v ~ 1861-1928) foi um grande " comunicador, muito antes
que padres se tornassem fenômenos de comunicacão. De família tradicional, ordenou-se em Roma, onde foi estudar por influência de um irmão, Guilherme,
que aspirava ao sacerdócio. Teólogo formado, voltou para desenvolver trabalhos pastorais em várias cidades brasileiras. Interessava -se também pelas ciências, especialmente por física e química, que estudou na Universidade Gregoriana. Foi um pioneiro no estudo e prática da comunicação eletrônica sem fio.
Suas primeiras experiências em transmissão e recepção sem fio foram feitas com êxito em 1893 e 1894, entre a Avenida Paulista e o alto de Santana, em São Paulo, a uma distância de cerca de oito quilômetros. Antes, portanto, de Marconi, que usou apenas radiotelegrafia, enquanto o padre brasileiro fez contatos em radiotelegrafia e radiotelefonia sem fio. Mas só mais tarde (entre 190 I e 1904, nos Estados Unidos, tratando de assuntos como transmissor de ondas, telégrafo sem fio e telefone sem fio) patenteou seus inventos. Criou as válvulas de três pólos ( tríodo ), patenteadas por Lee De Forest em 1906 e que seriam fundamentais depois para o desenvolvimento do rádio e da televisão. Já em 1901 recomendava o emprego das ondas curtas para aumentar o alcance das transmissões. O grande Marconi considerou que era coisa inútil, mas em 1924 admitiu que estava enganado.
Landell de Moura morreu incompreendido pelas autoridades e cientistas do seu tempo, mesmo depois de ter descoberto também a utilidade do arco voltaico para a transmissão de sinais de intensidade variada, o que resultou no desenvolvimento do laser e da fibra ótica. Seus inventos, depois, como ele vislumbrava, serviriam até para comunicações interplanetárias.
queria tirar os pobres de suas casas e aumentar a repressão policial. Deu-se uma tragédia: 23 pessoas morreram no confronto e, depois, em 1908, milhares de outras foram dizimadas pela varíola. Esses episódios mostram como a população não estava a par do significado davacinação, servindo aos propósitos de políticos ardilosos ou de pessoas mal-intencionadas. Não era o caso de Oswaldo Cruz. De toda forma, Manguinhos soube aproveitar bem o seu espaço de pesquisa, comprovado por trabalhos brilhantes de seus integrantes, como Carlos Chagas, Rocha Lima, Figueiredo Vasconcellos, Alcides Godoy, Cardoso Fontes, Arthur Neiva, Ezequiel Dias, Beaurepaire de Aragão, Gomes de Faria e outros.
Rodrigues Alves encarnava exatamente o protótipo da elite paulista progressista. Quando governador de São Paulo já implementara um política modernizante, que levou para a esfera federal. Em conseqüência, o Rio
A descoberta da 'Utilidade do arco voltaico na transmissão de sinais, por Landell, resultaria no desenvolvimento da fibra ótica
de Janeiro foi remodelado nos moldes de uma Paris Tropical, sob a batuta do engenheiro Pereira Passos, enquanto Belo Horizonte era projetada pelo engenheiro Aarão Reis, no final do século XIX. São Paulo e outras cidades cresciam e exigiam medidas urbanísticas e sanitárias. Nesse cenário destacou-se a figura de Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, iniciador da engenharia sanitária entre nós. Contribuiu para o saneamento de diversas cidades como Campos (RJ), Vitória, Recife e, principalmente, Santos, onde trabalhou de 1903 a 1910. Além de projetar e executar as obras, introduziu uma série de melhoramentos nos aparelhos, tais como sifão fluxível, junção radial, peça de conexão radial, caixa de gordura e sifões autoventilados. Numa bonita atitude, não quis patentear nenhum deles, favorecendo assim as cidades onde estavam sendo realizadas as obras. Disse ainda que havendo necessidade de tirar as patentes as cederia às Ligas Contra à Tuberculose.
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Com apoio do governo brasileiro, o 14-Bis levantou vôo em Paris, em 1906, transformando Santos Dumont em herói nacional
A construção e a melhoria dos portos tornaram-se obras prioritárias por força do aumento da produção agrícola e da eficiência de transporte terrestre com a implantação de ferrovias. Os portos de exportação já eram pequenos inclusive na fase monárquica, quando pouca coisa realizou-se de prático. Com grande probabilidade, a primeira grande obra pública concedida a uma empresa privada - a Companhia Melhoramentos do Porto de
Alberto Santos Dumont, pai da aviação
§ Moço rico, descendente de ::>
~ franceses que chegaram ao ~ Brasil para comerciar com pe
dras preciosas, Alberto Santos Dumont (1873-1932) nasceu em Palmira, um lugarejo de Minas Gerais que hoje se chama Santos Dumont, em sua homenagem, a maior que já teve. Estudou em Campinas,
São Paulo e depois em Paris. Lá, antes de esculpir sua imagem sombria, de ternos escuros e chapéu enterra-
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Santos- foi a construção, em 1892, de um cais capaz de permitir a atracação de vapores transatlânticos. Em 1909, esse cais já tinha 4.720 metros e embarcou naquele ano cerca de 13 milhões de sacas de café, uma cifra recorde. Em seguida, foram sendo aumentados ou construídos os portos de Rio de Janeiro (1910), de Recife (1918), de Rio Grande (1919), de Salvador (1914) e outros. Nessas obras destacaram-se Laura Müller, Guilher-
do na cabeça, foi desportista. Gostava de carros, motocicletas e principalmente balões. E tinha os olhos voltados para as nuvens.
Projetou balões antes de tentar o que seria sua grande façanha, o dirigível 14-Bis. Em 23 de outubro de 1906 planou a uma altura de dois metros num percurso de sessenta metros. O "pai da aviação", como é conhecido no Brasil, não foi reconhecido em vida. Um engenheiro francês, Clément Ader, e dois mecânicos norte-americanos, os irmãos Wilbur e Orville Wright, reivindicaram a autoria do invento, embora não tivessem feito nenhuma demonstração pública, como a de Dumont em Paris.
Ele matou-se com um tiro, no Guarujá (SP), num ataque de depressão ao ver seu invento usado como artefato de guerra na Revolução Constitucionalista.
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PERIODO REPUBLICANO
me Benjamim Weinschenk, Guilherme Guinle, Paulo Frontim, Alfredo Lisboa, Francisco de Paula Bicalho, Honório Bicalho, Charles Neate, entre outros. A maioria deles era de engenheiros formados pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, onde ministrava-se a disciplina portos do mar- portanto, a competência demostrada pelos tecnologistas mencionados acima não foi obra do acaso.
Aos poucos estabeleceu-se a indústria de construção civil, entendida como um conjunto de firmas organizadas com a finalidade de executar obras relacionadas com estradas de ferro e de rodagem, aeroportos, canais, portos, navegação interior, abastecimento de água, saneamento, obras hidrelétricas, edifícios, monumentos e pontes. No estado de São Paulo foi fundamental a criação da Escola Politécnica,
mos de Azevedo, fundador do Escritório Técnico Ramos de Azevedo, em 1886. Esse escritório relacionava-se de modo orgânico com uma firma importadora de material de construção - Casa Ernesto de Costa e Cia. - e uma financiadora. Complementava-se esse conjunto com o Liceu de Artes e Ofícios, do qual Ramos de Azevedo foi um dos organizadores. Era não só uma escola para formação de mestres de construção, mas também oficina de fabricação de utensílios e mobiliários. A indústria de construção civil deu um salto quando se tornou possível o uso do concreto armado. Esse fortaleceu a tendência da realização da investigação tecnológica, pois para a utilização melhor do concreto armado é precisou conhecer bem as propriedades de seus componentes, ou seja, o ci
em 1893, pela ação do polí-tico e engenheiro Antônio Francisco de Paula Souza, que tinha sido ministro do Presidente Floriano Peixoto. Além de ter formado numerosos engenheiros, essa instituição abriu espaço para a pesquisa tecnológica, fundando um Gabinete de Resistência dos Materiais (1899), também por iniciativa de Paula Souza. De fato, à medida que as obras cresciam em tamanho e escala, evidenciava-se a necessidade da pesquisa tecnológica. O Gabinete, projetado pelo famoso professor suíço Ludwig von Tetmayer, começou suas atividades em 1903, sob a direção de Wilhelm Fischer. Este assistente de Tetmayer, auxiliado pelo então recémformado Hippolyto Gustavo Pujol, supervisionou uma série de ensaios realizados por alunos politécnicos sobre resistência de materiais em uso corrente na construção civil.
De igual forma, não deixa de ser relevante o fato de a primeira organização industrial de construção civil dever-se ao professor de arquitetura da Escola Politécnica, Francisco de Paula Ra-
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Álvaro Alberto, um cientista político
ê Mais que vice-almirante da ~ ~ Marinha e engenheiro geó-~ grafo, Álvaro Alberto da z o Motta e Silva (Rio de Janei-~ ro, 1889-1976) foi um cria:ii dor multifacetado. Entrou < o para a Escola Naval em 1906
e graduou-se pela Escola Politécnica do Rio de Janei-ro. Operou em muitas áreas
-militar, industrial, científica, filosófica e de política de C&T - para as quais voltava seus interesses intelectuais e práticos. Químico e empresário, autor de numerosos artigos acadêmicos, passou a explorar industrialmente, a partir de 1917, o explosivo Rupturita (seu pai e seu avô já haviam trabalhado nesse ramo), de sua invenção. Sua percepção da História fez com que deixasse documentados aspectos cruciais dos acontecimentos de sua época. Estudioso também das ciências, produziu trabalhos significativos no campo da história e filosofia das ciências.
Seu nome se liga também ao começo da política nuclear brasileira, assim como ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), do qual foi o primeiro presidente, de 1951 a 1955. Motta e Silva foi ainda um pioneiro da campanha para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional para o uso pacífico da energia atómica. No CNPq, defendeu seu papel como fomentador e coordenador das atividades científicas e tecnológicas. Teve atuação fecunda nos cenários nacional e internacional.
mento e o aço, e controlar todo o processo da obra. O escritório de Samuel das Neves parece ter sido o primeiro a fazer cálculos de grandes estruturas de concreto armado em São Paulo. Contudo, os seus calculistas eram alemães, pois não se formara ainda uma competência nacional apreciável, seja para o cálculo, seja para a pesquisa tecnológica. O Gabinete de Resistência de Materiais não passava de uma exceção, confirmando a regra.
Não seria isso estranho, uma verdadeira contradição? Afinal, os promotores da República não tinham a C&T em alta conta? Tanto é que o governo brasileiro patrocinara o esforço de Alberto Santos Dumont em levantar vôo com o 14-Bis, em 1906, tornando-o herói nacional. À primeira vista, parece mesmo contradição. Mas é preciso ir além dessa compreensão simplória e algo deformada, fruto de uma cultura positivista e imediatista, de uma racionalidade rasteira. Senão, como explicar a falta de apoio sentida, quase no mesmo período, pelo Padre Roberto Landell de Moura, morto em 1928, completa-
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Gabinete de Resistência de Materiais: criado em 1899, o novo espaço para a pesquisa tecnológica iniciou suas atividades em 1903
mente esquecido e abandonado? E não se diga que os seus inventos não fossem importantes, pois as suas patentes referem-se ao telégrafo e ao telefone sem fio, ao transmissor de ondas - base para o rádio e a televisão.
A década de 20 é considerada por muitos estudiosos como um divisor de águas da nossa história. Ela encerra em si uma inquietude transparente tanto na esfera cultural quanto na sócio-política, pressagiando grandes transformações. Na realidade, o mundo todo passava por momentos difíceis, com crises inauditas nas áreas econômica e política, e que iriam culminar com a espetacular queda da bolsa de Nova Iorque em 1929. Entretanto, numa curiosa dialética, o esforço cheio de energia para superar os momentos difíceis, quando canalizado de maneira construtiva frutificaria em ganhos espetaculares. Senão, como se poderia explicar o surgimento da mecânica quântica, talvez a maior revolução científica do século XX, naquele ano de 1927, em plena Europa devastada pela incerteza? Também no Brasil as rodas da história nunca giraram tão agilmente, trazendo como reflexos eventos culturais como a Semana de Arte Moder-
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na, movimentos educacionais como os da Associação Brasileira de Educação (ABE) e ações políticas como os levantes tenentistas- um aviso da insatisfação dos jovens militares contra a oligarquia cafeeira, impotente para fazer frente à crise. A própria comunidade científica procurava novos caminhos, transformando a Sociedade Brasileira de Ciências (1916) em Academia Brasileira de Ciências (ABC- 1921). A idéia era ganhar status, embora o alvo principal estivesse na introdução da ciência mais moderna no circuito educacional para fazer frente ao ideário positivista dominante na intelectualidade brasileira. Pois a ciência marcava passo no país, por causa dos preconceitos e dos obstáculos colocados pelo positivismo de segunda mão reinante na época.
O novo sopro na industrialização, injetado nos anos 20 e acentuado nos anos 30, não promoveu a pesquisa. Sob a égide da política de substituição de importações, não se tinha necessidade de técnicas sofisticadas nem de controle de qualidade. Movida por propósitos imediatistas, baseada em introdução de tecnologias forâneas e de técnicos estrangeiros, essa industrialização prestou
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Trabalhadores transportam café no porto de Santos, ampliado a partir de 1892 para permitir a atracação de vapores transatlânticos
escassa atenção em efetuar investigação em C&T ou formar recursos humanos. Estimulou-se a emigração de técnicos estrangeiros em vez de fortalecer a capacitação técnica local através da educação. O SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários, mais tarde Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) apareceu somente em 1942, mesmo assim sob as pressões anormais da Segunda Guerra Mundial.
Liderança no campo
As condições não eram nada melhores na área científica. Com raras exceções, as poucas instituições que cultivavam alguma ciência pertenciam à área de pesquisa e desenvolvimento,
principalmente nas áreas biomédica ou agrícola. Mesmo nesses casos, não escapavam de sobressaltos constantes, ao sabor da prepotência e da ignorância dos detentores eventuais do poder. Uma ilustração conveniente pode ser dada pelo Instituto Ezequiel Dias, de Minas Gerais, na ocasião importante centro de produção de soros antiescorpiônicos e antiofídicos, e reconhecido pelos seus diagnósticos de doenças transmissíveis. Bem relacionado com Manguinhos, o Instituto mantinha um bom padrão de pesquisa. Contudo, ao ser estatizado no governo de Benedito Valadares, no final dos
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anos 30, teve proibida a realização de qualquer tipo de investigação científica, transformando-se numa instituição meramente industrial.
Há uma exceção brilhante na área agronômica, relacionada sobretudo com as investigações sobre a cultura do café. A maioria dos historiadores não se preocupou muito em saber por que o Brasil mantém a hegemonia desse campo por mais de cem anos. É um feito notável. Além disso, a muitos passa despercebido um fato crucial - o sucesso da pesquisa agronômica em sustentar o bom andamento das coisas do café. Claro que se poderia alegar a existência de outras variáveis, e seria verdade. Todavia, não se pode esquecer que outros produtos agrícolas brasileiros como a borracha, o cacau, a canade-açúcar e outros já estiveram na liderança mundial e a perderam no decorrer do tempo. No sentido contrário, o café, apesar de muitas ameaças, como as pragas e o esgotamento do solo, conseguiu manter a sua posição. O diferencial da superioridade dessa cultura em relação às outras está justamente na qualidade da sua investigação agronômica, que não fica a dever nada, mesmo em comparação com as dos melhores centros internacionais. É verdade que ela começou de forma tímida e claudicante. Por exemplo, nos meados do século XIX, quando o surto da cafeicultura no Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro, foi ameaçada por uma praga trazida por um
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plantação intensiva da hevea, o fungo proliferou sem que nada pudesse detê-lo. Esse e outros motivos conspiraram contra o empreendimento. Fordlândia fracassou.
A industrialização em curso, não obstante as suas características retardatárias, impunha uma série de exigências, de novas atitudes e formas de pensamento. Assim, a questão das normas técnicas adquiriu um aspecto crucial para a expansão da indústria. Pela ação do INT (Instituto Nacional de Tecnologia) e do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) de São Paulo, propiciou-se a criação da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), em 1940, reunindo 130 laboratórios e entidades diversas. Formalizados nos meados dos anos 30, tanto o IPT (1934) quanto o INT (1933) tinham uma história mais antiga. Como já foi mencionado, o IPT surgira como o Gabinete de Resistência dos Materiais e passara por um estágio intermediário de Laboratório de Resistência de Materiais (1926), sob a direção de Ary Torres. O INT era originário da antiga Estação Experimental de Combustível e Minérios
estrangeiros, nem sempre bem-intencionados, como na célebre polêmica em que se envolveu o famoso escritor Monteiro Lobato, sobre a existência ou não de petróleo no solo brasileiro. Lobato achava que existia e escreveu um livro de combate defendendo suas convicções, Escândalo do Ferro e do Petróleo.
(1921), criada por E. L. Fon-seca Costa. A estação desenvolvera um frutífero programa de aproveitamento energético de carvão, de outros combustíveis e de recur-. . . sos mmera1s, e uma pesqmsa sobre o motor a álcool, mostrando a sua viabilidade.
O surto industrial trouxe à tona a importância dos recursos minerais e energéticos. O novo Código de Minas foi promulgado em 1934, nacionalizando as riquezas do subsolo. No mesmo ano criou-se o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), para executar a política governamental de minérios e fazer pesquisas. Contudo, o DNPM sofreu desde início todas as agruras de um órgão político e técnico de um país subdesenvolvido. Quase sempre a sua dotação orçamentária era insuficiente, além de ressentir-se de falta crónica de pesquisadores e de técnicos capacitados. Por isso, teve de recorrer muitas vezes à ajuda de especialistas
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A formação de elites
Em todo caso, o próprio Governo Federal não pôde ficar imune à chegada dos novos tempos. Através da Reforma Francisco Campos (1931), ele explicitou a sua posição em relação à educa
ção. Na Reforma, realçava-se a importância de criar universidades modernas, dentro de uma unidade administrativa e didática. Até então, as universidades existentes, como as do Paraná (1912), Rio de Janeiro (1920) e Minas Gerais, não passavam de aglomerados de escolas profissionais, sem uma integração mais orgânica. Acatando algumas idéias do movimento da ABE (Associação Brasileira
Costa Ribeiro, atento aos materiais nativos
§ Todo mundo sabe quem foi ~ ~ Albert Einstein, o gênio da ~ física, mas ignora-se o que z o significa um prêmio que 'Z leva o nome Einstein. Ele ~ ~ foi dado ao engenheiro me-o cânico-eletricista ·Joaquim
Costa Ribeiro (Rio de Janeiro, 1906-1960) pela Academia Brasileira de Ciências,
pela sua descoberta sobre o "efeito termodielétrico", além de outros trabalhos. Esse efeito se refere ao estudo de uma série de materiais ligados a estados sólidos. Ele começou suas pesquisas com um material muito brasileiro, a cera de carnaúba.
Costa Ribeiro, aluno do externato Santo Inácio e formado pela antiga Escola Politécnica do Rio de Janeiro, teve uma carreira brilhante dentro e fora do Brasil. Foi professor catedrático de física geral e experimental da Faculdade Nacional de Filosofia e nos anos 40 deu aulas na Sorbonne, em Paris, e no Instituto de Física da Universidade de Estras-burgo. Pelo conjunto de sua obra, recebeu o prêmio Álvaro Osório de Almeida, do Conselho Nacional de Pesquisas.
de Educação), a Reforma preconizava, pelo menos teoricamente, a formação de elites, tanto na área profissional como na científica, a execução de pesquisas e a criação de órgãos de investigação científica. No entanto, na prática, alegando a imaturidade e o atraso do meio, impunha uma tutela forte do Estado. E postergava a pesquisa para o futuro, considerando-a como um luxo dispensável.
Foram tomadas, porém, duas iniciativas discordantes dessa orientação. Uma delas, de duração efêmera, refere-se à criação da Universidade do Distrito Federal (UDF - 1935), em virtude, principalmente, do esforço de Anísio Teixeira. Em torno da sua Escola de Ciências, reuniram-se pesquisadores conhecidos como Lélio Gama, Bernhard Gross, Victor Leinz, Laura Travassos, Herman Lent e outros, dispostos a inaugurar uma nova fase para a investigação científica no Rio de Janeiro. Nenhum
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P E R! O DO REPUBLI CAN O
Aposta paulista na ciência e na cultura: instituída em 1934, a USP começaria a ir para a Cidade Universitária na década de 50
deles pertencia ao circuito universitário. Apesar de confirmar no início essa expectativa, revelando inclusive jovens talentos como Joaquim Costa Ribeiro, descobridor do efeito termodiéletrico, a UDF sucumbiu ante os acontecimentos políticos e as vicissitudes administrativas, cerrando as suas portas em 1939.
A outra iniciativa, esta bem-sucedida, deve-se a Armando de Salles Oliveira, instituindo a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, concretizando o empenho de um grupo de intelectuais paulistas liderado por Júlio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo e Paulo Duarte. Ao que parece, a USP surgia sob o signo da contradição. Enquanto o país marchava sob uma ideologia autoritária e centralizadora, com enfoque imediatista, ela surgia sob a égide liberal da chamada Comunhão Paulista - um grupo de ideólogos reunido em torno de Mesquita Filho - com a intenção de formar a sua elite dirigente por intermédio de ensino superior de qualidade e da pesquisa desinteressada. Ela significava uma opção política de São Paulo, após a sua derrota na Revolução Constitucionalista de 1932, para manter a sua hegemonia, apostando na ciência e na cultura. Hoje, não há mais dúvida de que a estratégia deu certo. Ao opor-se à visão vigente do imediatismo, com um investimento pesado na formação de recursos humanos, acreditando na potencialidade deles para resolver problemas, quebrava-se em parte o círculo vicioso do subdesenvolvimento. O governo paulista daquele período já compreendia que para resolver problemas necessita-
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va-se de homens qualificados e competentes e não de fórmulas mágicas e receitas.
No projeto inicial da USP, os seus idealizadores atribuíam um papel central e aglutinador à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL). Isso não se concretizou na prática devido a resistência das escolas profissionais, mas a FFCL tornou-se o centro irradiador de pesquisas de nível internacional. Para isso contribuiu muito a escoÍha criteriosa feita, sobretudo, por Teodoro Ramos, na contratação de professores estrangeiros para dirigirem os trabalhos de docência e pesquisa. Com esforço e dedicação, esses professores foram felizes em implantar um ensino de alto nível e instaurar um clima salutar de investigação na jovem universidade. Há muitos exemplos disso. No campo da física, Gleb Wataghin introduziu a pesquisa em raios cósmicos, abrindo caminho para Mário Schenberg, Marcelo Damy de Souza Santos, Cesare G. M. Lattes, Oscar Sala, José Goldemberg e outros. Na química, Heinrich Rheinboldt desenvolveu os estudos sobre os compostos orgânicos de enxofre, formando discípulos como Simão Mathias, Paschoal Senise, Ernesto Giesbrecht e Giuseppe Cilento, entre outros. Luigi Fantappié, na área de matemática, ao lado de suas aulas tão elogiadas, criou um clima de investigação de onde emergiram Omar Catunda, Cândido L. da S. Dias, Edison Farah e outros. A vinda de Theodosius Dobzhansky, uma das maiores autoridades no campo, iniciou a linhagem de geneticistas relacionados com a evolução biológica, a
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Automóvel a gás: o uso de combustíveis alternativos, forçado pela guerra, dá origem à indústria paulista de gasogênios, em 1941
começar com Crodowaldo Pavan, Antônio Brito da Cunha, Newton Freire Maia e Rosina de Barros. Mesmo na botânica, de longa tradição no Brasil, a vinda de Felix Rawitscher deu novo padrão à pesquisa, dando destaque a Mário Guimarães Ferri, Mercedes Rachid, Ailton B. Joly, Berta L. Morretes e outros. Na história, a presença do jovem Fernand Braudel serviu de inspiração para Eurípedes Simões de Paula, Eduardo d'Oliveira França e Sérgio Buarque de Holanda, entre outros. Nas ciências sociais, Roger Bastide formou uma geração brilhante encabeçada por Florestan Fernandes. A lista . completa seria numerosa demais, embora muitos nomes significativos tenham ficado de fora.
Outra contribuição da USP, menos conhecida, mas não menos importante, refere-se à área tecnológica. No campo agronômico, estima-se que, até 1977, a Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz (ESALQ), incorporada à USP em 1934, foi responsável por 41 o/o das pesquisas agrícolas no Estado de São Paulo. Desde a chegada do geneticista alemão F. G. Brieger, em 1936, inaugurou-se uma linha fecunda em investigação de melhoramento do milho, junto com o estudo de orquídeas como teste de problema da evolução biológica nos trópicos. Da sua parte, Marcílio de Souza Dias conduziu, a partir de 1945, importante programa de melhora-
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mento de hortaliças. O surto de pesquisa nesse campo, tanto na ESALQ quanto em outras instituições de São Paulo e de outros estados, introduzindo a cotonicultura em terras paulistas, o combate à tristeza de citros e à ferrugem do café, a introdução de novas variedades de cana e de frutas, teve um grande peso na manutenção da pujança econômica da agricultura no país.
Na área industrial, a USP e o IPT, na ocasião uma autarquia ligada a essa universidade, também deram contribuições marcantes, sobretudo onde não era possível fazer transferências horizontais de tecnologia. Por isso não foi por acaso que a sua atividade fez-se sentir mais profundamente na construção civil, no qual as características regionais e peculiaridades locais são importantes. Quando começaram as obras da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, em 1941, o know-how desenvolvido pela investigações sobre solo e fundações, inauguradas em 1938 por Odair Grillo, no IPT, teve papel fundamentaL Desde então, a tecnologia dos solos e a pesquisa geotécnica foram divulgadas por todo país, garantindo a segurança de fundações de edifícios altos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Isso também aconteceu na resolução de problemas geotécnicos surgidos na construção das primeiras auto-estradas do Brasil, como a Via Anchieta, a Via Anhanguera e a Variante Rio-Petrópolis.
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Tubulações da usina de Cubatão: testadas pelo IPT
Rocha e Silva, revelando a bradicinina
g Quando se aposentou do tra-Ê < balho científico, em meados dos ü 3 anos 70, o carioca Maurício da ~
Rocha e Silva (1910-1983) se pôs a escrever e a pintar. Gostava de filosofia e arte. Professor catedrático de farmacologia da USP em Ribeirão Preto (SP), era médico, farmacêutico e químico famoso e sobre essas
especialidades já publicara centenas de trabalhos em revistas especializadas e livros sobre farmacologia e filosofia da ciência.
Entre esses seus escritos, destaca-se a memória de uma contribuição pioneira. Rocha e Silva, já instalado em São Paulo desde 1933 no Instituto Biológico, teve ampla atuação como assistente de química biológica
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A era da bomba atômica
O sucesso da USP nesse período poderia dar a enganosa impressão de que a C&T alcançara a sua maioridade no país. Ela havia nascido contra a tendência imediatista vigente, fruto
de política de ciência e de educação avançada das elites paulistas. Mesmo num país de industrialização tardia, como o Brasil, essa política de formação de recursos humanos altamente qualificados associada à pesquisa rendera dividendos suficientes para pagar com juros o investimento feito. No entanto, esse fato não era muito bem compreendido, mesmo em São Paulo. Volta e meia, a tradição prático-imediatista fazia-se presente, tentando eliminar a investigação científica em nome de uma economia e de uma praticidade mais do que discutíveis. Isso aconteceu nos fins da década de 40 com o Instituto Butantan, quase transformado em mera fábrica de soros e vacinas, vítima da política pragmatista do governo paulista de então. Diante disso, a pequena comunidade científica mobilizou-se, criando a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1948, pelos esforços de Maurício da Rocha e Silva, José Reis, Paulo Sawaya e outros.
No Rio, a Universidade do Brasil continuava refratária à investigação científica. Uma das poucas exceções, na década de 40, era o Laboratório de Biofísica, onde achama da pesquisa continuava acesa por causa do ativismo
do professor Quintino Mingoya e como assistente científico do professor André Dreyfus, na Faculdade de Filosofia, Ciê~cias e Letras da USP. Mas marcou seu nome entre os grandes cientistas em 1948. Foi quando descobriu a bradicinina, junto com Wilson T. Beraldo e Gastão Rosenfeld. Com a posterior colaboração de Sérgio Ferreira, essa descoberta foi a base dos medicamentos anti-hipertensivos desenvolvidos por laboratórios norte-americanos, hoje usados em larga escala em todo o mundo. Hoje, muito mais que na época das pesquisas de Rocha e Silva, a hipertensão atinge vinte pessoas em cada grupo de cem. É muita coisa e se o quadro geral não está pior é por causa, com certeza, da contribuição do cientista brasileiro.
Um dos criadores e, por três vezes, presidente da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), Rocha e Silva estagiou em universidades americanas e européias e ganhou o Prêmio Nacional de Ciência e Tecnologia do CNPq, em 1982. Sua vocação científica não será esquecida. Os hipertensos que o digam e lhe agradeçam.
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PERIODO REPUBLICANO
lizavam de forma dramática a força da ciência, seduzindo segmentos importantes da sociedade, principalmente o militar. Nessas circunstâncias, não se deve atribuir ao acaso a criação do Centro Técnico da Aeronáutica (1945), em São José dos Campos, e logo em seguida do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA-1950).
e idealismo de Carlos Chagas Filho. O Laboratório passou a ser o ponto de encontro e de trabalho de investigadores promissores como Antônio Couceiro, Aristides P. Leão e José Moura Gonçalves. Em parte, a projeção alcançada pela instituição deve-se à benemerência de Guilherme Guinle, que patrocinou muitas pesquisas. Na área de física, desiludidos com a possibilidade de introdu
Interior da cúpula do Radiobservatório do ltapetinga, em Atibaia (SP) Dentro desse flu-
zir a investigação na Universidade do Brasil, pesquisadores talentosos como Cesare Lattes, José Leite Lopes, Jaime Tiomno e Roberto Salmeron constituíram o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), de caráter privado, em 1949. De certo modo, a criação do CBPF só se tornou possível graças ao clima de euforia instaurado naquela época em torno de uma ciência cada vez mais poderosa e prestigiada devido ao sucesso na Segunda Guerra Mundial. As razões de tanto poder e prestígio são claras. A bomba atômica e a energia nuclear simbo-
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Mário Schenberg, um cientista cheio de artes
8 O pernambucano Mário g Schenberg (1914-1990) foi elei-to deputado estadual de São Paulo pelo Partido Comunista Brasileiro, em 1946 e pelo Partido Trabalhista Brasileiro, em 1962. Foi também crítico de artes plásticas e tinha sólida formação humanística, numa visão integrada da C&T a ou
tras atividades do espírito. Mas se tornou notável sobretudo como físico, depois de se formar em engenharia elétrica e matemática pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Depois, teve vasta atuação internacional em universidades americanas, européias e asiáticas, onde trabalhou com os grandes
xo de pós-guerra, de valorização da pesquisa científica, devem ser colocados dois acontecimentos de suma importância para a institucionalização da ciência no Brasil. O primeiro refere-se à inserção na Constituição do Estado de São Paulo, de 1947, do preceito de destinar pelo menos 0,5% da arrecadação estadual para o amparo à pesquisa. Isso resultou da ação de tecnologistas e cientistas paulistas, entusiasmados com os sucessos dos seus esforços de guerra, sobre os deputados constituintes. O sucesso desses pesquisadores congregados em torno
cientistas do século - Einstein, Fermi e Pauli, entre outros. Entre ~;uas importantes contribuições à física, incluem-se trabalhos sobre a teoria do elétronpunctiforme e uma nova concepção do modelo dos octetos.
Ele já era diretor do departamento de física da USP quando viajou para os Estados Unidos, em 1940, para estudar com professor o Gamow a questão das estrelas supernovas. Desta parceria nasceu uma descoberta singular, sobre a atuação do neutrino num mecanismo que chamaram de Processo Urca. Estudou a evolução do Sol e teve um trabalho importante, que ele considera sua maior contribuição à física nuclear, sobre a possibilidade da existência de forças físicas que não conservassem a paridade, apresentado em 1941.
Como aconteceu com outros criadores brasileiros, não foi reconhecido. Anos depois, e num contexto diferente, os físicos chineses Yang e Lee receberam o prêmio Nobel usando a descoberta de Schenberg.
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dos Fundos Universitários de Pesquisa, concebidos pelo professor Jorge Americano, então reitor da USP, tinha sido, ao seu modo, espetacular. Eles foram felizes em desenvolver aparelhos como sonar e gasogênio, além de outras contribuições, e estavam confiantes na importância do que faziam. Entretanto, atestando a instabilidade dessa compreensão pela sociedade da importância da C&T, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) prevista por essa lei só se concretizaria 15 anos depois, em 1962.
PER f O D O REPU BLI C ANO
uma política relativamente bem-sucedida de formação de recursos humanos. Ainda nessa linha, deve-se registrar a fundação da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), em 1951, por iniciativa de Anísio Teixeira.
O período do Governo Juscelino Kubitschek, de um desenvolvimento apressado, de abertura a capitais estrangeiros e de transferência de tecnologia como caixas-pretas, não se desenvolveu sob uma boa estrela no concernente à C&T. Uma prova está no fato de os me-
O segundo acontecimento é a instituição do Conselho Nacional de Pesquisas ( CNPq) em 1951. Velho sonho da comunidade científica, a idéia do CNPq vinha sendo acalentada desde 1919. Tendo a ABC como quartel-general, as diversas tentativas anteriores haviam sido frustradas pela incompreensão governamental ou da própria sociedade. Todavia, as condições excepcionais de pósguerra e o ensejo de participar nas articulações políticas relativas à energia nuclear na ONU, como um dos países possuidores de matérias físseis, estabeleceram a oportunidade histórica da criação do CNPq.
Tecnologia nacional na Hidrelétrica de Jupiá, obra do período desenvolvimentista nos anos 50 e 60
Nesse processo, foi fundamental a atuação do contraalmirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, nomeado posteriormente primeiro presidente do CNPq, em conjunto com a ação da ABC.
Os problemas enfrentados pelo órgão, na gestão de Álvaro Alberto (1951-1955), mostram com clareza as dificuldades de tentar implantar a C&T num país subdesenvolvido. O Conselho não conseguiu impor a sua política autonomista sobre a energia nuclear nem implementar, na medida desejada, a sua política formulada junto com a comunidade científica. Esse insucesso representava, de igual modo, o fracasso e a limitação da política do segundo governo Vargas na tentativa de promover uma industrialização em bases nacionais, frustrada diante da intrincada rede internacional de interesses político-econômicos em jogo. De toda forma, mesmo nesse período, a contribuição do CNPq, vista a médio e longo prazo, pode ser considerada positiva, pois iniciou
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canismos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) terem sido acionados raríssimas vezes quando referentes à pesquisa tecnológica. Outro indicador está no debilitamento visível do CNPq. A sua dotação caía de 0,28% do orçamento da União em 1956 para O, 11 em 1961. É verdade que, em parte, esse decréscimo deve-se à transferência das suas atividades em energia nuclear para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), provocando o seu esvaziamento político. Mas também esse descaso com o CNPq provinha de uma visão deformada e apressada sobre a C&T, como demonstra o aparte de recursos para a Comissão Supervisora dos Institutos ( COSUPI) que tinha a finalidade de financiar pesquisas práticas. Não é preciso dizer que a COSUPI foi um completo fiasco. Por outro lado, curiosamente, promoviam-se estudos sobre o desenvolvimento, sobretudo no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), no qual se destacaram intelectuais como
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PER (ODO REPUBL I CANO
Xyllela fastidiosa : discussão do mapa genético do primeiro fitopatógeno seqüenciado no mundo, sob coordenação de A. Simpson
Hélio Jaguaribe, A. Guerreiro Ramos e Álvaro Vieira Pinto, entre outros. De qualquer forma, a ciência estava desprestigiada no país, em contraste com as potências centrais, empenhadas em melhorar as condições de pesquisa e da educação científica em virtude do impacto do suptnik russo em 1957.
Um clima de desconfiança
Aindefinição continuou na década de 60, alternando iniciativas positivas e negativas. No entanto, como tendência geral, o aparelho estatal começou a mostrar mais interesse pela C&T.
Daí ocorreram fatos de fundamental importância, como a fundação da Universidade de Brasília (UnB) em 1961, a concretização da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) em 1962, o início do primeiro curso da COPPE (Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia) em 1963 e a criação do FUNTEC (Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico), em 1964, no seio do BNDE.
A UnB nasceu do idealismo de Darcy Ribeiro e de Anísio Teixeira, iniciando uma trajetória brilhante com a cooperação de professores e cientistas notáveis. Mas
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sua trajetória foi prematuramente interrompida em 1965 pelo Regime Militar, mostrando mais uma vez que a voz da incompreensão era mais alta que a da ciência. Enquanto isso, a longa via-crúcis dos pesquisadores paulistas para a viabilização da FAPESP terminou no Governo Carvalho Pinto, quando se deu a sua criação. Ela começou suas atividades em 1962, quando foram aprovados os estatutos. A partir de então, graças a uma administração modelar, a FAPESP vem prestando um serviço inestimável à investigação científica e tecnológica, a ponto de servir de inspiração para o surgimento de órgãos congêneres em outros estados. Louve-se ainda a clarividência do Governo Carvalho Pinto, que, segundo o testemunho insuspeito do micologista Oswaldo Fidalgo, ex-diretor do Instituto de Botânica, deu as melhores condições para a atuação dos institutos de pesquisa do Estado de São Paulo em toda a sua história.
Mas as medidas contraditórias continuaram na segunda metade dos anos 60, refletindo as lutas cruentas entre as forças realmente interessadas no desenvolvimento da C&T e as suas oponentes. De um lado, em 1967, criava-se um cargo de Ministro Extraordinário, sem pasta, para assuntos científicos e tecnológicos; de outro lado, em 1969, procurou-se esvaziá-lo, porque o
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cargo perdeu a identidade, sendo incluído no rol de ministros que poderiam ser nomeados ou não. Efetivamente, a função nunca foi preenchida. Já no Governo Costa e Silva, de modo auspicioso, a C&T ganhava uma seção própria no Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), dentro do seu Plano Trienal, inaugurando um comportamento sistemático mantido nos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) dos anos 70. A partir de 1967, tendo como centro o Ministério das Relações Exteriores, foi colocada em prática a Operação Retorno para trazer de volta os cientistas brasileiros que estavam trabalhando no exterior. Para isso foram tomadas várias medidas procurando melhorar as condições de trabalho e de remuneração dos pesquisadores. Em 1969, foi instituído o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), para financiar os programas e projetos prioritários do setor. Contudo, todas essas boas intenções governamentais eram quase anuladas na prática com as cassações e aposentadorias compulsórias dos cientistas e intelectuais mais representativos - intensificadas no período 1969-1970, com base no AI-5. Instaurou-se então um clima de desconfiança mútua entre a comunidade científica e setores governamentais, que teve reflexos negativos na implantação da Reforma Universitária em curso na ocasião, com o objetivo de modernizar as universidades.
De toda forma, a idéia da ciência como força produtiva e da educação como meio de formar recursos humanos qualificados continuava a seduzir influentes segmentos governamentais na década de 70. Assim, já em Metas e Bases para a Ação do Governo (1970), o aproveitamento do progresso científico e tecnológico foi co-
Florestan Fernandes, entre a reflexão e o debate
g Filho de imigrantes espanhóis -< ~ pobres, engraxate e auxiliar ~ de escritório na juventude,
Florestan Fernandes (São Paulo, 1920-1996) tornou-se um marco do pensamento sociológico e político brasileiro. Não era homem de conciliação, mas de debate. "Ele foi um dos poucos nomes que
realmente romperam a carapaça do sistema ideoló-gico reinante", observa o histroriador Carlos Guilherme Mota.
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P E RI ODO R EPU BLI C A NO
locado como uma das doze conquistas essenciais a serem alcançadas. Implantou-se também o Plano Básico do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT) com a utilização do FNDCT sob a gerência da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), nomeada Secretaria Executiva do Fundo (1971). Essa tendência foi reforçada no Governo Geisel, quando a própria Secretaria de Planejamento (ex-Ministério de Planejamento) se encarregou de assessorar o Presidente da República em assuntos de C&T. Para alcançar as metas expostas no II e no III PBDCT, constantes no II PND, válido para o período 1975-1979, o CNPq transformou-se, no final de 1974, numa fundação com o nome de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, embora conservasse a mesma sigla. Logo em seguida, no início de 1975, criou-se o Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SNDCT). Para completar o quadro, foi aprovado, no mesmo ano, o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), para institucionalizar essa modalidade de ensino.
Portanto, houve todo um esforço do Governo Federal em relação à C&T nos anos 70. Se ele não alcançou os resultados esperados, apesar do sucesso em algumas áreas, como telecomunicações, foi porque a correlação das forças envolvidas sempre foi instável, provocando medidas contraditórias no fluxo nem sempre definido da história. Mas também, não há que esconder a persistência de um clima de desconfiança mútua, agravada muitas vezes pela compreensão falha do papel social da ciência. É o que se depreende, por exemplo, dos acontecimentos relacionados com o Acordo Nuclear celebrado em 1975 entre o Brasil e Alemanha, com a mar-
Em dez anos, a partir de 1943, desde que bachalerou-se em ciências sociais na USP, Florestan conquistou todos os títulos da carreira universitária. Seus trabalhos se tornaram clássicos no pensamento sócio-histórico do Brasil. Entre esses, destacam-se A Organização Social dos Tupinambá (dissertação de mestrado, 1949) e A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá (tese de doutorado, 1952), além de dezenas de livros e artigos em jornais e revistas científicas.
Professor de sociologia na USP de 1945 a 1969, quando foi aposentado compulsoriamente pelo Al-5, ele lecionou depois nos Estados Unidos ( universidades de Columbia e Yale) e Canadá (Universidade de Toronto). De volta ao Brasil, elegeu -se deputado constituinte pelo Partido dos Trabalhadores. É considerado um dos maiores sociólogos do século.
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PER!ODO REPUBLICANO
ginalização da comunidade científica nacional. De qualquer modo, nessa década que viu a ascensão da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob a direção de Zeferino Vaz, consubstanciada na filosofia de integração indústria-pesquisa-universidade, a política cientifica e tecnológica esteve sempre presente nas ações governamentais.
Mas na primeira metade dos anos 80 a situação voltou a piorar. Diminuíram sensivelmente os investimentos em C&T e as universidades passaram por momentos difíceis. A estagnação econômica e a inflação reacenderam o vezo imediatista, que se refletiu negati-
foi a atualização dos recursos da FAPESP, por intermédio da Emenda Leça, de 1983.
O sentido do futuro
Com o advento da Nova República, em 1985, abriram-se novas perspectivas em relação à C&T, com a criação do Ministério de Ciência e Tecnologia. Durante a gestão do ministro Rena
to B. Archer, o CNPq fortaleceu-se, restabelecendo um clima de confiança à comunidade científica. Na Constituinte Estadual de 1989, os pesquisadores paulistas con-
z seguiram aumentar a ~ dotação da FAPESP g para 1% da arrecadação ::>
~ do Estado. Nos outros estados, foram também criadas fundações de amparo à pesquisa. Dessa forma, tudo parecia pronto para uma fase de grande desenvolvimento na área científica e tecnológica. Contudo, nos anos 90, os acontecimentos não se deram nessa direção. Os fortes ventos da globalização acarretaram mudanças substanciais na sociedade brasileira e com certeza não beneficiaram nem a pesquisa nem o desenvolvimento.
Equipamento para aprisionamento de átomos por feixes de raio laser, na USP, campus de São Carlos
Uma das poucas exceções parece ser a FAPESP. Amparada pela
estabilidade financeira propiciada pelo governo estadual, está em pleno processo de implantação de ambiciosos programas, como o Genoma, o Biota, o de Inovação Tecnológica, entre outros, capazes de capitanear o desenvolvimento científico e tecnológico dos novos tempos. Não é aqui o lugar para fazer uma análise aprofundada da questão, mesmo porque faltam ainda dados para a compreensão da complexa situação em que se encontra o país. Mas uma dúvida surge diante da longa incursão histórica que fizemos até agora: a despeito de tantas evidências das nossas potencialidades científicas e tecnológicas, não estariam os detentores do poder, mais uma vez, seduzidos pela canção enganosa do imediatismo e da dependência?
vamente na educação e na pesquisa. Mesmo circunscrevendo-se ao Estado de São Paulo, maior centro econômico do país, as universidades estavam esvaziadas, os institutos de pesquisa falidos e a própria FAPESP vivia uma situação de penúria, porquanto não conseguia sequer receber o 0,5% da receita estadual a que tinha direito, vítima de expedientes fiscais de administradores ardilosos. Felizmente, a sociedade civil se mobilizava contra o descalabro geral do país e a aguerrida comunidade científica lutava para recuperar o status da C&T. As duas forças puderam unir-se, trazendo ganhos significativos para ambas. No caso específico da pesquisa e da educação universitária, os esforços congregaram-se em torno da ADUSP (Associação de Docentes da USP), da APqC (Associação de Pesquisadores Científicos) e, sobretudo, da SBPC e da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Um dos resultados mais marcantes
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Brasil, 500 anos: ciência e tecnologia.Valeu a pena? Sim, em História tudo vale a pena se se pode enxergar o sentido do futuro.
PESQUISA FAPESP
PESQUISA FAPESP
Uma centena e meia de brasileiros que ajudaram a construir C&T no país
Nomear todos os
cientistas importantes para a história brasileira, seria
impossível. Daí a amostra.
Registramos os nossos agradecimentos
a Eleutério F. S. Prado,
professor titular da FEA-USP,
e a Francisco C. Polcino Milies,
professor titular do IME-USP,
pela colaboração prestada ao trabalho.
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HOMENAGEADOS
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SÉCULOS XVI, XVII E XVIII
Alexandre Rodrigues Ferreira
André João Antonil (João Antônio Andreoni)
Antônio Francisco Lisboa
Antônio Pires da Silva Pontes
Bartolomeu de Gusmão
José Bonifácio de Andrada e Silva
José Mariano da Conceição Velloso
Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá
SÉCULO XIX
André Rebouças
Alberto Santos Dumont
Arthur Ramos
Christiano Benedito Ottoni
Domingos Freire
Euclides da Cunha
Francisco Freire Alemão
Honório Bicalho
João Barbosa Rodrigues
Joaquim Gomes de Souza
Joaquim Nabuco
José Maria da Silva Paranhos
Ladislau Neto
Madame Durocher
Otto de Alencar
Roberto Landell de Moura
Rui Barbosa
Sílvio Romero
SÉCULO XX
Adolpho Lutz
Adriano Marchini
Alberto Pereira de Castro
Alcides Carvalho
Alfredo Bosi
Alice Canabrava
Álvaro Alberto
Álvaro Osório de Almeida
Amoroso Costa
André Dreyfus
Ângelo Costa Lima
Anísio Teixeira
Antônio Cândido de Mello e Souza
Antônio Francisco de Paula Souza
Arnaldo Vieira de Carvalho
Ary Torres
Arthur Neiva
Aziz Ab' Sáber
Berta Lutz
Caio Prado Júnior
Cândido Lima da Silva Dias
Carlos Chagas
Carlos Chagas Filho
Carlos da Silva Lacaz
Casimiro Montenegro Filho
Carolina M. Bori
Celso Furtado
Cesare G. M. Lattes
Crodowaldo Pavan
Darcy Ribeiro
Djairo Guedes de Figueiredo . Elisiário Távora
Elon Lages Lima
Emília Viotti da Costa
Emílio Baumgarten
Ernest Giesbrecht
Ernesto L. Fonseca da Costa
Euryclides de Jesus Zerbini
Eurípedes Simões de Paula
Fernando de Azevedo
Fernando Luís Barbosa Lobo Carneiro
Florestan Fernandes
Francisco João Humberto Maffei
Francisco José de Oliveira Viana
Francisco Lara
Francisco Mauro Salzano
PESQUISA FAPESP
Francisco de Paula Ramos de Azevedo
Francisco Prestes Maia
Francisco Saturnino de Brito
Frederico Abranches Brotero
Frederico Carlos Hoene
Gilberto Freyre
Gioconda Mussolini
Giuseppe Cilento
Gustavo Capanema
Hélio Jaguaribe
Henrique Morize
Henrique Rocha Lima
Hyppolito Pujol Junior
Ivo Jordan
Jacob Falis
Joaquim Costa Ribeiro
João Batista Vilanova Artigas
João Capistrano de Abreu
Johana Dobereiner
José Honório Rodrigues
José Leal Prado
José Leite Lopes
José Maria de Toledo Malta
José Reis
José Ribeiro do Valle
José de Souza Martins
Josué de Castro
Lélio Gama
Leopoldo Nachbin
Lourenço Filho
Lúcio Costa
Luís da Câmara Cascudo
Luiz de Anhaia Mello
Luiz Flores de Moraes Rego
Luiz Freire
Manfredo Perdigão do Carmo
Manuel Correia de Andrade
Maria Isaura Pereira de Queiroz
Marcelo Damy de Souza Santos
PESQUISA FAPESP
Mario Schenberg
Mário Henrique Simonsen
Maurício Mattos Peixoto
Maurício da Rocha e Silva
Miguel Osório de Almeida
Miguel Siegel
Milton Santos
Milton Vargas
Nelson Werneck Sodré
Newton Freire Maia
Nilo de Andrade Amaral
Nise da Silveira
Octávio Ianni
Olímpio Fonseca
Omar Catunda
Oscar Niemeyer
Oswaldo Cruz
Otávio Marcondes Ferraz
Othon Leonardos
Otto Gotlieb
Pandiá Calógeras
Paschoal Senise
Paulo Freire
Paulo Sá
Paulo Sawaya
Pontes de Miranda
Raimundo Nina Rodrigues
Raymundo Faoro
Renato Fonseca Ribeiro
Roberto Cardoso de Oliveira
Roberto Simonsen
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Sérgio Buarque de Holanda
Simão Mathias
Telêmaco Macedo van Langendonck
Teodoro Ramos
Vital Brazil
Walter Mors
Wilson Teixeira Beraldo
HOMENAGEADOS
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