doze profeta ou livro dos doze

Atualidade TeolgicaRevista do Dpto. de Teologia da PUC-Rio / Brasil194

Doze Profetas ou Livro dos Doze?

Maria de Lourdes Corra Lima Introduo

Na ltima dcada, imps-se nos estudos bblicos uma forte tendncia a estudar os assim chamados profetas menores no somente cada qual em si mesmo, mas no seu conjunto. Estudos h que, baseados primeiramente em dados da tradio manuscrita, admitem a unidade redacional e teolgica destes escritos e preocupam-se em desenvolver esta tese, de modo a demons-tr-la, explic-la, ordenar cronologicamente os escritos, ou ainda procuram compreender o conjunto como um todo coerente e cada uma das partes den-tro deste todo. A questo se realmente estes doze escritos possuem uma uni-dade , neste contexto, fundamental, pois capaz de orientar toda a pesquisa ulterior, com grandes conseqncias hermenuticas. Pois se no se trata de doze livros, mas de um nico livro, ento, cada um dos pequenos escritos, seja de Osias, Ams ou Jonas, por exemplo, deve ser entendido no mais em si mesmo, mas como parte de um conjunto que o ultrapassa. Se, ao con-trrio, no h uma unidade entre eles, ento no teria sentido v-los inter-relacionados, mas a praxe de l-los individualmente deveria ser mantida1. sobre esta questo que se debrua o presente estudo, que persegue a finalida-

1 Aqui nos detemos no primeiro nvel de leitura do texto, sem tocar o princpio hermenutico enunciado pela Dei Verbum (n. 12), e que deve ser plenamente respeitado, acerca da leitura dos textos bblicos considerando-se a unidade de toda a Escritura.

Atualidade Teolgica ano XI n 26, maio/agosto 2007 195

de de apontar alguns elementos mesmo se introdutrios e provisrios que permitam alguma orientao neste campo.

Para tanto, apresenta-se de incio uma breve histria da questo, aten-dendo to somente ao ponto de nosso interesse. Renuncia-se, com isto, a um detalhamento das teses dos diversos autores que fugisse pergunta em pauta. Os dados a levantados sero em seguida discutidos. Por fim, procurar-se- delinear os pontos referenciais neste tema, a fim de traar pistas para a pes-quisa sobre os doze profetas.

1. A questo

1.1. Localizao

A pergunta acerca da unidade dos doze profetas menores aparece

esporadicamente nas trs primeiras dcadas neste sculo2. Partindo da obser-vao de incongruncias presentes nestes escritos, em artigo de 1921, K. Budde3 as atribui a um trabalho consciente de redao que procurou criar, a partir dos diversos pequenos profetas, um nico livro, a fim de apresent-lo como escritura sagrada em contraposio a grupos que aceitariam somente a Torah. A redao final ter-se-ia dado antes da introduo na coleo do livro de Jonas e da traduo grega da Septuaginta, sendo datada em torno do scu-lo IV-III a.C. Em 1935, R.E. Wolfe4 afirma a tese de que os doze chegaram a formar um nico livro em razo de um trabalho redacional mltiplo que, atravs da insero de material, criou conexes entre os diversos escritos. A partir da distino entre material autntico e secundrio e de sua compara-o, estabelece diferentes fases de crescimento da coleo, que se daria da metade do sculo VII at 225 a.C., ou seja, antes da aceitao dos Doze co-mo livro sagrado, quando ento se excluiria qualquer outro acrscimo.

Por falta de comprovao de suas hipteses, estes autores no chega-ram a impor um novo rumo aos estudos, de modo que a exegese no sculo passado continuou basicamente considerando cada um dos profetas indivi-dualmente. Foi no final da dcada de setenta, em mbito americano, que

2 No entanto, alguns autores anteriores haviam j entrevisto o problema. Assim, por exemplo, H. Ewald (cf. Die Propheten des Alten Bundes, I, Gttingen 1867, 73-81) v nos ttulos dos escritos indcios de uma redao que os teria reunido em pequenas colees, alm de, em pequena dimenso, acrescentar material de sua autoria. 3 Cf. K. Budde, Eine folgenschwere Redaktion des Zwlfprophetenbuchs, ZAW 39 (1921) 218-229. 4 Cf. R.E. Wolfe, The Day of Yahweh Editor in the Book of the Twelve, JBL 54 (1935) 90-129. Este artigo aproveita os dados de sua tese doutoral intitulada The Editing of the Book of the Twelve. A Study of Secondary Material in the Minor Prophets, Harvard, 1933.


surgiu o primeiro estudo depois de longos anos de silncio. Em 1977, traba-lhando sob a perspectiva cannica, R. Clements5 defendeu, em trabalho pu-blicado, a unidade de mensagem dos Doze. Sob diferente perspectiva, de corte redacional, em 1979 vem luz a tese doutoral de D. Schneider6, que procurou reconstruir a formao do conjunto em quatro fases redacionais. O tema alcanou outros mbitos geogrficos e foi aprofundado na dcada de oitenta, em teses doutorais e artigos especializados7, dentre os quais se des-taca o de P. Weimar8, que, comparando a ltima redao do livro de Abdias com textos secundrios dos outros profetas menores, conclui que a forma final daquele escrito proftico encontra-se ligada redao dos Doze. Em 1987, o estudo de E. Bosshard ampliou as perspectivas ao comparar a reda-o dos Doze com o livro de Isaas, chegando concluso de que ambos foram fruto de um mesmo grupo de redatores9.

Foi no entanto a partir da dcada de noventa que floresceu mais abun-dantemente a literatura em torno desta temtica. So estudos que conside-ram um profeta no conjunto dos Doze, ou ainda estudos complexivos sobre o Livro dos Doze; surgem igualmente trabalhos sobre a profecia em geral en-focada a partir desta perspectiva.

Os primeiros profetas individuais a serem estudados em relao ao conjunto dos Doze foram Abdias, Malaquias e Jonas10. Em seguida, Naum,

5 Cf. R. Clements, Patterns in the Prophetic Canon, in G.W. Coats B.O. Long, Canon and Autority (Philadelphia 1977) 43-56. 6 D. Schneider, The Unity of the Book of the Twelve, Yale, 1979, no publicada. O material no de fcil acesso e conhecido atravs de referncias de outros autores. 7 Assim, a tese doutoral de A.Y. Lee, The Canonical Unity of the Scroll of the Minor Pro-phets (Baylor University 1985, no publicada) e os estudos de N. Gottwald (Tragedy and Comedy in the Latter Prophets, Semeia 32, 1984, 83-96) e H. Marks (The Twelve Pro-phets, in R. Alter F. Kermode, The Literary Guide to the Bible, Cambridge 1987, 207-232). 8 Cf. P. Weimar, Obadja: Eine redaktionskritische Analyse, BN 27 (1985) 94-99. 9 Cf. E. Bosshard, Beobachtungen zum Zwlfprophetenbuch, BN 40 (1987) 30-62. Compa-rao com Isaas trabalhada tambm no artigo de O.H. Steck, Der Abschluss der Prophetie im Alten Testament. Ein Versuch zur Frage der Vorgeschichte des Kanons, Neukirchen 1991. 10 Cf. P. Weimar, Obadja: eine redaktionskritische Analyse, BN 27 (1985) 94-99; E. Bos-shard R.G. Kratz, Maleachi im Zwlfprophetenbuch, BN 52 (1990) 27-46; B.G. Curtis, The Daughter Zion Oracles and the Appendices to Malachi: Evidence on the Latter Redac-tors and Redactions of the Book of the Twelve, in Society of Biblical Literature Seminar Papers (SBLSP) 37/2 (Atlanta 1998) 872-892; E. Dick, Jonah Among the Prophets. A Study in Canonical Context, JETS 33 (1990) 63-73; O.H. Steck, Zur Abfolge Maleachi Jona in 4Q76 (4QXIIa), ZAW 108 (1996) 249-253; B. Ego, The Repentance of Nineveh in the Story of Jonah and Nahums Prophecy of the Citys Destruction Aggadic Solutions for an Exegetical Problem in the Book of the Twelve, in SBLSP 39 (Atlanta 2000) 243-253.


Osias, Ageu-Zacarias, Habacuc e Sofonias11. Mais recentemente, Miquias, Ams e Joel12.

Nos estudos complexivos sobre os Doze procura-se determinar os in-dcios que provariam a unidade do Livro, desenvolver uma metodologia de trabalho apropriada, bem como descrever a histria da formao do conjun-to. O primeiro estudo significativo surge em 1990, da mo de P.R. House13. Em 1993, dois livros de J. Nogalski influenciaro grandemente os trabalhos posteriores nesta matria14. Segue-se a publicao da tese doutoral de B.A. Jones15. Com data de 1997, dois estudos apresentam-se como significativos:

11 Cf. J. Nogalski, The Redactional Shaping of Nahum 1 for the Book of the Twelve, in P.R. Davies D.J.A. Clines (ed.), Among the Prophets (JSOT SS 144; Sheffield 1993) 193-202; D.L. Christensen, The Book of Nahum: A History of Interpretation, in J.W. Watts P.R. House (ed.), Forming Prophetic Literature (Sheffield 1996), 187-194; J. Jeremias, Die Anfangen des Dodekapropheton: Hosea und Amos, Hosea und Amos. Studien zu den Anfngen des Dodekapropheton (FAT 13; Tbingen 1996) 34-54; M.S. Odell, The Prophets and the End of Hosea, in J.W. Watts P.R. House (ed.), Forming Prophetic Literature, 158-179; L.J. Braaten, God Sows the Land: Hoseas Place in the Book of the Twelve, in SBLSP 2000, 218-242; J.D.W. Watts, Hosea 1-3 and Malachi: The Outerframe of the Love of God, apresentado no Congresso Anual da Society of Biblical Literature, 2/11/1997; K.M. Craig, Jr., Interrogatives in Haggai Zechariah: A Literary Thread?, in J.W. Watts P.R. House (ed.), Forming Prophetic Literature, 224-244; S.S. Tuell, Haggai-Zechariah: Prophecy After the Manner of Ezekiel, in SBLSP 39, 263-286; P.R. House, Dramatic Coherence in Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, in J.W. Watts P.R. House (ed.), Forming Prophetic Literature, 195-208. 12 Cf. J. Jeremias, Tau und Lwe (Mi 5,6f), in F. Crsemann et al. (ed.), Was ist der Mens-ch... (FS H.W. Wolff; Mnchen 1992) 221-227; B.M. Zapff, Redaktionsgeschichtliche Studi-en zum Michabuch im Kontext des Dedokapropheton (BZAW 256; Berlin 1997); M.E. Bid-dle, Israel and Jacob in the Book Micah: Micah in the Context of the Twelve, in SBLSP 37/2, 850-871; E. Ben Zvi, A Deuteronomistic Redaction in/among The Twelve? A Con-tribution from the Standpoint of the Books of Micah, Zephaniah and Obadiah, in SBLSP 36 (Atlanta 1997) 433-459; J. Jeremias, Die Rezeptionsprozesse in der prophetischen berliefe-rung am Beispiel der Visionsberichte des Amos, in R.G. Kratz T. Krger (ed.), Rezeption und Auslegung... (OBO 153; Freiburg 1997) 29-44; A. Schart, Die Entstehung des Zwlfprophetenbuchs: Neubearbeitungen von Amos im Rahmen schriftenbergreifender Redaktionsprozesse (BZAW 260; Berlin New York 1998); M.A. Sweeney, The Place and Function of Joel in the Book of the Twelve, SBLSP 38 (Atlanta 1999) 570-595; A. Mei-nhold, Zur Rolle des Tag-JHWHs-Gedichts Joel 2,1-11 im XII-Propheten-Buch, in A. Graupner H. Delkurt A.B. Alexander (ed.), Verbindungslinien. Festschrift fr Werner H. Schmidt zum 65. Geburtstag (Neukirchen-Vluyn 2000) 207-224. 13 Cf. P.R. House, The Unity of the Book of the Twelve (Sheffield 1990). 14 Cf. J. Nogalski, Literary Precursors to the Book of the Twelve (Berlin New York 1993); Id., Redactional Processes in the Book of the Twelve ( Berlin New York 1993). 15 Cf. B.A. Jones, The Formation of the Book of the Twelve: A Study in Text and Canon (Atlanta 1995).


de R. Rendtorff16 e P. Reddit17. Finalmente, em 1998, marcou seu lugar o estudo de A. Schart18. As principais contribuies destes autores sero vistas abaixo, em 1.2.

Estudos sobre a profecia em geral, com especial referncia formao do Livro dos Doze, surgem a partir de 1993. Destacam-se os trabalhos de Collins e Steck. Collins19 desenvolve a tese de que cada um dos grandes complexos que compem a literatura proftica (Is, Jr, Ez e os Doze) apresen-ta uma unidade interna. D como exemplo os Doze, que mostrar-se-iam coe-sos enquanto comeam e terminam com os mesmos temas. Steck20 analisa o processo de crescimento da tradio proftica at o texto final. O desenvol-vimento dos livros profticos ter-se-ia dado no por simples adies, mas por releituras. Como exemplos utiliza sobretudo Isaas e os Doze.

Atualmente o tema continua a ser estudado sistematicamente em al-guns congressos promovidos pela Society of Biblical Literature (USA). Pu-blicaes conjuntas sobre o tema, a cargo de autores especialmente dedica-dos a esta problemtica, tm tambm vindo luz e comprovam o desenvol-vimento da pesquisa21.

1.2. Argumentao para a unidade dos Doze

O estudo os doze profetas como unidade parte da observao de dados

da tradio. Assim, o texto de Sir 49,10 indicaria, ao lado do livro de Isaas (Sir 48,22), Jeremias (Sir 49,6-7) e Ezequiel (Sir 49,8), no cada um dos pequenos profetas, mas os doze considerados como um nico livro:

16 Cf. R. Rendtorff, How to Read the Book of the Twelve as a Theological Unity, in S-BLSP 36, 420-432. 17 Cf. P.L. Reddit, The Production and Reading of the Book of the Twelve, in SBLSP 36, 394-419. O autor segue assim, de perto, uma das intuies mais fortes de Nogalski. 18 Cf. A. Schart, Die Entstehung des Zwlfprophetenbuchs. 19 Cf. T. Collins, The Mantle of Elijah: The Redaction of the Prophetical Books (Sheffield 1993). 20 CF. O.H. Steck, Die Prophetenbcher und ihr theologisches Zeugnis. Wege der Nachfrage und Fhrten zur Antwort (Tbingen 1996). 21 Dentre as obras coletivas mais recentemente editadas, destacam-se: J.D. Nogalski M.A. Sweeney (ed.), Reading and Hearing the Book of the Twelve (Atlanta 2000); Society of Bi-blical Literature. Seminar Papers 41 (Atlanta 2002); E. Zenger (ed.), Wort JHWHs, das geschah (Hos 1,1). Studien zum Zwlfprophetenbuch (Herders Biblische Studien 35; Freiburg 2002); P. Reddit A. Schart (ed.), Thematic Threads in the Book of the Twelve (BZAW 325; Berlin New York 2003).


Porque Ezequias fez o que agrada ao Senhor e se mostrou for-te, seguindo seu pai Davi, como lhe ordenou o profeta Isaas, o

grande, o fiel em suas vises... Os inimigos incendiaram a cidade santa eleita, reduziram suas ruas a deserto, segundo a palavra de Jeremias. Porque eles o

maltrataram, a ele, consagrado profeta desde o seio materno... Ezequiel contemplou uma viso de glria, que Deus lhe mostrou

sobre o carro dos querubins... Quanto aos doze profetas, que seus ossos refloresam de seu se-pulcro, porque eles consolaram Jac, eles o resgataram na f e

na esperana.

Estas passagens do Sircida referir-se-iam aos profetas considerados j dentro da ordem cannica dos escritos. A referncia a Ml 3,23-24 em Sir 48,10, por outro lado, indicaria que a coleo j estaria completa na poca da redao do Ben Sirah (cerca de 200 a.C). O fato de se falar dos doze no con-texto do louvor aos antigos (Sir 44 50) seria interessante quanto relao entre os doze e o cnon bblico. Os doze entrariam no esquema histrico destes captulos e seriam colocados na poca da reconstruo do Templo, com as reformas de Neemias, Ageu e Zacarias. A referncia s grandes figu-ras de Israel mostraria que o autor conhecia a coleo de textos sagrados, que inclua a Torah, os livros profticos e outros escritos no determinados (cf. Prlogo, 8-10)22. Dessa forma, a referncia seria aos livros, no sim-plesmente aos personagens. Os Doze, ento, seriam vistos em conjunto.

Tambm a tradio manuscrita apontaria nesta direo, seja por t-los transmitido num nico rolo, seja por t-los denominado de forma complexi-va.

A tradio massortica, com efeito, reuniu os doze num s rolo, dis-tinguindo a dimenso do espao em branco que deveria haver entre cada um dos doze profetas daquele que deveria existir entre estes e os outros profetas: entre os pequenos profetas, o espao seria menor, de trs linhas em bran-co; entre eles e os outros profetas o espao seria de quatro linhas. Esta dife-rena de espao encontra-se determinada no Tratado Baba Batra 13b do Talmud Babilnico:

Entre um dos cinco livros da Torah e outro livro da Torah,

quatro linhas, e, de modo semelhante, entre um profeta e outro profeta; mas, no que tange a um profeta dos doze, trs linhas23.

22 Cf. B.A. Jones, The Formation of the Book of the Twelve, 8-9. 23 Traduo a partir de E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve: a Few Preli-minary Considerations, in J.W. Watts P.R. House (ed.), Forming Prophetic Literature, 102


Por outro lado, a massora final encontra-se no somente aps cada um

dos livros individuais, mas tambm no final do conjunto, onde se indica, alm do nmero de versculos de Malaquias, o total desde Osias. Alm disso, a ordem dos livros seguida nos manuscritos hebraicos fixa: Os, Jl, Am, Ab, Jn, Mq, Na, Hab, Sf, Ag, Zc e Ml. Isto est a indicar uma uniformi-dade caracterstica do respeito religioso pelo escrito. Os fragmentos desco-bertos em Wadi Murabbaat (sc. II a.C.) apresentam um texto consonntico praticamente idntico ao que ser utilizado na tradio massortica e confir-ma, desse modo, a fixao da ordem dos escritos e a tradio textual24.

Tambm a traduo grega da Septuaginta parece confirmar a transmis-so do livro como uma unidade ao denomin-los como um conjunto: os do-dekaprophton. A ordem dos seis primeiros livros difere da encontrada nos manuscritos hebraicos, pela colocao de Jl aps Miquias, transposto por sua vez para depois de Ams. A ordem , ento: Os, Am, Mq, Jl, Ab, Jn, Na, Hab, Sf, Ag, Zc e Ml. Tambm o manuscrito 8Hev XII gr, descoberto em Nahal Hever em 1952 (do final do primeiro sculo a.C.), com fragmentos de Jn, Mq, Na, Hab, Sf e Zc, atesta a unidade do livro e confirma a ordem he-braica dos escritos25.

O fragmento 4QXIIa, da metade do sculo II a.C., com partes de Zc, Ml e Jn, o mais antigo dos sete manuscritos concernentes aos doze encontra-dos em Qumran, atesta igualmente a transmisso dos doze num s livro. A ordem dos escritos, no entanto, difere tanto da tradio massortica quanto da Septuaginta, uma vez que Jonas colocado aps Malaquias, com a sepa-rao de dois ou trs espaos em branco. Segundo B.A. Jones, estas diferen-as de ordem nas tradies manuscritas seriam indcios de diversas edies do livro dos doze e poderiam ajudar a reconstruir a histria da formao do conjunto. Se certo que h pesher sobre alguns dos livros dos doze, no en-tanto, a interpretao dos mesmos no seria feita considerando-se somente o prprio escrito, mas o conjunto dos doze escritos26.

124. Baba Batra (= ltima porta) um dos dez tratados da quarta seo da Mishnah (que diz respeito aos Neziqin, danos); nele se trata tambm da elaborao de documentos e sua garantia (cf. G. Stemberger, Introduzione al Talmud e al Midrash, Roma 1995, 162). 24 Cf. P. Benoit J.T. Milik R. de Vaux, Les Grottes de Murabbaat (Oxford 1961). O fragmento contm textos a partir de Jl 2,20, com partes de Am, Ab, Jn, Mq, Na, Hab, Sf, Ag e Zc. 25 Sobre o assunto, cf. D. Barthlemy, Redcouverte dun chanon manquant de lhistoire de la Septante, RB 60 (1953) 18-29, E. Tov, The Greek Minor Prophets Scroll from Nahal Hever (8Hev XII gr) (Oxford 1990). 26 Cf. B.A. Jones, The Formation of the Book of the Twelve, 7-9.


Tambm o Novo Testamento falaria em favor da considerao dos do-ze como um conjunto unitrio, uma vez que, em At 7,42-43, Am 5,25-27 citado no somente como palavra de Deus (cf. Mt 2,11; 21,4; At 2,17; Hb 12,26) ou escritura (cf. Mt 26,31; Lc 7,27; 21,22; Jo 12,15 etc) ou ainda por seu nome (cf. Mt 9,25-26; At 2,17), mas como livro dos profetas. Em At 15,15, Am 9,11-12 aparece referido como palavras dos profetas e At 13,40-41 cita Hab 1,5 como o que os profetas dizem. luz de At 7,42-43, o plural (profetas) deveria ser entendido como referido ao conjunto do livro dos doze, de maneira que na poca do Novo Testamento os Doze seriam considerados uma unidade27.

Igualmente testemunhos extra-bblicos pareceriam confirmar a unida-de dos Doze. Alguns textos apcrifos citam os doze profetas numa ordem que se identifica ora com a tradio massortica (cf. 4Esd 1,39-40), ora com a tradio grega dos Setenta (cf. A vida dos profetas, c. 5-16), ora numa or-dem diversa das duas anteriores (cf. Martrio e Ascenso de Isaas 4,22). Estes textos, contudo, parecem referir-se aos profetas como personagens histricos e no propriamente aos livros28.

Da mesma forma, Flvio Josefo pareceria supor a unidade dos doze ao indicar uma lista de livros sagrados contendo somente 22 livros, o que impli-caria necessariamente serem os doze contados como um s escrito29. Igual-mente Orgenes refere-se a 22 livros do Antigo Testamento e Melito de Sardes fala de os doze num livro30.

A Vulgata introduz a nomenclatura profetas menores, atestando con-siderar os escritos independentemente, mas, na introduo sua traduo latina, Jernimo fala de unum librum esse duodecim prophetarum31.

A partir dos dados da tradio, numerosos estudiosos pesquisaram o texto dos doze em busca de indcios que comprovassem sua unidade. Tais estudos trabalham em perspectiva tanto sincrnica como diacrnica. Os es-tudos sincrnicos partem em geral de consideraes que se baseiam na abor-dagem cannica e preocupam-se com temas e leitura de conjunto32. Os traba-

27 Cf. B.A. Jones, The Formation of the Book of the Twelve, 10. 28 Cf. B.A. Jones, The Formation of the Book of the Twelve, 11. 29 Cf. Contra Apionem I, 8; cf. B.A. Jones, The Formation of the Book of the Twelve, 12; D. Scaiola, Il libro dei dodici profeti minori nellesegesi contemporanea. Status quaestionis, Rivista Biblica 48 (2000) 320. 30 Citados por Eusbio, Hist.Ecc. IV, 25-26; cf. B.A. Jones, The Formation of the Book of the Twelve, loc. cit.; D. Saciola, Il libro dei dodici, l.cit. 31 Cf. Bblia Sacra Latina Veteris Testamenti Hieronymo Interprete (Leipzig 1873) 899. 32 Sob esta perspectiva, por exemplo, o estudo de Clements, citado na nota 5; P.R. House, citado na nota 13; e R. Coggins, The Minor Prophets: One Book or Twelve?, in S.E. Porter


lhos de corte diacrnico procuram explicar a redao e formao do conjunto a partir de dois modelos: como composio redacional, a unidade teria sido gerada pelo trabalho de diversos editores que, atravs de inseres, teriam criado estruturas, formulado temas comuns e estabelecido relaes verbais entre os livros; como compilao editorial, os livros teriam sido colocados num s conjunto pelo editor final, que teria percebido as relaes j existen-tes entre eles33.

Os diversos elementos evidenciados pelos autores como indicadores da unidade podem ser agrupados em indcios temticos e indcios formais. Alguns estudiosos procuram, como forma de trabalho alternativa, apresentar argumentos textuais.

a) Os indcios temticos P.R. House procura demonstrar a unidade dos Doze partindo de dois

elementos: a abordagem aristotlica da crtica dos gneros, a partir da qual considera a profecia como um gnero prprio; e o estudo do plano literrio (estrutura, enredo, personagens) e dos temas. House prope uma mudana global de perspectiva no estudo, na base da hiptese da unidade dos peque-nos profetas. Tanto a crtica das fontes como a crtica das formas e a anlise retrica, assim como a crtica da tradio, no teriam considerado ou teriam deixado em plano absolutamente secundrio o livro em sua totalidade, de forma que seus resultados seriam necessariamente parciais34. House aceita as contribuies destas anlises, mas as integra dentro de uma metodologia orientada pela abordagem cannica tal qual formulada por R. Clements (que valoriza a mensagem do texto final e no sua pr-histria), juntamente com a crtica literria (no sentido de estudo da forma final do texto), que considera as relaes verbais e o gnero literrio35.

O principal fator que comprovaria a unidade dos doze seria, para Hou-se, a coerncia de mensagem entre estes escritos, se considerados em seus traos essenciais. Construdo sobre a base de uma seqncia bem determina-da, de uma estrutura e plano geral com caractersticas prprias, o conjunto apresentaria uma mensagem unificada em torno dos temas pecado punio restaurao36. O tema do pecado caracterizaria os seis primeiros escritos (de Os a Mq); o da punio, os trs seguintes (Na, Hab e Sf) e o da restaura-o, os trs ltimos (Ag, Zc e Ml). O estudo do tema da restaurao nos Do- P. Joice D.E. Orton (ed.), Crossing the Boundaries. Essays in Honour of M.D. Goulder (Leiden New York Kln 1994). 33 Cf. D. Scaiola, Il libro dei dodici, 321. Ainda: E. Zenger, Das Zwlfprophetenbuch, in E. Zenger (ed.), Einleitung in das Alte Testament (Stuttgart 20045) 517-519. 34 Cf. P. House, The Unity of the Twelve, 22-25. 35 Cf. P. House, The Unity of the Twelve, 26. 36 Cf. P. House, The Unity of the Twelve, 71-73.


ze demonstraria que as idias de retornar ao Senhor, procur-lo, tem-lo, bem como a concepo do dia do Senhor e da renovao do povo esto interligados no conjunto e, conferindo-lhe uma grande unidade, indicariam pontos fundamentais da sua teologia37.

Tambm para R. Coggins38 a estrutura global dos doze que configura o ponto central de sua unidade. Tal esquema, porm, diferentemente de Hou-se, identificado em: palavras de juzo (Os, Am, M1); orculos contra as naes estrangeiras (Na, Hab, Sf 1-2); e palavras de esperana (Ag, Zc, Ml). Alm disso, haveria temas que perpassariam o todo. Coggins d dois exem-plos: a relao de Israel com os povos estrangeiros e a atitude em relao ao culto. Quanto ao primeiro, pareceria haver, nos textos, uma tendncia a ge-neralizar o poder hostil, ultrapassando o dado histrico e apresentando-o como fora oposta a Israel, sem uma identificao concreta. Os Doze, sob este ponto de vista, apresentariam um desenvolvimento harmonioso: na pri-meira parte da coleo, tratar-se-ia de poderes que se colocam como instru-mentos da punio de Deus; em Na-Hab, so adversrios de YHWH e de Israel; em Ag-Zc-Ml, j no hostilizam Israel, de modo que o povo eleito pode viver tranqilo ao lado dos estrangeiros. Quanto ao tema do culto, pri-meiramente a mensagem de sua condenao, para no final a comunidade passar a celebrar um culto purificado (cf. Ag, Zc, Ml).

Igualmente T. Collins, embora considerando tambm a repetio de expresses, focaliza como ponto central da unidade os temas, sobretudo os que ocorrem no incio e no fim de sees dos diferentes livros. Os principais temas recorrentes so: aliana e eleio; fidelidade infidelidade; afasta-mento retorno; a justia e a misericrdia de Deus; o reinado de Deus; o lugar da morada de Deus (no templo, em Sio); as naes estrangeiras como inimigas ou aliadas39. Alm disso, aponta uma moldura global, constituda pela correspondncia entre a metfora pai-filho empregada no incio da cole-o em Osias (cf. Os 11,1-2) e no final do conjunto, em Ml 1,6-740.

J para P.L. Reddit, o emprego de temas de transio uma das tcni-cas redacionais utilizadas para criar a unidade. Assim, por exemplo, Miqui-as termina acenando para a destruio da Assria e Habacuc anuncia a vinda

37 Tal tese desenvolvida no artigo Endings as New Beginnings. Returning to the Lord, the Day of the Lord, and Renewal in the Book of the Twelve, in SBL.SP 41 (Atlanta 2002) 258-284. 38 Cf. R. Coggins, The Minor Prophets: One Book or Twelve?, 57-68. 39 Cf. T. Collins, The Mantle of Elijah, 65. 40 Cf. T. Collins, The Mantle of Elijah, 81. Cf. tambm J.D.W. Watts, A Frame for the Book of the Twelve. Hosea 1 3 and Malachi, in J.D. Nogalski M.A. Sweeney, Reading and Hearing the Book of the Twelve, 209-217.


de Babilnia41. Por outro lado, R. Rendtorff aponta, para alm de numerosas correlaes de temas e vocabulrio, uma unidade indicada por temticas unificadoras, das quais a principal seria a do Ym YHWH (Dia de YHWH). Embora desenvolvida de modo heterogneo nos livros individuais, o conjun-to apresentaria ao leitor um todo coerente, que o levaria a refletir sobre as diversas concepes acerca deste Dia42.

b) Os indcios formais Destacam-se, quanto ao estudo dos indcios formais, as obras de J.

Nogalski. Sua metodologia de corte redacional e se concentra no estudo dos elementos de intertextualidade, isto , de relaes intencionais entre os escritos devidas ao trabalho de redao ou edio. Nogalski aponta, para alm da intertextualidade a nvel de temas e motivos, quatro tipos de inter-textualidade de ndole formal43:

- Citao: repetio textual de uma frase ou pargrafo existente em outra fonte.

- Aluso: ligao com outros textos evocada por termos comuns. - Palavras gancho: utilizao de termos significativos para ligao i-

mediata de textos, geralmente (embora no exclusivamente) textos seguidos, no final de um livro e no incio de outro, e que servem para dirigir a leitura.

- Elementos emolduradores: elementos literrios colocados em posi-o de moldura (ttulos, gneros literrios, estruturas paralelas, palavras gan-cho, aluses).

Os dados de maior importncia, para Nogalski, so fornecidos pelas palavras gancho. Tal fenmeno, para o autor, no poderia ser considerado acidental, podendo ser interpretado seja como insero intencional finalizada a criar relao entre escritos que existiam independentemente, seja como elementos j pr-existentes que conduziram, por este mesmo fato, reunio dos escritos e sua colocao em determinada seqncia. Para Nogalski, no h uma soluo universal; cada caso deve ser analisado particularmente. Seu estudo visa principalmente verificar se estas palavras se devem redao ou se lhe seriam pr-existentes; ou ainda se poderiam ser, em algumas passa-gens, casuais44. Sua concluso a de que os escritos no foram reunidos

41 Cf. P.L. Reddit, The Production and Reading of the Book of the Twelve, 398. 42 Cf. R. Rendtorff, Alas for the Day! The Day of the Lord in the Book of the Twelve, T. Linafelt - T.K. Beal (ed.), God in the Fray: A Tribute to Walter Brueggemann (Minneapolis 1998) 186-197. 43 Cf. J. Nogalski, Intertextuality and the Twelve, in J.W. Watts P.R. House (ed.), For-ming Prophetic Literature, 102 124. 44 Numa srie de artigos, J. Nogalski procurar demonstrar sua tese atravs da anlise de diversos textos. Assim, guisa de exemplo: The Redactional Shaping of Nahum 1 for the


porque possussem termos comuns, mas a relao entre eles foi proposital-mente criada45.

Alguns dos indcios apontados por Nogalski foram posteriormente de-senvolvidos tambm por outros autores, como a utilizao de frases recor-rentes. Por exemplo, a referncias s profundezas do mar (s em Jn 2,4 e Mq 7,19 na Bblia Hebraica), o uso de Ex 34,6-7 em Jl 2,12-14.18; Jn 3,9; 4,2; Mq 7,18-19; Na 1,346. Ou a repetio de Am 1,2 em Jl 4,1647. Textos em posio de moldura que se relacionariam a partir do trabalho de edio da coleo seriam: Os 14,5-9 e Jl 1,2; 4,16; Am 1,2; Am 9,11-12 e Ab (nfase em Edom); Mq 7,18-20 e Na 1,2-8; Na 3,15-17 e Hab 3,17 (com aluses a Jl 1,4; 2,25); Sf 3,18-20 e Ag 1 (naquele tempo o tempo chegou); Zc 8,9-23 e Ml 1,1-1448.

Schart parte do princpio de que, se h uma unidade entre os doze, de-veria haver uma estrutura global. Diante da dificuldade de se discernir entre relaes intencionais e acidentais, Schart d ateno particular aos ttulos como elementos emolduradores mais seguros que vm certamente do edi-tor49. Este elemento formal, que introduz uma perspectiva temporal na cole-o, alm de fundamentar a unidade, permitiria identificar o processo de formao da coleo50.

A considerao dos ttulos tambm o melhor ponto de partida para R. Albertz51. Os quatro escritos datados (Os, Am, Mq, Sf), com exceo de Osias (que foi colocado antes de Ams por questes teolgicas), apresen-tam uma ordem cronolgica. Partindo da tese de Nogalski e de Schart e ana-

Book of the Twelve, in P.R. Davies D.J.A. Clines (ed.), Among the Prophets (Sheffield 1993) 193-202; The Day(s) of YHWH in the Book of the Twelve, in SBLSP 38, 617-642. 45 Cf. J. Nogalski, Literary Precursors, 215. 46 Assim P.L. Reddit, The Production and Reading of the Book of the Twelve, 398. 47 Cf. R. Coggins, The Minor Prophets: One Book or Twelve?, 64. 48 Cf. Reddit, The Production and Reading of the Book of the Twelve, 397. 49 Cf. A. Schart, Redactional Models: Comparisons, Contrasts, Agreements, Disagree-ments, SBLSP 37/2, 902. Igual valor aos ttulos dado tambm, dentre outros, por R. Rend-torff, How to Read the Book of the Twelve as a Theological Unity, SBLSP 36, 420-432. Sobre o valor dos ttulos como elementos para se datar o ministrio do profeta e a formao das colees, cf. tambm D.N. Freedman, Headings in the Books of the Eighth-Century Prophets, in J.R. Heddleston (ed.), Divine Commitment and Human Obligation. Selected Writings of David Noel Freedman. Volume One: History and Religion (Grand Rapids 1997) 367-382. 50 A tese de Schart proposta s pginas 903-905 do citado artigo. No livro Die Entstehung des Zwlfprophetenbuchs, partindo de uma detalhada anlise redacional de Ams, chega a formular uma teoria geral sobre a redao da coleo, identificando suas etapas. Sntese da pesquisa apresentada s pginas 304-306. 51 Exile as Purification: Reconstructing the Book of the Four (Hosea, Amos, Micah, Zepha-niah), in SBL.SP 41 (Atlanta 2002) 213-233.


lisando textos de cada um destes escritos, defende a existncia de um livro dos quatro, que apresentaria uma redao e teologia comuns, centrada na idia de juzo como purificao.

c) Os indcios de ndole textual Seguindo uma distinta perspectiva, a partir dos estudos de E. Tov,

B.A. Jones procurou demonstrar que elementos de crtica textual podem ser indicadores de uma atividade literria-editorial. Jones leva em considerao no somente a ordem dos livros no cnon hebraico, mas ainda a da LXX e de um manuscrito encontrado em Qumran (4QXIIa). Comparando-as, conclui que suas diferenas devem ser atribudas no a questes de ordem crtico-textual, mas atividade redacional dentro do processo de colocao no c-non52.

Tambm Fuller usa a tradio manuscrita como recurso para desven-dar o processo de formao dos XII. Haveria uma inter-relao entre a hist-ria e a transmisso do texto de cada um dos Profetas Menores e a histria da redao dos XII53. Para Fuller, 4QXIIa&b testemunharia que na metade do sculo II a.C. a coleo em hebraico j estava completa. Isto confirmado pela citao de Sir 49,10 (ca. 190). Os manuscritos de Qumran indicariam que a coleo era composta por todos os doze que hoje conhecemos. A or-dem dos livros, fora a exceo de 4QXIIa, parece ser a mesma conservada no texto massortico e falaria em favor da antigidade (incio do 1. sculo a.C.) da ordem que ser a da tradio massortica. Isto seria confirmado pelo manuscrito grego de 8HevXIIgr (100 50 a.C.). Ou seja: a ordem da tradi-o massortica data ao menos do final do sculo II ou incio do sculo I. Quanto ordem dos livros da LXX, a primeira evidncia parece ser encon-trada no Papiro de Washington.

2. Discusso da tese

Os argumentos apresentados pelos autores e que merecem ser avalia-

dos podem ser agrupados em duas categorias: a tradio manuscrita, as diferentes tradies textuais e o testemunho da tradio judaica; a questo da intertextualidade, referida s citaes, aluses e semelhanas temticas e ao recurso a palavras gancho. Na discusso destes elementos, E. Ben Zvi 52 Cf. B.A. Jones, The Formation of the Book of the Twelve: A Study in Text and Canon (Atlanta 1995). 53 R. Fuller: The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from de Judean Desert, in J.W. Watts P.R. House (ed.), Forming Prophetic Literature, 86-101; The Text of the Twelve Minor Prophets, CR:BS 7 (1999) 81-95. O.H. Steck (cf. Zur Abfolge Maleachi Jona in 4Q76 [4QXIIa] ZAW 108, 1996, 248-253) esclarece dados do estudo de Fuller com a apresentao de 4QXIIa.


desenvolveu uma srie de perspicazes observaes, que nos servem como ponto de partida para a reflexo54.

2.1. Os dados da tradio

No se pode dizer que os dados da tradio manuscrita (a colocao

dos Doze num nico rolo, a massora final e o ttulo complexivo dado pela LXX) sejam inequvocos e garantam, por si s, a unidade dos escritos. Com efeito, o fato de se encontrarem sob um nico ttulo no significa necessari-amente terem sido editados com a inteno de formarem um s livro, ao lado de Is, Jr e Ez. Mesmo no caso de que se pudesse constatar ter sido este o pensamento dos responsveis pela tradio manuscrita, tal fato no teria relevncia para a questo, pois aportaria a compreenso dos transmissores do texto e de grupos de tempos posteriores (a evidncia mais remota, de 4QXIIa, da metade do sculo II), mas no, necessariamente, o pensamento dos editores. Igualmente, caso se considere que Sir 49,10 se refira a um ni-co rolo, a data desta meno certamente muito posterior da composio dos livros, de modo que traria a compreenso de um grupo tardio e no ne-cessariamente a dos editores.

Ou seja, ainda que se pudesse garantir que os doze ou seus precursores foram transmitidos em um nico rolo j na poca persa ou mesmo antes, isto no significaria que eles tivessem sido pensados como uma unidade e fossem mais do que uma coletnea de escritos independentes, juntados uns aos ou-tros. Assim se expressa Ben Zvi: one scroll does not necessarily mean one single, literary unity that was (or must have been) (re)read as such55. Por outro lado, h nos textos de Qumran evidncias de que um rolo no significa necessariamente uma unidade literria. H textos prprios da comunidade de Qumran que foram encontrados num nico rolo, mas que, no entanto, so claramente independentes entre si56. Alm disso, os Doze, mesmo escritos num s rolo em Qumran, so no entanto comentados separadamente, em diferentes pesharm, que consideram individualmente os escritos a que se referem e no os comentam em referncia ao todo que comporiam. Igual-mente, nada faz crer que os textos rabnicos ou a tradio massortica, que

54 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve: a Few Preliminary Considera-tions, in J.W. Watts P.R. House (ed.), Forming Prophetic Literature, 125-156. 55 E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 131: um rolo no significa ne-cessariamente uma unidade literria individual que foi (ou deve ter sido) (re)lida como tal. 56 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 132, n. 23.


conheceram o rolo nico, interpretassem o livro como um todo, vendo nele mais do que uma coleo de diversos escritos57.

Quanto questo do Tratado Baba Batra 13b, acentua Ben Zvi no se poder afirmar com segurana que ateste a unidade literria dos doze. Ao contrrio, a leitura atenta e desarmada do texto leva a crer que cada livro visto como um livro e no como um captulo dentro de uma obra nica. Pois cada escrito singular dos doze chamado de profeta tanto quanto os outros livros profticos: entre um profeta e outro profeta; mas, no que tange a um profeta dos doze... (grifos nossos). Em outras palavras, na sua singulari-dade, e no em seu conjunto, equiparado aos outros livros profticos. A dis-tino de dimenso do espao linear entre os profetas dos doze e os outros, bem como o fato de a massora final trazer, alm do nmero de versculos de Malaquias, tambm o total de Osias e Malaquias, no se constitui em dado suficiente para se postular a unidade literria dos doze. Pois a massora no final de cada um dos pequenos escritos tambm forte indcio de que cada escrito considerado como uma unidade independente. A massora ao final dos doze corresponderia, nesse caso, inteno de manuteno da integrida-de do texto contido no rolo inteiro, no acarretando, portanto, maiores con-seqncias para a considerao de cada um dos escritos, que, alis, como ser desenvolvido mais abaixo, mantm todos um ttulo prprio. Tambm o espao levemente diminudo entre os pequenos profetas no exige ser inter-pretado como indcio de unidade dos mesmos. Estes elementos poderiam indicar no mximo, segundo Ben Zvi, serem os doze compreendidos como um conjunto, uma coleo, sem que com isto se deva postular sua unidade literria58.

Por outro lado, o prprio Baba Batra (n. 14b) menciona que a organi-zao lgica dos profetas levaria a colocar Osias antes de Isaas. Esta ob-servao tem interesse na medida em que mostra que, para este Tratado, Osias (pelo menos) era considerado um escrito parte. Tambm o texto de Nmeros Rabbah 18.17 separa o livro de Jonas dos outros onze, talvez na inteno de formular um pentateuco proftico (Is, Jr, Ez, Onze, Jn)59, o que testemunha em favor de sua independncia e corrobora o que foi dito acima.

Outro fator digno de ateno a diferena de ordem dos escritos nas tradies textuais. Esta diversidade pe seriamente prova a tese de que haveria uma leitura, aceita por uma comunidade, que incluiria a compreen-

57 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 131-132. 58 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, l.cit. 59 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 132, n. 22. Nmeros Rabbah um midrash de tipo homiltico que comenta o livro dos Nmeros (cf. G. Stemberger, Intro-duzione al Talmud e al Midrash, 432-434).


so dos doze em sua totalidade. Pois se a ordem dos escritos varia, ento tambm a conexo entre eles e, portanto, o desenvolvimento das idias. A mudana de ordem implica diretamente a mudana de leitura, o que contraria a tese de um plano unitrio que conduziria de livro a livro.

2.2. A questo da intertextualidade

No que concerne aos indcios intertextuais, parece no se dever super-

valorizar a presena de textos paralelos, citaes, aluses ou semelhanas temticas. Pois textos aparentados e semelhanas temticas encontram-se no s no interior dos doze, mas tambm entre estes e outras obras profticas (ou mesmo outras partes da Bblia Hebraica). No se poderia dizer que, com estas semelhanas, Is, Jr, Ez e os doze pequenos profetas formariam um s livro. Poder-se-ia dizer no mximo que eles formam uma coleo de livros profticos (no plural) com pontos em comum. Somente se os elementos de intertextualidade entre os doze fossem to fortes e caractersticos que os distinguissem claramente dos outros trs ento se poderia pensar deverem eles ser considerados uma obra a se. Mas tal no parece ser o caso.

A presena de elementos comuns entre os livros (e no s entre os do-ze) pode ser em parte para alm da anlise redacional explicada pela existncia de elementos fixos, teolgicos e literrios, que teriam influenciado a redao de textos originados em circunstncias semelhantes. Pelo que se pode observar na Bblia Hebraica, poder-se-ia tambm supor, segundo Ben Zvi60, que estes repertrios de elementos fixos no fossem muito vastos, mas limitar-se-iam ao mais importante, numa dimenso tal que permitisse sua fcil utilizao.

Outra possibilidade de explicao baseia-se na tese de que todo texto apresenta uma abertura de significado, de modo que a relao entre textos concebida como reinterpretaes em novas circunstncias e no necessaria-mente expedientes com objetivo de ligar escritos diversos61. assim que, guisa de exemplo, os textos de Habacuc, em estudo recente, so relacionados com o livro do Deuteronmio e de Samuel (Hab 3,3 e Dt 33,2; Hab 3,19 e Dt 33,29; Hab 3,19bc e 2Sm 22,34)62.

60 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 136-137. 61 Tambm esta explicao situa-se na categoria de intertextualidade, aqui, porm, enten-dida de modo muito mais amplo do que foi explanado pelos autores acima citados. Sobre esta categoria, cf. R.L. Schultz, The Search for Quotation. Verbal Parallels in the Prophets (JSOT.S 180; Sheffield 1999); S. Moyise, Intertextuality and Biblical Studies: A Review, Verbum et Ecclesia 23 (2002) 418-431. 62 Cf. D. Markl, Hab 3 in intertextueller und kontextueller Sicht, Bib 85 (2004) 99-108.


Alm disso, a observao das semelhanas no deveria deixar na obs-curidade as diferenas. A experincia nos mostra que muitas vezes o que muito impressiona num primeiro momento pode ser facilmente desfeito num segundo passo, ao se atentar para alm dos pontos em comum para as diferenas existentes.

Chama a ateno, neste particular, a dose de subjetivismo que pode es-tar presente na anlise de muitos autores63. Isto se aplica de modo particular ao fenmeno das palavras-gancho. J A. Schart, embora forte defensor da unidade dos doze, observara o problema envolvido na tese de Nogalski, ao ter este autor limitado sua anlise aos captulos iniciais e finais dos livros, deixando de lado muitos outros pontos de contato64. Mas Ben Zvi que de-senvolver uma discusso detalhada deste fenmeno, ao test-lo no livro de Abdias. Com toda certeza, no se pode negar o uso de palavras-gancho como meio para criar unidade numa coleo ou num livro. Devem, no entanto, ser consideradas ao lado de outros elementos e, sobretudo, dentro dos contextos em que se encontram, com sua valncia semntica especfica. Como exem-plo disto, Ben Zvi65 considera as palavras-gancho apontadas por Nogalski no final de Abdias (v. 15-21) e incio de Miquias (Mq 1,1-7)66: rh; (montanha), bqo[]y: (Jac), vae (fogo), !Arm.vo (Samaria) e hd,f' (campo). Em primeiro lugar, em se tratando de cinco palavras muito comuns na Bblia Hebraica, mesmo en-contrando-se prximas umas das outras, torna-se problemtica sua interpre-tao como indcio suficiente de intertextualidade. Por outro lado, as pala-vras so consideradas isoladamente e no no seu contexto. Com isto, a signi-ficativa expresso (porque hpax na Bblia Hebraica) de Ab 19 (!Arm.vo hdef., campo de Samaria) desmembrada em seus termos, deixando de ser consi-derada em sua especificidade. Ben Zvi observa com agudeza que em Ab 19 ocorre tambm a expresso ~yIr;p.a, hdef. (campo de Efraim); se fosse conside-rado o termo Efraim e no Samaria, haveria cinco termos que conectari-am Ab 15-19 com o Sl 78. Se, ao contrrio, se colocasse Ams aps Abdias, ter-se-ia encontrado quatro palavras comuns entre Ab 20-21 e Am 1,1-9: !AYci (Sio), ~l;iv'Wry> (Jerusalm), tWlG" (exlio) e laer'f.yI (Israel). Para evidenciar a fra- 63 Tambm D. Scaiola sublinha este ponto: cf. Il libro dei dodici, 323.325. Igualmente I. Willi-Plein reala, no que concerne reconstruo redacional, que a tese de Nogalski descre-ve como se poderia ter dado a formao do livro dos doze, mas deixa aberta a possibilidade de que tambm poderia ter sido diferente: cf. Das Zwlfprophetenbuch, in Theologische Rundschau 64 (1999) 394. 64 Cf. a recenso de A. Schart s duas obras de Nogalski de 1993 (Literary Precursors e Redactional Processes) em Theologische Literatur Zeitung 121 (1996) 648. 65 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 139-142. 66 Cf. J. Nogalski, Literary Precursors, 31-33. A conexo feita entre Abdias e Miquias porque, segundo Nogalski, Jonas foi introduzido posteriormente no livro dos Doze.


gilidade deste procedimento, nosso autor d ainda como exemplo o final de Jeremias (Jr 52,31-34) e o incio de Ezequiel (Ez 1,1-2). Caso fossem apro-ximados, tambm seriam encontrados termos comuns. No entanto, a par dos vocbulos semelhantes, haveria tantas diferenas que dificilmente se chega-ria concluso de que estes termos esto ali conscientemente colocados para que as duas obras sejam lidas como uma s67.

Em outras palavras, problemtico o critrio das palavras gancho, tan-to mais se no considerado o horizonte semntico das mesmas nos seus contextos especficos. Alm disso, a preocupao acentuada com palavras gancho tira a ateno de outros elementos que tambm deveriam ser conside-rados, isto , os aspectos prprios do texto que finaliza um livro.

A concluso de Ben Zvi clara:

Nogalskis observation is not a property of the text by itself but results from the significance he attaches from the outset to the

sequence Obadiah Micah68.

Em suma, a importncia dada ao fenmeno das palavras-gancho como criadoras da unidade dos doze parece dirigir como um a priori o pensamento e as concluses de Nogalski. No se pode negar o fenmeno das palavras gancho na Bblia Hebraica e nem que h recorrncia de termos entre o final de um livro e o incio de seu subseqente nos doze (dependendo da ordem que se siga). No entanto, com Ben Zvi retemos que, no que tange ao estudo dos doze, o problema que se apresenta que estes pontos foram interpreta-dos como elemento unificador porque j se partia da idia de que os doze so uma nica obra69. Com isto, a argumentao se caracteriza como um crculo vicioso e carece, portanto, de poder comprobatrio. No possvel avaliar a hiptese de que os doze sejam uma unidade se j de antemo se afirma que eles so uma unidade.

2.3. Os ttulos e as finalizaes dos livros e sua importncia

Uma considerao de grande significado diz respeito falta de um t-

tulo nico para a coleo70 (ou de uma introduo geral que indicasse uma

67 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 140-141. 68 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 140-141: A observao de Nogalski no uma peculiaridade do texto em si mesmo, mas resulta da importncia que ele atribui de incio seqncia Abdias Miquias. 69 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 142. 70 Evidentemente, a denominao dodekaprophton da Septuaginta no pode ser considerada com propriedade um ttulo para o conjunto.


leitura unificada dos mesmos) e manuteno, por outro lado, dos ttulos em todos os diferentes escritos, sejam eles datados ou no. Alguns autores reco-nhecem que os ttulos guardam cada livro como um todo com caractersticas prprias, sem no entanto eliminarem a coerncia do conjunto unificado a partir de temas e vocabulrio71; outros, procuram reconstruir, a partir deles, a formao do conjunto72. Para Ben Zvi, no entanto, os incios dos diversos livros so a principal indicao de que cada escrito apresenta-se como inde-pendente, portanto, no mesmo patamar dos livros de Isaas, Jeremias e Eze-quiel.

O livro de Isaas oferece dados para uma justa apreciao do valor dos ttulos. De fato, embora seja fruto da coleo e reelaborao de escritos de pocas e autores diferentes (ao menos os assim chamados primeiro, segundo e terceiro Isaas), suas trs grandes partes no foram colocadas como livros parte. A falta de ttulos no incio da segunda e da terceira parte e, por outro lado, a presena de um ttulo nico no incio da obra evidencia que estas devem ser lidas no conjunto associado ao profeta Isaas73. de domnio co-mum que muitos ttulos so fruto de atividade redacional (possivelmente numa etapa j avanada)74; isto indica que a redao, ao menos numa de suas fases, no considerou os doze escritos (ou parte deles, em possveis estgios prvios) como formando um s livro, mas como textos com identidade pr-pria.

Ben Zvi chama a ateno ainda para dois fatos: a estreita conexo en-tre as concluses dos livros e os captulos anteriores do mesmo, de um lado, e a tendncia de cada livro possuir uma srie de termos e referncias cruza-das prprias, que o distingue dos outros escritos, de modo que se pode pen-sar que uma linguagem prpria sirva tambm para identificar o escrito, dis-tinguindo-o dos demais75. Com efeito, pode-se observar com clareza a pro-penso de as percopes que finalizam um escrito apresentarem aspectos pe-culiares que, simultaneamente, colocam-na em relao particular com o es-crito que esto concluindo. Isto foi j salientado, guisa de exemplo, em relao ao texto conclusivo de Ams (9,11-15)76 e de Osias (14,2-9)77.

71 Assim, por exemplo, R. Rendtorff (cf. nota 49 acima). 72 Cf. A. Schart, cf. nota 49 acima e ainda J.D.W. Watts, Superscriptions and Incipits in the Book of the Twelve, in J.D. Nogalski M.A. Sweeney (ed.), Reading and Hearing the Book of the Twelve, 110-124; cf. ainda R. Albertz, Exile as Purification: Reconstructing the Book of the Four (Hosea, Amos, Micah, Zephaniah), in SBL.SP 41, 213-233. 73 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 137.152. 74 Cf. D.N. Freedman, Headings in the Books of the Eighth-Century Prophets, 377-380. 75 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 153. 76 Assim, guisa de exemplo, acerca de Am 9,11-15: cf. M.D. Terblanche, Rosen und La-vendel nach Blut und Eisen: Intertextuality in the Book of Amos, OTE 10 (1997) 312-321.


No que tange ao primeiro texto, no apenas Am 9,12 apresenta seis termos comuns com Am 5,11 e quatro com Am 4,9, mas tambm aspectos significativos da percope final podem ser melhor compreendidos dentro do horizonte global do livro: assim, a meno da tenda de Davi, expresso hpax na Bblia Hebraica, pode ser bem compreendida pela nfase dada, no livro, festa das cabanas78; a nfase em Edom corresponde nfase igual-mente dada em 1,6.9.11.12; 2,1 (dentre todas as naes a mencionadas, Edom a mais freqente); a evocao do nome de YHWH enquadra-se bem no destaque dado ao Nome no livro (cf. 2,7; 4,13; 5,8.27; 6,10; 9,6). Estes e outros aspectos relativizam a tese de A. Schart, segundo a qual Am 9,13b-f e 9,12a seriam um acrscimo redigido com a finalidade de conectar Ams aos Doze, atravs da relao imediata com Joel e Abdias, particular-mente pelos contatos materiais com Jl 4,18-19; Ab 17-2079, textos que, por sua vez, podem ser suficientemente explicados dentro do horizonte dos res-pectivos livros80.

Tambm a concluso de Osias nos oferece um exemplo claro deste fato. O texto apresenta numerosos termos e expresses, bem como concep-es teolgicas, que se colocam em ntida contraposio ou continuidade com o restante do livro. Assim, a utilizao do verbo bwv (voltar) em senti-do prprio ou metafrico (14,2.3.8; no restante do livro, diversas vezes); a meno do tropear na falta (Os 14,2; 5,5); a transformao do culto pres-tado por Israel (14,3-4; 7,14; 8,4.6; 13,2) e da condio pecadora do povo (14,5; 11,7); as variadas imagens vegetais (14,6-9; 2,10.11.24; 9,1.16; 10,1.4), a meno dos habitantes da terra (14,8; 4,1), para citar somente al-guns exemplos. Demonstra-se dessa maneira como o captulo final responde s palavras reportadas no livro inteiro, desde o seu incio, e tem seu sentido a partir deste contexto. Assim sendo, tornam-se questionveis as ligaes entre o final de Osias e Joel (gro, vinho, habitantes do pas, em Os 14,8 e Jl 1,10.17; 1,5; 1,2.14; 2,1) indicadas por Nogalski81, baseadas em termos ou expresses isolados, sem considerao para com o horizonte semntico e os aspectos teolgicos do contexto.

77 Para maiores detalhes, ver nosso estudo Salvao entre juzo, converso e graa. A pers-pectiva escatolgica de Os 14,2-9 (Roma 1998). 78 Assim, Am 2,13 (feixes) e 8,1-3 (frutos maduros do vero) evocam elementos da festa das tendas. Cf. M. Sweeney, The Twelve Prophets, I (Collegeville 2000) 193.273. 79 Cf. A. Schart, Die Entstehung des Zwlfprophetenbuchs, 97-98. Quanto relao com Joel e Abdias, Schart acolhe a proposta de Nogalski (cf. Literary Precursors, 109-110; Redactional Processes, 64-65). 80 Assim, por exemplo, a conexo entre Jl 4,18 e 1,5.17-20: cf. E. Achtemeier, The Minor Prophets, I (Peabody 19992;19961) 160. 81 Cf. J.D. Nogalski, Literary Precursors, 69-70.


Em suma, estes dois exemplos mostram relaes to estreitas das fina-lizaes dos livros com o contexto literrio a que se referem que possveis elementos de ligao com o escrito imediatamente posterior (as palavras gancho!) colocam-se to em segundo plano que resultam destitudos de mai-or significado.

3. Concluses e pistas abertas

A partir das consideraes acima, no to pacfico assumir a tese de

que os doze profetas formem um nico livro no sentido de um todo coerente cujas partes devem necessariamente ser lidas e compreendidas como parte deste conjunto. Se por um lado no se pode negar existirem relaes entre eles ou entre alguns deles82, no se pode, no entanto, afirmar sem problemas serem de tal ordem que liguem os diversos escritos num todo cuja valncia exige ser cada um dos pequenos profetas lido luz do conjunto.

Alguns autores, todavia, no descartam a possibilidade de v-los uni-dos, mas no sentido de formarem uma antologia, uma coleo de textos. Assim que Petersen os considera uma antologia temtica, um repertrio reunido a partir de um tema, o dia de YHWH83. J Ben Zvi compreende-os como um repertrio comum de um grupo social relativamente pequeno84, que explicaria as concepes e formas literrias semelhantes como depen-dncia de um horizonte comum.

A nosso ver, para que se possa ter alguma clareza acerca da questo da unidade dos doze, deve-se em primeiro lugar distinguir entre a questo reda-cional de cada um dos diversos escritos e a questo dos doze como um nico livro. Assim, por exemplo, se se detectasse como evidente a mo deutero-nomista em diversos pequenos profetas, isto no significaria necessariamente que esta redao tenha trabalhado em vista da formao de um todo coeren-te. Em outras palavras, uma redao comum a vrios escritos no implica necessariamente uma redao unificadora. Os elementos comuns entre os doze, mesmo se proviessem de uma mesma redao no constringem con-cluso de que o todo forme uma unidade estritamente coesa.

Em segundo lugar, pensamos dever ser revalorizado o fenmeno das releituras das tradies (tambm escritas) feitas em Israel-Jud pelos grupos mais versados na literatura teolgica. Este elemento, aplicado por Ben Zvi ao

82 Cf. o artigo de J. Jeremias, Die Anfnge des Dodekapropheton: Hosea und Amos, in Hosea und Amos. Studien zu den Anfngen des Dodekapropheton (Tbingen 1996) 34-54. 83 Cf. D.L. Petersen, A Book of the Twelve?, in J.D. Nogalski M.A. Sweeney, Reading and Hearing the Book of the Twelve, 3-10. 84 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 155.


nosso tema85, foi j anteriormente trabalhado de modo perspicaz dentre outros autores por P. Grech86 em relao escatologia proftica. Trata-se, com efeito, de um dado incontestvel no que concerne formao da livros bblicos87. Aplicado aos doze, significa que, em diferentes momentos histri-cos/culturais/teolgicos, a releitura da tradio proftica levou atualizao da mensagem com nfase em determinadas temticas (por exemplo, uma nova compreenso do tema do dia de YHWH), possivelmente com vocabul-rio recorrente. Isto, porm, no implica que se estivesse relacionando os diversos escritos de modo a formar um nico livro. Ou seja: pode haver te-mticas que perpassam os doze profetas comparados entre si mais do que se comparados com Isaas, Jeremias e Ezequiel, sem que cada um daqueles pequenos escritos deva necessariamente ser compreendido como parte de um conjunto unificado. Como resultado deste trabalho de releitura, no s possvel mas como que necessrio haver pontos de contato entre os diversos escritos. Com isto, apresenta grande interesse verificar os textos que se to-cam relativamente a terminologia e temtica, a fim de melhor avaliar o al-cance das teses teolgicas neles envolvidas e melhor compreender as situa-es histricas, culturais, sociais, que se colocam como pano de fundo, para assim chegar a sua mais completa interpretao. Mostra-se como importante, dessa maneira, no isolar um texto ou um livro do conjunto, primeiramente dos doze, mas tambm, em outro nvel, da literatura proftica como um todo e, por fim, dos escritos bblicos em sua totalidade. Sem negar as evidentes ou menos evidentes diferenas, com este procedimento muitos horizontes de compreenso mais abrangentes certamente podem-se descortinar. Simultane-amente, com isto atenta-se, ao menos em parte, a um dos princpios funda-mentais da interpretao bblica expressos na Dei Verbum (n 12; at hoje, a nosso ver, no suficientemente considerados na teoria e na prtica da exege-se bblica), qual seja, o de considerar a unidade da Escritura.

Em sntese, no estado atual dos estudos, parece-nos possvel afirmar que os assim chamados doze pequenos profetas podem formar uma antologi-a; nesse sentido, apresentam uma relao entre si. Visto que a argumentao at hoje apresentada por aqueles que defendem a tese de um Livro dos Doze no se demonstra suficientemente, at que haja maior clareza nesta questo a perspectiva mais plausvel de estudo destes livros seria a de consider-los em 85 Cf. E. Ben Zvi, Twelve Prophetic Books or The Twelve, 155-156. 86 Reinterpretazione interprofetica ed escatologia veterotestamentaria, in Ermeneutica e Teologia Biblica (Roma s.d.) 5-39. 87 Cf. a publicao das Atas da XXXVII Semana Bblica Italiana (Roma, 9-13 de setembro de 2002), que versou sobre esta importante temtica: I. Cardellini E. Manicardi (ed.), Torah e Kerigma: dinamiche della tradizione nella Bibbia. Atti della XXXVII Settimana Biblica Nazionale (Bologna 2004).


sua particular relao com os outros da mesma coleo (sem, no entanto, fazer abstrao de outras relaes que se apresentem), sem, porm, a priori afirmar que tais e tais fenmenos so devidos sua unidade literria. Certa-mente um maior conhecimento de cada pequeno profeta e sua comparao com os outros livros do complexo dos doze poder contribuir para um maior esclarecimento desta questo. Abre-se aqui um imenso campo de estudos.

Rsum

Larticle vise analyser la question de la relation entre les soi-disant petits prophtes, afin de dlimiter la nature de la possible unit quils for-ment. Aprs un bref historique de la question, on discute les principaux a-phorismes de la thse, qui soutient que les Douze ne forment quun seul li-vre. Ensuite, on cherche dfinir les points de rfrence du thme, pour met-tre en vidence des pistes pour une investigation ultrieure sur les douze prophtes.

Maria de Lourdes Corra Lima

Professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio Professora do Instituto Superior de Teologia da Arquidiocese do RJ

Professora do Instituto de Filosofia e Teologia do Mosteiro de So Bento (Rio de Janeiro)

Doutora em Teologia Bblica pela Pontificia Universit Gregoriana (Roma)

doze profeta ou livro dos doze

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