UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁVilson Reginaldo dos Anjos
CRIME MILITAR E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
CURITIBA
2010
CRIME MILITAR E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
CURITIBA
2010
Vilson Reginaldo dos Anjos
CRIME MILITAR E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Monografia apresentada no Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para obtenção do Titulo de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Armando Antonio Sobreiro Neto
CURITIBA
2010
TERMO DE APROVAÇÃOVilson Reginaldo Dos Anjos
CRIME MILITAR E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Esta Monografia foi julgada e aprovada para obtenção do Titulo de Bacharel em Direito no Programa do Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ____ de _______________ de 2010.
_________________________________Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias
_______________________________________Orientador: Professor Armando Antonio Sobreiro Neto
Universidade Tuiuti do Paraná / Curso de Direito
_______________________________________
Membro da Banca
Universidade Tuiuti do Paraná / Curso de Direito
_______________________________________
Membro da Banca
Universidade Tuiuti do Paraná / Curso de Direito
A minha esposa Alice, aquém tanto amo, e a minha mãe querida Regina, que foram as pessoas que mais me incentivaram neste árduo caminho. Obrigado por existirem em minha vida.
Ao Professor Armando que foi de suma importância na realização deste trabalho, me orientando de forma brilhante.
E ao grande amigo Professor Rabello que foi quem me provocou a escrever sobre o tema dando rumo ao presente trabalho.
A Deus, que e o grande criador do universo, colegas de turma e demais professores que dividiram seus conhecimentos comigo nestes árduos, mas gratificantes cinco anos.
RESUMO
O presente trabalho teve por objeto a análise da aplicação do Princípio da Insignificância aos Crimes Militares, que já vem sendo adotado nos tipos penais do direito comum. Os Crimes Militares em tempo de paz estão tipificados no artigo 9º, e os Crimes Militares em tempo de guerra, tipificados no 10º, ambos do Código Penal Militar. O Princípio da Insignificância, que significa aquilo que é ínfimo ou ninharia, sendo assim incapaz de afetar o bem jurídico tutelado pelo Estado, não se encontra tipificado em nossa legislação, pois é uma criação meramente doutrinaria e pretoriana. Os Crimes Militares são divididos em próprios, que só podem ser cometidos por militares, e impróprios, que tanto podem ser cometidos por militares como por civis. A polêmica em relação à aplicação do Princípio da Insignificância nos Crimes Militares é se este afetaria os dois pilares básicos das Organizações Militares, ou seja, a hierarquia e disciplina, que entre outros figuram como dois dos principais bens a serem tutelados pelo direito militar.
Palavras-chave: crime militar, princípio da insignificância, hierarquia e disciplina.
SUMÁRIO
RESUMO....................................................................................................................061. INTRODUÇÃO.......................................................................................................082. O DIREITO PENAL MILITAR E OS BENS POR ELE TUTELADOS....................092.1. CRIME MILITAR...................................................................................................102.2. CONCEITO DE CRIME MILITAR SEGUNDO A LEI............................................112.3. CRIME PROPRIAMENTE MILITAR E IMPROPRIAMENTE MILITAR................132.4. O DIREITO PENAL MILITAR E A CONSTITUIÇÃO DE 1988............................163. DA APURAÇÃO DO CRIME MILITAR E O INQUÉRITO POLICIAL MILITAR....173.1. POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR..........................................................................193.2. O INQUÉRITO POLICIAL MILITAR....................................................................214. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL COMUM.................254.1 CONCEITO...........................................................................................................274.2 CLASSIFICAÇÃO E RESTRIÇÕES.....................................................................295. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL MILITAR.................325.1 HIERARQUIA E DISCIPLINA X APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES PROPRIAMENTE MILITAR............................346. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................38REFERÊNCIAS..........................................................................................................42
ANEXO I - Princípio da insignificância também se aplica para crime militar – por Priscyla Costa....................................................................................................46
ANEXO II - Crime militar e princípio da insignificância: aplicabilidade..............61
ANEXO III – Extrato da Ata da 26ª Sessão de Julgamento, em 04 de Maio de 2000. Superior Tribunal Militar – Recurso Criminal nº 6.701-4-AM......................66
8
1. INTRODUÇÃO
Ao iniciar a faculdade de direito surgiu a necessidade de se fazer
uma monografia, e como oficial da Polícia Militar logo me veio a mente “crime militar
e o principio da insignificância”. O grande desafio era saber se este princípio pode
ser aplicado em todos os tipos penais militares, tendo em vista que, entre outros, os
principais bens a serem tutelados pelo direito militar são a hierarquia e disciplina,
pilares básicos das instituições militares.
Os crimes militares se encontram tipificados nos 9º e 10º do
Código Penal Militar, os quais tratam respectivamente de crimes militares em tempo
de paz e crimes militares em tempo de guerra. O que interessa para este trabalho
acadêmico são os tipificados no artigo 9º, crimes militares em tempo de paz, de
onde se extrai os crimes propriamente militar e impropriamente militar. O artigo 7º do
Código de Processo Penal Militar elenca quais são as autoridades competentes para
exercer a policia judiciária militar, e o artigo 8º deste mesmo Código, em sua alínea
“a”, diz que compete à polícia judiciária militar “apurar os crimes militares, bem
como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria”. O
Titulo II, Capitulo Único, compreendido dos artigos 9º ao 28, trata do inquérito policial
militar e sua finalidade.
O princípio da insignificância não encontra previsão em nossa
legislação ordinária ou constitucional, pois é uma criação meramente doutrinaria e
pretoriana, sendo que a corrente majoritária já defende sua aplicação nos tipos
penais do direito comum. Em relação aos tipos penais militares sua aplicação ainda
ocorre de forma tímida, tendo em vista que os principais bens a serem tutelados pelo
direito militar esta hierarquia e disciplina.
9
2. O DIREITO PENAL MILITAR E OS BENS POR ELE TUTELADOS
As organizações militares do Brasil têm sua justiça militar
devidamente prevista e regulada em nossa Constituição Federal e,
consequentemente, nas Constituição Estaduais. Sendo uma legislação especial,
possui um Código Penal Militar e um de Código de Processo Penal Militar próprios.
As instituições militares são baseadas na hierarquia e na disciplina, cuja relevância
para o funcionamento da estrutura militar demanda considerar como bens jurídicos
dos mais relevantes a serem tutelados por esta legislação especial. Há outros bens
que mereceram tutela penal, a exemplo da integridade física e patrimonial. Os
crimes militares podem ser tanto cometidos por militares como por civis, de onde se
extrai, respectivamente, os propriamente militar e os impropriamente militar.
A necessidade de abordar os crimes militares juntamente com o
principio da insignificância é devido ao fato deste principio já estar sendo aplicado
nos crimes comuns, sendo que alguns deles também estão tipificados no Código
Penal Militar, de tal modo que, em razão do princípio da igualdade e da adoção da
analogia, vem se estendendo aos crimes militares, ainda que de forma tímida.
A polêmica é se o principio da insignificância poderia ser aplicado
em todos os tipos penais militares ou somente nas mesmas hipóteses previstas no
direito penal comum. Como os dois pilares básicos das instituições militares são a
hierarquia e disciplina, ficaria, em tese, temeroso se aplicar o princípio da
insignificância em todos os tipos penais militares, pois isto poderia afetar estes dois
pilares.
10
Antecedendo o exame sobre o princípio da insignificância, visando
compreensão sobre detalhes específicos do direito penal militar, mostra-se
conveniente discorrer sobre crime militar e o inquérito policial militar.
2.1. CRIME MILITAR
Para um adequado melhor entendimento, cumpre primeiramente
definir o que vem a ser crime militar, destacando que, em sendo a justiça militar
esfera de justiça especial, nossa Constituição Primavera em seu artigo 125 e o artigo
82 do Código de Processo Penal Militar, dizem quem esta sujeito ao foro militar.
Segundo Esmeraldino Bandeira “não existe um critério cientifico unanimimente
indicado e aceito para classificação de crime militar” (TORRES, Luiz Claudio Alves.
1996. pg 4 e 5).
1 Já Ricardo Calderon, enfatiza que:
“As dificuldades que se apresentam para elaborar um conceito completo e imutável de crimes militares, foram elas definidas em normas a fim de evitar definições incompletas ou deficientes, incapazes de aplicação tática, que somente os conduziam ao erro, ou a insuficiência, ou a contradição”.
Prosseguindo em sua obra, Calderon termina por definir crime
militar da seguinte forma como “ato típico, antijurídico, imputável, culpável,
sancionado em lei para proteção da disciplina das Forças Armadas e praticado por
militar (ou civil), nos quais concorrer condições objetivas de punibilidade”.
1 TORRES, Luiz Claudio Alves: Pratica do Processo Penal Militar, pg. 4 e 5, 2ª edição, Ed. Destaque, RJ, 1996.
11
José da Silva Loureiro Neto diz que “a posição moderna adotada,
consiste em ser o crime militar, aquele que só pelo militar pode ser cometido,
portanto, infração puramente funcional”.
Em face da dificuldade em encontrar unanimidade na doutrina
sobre a definição de crime militar, adotou-se o critério legal, ou seja, coube a lei dizer
o que é crime militar, não definindo, mas enumerando de maneira taxativa as
hipóteses de sua incidência, como leciona Loureiro Neto;
2“As dificuldades que se apresentavam para elaborar um conceito completo e imutável de crime militar, foram fixados em normas a fim de evitar definições incompletas ou deficientes, incapazes de aplicação prática, que somente os conduziam ao erro, ou à insuficiência, ou à contradição”.
Esta dificuldade levou os legisladores a adotar o critério ratione
legis, a fim de estabelecer os conceitos definidores de crime militar, de maneira
uniforme, qual seja, o Decreto-lei nº 1.001, de 21-10-1969, Código de Penal Militar,
em seu artigo 9º, define os crimes militares em tempo de paz, sendo os crimes em
tempo de guerra definidos no artigo 10º, do diploma penal castrense.
2.2. CONCEITO DE CRIME MILITAR SEGUNDO A LEI
A Constituição da Republica Federativa do Brasil em seu artigo
124 dispõe que: “À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares
definidos em lei”. Sendo assim, o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969,
Código Penal Militar, em seus artigos 9º e 10º, cumpre a previsão legal dizendo o
que é crime militar, in verbis.
2NETO, Jose da Silva Loureiro: Direito Penal Militar, pg. 32, ed. Atlas, SP, 1993
12
Art. 9º - Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;d) por militar durante o período de manobras, ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;e) Por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em serviço, use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob guarda, fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal;III - os crimes, praticados por militar da reserva ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;b) em lugar sujeito a administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função da natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.
Art. 10 - Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra:I - os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra;II - os crimes, militares previstos para o tempo de paz;III - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, quaisquer que seja o agente:a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo;IV - os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.
13
Dos artigos supracitados, além dos crimes militares em tempo de
paz e dos crimes militares em tempo de guerra podemos ainda extrair os crimes
propriamente militar, e os impropriamente militar.
Não devemos esquecer também dos crimes militares que podem
ser cometidos tanto por militar quanto por civil, citando como exemplo o crime de
insubmissão, previsto no 3artigo 183 do Código Penal Militar, por isso a dicotomia
estatuída em razão da lei, que defini varias situações de incidência do crime sob a
égide da justiça castrense
Entretanto, segundo o que se infere da leitura do artigo 9º do
Código Penal Militar, outros critérios devem ser observados no fito de determinar o
crime militar, segundo a definição que lhe emprega a lei em seu enunciado, uma vez
que, se a lei determinar incidência do crime militar, não se pode olvidar que a
pessoa, o local e o tempo constituem fator preponderante nesta investigação.
2.3. CRIME PROPRIAMENTE MILITAR E CRIME IMPROPRIAMENTE MILITAR
Crimes propriamente militar são os extraídos do inciso I do artigo
9º do Código Penal Militar, ou seja, aqueles que podem ser cometidos somente
pelos militares, tais como a deserção, capitulada nos artigos 187 a 194 do Código
Penal Militar, o abandono de posto e outros crimes em serviço, previstos nos artigos
195 a 203 do mesmo Codex, dentre outros.
3 Art. 183. Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação:
Pena - impedimento, de três meses a um ano.
14
Diferente dos crimes propriamente militar, os impropriamente
militar são os extraídos do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar, e que podem
ser cometidos tanto por militares como por civis, pois podem estar previstos em
outros códigos, tal como o homicídio, previsto no Código Penal Militar em seu artigo
205, e no Decreto Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal Brasileiro,
em artigo 121.
Segundo a doutrina, crime militar próprio é aquele que, em razão
da condição especial do sujeito ativo, apenas por ele pode ser praticado, assumindo
assim um critério de especialidade em face da norma: 4especialidade do crime,
especialidade do sujeito ativo deste crime. À aplicação do critério que especializa o
delito, é conferido pela lei, segundo as particularidades do ato típico, que, devido a
sua natureza, apenas por militar pode ser praticado.
A Constituição da República, em seu 5artigo 5º, LXI, faz cristalina
referência ao crime propriamente militar definido em lei, tendo como destinatário
único o militar, 6“isto é, o sujeito ativo do crime propriamente militar, e, não
igualmente o civil, porquanto a excepcionalidade da sujeição do civil a jurisdição
militar, obviamente, não comporta esta restrição à sua liberdade individual".
Desta forma, entende-se que se o civil, praticar qualquer das
condutas descritas na norma substantiva penal militar própria, sua conduta deverá
ser analisada pelo direito penal comum, ressalvada as hipóteses em que a lei definir
essa conduta no rol dos crimes militares impróprios ou comuns, que não exigem a
condição elementar do sujeito do delito, qual seja, a condição de militar.
4 TORRES, Luiz Claudio Alves: Pratica do Processo Penal Militar, 2ª edição, Ed. Destaque, RJ, 1996, pg. 85 Constituição Federal de 1988: Art. 5º, LXI - ninguém será preso se não em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei:6 LOBÃO Célio: Revista DIREITO MILITAR, 46, Março/Abril, 2004, pg. 25
15
Tal excepcionalidade, no que tange a sujeição do civil à justiça
militar, subtraindo-o de seu juiz natural, de seu juiz legal, encontra-se esculpida no
7art. 5º, LIII, da Constituição Federal, nos seus estreitos limites, não autorizadores
que o civil adentre a classe de sujeito ativo dos crimes próprios da profissão militar.
“No crime propriamente militar, a lei protege a disciplina, a hierarquia, o dever militar,
que somente podem ser ofendidos pelo militar e nunca, em hipótese alguma pelo
civil”. (LOBÃO, Célio. 2004, pg. 26)
Jorge Alberto Romeiro assim define crime militar próprio:
“8Crime militar próprio seria só aquele que por militar pode ser praticado, pois consiste na violação dos deveres restritos, que lhe são próprios, serias o crime funcional da profissão militar, como p. ex. a deserção. (art.187), a covardia (art. 363), o crime de dormir em serviço (art. 203), etc.”.
Já para o crime impropriamente militar, a doutrina sustenta que,
além de estarem previstos no codex militar, encontram igual previsão no código
Penal comum, além de que, diferente daquele, não exige da parte do agente a
condição de militar para sua efetivação, considerando seu elemento material
constitutivo.
Jorge Alberto Romeiro traz a seguinte definição: “Crimes
impropriamente militares seriam também todos os crimes praticados por civis que a
lei define como militares p. ex. o crime de violência contra a sentinela (art. 158)”.
(ROMEIRO. Jorge Alberto. 1994, pg 68)
9Consta ainda que a expressão crime militar ou acidentalmente
militar é construção doutrinária, não encontrando previsão em nossa legislação.
7 Art. 5º, LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente8 ROMEIRO. Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar – Parte Geral, São Paulo. Saraiva, 1994, pg 689 Id.
16
2.4. O DIREITO PENAL MILITAR E A CONSTITUIÇÃO DE 1988
Como não poderia deixar de ser, a Constituição da República é a
verdadeira matriz do Direito Penal Militar no Brasil, conferindo em seu texto, em
referencia a justiça castrense, a confirmação de que se trata de Direito Penal
especial.
Principalmente no que tange a Justiça Militar Federal, aplicável às
instituições militares componentes das Forças Armadas da União, qual sejam,
Exercito, Marinha e Aeronáutica, sendo os militares destas respectivas forças o
público alvo da Justiça Militar Federal, segundo se extrai do texto constitucional, vez
que, a Justiça Militar dos Estados, também encontram previsão particular na
Constituição de 1988.
Além de acometer expressamente à definição dos crimes
militares, a Lei, restringe, limita e condiciona seu processo a Justiça Militar, a qual
esta estatuída e inclusa entre os órgãos do Poder Judiciário, nos termos do 10artigo
92, VI, estruturando sua mais Alta Corte na forma do 11escabinato.
12Ainda, na Seção VII, DOS TRIBUNAIS E JUIZES MILITARES, o
artigo 122 da Carta Máxima, in verbis, refere-se ao caráter ius singulare da justiça
castrense:
Art. 122. São Órgãos da Justiça Militar:I – o Superior tribunal Militar;II – os Tribunais e Juízes militares instituídos por lei.
10 Constituição de 198811 ROMEIRO. Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar – Parte Geral, São Paulo. Saraiva, 1994, pg. 7: “escabinato é um tribunal colegiado misto, composto de juizes togados e juizes leigos, trata-se de colégio judiciário muito difundido, não só na justiça militar mas na justiça comum de muitos países civilizados. Diferencia-se do Tribunal do Júri porque neste o juiz leigo tem somente voto, e o juiz togado apenas voz”. 12 Id.
17
Já o artigo 124 da Constituição Federal, declara: 13 “À Justiça
Militar cabe Processar e Julgar os crimes militares definidos em lei”.
3. DA APURAÇÃO DO CRIME MILITAR E O INQUÉRITO POLICIAL MILITAR
Conforme já restou claro, os crimes militares dividem-se em
próprios e impróprios, e ainda, podem ser aqueles praticados por sujeito militar, fora
das hipóteses do artigo 9º ou do artigo 10º do Código Penal Militar, estando previstos
no Código Penal.
Ocorre que, de forma análoga a da justiça comum, também no
caso do crime militar, a lei prevê investigação preparatória, a fim de que se possa
garantir visibilidade material para a acuação proposta, ou seja, com a denúncia ou
aparecimento do fato ilícito, faz-se necessário um conjunto probatório, um corpo,
indispensável para que o Estado Juiz possa fundamentar acusação e a posterior
persecução penal.
A partir do conhecimento de um fato delituoso, à Autoridade
competente, ou seja, o superior hierárquico imbuído das funções de Polícia
Judiciária Militar, de pronto, deve iniciar os esforços no sentido de apurar os fatos,
as circunstancias e a autoria, para o fito de possibilitar a produção dos elementos de
convicção do Ministério Público, dependendo do resultado das investigações, trata-
se da notitia criminis, noticia do crime, conforme leciona o sempre atual José
Frederico Marques: “A investigação criminal, em qualquer de suas formas, tem inicio
com a noticia do crime, Chama-se notitia criminis o conhecimento espontâneo ou
13 Id.
18
provocado que tem a autoridade pública de um fato delituoso”. (MARQUES, José
Frederico. 1987. Pg. 132.)
Sobre as formas de noticia do crime, leciona o insigne
processualista:
“A noticia do crime espontânea é a que se dá por cognição imediata ou comunicação não formal, isto é, por meio de formas direitas de conhecimento do fato delituoso”.
“A notitia criminis provocada é o ato jurídico com que alguém dá conhecimento a um dos órgãos da persecutio criminis, ou à autoridade com funções investigatórias, da prática de fato delituoso”.
O Inquérito Policial Militar é um importante meio de obtenção de
provas, mesmo não sendo o Inquérito Policial Militar, o único instrumento a
disposição do Ministério Público idôneo para possibilitar a denuncia e a ação penal,
pois como se sabe, basta que estejam presentes provas da materialidade do fato e
indícios de autoria, para favorecer a propositura da ação penal.
Adel El Tasse, assim se manifesta sobre a definição de
investigação preparatória: “por investigação preparatória entendemos todos os feitos
admissíveis pela Lei e que podem servir como embasamento para a denuncia”.
(TASSE. Adel El. 1988, pg. 25)
Trata-se da atividade Estatal destinada a preparar a ação penal,
meio pelo qual o Estado, por intermédio do seu órgão competente, busca, segundo o
princípio da verdade real, a autoria e materialidade do delito, a fim de que se possa
aplicar a lei penal militar.
Sobre a investigação do fato elícito, Ismar Estulano Garcia
leciona:
19
“A investigação preocupa-se com o esclarecimento do fato delituoso e a descoberta da autoria, pois é necessário que o membro do Ministério Público tenha em mãos os dados necessários para formular a denúncia. É um procedimento preparatório, informativo e inquisitório, constituindo-se num conjunto de providências desenvolvidas para esclarecer uma conduta que, ao menos aparentemente, seja delituosa”.
Temos então que, o fator que define crime militar, não é a farda do
autor, mas a lei que define a conduta como tal, e, quando ambos os institutos são
idênticos, o crime poderá ser militar, seja em razão da pessoa, em razão do lugar, do
tempo ou da matéria, devendo sua apuração, ater-se a estes critérios. Vale ressaltar
que ao final do inquérito policial militar, o oficial encarregado, em seu relatório final,
ira expor sua conclusão, dizendo se há incidência de crime militar, ou se não há, não
cabendo ao encarregado verificar se ato se enquadra dentro dos crimes de bagatela.
3.1. POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR
O artigo 8º do Código de Processo Penal Militar, diz a quem
compete a Polícia Judiciária Militar, bem como o que lhe cabe, vejamos:
Art. 8º Compete à Polícia judiciária militar:
a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;
b) prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do Ministério Pú-blico as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que por êles lhe forem requisitadas;
c) cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar;
d) representar a autoridades judiciárias militares acêrca da prisão preventiva e da insanidade mental do indiciado;
20
e) cumprir as determinações da Justiça Militar relativas aos presos sob sua guarda e responsabilidade, bem como as demais prescrições dêste Código, nesse senti-do;
f) solicitar das autoridades civis as informações e medidas que julgar úteis à eluci-dação das infrações penais, que esteja a seu cargo;
g) requisitar da polícia civil e das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de inquérito policial militar;
h) atender, com observância dos regulamentos militares, a pedido de apresenta-ção de militar ou funcionário de repartição militar à autoridade civil competente, desde que legal e fundamentado o pedido.
A competência atribuída por força do artigo 8º do Código de
Processo Penal Militar é exercida por autoridades das Forças Armadas, ou seja,
Exército, Marinha e Aeronáutica, dentro de suas respectivas jurisdições, pelo que se
depreende das alíneas “a” e “h” do artigo 7º, do mesmo diploma, não falando no
entanto das autoridades militares dos Estados e do Distrito Federal, isto é, das
Polícias Militares. Ocorre, porém, como já mencionado, que estas instituições,
estruturadas para preservação da ordem pública, também possuem estrutura militar
organizada com base na hierarquia e disciplina, contando com justiça militar própria,
prevista na Constituição Federal, artigo 125, parágrafo 3º e 4º, e também dos
Estados, no caso, o Estado do Paraná, artigo 108 e parágrafos da Constituição
Estadual, e, segundo o que se extrai do citado artigo 7º, conclui-se que a Polícia
Judiaria Militar, no âmbito do estado do Paraná, segue a seguinte ordenação de
exercício:
a) Pelo Chefe do Estado Maior, nas mesmas condições do Comandante Geral;b) Pelos Comandantes do CPC, CPI e CCB, Diretor e Ajudante Geral, na esfera de suas atribuições, nos crimes militar cometidos por policias militares e bombeiros militares, diretamente subordinados a essas autoridades;c) Pelo Diretor Geral de pessoal, em todo o território Estadual, nos casos de envolvimento de PM de OPM distintas e, ou inativos;d) Pelo Comandante de OPM, nos limites de suas atribuições, nos crimes militares cometidos por PM subordinados.
21
Entretanto, como normalmente acontece, o exercício deste poder
é delegado por estas autoridades, segundo a permissão do artigo 7º do Código de
Processo Penal Militar, quando o Comandante da Organização Militar delega à
atribuição de Polícia Judiciária, ao expedir portaria de abertura de Inquérito Policial
Militar, a um determinado oficial, que, por força de tal delegação, investe-se no caso
específico, do poder de Polícia Judiciária Militar. O oficial de dia e os oficiais de
serviço, comandantes de companhias e pelotões destacados, estão investidos deste
poder no caso de prisão em flagrante.
Excluem-se da competência do Inquérito Policial Militar e da
investigação da Policia Judiciária Militar, os crimes praticados por militares, que não
estão definidos na lei militar, qual sejam, aqueles definidos pela lei comum, praticado
fora das hipóteses do artigo 9º e 10º do Código Penal Militar, sendo a competência
para apuração destes delitos da Policia Judiciária, civil. Por esta razão, nos casos em
que o militar pratica um furto a veículo, se envolve numa briga onde resulta lesão
corporal, ou espanca a esposa, não há que se falar em Inquérito Policial Militar, mas
sim em Inquérito Policial comum, de competência da Autoridade Policial local, sendo
esta conduta, porém, avaliada segundo os padrões morais da corporação, ou seja, o
Regulamento Disciplinar, em âmbito administrativo.
3.2. O INQUÉRITO POLICIAL MILITAR
O Código de Processo Penal Militar define o Inquérito Policial
Militar, instrumento pelo qual, a Autoridade Policial Militar, investida do poder de
Policia Judiciária Militar, tem o dever de apurar fato delituoso sob sua
22
responsabilidade direta, e está conceituado no artigo 9º, in verbis, da lei substantiva
castrense:
Art. 9º - O inquérito Policial Militar é a apuração sumária de fato, que, nos termos legais, configure crime militar. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal.
14Nos dizeres de José da Silva Loureiro Neto:
“É o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária Militar para a apuração de infração penal militar e de sua autoria. Somente é feito quando o fato praticado por civil ou militar estiver subsumido, isto é, constando no Código Penal Militar”.
O inquérito Policial Militar possui caráter inquisitivo, uma vez que
não existe a figura do contraditório, e a autoridade que irá presidir o procedimento
nunca poderá ser de posto inferior ao do indiciado ou investigado, a fim de se evitar
qualquer tipo de influencia ou coação no curso da instrução inquisitória, desvirtuando
os trabalhos e o objetivo da investigação.
Entretanto, vale lembrar que, o Inquérito Policial Militar destina-se
a instrução provisória, não se trata de meio único para formação do convencimento
pelo julgador, destina-se a coleta de provas e indícios de autoria, suficientes para
que o Ministério Público ofereça a denuncia e a propositura da ação penal. Convém,
destacar o artigo 10º do Código de Processo Penal Militar, no que se refere à
instauração do Inquérito Policial Militar, dando-lhe forma e regramento segundo a lei:
14 LOUREIRO NETO.JOSÉ DA SILVA, Processo Penal Militar, 5ª edição, editora Atlas. São Paulo. 2000, pg.13
23
Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria:
a) de oficio pela autoridade militar em cujo âmbito da jurisdição ou comando haja ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator;b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, por oficio;c) Em virtude de requisição do Ministério Público;d) Por decisão do Superior Tribunal Militar, nos termos do 15art. 25;e) A requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a represente, ou em virtude de representação devidamente autorizada por quem tenha conhecimento à infração penal, cuja repressão caiba a justiça militar;f) Quando, de sindicância feita em âmbito da jurisdição militar, resulte indicio da existência de infração penal militar.
O Inquérito Policial Militar deverá ser concluído no prazo de 20
dias, se o indiciado estiver preso, contando este prazo a partir do dia em que se
efetivar a ordem de prisão, ou no prazo de 40 dias se o indiciado estiver solto,
podendo este ultimo prazo ser prorrogado por até 20 dias, desde que exames e
perícias não estejam ultimados, artigo 20, parágrafo 1º do Código de Processo Penal
Militar.
O inquérito, após sua conclusão, será enviado pelo encarregado a
autoridade que recebeu a delegação, após elaborar minucioso relatório, segundo se
extrai do artigo 22, parágrafo 1º, para que seja homologado o relatório, podendo esta
autoridade realizar verdadeiro exame de admissibilidade, pois se não concordar com
a solução do Inquérito Policial Militar, poderá retornar os autos para o encarregado, a
fim de que proceda as diligencias que julgar necessárias. Se apesar disto ainda não
estiver de acordo com o parecer ou providências tomadas no curso do caderno
inquisitivo, poderá esta autoridade detentora do poder originário de polícia judiciária
militar, avocar para si a tarefa de concluir as investigações e os autos, segundo o
parágrafo 2º do citado artigo 22 do Código de Processo Penal Militar. Caso concorde
15 CPPM, art. 25. O arquivamento o inquérito não obsta a instauração de outro, se novas provas aparecerem em relação ao fato, ao indiciado ou a terceira pessoa, ressalvado o caso julgado e os casos de extinção da punibilidade.
24
com o relatório, a autoridade superior, expedirá solução do inquérito, ocasião em
que, caso se vislumbre além do crime militar, infração administrativa, iniciará o
procedimento especifico para apuração e solução desta, enviando os autos de
inquérito para Auditória Militar 16(VAJEME) no caso das milícias Estaduais, onde não
há Tribunal Militar, como o exemplo do Paraná, artigo 23 do Código de Processo
Penal Militar.
O 17artigo 24 do Código de Processo Penal Militar diz que a
autoridade militar não poderá arquivar os autos de Inquérito Policial Militar, sendo o
órgão do 18Ministério Público o único destinatário do Inquérito Policial Militar, portanto,
possuidor da legitimidade para requerer o arquivamento do feito.
Existem ainda os casos em que o Ministério Público requer a
devolução dos autos para novas diligências, ex vi do artigo 26, I, II e parágrafo único
do Código Penal Militar:
Art. 26. Os autos de Inquérito não poderão ser devolvidos à autoridade policial-militar, a não ser:
I – mediante requisição do Ministério Público, para diligências por ele consideradas imprescindíveis ao oferecimento da denuncia;
II – Por determinação do juiz, antes da denúncia, para o preenchimento de formalidades previstas neste código, ou para complemento de provas que julgue necessária.
Parágrafo único. Em qualquer dos casos, o juiz marcará prazo, não excedente de vinte dias, para a restituição dos autos.
Ocorre, porém, que existem hipóteses em que o Inquérito poderá
ser dispensado, uma vez que o Ministério Público já conta com meios de prova e
16 Os Conselhos de Justiça, órgãos de primeiro grau, são organizados com base na Lei 8.457/92, que define sua composição, no art. 16 e sua competência nos arts. 27 a 30. 17 CPPM, art. 24. A autoridae militar não poderá arquivar autos de inquérito, embora conclusivo da inexistência d crime ou de imputabilidade do indiciado.18 No âmbito da Justiça Militar Estadual, há carreira de juiz auditor, porém, não há a carreira de Promotor da Justiça Militar, como na União, sendo o representante do Parquet, do quadro de carreira do Ministério Público estadual.
25
evidências suficientes para propositura da ação penal, conforme dispõe o artigo 28
do Código de Processo Penal Militar, in verbis:
a) Quando o fato e sua autoria já estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais;b) Nos crimes contra a honra, quando decorrerem de escrito ou publicação, cujo autor esteja identificado;c) Nos crimes previstos no 19art.341 e 349 do Código Penal Militar.
Da mesma forma ocorre com os casos em que o auto de prisão
em flagrante delito enseja provas suficientes para formação de convicção do
Ministério Público, como prescreve o artigo 27 do Código de Processo Penal Militar:
Art. 27. Se por si só, for suficiente para elucidação do fato e sua autoria, o auto de prisão em flagrante delito constituirá o inquérito, dispensando outras diligências, salvo o exame de corpo de delito no crime que deixe vestígios, a identificação da coisa e sua avaliação, quando seu valor influir na aplicação da pena. A remessa dos autos, com breve relatório da autoridade policial militar, far-se-á sem demora ao juiz competente nos termos do art. 20.
4. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL COMUM
O princípio da insignificância, assim como outros, encontra-se
implicitamente inserido em nossa Constituição Federal, sendo que para sua
aplicação algumas dificuldades são enfrentadas, não por ser um princípio deveras
complicado, mas por ser difícil sua aceitação por parte de alguns de nossos
operadores do direito. É bom salientar que não há em nossa codificação penal
qualquer dispositivo que autorize os juízes a absolverem alguém pela pratica de um
delito de menor potencial ofensivo.19 CPM, art. 341. Desacatar autoridade judiciária militar no exercício da função ou em razão dela:Pena – reclusão de até quatro anos.CPM, art. 349. Deixar, sem justa causa, de cumprir decisão da justiça militar, ou retardar ou fraudar o seu cumprimento:Pena – detenção de três meses a um ano.
26
O Princípio da Insignificância deve ser aplicado nos crimes de
bagatela ou de menor potencial ofensivo, onde o injusto é tão irrisório que não
haveria qualquer razão para aplicação de uma sanção penal. O principal objetivo da
adoção deste princípio é se reduzir ao máximo à atuação do Direito Penal, dando
importância tão somente para a tutela de valores sociais indiscutíveis. Vale salientar
neste ponto que hoje em dia há vários doutrinadores que defendem a aplicação do
principio da insignificância nos tipos penais do direito penal comum.
Em se tratando de crime na esfera comum, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, em muitos casos, são chamados para analisarem prisões
resultantes de pequenos furtos, sendo que tanto a 1ª como a 2ª Turma, em quase
100% dos casos vem aplicando o princípio da insignificância. Vale ressaltar, no
entanto, que esta matéria não é pacifica na Corte, onde alguns Ministros decidem a
favor e contra os condenados.
O remédio jurídico utilizado pelos defensores tem sido o “habeas
corpus”, e para se analisar este pedido os Senhores Ministros tem levado em
consideração quatro condições essenciais, quais sejam, a mínima ofensividade da
conduta, inexistência de periculosidade social do ato, reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada20. As
decisões também devem levar em conta a intervenção mínima do Estado21, pois o
simples arquivamento do processo pode causar um prejuízo bem menor ao Estado.
20 HC 89104 MC/RS, Relator: Ministro Celso de Mello.21 Id
27
4.1. CONCEITO
O conceito do Princípio da Insignificância pode ser inspirado no
artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, o qual diz:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, com-petentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, me-diante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previs-tas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de pri-meiro grau. (grifo nosso).
Assis de Toledo declara que o princípio tem a ver com “a graduação
qualitativa e quantitativa do injusto, permitindo que o fato insignificante seja excluído
da tipicidade penal” (Princípios básicos de direito penal, São Paulo: Saraiva, 1989, p.
121-122).
22Para Diomar Ackel Filho, o princípio da insignificância pode ser
conceituado como:
“aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, desprovidas de reprovabilidade, de a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois como irrelevantes”.
23Já Carlos Ismar Baraldi relata dizendo que:
22 Op. Cit., p. 73.23 BARALDI, 1994. p. 38-39.
28
“tem seu posicionamento no sentido de sua incorporação também como solução de fonte processual, em face do que dispõe o art. 98, I, da Constituição, entendendo que o princípio da insignificância, para plenitude de alcance, deve ser repartido, como foi, entre solução de ordem processual e de direito material”.
24No entender de Zaffaroni:
“Há relativamente pouco tempo, observou-se que as afetações de bens jurídicos exigidas pela tipicidade penal requeriam sempre alguma entidade, isto é, alguma gravidade, posto que nem toda afetação mínima do bem jurídico era capaz de configurar a afetação requerida pela tipicidade penal. Assim, a conduta de quem estaciona seu veículo tão próximo a nosso automóvel, a ponto de nos impedir a saída, não configura uma privação de liberdade; nem os presentes de uso, como as propinas aos servidores públicos por ocasião do Natal, configurariam uma lesão à imagem pública da administração, configuradora da tipicidade do art. 317 do CP [...]A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portando, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada”.
Ainda no entender de Zaffaroni e Pierangeli “a insignificância da
afetação de bens jurídicos exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida
mediante consideração conglobada da norma. O princípio da insignificância,
portanto, seria causa de atipicidade conglobante” (ZAFFARONI e PIERANGELI,
1997. p. 564-565).
Poderia aqui citar outros doutrinadores, mas não se faz
necessário, pois fica claro que o princípio da insignificância diz respeito à
insignificância da afetação ao bem jurídico, excluindo a tipicidade ao delito de menor
potencial ofensivo, que em virtude de sua ofensa inexpressiva são considerados
24 ZAFFARONI, 6ª Edição-2006-p. 482 e 483.
29
crimes de bagatela que não merecem valoração penal, deixando assim de serem
penalizados por nosso ordenamento jurídico.
O que vale ressaltar é que não vamos encontrar um conceito de
delito de bagatela em nossa dogmática jurídica, pois ele é uma criação meramente
doutrinária e pretoriana, mas de grande relevância para os tempos atuais, onde o
judiciário deve se preocupar somente com os delitos que realmente venham a atingir
sobremaneira os bens tutelados pelo Estado, corroborando assim para a celeridade
processual, tomando certo cuidado com o que venha a ser realmente um delito de
bagatela, pois o que pode ser bagatela para um, pode não ser para outro.
4.2 CLASSIFICAÇÃO E RESTRIÇÕES
Neste ponto é bom ressaltar que Maurício Antônio Ribeiro
Lopes25, é uma das poucas pessoas a dizer que as expressões princípio da
insignificância e crime de bagatela integram o mesmo instituto em nosso Direito
Penal. Encontraremos doutrinadores que classificaram a insignificância em duas
espécies: propriamente dita ou absoluta; e, imprópria ou relativa26. Pela
propriamente dita, ou absoluta, de tão insignificante que é o fato, este nem chega a
ser tipificado em nossos “codex”. Pela imprópria ou relativa, mesmo sendo
tipificadas, tem uma importância tão minguada que sua antijuricidade se torna nula,
ficando sem sentido movimentar a máquina do Estado para aplicação da norma
penal.
25 LOPES, 1997. p. 35.26 WESSELS apud ACKEL FILHO, 1988. p. 94.
30
Neste ponto é bom voltar à discussão do que venha a ser delito
de bagatela, pois o que é bagatela para um pode não ser para outro. O que se deve
levar em conta para saber o que é insignificante é o desvalor da ação e o desvalor
do resultado, ou seja, saber distinguir entre o que é ínfimo ou ninharia e o que é
pequeno valor ou irrisório. No caso do furto simples, tipificado no Código Penal no
seu artigo 15527, e no Código Penal Militar no seu artigo 24028, uma pessoa que
subtraiu para si ou para outrem um valor de R$ 100,00 (cem reais), pode causar a
vítima uma perda de pequeno valor, ou uma lesão ao seu patrimônio que pode ser
considerada uma ninharia. Nota-se que o valor citado, se subtraído de uma pessoa
abonada, poderia ser considerada para este uma ninharia, mas se subtraída de uma
pessoa assalariada, que tem que pagar água, luz e mantimentos, para o sustento de
sua família, poderia até deixar ser considerado de pequeno valor, apesar de o ser
para alguns. A lógica, quando há um valor material, é se verificar qual importância
este bem teria para a vítima, e, nos casos de crimes que não tenham um valor
material, como no caso de uso de substância entorpecente, tipificado no Código
Penal Militar no artigo 29029, e na Lei de Drogas no seu artigo 2830, tem que se levar
em conta o quanto o ato delituoso afetaria a sociedade de modo geral.
27
CP: Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
28 CPM: Art. 240. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: (...)
29 CPM: Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em de-pósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qual-quer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacôrdo com determinação legal ou regulamentar: (...)
30LEI DE DROGAS: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (...)
31
Era de se esperar algumas restrições em relação à aplicação do
princípio da insignificância, tais como o argumento por parte de alguns operadores
do direito “de que este princípio não encontra previsão legal; de que este princípio
estaria indo contra a lei violando o princípio da legalidade; e, de que o artigo 98, I, da
Constituição Federal, prevê a criação de juizados especiais para o julgamento dos
crimes de menor potencial ofensivo”.
Alguns doutrinadores discordam de todas estas restrições. Em
relação à primeira restrição, por ser o princípio da insignificância uma criação
pretoriana, este argumento torna-se sem fundamento, pois existem situações em
que se deve analisar o direito como um todo, e não simplesmente o que está
tipificado, levando-se em consideração alguns princípios, quer sejam eles inseridos
de forma explicita ou implícita em nossa Constituição Federal. Em relação à
segunda restrição, fica latente que se pode deixar de aplicar à sanção penal em
virtude de uma ofensa menos gravosa ou irrisória, pois não há nada em nosso
ordenamento que proíba a aplicação do princípio da insignificância, não sendo
violando desta forma o princípio da legalidade. Por fim, no que diz respeito à
Constituição Federal, também não se encontra descrito em seu texto nenhuma
determinação para se criminalizar os delitos de bagatela ou de menor potencial
ofensivo, validando assim o uso do princípio da insignificância.
32
5. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL MILITAR
Em se tratando de crime militar, o princípio da insignificância,
embora de forma mais tímida, também já vem sendo aplicado pelos Senhores
Ministros da 1ª e 2ª do Supremo Tribunal Federal em alguns casos de crime de
bagatela. Ronaldo João Roth31, diz que o princípio da insignificância encontrar-se
expressamente previsto no § 1º do artigo 240 do Código Penal Militar, assim
descrito:
Art. 240. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
(...)
“§ 1º Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país”. (grifo nosso)
Além dos três casos constantes no anexo da presente
monografia, podemos também citar o “habeas corpus” 94.809-0, impetrado pelo
Membro do Ministério Público Militar do Rio Grande do Sul, onde foi Relator o
Senhor Ministro Celso de Mello, que tratava do postulado no artigo 290 do Código
Penal Militar, onde o soldado do Exército, Alex Silva de Campos, foi surpreendido
com 3,0g ”(três gramas) de substância conhecida como “maconha”. Por tratar-se de
quantidade ínfima e incapaz de gerar a menor ameaça que seja à saúde e
incolumidade públicas, bens jurídicos tutelados pela norma penal incriminadora, foi
31 ROTH, 1997. p. 31-34.
33
aplicado neste caso o principio da insignificância, sendo que foi determinado, que se
o paciente tivesse sido preso por este fato, ele deveria ser posto em liberdade
imediatamente tornando ineficaz a condenação. Em caso análogo, só que desta vez
tratava-se de trouxinhas de cocaína apreendidas em revista de alojamento, foi
impetrado pela Defensoria Pública da União o “habeas corpus” 97.131 MC / RS –
Rio Grande do Sul, onde também o Senhor Relator Ministro Celso de Mello deu o
mesmo tratamento aplicando o princípio da insignificância.
A questão que causa polêmica em relação à aplicação do
princípio da insignificância, como já fora dito anteriormente, é se sua aplicação
afetaria a hierarquia e disciplina das instituições militares, sendo que alguns
doutrinadores dizem que não é verdade, pois o militar poderá responder em três
esferas, ou seja, a penal, a civil e a administrativa, sendo que uma esfera não afasta
a outra. Aqui vale citar o parágrafo 2º do artigo 142 da Constituição federal: “Não
caberá habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares”. (grifo nosso).
Nota-se que no caso de transgressão disciplinar não poderá ser
concedido “habeas corpus”, a não ser que haja um erro de formalidade, onde não só
deverá ser concedido o “habeas corpus”, como também deverá ser anulado todo
procedimento. Como exemplo de erro de formalidade, podemos citar o não
cumprimento de alguma sequência lógica na execução dos trabalhos dentro do
processo e a perda dos prazos legais para realização dos atos referentes a
realização do procedimento ou processo administrativo. O RDE (Regulamento
Disciplinar do Exército), Decreto 4.346 de 26 de agosto de 2002, em seu artigo 14
nos diz o é transgressão disciplinar:
34
Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à etica, aos deve-res e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.
Diante do exposto, vê-se que inclusive nos crimes propriamente
militar poderá ser aplicado o principio da insignificância em alguns tipos penais, o
que é lógico, deverá ser feito com certa reserva nos tipos penais militares que
venham a afrontar o serviço militar ou a hierarquia e disciplina. É bom ressaltar que
em virtude da aplicação da punição proveniente da transgressão disciplinar, o
transgressor não deixara de sofrer uma sanção, mesmo que esta seja disciplinar e
no âmbito administrativo, dando assim certo suporte para que seja mantida a
hierarquia e disciplina no âmbito da caserna.
Vale salientar que em certos casos, o militar que afetar alguns
requisitos previstos em legislação própria (conforme a instituição que pertença), quer
seja militar da Marinha, Exército, Aeronáutica ou das Forças Auxiliares (Policias
Militares), este poderá ser submetido a um processo administrativo que dirá de sua
permanência ou não nos quadros da instituição militar, dando maior segurança ainda
a hierarquia e disciplina, bastando saber aplicar estas legislações nos casos em que
couberem.
5.1 HIERARQUIA E DISCIPLINA X APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES PROPRIAMENTE MILITAR
Como já fora dito anteriormente, as Forças Armadas e as Polícias
Militares e os Corpos de Bombeiros Militares Estaduais são instituições públicas or-
35
ganizadas com base na hierarquia e disciplina, conforme descreve nossa Constitui-
ção Federal de 1988, em seus artigos 44 e 142, que diz:
"Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios." (grifo nosso).
(...)
"Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presi-dente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem." (grifo nosso).
A hierarquia diz respeito aos diversos postos (oficiais) e
graduações (praças) existentes dentro da Marinha, Exército, Aeronáutica, e Policias
Militares Estaduais. A disciplina militar é o exato cumprimento dos deveres do militar,
que se traduz na rigorosa observância e o acatamento integral de nossas leis,
regulamentos, normas e ordens por parte de todos e de cada um dos integrantes da
Corporação Militar, dentro de seus respectivos graus hierárquicos.
A Lei Federal nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980 - Estatuto dos
Militares, em seu artigo 14 e parágrafos diz o seguinte:
Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Arma-das. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.
§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espí-rito de acatamento à seqüência de autoridade.
§ 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regu-lamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coor-denam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito
36
cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes des-se organismo.
§ 3º A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e refor-mados. (grifos nossos)
O Regulamento Disciplinar do Exército Decreto 4.346, de 26 de
agosto de 2002, também se refere a hierarquia e disciplina nos seus artigos 7º e 8º,
vejamos o que eles dizem:
Art. 7° A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, por postos e graduações.Parágrafo único. A ordenação dos postos e graduações se faz conforme preceitua o Estatuto dos Militares.Art. 8° A disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar. (grifos nossos)
Vê-se que se quebradas a hierarquia e disciplina as organizações
militares certamente ruiriam. Bem por isto que nos crimes impropriamente militar, o
princípio da insignificância poderia ser usado sem temor, pois pelo menos um destes
princípios seria mantido, ou seja, a hierarquia não seria abalada. Já nos crimes
propriamente militar, há certo temor em se aplicar o princípio da insignificância,
justamente em virtude de que a hierarquia e disciplina poderiam ser atingidas,
causando um grande abalo nas instituições militares.
Vejamos o exemplo do crime de abandono de posto, tipificado no
Código Penal Militar no seu artigo 195, in verbis:
Art. 195 - Abandonar, sem ordem superior, o posto ou lugar de serviço que lhe tenha sido designado, ou o serviço que lhe cumpria, antes de terminá-lo:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
37
O abandono de posto é um caso típico de crime propriamente
militar, pois só por militar pode ser praticado. Nota-se que sua pena é irrisória, e que
pela sua duração poderia até ser proposta a transação penal. Mas a questão é, ao
invés de se aplicar a transação penal, poderia ser aplicado o princípio da
insignificância sem que se fosse abalado a hierarquia e disciplina militar?
Alguns doutrinadores vão achar possível em certos casos, onde o
ínfimo e/ou ninharia estariam presentes. E como saber dosar diante do caso
concreto o que é ínfimo e ninharia? Em certos casos, se o abandono se deu por um
curto espaço de tempo e nada foi afetado, poderia até ser aplicado o princípio da
insignificância. Mas se mesmo neste curto espaço de tempo houve crime dentro da
organização militar em virtude deste abando, será que este caso poderia ser
considerado ínfimo? Bem por isto que há certa divergência entre os doutrinadores
em se aplicar o aplicar o princípio da insignificância em todos os tipos penais do
direito militar.
Diante do que foi exposto fica latente que o conflito existente
entre hierarquia e disciplina e a aplicação do princípio da insignificância não são
fáceis de serem solucionados, e que, portanto, até é possível se aplicar este
princípio nos casos de crime propriamente militar, mas que o juiz competente deve
tomar o cuidado de se analisar todas as minúcias que envolve cada caso.
38
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término de um trabalho acadêmico sempre há algumas
considerações finais a explanar, e este não foge a regra, no entanto tentarei ser
breve e objetivo. Notadamente fica claro que a justiça militar é uma justiça especial,
sendo que a Constituição Federal no seu artigo 125 e o artigo 82 do Código de
Processo Penal Militar, dizem quem estão sujeitos ao foro militar. Alguns
doutrinadores tentaram conceituar o que vem a ser crime militar, mas não obtiveram
sucesso, pois não chegaram a um conceito completo e imutável de crime militar,
fazendo com se fosse adotado critério “ratione legis”, que se encontra descrito nos
artigos 9º e 10º do Código Penal Militar (crime militar em tempo de paz e em tempo
de guerra respectivamente).
A apuração do crime militar tem início com a “notitia criminis”, e se
dará através do inquérito policial militar, que tem caráter inquisitivo, devendo ser
concluído em 20 dias se o réu estiver preso, em 40 se estiver solto, sendo que este
último prazo pode ser prorrogado por maias 20 dias. O artigo 8º, letra “a” do Código
de Processo Penal Militar, empresta autoridade ao Comandante Militar para
instaurar Inquérito Policial Militar, na qualidade de integrante da polícia judiciária
militar. A competência atribuída por força do art. 8º do Código de Processo Penal
Militar é exercida por autoridades das Forças Armadas, conforme suas respectivas
jurisdições. As Polícias Militares também são instituições baseadas na hierarquia e
disciplina, contando com justiça militar própria, prevista na Constituição Federal, no
seu artigo 125, § 3º e 4º, e também na Constituição dos seus respectivos Estados.
As autoridades competentes para exercer a Policia Judiciária Militar também podem
delegar esta competência para um oficial sob seu comando (sempre de posto
39
superior ao indiciado). O oficial de dia está investido deste poder no caso de prisão
em flagrante, bem como oficiais de serviço, coordenadores do policiamento,
comandantes de companhias e pelotões destacados. Convém destacar que é o
artigo 10º do Código de Processo Penal Militar que descreve a forma de como se
inicia o Inquérito Policial Militar, e que o artigo 28 do mesmo “codex” diz as hipóteses
em que o Inquérito poderá ser dispensado.
No tocante ao princípio da insignificância foi visto que alguns
doutrinadores o definiram basicamente por seu baixo potencial ofensivo em relação
ao bem jurídico afetado, e que este princípio pode ser inspirado no artigo 98 da
Constituição Federal, quando em seu inciso I se refere as “infrações penais de
menor potencial ofensivo”.
O princípio da insignificância, como fora dito no inicio deste
trabalho acadêmico, não será encontrado em nosso ordenamento jurídico, pois ele é
uma criação doutrinária e pretoriana, onde se deve levar em conta o grau de
ofensividade ao bem jurídico tutelado. Alguns doutrinadores classificaram
insignificância em duas espécies: “propriamente dita ou absoluta; e, imprópria ou
relativa”, onde a primeira por ser tão irrelevante nem consta de nossas codificações,
e a segunda, embora codificada, tem uma importância tão minguada que sua
antijuricidade se torna vazia, ficando sem sentido movimentar a máquina do Estado
para aplicação da norma penal, pois sua movimentação poderia trazer maiores
prejuízos para a sociedade do que o simples arquivamento do processo. Para
melhor entender o que é insignificante, deve-se saber distinguir entre o que ínfimo
ou ninharia e pequeno valor, pois o que pode ser insignificante para um pode não
ser para outro. Alguns doutrinadores também impõem algumas restrições em
40
relação à aplicação do princípio da insignificância, mas como já fora dito este
princípio não consta em nosso ordenamento jurídico por ser uma criação meramente
pretoriana, portanto, não há nada que impeça que se deixe de aplicar uma sanção
em virtude de uma sanção menos gravosa, bem com o artigo 98 da nossa Lei
Máxima só vem a validar o uso do princípio da insignificância, pois não vemos em
seu texto nenhuma determinação para se criminalizar os delitos de bagatela.
Em relação ao princípio da insignificância no que diz respeito ao
crime comum, não raras vezes os Ministros da 1ª e 2ª turma do Superior Tribunal
Federal são chamados a analisarem prisões envolvendo furtos de pequeno valor.
Embora haja algumas discordâncias em relação a sua aplicação, este princípio vem
sendo bem aceito pela corrente majoritária. Nos casos de crime militar, embora
ainda de forma tímida, também temos uma pequena corrente que defende seu uso
em certos tipos penais militares. A aplicação do principio da insignificância é vista
com certo receio dentro da caserna, devido ao medo de se afetar a hierarquia e
disciplina, que são os principais bens a serem tutelados pelo direito militar. Em se
tratando de considerações finais não poderia deixar de expor meu ponto de vista,
sendo que, no meu entender, estes pilares não seriam afetados nem mesmo nos
crimes militares considerados próprios, pelo menos em alguns tipos penais, pois
ainda restara a esfera administrativa, onde o militar poderá ser alcançado, pois são
esferas independentes, sendo bom também lembrar que o militar também poderá
responder na esfera civil, se for o caso. O remédio jurídico utilizado para se defender
os crimes de bagatela é o “habeas corpus”, o qual a Constituição Federal deixa claro
em seu artigo 142, parágrafo 2º que não se aplica em relação as punições
disciplinares militares.
41
Para finalizar, manifesto entendimento que o princípio da
insignificância é perfeitamente aplicável, tanto nos crimes militares impróprios como
em alguns tipos penais dos crimes militares próprios, bastando respeitar suas quatro
condições essenciais, ou seja, “a mínima ofensividade da conduta, inexistência de
periculosidade social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e
inexpressividade da lesão provocada”, sempre se analisando o grau de ofensividade
do bem tutelado para cada pessoa, caso a caso.
42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
http://www.google.com.br/search?
hl=pt.BR&q=codigo+penal+militar+atualizado&meta=&aq=2&oq=codigo+penal+milita
r, acesso em 08 de julho de 2009.
ASSIS, J. C. Código Penal Militar Comentado. 3ª edição. Curitiba: editora Juruá,
2001.
BRASIL. Decreto Lei nº 1.001, de 21 de Outubro de 1969, Código Penal Militar.
Editora São Paulo, Saraiva, 1995.
LOUREIRO NETO, J da S. Direito Penal Militar, São Paulo: editora Atlas, 1993.
ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar – Parte Geral, editora
Saraiva, 1994.
ALVES TORRES, L. C. Prática do Processo Penal Militar, 2ª edição, editora
Destaque, RJ, 1996.
http://www.dji.com.br/decretos_lei/1969.001002.cppm/codigo_de_processo_penal_m
ilitar.htm, acesso em 08 de julho de 2009.
BRASIL. Constituição de 1998, Constituição da Republica Federativa do Brasil,
1988, Departamento da Imprensa Oficial do Paraná, 2004.
PARANÁ. Constituição do Estado do Paraná, Departamento de Imprensa Oficial do
Paraná, Curitiba 2004.
BRASIL. Constituição Federal, Estatuto dos Militares, Código Penal Militar, Código
de Processo Penal Militar / organizador Álvaro Lazzarini – 3ª edição revisada,
atualizada e ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
43
BRASIL. Decreto 4.346 de 26 de Agosto de 2002, Regulamento Disciplinar do
Exercito (RDE).
BRASIL. Lei 6.880 de 09 de dezembro de 1990, Estatuto dos Militares.
PARANÁ. Lei 1.943 de 23 de junho de 1943, Código da Polícia Militar do Paraná.
http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/aristidesmedeiros/principiodainsignificancia
.htm, acesso em 08 de julho de 2009.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 01: parte geral, arts. 1 a
120, 5ª ed. rev. – São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, vol. 2, 3ª
ed. ver. e ampl. – São Paulo, Saraiva, 2003.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, vol. 1: parte geral , 28ª ed. ver. – São Paulo,
Saraiva, 2005.
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal -
análise à luz da Lei 9.009/95 - Juizados especiais penais e da jurisprudência atual –
São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1997.
DEU, Teresa Armenta. Ciminalidad de Bagatela y Principio de oportunidad:
Alemanha y España.
PMPR – SJD/DP (Polícia Militar do Paraná - Seção de Justiça e Disciplina/Diretoria
de Pessoal)
VAJAME/PR (Vara da Auditoria da Justiça Militar Estadual do Paraná)
http://www.stf.jus.br, acesso em 22 de dezembro de 2009.
44
http://pron.com.br/canal/direito.e.justica/news/368641/?
noticia=O+SUPREMO+TRIBUNAL+FEDERAL+E+A+APLICACAO+DO+PRINCIPIO+
DA+INSIGNIFICANCIA+I , acesso em 22 de dezembro de 2009.
45
ANEXOS
46
ANEXO I - Princípio da insignificância também se aplica para crime militar –
por Priscyla Costa
O princípio da insignificância também se aplica para os casos de porte de
entorpecente em área sujeita à administração militar. O entendimento, que começa a
ser consolidado no Supremo Tribunal Federal, foi usado pelo ministro Celso de Mello
para suspender a condenação imposta a um militar por posse de drogas e colocá-lo
em liberdade até que seja julgado o mérito do pedido de Habeas Corpus. A decisão
alcança também o co-réu do processo.
“O Direito Penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado cujo
desvalor — por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes —
não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico
tutelado, seja à integridade da própria ordem social”, reconheceu o ministro Celso de
Mello.
O pedido de Habeas Corpus chegou ao Supremo depois de o Superior Tribunal
Militar afirmar que seria impossível aplicar ou a nova Lei de Tóxicos ao caso (Lei
11.343/06) ou o princípio da insignificância. O ministro Celso de Mello considerou o
contrário. Segundo ele, o Direito Penal deve sempre buscar a incidência de normas
penais menos gravosas, observando o que determina o artigo 5º, inciso XL, da
Constituição Federal. “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, prevê
a regra constitucional.
O artigo 28 da Lei 11.343/06 aplica para o acusado de posse de drogas advertência,
prestação de serviços e medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo. Já o Código Penal Militar, no artigo 290, determina que o tráfico, posse ou
47
uso de substância entorpecente ou de efeito similar deve ser punido com reclusão
de até cinco anos, portanto mais gravosa.
O ministro só não se estendeu mais na questão por entender que a matéria poderá
ser discutida no julgamento do mérito do pedido de Habeas Corpus por se tratar de
conflitos normativos. “A incidência, no caso, da cláusula constitucional da norma
penal benéfica supõe a resolução de uma antinomia que se registra entre o que
prescreve o art. 290 do CPM (‘lex specialis’) e o que dispõe o art. 28 da Lei
11.343/2006 (‘lex generalis’). Tal matéria, contudo, deverá constituir objeto de
oportuno exame, quando do julgamento final da causa por esta Suprema Corte”,
decidiu.
Quanto ao princípio da insignificância, Celso de Mello afirmou que se deve sempre
considerar o princípio da intervenção penal mínima do Estado. “A privação da
liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando
estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros
bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os
valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado
de significativa lesividade”, observou.
Para o ministro, o porte de entorpecente não representa prejuízo importante.
Portanto, não merece tamanha atenção do Estado. “Cumpre acentuar, finalmente,
por relevante, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido, na
matéria em questão, a inteira aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes
militares”, concluiu Celso de Mello.
48
A condenação do militar e do co-réu fica suspensa até que o mérito do pedido de
Habeas Corpus seja julgado. Os dois ficarão em liberdade.
Leia o voto
MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 94.085-4 SÃO PAULO
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
PACIENTE(S): DEMÉTRIOS DE ARAÚJO
IMPETRANTE(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
EMENTA: PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. CRIME MILITAR
(CPM, ART. 290). SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 11.343/2006, CUJO ART.
28 – POR NÃO SUBMETER O AGENTE A PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE – QUALIFICA-SE COMO NORMA PENAL BENÉFICA.
CONTROVÉRSIA EM TORNO DA APLICABILIDADE, OU NÃO, A ESSE
DELITO MILITAR (CPM, ART. 290), DO ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. A
QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA “LEX
MITIOR” SOBRE REGRAS PENAIS MAIS GRAVOSAS, MESMO QUE
INSCRITAS EM DIPLOMA NORMATIVO QUALIFICADO COMO “LEX
SPECIALIS”. DOUTRINA. PRECEDENTE DO STF (2ª TURMA).
INVOCAÇÃO, AINDA, DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, COMO
FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.
POSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES.
49
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA
CAUTELAR DEFERIDA.
DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E.
Superior Tribunal Militar, encontra-se consubstanciada em acórdão assim
ementado (fls. 16):
“APELAÇÃO. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO DA LEI 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE.
- Não há que se falar da não aplicação do ‘caput’ do art. 290 em razão da
edição da nova Lei de Tóxicos.
- O princípio da insignificância igualmente não se aplica aos casos de
porte de entorpecente em área sujeita à administração militar.
- Recurso improvido. Decisão unânime.” (grifei)
A parte ora impetrante postula a anulação da “(...) condenação, para aplicar-se o
disposto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006” (fls. 04).
Passo a examinar o pedido de medida cautelar formulado pela Defensoria Pública
da União. E, ao fazê-lo, tenho para mim, na linha de decisão por mim proferida no
HC 93.822-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, não obstante julgamentos em
sentido contrário emanados da colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal (HC 91.759/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO - HC 92.462/RS, Rel. Min.
CÁRMEN LÚCIA), que se reveste de plausibilidade jurídica a tese sustentada na
presente impetração, que se fundamenta na aplicabilidade, ao crime militar de
porte e guarda de substância entorpecente (CPM, art. 290), da disciplina penal mais
50
benéfica consubstanciada na Lei nº 11.343/2006, que se qualifica, sob tal
perspectiva, considerado o disposto no art. 28 desse novo diploma legislativo,
como verdadeira “lex mitior”.
É importante registrar , neste ponto, que, com a superveniência da Lei nº
11.343/2006 – e ainda que mantida , por esta, a criminalidade do porte de
drogas para consumo pessoal (RE 430.105-QO/RJ , Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE) -, tal conduta, agora, não mais sofre a incidência de pena privativa
de liberdade, expondo-se , ao contrário, a penas meramente restritivas de
direitos.
É por essa razão que os autores qualificam como juridicamente mais benigna
essa nova legislação penal (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Leis Penais e
Processuais Penais Comentadas”, p. 303/310, 2ª ed., 2007, RT; RENATO MARCÃO,
“A Nova Lei de Drogas e seus Reflexos na Execução Penal”, “in” Consulex, ano XI, nº
258, p. 58/62; LUIZ FLÁVIO GOMES, “Lei de Drogas Comentada Artigo por Artigo:
Lei 11.343/2006, de 23.08.2006”, p. 155, item n. 7, 2ª ed., 2007, RT; e JOSÉ GERALDO
DA SILVA, WILSON LAVORENTI e FABIANO GENOFRE, “Leis Penais Especiais
Anotadas”, p. 186/200, item n. 4, 9ª ed., 2006, Millennium, v.g.), o que legitima a
aplicação da cláusula inscrita no inciso XL do art. 5º da Constituição da República, cuja
eficácia tem o condão de inibir a incidência de normas penais mais gravosas, à
semelhança do que se registra com o art. 290 do CPM (“lex gravior”).
Não se pode perder de perspectiva , neste ponto, que a norma penal benéfica –
como aquela inscrita no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (notadamente se confrontada
com a regra consubstanciada no art. 290 do CPM) – reveste-se de eficácia
51
retroativa, apta a torná-la incidente, enquanto “lex mitior”, a fatos delituosos
praticados em momento anterior ao de sua vigência.
Impende reconhecer, por necessário, que a eficácia retroativa da lei penal
benéfica possui extração constitucional, traduzindo, sob tal aspecto,
inquestionável direito público subjetivo que assiste a qualquer suposto autor de
infrações penais.
Esse entendimento – decorrente do exame do significado e do alcance normativo
da regra consubstanciada no inciso XL do art. 5º da Constituição Federal - reflete-
se no magistério jurisprudencial firmado por esta Suprema Corte (RTJ 140/514,
Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 151/525, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.) e,
também, por outros Tribunais da República (RT 467/313 – RT 605/314 - RT 725/526
- RT 726/518 – RT 726/523 - RT 731/666):
“LEI Nº 9.099/95 - CONSAGRAÇÃO DE MEDIDAS DESPENALIZADORAS -
NORMAS BENÉFICAS - RETROATIVIDADE VIRTUAL.
- Os processos técnicos de despenalização abrangem, no plano do direito
positivo, tanto as medidas que permitem afastar a própria incidência da
sanção penal quanto aquelas que, inspiradas no postulado da mínima
intervenção penal, têm por objetivo evitar que a pena seja aplicada, como
ocorre na hipótese de conversão da ação pública incondicionada em ação
penal dependente de representação do ofendido (Lei nº 9.099/95, arts. 88 e
91).
- A Lei nº 9.099/95, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados
Especiais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos
52
judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação
do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a
viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca
finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal, que privilegie a
ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na
definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de
soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação
processual penal.
Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva
às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras
previstas na Lei nº 9.099/95, atribui, de modo conseqüente, especial
primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único),
(b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões
culposas ou dolosas de natureza leve (arts. 88 e 91) e (d) da suspensão
condicional do processo (art. 89).
As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa
qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente
impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional
que impõe, à ‘lex mitior’, uma insuprimível carga de retroatividade virtual
e, também, de incidência imediata.”
(RTJ 162/483-484, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
“O sistema constitucional brasileiro impede que se apliquem leis penais
supervenientes mais gravosas, como aquelas que afastam a incidência de
53
causas extintivas da punibilidade (...), a fatos delituosos cometidos em
momento anterior ao da edição da ‘lex gravior’.
A eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica - sob cuja égide foi
praticado o fato delituoso - deve prevalecer por efeito do que prescreve o
art. 5º, XL, da Constituição, sempre que, ocorrendo sucessão de leis penais
no tempo, constatar-se que o diploma legislativo anterior qualificava-se como
estatuto legal mais favorável ao agente. Precedentes do Supremo Tribunal
Federal.”
(RTJ 186/252, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Vê-se, pois, que a circunstância de ordem temporal decorrente da sucessão de
leis penais no tempo revelar-se-ia apta a conferir aplicabilidade, no caso, às
disposições contidas no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (“lex mitior”).
É certo, no entanto, que a incidência, no caso, da cláusula constitucional da
norma penal benéfica supõe a resolução de uma antinomia que se registra entre o
que prescreve o art. 290 do CPM (“lex specialis”) e o que dispõe o art. 28 da Lei nº
11.343/2006 (“lex generalis”), a reclamar, portanto, como fator de superação
desse (aparente) conflito normativo, a aplicação do critério da especialidade.
Tal matéria, contudo, deverá constituir objeto de oportuno exame, quando do
julgamento final da causa por esta Suprema Corte, eis que este provimento
cautelar tem, como suporte, um mero juízo de delibação.
Assentadas tais premissas, torna-se imperioso salientar que assume expressivo
relevo a alegação de que a cláusula da aplicabilidade dos estatutos penais
54
benéficos, impregnada de caráter mandatório, por ostentar natureza
eminentemente constitucional (CF, art. 5º, XL), tem precedência sobre quaisquer
diplomas legislativos, independentemente de estes se subsumirem à noção mesma
de “lex specialis”.
Foi por tal motivo que o eminente Ministro GILMAR MENDES, na condição de
Relator do HC 91.356-MC/SP, deferiu o provimento cautelar então postulado,
fazendo-o com apoio em seu entendimento de que “o art. 28 da Lei nº 11.343, de
23 de agosto de 2006, poderia ser aplicado com relação ao ora paciente” (grifei),
não obstante se tratasse, no caso que examinou – e tal como sucede na espécie
ora em análise -, de condenação pelo crime militar de porte de substância
entorpecente (CPM, art. 290).
Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, apreciando essa mesma
questão, deferiu ordem de “habeas corpus” em caso rigorosamente idêntico ao
que se examina na presente sede processual, e no qual proferiu decisão
consubstanciada em acórdão assim ementado:
“‘HABEAS CORPUS’. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO
ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º , III , DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando
fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três.
2. Condenação por posse e uso de entorpecentes (...).
55
.......................................................
4. A Lei n. 11.343/2006 - nova Lei de Drogas - veda a prisão do usuário.
Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado.
Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos
usuários de drogas.
5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não
alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais
eficientes para recuperá-los do vício.
6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n.
11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe
confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação
da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na
Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio
fundamental (art. 1º, III).
7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido
por condenação penal militar quando há lei que, em vez de apenar - Lei n.
11.343/2006 - possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma
conduta.
8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem
preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular
funcionamento de qualquer instituição militar.
56
9. A aplicação do princípio da insignificância no caso se impõe, a uma,
porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva; a duas, em virtude da
dignidade da pessoa humana.
Ordem concedida.”
(HC 92.961/SP, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)
Há a considerar, ainda, para efeito de exercício da jurisdição cautelar, um outro
fundamento que me parece juridicamente relevante.
Refiro-me à aplicabilidade, ao caso, do postulado da insignificância, cuja
utilização tem sido admitida, em inúmeros casos, pelo Supremo Tribunal
Federal:
“O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE
DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.
- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com
os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em
matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade
penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.
Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material
da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima
ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social
da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e
(d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu
processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter
57
subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios
objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.
O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL:
‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.
- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que
a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se
justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das
pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais,
notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se
exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa
lesividade.
O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado
cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos
relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao
titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.”
(HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Não custa assinalar, neste ponto, que esse entendimento encontra suporte em
expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência
(LUIZ FLÁVIO GOMES, “Delito de Bagatela: Princípios da Insignificância e da
Irrelevância Penal do Fato”, “in” Revista dos Tribunais, vol. 789/439-456;
FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p.
133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT,
“Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE
58
JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003,
Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no
Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).
Revela-se significativa a lição de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de
FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004,
Saraiva) a propósito da matéria em questão:
“Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem
previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo,
princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade
jurídica. Funda-se no brocardo civil ‘minimis non curat praetor’ e na
conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um
bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível,
não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta
de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo
realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos
capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os
danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade
penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens
jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse
juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado
pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse
mesmo bem jurídico.” (grifei)
Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal
mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o
59
postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da
lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL
DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004,
Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas
que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a
bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja
ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
Cumpre acentuar, finalmente, por relevante, que a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal tem admitido, na matéria em questão, a inteira aplicabilidade do
princípio da insignificância aos crimes militares (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS
GRAU – HC 92.634/PE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RHC 89.624/RS, Rel. Min.
CÁRMEN LÚCIA).
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da
questão suscitada nesta sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em
ordem a suspender , cautelarmente, até final julgamento da presente ação de
“habeas corpus”, a eficácia da condenação penal imposta, ao ora paciente, nos
autos do Processo nº 18/06-5 (2ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar),
sustando, em conseqüência, qualquer medida de execução da pena em referência,
mantido íntegro o “status libertatis” de Demétrios de Araújo, medida esta que
estendo, ainda, ao co-réu Ademir Schultz de Carvalho Filho (fls. 06).
Caso o paciente ou o seu co-réu, por algum motivo, tenham sido presos em
decorrência de mencionada condenação penal (Processo n 18/06-5), deverão eles
ser imediatamente postos em liberdade, se por al não estiverem presos.
60
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E.
Superior Tribunal Militar (Apelação nº 2007.01.050568- -7/SP) e à 2ª Auditoria da 2ª
CJM (Processo nº 18/06-5).
2. Solicite-se, à 2ª Auditoria da 2ª CJM (São Paulo/SP), informação sobre a fase
em que se acha, presentemente, a execução da condenação penal imposta ao ora
paciente e ao seu co-réu.
Publique-se.
Brasília, 28 de março de 2008.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
61
ANEXO II - Crime militar e princípio da insignificância: aplicabilidade (Transcri-ções)
HC 89104 MC/RS*
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
EMENTA: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: POSSIBILIDADE DE SUA APLICA-ÇÃO AOS CRIMES MILITARES. IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJÁ PRE-SENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL. CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDA-DE PENAL. DELITO DE FURTO. INSTAURAÇÃO DE “PERSECUTIO CRIMINIS” CONTRA MILITAR. “RES FURTIVA” NO VALOR DE R$ 59,00 (EQUIVALENTE A 16,85% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR). DOUTRINA. CONSI-DERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FE-DERAL. CUMULATIVA OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE, DOS REQUISITOS PERTI-NENTES À PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E AO “PERICULUM IN MORA”. MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA.
DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão emanada do E. Su-perior Tribunal Militar, proferida em julgamento no qual essa Alta Corte judiciária, após afastar o princípio da insignificância, recebeu a denúncia oferecida pelo Minis-tério Público Militar.
O ilustre impetrante – que postula o reconhecimento, na espécie, da ocorrência de uma “causa supralegal de exclusão da tipicidade penal” (fls. 07) – assim expôs os fatos subjacentes ao ajuizamento do presente “writ” (fls. 03):
“O paciente foi denunciado pelo MPM em 18/03/2005 e a peça acusatória foi REJEITADA pela Juíza-Auditora da 2.ª Auditoria da 3.ª CJM, em 29/04/2005. Em maio, o Procurador da Justiça Militar ajuizou Recurso Criminal, o M.M. Juízo ‘a quo’ manteve sua decisão de rejeição da denúncia. O STM, por sua vez, deu provimen-to ao recurso ministerial CASSANDO a decisão de primeira instância e recebe a Denúncia oferecida contra o Paciente. Assim, tornando-se, o STM, Autoridade Coa-tora, em 16/08/2005, por infração em tese, que teria sido cometida em final de maio de 2004, ao disposto no art. 251, § 1.º, I, do CPM, nos autos do Processo Crime n.º 14/05-6;
A denúncia foi ofertada alegando que o acusado dispôs de um aparelho celular avaliado no valor de R$ 59,00 (cinqüenta e nove reais), consoante cópia de de-núncia e auto de avaliação (...).” (grifei)
O exame da presente causa propõe, desde logo, uma indagação, consistente na aplicabilidade, ou não, do princípio da insignificância, quando se tratar, como su-cede na espécie, de delito de furto que teve por objeto bem avaliado em apenas R$ 59,00 (cinqüenta e nove reais).
62
Essa indagação, formulada em função da própria “ratio” subjacente ao princípio da insignificância, assume indiscutível relevo de caráter jurídico, pelo fato de a “res furtiva” equivaler, à época do delito (maio/2004), a 22,69% do valor do salário míni-mo então vigente, correspondendo, atualmente, a 16,85% do novo salário mínimo em vigor em nosso País.
Como se sabe, o princípio da insignificância – que deve ser analisado em co-nexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material (HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), consoante assinala expressivo magistério doutri-nário expendido na análise do tema em referência (LUIZ FLÁVIO GOMES, “Delito de Bagatela: Princípios da Insignificância e da Irrelevância Penal do Fato”, “in” Revista dos Tribunais, vol. 789/439-456; FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princí-pios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CE-ZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).
O princípio da insignificância – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a inter-venção mínima do Poder Público em matéria penal.
Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima cir-cunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo so-mente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, nota-damente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano - efetivo ou potencial - impregnado de significativa lesividade.
Revela-se expressivo, a propósito do tema, o magistério de EDILSON MOUGE-NOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva):
“Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão le-gal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de deter-minação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalida-de do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamen-to iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos ca-
63
pazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a recla-mar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei)
Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal míni-ma do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postu-lado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei pe-nal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que pro-duzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurí-dicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao ti-tular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
A questão pertinente à aplicabilidade do princípio da insignificância – quando se evidencia que o bem jurídico tutelado sofreu “ínfima afetação” (RENÉ ARIEL DOT-TI, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense) – assim tem sido apreciada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTI-CA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PE-NAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IM-POSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNI-MO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO.
O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCA-RACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.
- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os pos-tulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.
Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipici-dade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidís-simo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da le-são jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no re-conhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.
64
O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.
- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a pri-vação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.
O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo des-valor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não re-presente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutela-do, seja à integridade da própria ordem social.”
(RTJ 192/963-964, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL. INEXPRESSIVIDADE DA LE-SÃO. PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME NÃO CONFIGURADO.
Se a lesão corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de trânsito é de absoluta insignificância, como resulta dos elementos dos autos - e outra prova não seria possível fazer-se tempos depois -, há de impedir-se que se instaure ação penal (...).”
(RTJ 129/187, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO - grifei)
“Uma vez verificada a insignificância jurídica do ato apontado como delituoso, im-põe-se o trancamento da ação penal, por falta de justa causa.”
(RTJ 178/310, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)
“HABEAS CORPUS. PENAL. MOEDA FALSA. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM CONCEDIDA.
.......................................................
3. A apreensão de nota falsa com valor de cinco reais, em meio a outras notas ver-dadeiras, nas circunstâncias fáticas da presente impetração, não cria lesão consi-derável ao bem jurídico tutelado, de maneira que a conduta do paciente é atípica.
4. Habeas corpus deferido, para trancar a ação penal em que o paciente figura como réu.”
(HC 83.526/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - grifei)
As considerações ora expostas levam-me a reconhecer, por isso mesmo, que os fundamentos em que se apóia a presente impetração parecem evidenciar, na es-
65
pécie, possível ausência de justa causa, eis que as circunstâncias em torno do evento delituoso – “res furtiva” no valor de R$ 59,00, equivalente, na época do fato, a 22,69% do salário mínimo então vigente e correspondente, hoje, a 16,85% do atual salário mínimo – autorizariam a aplicação, no caso, do princípio da insignifi-cância, sendo irrelevante, para esse efeito, que se cuide de delito militar.
Vale relembrar, ainda, por oportuno, além dos precedentes que venho de referir na presente decisão, também o recentíssimo julgamento que a colenda Primeira Tur-ma desta Corte proferiu no exame do HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU (In-formativo/STF nº 438/2006), no qual, por entender aplicável, aos delitos castren-ses, o princípio da insignificância, deferiu ordem de “habeas corpus” em favor de militar que havia sido denunciado pela suposta prática do crime de peculato (CPM, art. 303).
Cabe ressaltar, finalmente, que essa mesma orientação foi reafirmada quando do julgamento do RHC 89.624/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, no qual a colenda Pri-meira Turma desta Corte, dando provimento a recurso ordinário, concedeu ordem de “habeas corpus” em favor de militar da Marinha que estava sendo processado pela suposta prática de crime militar (furto de uma mochila, de um par de cotur-nos e da quantia de R$ 154,57).
Sendo assim, considerando as razões expostas, e tendo em vista que concorre, igualmente, na espécie, situação configuradora do “periculum in mora”, defiro, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o pedido de medida liminar, em ordem a suspender a tramitação do procedimento penal (Forma Ordinária nº 14/05-6), em curso perante a 2ª Auditoria da 3ª CJM ou, se for o caso, paralisar a própria eficácia da sentença penal condenatória nele eventualmente proferida.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Su-perior Tribunal Militar e ao eminente Juiz-Auditor da 2ª Auditoria da 3ª CJM.
2. Oficie-se, igualmente, ao Juízo da 2ª Auditoria/3ª CJM, solicitando-lhe informa-ção sobre a fase em que presentemente se acha o procedimento penal em ques-tão.
Publique-se.
Brasília, 13 de outubro de 2006.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJU de 19.10.2006
66
ANEXO III – Extrato da Ata da 26ª Sessão de Julgamento, em 04 de Maio de
2000. Superior Tribunal Militar – Recurso Criminal nº 6.701-4-AM.
67
68
69
70
71
72
73
74