UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE MESTRADO EM ANTROPOLOGIA
O FEMININO NO ESPAÇO RELIGIOSO CATÓLICO: MOBILIZAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO DE AÇÕES SOCIAIS EM PIRATINI/RS
Dissertação
Pelotas
2015
BRUNA DONATO DE OLIVEIRA
O FEMININO NO ESPAÇO RELIGIOSO CATÓLICO: MOBILIZAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO DE AÇÕES SOCIAIS EM PIRATINI/RS
Orientador: Prof. Dr. Francisco Pereira Neto
Dissertação de mestrado apresentado ao
Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social, da Universidade Federal de Pelotas,
como requisito à obtenção do título de Mestre
em Antropologia.
Pelotas
2015
Universidade Federal de Pelotas / Sistema de BibliotecasCatalogação na Publicação
O48f Oliveira, Bruna Donato deOliO feminino no espaço religioso católico : mobilização parao desenvolvimento de ações sociais em Piratini/RS / BrunaDonato de Oliveira ; Francisco Luiz Pereira da Silva Neto,orientador. Pelotas, 2015.Oli98 f. : il.
OliDissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduaçãoem Antropologia, Instituto de Ciências Humanas,Universidade Federal de Pelotas, 2015.
Oli1. Ação-social. 2. Freiras. 3. Igreja-católica. 4. Mediação.5. Etnografia. I. Silva Neto, Francisco Luiz Pereira da, orient.II. Título.
CDD : 306
Elaborada por Simone Godinho Maisonave CRB: 10/1733
Banca Examinadora:
............................................................................
Profa. Dra. Lori Altmann (UFPEL)
.............................................................................
Prof. Dr. Cesar Goes (UNISC)
.............................................................................
Profa. Dra. Flávia Maria Silva Rieth (UFPEL)
..............................................................................
Prof. Dr. Francisco Pereira Neto (Orientador)
PELOTAS
2015
AGRADECIMENTOS
Nessa etapa que se finda, agradeço, primeiramente, aos meus familiares,
que por sete anos dessa trajetória acadêmica na Universidade Federal de Pelotas
(graduação e mestrado) proporcionaram à distância todo carinho e dedicação
representados em visitas na cidade dos doces e horas imensuráveis de
telefonemas ouvindo minhas felicidades e angústias antropológicas. Mãe, Pai,
Paulinho, Jones e Ivanete obrigada imensamente pelo suporte emocional e
financeiro.
Agradeço, com carinho, as minhas interlocutoras Amada e Mariza e
agradeço igualmente ao povo quilombola de Piratini.
Agradeço, imensamente, ao professor e orientador Francisco, pela
dedicação, paciência e sabedoria transmitida ao longo dos anos. Sou
imensamente grata pela sua alteridade. Minha gratidão aos professores do
programa do mestrado e graduação em antropologia pelo conhecimento
adquirido, em especial, à professora Rosane com quem dei os primeiros passos
em direção à arte de etnografar.
A equipe da empresa Contextos Arqueologia aonde venho pondo em
prática o ofício do antropólogo, obrigada pela compreensão nos últimos meses e
pelos dias de folga no trabalho para estar em casa dissertando.
Aos meus colegas de graduação e mestrado e principalmente aos meus
queridos amigos: Pri, Bruno, Cris, Pati, Paula, Isabel, Alessandro e Daniel.
Ao Gabriel, pelo companheirismo nos últimos meses.
A todos e todas obrigada e que o universo seja igualmente generoso!
.
“Nós cidadãos, temos nossos direitos e deveres. Eu não vivo de favor, vivo de
deveres cumpridos e direitos exercidos”.
Irmã Amada
Dedico este trabalho, ao meu querido sobrinho,
João Pedro. Que ele saiba desde cedo que todo
esforço é reconhecido e que a labuta da vida nos
engrandece como ser humano.
RESUMO
OLIVEIRA, Bruna Donato. O Feminino no Espaço Religioso Católico: mobilização para o desenvolvimento de ações sociais em Piratini/RS. 2015. n. de páginas. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2015.
A presente dissertação de mestrado é resultado da pesquisa realizada com freiras no município de Piratini, Rio Grande do Sul. Na cidade duas religiosas da igreja católica administram seis projetos sociais com intuito de ajudar indivíduos que se encontram em fragilidade social e econômica. Através do percurso realizado sobre a igreja católica e das incumbências das freiras dentro dessa instituição religiosa procuramos evidenciar e conformar a dinâmica dessas ações. Desta forma, através da pesquisa será possível apontar a importância da etnografia em dar conta das diferentes configurações em que os atores sociais se inserem na atualidade sem reduzi-los a um discurso teórico.
Palavras-chave: ação social, freiras, igreja católica, mediação, etnografia.
ABSTRACT
OLIVEIRA, Bruna Donato. The Female Religious in the Catholic space:
mobilization for the development of social actions in Piratini / RS. 2015 n. pages.
Thesis (MA in Anthropology) - Program Graduate Anthropology, Institute of
Human Sciences, Federal University of Pelotas, Pelotas, 2015.
This master's thesis is the result of research conducted with nuns in Piratini, Rio
Grande do Sul. In the city two religious of the Catholic Church run six social
projects aiming to help people who are in social and economic fragility. Through
the route taken on the Catholic Church and the duties of the nuns within this
religious institution we seek evidence and conform the dynamics of these actions.
In this way, through the research it will be possible to point out the importance of
ethnography to account for the different settings in which social actors are part of
today without reducing them to a theoretical discourse.
Keywords: social action, nuns, Catholic Church, mediation, ethnography.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Fotografia retirada da irmã Amada em meio a uma árvore frutífera do
pomar ecológico. ....................................................................................................... 39
Figura 2: Fotografia retirada da irmã Mariza em uma reunião com as comunidades
quilombolas. .............................................................................................................. 41
Figura 3: Casa das freiras no município de Piratini. .................................................. 43
Figura 4: Registro fotográfico do encontro com as comunidades quilombolas em
Piratini ....................................................................................................................... 47
Figura 5: Fotografia da Casa da Acolhida a Mãe Gestante retirada no ano de 2013.48
Figura 6: Na imagem ao fundo o Pomar Ecológico. .................................................. 50
Figura 7: Nome com a identificação do alimento plantado. ....................................... 50
Figura 8: Amada em meio ao cultivo de horta. .......................................................... 51
Figura 9: Dependência antiga onde estava se encontrava a parte da produção dos
alimentos vendidos pelo Bem da Terra na Casa de Acolhida a Mãe Gestante em
momento anterior ao início da reforma da incubadora. ............................................. 52
Figura 10: Imagem do lixo seco recolhido dentro da Kombi. ..................................... 53
Figura 11: Algumas mulheres da Cooperativa retirando o lixo de dentro da Kombi. . 53
Figura 12: Quilombo Fazenda Cachoeira retratado acima. No canto esquerdo da
imagem, irmã Mariza. ................................................................................................ 57
Figura 13: Imagem da casa das religiosas juntamente com a garagem ao lado
utilizada temporariamente para fim comercial. .......................................................... 60
Figura 14: Imagem dos alimentos e roupas comercializados. ................................... 61
Figura 15: Produtos comercializados pelo Bem da Terra. ......................................... 61
Figura 16: Roupas comercializadas pela Rouparia Solidária. ................................... 62
Figura 17: Imagem do Folder. ................................................................................... 65
Figura 18: Imagem do Folder. ................................................................................... 66
Figura 19: Imagem entregue por Amada para ser colocada no folder. ..................... 67
Figura 20: Reunião em uma das comunidades quilombolas junto com professores
da UFPel. .................................................................................................................. 69
Figura 21: Registro da visita da candidata Reginete Bispo com lideranças
quilombolas em Piratini. ............................................................................................ 70
Figura 22: Registro da reunião com o professor Marcos da FURG, irmã Amada e
algumas mulheres da Cooperativa. ........................................................................... 72
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. 9
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 12
1. IGREJA CATÓLICA E SOCIEDADE ........................................................... 21
1.1 A Igreja na conformação da sociedade brasileira, a participação em movimentos
reivindicativos e ações. ........................................................................................................... 21
2. A PRESENÇA FEMININA NO SISTEMA RELIGIOSO CATÓLICO ............ 30
2.1 A mulher na Igreja Católica ............................................................................................. 30
2.2 Trajetórias das religiosas Amada e Mariza ...................................................................... 37
3. O TRABALHO SOCIAL DAS RELIGIOSAS EM PIRATINI ......................... 45
3.1 Organização dos trabalhos sociais desenvolvidos ............................................................ 45
3.2 Coopiratini Reciclagem Solidária e Comunidades Quilombolas: uma busca por
reconhecimento e visibilidade. ............................................................................................... 63
3.3 Antropologia e os Novos Movimentos Sociais ................................................................ 73
3.4 Religiosas: compromisso com os pobres e com as mulheres ........................................... 82
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 94
BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS ....................................................................... 96
12
INTRODUÇÃO
Sempre considerei o universo da religião instigante e fascinante por
sua capacidade de expressar elementos sociais através de suas práticas
simbólicas. Acredito, que quando não é vivida em demasia dando margem a
um fanatismo que fatidicamente nos leva a um caminho de intolerância com
o outro, ela nos proporciona conforto. Recordo ainda hoje o contato mais
memorável, quando criança, com a dimensão religiosa. Aos dez anos de
idade em minha cidade natal no estado do Mato Grosso tive o primeiro
contato com uma freira. Lembro inteiramente do meu encanto pela religiosa1
que se encontrava em minha frente de visita na casa dos meus avós. Um
primo de terceiro grau, padre, sempre se acomodava na residência dos
meus avós maternos quando questões paroquiais o chamavam para nossa
cidade. Em uma de suas chegadas veio na companhia de uma freira. A
religiosa vestida em hábito tradicional foi “alvo” de empatia por todos da
família que embora não fossem praticantes sempre se intitularam como
católicos. Naquele momento, aos dez anos, eu quis ser freira. Simpatizei-me
pela indumentária, pela fala doce, pelos gestos serenos e o semblante
sempre alegre estampado na face daquela mulher. A pouca idade, o não
consentimento dos meus pais e a juventude foram me levando por outros
caminhos.
Quando ingressei, em 2008, no bacharelado em antropologia, novos
trajetos foram de encontro com a religiosidade. Inicialmente, através da
quebra de tabus. De uma família tradicionalmente católica, encarei como
primeiro universo de pesquisa, por influência de uma colega da faculdade,
um terreiro de umbanda. O trabalho seria realizado para uma disciplina do
curso ofertada na época para alunos do segundo semestre com o objetivo
de incitar as primeiras observações antropológicas e os caminhos da
etnografia. O contato inicial com a religião de matriz afro deu subsequência a
leituras e escolhas por disciplinas do âmbito da religiosidade e de
1 Ao longo do texto a palavra religiosa será utilizada também para referir-se a
freiras.
13
populações afro. A dimensão religiosa, a partir desse momento, percorreu
lado a lado com a minha trajetória acadêmica.
Concordo com Durkheim, ao estudar as formas elementares da vida
religiosa, quando diz que estudar um fenômeno religioso e buscar sua
essência é um meio logrado para entender uma diversidade de fenômenos
sociais. E que, além disso, parte das esferas da vida social está envolvida e
significada pelos valores decorrentes da religião (DURKHEIM, 1996).
Pode-se portanto dizer, em resumo, que quase todas as grandes instituições sociais nasceram da religião. Ora, para que os principais aspectos da vida coletiva tenham começado por ser apenas aspectos diversos da vida religiosa, é preciso evidentemente que a vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressão resumida da vida coletiva inteira. Se a religião engendrou tudo o que há de essencial na sociedade, é que a ideia da sociedade é a alma da religião (DURKHEIM, 1996, p. 462).
Foi acreditando na capacidade da religião em dar conta de
determinados “modi operandi” social que o campo da graduação· ocorreu
através de um viés religioso e, de modo consequente, no mestrado.
O universo de pesquisa retratado ao longo desse trabalho está
inserido no município de Piratini, Rio Grande do Sul. A cidade de
aproximadamente 19.840 habitantes (IBGE, 2010), situa-se na região sul do
estado do Rio Grande do Sul. O nome tem origem tupi-guarani, Piratini ou
Piratinim que significa “peixe barulhento”, nome dado em função do curso
d’água que cruza a região. Dois rios expressivos atravessam o território do
município: o Camaquã e o Piratini que recebem águas de vários cursos
afluentes. A literatura referente ao município não é vasta e, em sua maioria,
rememora os acontecimentos do período farroupilha e colonial da região. O
lugar conserva na atualidade edificações e histórias que recordam o
passado de lutas de um espaço territorial escolhido para ser o centro de
operações da Revolução Farroupilha (1835-1845). Piratini é uma dessas
cidades do Rio Grande do Sul, que pelo seu valor histórico, nos transportam
para o passado representado pela historicidade e casarões do período da
colonização. A cidade é atravessada pela Serra dos Tapes intitulada
popularmente de Serra das Asperezas e no transcorrer de sua dimensão vai
recebendo tantas outras nomeações. A presença expressiva de serras e
14
cerros em sua extensão territorial atuou como sentinelas vigilantes, servindo
como grande reduto para os farrapos. Em meio a essa cosmologia de uma
história marcada por confrontos onde o tempo para quando observamos
cada um dos casarões é onde se encontram minhas interlocutoras Amada e
Mariza.
Amada e Mariza são duas freiras que atuam junto à comunidade local
através de projetos e ações sociais. A primeira, natural da Espanha e a
segunda, do entorno rural do município de Piratini. Após anos pelo mundo
afora trabalhando em diversas congregações hoje se encontram atuando na
cidade. As religiosas executam ações que visam à inclusão social e
econômica de indivíduos de baixa renda e/ou fragilizados por razões outras,
destacando, que a maior parte dos sujeitos integrantes dos projetos são
mulheres. O trabalho significativo e o empenho diário dessas duas mulheres
foram determinantes para realizar a pesquisa. Tendo como objetivo
conformar a dinâmica dessas ações e apontar os caminhos em que
perpassam as subjetividades de Mariza e Amada.
O contato inicial com as religiosas ocorreu primeiramente com Mariza.
Através da pesquisa realizada para a conclusão do bacharelado em
antropologia pela Universidade Federal de Pelotas em um quilombo de
Piratini, conheci a religiosa. O trabalho foi desenvolvido com a comunidade
quilombola Fazenda Cachoeira, localizada no 5° Distrito do entorno rural de
Piratini. A pesquisa, de viés religioso, apresentava como propósito a
observação da interface religiosa que atravessava o grupo e as
transformações sociais decorrentes do cruzamento de dois segmentos
religiosos distintos. De um lado, a adesão paulatina ao pentecostalismo e, de
outro, o suporte da igreja católica. A comunidade há mais de quinze anos
vinha recebendo apoio da instituição religiosa católica em problemas de
diversos domínios enfrentados pelo grupo. Além disso, através da iniciativa
da Pastoral Afro-brasileira o grupo deu início ao processo de
reconhecimento identitário como remanescentes de quilombos. Mariza é
uma das pessoas por trás das ações da pastoral afro2 em comunidades
negras no município de Piratini. Soube da participação de Mariza ao longo
2 O termo pastoral afro será utilizado ao longo do texto como alternativa para
designar à Pastoral Afro-brasileira.
15
da pesquisa para a graduação em várias situações relativas ao quilombo
Fazenda Cachoeira, desde mediações com agentes políticos a oficinas
direcionadas para o aumento de rentabilidade do grupo. Mais tarde soube
que a pastoral afro prestava os mesmos tipos de auxílios para as outras
quatro comunidades quilombolas que existem no município. Em momento
posterior, em uma das visitas ao centro de Piratini, conheci Amada. A visita
proporcionou um panorama das ações das religiosas. Cuidar
administrativamente da Pastoral Afro-brasileira e atender os quilombos era
apenas uma delas. Tomei conhecimento de outras ações realizadas pelas
freiras que com o transcorrer do tempo ao longo do mestrado fui me
familiarizando.
O contato inicial para falar da proposta de pesquisa deu-se por um
telefonema. Mariza foi quem atendeu a ligação e na ausência de Amada
solicitou que retornasse o telefonema nos próximos dias para que Amada e
a paróquia local se inteirassem da proposta. Após dois dias de espera,
retornei a ligação. Mariza que novamente atendeu ao telefone disse
animosamente que estavam interessados na pesquisa. Na semana seguinte,
em meio a um encontro com as comunidades quilombolas do município de
Piratini, marcamos a primeira reunião para falar do trabalho. No dia 31 de
outubro de 2013 fui a Piratini encontrar com as religiosas que estavam
envolvidas em um evento da Pastoral Afro-brasileira juntamente com as
comunidades quilombolas. O título do encontro desse acontecimento era:
Quilombolas de Piratini na busca da inclusão social. O dia possibilitou rever
membros do quilombo Fazenda Cachoeira e, também Eva3. Como os
propósitos da pesquisa não estavam claros, de modo consequente, não
ficou para as religiosas. O objetivo da pesquisa foi sendo delineado com o
tempo e de acordo com a interação com as freiras. Desta forma, a pesquisa
tem como propósito conformar a dinâmica das ações das religiosas bem
como suas subjetividades. Propondo assim evidenciar os projetos sociais
3 Eva é uma assistente social, natural de Piratini e militante do movimento negro.
Comumente se faz presente em reuniões/encontros com as comunidades quilombolas de Piratini. Voluntariamente sempre participa das organizações desses seminários com as freiras.
16
administrados por ambas através da etnografia4, e com isso demonstrar a
capacidade da antropologia em dar conta dessa diversidade de ações e
movimentos sociais que se configuram de diversas maneiras na atualidade.
Atualmente em Piratini Mariza e Amada gerenciam seis projetos. São
eles: Bem da Terra, Coopiratini Reciclagem Solidária, Rouparia Solidária,
Comunidades Quilombolas, Pomar Ecológico e Casa da Acolhida a Mãe
Gestante. O projeto Bem da Terra, consiste em uma pequena padaria
comunitária direcionada para a comercialização de produtos integrais e não
integrais, com a maior parte dos alimentos de origem orgânica; Pomar
Ecológico consiste em um espaço destinado para o cultivo de hortas de
leguminosas e verduras, além de uma variedade de pomares de frutas sem
o uso de agrotóxicos, do qual parte do cultivo é destinado para a produção
de alimentos na padaria; Rouparia Solidária, constitui-se em um brechó de
roupas fruto de doações, vendidas a baixo custo para a população
piratinense; Coopiratini Reciclagem Solidária, se trata de uma cooperativa de
reciclagem de lixo seco; Comunidades Quilombolas, cujas ações consistem
em assistir e mediar os quilombos do município em diversas demandas. Este
último é um projeto respaldado pela Pastoral Afro-brasileira gerenciado pelas
irmãs Amada e Mariza. Os demais projetos mencionados pertencem a um
maior: Casa de Acolhida a Mãe Gestante.
A Casa de Acolhida a Mãe Gestante é intitulada como incubadora
pelas religiosas, pois tem como um de seus propósitos gestar projetos e
ações. Ideias para propostas futuras são estimuladas dentro do projeto
acolhedor e quando consolidado se desvincula do programa. Bem da Terra,
Pomar Ecológico, Rouparia Solidária e Coopiratini Reciclagem Solidária
foram gestados pelo projeto incubador. Desta forma, o trabalho exposto aqui
compõe-se de três capítulos que objetivam a contextualização do campo
religioso do qual Mariza e Amada pertencem, igreja católica (macro), para
percorrer o caminho até suas ações sociais (micro). São eles:
Capítulo 1 – Igreja Católica e Sociedade – tem por objetivo
mostrar a igreja católica na conformação da sociedade brasileira,
4 Método da pesquisa antropológica que será embasado ainda no capítulo
introdutório.
17
sua participação em movimentos reivindicativos e suas ações,
demonstrando assim, a interconexão do sistema religioso
católico com a sociedade brasileira que foi adaptando seu
organismo em conjunto com as mudanças sociais, com o
propósito de permanecer sempre em concomitância com o
estado e as transformações da sociedade. Deslocando, desta
forma, suas ações inicialmente voltadas para a sociedade
burguesa para posteriormente voltarem-se as demandas do povo
e apoio a movimentos sindicalistas. A dimensão feminina dentro
da instituição fez parte dessas alterações e incorporou
gradualmente as mudanças no interior da igreja5, ressignificando
o papel das freiras dentro da instituição católica (AZZI, 2008).
Mariza e Amada representam essas transformações, mas
através de uma dinâmica própria, porém, sempre com o respaldo
religioso. Sendo assim, para contextualizarmos suas ações e
suas subjetividades é necessário partirmos do macro (instituição
religiosa católica) para chegarmos ao micro (projetos). Ou seja,
partiremos da conceituação da igreja católica, da sua
participação na conformação da sociedade brasileira e em
movimentos reivindicativos para atingirmos as ações das freiras,
que embora introduzidas no organismo religioso, administram
projetos de dinamismo diferente aos que se respaldavam na
igreja católica na década de 70.
Capítulo 2 – A Presença Feminina no Sistema Religioso
Católico – composto por dois subcapítulos que mostram,
inicialmente, as transformações das atribuições das freiras
dentro da igreja católica e, por conseguinte, quem são Mariza e
Amada e como chegaram ao caminho da religiosidade. A vida
das freiras até meados da década de 60 era limitada aos muros
dos conventos. Suas vidas eram baseadas em obras realizadas
em orfanatos, colégios, hospitais e asilos. Após o Concílio do
5 A palavra igreja utilizada ao longo desse trabalho será para referir-se
especificamente à igreja católica.
18
Vaticano II6 houve mudanças significativas no interior da igreja
católica e marcante nas ordens femininas, mudando toda
estrutura e organização. Ações pastorais foram intensificadas
nesse período com o propósito de aproximar a igreja da
população pobre. Essa ação social foi trabalho desenvolvido
basicamente por freiras. As religiosas saíram dos extramuros,
foram morar na periferia e adotaram estilo de vida aos seus
semelhantes (BASSINI, 2007).
Capítulo 3 – O Trabalho Social das Religiosas em Piratini –
composto por quatro subcapítulos que propõem evidenciar os
projetos administrados pelas religiosas, suas dinâmicas, os
propósitos dos mesmos e os fatores motivadores dessas ações
sociais. Como podemos interpretar e conformar as ações sociais
dessas religiosas? Por quais caminhos podemos percorrer para
configurar as subjetividades desses trabalhos? O terceiro e
último capítulo procura trazer luz a reflexão acerca dos trabalhos
subsidiados por Amada e Maria no município de Piratini.
O presente trabalho foi desenvolvido através do método etnográfico
que consiste num trabalho de campo caracterizado pela interação do
pesquisador com os sujeitos da pesquisa em um dado contexto. As técnicas
recorridas para desenvolver esse método consistem em olhar, ouvir e
escrever (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000), de maneira a se relacionar e
conhecer o outro e suas perspectivas acerca de determinado assunto.
[...] enquanto no olhar e no ouvir “disciplinados” – a saber, disciplinados pela disciplina – realiza-se nossa percepção, será no escrever que o nosso pensamento exercitar-se-á da forma mais cabal, como produtor de um discurso que seja tão criativo como próprio das ciências voltadas à construção da teoria social (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000, p.18).
6 Uma série de conferências realizadas entre 1962 e 1965 com o objetivo de
modernizar a igreja católica com a finalidade de atender as demandas sociais abarcando novos tipos de fiéis católicos e assegurar seu prestígio como igreja.
19
Desta forma, fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de
“construir uma leitura de”) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de
elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos,
escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos
transitórios de comportamento modelado (GEERTZ, 2008).
Para desenvolver a dissertação logrei por vários meios buscando me
encontrar enquanto pesquisadora. Acredito que quando se trata de realizar
um trabalho de campo, uma etnografia, cada pesquisador tem seu estilo
para construir e realizar o estudo. Vários são os meios buscados por
pesquisadores para desempenhar seu estudo de maneira que o pesquisador
vai descobrindo com o tempo qual o melhor caminho para desenvolver e
sistematizar os dados do seu trabalho.
[...] ao compreender o que é a etnografia, ou mais exatamente, o que é a prática da etnografia, é que se pode começar a entender o que representa a análise antropológica como forma de conhecimento. [...] praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário e assim por diante (GEERTZ, 2008, p. 04).
Brandão em Reflexões de como fazer um trabalho de campo, relata
que a pesquisa antropológica “é uma vivência, ou seja, é um
estabelecimento de uma relação produtora de conhecimento, que diferentes
categorias de pessoas fazem, realizam” (BRANDÃO, 2007, p.12). O autor
ressalta a importância de conviver, espreitar dentro do universo em que se
pretende pesquisar e desta maneira sentir como é o lugar e como as
pessoas são de modo a transcrever essas observações em um diário de
campo. Os escritos do Diário descrevem maneiras de sentir pessoas,
lugares, situações e objetos (BRANDÃO, 1982). As impressões em campo,
os insight, o sentimento do pesquisador numa dada situação são elementos
importantes e consequentemente devem ser anotados. Com o tempo as
ideias e impressões vão passando a ser articuladas e sistematizadas
juntamente com referenciais bibliográficos acerca do assunto.
Além disso, o trabalho conta com a utilização de outros materiais ao
longo da pesquisa como, por exemplo, o uso de gravador para a realização
de entrevistas abertas e/ou semiestruturadas e câmera fotográfica que
20
acredito ter o grande potencial não somente de registrar momentos, mas
também a atmosfera do instante além de, captar detalhes que muitas vezes
passam despercebidos pelos nossos olhos. O retrato é um documento de
grande relevância que possibilita capturar e de modo consequente deixar
registrado um olhar, um encontro, um rito, uma paisagem ou uma
cosmologia que não se traduz pela escrita. Observar uma imagem nos
possibilita não apenas olhar com a sensibilidade de quem fotografa, mas
também entender as pessoas e lugares presentes no olhar do fotógrafo.
Possibilitando, mesmo com o transcorrer do tempo, o reconhecimento de
uma cena passada e um resgate da memória visual do homem sobre o
acontecimento captado (KOSSOY, 2001).
21
1. IGREJA CATÓLICA E SOCIEDADE
1.1 A Igreja na conformação da sociedade brasileira, a participação em
movimentos reivindicativos e ações.
Para entendermos a conformação dos trabalhos sociais
desenvolvidos por Mariza e Amada no município de Piratini e refletirmos
sobre suas ações, se faz necessário caracterizar o campo religioso em que
ambas estão inseridas, o sistema religioso católico. A igreja católica sempre
esteve entrelaçada ao desenvolvimento da sociedade brasileira e moldando
seu organismo religioso em conjunto com as mudanças sociais. Mantendo-
se sempre, desta maneira, em concomitância com o estado e as
transformações da sociedade brasileira em vigência. Desta forma, os papéis
no interior da igreja também foram passando por adaptações sempre
objetivando acompanhar as demandas da população. A dimensão feminina
fez parte dessas alterações e incorporou, paulatinamente, as demandas da
igreja através da ressignificação do papel desempenhado. Mariza e Amada
representam essas transformações, mas através de uma dinâmica própria,
porém, sempre com o respaldo religioso. Sendo assim, para
contextualizarmos suas ações e suas subjetividades é necessário partirmos
do macro (instituição religiosa católica) para chegarmos ao micro (projetos).
Ou seja, partiremos da conceituação da igreja católica, da sua participação
na conformação da sociedade brasileira e em movimentos reivindicativos
para atingirmos as ações das religiosas que embora introduzidas no
organismo religioso, administram projetos de dinamismo diferente aos que
se respaldavam na igreja católica na década de 70.
No processo de formação da sociedade burguesa brasileira dois
setores foram expressivos, segundo a perspectiva de Riolando Azzi7: a
burguesia agrária e a burguesia urbano-industrial. Disputa e tensão
7 Para contextualizarmos a igreja católica e sua participação na conformação da
sociedade brasileira, utilizaremos como respaldo a obra “A Igreja Católica na Formação da Sociedade Brasileira” de Riolando Azzi.
22
marcaram a relação de ambos na busca pela supremacia do país,
prevalecendo o interesse em comum dos dois setores: “Ambos apostavam
na necessidade de modernizar o país e, ao mesmo tempo, realizar essa
modernização dentro do sistema capitalista” (AZZI, 2008, p. 67).
Durante a primeira república a supremacia coube à burguesia agrária.
Dois outros setores acompanharam esse processo: de um lado a antiga
classe senhorial escravocrata e de outro, a classe operária que acabou
integrando-se a modernização.
O Exército e a Igreja participaram ativamente do processo de
modernização. “Esses grupos exerceram uma função ideológica de
legitimação do processo, tanto através do discurso como da ação persuasiva
[...]” (AZZI, 2008 p. 68). Para não perder espaço político e influência social a
Igreja acompanhou tudo de perto se voltando mais para a concepção da
sociedade agrária enquanto o Exército desde o inicio mostrou apoio ao
projeto da burguesia urbana (AZZI, 2008).
A cultura do café teria propiciado condições favoráveis para o
desenvolvimento da sociedade burguesa na região sudeste. Passando a ser
necessária a criação e adequação de novos valores e uma mudança
significativa de mentalidade,
As novas concepções filosóficas e científicas fizeram com que, de forma bastante rápida, as elites passassem a ser imbuídas dos novos valores de uma civilização secularizada e, progressivamente, passassem a impor essa nova concepção de vida a toda a sociedade (AZZI, 2008 p. 69).
Na constituição desse novo cenário social com expressividade
aparecem cinco profissões: direito, medicina, engenharia, carreira militar e
eclesiástica,
O bacharel, o médico e o engenheiro são formados em cursos públicos, organizados inicialmente pelo Estado. [...] Já os militares e os clérigos são formados em instituições totalizantes, que passam a moldar também o seu comportamento individual. O sacerdócio e o exercício das funções militares passam a ser apresentados como verdadeiras razões de sua existência (AZZI, 2008, p. 70).
23
Diferente dos países europeus de ideologia liberal, no Brasil,
predominou o discurso positivista, pregando a ordem como condição para o
progresso (AZZI, 2008).
Com o crescimento da população no meio urbano e em um espaço
cada vez menor foi visto como necessária à criação de regras e condutas. A
inserção a esses padrões foram consideradas fundamentais para a
aquisição da cidadania. No entanto os novos modelos exigidos requeriam
um conhecimento letrado (meados do século XIX).
A educação e instrução deviam servir, não só de marca registrada da classe média urbana em formação, mas ao mesmo tempo como sinal distintivo desse segmento populacional, estabelecendo-se pouco a pouco, não só a separação material, mas também cultural, com relação às camadas populares dos camponeses e operários (AZZI, 2008 p. 72).
A Igreja Católica, nesse período, também passou por mudanças no
setor eclesiástico para se adaptar as novas alterações da sociedade em
formação,
Desde meados do século XIX, teve inicio um importante movimento do episcopado brasileiro, por eles designado como reforma católica. O movimento é também designado como Segunda evangelização do Brasil. Sua meta principal era a substituição do antigo modelo eclesial de Cristandade pelo modelo tridentino, que considerava a Igreja como uma sociedade perfeita e paralela ao Estado (AZZI, 2008, p. 73).
A ação missionária desse novo modelo adotado pela Igreja tinha
como objetivo fortalecer a fé da sociedade em ascensão purificando-a
daqueles elementos que eram considerados como expressão de ignorância
e superstição (AZZI, 2008). Distintos organismos da Santa Sé estiveram
envolvidos nesse projeto missionário.
Como consequência desse novo período da Igreja em afunilar as suas
instruções com a sociedade moderna a necessidade de alfabetizar os fiéis
foi vista como indispensável. “[...] o caráter letrado e europeizante desse
movimento reformista permitiu uma maior aproximação da Igreja ao projeto
burguês de modernização do país” (AZZI, 2008 p. 74). A restruturação da
24
igreja católica ocorrida no século XIX foi de cunho hierárquico não se
estabelecendo como um movimento de base popular.
Com a proclamação da República muitos bispos foram perdendo
prestigio social. A falta de riqueza juntamente com a efetiva diminuição do
prestigio social levou o episcopado a encaminhar-se para a decadência
levando a uma nova reforma do clero onde a ênfase voltou-se para uma
dedicação mais exclusiva ao culto divino e na manutenção no celibato
eclesiástico (AZZI, 2008).
A nova reforma incitou um recrutamento vocacional por parte da igreja
católica tendo como estados favoráveis Ceará e Minas Gerais em
decorrência da mentalidade religiosa tradicional das famílias (AZZI, 2008).
Nesse período havia uma separação muito clara do sacerdote com o mundo,
a começar pelo rompimento dos laços familiares ao escolher a vida religiosa,
além disso, o uso da veste talar ou batina denunciavam a adoção a um estilo
de vida apartado da sociedade e dos “pecados” mundanos.
O projeto republicano que veio por desencadear certa decadência da
instituição religiosa católica e levando-a consequentemente a fazer uma
renovação no clero também tinha como planos tirar da instituição católica a
competência em diversos aspectos como, por exemplo, a organização
familiar da sociedade burguesa. Para a hierarquia eclesiástica três pontos
eram considerados fundamentais na constituição do modelo familiar:
[...] a sacralidade do matrimônio, a indissolubilidade do vínculo e a dependência da mulher. Apoiados em princípios teológicos, esses aspectos eram considerados inquestionáveis. Além disso, a Igreja recomendava também uma prole numerosa, bem como a dedicação exclusiva da mulher ao lar (AZZI, 2008, p. 85).
Até esse momento, a igreja católica tinha forte influência no âmbito
familiar, mas com a proclamação da República os novos governantes
passaram a disputar espaço com relação à influência sobre a família. E
como separação da igreja com o Estado é decretado o casamento civil.
Embora tal posicionamento tenha ocasionado mal estar entre os dois setores
a igreja passou a recomendar obediência às autoridades civis aceitando a
nova legislação.
25
Durante o período republicano a luta da instituição católica para
manter seus valores reproduzidos na sociedade foi constante. Seja no
âmbito da organização familiar como também do âmbito educativo buscando
exercer influência entre meninos e meninas nos centros educacionais.
A crescente expansão da urbanização no país veio por difundir,
gradualmente, um novo modelo de manifestar a fé católica instituída como
catolicismo romanizado,
O catolicismo romanizado constituiu a forma de vivência da fé católica, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Concílio de Trento, com ênfase na doutrina católica, na vida ascética e na prática sacramental. O bom católico, segundo o modelo romano, era aquele que tinha o conhecimento das verdades da fé, seguia os preceitos morais estabelecidos pela Igreja e recebia com frequência os sacramentos da confissão e comunhão (AZZI, 2008 p. 95-96).
O catolicismo romanizado foi transformando-se também num
poderoso instrumento para a consolidação da sociedade burguesa onde a
dimensão individual era altamente valorizada (AZZI, 2008).
Em 1922 houve a realização do Congresso Eucarístico do Rio de
Janeiro que, marcou uma nova etapa do catolicismo no Brasil. Essa nova
fase ficou conhecida como Restauração Católica onde a instituição religiosa
formou aliança com o poder político da época. Sobre esse período Riolando
Azzi escreve,
Existem dois novos aspectos que servem para caracterizar a Restauração Católica. Em primeiro lugar, a consciência da necessidade de uma maior presença efetiva no âmbito da sociedade brasileira. Em segundo lugar e, como consequência do aspecto anterior, o empenho por uma maior aproximação e colaboração entre Igreja e Estado. A presença política mais efetiva da Igreja visava incutir na sociedade um respeito aos valores tradicionais do catolicismo (AZZI, 2008, p. 99).
Essa aproximação da instituição católica com o Estado pode ter sido
vista como um meio de retomar os valores sociais e morais que o
catolicismo pregava no período anterior. E a aliança com o Estado foi um
meio encontrado de afirmar sua presença na sociedade. Porém, essa união
deixou de ser suficiente para a igreja católica continuar a exercer influencia
na sociedade brasileira.
26
A ação social católica foi vista como um instrumento importante para
restaurar a presença cristã na sociedade. Com isso deixa de voltar-se
inteiramente para a sociedade burguesa em formação onde atuava como
exclusiva dona da verdade e com solução para todos os problemas do país
para integrar-se afinco aos problemas sociais,
[...] a Igreja passa a debruçar-se cada vez mais sobre a realidade brasileira, procurando analisar melhor os problemas sociais, detectando suas causas e consequências. [...] realiza um esforço significativo para adequar melhor a própria instituição aos novos tempos, a fim de continuar a exercer a influência sobre a mesma sociedade. Simultaneamente, dispõe-se a colaborar de forma mais específica em projetos de interesse social, destinados a proporcionar melhor bem-estar à população, sobretudo aos segmentos mais carentes e necessitados. Em síntese, a instituição católica mostra-se mais sensível às transformações sociais que estão ocorrendo no país, procurando paulatinamente assumir uma atitude de serviço em favor do próprio povo (AZZI, 2008 p. 125).
Essas mudanças significativas no seio da igreja católica ocorreram
após O Concilio Vaticano II. O Concilio II foi uma série de conferências
realizadas entre 1962 e 1965 tendo como objetivo modernizar a instituição
religiosa católica. Entre as pautas de discussão estavam: os rituais da missa,
os deveres de cada padre, a liberdade religiosa e a relação da igreja com os
fiéis. Nesse período os trabalhos pastorais são intensificados visando
atender as minorias étnicas desfavorecidas (negros e indígenas) e,
consequentemente as camadas populares.
O sentido e significado das pastorais segundo a CNBB,
[...] Tem por objetivo a evangelização no seu sentido pleno, ou seja, continuar a missão de Jesus, o que exige que a Igreja seja discípula, [...]; e esteja atenta aos apelos do mundo, indo ao encontro das situações, o que significa dizer que a pastoral não se trata de movimento, mas de um serviço, dentro da própria Igreja (CNBB, 2002).
Não confundamos aqui o sentido de Pastorais Sociais 8com
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Enquanto a primeira visa uma
preocupação com a realidade social de diferentes coletivos a segunda,
8 Grande parte desses trabalhos sociais foi desenvolvido por freiras, conforme
explicitaremos no próximo capítulo.
27
configura-se em grupos (ou comunidades) que, partilham de uma mesma fé
organizada em torno uma paróquia,
As comunidades eclesiais de base (CEBs) são pequenos grupos organizados em torno da paróquia (urbana) ou da capela (rural), por iniciativa de leigos, padres ou bispos. [...] São comunidades, porque reúnem pessoas que têm a mesma fé, pertencem à mesma igreja e moram na mesma região. Motivadas pela fé, essas pessoas vivem uma comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de moradia, de lutas por melhores condições de vida e de anseios e esperanças libertadoras. São eclesiais, porque são congregadas na Igreja, como núcleos básicos de comunidade de fé. São de base, porque integradas por pessoas que trabalham com as próprias mãos (classes populares): donas-de-casa, operários, subempregados, aposentados, jovens, empregados dos setores de serviços, na periferia urbana; na zona rural, assalariados agrícolas, posseiros, pequenos proprietários, arrendatários, peões e seus familiares (BETTO, 1981 p. 07).
Além do serviço social, a participação da igreja católica em
movimentos reivindicativos passou a ganhar destaque nesse período. Em
meados da década de 1970 emergem uma série de movimentos
reivindicativos pelo Brasil afora para os quais se atribuiu o nome de
“Movimento Popular”. As primeiras pesquisas sobre essas ações coletivas
foram feitas em São Paulo e Rio de Janeiro até chegar gradualmente a um
alcance nacional,
Os primeiros estudos sobre essas formas de ação coletiva basearam-se em experiências localizadas em São Paulo e Rio de Janeiro. Gradativamente, situações similares de outras capitais foram se impondo ao conhecimento sistemático e anunciando um amplo quadro de alcance nacional (DOIMO, 1992, p. 279).
Tais movimentos observados na época foram: Movimento do Custo
de Vida (MCV) iniciado em meados dos anos 70 em São Paulo; Movimento
de Transporte Coletivo (MTC) que se organizou significativamente em São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Vitória,
Salvador e etc. Esse último movimento passa a ter mais força e visibilidade a
partir de 1978 após uma publicação das Exigências Cristãs para uma Ordem
Política elaborado em uma Assembleia Geral da CNBB (DOIMO, 1992).
Os movimentos da época eram discutidos em Associações de
Moradores, escolas, ônibus, centros comerciais, sindicatos, associações de
funcionários, Comunidades Eclesiais de Base, grupos de rua, igrejas etc.
28
Mas assim como o MTV, o Movimento de Luta Contra o Desemprego
(MLCD) tomou impulso após ser assumido por pastorais da igreja (DOIMO,
1992).
Para Ana Doimo, uma grande quantidade desses movimentos tiveram
como apoio as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) para serem
organizados e impulsionados,
Em todos os exemplos que foram levantados, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica serviram de Base para a criação de grupos de referência que cumprem a função de: motivar as pessoas à ação reivindicativa; acionar as redes sociais locais para fins organizativos; estimular a participação de todos nas decisões e nas etapas da luta; enfim, canalizar e processar dados e informações para a realimentação do grupo de interesse aí formado. Este, por sua vez, define-se pela aglutinação em torno do item reivindicativo, e sua expressividade no cenário sociopolítico depende do maior ou menor grau de mobilização alcançado (DOIMO, 1992, p. 282).
Os movimentos sociais (MS) pós década de 70 tiveram substancial
apoio das CEBs, mas sem um se sobrepor ao outro ou diluir-se no outro,
As noções de grupo de referência e grupo de interesse são necessárias para nos darmos conta de que há, num mesmo campo de relações, espaços sociais de natureza e funções diversas que podem estar mais ou menos sobrepostos sem que um se dilua no outro. Os grupos de referência dos MS pós-70, verdadeiras colunas de sustentação dos grupos de interesse, guardam uma relação vital de sobreposição às CEBs sem que com elas se confundam. Enquanto estas se constituem fundamentalmente sobre uma base de natureza ético-religiosa, aqueles formam-se em torno de códigos ético-políticos e agregam em sua base social tantos quantos forem aqueles que, voluntaria, dão seu consentimento ao significado de tais códigos. Eles emergem, pois, de uma composição sociopolítica diversa sob a égide de uma ética comum permanentemente realimentada pelas CEBs (DOIMO, 1992, p. 283).
Doimo ao falar de movimentos populares menciona que essa relação
entre as CEBs e os MS não se configura como uma novidade. Quando
surgem os movimentos de bairro nos anos 1970, aparecem de bairros
periféricos as CEBs que em diversos casos passam a ser sua organização
matriz.
Os movimentos sociais tinham como base de discurso um novo modo
de fazer política onde reconhece o individuo como cidadão e não como um
29
subordinado. Os agentes pastorais da igreja tiveram uma forte ação nesses
movimentos sociais pós anos 70,
É impossível falar dos MS pós-70 no Brasil sem compreender a intencionalidade da ação dos agentes pastorais da Igreja. Não apenas como assessores externos que prestam um “serviço” ao povo, mas sobretudo, como portadores de uma concepção de mundo suficientemente unitária e integrada para incorporar até mesmo o principio do “sujeito descentrado” consoante um novo modo de se portar como liderança: não mais aquela que leva a “razão revolucionária” ao povo inculto, mas aquela que, em permanente contato com a lógica própria e fragmentária da cultura popular, encontra nela as expectativas, os valores e os problemas a serem trabalhados (DOIMO, 1992, p. 290).
Os agentes pastorais aparecem nesses movimentos com o intuito de
organizar os trabalhos desempenhados usando como discurso que, o
individuo é “sujeito de sua própria história”.
Da mesma maneira que a igreja foi passando por transformações e
adequações ao longo do seu processo histórico, o papel e ocupação das
freiras também tiveram mudanças que em muito foi se transformando com a
mesma velocidade da mulher inserida na sociedade englobante. Desta
forma, no próximo capítulo abordaremos a trajetória feminina dentro da
instituição católica objetivando conceituar as transformações das religiosas
dentro dessa instituição. Além disso, evidenciar a importância das freiras nas
ações pastorais através de trabalhos desenvolvidos em conjunto com a
comunidade que vivem.
30
2. A PRESENÇA FEMININA NO SISTEMA RELIGIOSO CATÓLICO
2.1 A mulher na Igreja Católica
A conscientização com relação às mulheres e sua participação na
tomada de decisões em diversos setores têm aparecido nas últimas
décadas, como mostra Ana Maria Bidegain,
Nas últimas décadas tem havido uma conscientização crescente quanto à exclusão das mulheres da tomada de decisões na vida econômica, política, religiosa, social e cultural. Exclusão esta que tem sido justificada e ainda legitimada pela historiografia, na medida em que as categorias de análise até agora utilizadas e a própria concepção historiográfica predominante, centrada na história do poder, tornava invisível a história de quem eram os excluídos/as desse mesmo poder (BIDEGAIN, 1996, p. 13).
A mulher passou a assumir-se como sujeito histórico em grande parte
após o acesso a educação e a participação em lutas por direitos sociais no
começo do século. Juntamente com isso exigiu-se que surgisse enquanto
conjunto social, como agente sócio histórico, levando a intensificar estudos
que procuravam tirar a mulher da invisibilidade (BIDEGAIN, 1996).
Conforme dito por Bidegain, a história sempre foi escrita através da
ótica de quem tem o poder seja ele econômico, político ou cultural do qual as
mulheres por muito tempo foram excluídas. O mesmo foi se dando com as
mulheres dentro das religiões, como em diversos setores, a participação era
muito restrita,
[...] a incorporação da categoria de gênero cruzada com as de classe social e etnia, não só é sutil para a elaboração da história das religiões, é também uma chave essencial para a compreensão da história invisível das mulheres nas religiões e das relações com as formas de estruturação do poder (BIDEGAIN, 1996, p. 28).
É imprescindível usar a categoria de gênero para discorrer sobre as
mulheres dentro da dimensão religiosa. Para compreender a participação
das mulheres dentro da igreja e como foi sendo construída sua participação
31
dentro dela, faz-se fundamental um estudo de gêneros. Para entender a
atribuição feminina dentro do espaço sagrado é necessário entender
primeiramente o papel que sempre coube a ela na sociedade e que,
consequentemente, é legitimado pela igreja,
[...] como representações do mundo que aspiram a universalidade e são determinadas por aqueles que as elaboram, as religiões não são neutras e impõem, justificam, legitimam projetos, regras, condutas determinantes nas identidades culturais de pessoas, grupos, países e sociedades (KARNAL e SILVA, 2003, p. 206).
Karnal e Silva mostram que não existe neutralidade com relação ao
sujeito na participação e estruturação das religiões. Elas impõem condutas e
posições determinadoras na sociedade e que, por conseguinte, moldam o
papel e o lugar cabido ao individuo (homem e mulher).
A história social da mulher é marcada por relações de dominação e
opressão e é dentro desse amálgama que se insere o trabalho das freiras
nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) durante as décadas de 1960-
80. “Entender como foi a participação das freiras no processo de formação
das CEBs significa, também, reconstruir sua história e como os papéis de
gênero foram se modelando nesse momento” (BASSINI, 2007, p. 01).
A vida das freiras até meados da década de 1960 era restrita aos
muros dos conventos, suas vidas, baseavam-se em obras realizadas em
orfanatos, colégios, hospitais e asilos (BASSINI, 2007),
[...] O isolamento da sociedade e a negação dos costumes “mundanos”, tidos como pecado, conferia às freiras a criação de um modo específico de vida, que passava não só pela vida em conventos, mas um modo próprio de se vestir, horários rígidos em suas atividades, silêncio, obediência e penitências (BASSINI, 2007 p.09).
O comportamento rigoroso que lhes era competido de certa maneira
representava uma extensão da estrutura funcional da sociedade, ou seja, de
como o seu papel era construído e representado.
Após o Concílio de Vaticano II (uma série de conferências realizadas
entre 1962 e 1965 com o objetivo de modernizar a Igreja Católica) houve
mudanças substanciais no seio da igreja católica e marcante nas ordens
femininas, mudando toda estrutura da organização.
32
Consequentemente, houve mudanças nas atividades desempenhadas
pelas irmãs da igreja católica. Foi mais ou menos nesse período que a ação
pastoral passou a ficar como encargo das freiras, a partir de um documento
do Concílio do Vaticano II sobre a vida das religiosas. Outras alterações
também foram observadas nesse período,
[...] Entre essas alterações, destacam-se as mudanças da indumentária, a transferência da vida nos conventos para pequenas casas e o trabalho vinculado nas dioceses e paróquias como parte das ações desenvolvidas nas obras assistenciais, em colégios e asilos. Isso também significou uma alternativa de trabalho, uma vez que se constatava o enfraquecimento de algumas instituições e escolas dirigidas pelas freiras devido, entre outras coisas, à diminuição no número de religiosas para a realização das atividades (idem, ibidem: 497-502). As propostas de novas formas de inserção das religiosas significaram o trabalho junto à população mais pobre, ou seja, nas CEBs, onde a atuação e composição foi quase que exclusivamente de mulheres religiosas (BASSINI, 2007, p. 12).
Em uma das entrevistas realizadas com a irmã Mariza quando
questionada se o trabalho com as comunidades e outras minorias étnicas
vinha da sua trajetória pessoal (negra e pobre) ou se era por orientação da
Congregação, ela responde:
Irmã Mariza: Acho que é um pouco as duas coisas. Não sei graças a Deus assim eu sempre quis volta pra aonde que eu tinha saído e graças a Deus sempre mesmo em Canguçu eu trabalhava no bloco cirúrgico, mas o meu tempo livre em fim de semana eu tava sempre indo pras comunidades. Então e era uma época assim muito boa no sentido de que as comunidades estavam surgindo. A Igreja Católica depois do Concilio quando começaram as comunidades... Então era uma alegria enorme assim a gente ir e ficar uma semana lá fazendo visita ou no fim de semana estar visitando as casas das irmãs, dos padres. E nós assim fazia um jeito ou outro... a gente e eu tava sempre pronta não é, pra ir pra fora com as comunidades. (Entrevista realizada com irmã Mariza no dia 12 de agosto de 2011).
As ações pastorais se intensificaram após o II Concílio tendo como
propósito modernizar a igreja e consequentemente aproximar os fiéis e as
camadas populares dela. Essa aproximação da igreja na tentativa de
aumentar o número de fiéis e estreitar o contato com as camadas populares
e minorias étnicas, segundo Bassini, foi trabalho realizado basicamente por
mulheres, mas com pouco reconhecimento da instituição religiosa,
33
No Brasil, essa ação se configurou no Plano de Pastoral de Conjunto, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que tinham por objetivo o trabalho em regiões periféricas das cidades, englobando leigos nas discussões das questões sociais. Essas comunidades que existiam desde o início da década de 1960, tornaram-se o espelho da “nova igreja” da década de 1970, a chamada Igreja Popular. O trabalho consistia, em outras coisas, na reivindicação de melhorias sociais durante o período de repressão no Brasil. Um trabalho realizado praticamente por mulheres e nada reconhecido pela Igreja Católica (BASSINI, 2007, p.14).
Apesar de mudanças substanciais no seio da igreja relativo à
participação das religiosas, o papel desta ainda é secundário e de pouco
reconhecimento e/ou visibilidade. Na hierarquia eclesiástica da igreja, os
cargos de maior prestígio e importância são ocupados por homens.
A missa, por exemplo, acontecimento de maior importância nessa
instituição religiosa, é ritualizada apenas por padres. Quem detém o saber
sagrado nessa corporação marcada por uma hierarquia eclesial é
exclusivamente o presbítero, ou seja, uma figura masculina.
Como responsabilidade feminina, as freiras realizam junto aos
trabalhos sociais a leitura e discussão da Bíblia, bem como a “missa sem
padre”, que se caracteriza em uma reunião de oração a fim de unir todos os
presentes e participantes no trabalho comunitário.
Os trabalhos desempenhados pelas irmãs Amada e Mariza, no
município de Piratini são de grande importância para várias pessoas da
cidade além de, requerer grande responsabilidade e entrega para o que
desempenham. Os padres, pelo que foi observado ao longo da pesquisa,
quase nunca participam ou prestam a sua colaboração nos eventos e ações
mediadas pelas freiras.
Umas das últimas vezes que estive em campo no município as irmãs
estavam envolvidas em um simpósio que visava à inclusão social das
comunidades quilombolas. Representantes de todas as cinco comunidades
situadas no entorno rural de Piratini estavam presente além de, Eva,
assistente social que está sempre ajudando voluntariamente as freiras.
Abaixo cito um pequeno trecho do meu diário de campo neste dia:
Após todos se “abençoarem” com a água benta, Eva deu início a leitura bíblica reservada para aquele dia. Quando terminou sua fala, a Bíblia começou a ser passada de mão em mão para que todos a beijassem. Ao final dos rituais religiosos deu-se inicio as pautas a
34
serem comentadas naquele dia: saúde, inserção social e as ações tomadas pela Pastoral Afro com relação a essas problemáticas. Irmã Amada não compareceu a esse encontro. Estava ocupada resolvendo problemas da Casa da Acolhida à Mãe Gestante. [...] Os padres da paróquia de Piratini apareceram no meio da reunião e permaneceram somente até a hora do almoço, depois não retornaram ao salão onde a Pastoral estava com as comunidades (Diário de campo, data 31 de outubro de 2013).
Neste dia de campo e outros que já tive a oportunidade de participar,
o padre da cidade não costuma estar presente. As ações sociais são sempre
conduzidas pelas freiras. Todos os trabalhos comunitários que nasce do
projeto incubador pertencente a Mitra arquidiocesana são desenvolvidos e
administrados por Amada e Mariza.
As irmãs expõem que existem muitas dificuldades para que essas
ações se concretizem. As religiosas contam com ajuda de alguns voluntários
e, um pequeno recurso para dar conta dos gastos de todos os projetos.
Sempre que podem mobilizam comerciantes da cidade para colaborarem
financeiramente. Normalmente, como relatou irmã Mariza, o dinheiro sai do
próprio bolso das irmãs,
Maria José Rosado Nunes continua chamando a atenção para a diferenciação que se fazia entre o trabalho das religiosas e dos religiosos. O que normalmente acontecia e o que ficava mais evidente na diferenciação de seu trabalho era a remuneração. As freiras faziam o seu trabalho pastoral quase sempre gratuitamente. O seu sustento provinha das congregações. Quando recebiam remuneração pelo trabalho pastoral, este nunca era igual ao dos padres em suas paróquias. Mesmo o reconhecimento do trabalho era diferente para eles e para elas (Nunes, 1997: 504) (BASSINI, 2007 p. 11).
No dia do encontro relatado anteriormente com as comunidades
quilombolas, houve um mutirão para arrecadar alimentos e realizar o
almoço. Fiquei, por exemplo, encarregada de levar sobremesas. O café da
manhã foi fruto da colaboração de cada comunidade, cada membro levou
algo para comer ou beber. De acordo com as religiosas o dinheiro delas não
é o suficiente para dar conta das demandas de cada projeto.
Quando se trata de tomar decisões é a igreja quem decide ou dá a
última palavra. Quando digo a “igreja” estou me referindo a arcebispos,
bispos, padres, ou seja, a cargos superiores da instituição que são ocupados
por figuras masculinas.
35
O próprio contato inicial estabelecido por meio de um telefonema com
uma das freiras para falar do desejo em realizar a pesquisa foi de certa
maneira intermediado pela igreja. Irmã Mariza, depois da conversa, desligou
o telefone sem dizer sim ou não, mas que retornasse dentro de dois dias
para ter tempo de falar com o pessoal da paróquia e ver o que achavam da
proposta. Apesar da igreja não ter muito envolvimento nas ações realizadas
pelas religiosas, qualquer decisão passa pela mediação da instituição.
Conforme mencionado, a igreja católica se organiza por meio de uma
hierarquia eclesiástica onde o papel de destaque é centrado na figura
masculina:
Historicamente, os espaços religiosos são marcados por uma herança patriarcal e hierárquica de relações sociais de dominação e opressão. No Brasil, as instituições religiosas, especialmente a Igreja Católica caracterizou-se pela predominância das ideologias dominantes, impondo condições diferentes a homens e mulheres quanto às posições a serem ocupadas no contexto social (REZENDE, 2006, p. 01).
Na instituição religiosa católica existe uma mediação entre o fiel com
o sagrado e quem faz essa mediação é o padre. Os cargos ocupados pelas
mulheres dentro desse sistema religioso normalmente estão associados a
ações sociais, pois a figura feminina ainda está bastante voltada à função
social da maternidade, docilidade, delicadeza, cuidado da vida, o
acolhimento e entre tantos outros (REZENDE 2006). Desta maneira,
A Igreja Católica apresenta-se como uma estrutura domesticadora das relações de gênero, especialmente no que se refere à sexualidade feminina. Neste sentido, a identidade das mulheres, especialmente na América Latina, está ainda muito voltada à função social da maternidade, sendo reforçada religiosamente pelo símbolo da ‘Virgem Maria’. O modelo de feminilidade ideal, a “verdadeira mulher”, encontra na exploração do culto à Maria os pilares para a exaltação das virtudes que seriam próprias das mulheres: docilidade, humildade, modéstia, delicadeza, próprias de uma concepção de gênero essencializada e dual (REZENDE, 2006, p.02).
Embora, historicamente, as religiões de maneira geral tenham dado
maior ênfase e importância aos cargos masculinos, não podemos deixar de
mencionar, para entendermos as ações de Mariza e Amada ao longo deste
trabalho, a visão crítica do movimento feminista nas últimas décadas com
relação as religiões e inclui-se aqui a igreja católica. O discurso teológico de
36
algumas mulheres religiosas tem tido influência das ideias feministas,
segundo Ivone Gebara. Revisões e novas interpretações com relação aos
textos sagrados vêm sendo propostas e se fazem cada vez mais presentes
entre as teólogas feministas.
A reflexão sobre esse novo olhar crítico das religiosas com relação às
próprias instituições pertencentes tem como objetivo instigar uma reflexão
para pensarmos as ações de Amada e Mariza. Não se trata de comparar e
incitar que os trabalhos administrados pelas religiosas ocorram de maneira
igual ou pelas mesmas motivações que as teólogas feministas, mas o
objetivo é ajudar a pensar e compreender as ações dessas religiosas em
Piratini, pois o feminino se faz fortemente presente nos seus trabalhos e
ações bem como os projetos administrados são mecanismos de alicerce
para ajudar mulheres pobres pertencentes à comunidade local conforme
será mostrado ao longo do trabalho.
A freira, filósofa e teóloga feminista brasileira Ivone Gebara ajuda a
refletir sobre um novo paradigma emergente em se pensar e se colocar
como freira. Propondo e acreditando em uma teologia que acompanha o
cotidiano das mulheres e que de modo consequente produz uma ruptura por
se afastar do pensamento institucional da igreja católica e também,
inevitavelmente, um afastamento da Teologia da Libertação que ainda é
patriarcal e repleta de imagens masculinas de Deus (NUNES, 2006).
Sua vida junto às mulheres de Camaragibe [local onde mora atualmente] e a aproximação do movimento feminista levaram-na a diferenciar sua reflexão, pela incorporação do olhar de gênero. A solidariedade para com os pobres, e sobretudo para com as mulheres cujas lutas diárias pela sobrevivência ela observa diretamente no bairro onde mora [...] (NUNES, 2006, p. 295).
Ivone Gebara trabalha a questão de gênero e feminismo dentro do
âmbito da teologia cristã buscando uma compreensão do papel colocado
para a mulher dentro e fora da igreja.
Com certeza, o mal experimentado pelas mulheres está ligado, entre outros, ao fato de que elas são consideradas como um segundo sexo, não só diferente, mas de valor menor. Falar de segundo sexo não significa apenas falar de um outro diferente, mas inferior. É isto que é veiculado por nossa cultura, é isto que está presente nas nossas filosofias e teologias [...] (GEBARA, 2000, p. 131).
37
Essa representação inferiorizada da mulher perante as sociedades e as
religiões ainda se faz presente. Embora Mariza e Amada mostrem fidelidade
aos costumes cristãos impostos pela igreja católica, acredito que elas
buscam dentro dessa própria visão da religião e da sociedade em que elas
são colocadas como gestoras, criadoras, amáveis e etc, uma legitimação da
importância de suas ações.
2.2 Trajetórias das religiosas Amada e Mariza
A igreja católica do município possui atualmente duas irmãs, Amada e
Mariza que se empenham em dar conta de todos os projetos e problemas
que chegam até elas. Ambas completamente diferentes tendo em comum
uma infância humilde.
A religiosa Amada é da cidade de León (Espanha). Filha de minerador
de carvão e dona de casa decidiu aos treze anos que queria ser freira. Nas
conversas realizadas durante a pesquisa sempre elucidou que falava para
sua mãe quando era criança que queria ser toda de Deus. Aos quinze anos
foi para o convento. Inicialmente o pai foi contra a decisão, pois dizia que
vida de religiosa não dava lucro e após algumas relutâncias consentiu com a
escolha da filha,
Irmã Amada: [neste trecho exponho uma das narrativas de Amada falando do primeiro contato com freiras e de como foi surgindo o desejo de tornar-se uma] Então com 13 anos conheci as irmãs... Conheci as irmãs e meus pais se migraram... Nós vivemos em León e meu pai trabalhava na mina de carvão. Então como estava doente, ele tinha câncer nós nos migramos para Vitoria. Quem nos convidou, foi o irmão de meu pai. Então viemos para Vitoria e conheci as irmãs. Por que nos acolheram em uma vila de trabalhadores, viu? Como se fossem as casas populares agora. As irmãs vieram nos visitar quando chegamos lá. Sempre havia dito a minha mãe que eu queria ser toda de Deus. Por que minha mãe era uma pessoa, é uma pessoa, minha mãe vive ainda. A mãe é uma catequista, viu? Lá em casa não tínhamos banheiro... O que é isso? Deus fez para nós. Sempre me dizia. E aquilo me impressionava tanto. Que coisa tão bonita que Deus fez para nós! E as flores... E... Vivemos no campo... Minha mãe era aquela catequista que dizia isso, que Deus... E aquilo, como me impressionava! Então minha mãe, eu não lembro muito bem, mas ela conta para nós que eu sempre dizia “mãe, Deus deve ser muito bom. Que coisa mais
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bonita que fez para nós”. E diz minha mãe que eu continuamente agradecia e que eu queria ser toda para Deus. Quando fui a Vitoria eu me lembro que essa irmã vinha nos visitar e tentou nos escolarizar e levar no colégio delas. Minhas irmãs, a maior trabalhava por que meu pai não tinha condições, elas trabalhavam em hotéis lavando pratos. Eu sempre fui muito pequena então eu não alcançava. Fico em casa, para ajudar a cuidar dos porcos, a cuidar as vacas, fazia esse tipo de trabalho. Mas sempre a irmã Cândida me convidava e sempre assim ela vinha em casa nos trazia alimentos e sempre me convidava [...] quando eu tinha 15 anos quis sair para convento. (Entrevista realizada no dia 31/03/2014).
Após a carta de consentimento de seu pai autorizando a filha menor
de idade ir para o convento, irmã Amada foi para Roma. Conta que
inicialmente dedicou-se apenas aos estudos. Estudou filosofia e letras
finalizando os cursos em Vitoria, Espanha. Depois de formada começou a
lecionar, mas sempre querendo participar de ações sociais, seu interesse
maior,
Irmã Amada: [...] terminei os dois anos de especialidade em Vitoria, na Universidade de Vitoria. Depois comecei a dar aula, mas sempre me chamou a atenção a área social. Não sei se pelo que vivi em casa, por como nasci. Eu não me encontrava bem sabe... Se tenho tudo... Se não me falta nada economicamente... Claro já sofri muito [...] Estudar era todos os dias. Os professores todos para mim, sabe? E não me faltava nada, eu era a menina bonita das irmãs, eu e outras. Eu pensava já que tenho oportunidade para estudar... E foi crescendo esse desejo de igualdade entre os seres humanos sabe? [...] Depois eu fui a diretora do colégio Madri e sempre me preocupava o lar e o social. [...] Até cometia coisas bastante sérias assim, eu sempre fui muito, muito atrevida assim muito decidida no que eu queria. Em cada aula, em cada série eu reservava quatro vagas para os negros, para os pobres que vinham da África. Eu podia por ser diretora, mas claro eu tinha que pagar então eu lavava as escadas e os bancos. Eu ia trabalhar fora, limpava as escadas e os bancos, fazia o impossível para pagar o colégio desses quatros. Eu não dormia... Às 4h da manhã limpava o banco e... Fazia isso... Sempre foi uma coisa, eu não suportava a desigualdade humana e por que... É claro essas ações... Nem sempre dentro da igreja tem uma compreensão plena, viu? São desafiadoras como Jesus foi desafiador. O ensino fundamental para os pobres não é fácil, sabe? Então eu fui me aperfeiçoando e inventamos essa história de todos os verãos irmos à África... Pegamos ações concretas, sabes? Com Caritas internacional, a Cruz Vermelha [...] (Entrevista realizada no dia 31/03/2014).
Por cerca de sete anos irmã Amada juntamente com um grupo de
professores e alunos de Madri, iam para a África todos os verões realizar
obras sociais. Amada interrompeu essas viagens, por orientação da
paróquia, após ter adquirido uma doença que não soube especificar,
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Irmã Amada: Então vamos à África... Tu sabes que tem muitos dialetos... Então nós fizemos um acordo, em Madri existia um comitê, a gente se organizava pra ir à África. Então... Cada grupo que queria ir eu organizava na Paróquia Santo Rosário que eu era a diretora do centro... então fomos os jovens ganhamos nosso dinheiro com rifas para a viagem e vamos fazer uma coisa concreta, por exemplo, um leprosário, primeira um leprosário... Vamos fazer assim [..?..]... Então organizar isso e... E depois disso tirar os vermes dos narizes... Então... Fazíamos. Fomos assim e se montava os projetos e vamos fazemos aquilo e voltamos. Tinha que ser uma duração de três meses por que quase todos eram estudantes ou professores, todos disponíveis nas férias. E fomos... Eu peguei parasita cerebral, viu? Vinhamos de África [..?..]... E o último ano que fui peguei parasita cerebral, claro nós tomamos as vacinas, tudo bem, mas nem sempre... Eram umas condições muito ruins e... então, claro... Destrói muito, mas graças a Deus me recuperei, mas não podia mais ir à África. Bruna: Não foi mais. Irmã Amada: Não, não podia ir mais, não posso. Bruna: Todos os anos vocês iam pra África? Irmã Amada: Muitos anos sete, oito anos (Entrevista realizada no dia 31/03/2014).
Depois do ocorrido a freira pediu para ser direcionada para outro país.
Não queria seguir dando aula, queria atuar em um novo trabalho social e, foi
então que veio para o Brasil em 1997 (para a cidade de Piratini).
Figura 1: Fotografia retirada da irmã Amada em meio a uma árvore frutífera do pomar ecológico.
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Enquanto Amada apresenta uma personalidade totalmente dinâmica,
Mariza mostra-se mais tranquila. Natural de Piratini (nasceu no 3° Distrito,
entorno rural do município), irmã Mariza também passou por algumas
dificuldades. Enquanto o pai era tropeiro a mãe trabalhava na cozinha das
fazendas,
Irmã Mariza: Até os dez anos eu morava lá no terceiro. A minha mãe trabalhava numa fazenda lá no terceiro e depois com dez anos nós éramos oito agora somos sete irmãos e então eu sou a terceira. E nós sete nascemos lá, um nasceu aqui meu irmão mais velho nasceu aqui e os outros todos nascemos lá no terceiro. Meus pais se separaram então eu fiquei com a mãe mais uma irmã minha menor. Morei, fiquei mais pro lado... sempre mais com a minha mãe. Para estudar ela me mandou com a minha madrinha, deixou que eu ficasse com a minha madrinha de batismo. Na verdade eu fiquei até os quinze anos com a madrinha de batismo. Quando me surgiu a vocação eu estava com não sei acho que uns 12 anos, a partir da minha primeira comunhão tudo isso né, não sei essas coisas assim de Deus (Entrevista realizada com irmã Mariza em 2011).
Mariza encontrou dificuldades em ser admitida por conventos da
região sul do Rio Grande do Sul, pois por ser negra e pobre (segundo Mariza
na década de 60 as congregações pediam dotes) não era aceita pelas
congregações,
Irmã Mariza: [...] As congregações aqui do Brasil naquela época... nós antes do Concilio a Igreja Católica com os negros eles não... Então era tranquilo dizer que, o Padre Roberto mesmo sempre dizia a madrinha “um rapaz tão bom pena que é negro”. Que até o Concílio até 62 a relação da Igreja com a comunidade negra na verdade era isso, então quando eu quis ser irmã a madrinha começou a procurar. Tinha as Paulinas em Pelotas, tinha a São José, eu estudei uns dois anos ali no São Benedito as irmãs até hoje elas pedem perdão por que com essas não aceitava quem era negro. Embora eu era bem clara e tudo isso todos nós sabíamos não é que se dizia assim não pode e também tinha que dá um dote, todas as Congregações antes do Concílio tinha que pagar um dote, não sei quanto que era, nessas alturas não tinha dote nem adiantava em fala que dinheiro não tinha. Tinha essas três coisas eu era negra, não tinha o dote e a família estava desestruturada por que o pai casou com uma, a mãe com outro e então também as coisas estavam... A madrinha então um dia disse para o Padre que trabalhava aqui em Piratini, “olha essa guria tem uma vontade de ser irmã, mas não pode é uma dificuldade ninguém aceita”., O Padre Severino disse assim pra madrinha: “não, não te preocupa Heloisa”. A minha madrinha de batismo era Ana Maria e de crisma era Heloisa, então naquele dia ele falando com a madrinha de crisma “não te preocupa Heloisa eu arrumo pra essa guria uma Congregação que ela vai só com a roupa do corpo, não precisa nada”. E daí foi por isso que eu entrei nessas irmãs, que as irmãs do Hospital de Canguçu, elas não sabiam muito dessa coisa que negro
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não podiam, acharam estranho quando chegaram aqui e tinha essa separação dos clubes branco e negro. Elas diziam que não entrava na cabeça essas coisas, pois já tinham entrado outras que eram negras também de Canguçu. Então o Severino disse que eu podia entra, então por isso que eu entrei numa Congregação. Fui pra Argentina com quinzes anos foi toda uma comédia pra eu poder sair do país. Tinha quinze anos não é (Entrevista realizada em 2011).
Logo em seguida de ser aceita pela Congregação em Canguçu irmã
Mariza foi mandada para a Argentina e por lá passou onze anos. Retornou
ao Brasil e depois de passar sete anos em Canguçu e quatro em Pelotas
regressou para a cidade natal, Piratini. Aos quinze anos quando foi para o
convento, quando questionada sobre a vocação, por uma freira mais velha,
Mariza disse que respondeu da seguinte maneira:
Irmã Mariza: [...] “mas vem cá por que tu que ser uma irmã”? E eu não sei da onde que eu tirei, eu acho que foi Deus mesmo, eu disse assim: “ah por que as irmãs tão sempre muito perto de Deus, eu quero estar bem perto de Deus também”. Eu acho que isso mexeu com ela, eu digo “eu quero viver perto de Deus que nem as irmãs”. Então por que ninguém nem eu imaginava que ela ia me fazer uma pergunta assim por que eu queria ser uma irmã nem nada, eu só sabia que eu queria ser uma irmã, mas não sabia o por que naquela hora eu digo, e a mãe quando ela me falava as irmãs falava na primeira comunhão que a mãe tinha fé, ela me falava olha as irmãs são umas mulher boa que falam bem suave com a gente são muito boa. Ela me falava assim bem das irmãs sabe então é vocação mesmo. (Entrevista realizada em 2011).
Figura 2: Fotografia retirada da irmã Mariza em uma reunião com as comunidades quilombolas.
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Um acontecimento interessante na família da religiosa Mariza é o fato
de ter dois irmãos umbandistas. Ambos são pais de santo. Enquanto um
possui terreiro de umbanda em Piratini o outro possui na cidade de Pelotas,
Irmã Mariza: Um ele é chefe do Centro Nossa Senhora da Conceição esse meu irmão mais velho ele sempre disse que ele gostava tanto da visita do Padre na escola e que ele achava assim que ele podia ser um Padre pra não morre. Ele achava que Padre não morria e depois de adulto se tornou umbandista. E esse outro lá de Pelotas também eles fazem todos os anos a Procissão. O Centro daqui de Piratini é Nossa Senhora da Conceição então no dia 8 nós fazemos os católicos a festa de Nossa Senhora da Conceição, tem uma novena e tudo, no domingo seguinte os umbandistas fazem a festa da Nossa Senhora da Conceição. Dezembro. Eles fazem vem de todos os centros eu sempre participo sabe, é um momento assim muito bom que eles fazem uns quatro anos que eles começaram. O primeiro domingo depois de dia 8, que dia 8 aqui é feriado a Padroeira do município, eles fazem uma procissão. Na procissão nunca fomos, mas depois o que eles fazem sempre participo. Eles ficam contentes não é e sempre são os mesmo sabe. Um ônibus do Capão do Leão, um de Pelotas ali da comunidade dos centros do meu irmão. Da ali assim uns três, quatro ônibus (Entrevista com irmã Mariza realizada no ano de 2011).
A freira conta que o relacionamento entre os três é tranquilo e cada
um respeita o espaço e opção religiosa do outro. O irmão que mora em
Piratini já chegou a colaborar em algumas atividades sociais que as irmãs
desempenham no município. As religiosas possuem uma Kombi do projeto
Casa da Acolhida a Mãe Gestante e a utilizam para poderem se deslocar
para o entorno rural ou outros espaços, mas a única que possui carteira de
motorista é irmã Amada. Por algumas vezes Mariza recorreu à ajuda do seu
irmão que também tem carteira de motorista para colaborar com alguma
empreitada da Igreja como motorista da Kombi.
Amada e Mariza pelo que contaram de suas histórias desde novas
pareceram mostrar vocação para a vida religiosa e em ambos os relatos
falam da vontade que sempre tiveram de viverem próximas de Deus. A
trajetória de ambas em muito se assemelha com os sujeitos que participam
dos projetos administrados por elas, pois são pessoas pobres e com
trajetórias de vida marcada por dificuldades e/ou discriminações.
As religiosas chegaram à cidade de Piratini em períodos diferentes.
Irmã Mariza em 1984 e irmã Amada de 1997. Mariza conta que quando
chegou à cidade morou em um hospital que hoje é ao lado da casa das
43
freiras. Na época eram cinco religiosas morando no hospital e após queixas
de uma nova diretoria com relação ao espaço que as irmãs estavam
ocupando no local, foram deslocadas para uma casa. A religiosa conta que
elas faziam um pouco de tudo no hospital. A alimentação, por exemplo, era
encargo delas e as saídas da clínica eram sempre controladas. Por
dezessete anos o hospital foi ocupado por freiras e, de acordo com Mariza
foi feito para elas,
Irmã Mariza: Uma diretoria que assumiu eles começaram a dizer que as irmãs estavam ocupando um espaço físico e fazia falta. Então e também... Por que nós morava no hospital então essa saidinha pra ir na paróquia, tudo isso era muito controlado por que as irmãs comiam, tinham pouso e ainda recebiam tudo ali... As irmãs se levantavam às cinco horas da manhã fazia fogo no fogão, tudo isso e bota o leite bota as coisas pro café da manhã até chegar os outros funcionários. Eles começaram a questionar a diretoria e foi a coisa mais boa por que aí saímos a procurar casa. Saímos a procurar casa e nem passou... Por que fazia dezessete anos que as irmãs estavam naquela casa e tinha sido feita pras irmãs. Se a gente assim, pedir pro hospital nos indenizar por aquilo ali... Nós saímos e a gente nem se lembrou (Entrevista realizada com Amada e Mariza no dia 31/03/2014).
A casa atual das irmãs estava à venda na época em que a nova
administração do hospital pediu a saída delas. A residência foi comprada e
para a nova moradia foram quatro religiosas. Quando Amada chegou ao
município às freiras já estavam morando na nova residência.
Figura 3: Casa das freiras no município de Piratini.
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Mariza em nossos diálogos mencionou o aumento da liberdade de
ações após mudarem para a nova morada, pois por não estarem mais
envolvidas e responsabilizadas pelos afazeres do hospital puderam iniciar o
engajamento em trabalhos sociais ou demais ofícios relacionados à
paróquia.
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3. O TRABALHO SOCIAL DAS RELIGIOSAS EM PIRATINI
3.1 Organização dos trabalhos sociais desenvolvidos
Recordo da primeira ida para a cidade de Piratini após o ingresso no
mestrado. Rememorei sobre o universo de pesquisa anterior que foi no
entorno rural do município e desde então não havia retornado à cidade.
Era trinta e um de outubro, quinta feira, e se não fosse pela primavera
diria ser um dia típico de verão. A manhã iniciou-se precocemente para a
aspirante à antropóloga.
O trajeto do ônibus Pelotas a Piratini pela empresa Expresso
Embaixador foi realizado em meio a minha intensa reflexão sobre o campo.
Por ser a primeira experiência sozinha não pude deixar de rememorar sobre
as aulas de antropologia da graduação quando li pela primeira vez os
escritos de Malinowiski ao descrever em Argonautas do Pacífico Ocidental o
seu trajeto e a sua chegada em campo enquanto olhava a embarcação que
o trouxe ficar cada vez mais distante:
Imagine-se o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento, numa praia tropical próxima a uma aldeia nativa, vendo a lancha ou o barco que o trouxe afastar-se no mar até desaparecer de vista. Suponhamos, além disso, que você seja apenas um principiante, sem nenhuma experiência, sem roteiro e sem ninguém que o possa auxiliar. Isso descreve exatamente minha iniciação na pesquisa de campo, no litoral sul da Nova Guiné (MALINOWISKI,1976, p. 23).
Essa passagem descrita por Bronislaw Malinowiski talvez já tenha
sido sentida por muitos antropólogos e eu um desses. A chegada em
Piratini, à descida do ônibus e o “adeus” a ele enquanto estava munida de
diário de campo, máquina fotográfica e, gravador fez-me atentar para os
menores detalhes daquele município até então nunca notados,
Durante o trajeto senti alguns olhares em minha direção, como o município é pequeno todos se conhecem e consequentemente detectam de longe um “estrangeiro”. [...] Em algumas partes da cidade na calçada é possível ver setas (de aço ou algum material do tipo na cor bronze) que indicam lugares de destaque como casa de
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generais e o museu da cidade. As setas possuem os seguintes dizeres [mais ou menos]: “caminho farroupilha”. E quando indica um estabelecimento considerado importante ela aponta para a direção do local. Piratini é uma cidade pacata, pequena, acredito que deve ter um grande número de moradores no entorno rural. As pessoas estão sempre nas calçadas, conversando ou parando para cumprimentar um conhecido (DIÁRIO DE CAMPO, 31/10/2013).
O “gelo” e ansiedade desse dia foram quebrados ao adentrar pelo
salão da paróquia da igreja para encontrar as futuras interlocutoras,
Na chegada da Igreja [...] Fui procurar pelas irmãs, nesse dia eu iria participar de um encontro da Pastoral Afro-Brasileira da Igreja Católica com as comunidades quilombolas do município. A reunião foi no salão da Paróquia que fica aos fundos da Igreja. Dei a volta por trás e subi uma escadinha estreita que dava para o salão. Quando entrei pela porta uma voz entoou: “é a dona Bruna”! Disse irmã Mariza e outra voz: “Ah, mas é você! Não lembrava quem era a Bruna”, disse Eva uma assistente social que eu havia conhecido durante a pesquisa de graduação. Fui bem recepcionada por todos os presentes. Algumas coisas estavam terminando de serem arrumadas enquanto o restante das pessoas ia chegando. Perguntei a irmã Mariza no que eu poderia ajudá-la e recebi a seguinte resposta: “Por enquanto eu quero que tu te alimenta” [apontando para uma mesa repleta de quitutes para o café da manhã]. Cada pessoa que chegava deixava um quitute na mesa. Vários bolos, de milho, cenoura, coco e até de beterraba, além de pães caseiros de todos os tipos e sabores, maionese, patês, chás, café e bolachinhas. (DIÁRIO DE CAMPO, 31/10/2013).
Irmã Mariza apresentou-me como estudante da Universidade Federal
de Pelotas e comunicou que naquele dia iria acompanhá-los na reunião a fim
de desenvolver trabalhos futuros. De modo consequente, membros das
comunidades quilombolas vinham falar comigo expondo os problemas dos
quilombos, o que já haviam conquistado e o que cada quilombo estava
precisando emergencialmente. Provavelmente por me apresentarem como
antropóloga e aluna da UFPel podem ter visto a possibilidade de dialogar
com alguém politicamente engajada ou capacitada para esclarecer algumas
questões.
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Figura 4: Registro fotográfico do encontro com as comunidades quilombolas em Piratini
Atualmente no município as freiras administram seis projetos. São
eles: Bem da Terra, Rouparia Solidária, Pomar Ecológico, Coopiratini
Reciclagem Solidária, Comunidades Quilombolas e Casa da Acolhida à Mãe
Gestante. Ao longo do trabalho uma abordagem de todos os projetos será
desempenhada para contextualizar os espaços transitados durante a
pesquisa. Subsequentemente, no seguinte subcapítulo uma abordagem
aprofundada em dois trabalhos será realizada para descrever o contexto da
dinâmica das ações sociais das religiosas.
A Casa da Acolhida à Mãe Gestante nasceu no ano de 2001. Tendo
como propósito acolher temporariamente mulheres e crianças vítimas de
violência domestica ou fragilizadas/desamparadas por fatores outros, além
de, acompanhar gestantes por toda a gravidez e o primeiro ano do recém-
nascido com o intuito de atender as instâncias da mãe e do bebê. Os
projetos Bem da Terra; Coopiratini Reciclagem Solidária; Pomar Ecológico e
Rouparia Solidária nasceram dentro da Casa da Acolhida a Mãe Gestante
que desempenha o papel de incubadora. O projeto nasce e vai sendo
instituído dentro desse espaço que ao ser concretizado e ganhar autonomia
econômica se desvincula do incubador.
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Figura 5: Fotografia da Casa da Acolhida a Mãe Gestante retirada no ano de 2013.
A fotografia acima registra a casa da acolhida9 em um momento
anterior a reforma do espaço que iniciou em meados do segundo semestre
de 2014. O local pertence à Mitra Arquidiocesana10 e todas as questões
relacionadas ao espaço são administradas e esclarecidas por Mariza e
Amada. O Pomar Ecológico e a Rouparia Solidária se encontram
atualmente vinculados à incubadora, ou seja, não são sancionados
burocraticamente, já a Coopiratini Reciclagem Solidária e Bem da Terra são
ratificados.
O espaço desde sua inauguração conta com um salário mínimo
mensal da prefeitura da cidade,
Irmã Amada: A prefeitura passa um salario mínimo para a Casa da Acolhida a Mãe Gestante desde o ano da inauguração. E não, não... Pode fazer... Irmã Mariza: É combustível... Irma Amada: O local apoia todos os projetos [...]. Não dá para nada irmã, paga-se a luz, paga-se água, paga-se o gás. E a luz 350,
9 Será exposto a sua antiga configuração e lógica dos trabalhos para em seguida
falarmos da reforma que visa à construção de um grande espaço. 10
Instituição que representa o bispado como pessoa jurídica.
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314... Atendimento de máquinas, gás entre os botijões... [...] É tudo com esse salário (Entrevista realizada em 31/03/2014).
Conforme com o relato das freiras, o salário recebido da prefeitura é
para cobrir todas as despesas do local. As religiosas por diversas vezes
relataram dificuldades em conseguir cobrir todos os gastos da casa da
acolhida somente com um salário mínimo. Abaixo um pequeno trecho do
diário de campo falando sobre esse espaço,
A Casa da Acolhida à Mãe Gestante é um local administrado pelas irmãs Amada e Mariza, mantido com um salário mínimo que recebe da prefeitura e algumas doações da população Piratinense. Como o próprio nome sugere, o espaço tem a finalidade de acolher não somente as mães gestantes ou lactantes, mas também abrigar temporariamente pessoas desabrigadas e/ou que não possuem para onde ir. O local também tem como fim ser usado para reuniões da igreja, oficinas de alimentação, corte e costura e entre outras coisas. Também ficam guardadas roupas recebidas da população que são comercializadas a baixo custo pela Rouparia Solidária. Na configuração antiga do espaço um cômodo pequeno era utilizado para a comercialização das roupas, todas bem organizadas em estantes ou araras, separadas por tipos de peças. A sala onde ocorriam as oficinas era relativamente grande e passando por ela se encontrava a pequena cozinha, ao lado dois quartos com aproximadamente cinco camas cada um, e adentrando mais pela casa estava localizada a panificadora onde se produzia os alimentos comercializados para o Bem da Terra (DIÁRIO DE CAMPO 31/10/2013).
Pomar Ecológico, Rouparia Solidária e Bem da Terra são
administrados no espaço da casa da acolhida. A panificadora e a rouparia na
configuração antiga da incubadora ficavam em peças distintas dentro da
casa enquanto o pomar aos fundos em um quintal de grande extensão.
O espaço onde se encontra o vergel possui variedade de hortas e
pomares de frutas cultivados sem o uso de agrotóxicos. Em uma das minhas
visitas ao lugar, na companhia de Amada, aprendi a receita de uma
alternativa barata e de eficácia praticada pelas irmãs em substituição aos
agrotóxicos, urina de vaca que, tem como efeito deixar as plantas mais
saudáveis e resistentes às pragas e doenças. O pomar possui diversos tipos
de verduras e leguminosas como alface (de diferentes tipos), rúcula, couve,
couve flor, espinafre, feijão, grão de bico, ervilha e entre outros, também,
são encontrados distintos pomares de frutas como butiá, araçá, bergamota,
laranja, romã, figo e outras diversidades de frutas. A localidade tem como
50
parte de sua organização a identificação das plantações e um sistema de
irrigação à volta do vergel. Atualmente o espaço é uma idealização das
religiosas que diariamente possuem o compromisso de cuidar, colher e
manter cultivado as plantações do local. Uma parcela dos alimentos
coletados no pomar vão para a panificadora do Bem da Terra onde são
produzidos sucos, biscoitos, geleias, doces, bolos, pães entre outros.
Figura 6: Na imagem ao fundo o Pomar Ecológico.
Figura 7: Nome com a identificação do alimento plantado.
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Figura 8: Amada em meio ao cultivo de horta.
O Bem da Terra atualmente passa por dificuldades em manter-se
economicamente, em momento anterior após sua legalização burocrática o
projeto mudou-se da casa da acolhida para um espaço alugado, porém, não
conseguiu dar conta dos gastos e retornou para dentro do projeto incubador.
O Bem da Terra funcionava na parte da frente da antiga configuração da
Casa da Acolhida a Mãe Gestante com compartimento para produção e
comercialização dos produtos separados. As irmãs colaboram sempre que
possível com a produção dos gêneros alimentícios como meio de compensar
o baixo número de cooperativadas em decorrência do pouco rendimento
econômico. Atualmente três mulheres estão vinculadas ao projeto e o salário
mensal é dividido de acordo com as horas trabalhas ao longo do mês.
Diariamente Amada ou Mariza fecham o caixa junto com mulheres, anotam
descritivamente em um caderno cada produto vendido junto com seu
respectivo valor e, posteriormente, guardam em um caixa próprio do projeto.
52
Figura 9: Dependência antiga onde estava se encontrava a parte da produção dos alimentos vendidos pelo Bem da Terra na Casa de Acolhida a Mãe Gestante em
momento anterior ao início da reforma da incubadora.
Uma das minhas visitas ao município de Piratini oportunizou colaborar
com uma atividade da Coopiratini Reciclagem Solidária. Por tempo
indeterminado em todas as terças e quintas Amada saía de sua residência
por volta das 8h da manhã com a Kombi da Casa da Acolhida a Mãe
Gestante para coletar os lixos recicláveis que os moradores e comerciantes
de Piratini costumavam deixar na avenida principal. Para ajudar na coleta
duas mulheres da cooperativa costumavam estar presente. Somente depois
de completamente cheia de material reciclável a Kombi seguia em direção à
cooperativa para depositar os materiais coletados na manhã. Irmã Amada
desempenhou essa tarefa semanalmente até a prefeitura disponibilizar um
caminhão para realizar a coleta. O material reciclável ao chegar à
cooperativa é descarregado da Kombi pelas cooperativadas. Em uma das
oportunidades em conversar com as mulheres que trabalham no espaço ouvi
todas mencionarem de maneira categórica o papel fundamental das
religiosas para a perpetuação do projeto mesmo em meio às adversidades
(baixo rendimento econômico mensal).
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Figura 10: Imagem do lixo seco recolhido dentro da Kombi.
Figura 11: Algumas mulheres da Cooperativa retirando o lixo de dentro da Kombi.
O espaço atual da cooperativa é em um armazém antigo de silo da
prefeitura que estava desativado e por período indeterminado e registrado
em contrato foi disponibilizado para a Coopiratini Reciclagem Solidária. O
local é afastado do centro da cidade e conta com um ambiente grande de
54
lote onde futuramente a cooperativa pretende realizar novas instalações
para ampliar e organizar melhor o espaço.
Os projetos Coopiratini Reciclagem e o Pomar Ecológico não
representam somente um meio logrado para incluir pessoas (econômica e
socialmente), mas também, uma preocupação (por parte das religiosas) com
um desenvolvimento em concomitância com a sustentabilidade. Evidencia a
responsabilidade social das freiras também com o meio ambiente e
incentiva, de modo consequente, essas representações para as pessoas
engajadas nesses trabalhos. Desta forma, os sujeitos envolvidos nos
projetos possuem suporte financeiro e também estímulo para consciência e
compromisso com um desenvolvimento sustentável.
Embora sancionados burocraticamente os projetos Bem da Terra e
Coopiratini Reciclagem permanecem com apoio diário da Casa da Acolhida
a Mãe Gestante através das ações de Mariza e Amada. Os sujeitos
envolvidos na Coopiratini Reciclagem Solidária e o Bem da Terra são
predominantemente fragilizados no âmbito social e econômico e apresentam
ter pouca dinâmica para lidarem com trâmites burocráticos referentes a
esses trabalhos, tornando recorrente a participação de Amada e Mariza
nesses projetos. As religiosas deram todo o suporte para os trabalhos se
consolidarem burocraticamente e atualmente continuam com dando apoio
para que se mantenham. Além do mais, o surgimento de qualquer problema
é solucionado pelas irmãs.
Durante um longo período das saídas de campo para Piratini, as
irmãs sempre fizeram questão de falar sobre os quilombos ou reforçar a
importância da minha participação em algum evento relacionado com as
comunidades. Deixei que Amada e Mariza me conduzissem de acordo com
o que julgassem importante acompanhar do dia a dia delas. Sempre era
convidada para fazer visita quando tinha algum acontecimento com os
grupos quilombolas.
Às vezes realizava ligações para a casa das religiosas perguntando a
semana mais adequada para ir a Piratini e como resposta sempre fazia
direcionamento para datas já marcadas com compromissos referentes aos
quilombos. Se na semana ou nos dias seguintes não tivesse nada
programado elas pediam para esperar, pois no momento não tinha nada que
55
julgassem de importante. Provavelmente o interesse inicial de ambas em me
ver presente com os quilombos era por fazerem ligação com o trabalho
anterior que desenvolvi na graduação em uma das comunidades
quilombolas (a aproximação dos demais projetos ocorreu de maneira
gradativa a cada ida à cidade).
O projeto que elas administram com os quilombos abarca todos os
tipos de questões e problemas que envolvem os grupos. Desde conflitos
internos entre as comunidades (problemas familiares, alcoolismo, violência
doméstica e etc) a atribulações maiores a respeito, por exemplo, sobre o
destino da comunidade como o processo de reconhecimento identitário, a
formação de associações, construções de moradias e entre outros assuntos.
Irmã Mariza, irmã Amada e a assistente social Eva estão constantemente
fazendo mediações das comunidades com outros agentes.
O contato inicial com as religiosas da igreja católica da cidade de
Piratini ocorreu na pesquisa para o trabalho de conclusão do bacharelado
em antropologia pela UFPel. A comunidade quilombola pesquisada na época
é assistida e mediada a mais de quinze anos pela Pastoral Afro-Brasileira.
A Pastoral Afro-Brasileira atualmente é responsável pela elaboração e
execução de estratégias eclesiais cujo público alvo é abranger minorias
étnicas desfavorecidas e teria surgido de outros movimentos negros
existentes no organismo da Igreja Católica.
[...] A ideia da pastoral surgiu na década de 1970, quando dom Helder Câmara realizou a missa dos quilombos. O documento da CNBB número 85 (Pastoral Afro-brasileira) apresenta o ano de 1988, como sendo marco inicial, já os coordenadores localizam seu início entre os anos de 1986 e 1988. Essa dificuldade deve-se a dois motivos principais: primeiro a Pastoral Afro foi oficializada em Brasília, num dos gabinetes da CNBB, onde estavam presentes cerca de cinco pessoas encarregadas de preparar um subsídio sobre a situação dos afro-brasileiros; o segundo, e talvez o mais importante, é que essa pastoral é resultado de outros movimentos negros surgidos anos antes no interior da Igreja Católica (OLIVEIRA, 2011, p. 02).
Esse segmento religioso católico, administrado pelas irmãs no
município de Piratini, mediou às relações da comunidade com agentes
políticos, participaram, inclusive, no processo de autorreconhecimento do
grupo como remanescentes de quilombos além de, promoverem oficinas
56
direcionadas para a rentabilidade do grupo que vive em situação financeira
precária.
A comunidade passava por uma série de problemas relacionados a
desemprego, saúde, alcoolismo, dificuldades de aprendizagem das crianças
na escola e entre outros fatores, desde então as irmãs passaram frequentar
a comunidade e a intermediar alternativas para solucionar as demandas do
grupo.
Após ver todos os problemas e carência do quilombo a pastoral afro
começou a tomar as primeiras medidas para ajuda-los. Iniciaram
acompanhamento das crianças na escola e a conversar com os alunos do
colégio de uma maneira geral. Alguns meninos e meninas da comunidade
sofriam preconceito racial e como alternativa passaram a não participar nos
intervalos por receio de agressões verbais das demais crianças. Além disso,
um profissional da agronomia foi chamado para ajudar o quilombo
objetivando ensinar práticas de plantio com o intuito de aumentar a fonte de
alimento de todos. Abaixo o trecho da entrevista realizada com Eva que atua
junto à pastoral:
Eva: [...] A gente fez uma parceria com a Pastoral da Terra também e se conseguia as sementes pra eles e ia um agrônomo que até faleceu agora que ele nos acompanhava ia lá e ensinava também a plantar [...] não tinha uma árvore de fruta, por exemplo, hoje eles já tem vocês perceberam lá [...]. (Entrevista realizada com Eva no dia 13 de maio de 2012).
Ademais, parte das mulheres da comunidade passou a frequentar a
Casa da Acolhida a Mãe Gestante onde aprenderam a preparar alimentos
aproveitando os gêneros alimentícios que vinham mensalmente nas cestas
básicas e, também, com frutas de pomares encontradas nas redondezas do
território quilombola. Igualmente na Casa da Acolhida à Mãe Gestante as
mulheres participavam de oficinas como, por exemplo, de corte e costura. E
na volta pra casa levavam normalmente uma determinada quantidade de
leite para as crianças.
Entre os problemas mencionados havia um agravante. O quilombo
estava passando por sérios problemas de saúde em decorrência de
agrotóxicos utilizados por uma empresa na região e, de modo consequente,
57
chegando à comunidade e afetando com mais intensidade a saúde das
crianças. Irmã Mariza contou a história de luta para obterem a retirada das
plantações de pêssegos que estavam nos arredores da comunidade
fragilizando o bem-estar do grupo.
Como medida a Pastoral Afro-Brasileira desempenhou na
comunidade não só um papel de assistencialismo, mas também de
mediação. Passou a mediar, por exemplo, o dialogo do grupo com órgãos
públicos como o Ministério da Saúde, a FUNASA e entre outros para que a
indústria que plantava pêssegos na região tirasse a plantação dos arredores.
Ademais, como caminho para ajudar o grupo e facilitar o acesso a benefícios
do governo surge à ideia, pela pastoral, do reconhecimento identitário do
grupo como remanescentes de quilombos. Com o reconhecimento da
comunidade como remanescentes de quilombos a perspectiva era de trazer
melhorias para todos ajudando-os a suprir carências através da aquisição de
cestas básicas, acesso à luz, melhorias nas casas, ou seja, através do
reconhecimento o acesso aos programas oferecidos pelo Governo seria
facilitado.
Figura 12: Quilombo Fazenda Cachoeira retratado acima. No canto esquerdo da imagem, irmã Mariza.
58
As comunidades de maneira geral apresentam problemas de todos os
tipos para que as irmãs intercedam de alguma maneira. Nas idas a campo
sempre de encontro com eventos das comunidades quilombolas realizados
pela pastoral encontrava banners com dizeres: “Quilombolas de Piratini na
busca pela inclusão social” ou “Compromisso com a inclusão
socioeconômica e histórica cultural das comunidades negras e quilombolas”.
Nesses eventos cada liderança das cinco comunidades fala dos
problemas enfrentados pelo grupo e subsequentemente as freiras discorrem
acerca de questões étnicas, o avanço do negro na sociedade, a contribuição
da igreja católica, o surgimento da pastoral afro dentro da igreja e sua
importância para ajudar na causa do negro, celebração da primeira missa
afro e entre outros assuntos. Quase que diariamente, segundo relatos das
freiras, são procuradas para se inteirar e tomar partido de alguma
adversidade. Frequentemente, por exemplo, chegam até as irmãs problema
relativo à violência feminina que a partir das religiosas o assunto (quando
julgado necessário) é direcionado as autoridades,
Irmã Amada: E depois claro, que tu imagina a qualquer horário as irmãs estão disponíveis para tudo. Qualquer horário da noite qualquer horário do dia. Irma Mariza: As Maria da penha sempre toca pra nós. Bruna: É mesmo? Irmã Amada: É a Maria da penha sempre. E assim outro dia uma criatura de quatorze anos, duas e meia da madrugada a gente se levanta a hora que seja por que é isso que nós decidimos por que não é peso nenhum. Nós estamos falando de apoio público (Entrevista realizada no dia 31/03/2014).
Questões do âmbito alimentar também chegam com recorrência até
Amada e Mariza. Muitas famílias dos quilombos costumam procurá-las para
resolver problemas referentes à alimentação. Como iniciativa as freiras
mobilizam conhecidos do município (comerciante local, amigos) para
arrecadar alimentos e organizar uma cesta básica.
Todos os projetos citados até aqui são administrados por mulheres.
Não recordo de nenhuma presença masculina conduzindo alguma das
ações. As religiosas em uma de nossas conversas relataram que os poucos
homens que contribuem com algumas questões dos projetos são os
apenados. A delegacia local comumente envia apenados para prestarem
59
trabalhos sociais com as irmãs que direcionam para quais projetos essas
pessoas vão prestar serviços. Comumente fica como encargo trabalhos mais
pesados ou do que é tido como espaço masculino na nossa sociedade
como, por exemplo, trocar lâmpadas, arrumar telhas, pinturas e algumas
coisas relativas a construções. Quando se trata de apenadas as irmãs
normalmente as enquadram nos trabalhos da padaria, como ajudantes nas
aulas de corte e costura na Casa da Acolhida a Mãe Gestante ou mesmo em
afazeres domésticos dentro dos projetos. Um acontecimento expressivo
observado em todos os trabalhos é que as mulheres engajadas em cada um
deles são fragilizadas social e economicamente e em sua maioria mulheres
separadas e/ou vítimas de violência doméstica.
Durante a pesquisa pude observar nos trabalhos sociais
administrados pelas religiosas uma divisão de tarefas entre ambas. Mariza e
Amada apresentam agendas diferentes do que será realizado ao longo do
dia. Irmã Mariza tem um envolvimento maior com as aulas de catequeses e
o projeto Comunidades Quilombolas enquanto, já irmã Amada regularmente
gerencia a Casa de Acolhida a Mãe Gestante, Coopiratini Reciclagem
Solidária, o Bem da Terra e o Pomar Ecológico. No último tópico onde será
abordado com ênfase a Coopiratini Reciclagem Solidária e as Comunidades
Quilombolas será possível observar com mais clareza essa divisão de
tarefas, pois Amada participa assiduamente do primeiro e Mariza do
segundo, porém, não excluindo a participação de ambas nos respectivos
projetos. Amada ao longo da pesquisa apresentou um envolvimento maior
com questões burocráticas referentes à casa da acolhida, cooperativa, Bem
da Terra e Rouparia Solidária. Já Mariza ao longo das observações
apresentou sempre maior engajamento com as comunidades quilombolas
juntamente com a assistente social Eva que trabalha como voluntária na
Pastoral Afro-Brasileira. Mariza está sempre visitando as comunidades no
entorno rural do município colaborando com a organização e simpósios
desses grupos.
Na pesquisa conheci a freira Amada tempo depois. Sempre quem
visitava e participava das reuniões com o quilombo do qual trabalhei era
Mariza. O primeiro contato que tive com Amada ocorreu em uma das idas ao
centro da cidade quando fui levada por Mariza para conhecer a Casa de
60
Acolhida a Mãe Gestante. Dos encontros dos quilombos que participei nos
últimos meses para a pesquisa do mestrado Amada estava presente em
apenas um deles. Sempre que perguntava sobre ela Mariza respondia que
estava resolvendo problemas do projeto incubador.
Atualmente o espaço da Casa da Acolhida a Mãe Gestante encontra-
se em reforma. O projeto visa à construção de um grande local dividido em
setores: o primeiro será a área de formação. O recurso para a construção
deste espaço vem do Orçamento Participativo de 2012; o segundo
contempla a casa das gestantes (contendo dois quartos, cozinha, banheiro e
sala de lazer) onde irá ter área de produção artesanal, área administrativa e
área de higienização; terceiro setor será a área de comercialização artesanal
e alimentar sendo o seu marco legal o projeto Bem da Terra. A ajuda para a
construção desse último espaço está vindo do exterior (Espanha). De acordo
com irmã Amada são doações mensais feita por amigos e simpatizantes do
projeto Casa da Acolhida a Mãe Gestante. Com o local em reforma dois
projetos foram deslocados temporariamente em espaços improvisados pelas
irmãs. A panificadora foi realocada numa pequena casa alugada a baixo
custo para produzirem os alimentos. Já a comercialização desses gêneros
alimentícios pelo Bem da Terra e a Rouparia Solidária funcionam
semanalmente nas terças e quintas feiras na garagem da casa das freiras.
Figura 13: Imagem da casa das religiosas juntamente com a garagem ao lado utilizada temporariamente para fim comercial.
61
Figura 14: Imagem dos alimentos e roupas comercializados.
Figura 15: Produtos comercializados pelo Bem da Terra.
62
Figura 16: Roupas comercializadas pela Rouparia Solidária.
Um acontecimento que chamou a atenção no projeto da nova Casa
da Acolhida a Mãe Gestante é que a parte das gestantes após a construção
total do espaço estará localizada na parte central da edificação. Amada
mencionou em um dos nossos diálogos em que abordávamos o novo projeto
da incubadora que não abria mão do espaço das gestantes na planta do
projeto e que deveria obrigatoriamente se encontrar na parte central, pois foi
o proposito inicial de tudo, onde tudo começou.
É relevante que as religiosas comecem os trabalhos pela Casa da
Acolhida a Mãe Gestante e que ali seja uma incubadora para outros
projetos. Toda essa forma de organização significa muito do que elas
compreendem do que é ação social. Não por acaso a “mãe gestante” é a
incubadora dos demais projetos. Vê-se muito do feminino dentro das ações.
A maneira como esses trabalhos são administrados e articulados mostra um
pouco da configuração de um modo de fazer especifico que foi sendo
constituído quando elas tiveram também autonomia com relação ao hospital,
sendo significativo como elas constroem e articulam esses espaços das
ações sociais no município de Piratini.
63
3.2 Coopiratini Reciclagem Solidária e Comunidades Quilombolas: uma
busca por reconhecimento e visibilidade.
A relação de pesquisadora com as irmãs Amada e Mariza foi
passando por transformações positivas no decorrer do tempo. De modo
consequente, a entrada e participação em cada projeto também se
modificaram. Apesar de conhecer ambas a um período significativo (meados
de junho de 2011), somente no segundo semestre de 2014 é que a maneira
de nos relacionarmos foi tomando novo corpo. Em momento anterior a esse
afeto que hoje nos rodeia, a busca por um contato e/ou seguir
estabelecendo vínculo ocorria por iniciativa minha. Até então não havia
ocorrido procura inicial por parte de ambas para participação de algum
evento, uma simples visita ou mesmo telefonema para trocar informações.
Márcio Goldman, fala da importância do tempo em uma pesquisa. O
tempo não permite apenas aos "nativos" se acostumarem com os
etnógrafos, mas também afetar o pesquisador fazendo-o se inteirar e se
entregar mais ao campo. "O passar do tempo não é apenas o passar do
tempo" (GOLDMAN, 2005).
Em lugar de supor que o tempo apenas fornece um meio externo para as relações humanas, é preciso compreender que ele é, ao contrário e em si mesmo, uma relação. Pois é apenas com o tempo, e com um tempo não mensurável pelos parâmetros quantitativos mais usuais, que os etnógrafos podem ser afetados pelas complexas situações com que se deparam – o que envolve também, é claro, a própria percepção desses afetos ou desse processo de ser afetado por aqueles com quem os etnógrafos se relacionam (GOLDMAN, 2005, p. 150).
Não por acaso a relação pesquisador e pesquisado se modificou. O
modo de me relacionar e olhar o campo foram se transformando com o
passar do tempo e, de fato, “o passar do tempo não é apenas o passar do
tempo”. Foi apenas com “ele” que houve uma entrega para a pesquisa e a
reciprocidade. Os telefonemas nunca recebidos passaram a ser recorrente,
assim como também os e-mails trocados, e claro, o meu papel foi além de
pesquisadora com o transcorrer da pesquisa. Brandão comenta em
Reflexões sobre como fazer um trabalho de campo, dois tipos de
64
observação participante e de como são importantes para que seus
interlocutores sintam o seu engajamento/comprometimento com o universo
deles,
Em primeiro lugar, porque se faz estando pessoalmente no lugar e observando e compreendendo aquilo que está acontecendo, por participar da vida cotidiana das pessoas. [...] Há momentos em que eu participo de um mutirão, trabalho num mutirão com as pessoas. Não para sentir, não para que as pessoas me sintam como alguém deles, mas que para esse participar faça com que eu me identifique mais de perto como uma pessoa não deles, mas mais próxima deles, daqueles lavradores que eu pesquiso (BRANDÃO, 2007, p.
14).
Se antes observava as ações e participações das religiosas em cada
um dos projetos, passei a mediar e a participar dos seus cotidianos.
Telefonemas para cotação do preço de mármore para a mesa da padaria na
nova Casa da Acolhida a Mãe Gestante foram realizadas, tomar
conhecimento sobre fossas sépticas biodigestoras para repassar
informações as irmãs também foi uma das tarefas desempenhadas. As
religiosas queriam ter ciência de como eram feitas e do que precisavam para
que fossem implementadas no novo espaço da casa da acolhida. Para isso
foi necessário estabelecer contato com pessoas da EMBRAPA para obter
informações sobre o assunto, ler manual de instruções sobre a construção
dessas fossas sépticas e tomar nota dos benefícios desse tipo de
empreendimento para repassar para Amada e Mariza. Por conseguinte, as
fossas sépticas biodigestoras foram inclusas no projeto da construção do
espaço.
O papel de professora da Universidade Federal de Pelotas em
telefonemas mediadores sobre a liberação de parte da verba para construir o
setor I da Casa da Acolhida a Mãe Gestante também foi uma tarefa
desempenhada. Ao longo de uma semana foram feitas ligações para a
Secretária da Economia Solidária e Apoio a Microempresa de Porto Alegre e
também, verificado constantemente o site (www.sahr.rs.gov.br) para saber o
andamento do processo para a liberação do valor equivalente a 100.000
reais que estava trancado desde o início do ano de 2012.
Além disso, colaborei para a construção digital do folder que as irmãs
estavam montando para a divulgação da Casa da Acolhida a Mãe Gestante.
65
Em uma das idas para participação de uma reunião a pedido de Eva com as
comunidades quilombolas11 irmã Amada solicitou que sem falta no final do
dia, antes de pegar o ônibus para Pelotas a esperasse na casa de Eva, pois
precisava de uma ajuda pessoal. No final do dia conforme combinado nos
encontramos. Amada chegou com um papel contendo uma imagem e
tópicos explicativos que seriam colocados no folder. Disse que não abria
mão de absolutamente nenhum conteúdo que estivesse nele. O papel
entregue continha os objetivos da Casa da Acolhida a Mãe Gestante,
propostas de atividades, apoios e realização. Tudo foi escrito conforme o
entendimento das religiosas sobre a incubadora e ações realizadas pelas
religiosas.
Figura 17: Imagem do Folder.
11
Adiante será descrito com mais detalhes a participação nessa reunião.
66
Figura 18: Imagem do Folder.
O folder foi montado respeitando todas as exigências das irmãs.
Apenas fotografias foram acrescentadas a pedido de Amada. O que chamou
a atenção foi à imagem que a religiosa trouxe aquele, dia feita com a ajuda
de um conhecido. O desenho, segundo a freira, faz uma representação da
Casa da Acolhida a Mãe Gestante. Ilustrada por uma mulher grávida se
olhando no espelho e a imagem refletida mostra o globo terrestre carregado
na barriga pela jovem.
67
Figura 19: Imagem entregue por Amada para ser colocada no folder.
A fotografia acima representa todo o significado da casa da acolhida
para essas religiosas. O de acolher e amparar mulheres grávidas e de gestar
projetos não só para a comunidade local, mas para o mundo. Projetos esses
que visam uma ampla representatividade, reconhecimento e visibilidade.
Outro momento de grande relevância durante a pesquisa foi o convite
feito por Eva para participar da consolidação de uma nova comunidade no
município de Piratini, um quilombo urbano. Eva solicitou ajuda para montar a
Ata e o estatuto que seriam enviados para a Fundação Palmares. A reunião
ocorreu no dia 25 de outubro de 2014 de uma tarde de sábado. Mariza e
Amada não compareceram neste dia. Cerca de cinquenta pessoas se
fizeram presente sendo alguns já conhecidos. Ouvimos as pessoas que se
dispuseram a falar sobre as motivações para a consolidação de uma
comunidade quilombola, nomes sugeridos para o quilombo e buscamos
construir a história do grupo de acordo com os relatos de cada um.
68
No dia 25 de outubro de 2014 fui para o município de Piratini a convite de Eva para ajudar na formação da Ata e Estatuto do quilombo que está se formando no perímetro urbano da cidade. Mais ou menos cinquenta pessoas estavam presentes entre homens, mulheres, crianças, jovens e idosos. Foi uma satisfação participar da reunião e ajudar o grupo na medida do possível. Procuramos dar corpo a história da comunidade através dos relatos ouvidos e ajudar na escolha do nome (parte do grupo queria o nome de Lanceiros Negros, mas Eva sugeriu o nome de uma pessoa importância para a história do quilombo). Fui apresentada como antropóloga ao grupo e após a reunião várias pessoas vieram até mim fazer queixas ou pedir informações (muitas delas não soube dar resposta). Muitos desempenham serviços gerais sem assinar carteira e esperam através do reconhecimento identitário ter acesso aos benefícios do governo e consequentemente uma ascensão social (Diário de campo de 25/10/2014).
A reciprocidade ao longo do tempo não veio somente de Mariza e
Amada, mas veio também de pessoas de algumas comunidades
quilombolas e pessoas que colaboram com os projetos das irmãs como, por
exemplo, Eva. Participei de um fórum de Educação e Diversidade no estado
do Mato Grosso pela Universidade do Mato Grosso (UNEMAT) onde realizei
uma exposição fotográfica chamada Olhares Sobre a Terra que tinha como
finalidade reunir trabalhos fotográficos sobre a terra de assentamento,
aldeias indígenas e quilombos realizados por professores, pesquisadores,
moradores de assentamentos, aldeias indígenas e quilombos. A
oportunidade foi aproveitada para divulgar fotografias que Eva tinha de todas
as comunidades quilombolas do município de Piratini.
Atualmente no município existem cinco comunidades quilombolas
situadas no entorno rural da cidade: Rincão do Couro, Fazenda Cachoeira,
Rincão da Faxina, São Manoel e Rincão do Quilombo. Todas reconhecidas e
cadastradas pela Fundação Palmares. E embora os encontros com os
grupos não ocorram toda semana, a disponibilidade das irmãs para tratar de
algum assunto é integral. Normalmente Mariza se inteira das questões
referentes aos grupos quilombolas.
Nos encontros com as comunidades várias demandam costumam
serem abordadas objetivando soluções ou mesmo para manter diálogo e
interação entre os grupos. Com relação aos demais projetos as
comunidades remanescentes de quilombos apesar das diversas demandas
relacionadas à saúde, alimentação, moradia e entre outros, aparenta ter e/ou
contar com mais suporte já que se trata de uma categoria jurídica e
69
subintende-se terem aporte do Estado. Além disso, várias parcerias com
universidades e professores já foram estabelecidas ao longo dos anos.
Atualmente a professora Rosane Rubert da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel) através de um projeto de etnodesenvolvimento tem colaborado com
as irmãs para tratar de algumas temáticas como, por exemplo, geração de
renda. A professora juntamente com um grupo de bolsistas realizou visitas
em todos os quilombos para ouvir de cada um os assuntos mais
emergenciais onde o setor econômico apareceu com recorrência.
Inicialmente a medida adotada foi levar uma nutricionista também professora
da mesma universidade para ajudar a pensar na geração de renda por meio
da produção de gêneros alimentícios como, por exemplo, compota de doces.
Figura 20: Reunião em uma das comunidades quilombolas junto com professores da UFPel.
O ano de 2014 foi marcado pelo intenso período eleitoral para a
presidência do Brasil e outros cargos e como consequência todas as
comunidades quilombolas do município de Piratini receberam visitas de
alguns candidatos e entre eles a candidata a Deputada Estadual Reginete
Souza Bispo filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT). As pautas da
campanha da candidata eram: sociedade sem racismo e sem machismo;
70
políticas públicas e de segurança; acesso a terra; mobilidade urbana;
valorização das culturas; diversidade; igualdade e educação inclusiva.
Reginete Bispo 12fez visitas nos quilombos e mobilizou as lideranças de
cada um para uma reunião na cidade de Piratini. A candidata recebeu o
apoio das irmãs e da assistente social Eva para a campanha, pois em seu
discurso a comunidade negra era fortemente presente. A reunião com a
candidata a Deputada Estadual ocorreu no dia nove de setembro de 2014 as
18 h na casa da liderança do quilombo Rincão do Couro que mora no
perímetro urbano da cidade. Mariza, Eva e eu participamos dessa reunião. A
candidata inicialmente trouxe seu discurso em prol do PT (partido
pertencente) mostrando todas as politicas públicas e sociais proporcionadas
pelo partido em benefício a comunidade negra. Por conseguinte, trouxe suas
propostas todas voltadas para politicas sociais, políticas públicas,
valorização da cultura, educação inclusiva e comunidade negra. A reunião
contou com poucas pessoas, nem todas as lideranças das cinco
comunidades estiveram presentes13.
Figura 21: Registro da visita da candidata Reginete Bispo com lideranças quilombolas em Piratini.
12
Reginete Bispo é negra e, conforme mencionado pela mesma, seu nome foi um dos levantados e escolhido por lideranças negras para concorrer ao cargo de Deputada Estadual pelo estado do Rio Grande do Sul.
13 Parte das pessoas não compareceu na reunião em decorrência da dificuldade de
locomoção e do horário de expediente do trabalho.
71
Os contatos que as religiosas vão estabelecendo ao longo do
caminho são aproveitados para abarcar outras questões ou mesmo outros
projetos. A rápida visita da candidata, por exemplo, foi aproveitada para
tornar visível o trabalho da Coopiratini Reciclagem Solidária. No dia seguinte
após a reunião com as comunidades Reginete Bispo combinou de
comparecer na casa das religiosas para tomar conhecimento dos projetos
administrados por elas e conhecer a cooperativa.
No dia seguinte levantei (10/09/2014) as quinze para sete da manhã tomei café junto com as irmãs e ficamos aguardando Reginete que ficou de aparecer para nos buscar e irmos juntos apresentar a cooperativa de lixo seco. O dia estava frio e chuvoso. Reginete chegou depois do horário combinado na casa das religiosas. A candidata chegou por volta das nove e por cerca de uma hora conversou com as irmãs que fizeram questão de falar sobre a casa da acolhida e todos os projetos que abrange. Falaram da situação atual dos trabalhos, da construção da nova casa da acolhida (mostraram inclusive a planta do projeto) e das dificuldades financeiras. A ocasião foi aproveitada para pedir ajuda a candidata na liberação de verba para parte da construção da Casa da Acolhida a Mãe Gestante que está emperrada desde inicio 2012 (DIÁRIO DE CAMPO 10/09/2014).
O projeto de etnodesenvolvimento coordenado pela professora
Rosane Rubert também foi veiculado para colaborar com outro trabalho. A
professora juntamente com o professor Marcos da Universidade Federal do
Rio Grande (FURG) levaram a presidente da cooperativa da cidade de Rio
Grande para relatar as experiências e dificuldades passadas pelo grupo as
mulheres cooperativadas de Piratini objetivando trazer novas ideias e
estimular o trabalho das mulheres.
72
Figura 22: Registro da reunião com o professor Marcos da FURG, irmã Amada e algumas mulheres da Cooperativa.
Atualmente dez mulheres estão à frente da cooperativa: Márcia,
Izabel, Maura, Zaneti, Graciane, Mailan, Luciane, Eodete, Alda e Fabiane.
Neste dia da reunião somente uma cooperativada não compareceu em
decorrência de problemas de saúde. A reunião ocorreu no dia 24 de outubro
do ano de 2014. Jeci (presidente da cooperativa da cidade de Rio Grande)
trouxe um vídeo com depoimentos de alguns cooperativados para ilustrar o
trabalho deles na cidade de Rio Grande e relatou as dificuldades iniciais do
grupo até se consolidarem. A reunião assumiu o propósito de trocas de
experiências e incentivo para as mulheres da Coopiratini Reciclagem
Solidária.
Os trabalhos sociais citados aqui e todos os outros que as irmãs
Amada e Mariza administram objetivam visibilidade e o reconhecimento, não
apenas da comunidade local (município de Piratini), mas também da
sociedade englobante. Tornar visível cada um dos projetos é ter as ações
reconhecidas e suporte para dar continuidade a cada um. Uma das saídas
para refletir sobre as ações das religiosas é através dos propósitos e
configurações dos Movimentos Sociais que será propósito de reflexão no
seguinte subcapitulo.
73
3.3 Antropologia e os Novos Movimentos Sociais
O sociólogo Jeffrey Alexander ao realizar uma revisão sobre
movimentos sociais faz um contraponto do modelo clássico com os “Novos”
Movimentos Sociais. O primeiro, inicialmente identificado como movimentos
revolucionários e entendidos como mobilizações de massa que visam
apossar-se do poder de um Estado antagônico, para posteriormente ser
estudado a partir de uma perspectiva que levava em conta a contingência e
a subjetividade dos atores (ALEXANDER, 1998). As estruturas simbólicas
desses movimentos sociais remetem a existência da sociedade civil e ser
membro de uma sociedade civil significa participar da ampla e significativa
solidariedade do “individualismo institucionalizado” que proclama todos os
homens e mulheres irmãos e irmãs (ALEXANDER, 1998, p. 24).
As mediações com setores públicos, professores de universidades e
atores políticos representam possibilidades de parcerias, solidificação dos
trabalhos desenvolvidos além de fomentar os princípios religiosos da igreja
católica e de muitas outras religiões: a solidariedade e igualdade entre os
filhos de Deus. Essa dissertação e relação com as religiosas não deixa de
ser um exemplo dessas mediações e negociações. O trabalho, de certa
maneira, foi percorrendo caminhos sugeridos por ambas ao longo da
pesquisa objetivando dar luz a cada projeto e ter uma participação solidária
e contribuinte na medida do possível para esses trabalhos sociais. A
participação da comunidade local, de personalidades políticas, professores
de grandes universidades ou mesmo de uma antropóloga proporciona a
legitimidade dessas ações.
Os movimentos sociais [...] devem ser entendidos como respostas à possibilidade de construir “problemas” convincentes nesta ou naquela esfera, e de transmitir essa “realidade” ao conjunto da sociedade. Antes de formar-se um movimento social, seja um movimento operário, seja um movimento pela libertação das mulheres, poucos atores reconhecem a existência do problema que é colocado pelo movimento, muito menos que haja uma solução para ele. O que legitima a construção do movimento – na realidade, sua principal motivação – é a referência latente às obrigações criadas pela sociedade civil (ALEXANDER, 1998, p. 25).
74
A ambição de todo movimento social, segundo Alexander, é realocar
demandas específicas tirando-as de instituições particulares para o interior
da própria sociedade civil e quando isso ocorre e as “conversações são
iniciadas” com a sociedade o problema e o grupo que o aciona entram para
o âmbito da vida pública (ALEXANDER, p. 26, 1998).
A reflexão pretendida aqui não é baseada nos Movimentos Sociais de
caráter classista que se configurava nos movimentos sindicais operando em
torno do mundo do trabalho, mas sim, nos ditos “Novos” Movimentos Sociais
configurados por ações coletivas de cunho sociopolítico visando incluir o
indivíduo de maneira social e econômica na sociedade.
Os “novos” movimentos sociais desenvolvem ações particularizadas relacionadas às dimensões da identidade humana, deslocada das condições socioeconômicas predominantes, de modo que suas práticas não se aproximam de um projeto de sociabilidade diferenciada das relações sociais capitalistas, ou seja, não se voltariam para a transformação das atuais formas de dominação políticas e econômica, no sentido da construção de sociedade baseada na organização coletiva e no desenvolvimento das potencialidades humanas na direção não-capitalista (SIQUEIRA, p. 03, 2010).
Os “novos” movimentos sociais, que aqui falamos, expressam uma
preocupação com a condição do indivíduo e suas ações iniciais podem ser
pensadas, segundo a perspectiva de Siqueira, como mediadoras na busca
às perguntas geradas no cotidiano, projetando-se para uma perspectiva
maior do que os problemas da cotidianidade (SIQUEIRA, 2010). Na
interpretação de Gohn, ao trabalhar com paradigmas clássicos e
contemporâneos, os “novos” movimentos sociais aqui referidos foi expressão
cunhada na Europa, nas análises de Clauss Offe, Touraine e Melucci e diz
respeito aos movimentos sociais ecológicos, das mulheres, pela paz e etc
(SIQUEIRA, p. 07, 2010). Através do seu ponto de vista expresso na obra
Teoria dos Movimentos Sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos
onde as principais teorias e paradigmas são debatidos que, decorreremos,
em específico, sobre os novos movimentos sociais interpretados por
Touraine, Melucci e Offe para pensarmos as ações da Amada e Mariza em
Piratini.
75
Touraine, Offe, Melucci, Laclau, Mouffe e entre outros, partiram para a
elaboração de representações interpretativas reforçando a cultura, ideologia,
lutas sociais diárias, a solidariedade entre sujeitos de uma comunidade ou
movimento social e a evolução da identidade criada. As particularidades
gerais desses NMS (Novos Movimentos Sociais) esquematizados pelos
estudiosos acima, dentro da análise de Gohn, seriam:
Em primeiro lugar, construção de um modelo teórico baseado na
cultura. Os estudiosos dos NMS se opõem a interpretação funcionalista da
cultura como um aglomerado fixo e predeterminado de normas e valores
herdados do passado; segundo, negação do marxismo como domínio teórico
com capacidade de explicar a ação dos indivíduos e, consequentemente, a
ação coletiva da sociedade contemporânea tal como efetivamente ocorre.
“[...] o marxismo foi descartado porque trata da ação coletiva apenas no nível
das estruturas [...] trabalhando num universo de questões que prioriza as
determinações macro da sociedade” (GOHN, p. 122, 1997); terceiro, a
abordagem proposta pelo novo paradigma estingue a centralidade do sujeito
específico, predeterminado, e observa os sujeitos das ações coletivas como
atores sociais; quarto, a política ganha centralidade na pesquisa e é
estabelecida novamente passando a ser uma dimensão da vida social; e, em
quinto lugar, os atores sociais são analisados pelos estudiosos dos NMS
através de dois aspectos: pelas ações coletivas e identidade coletiva criada
no processo. Nos Novos Movimentos Sociais a identidade é parte
construtiva da formação dos movimentos, eles crescem em função da
defesa dessa identidade (GOHN, 1997).
A novidade, nesses Novos Movimentos Sociais, é que são novos
porque não tem uma base classista como nos movimentos sindicais e
porque não possui um interesse especial de apelo para nenhum daqueles
grupos, pois são de interesses difusos. O que existe de novo é uma maneira
diferente de fazer política e a politização de novas temáticas. Alguns
pesquisadores europeus e americanos chamaram a atenção para a
dificuldade em conceituar de fato os NMS, pois estes se configuram mais
como uma nova forma de abordagem que, uma teoria propriamente dita.
Gohn apresenta uma diversidade de estudiosos que se detiveram em
compreender e delinear as características dos Novos Movimentos Sociais
76
tratado por Touraine, Offe e Melucci que, descreveremos adiante. Ao
abordar em um dos capítulos de seu livro sobre “o paradigma dos novos
movimentos sociais” a autora trás pesquisadores como: Foweraker (1995);
Johnston, Larãna e Gusfield (1994); Cohen (1985); Mouffe (1988) e entre
outros que buscaram definir um paradigma dos NMS. Para Gohn, os Novos
Movimentos Sociais, não se trata de algo realmente novo, “mas de uma
reconstrução de orientações teóricas já existentes, uma revitalização na
teoria da ação social a partir de suas matrizes básicas” (GOHN, p. 132,
1997) como a weberiana, durkhemiana, parsoniana contemporânea e
neomarxistas.
[...] Categorias que ficaram por duas décadas congeladas, por pertencerem ao corpo teórico funcionalista – tais como raça, cor, nacionalidade, língua, vizinhança etc., que eram utilizadas como “atributos básicos explicativos da ação dos indivíduos e grupos” –, foram retomadas de forma totalmente nova, em esquemas que privilegiam a heterogeneidade socioeconômica em detrimento da homogeneidade econômica dada pela classe. Os antigos estudos sobre lideranças e organizações foram resgatados, ganhando destaques nos NMS (GOHN, p. 132, 1997).
Gohn atenta para outras fontes teóricas que também forneceram
subsídios para o novo paradigma como os frankfurtianos. Entre eles, Adorno
e Habermas e novos idealistas contemporâneos como Felix Guattari, Giles
Deleuze e Michel Foucault se configuraram como os principais teóricos da
contemporaneidade a alimentar estudos sobre os chamados movimentos
sociais alternativos (ecológicos, feministas, de homossexuais, de negros e
etc). Com isso a autora destaca que, os Novos Movimentos Sociais não
constituem através de uma homogeneidade teórica ou um bloco referencial
único, há diferentes correntes envolvidas e agrupadas por Gohn: a francesa,
com os estudos de Alain Touraine; a italiana, liderada por Alberto Melucci; e
a alemã, na qual se destaca a pesquisa de Claus Offe.
O trabalho não tem como propósito o aprofundamento das teorias
acerca dos movimentos sociais, mas levantar debates para discussão e
contextualização do objetivo desse trabalho: compreender as ações das
religiosas de Piratini e fatores motivadores para o desenvolvimento de seus
trabalhos.
77
Alain Touraine está entre os pesquisadores que há mais tempo tem
dedicado seus estudos com temática voltada para os movimentos sociais na
Europa. A abordagem de Touraine é construída a partir do que se
convencionou nomear paradigma acionista, ou seja, de que toda a ação é
uma resposta a um estímulo social (um dos pressupostos básicos do
funcionalismo). Em seus estudos iniciais, produziu uma teoria das condutas
e comportamentos sociais a partir do estudo dos movimentos sociais. Em
um momento posterior passou a estudar nesses movimentos os sistemas e
mudanças sociais (GOHN, 1997).
Observa-se portanto que o mérito da abordagem de Touraine residia na importância conferida aos sujeitos na história – ou atores, como ele os chama – como agentes dinâmicos, produtores de reinvidicações e demandas, e não como simples representantes de papéis atribuídos de antemão pelo lugar que ocupariam no sistema de produção. O dinamismo dos sujeitos/atores é visto em termos culturais, de confronto de valores (uns são afirmados e outros reivindicados) (GOHN, p. 143, 1997).
Além disso, Touraine, ainda na década de 60 defendia que o
movimento social só existia na presença de três fatores considerados
fundamentais: classe, nação e modernização. “Estas três dimensões da
chamada ação coletiva abrangiam movimentos de naturezas diferenciadas,
os quais ele denominava movimentos políticos” (GOHN, p. 144, 1997). Para
Touraine, os movimentos sociais são frutos de uma ação coletiva e, a teoria
desses movimentos deve ser construída em torno dessas ações grupais.
Eles [movimentos sociais] devem ser vistos dentro de uma teoria mais geral, a teoria dos conflitos. Nela, existiriam seis categorias básicas de conflito: os que perseguem interesses coletivos; os que se desenrolam ao redor da reconstrução da identidade social, cultural ou política de um grupo; os que são forças políticas que buscam a mudança das regras de um jogo; os que defendem o status quo e os privilégios; os conflitos derivados da busca de controle dos principais modelos culturais; e os conflitos derivados da busca de construção de uma nova ordem social. Para Touraine, os movimentos sociais derivam fundamentalmente dos conflitos ao redor do controle dos modelos culturais (GOHN, p. 146, 1997).
Nos ano 90 Touraine faz uma avaliação da sua teoria sobre os
movimentos em decorrência das transformações advindas neles e,
essencialmente, no sistema capitalista. Procedendo da compreensão de
78
movimento social como uma reprodução geral da vida social antes que um
tipo particular de fenômeno social, Touraine aponta que esta representação
é diferente do conceito liberal, que analisa a sociedade como um comércio
aberto, da mesma forma como daquela que a identifica com um poder
central ou uma porção de artifícios implacáveis para sustentar a ordem
social. Ele reconhece uma crise no conceito de movimento social decorrente
de mudanças na natureza do conflito social (GOHN, 1997).
Alberto Melucci, por várias décadas estudou os movimentos sociais,
sendo sua produção um referencial a título internacional no final dos anos
80. Um dos méritos atribuídos à sua figura, de acordo com Gohn, é a criação
do paradigma da identidade coletiva. Diferente de Touraine que enfatiza
sistemas macrossocietais, Melucci centra-se mais no plano micro, na ação
coletiva de indivíduos, tendo um enfoque mais psicossocial. Sua formação
em ciências sociais e psicologia clínica foram contribuintes para as análises
em usa produções teóricas (GOHN, 1997).
Melucci retoma na obra de 1996 a tradição dos clássicos das ciências sociais e reelabora a teoria da ação social. O ponto de partida de sua análise é a teoria da ação coletiva, porque, segundo ele, só ela pode prover uma base analítica significativa para o estudo dos movimentos sociais. [...] Objetivando distinguir entre vários tipos de comportamento, ele estabeleceu uma distinção analítica entre solidariedade e agregação, conflito e consenso, quebra dos limites e compatibilidade, competição e aceitação das “regras do jogo”. Existe portanto um sistema de ações coletivas, e ele não deve ser confundido com os lugares de práxis social onde aquelas ações têm lugar (instituições, organizações, associações etc) (GOHN, p. 154, 1997).
Dentro das conceituações de Melucci, a existência de conflitos não é
suficiente para denotar como movimento social. Para o estudioso, o que se
configuraria como movimento social seria a luta entre dois sujeitos por algo
em comum. Melucci realiza uma interpretação em que nega a abordagem
estrutural, a presença de determinações e contradições que acarretam
incompatibilidade e delimitam movimentos e, também, as análises
funcionalistas que atribuem total autonomia a ação dos sujeitos. Melucci não
considera o conflito como algo natural, imanente à natureza humana. O
estudioso considera fundamental construir um espaço analítico sobre as
relações de classe e observar como são produzidas (GOHN, 1997). Gohn
79
percebe determinadas conformidades de Melucci com Touraine como
quando observam os movimentos sociais como uma lente pela qual
problemas gerais podem ser debatidos.
A pesquisa de Claus Offe é assinalada por muitos pesquisadores
como de matriz neomarxista ou pós-marxista. Offe, em 1985 publicou um
trabalho representativo para a estruturação do paradigma dos Novos
Movimentos Sociais.
Offe analisa não apenas os movimentos sociais mas todo o cenário da conjuntura sociopolítica após a Segunda Guerra Mundial, no sistema capitalista avançado; ao contrário de Touraine – que prioriza a análise sociocultural – e de Melucci – que prioriza a psicossocial – Offe prioriza a análise política, fazendo articulações entre o campo político e o sociocultural (GOHN, p. 164, 1997).
Tomando a Alemanha como elemento de pesquisa e adotando as
metodologias de análise dialética ele procurou a gênese dos problemas na
alteração das interações sociais, buscando ver as alterações e os reflexos
nas necessidades materiais e simbólicas da sociedade, em uma etapa de
transição do capitalismo que ele assinalava como desorganizada (GOHN, p.
164, 1997). Ainda, para o autor, os movimentos sociais são como partículas
novas no interior de uma nova ordem em criação,
[...] para Offe, os movimentos sociais são elementos novos dentro de uma nova ordem que estaria se criando. Eles reivindicam seu reconhecimento como interlocutores válidos, atuam na esfera pública e privada. Objetivam a interferência em políticas do Estado e em hábitos e valores da sociedade, articulando-se em torno dos objetivos concretos. O que é novo é o paradigma da ação, que tem caráter eminentemente político. Os valores defendidos pelos movimentos em si não contém nada de novo, pois eles se referem aos princípios e exigências morais acerca da dignidade e da autonomia da pessoa, da integridade das condições físicas da vida, de igualdade e participação e de formas pacíficas e solidárias de organização social (GOHN, p. 197, 1997).
Gohn considera os estudos de Offe acerca dos movimentos sociais
que nos detivemos em falar até aqui, a mais significativa, pois combina as
perspectivas macro e micro na análise social. Porém, em sua observação,
“há a generalização de um conjunto de movimentos com características
diferentes tanto quanto às problemáticas envolvidas como em relação aos
contextos sócio-históricos em que ocorrem [...]” (GOHN, p. 167, 1997).
80
Maria da Glória Gohn apresenta um itinerário histórico-conceitual em
sua obra apresentando os diferentes paradigmas, aos quais se vinculam
com suas peculiaridades. Além disso, Gohn faz alguns questionamentos
àqueles que estudam a problemática dos movimentos sociais como, por
exemplo, o papel dos movimentos sociais na atualidade. As ações das
religiosas desempenhadas no município de Piratini apresentam muitas
conjunturas semelhantes aos Novos Movimentos Sociais, porém, com outro
cunho político. Elas transitam por espaços políticos, mas agem por outro
“modus operandi”. O caráter ideológico presente nos movimentos sociais e a
contramão ao capitalismo não é observado em seus trabalhos. As
comunidades quilombolas, por exemplo, não são respaldadas por suas
ações através de um viés político com o discurso da militância em defesa da
população negra. Elas vão à defesa de um público fragilizado social e
economicamente. Operar através de ações políticas gerenciando contato
com professores, candidatos políticos ou mesmo a busca pelo
reconhecimento identitário de um quilombo são meios logrados para dar
suporte e proteção a uma população excluída, o pobre como categoria geral.
Alguns conceitos de cunho político como “ecológico”, “quilombola” são
apropriados em suas ações, mas ressiginificados ao serem utilizados para
atender especificamente questões socioeconômicas percebidas por “lentes”
ao mesmo tempo feminina e religiosa.
A breve conceituação dos Novos Movimentos Sociais não propõe a
entrada em um debate relativo à temática. Busca-se com a síntese retratada
sobre os NMS trazer luz à reflexão acerca das ações de Amada e Mariza na
cidade de Piratini. Diante disso, os paradigmas sobre os novos movimentos
sociais não se configuram como resposta chave para “traduzir” o universo
em que as religiosas estão inseridas. Essas reflexões, revisões e/ou
releituras dos NMS raramente se apoiam, segundo Goldman, “sobre o que
as pessoas diretamente envolvidas nas novas experiências dos movimentos
sociais efetivamente têm a dizer” (GOLDMAN, p. 11, 2007). A antropologia
entra como um campo de pesquisa capaz de dar conta dessa diversidade de
ações e movimentos sociais que se configuram de diversas maneiras na
atualidade. Somos tendenciosos a reduzir determinadas cosmologias a
conceitos mais familiares (o Estado e a política, os novos movimentos
81
sociais e entre outros) na busca de suporte ou conceituação de um universo
de pesquisa assim como também, “hesitamos, igualmente, sobre o que fazer
com noções como as de identidade ou cultura quando brandidas pelos
movimentos que estudamos” (GOLDMAN, p. 13, 2007).
Goldman ao falar de políticas e subjetividades nos novos movimentos
sociais faz uma critica a necessidade de conformar essas práticas a alguns
conceitos básicos de cultura, política, ideologia e defende a etnografia como
uma forma de mostrar as ações produzidas de diferentes formatos e
diferentes propostas diante da diversidade de condições que os grupos
sociais se colocam na sociedade. Às vezes as configurações desses grupos
se colocam como uma novidade e, o debate teórico acaba por reduzi-los a
alguns conceitos buscando dar conta desses novos rearranjos sociais. Como
consequência a diversidade de atores passa despercebida ou suas
expressões são restringidas através de conceitos. Goldman coloca a
importância de redefinir, de produzir uma visão etnográfica, pois ela permite
reconhecer novas disposições e possibilidades de produção de novas
reinvindicações desses sujeitos. No caso de Amada e Mariza, por exemplo,
se trata de um acontecimento de ordenamento e expressão de
reinvindicações através de um modelo especifico que é a atuação através do
religioso, com a questão de gênero e, também, através da fragmentação dos
trabalhos por meio dos diferentes projetos. Refere-se a um tipo de mediação
que não se restringe ao universo da política, pois reconhece essa
diversidade e procura alavancar essa heterogeneidade de ações (seja de
movimento ecológico, seja de mulheres, quilombolas e entre outros).
A variedade de movimento que as religiosas dão vazão, no município
de Piratini, através da incubadora e dos trabalhos que elas fazem talvez seja
por terem uma perspectiva religiosa da atuação no mundo. Possivelmente
por serem mulheres tem essa característica de dar possibilidades pra uma
diversidade muito grande de atores. Trata-se de outra forma de se expressar
por meio dessas questões do ativismo e que carrega características do
universo religioso católico e, também, de suas trajetórias. Os Novos
Movimentos sociais percebem a cotidianidade e as formas fragmentadas
distintas que vão se reproduzindo esses novos tipos de atores, mas a base
analítica desses conceitos fica mais ou menos nesse modelo: percebe a sua
82
especificidade, sua diversidade, mas procura restringir ela a um modelo de
ação política e de possibilidade de expressão na vida social que limita a
aqueles conceitos clássicos de atuação política. Goldman chama a atenção
que para além da diversidade, da cotidianidade, dessas novas demandas é
uma nova forma de expressar as vidas que querem ser reconhecidas e não
traduzidas por linguagem política. Isto é, que essas novas subjetividades se
apresentem na forma como elas se constituem em termos de seu sistema de
valores e formas de estar no mundo e querem ser reconhecidas assim.
Geralmente a agência política procura “pegar” essas novas
experiências e traduzir para outra linguagem política. Muitos estudiosos dos
NMS tentam traduzir essas ações para dentro das correntes teóricas na
busca da inclusão dentro do universo da política de Estado, porém, para
além da formação do Estado são grupos que reivindicam uma forma de ser
especifica. Devemos reconhecer essas novas formas particulares de ser e
de se configurarem, como o caso de Amada e Mariza.
Embora pertençam a uma instituição religiosa (macro), os projetos
(micro) não são desempenhados através de uma linearidade. Desta forma,
introduzir a atuação das religiosas (como meio de contextualizar os projetos)
em um debate teórico acerca de movimentos sociais é limitar os
acontecimentos desenvolvidos por ambas no município de Piratini. Porém,
como podemos entender a subjetividade dessas ações? A proposta do
último subcapítulo é conformar o estilo de vida dessas religiosas, a opção
pela população pobre e a predominância de mulheres nos projetos nascidos
dentro da incubadora.
3.4 Religiosas: compromisso com os pobres e com as mulheres
Após as renovações propostas pelo Concilio Vaticano II dentro do
organismo religioso da Igreja Católica, o lugar das religiosas passou por
certa ressignificação. Conforme relatado em momento anterior deste
trabalho, as freiras deixaram de terem vida reclusa baseada nos conventos e
escolas para morar e atuar junto às classes populares.
83
Mas, foi essa abertura da Igreja que permitiu que nascesse as bases para a Teologia da Libertação. Uma leitura que se pretendia crítica da realidade da Igreja Católica e que a tornava mais voltada para as realidade, fazendo uma opção pelos pobres, pelos mais miseráveis, observando de perto a situação das mulheres oprimidas, operários, pessoas do campo, etc (BASSINI, 2011, p. 03).
Atualmente essas mulheres da igreja assumem quase que
exclusivamente o compromisso com os pobres. Essas religiosas possuem
suas vidas voltadas para lidar com o povo, mas abrangendo principalmente
as mulheres como é o caso de Mariza e Amada.
Maria Rosado Nunes argumenta que o processo de transformação da
vida religiosa feminina passa por dois momentos: o primeiro, já citado
inicialmente e problematizado em um capítulo anterior, Concilio Vaticano II
que teve como um de seus propósitos adaptar a vida religiosa à sociedade
moderna; segundo, onde uma nova justificativa sobre o que é ser freira
desloca-se do “para Deus”, mas “por causa de Deus” para seus irmãos.
Pode-se caracterizar o processo de transformação por que passa a Vida Religiosa feminina no Brasil, dizendo que apresenta dois momentos principais. O primeiro, que se poderia chamar de etapa de adaptação modernizadora, acontece logo após o Vaticano II e tem como objetivo adequar a Vida Religiosa às novas realidades da sociedade moderna. No segundo momento tem-se o que um teólogo chama a “refundação coletiva da Vida Religiosa”. Trata-se de um processo que se pode denominar de inovação criativa, caracterizado pela alteração da justificativa que o grupo dá de sua razão de ser” (NUNES, 1984, p. 125-126).
Essa adequação do “ser freira” levam as religiosas para além dos
muros dos conventos e colégios para se introduzirem na sociedade.
Passando a ser do conhecimento dessas mulheres a desigualdade social,
que passa a ser vista como uma questão estrutural que deve ser mudada.
Amada e Mariza sempre deixaram claro o quanto a disparidade social as
incomoda e de como essa condição deve ser transformada para a igualdade
entre todos, pois são filhos de Deus.
Amada: O pobre é a moeda dos ricos, sabia? O pobre é a moeda do rico. Quando tem o pobre, eu posso crescer por que vai se apoiar comigo outro [...]. Eu gostaria muito que nós como igreja tenhamos essa capacidade de saber inserir para que as pessoas caminhem com os próprios pés e se agarrem que somos todos iguais. Há Jesus para todos (Entrevista realizada no dia 31 de março de 2013).
84
Mariza e Amada buscam diariamente mudar a situação social do meio
em que vivem e das pessoas que estão integradas em cada projeto, pois
entendem que cabe a elas como representantes da igreja desempenhar
esse papel. Após o Concilio II as religiosas se deslocam para periferias,
meios rurais para promover trabalhos assistenciais, fazendo isso de maneira
direta com a sociedade em questão. A própria Mariza relatou que seu
trabalho diretamente com as comunidades passou a ocorrer após as
transformações que visaram à modernização dentro da Igreja Católica. Além
disso, outro momento que temos ao longo desse trabalho é a saída das
religiosas do hospital para uma residência. As ações sociais começam a
serem colocadas em práticas no município de Piratini a partir desse
momento. Novas ações são dadas a essas freiras onde passam a ter um
compromisso com os pobres marginalizados se transformando em
elementos que definem a identidade religiosa.
Resta observar que esse movimento transformador não atinge univocamente toda a Vida Religiosa feminina. Realizando-se no terreno conflitivo das lutas sociais, a Vida Religiosa, atravessada por esses conflitos, divide-se em setores que apoiam e incentivam as classes populares em busca de hegemonia e setores que apoiam e incentivam, por seu discurso e sua prática, a manutenção da organização social vigente no país, ainda que propugnando certas reformas (NUNES, 1984, p. 127).
A vida religiosa passa por uma transformação que não é limitada a
mudanças externas ou reformas institucionais, mas uma significativa
modificação em suas formas de representação histórica (NUNES, 1984). Um
novo sentido é dado para essas mulheres onde a relação radical com a
divindade passa a ser representada pela entrega de suas vidas aos pobres,
o voto de pobreza como representação de solidariedade a essa população
específica.
As religiosas de Piratini mantem residência simples, sem qualquer tipo
de luxo se estendendo para as suas vestes ainda tradicional, na alimentação
(todos os alimentos tem o máximo de proveito tendo como base principal
arroz e feijão, carne apenas ocasionalmente) e vivem com um salário
mínimo da aposentadoria de Mariza. A situação econômica dessas duas
freiras em muito se assemelha com parte da população atendida. Problemas
85
de ordem financeira são recorrentes na vida das religiosas. A Kombi da
Casa da Acolhida a Mãe Gestante, por exemplo, é utilizada para vários fins
do cotidiano e está com as religiosas há alguns anos. Qualquer problema
mecânico com o veículo requer mobilização para arrecadar recursos para o
concerto.
Além do mais, a casa dessas mulheres fica ao lado do hospital
público da cidade onde são sempre informadas sobre a saúde das pessoas
que convivem e também facilitando “visitas” a pedido de ajuda para
medicação, alimentação, outros especialistas médicos e etc. Por várias
vezes as irmãs durante o período da pesquisa informavam sobre a saúde de
conhecidos, a luta pra transferir para outros hospitais, ambulância para
buscar algum enfermo no meio rural entre outros. Mariza e Amada possuem
informações gerais sobre a população Piratinense, qualquer problema do
âmbito social é do conhecimento de ambas. Além disso, a disponibilidade
dessas religiosas para a comunidade local é em tempo integral.
O projeto da Vida Religiosa passa a ter então, como um de seus elementos definidores, a relação com os pobres. Expressa isto, de maneira singular, a compreensão que as religiosas manifestam do voto de pobreza. Este é compreendido como uma atitude concreta de solidariedade de classe, incluindo vários aspectos: buscar por opção pessoal e de grupo, condições materiais de vida semelhantes às dos pobres; morar em bairros periféricos [...]; assumir, como expressão de pobreza, certos valores religiosos tradicionais: despojamento, disponibilidade etc., a partir do novo lugar social onde se situam as religiosas (NUNES, 1984, p. 128-129).
As dificuldades de condições financeiras, infraestrutura e etc., que as
pessoas envolvidas nos projetos ou indivíduos que já receberam algum tipo
de apoio de Amada e Mariza sente, também o é pelas religiosas. As freiras
também sofrem com a falta de condições para lidarem com dadas
circunstâncias, sabemos que o aporte religioso está presente, porém, essas
ações só são legitimadas quando existe a entrega para a realidade local. O
vínculo das freiras com essas classes populares se dá pelo nível de
solidariedade (e identificação com as circunstâncias) e, pelo compromisso
de superação com a classe dominada.
Diariamente, as freiras, acordam cedo, (por volta das 5h e 30 min à
6h) fazem as orações do dia em um cômodo da casa construído
86
especificamente para orar e agradecer; e preparando o café começam a
dialogar sobre as tarefas que cada uma irá desempenhar ao longo do dia.
Discutem sobre assuntos pendentes de cada projeto ou alguma família que
está sob o amparo de ambas com a finalidade de ter organizado e relatado
entre ambas o que cada uma irá realizar no dia. Diria ser um ritual que se faz
necessário ser cumprido sempre. Ajudar os seus semelhantes trata-se de
um dever para com seus irmãos.
Recordo de um dia em que fui para Piratini e dormir na casa das
religiosas. Era final de mês e o dinheiro para ir a campo estava destinado
para as passagens não podendo cobrir nenhum outro tipo de gasto, pois do
contrário, não teria condições financeiras para retornar à Pelotas. Ao longo
do dia as irmãs vieram mostrar os alimentos frescos feitos pela tarde na
padaria, mencionei o despreparo de dinheiro para comprar algumas coisas,
mas que na próxima visita minha contribuição seria feita. No outro dia pela
manhã pegaria o ônibus com destino à Pelotas às 7h. O café já estava posto
e Amada e Mariza em minha espera. Uma cesta havia sido preparada com
sucos integrais, compota de doces, frutas, pães e cucas para que eu
levasse. As religiosas apenas disseram “já tens um rancho para a semana”.
A preocupação com a alimentação das pessoas que fazem parte dos seus
cotidianos é constante. Para a reforma da Casa da Acolhida a Mãe
Gestante, por exemplo, as irmãs contrataram um casal e mais um rapaz de
18 anos que mora no entorno rural do município. Todos os dias eram
preparados café da manhã, uma merenda antes do almoço, almoço ao meio
dia na casa das religiosas e mais duas refeições ao longo da tarde que
Mariza ou Amada levava até eles. Quando questionei sobre a quantidade de
refeições obtive como resposta “que toda pessoa precisa ter ao menos seis
refeições ao longo do dia e elas oportunizavam cinco para os três e também
diante de tanto trabalho pesado se fazia necessária uma alimentação
reforçada”.
Outro fator a ser considerado nas ações dessas religiosas em Piratini
é o engajamento somente de mulheres nos projetos como relatado
anteriormente. As freiras estão buscando no município dar visibilidade aos
trabalhos por elas administrados, como consequência condições a uma
população de baixa renda, que são mulheres. Existe atualmente, segundo
87
Maria José Rosado Nunes, uma consciência da condição feminina dentro da
própria instituição religiosa e na sociedade. Mariza e Amada possuem
ciência da situação de oprimidas dessas mulheres que elas ajudam, pois
também sofreram a influência negativa da igreja em relação à mulher.
Desenvolvendo uma ética sexual segundo a qual esta aparecia como um ser perigoso e pecaminoso, tornava-se difícil às freiras assumirem plenamente sua condição de mulheres. O desenvolvimento histórico da Vida Religiosa feminina acabou por transformar o uso da veste religiosa, por exemplo, numa forma de negação da feminilidade, na medida em que, por um lado, pretendia esconder as formas naturais do corpo e, por outro, incorporava elementos do vestuário masculino. Na verdade, uma certa imagem de mulher era veiculada e cultivada, mesmo nessa aparente negação. Tratava-se de fazer Eva morrer – a tentação, o pecado – e fazer viver Maria – a pureza, a graça. O ideal apresentado expressava-se no cultivo de certos valores: a submissão, a passividade, a humildade (NUNES, 1984, p. 131).
Mariza sentiu a discriminação das congregações da região sul do Rio
Grande do Sul quando pretendia entrar para um convento, era pobre (sem o
dote exigido em algumas corporações), negra e mulher. Mudar a realidade
das mulheres da Coopiratini Reciclagem Solidária, Bem da Terra, Rouparia
Solidária e das frequentadoras da Casa de Acolhida a Mãe Gestante é
também transformar o papel de Amada e Mariza que vai além da relação
institucional, pois existe uma identificação. É dar sentido e importância às
mulheres da igreja e da sociedade de uma maneira geral.
O projeto incubador Casa da Acolhida a Mãe Gestante é uma
representação do sentido que essas religiosas buscam dar para o papel
feminino. O projeto gesta, cria, faz crescer e fortalecer outros trabalhos
significativos para a sociedade local. O logo da incubadora faz bem uma
representação sobre isso: uma mulher grávida cuja imagem vista do espelho
reflete o globo terrestre sendo carregado no ventre. Isso mostra a igual
capacidade feminina em relação a masculina ou mais, pois gerar uma vida é
incumbida somente à mulher.
Esforços diários são movidos pelas freiras para melhorar a realidade
das mulheres de cada projeto. Trata-se de “contribuir para a superação de
uma situação considerada eticamente inaceitável e incompatível [...]”
(NUNES, 1984, p. 133). As mulheres presentes no cotidiano de Mariza e
88
Amada carregam em seus históricos histórias de opressão. Algumas já
foram vítimas de violência doméstica, outras mães solteiras buscando
recursos para sustentar os filhos e o lar e umas seguem passando por
problemas conjugais. Oferecer a oportunidade de tornar essas mulheres
empreendedoras é o oportunizar perspectivas, independência (algumas
mulheres permanecem num relacionamento cercado de problemas por não
terem autonomia financeira) e autoestima.
Os espaços destinados às mulheres, historicamente, são referentes
ao âmbito do lar, da família, filhos, ou seja, lugares não ocupados pelos
homens. Sabemos que hoje uma extensa bibliografia permitem uma análise
e reflexão nas relações de espaços masculinos e femininos. Mas esses
espaços foram e continuam sendo conquistados (BASSINI, 2011). Bassini,
em um artigo sobre religião e gênero, trás uma colocação de Ivone Gebara,
que aponta o feminismo como elemento motivador para repensar as
imagens religiosas que havia formulado ao longo da vida e questionar todas
as formas de dominação masculina sobre a mulher. Mesmo que não tenha
sido incorporado em sua totalidade por mulheres religiosas, o movimento
feminista é apontado como elemento motivador para uma nova atuação das
freiras perante a igreja católica,
Nesses lugares, ainda que elas não tenham assumido o movimento feminista como parte de suas vidas, passaram a questionar as ordens e a estrutura patriarcal da Igreja Católica a partir da vivência nessas comunidades de base, junto com mulheres, homens, crianças de variadas matizes (BASSINI, 2011, p. 04).
Assim como as demais mulheres do âmbito social, as freiras até a
década de 60 estavam acostumadas e eram treinadas para o
desenvolvimento de afazeres como administração econômica e organização
de espaços internos (refeitório, salas de aula, lavanderia e etc) (BASSINI,
2011). Os novos discursos sobre o sentido de ser freira e principalmente
mulher, passaram a ser ressignificados quando essas religiosas se
deslocam dos conventos para entrar em contato com a vida da população
pobre. “Novas identidades, novos significados religiosos, um movimento
múltiplo e híbrido na efetivação da construção de uma nova imagem da
mulher freira a serviço de Deus” (BASSINI, 2011, p.04). E mais, ao entrar em
89
contato com os problemas enfrentados pelas mulheres pobres, o papel
destas ocupado dentro da instituição religiosa e fora da estrutura hierárquica
passa por intensa reflexão.
Acredito que dentro desta perspectiva podemos pensar os trabalhos
desenvolvidos no município de Piratini por Mariza e Amada e por onde
passam suas subjetividades. A relação e entrega com a população pobre e
com mulheres pobres passam pela esfera religiosa institucional que ambas
pertencem, mas também podem ser vistas como uma identificação com a
condição feminina na sociedade e essas ações legitima e ressignifica o
papel da mulher na igreja.
90
CONCLUSÃO
Os trabalhos sociais citados ao longo da dissertação gerenciados por
Mariza e Amada objetivam visibilidade e reconhecimento, não apenas da
comunidade local onde se desenvolvem, mas também da sociedade
englobante. O projeto incubador reforça a intenção dessas ações sociais
quando observamos a imagem que reproduz a sua finalidade através de
uma gestante que ao se olhar no espelho vê o reflexo do mundo em sua
barriga. Desta maneira, tornar visível esses trabalhos é ter a legitimidade
dessas ações e através do reconhecimento estabelecer parcerias que
corroborem com a continuidade desses trabalhos sociais. As mediações com
professores de universidades, atores políticos e pesquisadores representam
possibilidades de parcerias e fortalecimento dos trabalhos desenvolvidos.
Além disso, contribuem para o estímulo de preceitos religiosos da instituição
religiosa católica e de muitas outras religiões que consiste na solidariedade e
igualdade entre os filhos de Deus.
Alexander (1998) ao falar sobre movimento social menciona que a
pretensão dessas organizações é restituir reivindicações próprias tirando-as
de instituições particulares para o interior da própria sociedade civil. No
momento em que isso ocorre e o diálogo iniciado com a sociedade, o
problema e o grupo que o aciona entram para a esfera da vida pública. Por
conseguinte, paradigmas sobre os Novos Movimentos Sociais foram
elucidados para incitar reflexões sobre o “modus operandi” das atividades
sociais desenvolvidas pelas religiosas no município de Piratini. Os NMS
anunciam uma preocupação com a situação do indivíduo e suas ações
iniciais podem ser consideradas como intercessoras na busca as questões
suscitadas no cotidiano, projetando-se para uma perspectiva maior que as
objeções da cotidianidade. Esses Novos Movimentos Sociais são
considerados novos por não terem uma base classista como nos
movimentos sindicais e porque não possui interesse particular de apelo para
nenhum daqueles grupos, pois são de interesses difusos. O que existe de
novo é um modo distinto de fazer política e a politização de novas temáticas
(SIQUEIRA, 2010). Categorias como raça, cor, nacionalidade foram
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retomadas pelos teóricos dos NMS de uma maneira inteiramente nova
priorizando a heterogeneidade socioeconômica em detrimento da
homogeneidade econômica dada pela classe (GOHN, 2997).
As ações sociais desenvolvidas por Amada e Mariza em Piratini
apresentam muitas conjunturas análogas aos Novos Movimentos Sociais,
mas com caráter político distinto. Elas transitam em ambientes políticos, mas
operam por outro viés. O caráter ideológico presente nos movimentos
sociais e a contramão ao capitalismo não é observado em seus trabalhos.
As comunidades quilombolas, por exemplo, não são respaldadas por suas
ações através de um cunho político com uma linguagem militante em defesa
da população negra. Elas vão à defesa de um coletivo fragilizado social e
economicamente. Atuar através de ações políticas administrando contato
com professores, atores políticos ou mesmo a busca pelo reconhecimento
identitário de um quilombo são meios logrados para dar suporte e proteção a
uma população excluída, o pobre e não o negro, por exemplo. Alguns
conceitos de natureza politica como “ecológico”, “quilombola” são
apropriados em suas atuações, mas com novos significados ao serem
utilizados para atender especificamente questões socioeconômicas. Desta
maneira, os trabalhos das religiosas também diferem dos movimentos
reivindicativos que eram respaldados pela igreja católica na década de 70.
Embora a instituição religiosa católica tenha intensificado suas ações
pastorais após o Concílio Vaticano II, atendendo populações desfavorecidas
ela também se voltou para os movimentos sociais que emergiam na época
(reconhecendo o indivíduo como um cidadão e não um sujeito subordinado)
através de suporte organizacional e político.
Apesar de apresentar aspectos semelhantes com os movimentos
referidos, as ações sociais das religiosas não se limitam aos paradigmas
apresentados sobre as características dos Novos Movimentos Sociais. As
reflexões, revisões e/ou releituras dos NMS não dão conta dos arranjos
presente nos projetos das freiras. De acordo com Goldman, os Novos
Movimentos Sociais raramente se apoiam “sobre o que as pessoas
diretamente envolvidas nas novas experiências dos movimentos sociais
efetivamente têm a dizer” (GOLDMAN, p. 11, 2007). As configurações
desses grupos se colocam como novidade e o debate teórico acaba por
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limitá-los a alguns conceitos procurando dar conta desses novos rearranjos
sociais. A antropologia entra como um campo de pesquisa capaz de dar
conta dessa diversidade de ações e movimentos sociais que se configuram
de diversas maneiras na atualidade. Somos tendenciosos a reduzir
determinadas cosmologias a conceitos mais familiares (o Estado e a política,
os novos movimentos sociais e entre outros) na busca de suporte ou
conceituação de um universo de pesquisa assim como também, “hesitamos,
igualmente, sobre o que fazer com noções como as de identidade ou cultura
quando brandidas pelos movimentos que estudamos” (GOLDMAN, p. 13,
2007). Embora vinculadas a uma instituição religiosa (macro) os projetos
(micro) não são exercidos de maneira linear. Assim, inserir a ação dessas
mulheres em uma discussão teórica sobre os movimentos sociais é delimitar
os acontecimentos desenvolvidos por ambas em Piratini.
As possibilidades levantadas para conformar a subjetividade dessas
ações transitam pelos espaços da religiosidade da qual pertencem e pela
identificação com o contexto dos sujeitos inseridos nos projetos (pobres e
mulheres). Nunes (1984) argumenta que a evolução das transformações da
vida religiosa feminina é assinalada por dois momentos: primeiro pelo
Concílio Vaticano II através de propósitos para adequarem a vida religiosa à
sociedade contemporânea; segundo, onde uma nova justificativa sobre o
que é ser freira desloca-se do “para Deus”, mas “por causa de Deus” para
seus irmãos. Essa conformação de “ser freira” levam as religiosas para os
extramuros dos conventos para se introduzirem na sociedade. A
desigualdade social passar a ser do conhecimento dessas mulheres e um
problema estrutural que deve ser mudado. As religiosas em Piratini sempre
mostraram incômodo com a heterogeneidade social e buscam diariamente
transformar essa disparidade em igualdade através das ações e projetos,
pois entendem ser um compromisso enquanto indivíduos e representantes
da igreja. O deslocamento das freiras do hospital da cidade de Piratini para
uma residência abre leque para uma infinidade de ações. Um novo sentido é
dado para essas mulheres onde a relação radical (limitada a um espaço)
com a divindade passa a ser representada pela entrega de suas vidas aos
pobres, o voto de pobreza como representação de solidariedade a essa
população específica. Amada e Mariza possuem residência simples e vivem
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com salário mínimo da aposentadoria de Mariza assemelhando suas
condições econômicas com a população atendida, pobres e em maioria
mulheres.
As duas freiras possuem conhecimento da condição de oprimidas das
mulheres engajadas nos projetos, pois também sofreram a influência
negativa da igreja em relação à mulher. Mariza passou pela discriminação
de algumas congregações na época em que desejava se inserir num
convento, pois era pobre, negra e mulher. Oferecer suporte para transformar
a realidade das mulheres inseridas nos trabalhos é também modificar o
papel de ambas indo além da relação religiosa institucional, pois existe uma
identificação. É dar sentido e valor não só as mulheres que trabalham nesse
organismo religioso, mas também as pertencentes à sociedade de maneira
geral. A Casa da Acolhida a Mãe Gestante não representa somente a
intenção das ações sociais, mas também uma representação do sentido
dado por essas irmãs ao papel feminino. A incubadora gesta, cria, faz
crescer e fortalecer outros trabalhos relevantes para a comunidade local. O
logo reproduz a capacidade feminina em gestar ações que buscam grande
alcance social.
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