UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – TURMA IX
O CONTROLE PENAL NO TRÂNSITO:
ASPECTOS DA NOVA TIPICIDADE DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
VITÓRIA DAMIANI
Florianópolis, Novembro de 2009.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – TURMA IX
O CONTROLE PENAL NO TRÂNSITO: ASPECTOS DA NOVA TIPICIDADE DO ART. 306 DO CÓDIGO DE
TRÂNSITO BRASILEIRO
Vitória Damiani
Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau em Especialista em Direito Penal e
Processual Penal.
Orientador: Profª. MSc. Márcia Aguiar Arend
Florianópolis, novembro de 2009.
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i
AGRADECIMENTOS
A DEUS, pelo milagre da vida.
Ao meu marido Fabrício, meu confidente, por
compreender a razão dos meus ―nãos‖; igualmente meu
reconhecimento e gratidão pela paciência.
Aos meus irmãos, Mariana e Ramon, pela ajuda
sempre prestada;
Aos amigos que fiz: Berenice, Cláudia, Jaqueline,
Larissa, Mônica, Natália e Vanessa, pelo companheirismo;
de alguma forma, todos contribuíram para que o tempo se
tornasse mais agradável.
À minha orientadora, Márcia, pela orientação,
amizade, apoio e incentivo em todos os momentos da
realização deste estudo.
À professora Helena, que sempre esteve pronta a
escutar e a solucionar os problemas; por ora, sou grata aos
ensinamentos metodológicos, sanáveis a qualquer
momento.
À música popular brasileira e à dança: nos
momentos tristes, só eles sabem transmitir a alegria branda
de viver e de ser brasileiro.
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ii
DEDICATÓRIA
Dedico mais esta minha conquista, a eles, que,
tornaram possível mais este sonho;
Meus pais, Emir e Salete;
de quem sou parte,
por esse amor fraterno, e constante;
meus educadores,
exemplo e referência para mim ao longo de toda
minha existência;
por toda dedicação, apoio, estímulo constante,
sacrifício sem medir esforços;
Meu reconhecimento e gratidão pela paciência,
nesta jornada da vida.
iv
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade
do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e
Processual Penal, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
Florianópolis, novembro de 2009.
Vitória Damiani
v
PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito
Penal e Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada
pela aluna Vitória Damiani, sob o título ―O controle penal no trânsito: aspectos da
nova tipicidade do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro‖, foi submetida em
novembro de 2009 à avaliação pelo Professor Orientador e pela Coordenação do
Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal, e aprovada.
Florianópolis, novembro de 2009
MSc. Márcia Aguiar Arend Orientadora
Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pitsica Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Penal e
Processual Penal
vi
RESUMO
O presente estudo versa sobre as alterações do Código de Trânsito
Brasileiro, trazidas pela Lei n.11.705, de 19 de junho de 2008, suas modificações
referentes à infração administrativa e, principalmente, em relação ao crime de
embriaguez ao volante, aspetos da nova tipicidade do art. 306, sua natureza
jurídica, o direito de não produzir prova contra si mesmo e, em especial, os
entraves nos meios de produção de prova, impossibilitando, por vezes, a
responsabilização civil e criminal dos que praticam acidente de trânsito.
Complementa-se a pesquisa com a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina antes e depois da nova lei.
Palavra-chave: Código de Trânsito Brasileiro; Infração Administrativa;
Crime de Embriaguez; Tipicidade; Prova; Acidente de Trânsito.
vii
ABSTRACT
The present study it turns on the alterations of the Code of Brazilian
Transit brought by the Law n.11.705, of 19 of June of 2008, its modifications
referring to administrative infraction e, mainly, in relation to the crime of
drunkeness to the projection, aspetos of the new vagueness doctrine of art. 306,
its legal nature, the right not to produce test against itself e exactly, in special, the
impediments in the means of production of test, disabling, for times, the civil and
criminal responsabilização the ones that practise traffic accident. It is
complemented before research with the jurisprudence of the Court of Justice of
Santa Catarina and after the new law.
Keyword: Brazilian Traffic Code, Administrative Infractions; Crime and
drunkenness; typicality; evidence traffic accident.
viii
ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
CRFB - Constituição da República Federativa do Brasil
CP - Código Penal
CPP - Código Processo Penal
CTB - Código de Trânsito Brasileiro
LCP - Lei de Contravenções Penais
ART. - Artigo
ARTS. - Artigos
INC. - Inciso
§ - Parágrafo
TAS - Taxa Álcool no Sangue
CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
1 TEORIA DO DELITO ....................................................................... 4
1.1 CONCEITO DE DELITO ............................................................... 4
1.1.1 CONCEITO DA ESCOLA CLÁSSICA ........................................................... 6
1.1.2 CONCEITO DA ESCOLA NEOCLÁSSICA ................................................... 7
1.1.3 CONCEITO DA ESCOLA FINALISTA........................................................... 8
1.2. FATO TÍPICO .............................................................................. 9
1.2.1 CONDUTA ................................................................................................... 10
1.2.1.1 TEORIA CAUSAL – CLÁSSICA DA AÇÃO ......................................................... 11
1.2.1.2 - TEORIA FINALISTA DA AÇÃO ....................................................................... 12
1.2.1.3 TEORIA SOCIAL DA AÇÃO .............................................................................. 14
1.2.2 RESULTADO ............................................................................................... 15
1.2.3 NEXO CAUSAL ........................................................................................... 18
1.2.4 TIPICIDADE ................................................................................................. 22
2 NOÇÕES DE TRÂNSITO .............................................................. 25
2.1 LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO ................................................... 26
2.2 DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA ............................................ 27
2.2.1 DO ART. 165 DO CTB ................................................................................. 27
2.2.2 DO ART. 277 DO CTB ................................................................................. 29
2.3 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE ........................... 34
2.3.1 DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ......................... 35
2.3.2 EXAMES DE ALCOOLEMIA E TESTE DO BAFÔMETRO ......................... 38
2.3.3 DA NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE .............................................................................................................................. 41
3 PERFIL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA NO JULGAMENTO DOS CRIMES DE EMBRIAGUEZ NO TRÂNSITO..........................................................................................45 3.1 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIAS ........................................... 45
3.1.1 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2007.012824-4, DE 30/01/2009 – BRUSQUE. RELATOR: DES. SOLON D'EÇA NEVES. .......................................................... 45
3.1.2 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2008.073958-3, DE 20/10/2009 – CHAPECÓ. RELATORA: DESA. MARLI MOSIMANN VARGAS. ........................................... 48
3.1.3 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2009.040788-5, DE 20/10/2009 – BLUMENAU. RELATORA: DESA. SALETE SILVA SOMMARIVA ........................................... 53
3.1.4 HABEAS CORPUS N. 2008.058052-6, DE 06/11/2008 – BALNEÁRIO CAMBORIU. RELATOR: DES. SÉRGIO PALADINO. ......................................... 58
3.1.5 HABEAS CORPUS N. 2009.021970-9, DE 29/06/2009 – CAPITAL. RELATORA: DES. MARLI MOSIMANN VARGAS. ............................................. 60
3.1.6 HABEAS CORPUS N. 2009.043506-6, DE 15/09/2009 – CAPITAL. RELATOR: DES. NEWTON VARELLA JÚNIOR. ................................................ 64
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 68
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 73
ANEXOS........................................................................................... 80
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objetivo analisar o Novo Código de
Trânsito Brasileiro, alterado recentemente pela Lei n. 11.705/2008, conhecida
vulgarmente como ―Lei Seca‖. Dentre as mudanças feitas pela lei, analisar-se-ão
a configuração da infração administrativa e, em especial, o crime de embriaguez
ao volante. Aprofundar-se-á o estudo na tipificação do crime de embriaguez ao
volante, descrito no art. 306 da referida lei, e nas condicionantes empregadas
para a obtenção de provas.
O principal objetivo da nova Norma é diminuir os elevados índices de
mortes nas estradas e vias urbanas brasileiras, causados por motoristas
imprudentes, em sua maioria, alcoolizados. A nova lei implantou novos conceitos
entre infração administrativa e penal.
A nova lei objetiva investigar se a exigência do tipo penal de 6 decigramas
de álcool por litro de sangue tem aptidão para apurar o controle penal sobre os
condutores de veículos automotores que dirigem embriagados.
Os problemas advindos da violência no trânsito têm se tornado
crescentes e assustadores, com pesadas consequências na ordem social e
econômica do país. Segundo pesquisas publicadas pelo DENATRAN,
anualmente, ocorrem mais de 350 mil acidentes nas ruas e estradas brasileiras
com um saldo sinistro: 33 mil mortos e mais de 400 mil feridos. A violência no
trânsito é a segunda maior causa de mortes por fatores externos no Brasil,
perdendo apenas para o homicídio. As estatísticas mostram que nos acidentes,
com vítimas fatais ou não, há um elevado percentual de motoristas embriagados
envolvidos – mais de 70% –, razão por que se levantaram muitos estudos com o
2
propósito de se chegar a uma solução capaz de amenizar esse grave fator de
acidentes e de tragédias no trânsito brasileiro.
Diante dos elevados e crescentes índices de acidente de trânsito nas
rodovias e estradas do Brasil, o legislador levantou propositura de leis mais
rígidas que pudessem conter esse alarmante nível.
No Capítulo 1 deste trabalho, estudar-se-á a teoria do delito, nele contida
a evolução dos conceitos de crime, conforme o conceito clássico, neoclássico e
finalista. A partir do conceito de delito, abordar-se-ão os elementos descritos no
fato típico, entre eles, a conduta, subdividida em teoria causal ou teoria clássica
da ação,como também é conhecida, teoria finalista da ação e teoria social da
ação; posterior à conduta do agente, observar-se-ão o seu resultado e qual a
causa que levou a esse resultado, o chamado nexo causal, para daí, então, com
maior louvor, enquadrar esse fato com o tipo descrito na norma penal,
procedimento chamado de tipicidade.
No Capítulo 2, discorrer-se-á sobre o trânsito, destacando-se alguns
dados referentes aos acidentes de trânsito. Será apresentada a legislação de
trânsito atual e suas inovações cuja abrangência estende-se do âmbito
administrativo até a esfera penal. Cuidará da infração administrativa, do uso do
poder de polícia pelo Estado no momento da fiscalização, da aplicação de
penalidades administrativas e das provas admitidas. Posteriormente, será
estudado o crime de embriaguez ao volante, do direito de não produzir prova
contra si mesmo, bem como sua natureza jurídica.
O crime definido pelo art. 306 do CTB descreve que, para configurar o
tipo penal descrito, exigem-se 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue,
que equivalem a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões;
imprescindível, então, para a configuração do crime, que exista essa
3
concentração alcoólica no sangue do condutor. Menos de seis decigramas de
álcool torna a conduta atípica, ou seja, não há crime.
Dessa forma e, para precisar com rigor a quantidade de álcool
metabolizado no sangue, faz-se necessário o teste de alcoolemia (medida pela
dosagem sanguínea) e ou pelo etilômetro, vulgarmente conhecido como
bafômetro, que mede a concentração de álcool alveolar encontrado nos pulmões.
Finalmente, no Capítulo 3, será traçado um perfil do entendimento do
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina em relação ao julgamento dos
crimes de embriaguez no trânsito, relacionam-se alguns casos concretos de
julgados pelos juízes do Estado de Santa Catarina e seus recursos ao Tribunal.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações
Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da
estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o controle penal no
trânsito.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação e Redação, será utilizado o Método Dedutivo e serão acionadas as
Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica, Jurisprudencial e do Fichamento.
4
1 TEORIA DO DELITO
A Teoria do Delito é a ciência do Direito Penal que se dispõe a explicar o
que vem a ser delito e quais características em cada caso concreto1.
Neste capítulo, analisar-se-ão os conceitos da teoria do delito, com o fim
de, posteriormente, identificar-se a tipicidade do crime de embriaguez ao volante.
1.1 CONCEITO DE DELITO
O Brasil, doutrinariamente, adota de uma forma genérica o termo infração,
abrangendo crimes, delitos e contravenções. O Código Penal2 (CP) usa as
expressões infração, crime e contravenção. Não há distinção entre crime e delito,
ou seja, tais expressões são empregadas como sinônimas.
O doutrinador Luiz Regis Prado3 explica que o Direito Penal Brasileiro
acolhe a divisão bipartida das infrações penais em crime ou delito e contravenção.
A diferença entre elas existe em relação à gravidade da conduta, a pena. Os
crimes ou delitos são punidos com penas privativas de liberdade, restritivas de
direitos e de multa conforme art. 32, CP, ―Art. 32 - As penas são: I - privativas de
1 ZAFFARONI, E.R.l; PIERANGELLI, J.H. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 366.
2 BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, RJ: Diário Oficial da União, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 abril 2007.
3 PRADO, L.R. Curso de direito penal brasileiro. Vol. 1: parte geral: arts. 1º a 120. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 238.
5
liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa‖; a contravenção é sancionada
com prisão simples e multa, descritas no art. 5º, Dec.-lei 3.688/1941 – Lei de
Contravenções Penais4 ―Art. 5º As penas principais são: I – prisão simples. II –
multa‖.
Crime é o nome que se dá a uma conduta proibida, prevista no Código
Penal e em leis específicas.
A definição legal de crime é dada pela Lei de Introdução ao Código Penal,
em seu art.1º, que refere quais as penas correspondem ao crime e quais à
contravenção penal:
Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.5 (Grifou-se).
A legislação brasileira não apresenta conceito de crime. Destacam-se
algumas definições doutrinárias de crime sob os aspectos material, formal ou
analítico:
Conceito Material: busca esclarecer o conceito, o porquê de determinado
ato ser considerado crime e outro não.6
4 BRASIL. Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei de Contravenções Penais. Rio de Janeiro, RJ: Diário Oficial da União, 13 out. 1941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso em: 10 abril 2007.
5 BRASIL. Decreto-lei nº 3.914 de 9 de dezembro de 1941. Lei de introdução do Código Penal. Rio de Janeiro, RJ: Diário Oficial da União, 09 dez. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3914.htm> Acesso em 17 março 2007.
6 CAPEZ, F. Curso de direito penal. Vol. 4. São Paulo. Saraiva, 2006. p. 112.
6
Conceito Formal: para Maggiore, ―Crime é qualquer ação legalmente
punível‖7. Por sua vez, Teles afirma que crime é a conduta humana proibida por
lei8.
Portanto, os conceitos acima apresentados não extraem o essencial de
uma combinação de conceitos, para que se possa, com firmeza, diante de um
fato, dizer se é ou não considerado crime.9
Conceito Analítico: busca estabelecer os elementos estruturais do crime,
ou seja, a infração penal cometida e o seu autor.10
A estrutura do conceito de crime sofre relevantes modificações ao longo
de sua evolução com o surgimento de novas Teorias, as quais se passam a
expor.
1.1.1 CONCEITO DA ESCOLA CLÁSSICA
Concebida por Franz von Liszt e Ernest von Beling, a Escola Clássica
dominou todo o século XIX, fortemente influenciada pelo positivismo jurídico.11
Para a teoria clássica, crime ou delito era representado por um
movimento corporal (ação), produzindo uma modificação no mundo exterior
7 MAGGIORE, G. apud MIRABETE, J.F. Manual de direito penal. Vol. 1: parte Geral,
arts.1 a 120 do CP. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 95.
8 TELES, N.M. Direito penal: parte geral. Vol.1: arts. 1º a 120. São Paulo: Atlas, 2004. p.152.
9 Idem, Ibidem, p. 154.
10 CAPEZ, F. op. cit., p. 112.
11 Idem, Ibidem, p. 113.
7
(resultado). ―Este conceito de ação vinculava a conduta ao resultado através do
nexo de causalidade‖ 12.
Segundo Fernando Capez13, para os defensores dessa teoria, é
desnecessário saber se, para a caracterização de um fato típico, há quem
pertença à culpabilidade sediada pelo dolo e a culpa; nesse sentido:
[...] crime só pode ser fato típico, ilícito (anitjurídico) e culpável, uma vez que, sendo o dolo e a culpa imprescindível para a sua existência e estando ambos na culpabilidade, por óbvio esta última se torna[va] necessária para integrar o conceito de infração penal.
BITENCOURT classifica a teoria causal em quatro elementos estruturais:
a) Ação – conceito objetivo que tinha origem na vontade, embora não se
preocupasse com o seu conteúdo, mas somente com a causação do resultado
externo. b)Tipicidade – tipo e tipicidade eram caráter externo da ação,
compreendendo somente os aspectos objetivos do fato descrito na lei. c)
Antijuridicidade – também elemento objetivo; cometido um fato típico, presume-se
que seja antijurídico; enfim, é um juízo valorativo puramente formal: basta a
comprovação de que a conduta é típica e de que não concorre nenhuma causa de
justificação. d) Culpabilidade – era a parte subjetiva do crime; limitava-se a
comprovar o vínculo entre o autor e o fato; a diversidade de intensidade desse
nexo psicológico faz surgir as formas de culpabilidade, dolosa e culposa.14
1.1.2 CONCEITO DA ESCOLA NEOCLÁSSICA
12
BITENCOURT, C.R. Manual de direito penal: parte geral. Vol.1. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 137.
13 CAPEZ, F. op.cit., p. 113.
14 BITENCOURT, C.R. op.cit., p.138.
8
Torna-se imprescindível salientar que é o doutrinador Cezar Roberto
Bitencourt15 que traz particularmente esse conceito. Identifica algumas alterações,
sem abandonar completamente os princípios fundamentais, justificando, dessa
forma, a denominação de conceito neoclássico.
Caracterizou-se pela reformulação do conceito de ação, ou seja, nova
atribuição à função do tipo, à transformação material da antijuridicidade e à
redefinição de culpabilidade, sem alterar, contudo, o conceito de crime, como
sendo a ação típica, antijurídica e culpável.16
1.1.3 CONCEITO DA ESCOLA FINALISTA
O finalismo de Welzel, a partir dos anos trinta, procurou trazer a ação
humana ao conceito central da teoria do delito. Descobriram-se, então, inúmeras
consequências, dentre as quais se pode destacar: a distinção entre tipos dolosos
e culposos.
Welzel deixou claro que, para ele, o crime só estará completo com a
presença da culpabilidade. Dessa forma, para o finalismo, crime continua sendo a
ação típica, antijurídica e culpável.17
15 Idem, Ibidem, p. 139.
16 Idem, Ibidem, p. 140.
17 Idem, Ibidem, p. 140 e 141.
9
Capez18 conclui que, ―[...] a partir do finalismo, não há como continuar
sustentando que crime é fato típico, antijurídico e culpável, pois a culpabilidade
não tem mais nada que interessa ao conceito de crime‖.
E, continua:
a) quando o fato é atípico, não existe crime (―Não há crime sem lei
anterior que o defina‖ – art. 1º do CP);
b) quando a ilicitude é excluída, não existe crime (―Não há crime
quando o agente pratica o fato‖ – art. 23 e incisos do CP). Isto é
claro sinal de que o fato típico e a ilicitude são seus elementos.
Agora, quando a culpabilidade é excluída, nosso Código emprega
terminologia diversa: ―É isento de pena o agente que ...‖ (art. 26
caput, CP). Por todos esses motivos entendemos correta a
concepção bipartida.
Por todo o exposto, o conceito analítico de crime será amplamente
analisado nos capítulos seguintes.
1.2. FATO TÍPICO
Fato típico ocorre quando o comportamento humano constitui todos os
seus elementos, contidos na lei penal.
Não basta o comportamento do agente (conduta); dever-se-á verificar o
resultado da conduta, mas, entre a ação e o resultado, surge o terceiro elemento,
o nexo causal, pois existe uma relação de causalidade entre a conduta do agente
18 CAPEZ, F. op.cit., p. 113 e 114.
10
e o resultado alcançado. Por fim, tem-se a tipicidade, que é a adequação da
conduta e o resultado da definição legal do delito.19 (grifou-se)
Faltando um dos elementos do fato típico, a conduta passa a constituir um
indiferente penal. É um fato atípico.
1.2.1 CONDUTA
Diversas são as teorias para conceituar conduta. O tema reveste-se de
importância, pois é do conceito de conduta adotado que vão decorrer profundas e
diversas consequências para as questões penais.
Damásio de Jesus20 conceitua conduta como sendo ―a ação ou omissão
humana consciente e dirigida à determinada finalidade‖.
Verificaremos que há várias teorias a respeito da conduta, sendo as
principais: teoria clássica (causal), teoria finalista e teoria social da ação.
19 SILVA, J. G. da. Teoria do Crime: história do direito penal, a lei penal, teoria do crime. 2. ed. rev. e atual. Campinas - SP: Millennium, 2002. p. 140.
20 JESUS, D. E. de. Direito penal: parte geral. 1º volume. 28ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 225.
11
1.2.1.1 Teoria Causal – Clássica da ação
O conceito causal da ação foi elaborado por Franz von Liszt e Ernest von
Beling, no final do século XIX, influenciados pelo pensamento científico-natural na
Ciência do Direito Penal.21
Beling22 caracterizava a conduta nos seguintes termos:
Deve-se entender por ação um comportamento corporal (fase externa, objetiva da ação), produzido pelo domínio sobre o corpo (liberdade de enervação muscular, voluntariedade), (fase interna, subjetiva da ação); isto é, um comportamento corporal voluntário, consistente em um fazer (ação positiva, isto é, um movimento corporal) ou em um não fazer (omissão), ou seja, distensão de músculos.
Para os causalistas a manifestação da vontade do agente, o resultado e a
relação de causalidade são os três elementos que compõem o conceito de ação,
não importa o conteúdo da vontade do agente, essa não é uma questão para ser
discutida na conduta do fato típico, pois é deslocada para a culpabilidade (dolo ou
culpa).
Portanto, o crime para a teoria causal é assim estruturado conforme
Zafaroni23:
1) Fato típico: composto pelos elementos de conduta (sem interessar a
finalidade do agente), resultado, nexo causal e tipicidade.
21
BITENCOURT, C.R. op.cit., p. 151.
22 BELING Apud ZAFFARONI, E.R.; PIERANGELLI, J. H. op.cit., p. 401.
23 ZAFFARONI, E.R.; PIERANGELLI, J.H. op.cit., p 376 e 377.
12
2) Antijuridicidade: presume-se ser antijurídico, salvo se existir alguma
causa excludente de ilicitudes previstas em lei.
3) Culpabilidade: caracteriza-se pelos seguintes elementos:
imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e dolo e culpa.
A Teoria Causal da ação era adotada pela antiga parte geral do Código
Penal.
1.2.1.2 - Teoria Finalista da ação
Hans Welzel foi o mais extremado criador e precursor da teoria finalista
da ação24.
Como o próprio nome descreve, espera-se da conduta humana uma
finalidade; a conduta é uma atividade final humana e não um simples
comportamento causal25.
Welzel26, opondo-se ao conceito causal da ação, que separa a vontade de
seu conteúdo, criou o conceito finalista da ação:
24
JESUS, D.E. de. op.cit., p. 233.
25 MIRABETE, J.F. Manual de direito penal: parte geral. Vol.1: arts.1º a 120 do CP. 21. São Paulo: Atlas, 2003. p. 102.
26 WELZEL apud BITENCOURT, C.R. op.cit., p. 154.
13
ação humana é exercício de atividade final. A ação é, portanto, um acontecer ‘final’ e não puramente ‘causal’. A ‘finalidade’ ou o caráter final da ação baseia-se em que o homem, graças a seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as consequências possíveis de sua conduta. Em razão de seu saber causal prévio pode dirigir os diferentes atos de sua atividade de tal forma que oriente o acontecer causal exterior a um fim e assim o determine finalmente.
Percebe-se, portanto, que a conduta é o comportamento humano
voluntário e consciente (doloso ou culposo) dirigido a uma finalidade. Assim, dolo
e culpa fazem parte da conduta, elemento do fato típico.
No crime doloso, a finalidade da conduta é a vontade de concretizar um fato ilícito. No crime culposo, o fim da conduta não está dirigido ao resultado lesivo, mas o agente é autor de fato típico por não ter empregado em seu comportamento cuidados necessários para evitar o evento.27
Pode-se dizer, então, que o dolo e a culpa que integravam a culpabilidade
na teoria causal da ação, passam a compor o primeiro requisito do fato típico – a
conduta; assim a culpabilidade, por conseqüência, passa a ser pressuposto para
a aplicação da pena.
A conclusão indiscutível é de que somente analisando o conteúdo da vontade é que se pode afirmar a realização de um tipo legal de crime, já que a finalidade é parte integrante da conduta, dela inseparável. Essa é a essência do finalismo.28
Pelo exposto, conclui-se que o crime para a teoria finalista é um fato típico
e antijurídico, Zafaroni29 assim explica:
1) Fato típico: que compõe os elementos, conduta dolosa ou culposa,
resultado, nexo causal e tipicidade.
27
MIRABETE, J. op.cit., p. 103.
28 TELES, N.M. op.cit., p.170.
29 ZAFFARONI, E.R.; PIERANGELLI, J.H. op.cit., p. 379.
14
2) Antijuridicidade: presume-se ser antijurídico, salvo se contiver causas
excludentes de ilicitudes previstas na lei. Não houve modificação em relação à
teoria clássica.
3) Culpabilidade como pressuposto da aplicação da pena possui os
seguintes elementos: imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial
consciência da ilicitude.
Para o Código Penal Brasileiro doutrina-se essa teoria.
1.2.1.3 Teoria social da ação
Os estudiosos do Direito Penal, como Jeschek e Wessels, entenderam
que o finalismo de Welzel seria insuficiente para conceituar conduta, e visando
suplantar essa teoria, agregou-se um elemento ao conceito, qual seja, a
relevância social.
Segundo essa teoria, para se verificar a tipicidade de uma conduta é
indispensável conhecer não apenas seus aspectos causais e finalísticos, mas
também sua nota social. Seria relevante do ponto de vista social a conduta que
fosse capaz de afetar o relacionamento do indivíduo com o meio social.30
Assim, pode-se considerar que essa teoria equipara-se à causal, pois dá
importância ao desvalor do resultado, pois se a ação é a causação de um
30
TELES, N.M. op.cit., p.170.
15
resultado socialmente relevante, então, não há diferença entre conduta de
homicídio doloso e um comportamento de homicídio culposo, já que o resultado é
idêntico nos dois casos. A diferença será feita não na ação ou no fato típico, mas
na culpabilidade. Por esses motivos, essa teoria foi repudiada pela doutrina
penal.31
MIRABETE completa afirmando que:
[...] as críticas feitas a essa teoria residem na dificuldade de conceituar-se o que seja relevância social da conduta, pois tal exigiria um juízo de valor ético. Tratar-se-ia de um critério vago e impreciso que, inclusive, influiria nos limites da antijuridiciade, tornando também indeterminada a tipicidade.32
Vê-se, portanto, que a teoria social da ação ficou em desuso, pois faz
com que condutas socialmente aceitas constituam irrelevantes penais, o que, em
última análise, significa a revogação de uma lei penal por um costume social.
1.2.2 RESULTADO
A palavra resultado deriva do latim resultare (voltar para trás, repercutir).
O termo vulgarmente é entendido como o efeito ou consequência de algum fato
31 JESUS, D.E. de. op.cit., p. 233.
32 MIRABETE, J. op.cit., p. 103 e 104.
16
ou ato. O resultado exprime, pois, a própria decisão pela qual se põe fim ou termo
à pendência ou à questão.33
Para Capez34, resultado é a modificação do mundo exterior provocada
pela conduta do agente. Assim, complementa Mirabete35, não basta a conduta
para que o crime exista, tem que haver o segundo elemento do fato típico, o
resultado.
Damásio de Jesus36 explica que é comum o emprego de resultado como
sinônimo de evento, embora institutos distintos. Evento é qualquer acontecimento;
resultado é a consequência da conduta.
A doutrina procura esclarecer o que vem a ser resultado a partir de duas
teorias: a teoria naturalista e a teoria jurídica ou normativa.
Para a teoria naturalística, resultado é a modificação que a conduta
ocasiona no mundo exterior provocada pela ação ou omissão. Para essa teoria,
há crime sem resultado.37
Para Teles38:
Segundo essa teoria, o resultado é a modificação do mundo externo produzida pela conduta, positiva ou negativa, do agente. É uma entidade natural. No homicídio, o resultado é a morte da vítima. No furto, a mudança da posse da coisa subtraída. É uma consequência física, material, do comportamento do agente.
33 SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 716.
34 CAPEZ, F.op.cit., 154.
35 MIRABETE, J. op.cit., p. 110.
36 JESUS, D.E. de. op.cit., p. 243.
37 Idem, Ibidem, p. 244.
38 TELES, N.M. op.cit., p. 195.
17
Por essa teoria, existem crimes que têm e crimes que não têm
resultado, como na violação de domicílio, definida no art.150 o
Código Penal, assim: ‗entrar ou permanecer, clandestinamente ou
astuciosamente, ou contra a vontade expressa de quem e direito,
em casa alheia ou em suas dependências.
Como se verifica, esse tipo descreve pura e simplesmente uma
conduta que não produz qualquer consequência natural. Tal crime
se consuma com a simples atitude do agente, entrando em casa
alheia, ou, depois de ter entrado, nela permanecendo.
Capez39 ainda classifica de acordo com o resultado: crimes materiais,
formais e de mera conduta.
Crime material é aquele cuja consumação só ocorre com a produção do
resultado naturalístico, como o homicídio, que só se consuma com a morte.
Crime Formal é o que se consuma independentemente da produção do
resultado naturalístico, como a extorsão mediante sequestro, que se exaure com
a exigência do resgate, sendo irrelevante seu recebimento, ou seja, é irrelevante,
embora possível.
Crime de mera conduta é aquele que não admite em hipótese alguma
resultado naturalístico, como a desobediência que não produz nenhuma alteração
no mundo concreto.
Para a teoria Jurídica ou Normativa, resultado é o efeito que o crime
produz na norma penal, ou seja, é a lesão ou perigo de lesão de um interesse
protegido pela lei. Para os normativistas, resultado é o elemento do delito; para
39 CAPEZ, F. op.cit., p. 154.
18
essa teoria, não há crime sem resultado, pois, constituiria conduta irrelevante para
o direito penal.40
Nesse sentido, Telles41 dispõe:
Sempre, num fato típico, independentemente da modificação do mundo externo, um bem jurídico é lesionado ou exposto a perigo. De consequência, todos os crimes têm resultado, pois em todos eles haverá sempre uma lesão ou um perigo de lesão de um bem jurídico.
Dessa forma, resultado consiste na modificação do mundo exterior
causada pela conduta e pode apresentar-se sob diversas formas. Os efeitos
podem ser físicos, como a destruição de um objeto no crime de dano (art.163
CP); fisiológicos, assim como a morte (art.121 do CP), ou a perda de um membro
nas lesões corporais (art.129 §2º, III do CP); psicológico, como a injúria e a
difamação (art.140 e 139 do CP). Em todos os casos, consiste de uma
consequência natural da conduta humana, distinta dessa e relevante para o
Direito, no descrever da tipicidade42.
Certo de que houve uma conduta, na qual se obteve um resultado, essa
ligação corresponde ao 3º elemento, o nexo causal, que passaremos a focar.
1.2.3 NEXO CAUSAL
40 JESUS, D.E. de. op.cit., p. 244.
41 TELES, N.M. op.cit., p. 195.
42 JESUS, D.E. de. op.cit.,p. 246.
19
Dentre os elementos constitutivos do crime, o nexo causal existe para
observarmos a relação de causalidade entre a conduta do agente e o resultado
alcançado; é imprescindível que exista relação de causa e efeito, a fim de que se
possa atribuí-lo ao agente da conduta. Certo de que não se pode atribuir ou
imputar a alguém a responsabilidade por algo que não produziu, a conduta deve
ser causa do resultado; esse, a sua consequência.43
TELLES44 oferece alguns exemplos:
Nem sempre, todavia, entre conduta e resultado existe relação de causa e efeito tão simples e claramente verificável. Basta pensar algumas hipóteses:
a)Sílvio atira no peito de Armando, que, minutos após ser socorrido, é atingido por outro disparo na cabeça, efetuado por Alexandre – que nem conhece Sílvio, nem sabia de sua conduta -, falecendo em seguida;
b) Mário dispara contra Celso que, ao sair em direção ao hospital, é atingido por uma viga do telhado que desaba, matando-o;
c)Sinval atira contra Marcos, que, após socorrido e levado ao hospital, recebe, ali, da enfermeira, uma dose excessiva do medicamento receitado, morrendo por isso;
d) Luís atinge, com um tiro de revólver, Carlos, que, levado ao hospital, é tratado e contraí, dias depois, pneumonia, vindo a morrer algum tempo depois.
Nessas situações, podem restar dúvidas sobre a quem atribuir o resultado, e até onde responsabilizar o agente da conduta. A relação de causalidade é um dos temas mais interessantes do Direito Penal por isso merece atenção toda especial.
A doutrina aponta três teorias a respeito da relação de causalidade, a
saber:
43 TELES, N.M. op.cit., p. 197 e 198.
44 Idem, Ibidem.
20
a) teoria da equivalência dos antecedentes causais: também conhecida
como conditio sine qua non, causa é a condição sem a qual o resultado não teria
ocorrido. Todo efeito ou resultado é produto de uma série de condições
equivalentes do ponto de vista causal – tudo que ocorre para o resultado é causa
dele. Para saber se um antecedente foi causa do resultado, deve-se procurar
eliminá-lo mentalmente – método indutivo hipotético de eliminação –, verificando
se o resultado, sem ele, teria acontecido.45
O nosso Código Penal, para resolver a questão do nexo de causalidade,
adotou essa teoria46.
Reza o art. 13, caput do Código Penal:
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (Grifou-se)
Telles47 explica que ―causa é toda a condição do resultado, e todos os
antecedentes causais indispensáveis à sua produção são equivalentes, não existe
qualquer distinção entre causa, concausa, condição, ocasião‖.
Pode-se, assim, apontar que tudo o que contribuir para o resultado deve
ser considerado sua causa, seja uma conduta humana, seja um fator natural.
b) teoria da superveniência de causa independente: encontra-se aqui a
exceção, prevista no o art. 13, § 1º do Código Penal, após a conduta do agente,
pode ocorrer outra causa que venha a interpor-se no curso do processo causal,
45 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: doutrina, jurisprudência selecionada, leitura indicada. 2.ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 79.
46 JESUS, D.E. op.cit., p. 247.
47 TELES, N.M. op.cit., p. 198.
21
alterando seu rumo e levando à produção do resultado por sua própria
eficiência48.
Prevê, porém, o art. 13, § 1º do Código Penal:
§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
Telles49 traz um exemplo:
A vítima, após sofrer ferimentos por golpes de faca, é socorrida e colocada dentro de uma ambulância, que, no caminho, vem a ser abalroada por um ônibus, abrindo-se a porta traseira, e, com o choque, arremessada para fora do veículo a maca e com ela o corpo da vítima, que se choca com o asfalto, vindo a vítima a morrer por traumatismo crânio-encefálico.
Antes que concluísse o processo causal com a conduta do agente, uma
nova causa a ele se interpôs, cortando seu fluxo, e levou, por si só, ao resultado
morte. 50
c) teoria da relevância da omissão: ―Considera-se causa a ação ou a
omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido‖ (CP, art.13, segunda parte) ―51.
―Não é a simples omissão que produz um resultado, mas a omissão ilegal, que é
o agente não haver cumprido um dever legal‖.52
Prevê, o art. 13, §2º do Código Penal:
48 JESUS, D.E. de. op.cit., p. 253.
49 TELES, N.M. op.cit., p. 200.
50 Idem, Ibidem.
51 DOTTI, Renê Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2.ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.316.
52 SILVA, J.G. op.cit., p.163.
22
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Aduz o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt53:
Na verdade, o sujeito não o causou, mas como não o impediu é equiparado ao verdadeiro causador do resultado. Portanto, na omissão não há o nexo de causalidade, há o nexo de ‗não-impedimento’. A omissão relaciona-se com o resultado pelo seu não-impedimento e não pela sua causação. E esse não-impedimento é erigido pelo Direito à condição de causa, isto é, como se fosse a causa real. Dessa forma, determina-se a imputação objetiva do fato.
Percebe-se, portanto, que a relação de causalidade é composta entre o
comportamento humano e o resultado; cuida-se em estabelecer quando o
resultado é imputável ao agente da conduta, sem a intervenção de outra ação
superveniente, ou a omissão relevante à causalidade.
1.2.4 TIPICIDADE
53 BITENCOURT, C.R. op.cit., p. 188.
23
Como último elemento que compõe o fato típico, a tipicidade é o
enquadramento do fato com o tipo, ou ainda a exata descrição na norma penal.
Para Zaffaroni54, não se deve confundir o tipo com a tipicidade. O tipo é a
fórmula que pertence à lei, enquanto a tipicidade pertence à conduta. A tipicidade
é a característica que tem uma conduta em estar adequada ao tipo penal, ou seja,
individualizada como proibida por um tipo penal.
‘Tipo’ é a fórmula legal que diz ‗matar alguém‘ (está no CP); tipicidade é a característica de adequação ao tipo que possui a conduta de um sujeito ‗A‘ que dispara cinco tiros contra ‗B‘, causando-lhe a morte (está na realidade). A conduta ‗A‘, por apresentar a característica de tipicidade, dizemos que é uma conduta ‗típica‘.55
Para Capez56:
Tipicidade é a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal). Para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida real e, de outro, o tipo legal de crime constante da lei penal. A tipicidade consiste na correspondência de ambos.
Para que a conduta do agente seja considerada crime, é necessário que
dela se possa, inicialmente, afirmar a tipicidade, isto é, que tal conduta se ajuste a
um tipo legal de crime; caso esse não se empregue em nenhum tipo penal, será
considerado atípico57.
54 ZAFFARONI, E.R.; PIERANGELLI, J.H. op.cit., p. 422.
55 Idem, Ibidem, p. 422 e 423.
56 CAPEZ, F. op.cit., p. 166.
57 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 125.
24
A tipicidade pode ser direta e indireta. Direta é a facilmente verificável
quando o crime é consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua
definição legal, conforme o preceito do art. 14, I, do Código Penal Brasileiro. E a
indireta ocorre nos casos de tentativa de crimes – quando alguém tenta realizar
um tipo e não consegue alcançar a sua consumação - e no concurso de pessoas
– quando mais de uma pessoa colabora para a realização de um só tipo. Tal
conceito deve-se ao fato de que nesses casos a verificação da tipicidade só é
possível de forma indireta.
O Código de Trânsito Brasileiro foi alterado com a lei 11.705/200858, que
traz algumas modificações, no que diz respeito ao artigo 306 do CTB, a tipificação
passou a exigir a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6
(seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa
que determine dependência.
Observa-se, então, que, menos de 6 (seis) decigramas da substância
torna a conduta atípica, ou seja, não há crime.
Estudaremos as alterações advindas com a nova lei, no que concerne à
embriaguez no trânsito, que serão analisadas individualmente no capítulo
segundo desta pesquisa.
58 Lei nº 11.705, de 19 de Junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de
1997, que ‗institui o Código de Trânsito Brasileiro‘, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11705.htm>. Acesso em 20 setembro 2009.
25
2 NOÇÕES DE TRÂNSITO
O automóvel surgiu na sociedade contemporânea pela necessidade de
usufruir de uma rápida condução de transporte e de comunicação, entre os
habitantes, pois é certo que os veículos automotores facilitam a vida das pessoas,
geram riquezas, caracterizando prestígio social e prazer a quem os possui ou
dirige59.
Observa-se o dado abaixo extraído do DETRAN60 de Santa Catarina:
A cada ano, o Brasil contabiliza 750 mil acidentes, 27 mil brasileiros mortos e mais de 400 mil com lesões permanentes nas estradas e vias urbanas do País. O trânsito brasileiro corresponde a uma guerra do Vietnã a cada dois anos ( 50 mil mortos), ou à queda de um Boeing a cada dois dias. É como se aquela tragédia do Folkker que caiu em São Paulo acontecesse de três a quatro vezes por semana.
O professor Edmundo José de Bastos Júnior61 diz que:
Em nosso país o trânsito vem assumindo características de verdadeira calamidade pública, pela quantidade de mortos e feridos e de danos materiais que provoca.
Há, por isso, movimento em favor da elaboração de leis especiais e mais rigorosas para tratar dos denominados delitos do automóvel.
59 ARAGÃO, R.F. Acidentes de Trânsito: Aspectos técnicos e jurídicos. Sagra Luzzato, 1999. p.11.
60 Perguntas e respostas sobre o Código de Trânsito Brasileiro. Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina – DETRAN / SC. Disponível em: <http://www.detran.sc.gov.br/educacao/educacao1.htm>. Acesso em: 11 abril 2007.
61 BASTOS JUNIOR, E.J. de. Código Penal em Exemplos Práticos: parte geral. 4. ed. rev. e atual. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p. 66.
26
O atual Código de Trânsito Brasileiro62 trouxe mudanças significativas na
regulamentação do trânsito em nosso país. Assim, estudar-se-á a tipicidade do
artigo 306 do código, porquanto é nele que se concentra o objeto deste trabalho.
2.1 LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO
Em 21 de janeiro de 2008 foi entregue ao Presidente da República
proposta do projeto de lei que tinha como objetivo dispor sobre a proibição à
comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais e alterar a Lei nº
9.50363, 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro. Na exposição de
motivos64 desse projeto, constam vários estudos sobre o consumo de bebidas
alcoólicas e problemas ocasionados pelo álcool.
62 BRASIL. Lei nº11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que ‗institui o Código de Trânsito Brasileiro‘, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de junho de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11705.htm. Acesso em: 06 maio 2009.
63 BRASIL. Decreto-lei nº 6.488 de 19 de junho de 2008. Regulamenta os arts. 276 e 306 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, disciplinando a margem de tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeitos de crime de trânsito. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 20 de junho de 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6488.htm>. Acesso em: 14 junho 2009.
64 BRASIL. EMI No 13 – GSI/MJ/MS/MCIDADES/MEC/MT. Exposição de motivos. Brasília: Diário Oficial da União, 21 de janeiro de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Exm/EMI-13-gsi-mj-mcidades-mec-mt.htm>. Acesso em: 15 setembro 2009.
27
O Projeto de medida provisória n. 415/2008 foi aprovado e convertido na
Lei n.11.705, em 16 de junho de 2008, e publicada em 19 de junho do mesmo
ano, com vigência a partir dessa data, que 'institui o Código de Trânsito Brasileiro'
(CTB).
A Lei 11.705 de 2008, vulgarmente conhecida como Lei Seca, dispõe
sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas
alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do
art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por
condutor de veículo automotor, e dá outras providências.
2.2 DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA
Foram várias as inovações trazidas pela Lei 11.705/2008 cuja
abrangência afetou tanto o âmbito administrativo como a esfera penal.
Inicialmente, é importante distinguir o crime de embriaguez ao volante da
infração administrativa de embriaguez ao volante.
Neste capítulo, por questões metodológicas, analisar-se-á a infração
administrativa.
2.2.1 DO ART. 165 DO CTB
28
O crime de embriaguez na condução de veículo automotor é previsto no
art. 306 do CBT, enquanto que a disciplina do art.165 estabelece a infração
administrativa. A citação do art. 276 faz-se necessária para melhor compreensão
da infração administrativa.
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 meses;
Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.
Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.
Observa-se que dirigir sob a influência de álcool caracteriza a infração
administrativa, sem preocupar-se com a concentração e o teor alcoólico do
motorista, qualquer que seja a concentração, sujeita o condutor às penas do art.
165 do CTB.
Para tal infração de trânsito, considerada gravíssima, são cabíveis as
penalidades de multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze)
meses, além das medidas administrativas de retenção do veículo até a
apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.
Uma mesma conduta pode caracterizar tanto uma infração de trânsito quanto um
crime de trânsito – basta que o motorista esteja embriagado com concentração de
álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas (ou sob a
influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência).
Nesse caso, responderá tanto perante os órgãos de trânsito quanto perante a
29
justiça criminal. Caso a concentração seja inferior a 6 decigramas, o motorista
responde apenas pela infração administrativa.
Por força do novo art. 276, qualquer concentração de álcool por litro de
sangue sujeitará o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código:
Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código.
Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos.
Não se admite mais que alguém ingira qualquer quantidade de álcool e
venha a dirigir veículo automotor. Se assim proceder, estará cometendo uma
infração administrativa, punida com multa e suspensão do direito de dirigir, além
da apreensão da carteira e da retenção provisória do veículo.
O parágrafo único do referido artigo deixa uma margem de tolerância:
―Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para
casos específicos‖ ou seja, quantidades insignificantes de álcool no sangue, não
configuraram a infração administrativa, tem-se como exemplo o bombom com
licor.
A primeira diferença entre a infração administrativa e a penal, como se vê,
está no nível de concentração de álcool no sangue. O fator distintivo é meramente
quantitativo. A quantidade de álcool é o primeiro critério diferenciador.
2.2.2 DO ART. 277 DO CTB
30
Ainda no que se refere à infração administrativa, o legislador no combate
à embriaguez ao volante, para a constatação da influência do álcool ou de outra
substância psicoativa, estabeleceu a utilização de outros meios probatórios,
agregado ao art. 277, também alterado pela Lei 11.705/2008, que diz o seguinte:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
Observa-se, portanto, conforme o caput do art.277, que, diante da
suspeita de dirigir sob influência de álcool, o motorista deve ser submetido à
prova para a constatação de seu estado; a suspeita não obtém êxito, apenas a
certeza que advirá do resultado do exame será válida.
As três formas clássicas de se provar a embriaguez ao volante são: (a)
exame de sangue; (b) bafômetro e (c) exame clínico.
A fim de regular a matéria, o Conselho Nacional de Trânsito -
CONTRAM65 – por meio da resolução 206/06, dispôs sobre os requisitos
necessários para constatar o consumo de álcool, substância entorpecente, tóxica
ou de efeito análogo no organismo humano, estabelecendo os procedimentos a
65 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Conselho Nacional de Trânsito. Resolução nº 206/06. Dispõe sobre os requisitos necessários para constatar o consumo de álcool, substância entorpecente, tóxica ou de efeito análogo no organismo humano, estabelecendo os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes. Brasília, DF, 20 outubro 2006. Disponível em: < http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/Resolucao206_06.pdf >. Acesso em: 30 setembro 2009.
31
serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes. Confira-se, por
oportuno, o teor do art. 1º da referida Resolução:
Art. 1º A confirmação de que o condutor se encontra dirigindo sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, se dará por, pelo menos, um dos seguintes procedimentos:
I - teste de alcoolemia com a concentração de álcool igual ou superior a seis decigramos de álcool por litro de sangue;
II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) que resulte na concentração de álcool igual ou superior a 0,3mg por litro de ar expelido dos pulmões;
III - exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária;
IV - exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
No novo §2º do art. 277 da lei n. 11.705/2008, e o caput do artigo 2º da
Resolução 206/06 do CONTRAN, o legislador ampliou a possibilidade da prova,
falando em outras provas em direito admitidas, para que sejam constatados os
notórios sinais de embriaguez, a excitação ou o torpor apresentado (s) pelo
condutor.
§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
[...]
Art. 2º. No caso de recusa do condutor à realização dos testes, dos exames e da perícia, previstos no art. 1º, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção, pelo agente da autoridade de trânsito, de outras provas em direito admitidas acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool ou de qualquer substância entorpecente apresentados pelo condutor, conforme Anexo desta Resolução.
32
§ 1º. Os sinais de que trata o caput deste artigo, que levaram o agente da autoridade de trânsito à constatação do estado do condutor e à caracterização da infração prevista no artigo 165 da lei nº 9.503/97, deverão ser por ele descritos na ocorrência ou em termo específico que contenham as informações mínimas indicadas no Anexo desta Resolução.
§ 2º. O documento citado no parágrafo 1º deste artigo deverá ser preenchido e firmado pelo agente da autoridade de trânsito, que confirmará a recusa do condutor em se submeter aos exames previstos pelo artigo 277 da lei nº 9.503/97.
Porém, somente no caso de recusa do condutor à realização dos testes,
exames e da perícia, previstos acima, é que o agente de trânsito poderá
caracterizar o estado em que o condutor se apresenta, através de termo de
constatação de embriaguez, de acordo com as diretrizes dessa resolução e de
seus anexos.
Nesse norte, o poder de polícia encontra definição no art. 78 do Código
Tributário Nacional66; confira:
Art.78 Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.
Parágrafo único: considera como regular o exercício do poder de policia ‗quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder‘.
66 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Denominado Código de Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 25 de outubro de 1966. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm >. Acesso em: 09 setembro 2009.
33
Observa-se que o agente de trânsito está revestido do poder de polícia;
importante frisar que a atuação do agente de trânsito deverá ser proporcional e
respaldada.
Dando continuidade, no §3º do art. 277 da lei n. 11.705/2008, o legislador
recrudesceu a discussão:
§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
Cabe, no entanto, ressaltar que o motorista tem a faculdade, sim, de
recusar-se a fazer os testes de alcoolemia (sangue e aparelhos de ar). À luz das
normas e dos princípios constitucionais, ninguém está obrigado a produzir provas
contra si mesmo.
Depara-se, então, com o opinião do Ministério Público de Santa Catarina
no parecer67 do Centro de Apoio Operacional Criminal:
Sinceramente, não se vislumbra óbice constitucional para o legislador determinar, por lei, que quem se recusar a submeter-se ao exame de alcoolemia deve sujeitar-se às mesmas sanções administrativas daquele que está dirigindo sob a influência de álcool. Ora, diante da situação atual vivenciada nas estradas brasileiras (o que justifica a proporcionalidade), o legislador entendeu que quem se recusar a fazer o teste de bafômetro, por exemplo, está praticando uma infração administrativa. O motorista não tem a obrigação de submeter-se ao bafômetro e, consequentemente, fazer prova contra si. Isso é certo. Todavia, se assim entender, está praticando uma infração administrativa punida com a mesma sanção prevista no art. 165 do CTB. Não há obrigatoriedade, porque o motorista pode optar entre fazer o teste ou arcar com a sanção administrativa. Qual a inconstitucionalidade desse novo comando legislativo?
67 MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Centro de Apoio Operacional Criminal (CCR). Parecer nº 005/2008/CCR, Embriaguez ao volante. Lei n.11.705/2008. Alterações ao Código de Trânsito Brasileiro. Algumas ponderações. Florianópolis, julho de 2008. Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br>. Acesso em 30 de abril de 2009.
34
Enfim, para que se possa compreender melhor, diante da suspeita de que
o condutor está dirigindo sob a influência de álcool, o agente de trânsito pode
pedir-lhe que se submeta aos testes do bafômetro ou de alcoolemia. Entretanto,
diante da negativa do condutor, incidirá nas sanções administrativas do § 3º do
art. 277 do CTB.
Assim afirma o Delegado de Polícia de São Paulo, José Luiz Joveli em
seu artigo68:
Em suma, o legislador, no afã de tentar conter os índices alarmantes de acidentes de trânsito, produziu um verdadeiro imbróglio jurídico, conseguindo tumultuar ainda mais a redação dos tipos penais do Código de Trânsito Brasileiro.
Da análise dos aspectos deste capítulo, restou caracterizada a infração
administrativa e o uso do poder de polícia pelo agente de trânsito. Dessa forma,
passa-se ao cerne da questão deste trabalho, o crime descrito no art.306 do CTB
e suas consequências criminais.
2.3 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
Neste capítulo será abordado o crime definido pelo art. 306 do CTB, bem
como sua natureza jurídica. Será, também, questionado sob o direito de não produzir
68 JOVELI, J.L. Breves considerações sobre a Lei nº 11.705/08. A questão da embriaguez ao volante e os testes de alcoolemia. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1820, 25 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11432>. Acesso em: 27 julho 2009.
35
prova contra si mesmo, visto que, para configuração desse crime, é necessário que o
condutor submeta-se a testes de alcoolemia.
2.3.1 DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
O antigo Código de Trânsito Brasileiro69 assim tipificava o crime de
embriaguez ao volante:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a
dano potencial a incolumidade de outrem.
Penas — Detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Certo de que o tipo penal era ―conduzir veículo automotor, sob influência
de álcool, qualquer que fosse a concentração, e oferecendo risco potencial à
segurança viária, estaria caracterizado, em tese, o crime de embriaguez ao
volante‖. Não havia dificuldades de se provar a embriaguez, pois eram suficientes
a documentação do oficial da ocorrência, o exame médico clínico e a prova
testemunhal, que indicava o estado de embriaguez e a direção anormal.
Com a lei nº 11.705/08, o tipo penal passou a ser:
69 BRASIL. Lei nº9.503, de 23 de setembro de 1997. Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 de janeiro de 1998. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em 09 maio 2009.
36
Art. 306 Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Segundo os termos do artigo 306 do CTB, são duas as condutas
incriminadas: a) conduzir veículo automotor na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas e
b) conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de qualquer outra
substância psicoativa que determine dependência.
Observa-se que a primeira não exige mais a exposição a dano potencial à
incolumidade de outrem, e, para configurar o tipo penal descrito, exigem-se 6
(seis) decigramas de álcool por litro de sangue, que equivalem a 0,3 miligramas
de álcool por litro de ar expelido dos pulmões; imprescindível, então, para a
configuração do crime, essa concentração alcoólica no sangue do condutor.
As conversões entre TAS (taxa de álcool no sangue) e álcool por litro de
ar expelido dos pulmões podem ser feitas por meio da Lei de Henry70 (adotada
70 Leciona O. Pataro: ―As avaliações do estado de impregnação alcoólica resultam da lei de Henry sobre as trocas entre um gás, um vapor (álcool) e um líquido (sangue), quando feitas pelos chamados métodos respiratórios. Com efeito, existe uma relação constante entre a quantidade de álcool concentrada no mesmo volume de ar alveolar e de sangue, sendo que esta razão é de 1/2.000. Desse modo, 1 ml de sangue encerra a mesma quantidade de álcool que 2.000 ml de ar alveolar.‖ (PATARO, 1976. p. 309.)
37
pela Resolução n. 206/0671, do CONTRAN, e pelo Decreto n. 6.48872, de
19.06.08), ou seguindo-se tabelas divulgadas pelos órgãos de trânsito.
Conversão segundo Lei de Henry
TAS (dg/L) = ar alveolar (em décimos de mg/L)
2000
Exame sangue/urina = 6 dg/L
Etilômetro = 0,3 mg/L
Ao fixar um percentual mínimo de álcool no sangue dos motoristas, a
norma criou um critério técnico e objetivo. Menos de 6 decigramas de álcool torna
a conduta atípica, ou seja, não há crime.
Em relação à segunda conduta punível prevista no art. 306, ―conduzir
veículo automotor, na via pública, sob influência de qualquer outra substância
psicoativa (que não o álcool) que determine dependência‖, não existe qualquer
71 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Conselho Nacional de Trânsito. Resolução nº 206/06. Dispõe sobre os requisitos necessários para constatar o consumo de álcool, substância entorpecente, tóxica ou de efeito análogo no organismo humano, estabelecendo os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes. Brasília, DF, 20 outubro 2006. Disponível em: < http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/Resolucao206_06.pdf >. Acesso em 30 setembro 2009.
72 BRASIL. Decreto nº 6.488 de 19 de junho de 2008. Regulamenta os arts. 276 e 306 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, disciplinando a margem de tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeitos de crime de trânsito. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, Brasília,DF, 20 de junho de 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6488.htm>. Acesso em: 14 junho 2009.
38
exigência de concentração mínima da substância psicoativa, não importando a
quantidade.
Sob tais condições, para a persecução penal, não é imprescindível prova
pericial, sendo suficiente a observação do agente de trânsito sobre a conduta do
motorista.
O parágrafo único, incluído com a Lei nº 11.705/08, dispõe que o Poder
Executivo federal estipulará a equivalência entre “distintos” testes de alcoolemia,
para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. Ou seja, a lei
descreve como teste de alcoolemia, o conhecido como exame de sangue, assim
disposto no caput do art. 306. Destarte, esclarece que as únicas formas pelas
quais se pode medir com precisão a concentração de álcool no organismo é por
teste de alcoolemia, ou teste de etilômetro, vulgarmente conhecido como teste do
bafômetro.
E dessas duas formas, é necessária a aceitação do condutor de fornecer
uma parte de seu organismo vivo, qual seja (sangue ou ar do pulmão).
E nesse impasse, de como provar a concentração etílica no sangue,
segue-se para o próximo subitem deste estudo.
2.3.2 EXAMES DE ALCOOLEMIA E TESTE DO BAFÔMETRO
39
Para dar início a esse tema, há de ser colocado em pauta, a origem e o
significado de prova. Portanto, para Marcus Cláudio Acquaviva73, prova se origina
do
[...] latim probare (probo, as, are) convencer, tornar crível, estabelecer uma verdade, com/provar.
Todo meio lícito e suscetível de convencer o juiz da verdade de uma alegação da parte.(...)
O termo é usado em sentidos diversos.
Num sentido comum, tem-se como sendo uma verificação, apreciação,
reconhecimento, significa aquilo que estabelece, demonstra a veracidade de um
fato. Contudo, em quaisquer de seus significados, representa sempre o meio
usado pelo homem para, através da percepção, demonstrar uma verdade.
Dessa forma, a nova redação do art.306 do CTB, inseriu como elementar
do tipo descrito, dosagem etílica, torna-se imprescindível a comprovação do
quantum, para a configuração do crime.
Na exposição de motivos74 que foi convertida em lei 11.705/08, aborda-se
uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Departamentos de Trânsito
– Abdetran:
Outro ponto importante é a Pesquisa realizada em 1998 por iniciativa da Associação Brasileira de Departamentos de Trânsito - Abdetran em quatro capitais brasileiras - Salvador, Recife, Brasília e Curitiba - a qual apontou que entre as 865 vítimas de acidentes,
73 ACQUAVIVA, M.C. Dicionário acadêmico de direito. São Paulo: Jurídica, 2001. p.573.
74 BRASIL. EMI No 13 – GSI/MJ/MS/MCIDADES/MEC/MT. Exposição de motivos. Brasília: Diário Oficial da União, 21 janeiro 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Exm/EMI-13-gsi-mj-mcidades-mec-mt.htm>. Acesso em 15 setembro 2009.
40
quase um terço (27,2%), apresentou taxa de alcoolemia superior a de 0,6 g/l, índice limite definido pelo Código de Trânsito Brasileiro.
Ensina a literatura médica que o único exame técnico capaz de precisar,
com rigor, a quantidade de álcool metabolizado no sangue é a dosagem
sanguínea – teste de alcoolemia. O etilômetro, vulgarmente conhecido como
bafômetro, mede a concentração de álcool alveolar encontrado nos pulmões.
Pelo exposto, pode ser observada a seguinte situação: o motorista
flagrado em uma blitz apresenta sinais de embriaguez, mas se recusa a fazer o
teste do bafômetro ou a fornecer sangue para o teste de alcoolemia para o agente
ou mesmo para o médico, recusa essa lícita e sem consequências penais. Nesse
caso, o motorista será apenas autuado por infração administrativa.
Em face do princípio de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova
em seu desfavor, por força de princípio abrigado na Constituição Federal de 1988,
art. 5º, LXIII : ―LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de
advogado‖; e no art. 8º, II, g, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
ratificada pelo Brasil, ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo e
tem o direito de ser informado.
Art. 8º Garantias Judiciais:
(...)
II Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(...)
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;
41
Dessa forma, não comprovado por meio de exames que o motorista
estava com álcool acima desses limites, não há como processá-lo criminalmente,
ainda que o médico certificar pelo exame clínico que o motorista apresenta sinais
de embriaguez, isso porque o médico não saberá precisar o grau de álcool em
seu sangue, conforme a tipificação descrita em lei.
Esquece-se de que as pessoas têm diferentes tolerâncias ao álcool e
nelas a mesma taxa produzirá efeitos diversos, os quais dependerão do peso,
idade, estado emotivo, hábito de beber, saúde, ter-se ou não alimentado ou
medicado etc. Alguns, mesmo com taxa de alcoolemia acima permitida,
conduzem veículo normalmente; outros, com taxa inferior, apresentam
embriaguez e dirigem anormalmente. Apenas o resultado da dosagem de álcool
pode induzir à conclusão equivocada. Há necessidade, também, do exame clínico
em que o médico avaliará as manifestações físicas, neurológicas e psíquicas do
examinado, atestando se dirigia ou não embriagado.
Vê-se que a realização da prova técnica (exame de alcoolemia e/ou
bafômetro) passou a ser imprescindível para caracterizar a materialidade do
delito, inviabilizando qualquer outro meio de prova.
O que se mostra é que não se pode conceber como razoável e aceitável
que o Estado se veja privado de exercer o seu poder punitivo simplesmente
porque o motorista exerce o seu direito de não produzir prova contra si.
2.3.3 DA NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
42
Muitos estudiosos questionam quanto à natureza do crime de embriaguez
ao volante ser de perigo concreto ou abstrato, pois, foi retirado do novo dispositivo
do artigo 306 a elementar explicação ―expondo a dano potencial a incolumidade
de outrem‖, dando a entender que, para configurar o crime tipificado no artigo em
comento, é de perigo abstrato.
Doutrinariamente, crime de perigo é aquele que apresenta um perigo
como resultado. Dividindo-se em crime de perigo concreto (aquele que o perigo
deve ser demonstrado e provado), e crime de perigo abstrato (o perigo não
precisa ser demonstrado e provado, por ser presumido pela lei).
No ponto, Guilherme de Souza Nucci75 assevera que o crime de perigo
abstrato é aquele em que "a probabilidade de ocorrência de dano está presumida
no tipo penal".
Seguindo essa linha de raciocínio, imperioso ressaltar que a contravenção
penal de direção perigosa de veículo em via pública, a qual se encontra inserida
no capítulo referente à defesa da incolumidade pública, é considerada como de
perigo abstrato, ou seja, prescinde de ocorrência de efetivo perigo a determinada
pessoa, bastando, tão-somente a possibilidade de risco à segurança alheia.
Sobre o tema, Renato Marcão76 explica:
75 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 3.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 172.
76 MARCÃO, Renato. Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e teste do bafômetro. Uma análise do novo art. 306, caput, da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1827, 2 julho 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11454>. Acesso em: 20 novembro 2008.
43
A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao caput do art. 306 do CTB e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O legislador passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306, caput, do CTB, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição de pena criminal.
Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que
exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.
Fazendo uma leitura da primeira parte do artigo 306 do CTB, chega-se à
conclusão de que a elementar do tipo ―concentração de álcool por litro de sangue
igual ou superior a 6 decigramas‖ é de perigo abstrato.
Sobre o tema, Fernando Capez77 preleciona:
O art. 5º, caput, da Constituição Federal assegura que todos os cidadãos têm direito à segurança. O art. 1º, § 2º, do código de Trânsito Brasileiro estabelece que ‗o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos...‘, e em seu art. 28 dispõe que o motorista deve conduzir o veículo ‗com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito‘.
É fácil concluir, portanto, que a segurança viária é o objeto jurídico principal do delito. O direito à vida e à saúde constituem, na verdade, a objetividade jurídica secundária.
E, continua:
Pois bem, considerando que no delito em análise o bem jurídico tutelado é a segurança viária, pode-se concluir pela sua existencia sempre que o condutor atentar contra a segurança dos usuários das vias públicas, em virtude de seu modo de dirigir, por estar sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos.
Pois é no trânsito que se aguarda dos demais motoristas o mínimo de
respeito às normas pertinentes. Trabalha-se com o ―princípio da confiança‖, pelo
qual o motorista conduz seu veículo na firme crença de que, por exemplo, ao
77 CAPEZ, F.op.cit., p. 300.
44
passar por um cruzamento, os automóveis que se aproximam do sinal vermelho
pela via perpendicular irão parar e permitir-lhe continuar trafegando na pista onde
o sinal encontra-se verde.
Não se pode esperar que o motorista que conduz veículo automotor sob a
influência de álcool cometa alguma irregularidade ou acidente, para, só então,
puni-lo. O motorista embriagado, por qualquer que seja a dosagem etílica,
representa um perigo permanente a todos os que cruzam seu caminho, não
sendo necessário que conduza de forma anormal para responder
administrativamente e criminalmente por seu comportamento.
É certo que, por qualquer dosagem etílica, ficam comprometidos os
reflexos do condutor. Quem vive em coletividade e se submete às regras do
convívio social espera que os demais cidadãos também se comportem dentro da
lei.
45
3 PERFIL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA NO JULGAMENTO DOS CRIMES DE EMBRIAGUEZ NO
TRÂNSITO
No presente capítulo será traçado um perfil do entendimento do Tribunal
de Justiça do Estado de Santa Catarina em relação ao julgamento dos crimes de
embriaguez no trânsito, colacionam-se alguns casos concretos de julgados pelos
juízes do Estado de Santa Catarina e seu recursos ao Tribunal.
A pesquisa foi realizada mediante consulta on-line das decisões pelo site
do tribunal catarinense, por meio da ferramenta Pesquisa de Jurisprudência.
3.1 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIAS
3.1.1 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2007.012824-478, DE 30/01/2009 – BRUSQUE.
RELATOR: DES. SOLON D'EÇA NEVES.
78 BRUSQUE, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2007.012824-4. Relator: Des. Solon d'Eça Neves. Decisão prolatada em 30 janeiro 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.
46
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ALTERAÇÃO LEGISLATIVA - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - AUSÊNCIA DA MATERIALIDADE - ABSOLVIÇÃO DECRETADA - RECURSO PROVIDO.
Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro, que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime ali previsto.
[...]
Na comarca de Brusque, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra G.H., dando-o como incurso nas sanções do art. 306 da Lei n. 9.503/97, pelos fatos assim descritos na exordial acusatória:
Na madrugada do dia 13-3-2005, por volta da 1h, o denunciado G.H. conduzia pela Rua Inácio Walendowsky, 1º de Maio, neste município, o veículo Ford/Corcel II, placas LZQ 4118, quando veio a colidir contra um portão.
Logo após a colisão, os policiais militares que atenderam a ocorrência constataram que o denunciado Gilmar Hilleshein encontrava-se em nítido estado de embriaguez.
Portanto, o denunciado conduzia o veículo automotor, em via pública, sob a influência do álcool, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.
Concluída a instrução criminal, o Magistrado julgou procedente a denúncia para condenar o réu G.H. ao cumprimento da pena de 6 (seis) meses de detenção, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, e suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 2 (dois) meses, por infração ao art. 306 da Lei n. 9.503/97.
Por preencher os requisitos do art. 44 do CP, o réu teve a pena privativa de liberdade substituída por uma prestação pecuniária estabelecida no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) em favor da APAE daquela Comarca.
47
Irresignado com o teor do decisum, o réu, por intermédio de seu defensor, interpôs recurso de apelação. Objetiva, em síntese, a reforma da sentença para se ver absolvido, porquanto alega que foi equivocada a adoção do procedimento da Lei n. 10.259/01, o que ensejaria a anulação do feito. Alternativamente, pleiteia a absolvição, pois comprovou nos autos ser portador de labirintite. Por fim, assevera que inexistem nos autos provas seguras para uma condenação, sobretudo o teste de alcoolemia.
Contra-arrazoado o apelo, os autos ascenderam a esta superior instância e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Dr. Vilmar José Loef, opinou pelo seu não conhecimento.
Esta Câmara não conheceu da apelação sob o argumento da intempestividade.
Ato contínuo, a defesa interpôs revisão criminal que foi deferida, tendo a Seção Criminal deliberado pela necessidade do conhecimento da apelação.
[...]
Inicialmente, vale registrar que o tipo penal ora em apreço foi alterado com a publicação da recente Lei n. 11.705/2008, a qual acabou por assim estabelecer a nova redação do art. 306 do CTB:
[…]
A edição da nova lei que alterou o tipo penal em exame, acabou por trazer, de um lado, uma agravação da conduta, pois o crime, que era de perigo concreto, passou a ser de perigo abstrato, bastando o fato de dirigir embriagado com a concentração estipulada para caracterizá-lo.
Contudo, vale registrar que a modificação legislativa passou a incluir no tipo a obrigatoriedade do exame de alcoolemia, sem o qual fica descaracterizada a conduta.
Percebe-se, assim, que, muito embora seja a nova norma aparentemente prejudicial aos agentes quanto às elementares, mostra-se mais benéfica quando exige o teste específico da concentração de álcool.
Assim sendo, imperativa a obediência aos art. 5, XL, da Constituição da República; art. 2º, parágrafo único, do Código Penal; art. 9º da Convenção Interamericana de Direito Humanos e
48
artigo XI, 2, da Declaração Universal dos Direitos do Humanos, que garantem a retroatividade da norma benéfica.
Por conseguinte, em decorrência da aludida modificação no tipo penal, considerando que não houve a realização do popular teste do ‗bafômetro‘, não há materialidade do delito.
Dessa feita, maneira outra não há senão absolver o apelante, pelo que ficam prejudicados os demais pedidos defensivos.
[...]
Ante o exposto, à unanimidade, dá-se provimento ao recurso para absolver o apelante, nos termo do art. 386, II, do Código de Processo Penal.
[...]
Percebe-se, portanto, mais uma absolvição em virtude da materialidade
do art.306 do novo código de Trânsito Brasileiro, fundamentado no art. 38679, II do
Código de Processo Penal: ―O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na
parte dispositiva desde que reconheça: II – não haver prova da existência do
fato‖.
3.1.2 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2008.073958-380, DE 20/10/2009 – CHAPECÓ.
RELATORA: DESA. MARLI MOSIMANN VARGAS.
79 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 13 outubro 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 09 maio 2009.
80 CHAPECÓ, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2008.073958-3. Relatora: Des. Marli Mosimann Vargas. Decisão prolatada em 20 outubro 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 01 novembro 2009.
49
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÂNSITO (ARTS. 306 E 309, AMBOS DA LEI N. 9.503/97 C/C ART. 331 DO CP, EM CONCURSO MATERIAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB). ALTERAÇÃO NO TIPO PENAL COM O ADVENTO DA LEI N. 11.705/08. APLICAÇÃO DE OFÍCIO. EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA DE ÁLCOOL NO SANGUE. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. RETROATIVIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME TÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO POR DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS E AUTO DE CONSTATAÇÃO DE EMBRIAGUEZ. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. ABSOLVIÇÃO.
Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro -, conhecido como ‗bafômetro‘, faz-se imprescindível para a comprovação da materialidade do delito, não podendo ser suprido por prova testemunhal.
[...]
O representante do Ministério Público da Comarca de Chapecó/SC ofereceu denúncia contra V.C.P. pela prática dos delitos definidos nos arts. 306 e 309 da Lei n. 9.503/97, em concurso material com o art. 331 do Código Penal, assim descritos na inicial acusatória:
No dia 13 de outubro de 2007, por volta das 23 horas, uma viatura da Polícia Militar de Chapecó, foi acionada, para atender à uma ocorrência, que se registrava na rua Galvão nº 10, no bairro Cristo Rei, Chapecó, pois um automóvel, tinha derrubado um muro da residência lá situada, quebrando o hidrômetro da água e, só parando no pátio da casa.
Quando aportaram ao local, os agentes oficiais, verificaram que, o veículo, se tratava de um Opala (Chevrolet), placas LZC-9572, que era pilotado pelo denunciado V.C.P., o qual apresentava-se em visível estado de embriaguez pois, mal conseguia pronunciar alguma palavra.
O acusado, recusou-se a efetuar o teste de bafômetro mas, por todas as evidências e, pelo seu próprio comportamento, elaborou-se o auto de constatação de ebriez, podendo-se afirmar que ele, dirigia veículo automotor, por via pública, sob o efeito de álcool ou substância análoga, colocando em risco a incolumidade alheia, tanto que, proporcionou o acidente já referido.
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[...]
Encerrada a instrução, o magistrado julgou procedente a denúncia para condenar o acusado à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, e à suspensão por 2 (dois) meses da habilitação para dirigir veículo automotor (caso o réu tenha conseguido tirar carteira de motorista após os fato). Ao final, substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, em duas entidades credenciadas junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à razão de 02 horas diárias de serviço pelo tempo da pena aplicada, por infração ao disposto nos arts. 306 e 309, da Lei 9.503/97, e art. 331, do Código Penal, c/c art. 69 do Código Penal.
Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, objetivando sua absolvição e, sucessivamente, seja a pena reduzida para aquém do mínimo legal, haja vista ser réu confesso, e em observância ao princípio da ofensividade e lesividade. Por fim, caso mantida a condenação, requer a redução das horas de serviço fixadas na substituição da pena privativa.
Em contrarrazões, requereu o apelado a manutenção da sentença condenatória.
[...]
Pretende o apelante, em síntese, seja absolvido e, sucessivamente, seja a pena reduzida para aquém do mínimo legal, ou ainda, seja reduzida as horas de serviço fixadas na substituição da pena privativa.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo e passa-se à análise do seu objeto.
1 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB)
Vê-se que o sentenciante condenou o ora apelante pelo crime previsto no art. 306 da Lei n. 9.503/97 com base no auto de constatação de embriaguez lavrado durante a ocorrência, bem como pelos depoimentos dos policiais. Contudo, tais meios probatórios, de acordo com a nova legislação vigente, não podem servir de fundamento para caracterizar o estado de embriaguez.
Com a edição da Lei n. 11.705/08 houve substancial modificação no tipo penal supracitado, sendo que para a configuração do delito de embriaguez ao volante, faz-se necessário averiguar a
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existência de concentração de álcool no sangue que ultrapasse o limite mínimo estabelecido na lei. É a redação do dispositivo:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
(...)
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Posto isso, vê-se que a realização de prova técnica (exame de alcoolemia) passou a ser imprescindível para caracterizar a materialidade do delito, inviabilizando a prova testemunhal, que antes era considerada suficiente para a condenação do condutor do veículo.
[...]
Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.
O crime, agora, é de perigo abstrato; presumido" (Embriaguez ao Volante; Exames de Alcoolemia e Teste do Bafômetro: Uma Análise do Novo Artigo 306, Caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v. 24, jun./jul. 2008. p. 88).
Apesar da norma parecer prejudicial, haja vista agora tratar-se de crime de perigo abstrato e não mais concreto, sendo determinante o fato de o condutor do veículo dirigir com certa medida de álcool no sangue, também trouxe uma segurança aqueles que supostamente possam ter praticado a conduta delitiva. Atualmente, exige-se teste específico para analisar a concentração da referida substância, pois se deve auferir com precisão se o agente excedeu o limite imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.
Com isso, tendo a lei nova o intuito de beneficiar o réu, já que essencial a constatação de um índice mínimo de alcoolemia, não permitindo que o crime lhe seja imposto por meras alegações testemunhais, deve ela retroagir aos crimes praticados antes de 20/06/2008, data da entrada em vigor da Lei n. 11.715/2008, em obediência ao art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
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[...]
"Com o advento da Lei n. 11.705/08, necessária a realização de exame para se verificar com precisão se a concentração de álcool no sangue do motorista é igual ou superior a 6 (seis) decigramas". (AC n. 2008.010810-4, de São Joaquim, rel. Des. Subst. Victor Ferreira, j. 21/10/08)
Dessa forma, aplicando-se a nova lei ao caso sob análise, modifica-se a sentença que condenou o apelante com base nas únicas provas colacionadas aos autos, quais sejam, auto de constatação e depoimentos testemunhais, haja vista não haver o dito exame técnico necessário para auferir se a conduta delitiva praticada enquadra-se na nova redação do art. 306 do CTB.
[...]
Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro, que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime ali previsto. (AC n. 2007.012824-4, de Brusque, rel.Des. Solon d'Eça Neves, j. 11/12/08)
[...]
Verificado que as autoridades policiais não realizaram exame de sangue no condutor do veículo nem mesmo procederam ao teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro -, popularmente denominado de "bafômetro", inexiste, pois, a materialidade delitiva descrita na denúncia.
Por fim, diante da ausência de prova técnica capaz de confirmar com exatidão a concentração de álcool existente no sangue do apelante, impõe-se a absolvição desse da imputação do crime de embriaguez ao volante, nos moldes do art. 386, II, do Código de Processo Penal.
Dá-se provimento ao recurso no ponto.
[…]
Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à unanimidade de votos, resolveu conhecer do recurso e dar-lhe provimento em parte para, aplicando a Lei n. 11.705/08, decretar
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a absolvição do apelante quanto ao crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal e, consequentemente, adequar a pena aplicada para manter somente as condenações pelos crimes do art. 309 da Lei n. 9.503/97 e art. 331 do Código Penal, em concurso material (art. 69 do CP), finalizando a reprimenda em 1 (um) ano de detenção, substituindo-a por 1 (uma) restritiva de direito, nos termos do art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP, consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública credenciada junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à razão de 01 (uma) hora diária de serviço pelo tempo da pena aplicada, conforme art. 43, IV, também do CP.
[...]
Observa-se que, aplicando a Lei n. 11.705/08, foi decretada a absolvição
do apelante quanto ao crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97, nos termos do art.
386, II, do Código de Processo Penal.
3.1.3 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2009.040788-581, DE 20/10/2009 – BLUMENAU.
RELATORA: DESA. SALETE SILVA SOMMARIVA
APELAÇÃO CRIMINAL - CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL (CTB, ART. 306) - ALTERAÇÕES DA LEI N. 11.705/2008 - VALOR TAXATIVO PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - RETROATIVIDADE IMPOSTA - (CF, ART. 5º, INC. XL E CP, ART. 2º, PAR. UN.) - IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ POR MEIO DIVERSO DO PRECONIZADO NO TIPO PENAL - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.
81 BLUMENAU, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2009.040788-5. Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva. Decisão prolatada em 20 outubro 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.
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[...]
Na comarca de Blumenau, o Ministério Público, por seu promotor de justiça, ofereceu denúncia em face de D.W., pela prática do crime de conduzir veículo automotor sob efeito de álcool (Lei n. 9.503/1997, art. 306), conforme narra a exordial acusatória:
Na data de 12 de março de 2006, por volta das 05:45 horas, o denunciado, sob efeito de bebida alcoólica, conduzia a motocicleta placa MGY-7680, de Blumenau SC, pela rua Dr. Luiz de Freitas Melro, nesta, de modo a expor a perido a segurança alheia. Na altura do nº411 da referida rua o denunciado, transitando com passageiros sem capacete chamou a atenção da guarda municipal que encontrava-se no local, que abordando-o constatou que encontrava-se em visível estado de embriaguez, fato esse confirmado pelo forte odor de bebida alcoólica além do modo agressivo que se expressava.
Recebida a peça acusatória em 1-7-2006 (fl. 35) e citado o réu (fl. 49), este foi interrogado (fls. 52/54), após o que ofereceu defesa prévia (fl. 55).
Realizada a audiência (fl. 78), fora inquirida uma testemunha da acusação (fls. 79/80).
O representante do Ministério Público apresentou suas alegações finais (fls. 95/97), pugnando a condenação do réu. Em ato contínuo, o acusado protocolizou suas derradeiras assertivas (fls. 103/109), pleiteando a decretação da prescrição virtual e, alternativamente, absolvição.
Conclusos os autos (fls. 110/114), o Juiz de Direito Rafael Germer Condé julgou improcedente a denúncia e, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, absolveu o réu D.W. das sanções do art. 306 do CTB.
Irresignado, o membro do Ministério Público interpôs recurso de apelação (fls. 116/123) aduzindo existirem nos autos elementos comprobatórios da prática delitiva apontada na denúncia, ainda que ausentes provas periciais, notadamente os exames periciais de sangue ou bafômetro.
Frisou que, havendo recusa do motorista em realizar o teste de alcoolemia, mostra-se perfeitamente viável a aplicação do disposto no art. 167 do CPP, de modo que a prova testemunhal pode suprir a perícia.
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Pleiteou, ao final, a reforma da sentença, no sentido de que Douglas Willbert fosse condenado pela prática do crime previsto no art. 306 do CTB.
Após as contrarrazões (fls. 130/135), ascenderam os autos a esta egrégia corte.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Demétrio Constantino Serratine (fls. 142/144), manifestou-se pelo desprovimento do recurso.
[...]
Isso porque, analisando os autos, denota-se a ausência do necessário exame de teor alcoólico que atestasse a presença da concentração da substância em seu organismo do apelante.
Nesse contexto, a imprescindibilidade do aludido laudo de alcoolemia dera-se em face da significativa alteração do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, promovida pela Lei n. 11.705/2008, em vigor no país desde 20-6-2008, trazendo aspectos de novatio legis in mellius e de novatio legis in pejus.
[...]
Assim, como característica prejudicial ao réu, a nova redação passou a exigir, como comprovação do crime de embriaguez ao volante, não mais que o agente exponha a dano potencial a incolumidade de outrem, bastando, para tanto, que conduza veículo automotor, na via pública, com concentração alcóolica por litro de sangue igual ou superior a 0,6 (seis decigramas), ou que esteja alterado por uso de qualquer outra substância psicoativa que possa causar dependência.
Dessa forma, tem-se que não mais desponta como requisito essencial a direção ou a exposição de outros ao risco causado pela direção de condutor fisicamente ou psicologicamente alterado pelo uso de substâncias alcóolicas ou entorpecentes, perfectibilizando-se o delito tão-somente com a mera conduta em dirigir embriagado, com concentração aferida através do aparelho de dosagem alcoólica, ou sob influência de qualquer outro tipo de elemento que cause dependência.
No entanto, ressalta-se novamente que, com o advento da Lei n. 11.705/2008, o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro passou a dispor acerca da comprovação de no mínimo 0,6g (zero vírgula seis gramas) de álcool por litro de sangue para se atestar a embriaguez do condutor de veículo automotor.
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Nesse diapasão, pressupõe-se que o novo diploma legal constitui-se norma mais benéfica, ao passo que, na antiga redação do preceptivo legal em comento, não constava dados objetivos para a aferição da embriaguez no volante, bastando, para tanto, que o motorista apresentasse qualquer quantidade de álcool no sangue. Não restam dúvidas, destarte, que a lei superveniente se reputa como novatio legis in mellius neste ponto, razão pela qual deve retroagir para favorecer aqueles que se submeteram ao exame de alcoolemia e apresentaram concentração alcóolica menor à agora necessária para configuração do crime ou, ainda, aos que não fizeram o teste, contra os quais foram imputados a infração em destaque, na vigência da norma pretérita (CF/88, art. 5º, XL e CP, art. 2º, parágrafo único).
Ademais, o novel diploma legal em estudo também procedeu alterações no pertinente ao método de aferição do grau de embriaguez do condutor, acabando por estabelecer que tal procedimento passará a se limitar à utilização do bafômetro ou exame de sangue, inviabilizando-se qualquer outro meio lícito de comprovação.
[...]
Agora, quando da ebriedade por álcool, exige a lei, para que o crime se perfaça, a comprovação de ao menos 6 decigramas de álcool por litro de sangue.
[...]
Para a comprovação de infração ao artigo 306, CTB, devido ao álcool, mister se faz atualmente o exame químico - toxicológico de sangue e/ou o teste por aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), ou seja, exames e testes que determinam com segurança a taxa de alcoolemia, cujas respectivas equivalências
estão definidas no artigo 2º, I e II, do Decreto 6488/08, nos termos do artigo 306, Parágrafo Único, CTB.
Observada a nova redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, fica claro em relação à embriaguez ao volante que só haverá processo e eventual condenação se houver prova técnica (bafômetro, por exemplo), indicando a presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. A prova testemunhal isolada não é suficiente.
Nesse sentido, a nova redação do art. 306 é mais benéfica que a redação anterior em relação ao réu que responde criminalmente
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pela conduta em comento, pois cria obstáculo à configuração do ilícito, estabelecendo elementar antes não prevista.
Por força do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e do parágrafo único do art. 2º do Código Penal, a lei posterior benéfica deve retroagir em favor do réu.
[...]
Desse modo, na hipótese ora apreciada, verifica-se que não houve a comprovação do índice alcoólico referido, tendo o apelante se recusado a submeter-se ao etilômetro, valendo-se da prerrogativa constitucional prevista no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal.
Destarte, muito embora exista nos autos o boletim de ocorrência (fls. 7/8), assim como os depoimentos do agente de trânsito fls. 79/80) afirmando a recusa do apelado em realizar o teste de bafômetro, assim como que o apelado se encontrava em estado de embriaguez, não há como inferir a dosagem da substância no sangue do agente, em razão da inexistência do exame de alcoolemia, condição necessária para a responsabilização pelo crime previsto no art. 306 da Lei n. 11.705/2008.
[...]
Desse modo, de acordo com a fundamentação alhures transcrita, verifica-se ser viávela possibilidade de o apelado vir a ser, em tese, condenado pela aludida contravenção, haja vista a eventualidade de se aferir seu estado de embriaguez por outros meios lícitos de prova sem a utilização do bafômetro ou exame de sangue, como determina o art. 306 do CTB.
Ademais, apenas a título argumentativo, poder-se-ia pressupor que o crime definido no art. 306, revogou, ainda que parcial e implicitamente, a contravenção (art. 34), porse tratarem da mesma matéria.
Entretanto, vale frisar que não há falar-se, no caso, em revogação, uma vez que, além de aludido crime tratar-se de normal especial e a contravenção de norma de caráter geral, cuidam os institutos de bem jurídicos diversos, vale dizer, aquele, em seu art. 306, é considerado de perigo concreto enquanto esta, no art. 34, é reputada como de perigo abstrato.
[...]
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Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, negar provimento ao recurso e, de ofício, nos termos do §2º do art. 383 do CPP, desclassificar o tipo penal indicado na peça de denúncia (CTB, art. 306) para a contravenção prevista no art. 34 do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por conseqüência, decretar a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva (CP, art. 107, IV).
3.1.4 HABEAS CORPUS N. 2008.058052-682, DE 06/11/2008 – BALNEÁRIO
CAMBORIU. RELATOR: DES. SÉRGIO PALADINO.
HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PRETENDIDO TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. AUSÊNCIA DO TESTE DO BAFÔMETRO. PROVAS TESTEMUNHAIS. DELITO PERPETRADO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI 11.705/2008, QUE EXIGE A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE CONDUZIA O VEÍCULO COM SEIS OU MAIS DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI PENAL NO TEMPO MAIS BENÉFICA, NESTE PONTO, AO PACIENTE. RETROATIVIDADE QUE SE IMPÕE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL. HIPÓTESE DE APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM ANDAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
[...]
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado, em causa própria, por G.N.O. contra decisão do Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Balneário Camboriú, que determinou a expedição de carta precatória à comarca da Capital, com vistas à realização da audiência de transação penal a ser proposta pelo representante do Ministério Público, nos autos n.
82 BALNEÁRIO CAMBORIÚ, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2008.058052-6. Relator: Des. Sérgio Paladino. Decisão prolatada em 06 novembro 2008. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.
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005.08.005478-6, a que responde por infração, em tese, ao art. 306 da Lei n. 9.503/97.
Objetiva o trancamento do inquérito policial ao argumento de que está sofrendo constrangimento ilegal em face da ausência de justa causa para o respectivo prosseguimento, enfatizando que, embora o delito tenha sido, em tese, perpetrado antes da edição da Lei n. 11.705/08, a novel legislação condicionou a responsabilização criminal à comprovação de que o agente esteja conduzindo o veículo com seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue em seu organismo, independentemente de haver exposto a dano potencial a incolumidade pública.
Portanto, sendo a lei posterior mais benéfica do que a revogada, que não exigia a demonstração de qualquer índice de teor alcoólico no sangue, deve retroagir à data dos fatos, por força do preceito inscrito no art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
[...]
Com efeito, extrai-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante no dia 3 de abril do corrente pela perpetração, em tese, do delito definido no art. 306 da Lei n. 9.503/97, em virtude de se haver envolvido em acidente de trânsito, constatando os policiais militares que atenderam à ocorrência que ele estava em visível estado de embriaguez, tendo se recusado a realizar o teste do bafômetro.
A Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008 alterou o art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro, condicionando a caracterização do delito à comprovação, por meio de exames físicos-químicos, de que o agente esteja conduzindo o veículo com seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue em seu organismo, independemente de ter exposto a dano potencial a incolumidade pública.
Como a novel lei contém norma de direito material mais benéfica, visto que a legislação anterior não exigia a demonstração de qualquer índice de teor alcoólico no sangue, deve retroagir à data dos fatos, uma vez que se trata de evidente novatio legis in mellius, nos termos do parágrafo único do art. 2º do Código Penal.
[...]
Ante o exposto, concedeu-se a ordem para trancar o inquérito policial.
[...]
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Nessa mesma linha, concede-se o trancamento da ação penal pela
materialidade da prova.
3.1.5 HABEAS CORPUS N. 2009.021970-983, DE 29/06/2009 – CAPITAL.
RELATORA: DES. MARLI MOSIMANN VARGAS.
HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - CRIMES DE TRÂNSITO.
ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA QUANTO AO DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N. 9.503/97) - ACOLHIMENTO - TESTE DE BAFÔMETRO NÃO REALIZADO - IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE - ALTERAÇÃO NO TIPO PENAL COM O ADVENTO DA LEI N. 11.705/08 - EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA DE ÁLCOOL NO SANGUE - IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME TÉCNICO - WRIT CONCEDIDO NO PONTO.
Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro - conhecido como "bafômetro", faz-se imprescindível para a comprovação da materialidade do delito, sendo que sua ausência configura falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal.
[...]
Cuida-se de ordem de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado F.Z.S., em favor de M.M.M., denunciado pela prática das condutas delituosas descritas nos arts. 305 e 306 da Lei n. 9.503/97.
O impetrante requer o trancamento da ação penal por falta de justa causa, argumentando, em síntese, a inconstitucionalidade do
83 CAPITAL, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2009.021970-9. Relatora: Des. Marli Mosimann Vargas. Decisão prolatada em 29 junho 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.
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art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97) e a atipicidade da conduta prevista no art. 306 do referido diploma legal.
Aduz que o art. 305 da Lei n. 9.503/97 ofende o art. 1º, III, e art. 5º, LXIII e LXVII, ambos da Constituição Federal.
No tocante ao crime disposto no art. 306 da Lei n. 9.503/97, menciona não ter sido realizado o chamado ‗teste de bafômetro‘ e nem exame de sangue para auferir a concentração alcoólica e atestar a suposta embriaguez do paciente. Cita a inovação da Lei n. 11.705/08.
Desta feita, pugna pela concessão da ordem em caráter definitivo, culminando no trancamento da ação penal.
Indeferida a liminar e prestadas as informações, foi proferido parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça opinando pela concessão parcial do writ, para trancar o procedimento penal em trâmite apenas com relação ao delito previsto no art. 306 do CTB.
[...]
Extrai-se dos autos que o paciente foi denunciado pela prática, em tese, dos delitos previstos nos arts. 305 e 306 Lei n. 9.503/97.
Pretende o impetrante obstar o curso da ação penal, argumentando, em síntese, a insuficiência de provas da materialidade do delito tipificado no art. 306 da Lei de Trânsito e a inconstitucionalidade do art. 305 da mesma lei.
De início, cumpre salientar que o pedido de trancamento da ação é medida excepcional, somente sendo admitida quando a mera exposição dos fatos evidencia a ilegalidade, ou quando se imputa ao paciente fato atípico, ou, ainda, quando ausente qualquer fundamento no inquérito para embasar a acusação.
[...]
1. DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N. 9.503/97)
No dia 20 de agosto de 2007, por volta das 00:30 horas, o denunciado M.M.M., conduzindo o veículo Fiat Pálio, de placa MAZ 6551, pela Rua do Pedregal, Tapera, nesta Capital, sob influência de álcool, imprudentemente e sem observar as regras mínimas de direção, colidiu contra o veículo VW Gol, de placa MAC 1355.
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Ato contínuo, o denunciado, no intuito de fugir a sua responsabilidade penal e civil que lhe seria atribuída, evadiu-se do local do acidente, tendo sido encontrado por policiais militares no bairro Tapera e, ao ser submetido ao exame de bafômetro, o mesmo se recusou em fazê-lo, tendo o auto de constatação de sinais de embriaguez concluído que Marcelo Moraes Machado encontrava-se sob a influência de álcool.
Conforme ressaltado pelo representante do Ministério Público, o acusado deixou de proceder ao teste de bafômetro, havendo somente o auto de constatação de embriaguez como fundamento para a deflagração da ação penal.
Contudo, com a nova legislação vigente, tal documento é insuficiente para a configuração do crime de embriaguez ao volante.
Com a edição da Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008 houve substancial modificação no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que passou a vigorar com a seguinte redação:
[...]
Vê-se que diante do novo diploma legal, para a configuração do delito de embriaguez ao volante, faz-se necessário averiguar a existência de concentração de álcool no sangue que ultrapasse o limite mínimo estabelecido na lei.
A realização de prova técnica (exame de alcoolemia) passou a ser imprescindível para caracterizar a materialidade do delito, inviabilizando qualquer outro meio de prova.
Sobre o tema, Renato Marcão explica:
A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao caput do art. 306 do CTB e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O legislador passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306, caput, do CTB, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição de pena criminal.
Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.
O crime, agora, é de perigo abstrato; presumido" (Embriaguez ao Volante; Exames de Alcoolemia e Teste do Bafômetro: Uma Análise do Novo Artigo 306, Caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997
63
(Código de Trânsito Brasileiro). Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v. 24, jun./jul. 2008. p. 88).
Apesar da norma parecer prejudicial, haja vista agora tratar-se de crime de perigo abstrato e não mais concreto, sendo determinante o fato de o condutor do veículo dirigir com certa medida de álcool no sangue, também trouxe uma segurança aqueles que supostamente possam ter praticado a conduta delitiva. Atualmente, exige-se teste específico para analisar a concentração da referida substância, pois se deve auferir com precisão se o agente excedeu o limite imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.
Com isso, tendo a lei nova o intuito de beneficiar o réu, já que essencial a constatação de um índice mínimo de alcoolemia, não permitindo que o crime lhe seja imposto por meras alegações, deve ela retroagir aos crimes praticados antes de 20/06/2008, data da entrada em vigor da Lei n. 11.715/2008, em obediência ao art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
[...]
Em razão disso, é certo que para a configuração do delito de embriaguez ao volante descrito na denúncia não basta que o agente esteja dirigindo sob o efeito do álcool, sendo indispensável verificar se a dosagem alcoólica é igual ou superior a 6 (seis) decigramas, pois, se assim for constatado, possível é o oferecimento da denúncia nos moldes em que foi proposta, como incurso no art. 306 do CTB.
[...]
Ausente tal constatação, falta justa causa para a deflagração da ação penal, visto que, com o advento da Lei n. 11.705/2008, a conduta descrita é carente de materialidade.
Conclui-se, por conseguinte, que a prova eventualmente produzida durante a instrução processual não levaria a outro resultado senão a absolvição do acusado.
É o julgado desta Corte:
Ausente prova técnica atestando a concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, inserida como elementar do tipo descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela novel Lei n. 11.705/2008, é de se absolver o réu ante a falta de prova da materialidade, com fundamento no art.
64
386, II, do Código de Processo Penal. (AC n. 2008.044859-6, de Caçador, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 21/10/08)
Desta feita, diante da essencialidade de exame de sangue no condutor do veículo ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro - popularmente denominado de "bafômetro", única forma capaz de aferir a materialidade delitiva descrita na denúncia, concede-se a ordem para o trancamento da ação penal no que se refere ao delito de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB).
[...]
Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à unanimidade de votos, decidiu conceder a ordem em parte tão-somente para trancar a ação penal n. 023.07.121523-1 no tocante ao crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97.
[...]
No mesmo norte que os recursos de apelação criminal, o habeas corpus
tranca a ação penal pela negativa do acusado de fazer o teste do bafômetro.
3.1.6 HABEAS CORPUS N. 2009.043506-684, DE 15/09/2009 – CAPITAL.
RELATOR: DES. NEWTON VARELLA JÚNIOR.
HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PACIENTE DENUNCIADO POR CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL (ART. 306 DA LEI N. 9.503/1997). FATO OCORRIDO ANTES DO ADVENTO DA LEI N. 11.705/2008, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO TIPO PENAL, EXIGINDO A PRESENÇA DE CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE IGUAL OU SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS. NORMA MAIS BENÉFICA AO RÉU. RETROATIVIDADE APLICADA (ART. 5º, XL, DA CF, E ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP).
84 CAPITAL, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2009.043506-6. Relator: Des. Newton Varella Júnior. Decisão prolatada em 15 setembro 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.
65
AUSÊNCIA DE EXAME ESPECÍFICO A CONSTATAR O GRAU DE ALCOOLEMIA NO SANGUE DO AGENTE. IMPOSSIBILDIADE DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE. LAUDO CLÍNICO ATESTANDO O ESTADO DE EMBRIAGUEZ E CONFISSÃO DO RÉU QUE NÃO SUPREM A PROVA TÉCNICA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. ORDEM CONCEDIDA.
[...]
Trata-se de habeas corpus impetrado por I.L.S. em favor de E.L.B., objetivando o trancamento da ação penal n. 023.08.012910-5, da 3ª Vara Criminal da comarca da Capital, em que é imputada ao paciente a prática do crime descrito no art. 306 da Lei n. 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro).
Alega que o constrangimento ilegal se dá pelo fato de não constar dos autos o exame técnico específico atestando a concentração no sangue do acusado acerca do teor alcoólico exigido pela nova redação do art. 306, dada pela Lei n. 11.705/2008, aplicável aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, por ser norma mais benéfica ao réu.
Aduz, ademais, que não há comprovação de que o paciente tenha causado concretamente qualquer perigo de dano na condução do veículo.
[...]
Importa destacar, antes de tudo, que o trancamento da ação penal via habeas corpus somente é admitido em situações excepcionalíssimas, assim consideradas nos casos em que emergir dos autos elementos suficientes a se concluir, de forma inequívoca, pela atipicidade da conduta, pela extinção da punibilidade ou pela inocência do acusado, por exemplo.
Narra a denúncia (fls. 17/18) que, no dia 16.2.2008, por volta das 23h, o paciente vinha conduzindo em via pública o veículo GM/Kadett, em alta velocidade, e, ao ser abordado por policiais militares em uma blitz, estes constataram estar o acusado em visível estado de embriaguez, embora tenha se negado ao teste de alcoolemia.
Assim, restou denunciado, em 26.5.2008, pela prática do crime descrito no seguinte dispositivo da Lei n. 9.503/1997 - Código de Trânsito Brasileiro:
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Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
De acordo com a lição de Damásio E. de Jesus, a conduta típica deste delito ‗consiste em conduzir veículo, sob a influência de substância inebriante, de forma anormal, expondo assim a segurança alheia a indeterminado perigo de dano (perigo coletivo)‘ (Crimes de trânsito. Anotações à parte criminal do código de trânsito, Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 147).
Ocorre que em 20.6.2008, como é sabido, adveio a Lei n. 11.705, que alterou a redação do caput do art. 306 do CTB, para os seguintes termos:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Nota-se, pois, que duas foram as alterações substanciais implementadas pela referida lei para a configuração do delito.
Uma trata-se da prescindibilidade de dano potencial à incolumidade pública, anteriormente exigida.
A outra refere-se à necessidade de comprovação da concentração de, no mínimo, 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue do condutor.
Acerca desta última, tem-se que a norma anterior considerava crime a direção ‗sob influência de álcool‘, sem delimitar o grau específico de concentração da substância no sangue, e a nova disposição prevê expressamente o mínimo exigido para a caracterização da infração, tornando-se necessário, diante do princípio da legalidade, que se proceda ao teste específico para se aferir com precisão se a concentração de álcool por litro de sangue do motorista excedeu o limite imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.
67
Diante disso, constata-se que a nova legislação vem a ser mais benéfica ao réu, uma vez que a realização de prova técnica específica para averiguação do índice mínimo de alcoolemia no sangue do agente passou a ser essencial para a comprovação da materialidade do delito, não bastando a mera constatação de que o condutor do veículo estaria sob influência de álcool, que antes era suficiente para configuração do crime.
Consequentemente, é de se reconhecer a incidência no presente caso da atual norma prevista no art. 306 do CTB, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.705/2008, porquanto a Constituição da República, em seu art. 5º, XL, prevê expressamente que ‗a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu‘, não dispondo diferente o Código Penal:
Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. (sem grifo).
Verifica-se, na situação em análise, que o exame químico, seja o toxicológico de sangue, seja o teste por aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro, mais conhecido como ‗bafômetro‘), não restou realizado, tendo sido efetuado tão-somente o exame clínico (Laudo Pericial à fl. 37), atestando o estado de embriaguez do réu, porém não determinando o grau de concentração de álcool no seu sangue, de modo a não possibilitar a conclusão de que houve a prática do delito em questão.
É certo que os agentes policiais afirmaram que o paciente estava, no momento dos fatos, em visível estado de embriaguez, e que o próprio confessou no seu interrogatório em Juízo (fl. 47) ‗que havia feito o uso de aproximadamente cinco cervejas‘.
Porém, tais provas não se mostram aptas a suprir a prova técnica, pois a concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue do motorista é elementar do tipo penal, de modo que, ausente a comprovação precisa deste limite imposto pela lei, não há como se aferir a materialidade do crime.
[...]
Ante o exposto, a Câmara decide conceder a ordem, determinando-se o trancamento da ação penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho tratou das alterações no Código de Trânsito
Brasileiro, introduzidas pela Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008, que se originou
do Projeto de Lei n. 415 de 21, de janeiro de 2008.
O Brasil é um dos países com maior número de mortes no trânsito, sendo,
em sua maioria, provocadas por motoristas alcoolizados. O objetivo do legislador
ao editar a Lei Seca foi diminuir esses índices alarmantes.
A presente pesquisa iniciou com uma breve introdução sobre a teoria do
crime, abordando-se o conceito formal, material e analítico. Para esse último, e
considerada pela doutrina como a definição mais adequada, crime é um fato típico
e antijurídico, sendo ainda culpável para parte da doutrina. A partir da
decomposição do fato típico, demonstrou-se que seus elementos formadores são:
conduta humana, resultado, nexo causal e tipicidade.
Observa-se que, para caracterização do crime previsto no art. 306, objeto
deste estudo, o tipo penal descrito, exige-se 6 (seis) decigramas de álcool por litro
de sangue, que equivalem a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos
pulmões, no sangue do condutor; sem essa concentração etílica não haverá
crime.
Como demonstrado no segundo capítulo, o legislador inovou ao
estabelecer tolerância zero para configuração da infração administrativa.
A simples influência de álcool já caracteriza a infração e sujeita o
motorista infrator às sanções administrativas que são aplicadas pelo Estado com
base no poder de polícia.
Verificou-se, ainda, que a diferença entre o crime de embriaguez ao
volante e a infração administrativa está na concentração de álcool encontrada no
sangue do condutor. Abaixo de 6 decigramas de álcool no sangue é infração e,
acima desse índice, crime.
Como visto, há controvérsias em relação à sua constitucionalidade, pois
há uma corrente doutrinária que acredita que ela fere alguns dos direitos
constitucionais, como o de não produzir prova contra si mesmo.
O legislador não instituiu a sua obrigatoriedade, podendo haver recusa
por parte do condutor de veículos automotores. O motorista pode recusar
submeter-se aos testes de alcoolemia, tendo em vista que todos os cidadãos
brasileiros, por força do art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
não são obrigados a se autoincriminar, ou seja, não são obrigados a ceder seu
corpo ou parte dele para fazer prova contra eles mesmos. Entretanto, se essa for
sua opção, diante da suspeita de embriaguez, pelo agente de trânsito, incidirá nas
penas de infração administrativa, presumindo-se a influência de álcool.
Apenas o indivíduo voluntário à provação do próprio corpo sujeitar-se-á
ao processo criminal.
Ao contrário da infração administrativa, para a configuração do crime
impõe-se a concentração etílica, tipificada em lei. Também, observou-se que o
crime deixou de ser de perigo concreto para tornar-se de perigo abstrato, ou seja,
não necessita mais de expor a dano potencial a incolumidade de outrem, basta a
concentração de álcool no sangue, determinada pela Lei, para caracterizar o
crime.
Quando o delito previsto no art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro, for
praticado não sob a influência de álcool, mas de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência, não se exige concentração mínima,
estando o delito caracterizado qualquer que seja o grau de influência.
Foi visto que o objetivo maior da Lei é proteger o bem supremo que é a
vida, pois ela está ameaçada pelos condutores de veículo automotor que insistem
em dirigir embriagados, colocando-a em risco. Em razão disso, o legislador
buscou limitar a liberdade daqueles que bebem antes de dirigir para resguardar o
bem comum.
Para o mundo jornalístico, houve uma acentuada diminuição no índice de
acidentes de trânsito face à conscientização dos condutores de veículos
automotores frente a campanha ―não beber se for dirigir‖, além da economia
obtida após sua vigência com os tratamentos de saúde.
A nova lei está sendo ―vendida‖ midiaticamente como mais dura, mas não
é. Nisso reside um grande equívoco informativo, bobagens inoculadas que iludem
o imaginário popular brasileiro.
A moderna Criminologia mostra que é a fiscalização e a punição certa
que conduzem as pessoas à mudança de hábitos. A conscientização só acontece
quando há percepção de que a regra é ―pra valer‖. A eficácia da nova Lei Seca vai
durar o tempo que durar a fiscalização. Não se pode esquecer de que há falta de
estrutura para a beneficência da fiscalização, uma vez que nem todas, ou melhor,
uma minoria de viaturas possui bafômetro, e que a intenção do legislador foi a de
endurecer o Código de Trânsito contra todos os motoristas bêbados - que são
responsáveis pelas milhares de mortes por ano no Brasil. Mas uma coisa é o que
o legislador pretende fazer e outra, muito distinta, é o que ele escreve nas leis. A
técnica legislativa no nosso país é extremamente deficiente.
Depara-se, então, com a questão fundamental que se coloca em
discussão, ao trazer os julgados colacionados no Tribunal de Justiça de Santa
Catarina.
Pelo exposto, certifica-se que os condutores que estão sendo
processados ou mesmo que já tenham sido condenadas pelo delito do art. 306,
cometido até o dia 19.06.08, desde que tenham sido surpreendidos com menos
de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue, ou que não se submeteram aos
testes de dosagem etílica, acham-se ―anistiadas‖ - por sua vez, anistia penal é a
anistia que extingue a punição penal para determinados fatos criminosos.
Consiste na decisão do Estado de não punir as pessoas já condenadas ou que
podem vir a ser condenadas por certos atos praticados, tipificados penalmente.
Em outras palavras: o que antes era delito se transformou em infração
administrativa. Nenhuma consequência penal pode subsistir para esses
motoristas; o que se sabe é que a lei veio beneficiar milhares de motoristas
embriagados que foram condenados ou que estão sendo processados pelos
delitos que cometeram.
Na verdade, a Lei Seca não beneficiou somente os que cometeram delito
até o dia 19.06.08. Ela é, também, extremamente favorável aos que vão delinquir
daqui para frente. Como já discutido, as únicas formas de se comprovar a taxa de
dosagem alcoólica são exame de sangue e bafômetro. A esses dois meios de
prova, o motorista suspeito não está obrigado a se submeter, porque ninguém é
obrigado a ceder seu corpo para fazer prova contra si mesmo.
É certo que nenhum outro meio consegue definir com precisão a
quantidade de álcool no sangue. Logo, se o motorista recusa um dos exames, só
responderá administrativamente por essa recusa e, nesse caso, ficará
praticamente impossível ao poder público comprovar o nível de dosagem
alcoólica no motorista.
Diante de tal quadro, as investigações criminais em andamento, os
processos penais em curso, ou os que foram condenados com base em prova
testemunhal, ainda na vigência da antiga lei, todavia, onde não se fez prova
técnica ou, onde, ainda que feita, não se apurou presença de concentração de
álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, configurado
pelo novel diploma, estão fadadas ao insucesso, e devem ser absolvidos por falta
de certeza da materialidade do delito.
73
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
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ANEXOS
ANEXO A - Apelação Criminal n. 2007.012824-4, de 30/01/2009 – Brusque.
Relator: Des. Solon d'Eça Neves.
Apelação Criminal n. 2007.012824-4, de Brusque
Relator: Des. Solon d'Eça Neves
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA
- EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ALTERAÇÃO LEGISLATIVA - NOVATIO LEGIS
IN MELLIUS - AUSÊNCIA DA MATERIALIDADE - ABSOLVIÇÃO DECRETADA -
RECURSO PROVIDO.
Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda
modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro,
que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor
alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de
sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova
testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime
ali previsto.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.
2007.012824-4, da comarca de Brusque (Vara Criminal e da Infância e
Juventude), em que é apelante Gilmar Hilleshein, e apelada a Justiça, por seu
Promotor:
ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, dar
provimento ao recurso para absolver o apelante em virtude da falta de
materialidade do delito. Custas legais.
RELATÓRIO
Na comarca de Brusque, o representante do Ministério Público ofereceu
denúncia contra Gilmar Hilleshein, dando-o como incurso nas sanções do art. 306
da Lei n. 9.503/97, pelos fatos assim descritos na exordial acusatória:
Na madrugada do dia 13-3-2005, por volta da 1h, o denunciado Gilmar
Hilleshein conduzia pela Rua Inácio Walendowsky, 1º de Maio, neste município, o
veículo Ford/Corcel II, placas LZQ 4118, quando veio a colidir contra um portão.
Logo após a colisão, os policiais militares que atenderam a ocorrência
constataram que o denunciado Gilmar Hilleshein encontrava-se em nítido estado
de embriaguez.
Portanto, o denunciado conduzia o veículo automotor, em via pública, sob
a influência do álcool, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.
Concluída a instrução criminal, o Magistrado julgou procedente a
denúncia para condenar o réu Gilmar Hilleshein ao cumprimento da pena de 6
(seis) meses de detenção, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, e suspensão
de habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 2 (dois) meses, por
infração ao art. 306 da Lei n. 9.503/97.
Por preencher os requisitos do art. 44 do CP, o réu teve a pena privativa
de liberdade substituída por uma prestação pecuniária estabelecida no valor de
R$ 600,00 (seiscentos reais) em favor da APAE daquela Comarca.
Irresignado com o teor do decisum, o réu, por intermédio de seu defensor,
interpôs recurso de apelação. Objetiva, em síntese, a reforma da sentença para
se ver absolvido, porquanto alega que foi equivocada a adoção do procedimento
da Lei n. 10.259/01, o que ensejaria a anulação do feito. Alternativamente, pleiteia
a absolvição, pois comprovou nos autos ser portador de labirintite. Por fim,
assevera que inexistem nos autos provas seguras para uma condenação,
sobretudo o teste de alcoolemia.
Contra-arrazoado o apelo, os autos ascenderam a esta superior instância
e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Dr. Vilmar
José Loef, opinou pelo seu não conhecimento.
Esta Câmara não conheceu da apelação sob o argumento da
intempestividade.
Ato contínuo, a defesa interpôs revisão criminal que foi deferida, tendo a
Seção Criminal deliberado pela necessidade do conhecimento da apelação.
VOTO
O recurso merece provimento.
Inicialmente, vale registrar que o tipo penal ora em apreço foi alterado
com a publicação da recente Lei n. 11.705/2008, a qual acabou por assim
estabelecer a nova redação do art. 306 do CTB:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência
entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime
tipificado neste artigo".
Nesse ínterim, vale consignar igualmente a antiga redação:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de
álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a
incolumidade de outrem.
A edição da nova lei que alterou o tipo penal em exame, acabou por
trazer, de um lado, uma agravação da conduta, pois o crime, que era de perigo
concreto, passou a ser de perigo abstrato, bastando o fato de dirigir embriagado
com a concentração estipulada para caracterizá-lo.
Contudo, vale registrar que a modificação legislativa passou a incluir no
tipo a obrigatoriedade do exame de alcoolemia, sem o qual fica descaracterizada
a conduta.
Percebe-se, assim, que, muito embora seja a nova norma aparentemente
prejudicial aos agentes quanto às elementares, mostra-se mais benéfica quando
exige o teste específico da concentração de álcool.
Assim sendo, imperativa a obediência aos art. 5, XL, da Constituição da
República; art. 2º, parágrafo único, do Código Penal; art. 9º da Convenção
Interamericana de Direito Humanos e artigo XI, 2, da Declaração Universal dos
Direitos do Humanos, que garantem a retroatividade da norma benéfica.
Por conseguinte, em decorrência da aludida modificação no tipo penal,
considerando que não houve a realização do popular teste do "bafômetro", não há
materialidade do delito.
Dessa feita, maneira outra não há senão absolver o apelante, pelo que
ficam prejudicados os demais pedidos defensivos.
DECISÃO
Ante o exposto, à unanimidade, dá-se provimento ao recurso para
absolver o apelante, nos termo do art. 386, II, do Código de Processo Penal.
O julgamento, realizado no dia 9 de dezembro de 2008, foi presidido pelo
Exmo. Sr. Des. Souza Varella, com voto, e dele também participou o Exmo. Sr.
Des. Claudio Valdyr Helfenstein. Funcionou como representante do Ministério
Público o Exmo. Sr. Dr. Demétrio Constantino Serratine.
Florianópolis, 11 de dezembro de 2008.
Solon d'Eça Neves
Relator
ANEXO B - Apelação Criminal n. 2008.073958-3, de 20/10/2009 – Chapecó.
Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas.
Apelação Criminal n. 2008. 073958-3, de Chapecó
Relatora: Des. Marli Mosimann Vargas
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÂNSITO (ARTS. 306 E 309,
AMBOS DA LEI N. 9.503/97 C/C ART. 331 DO CP, EM CONCURSO MATERIAL).
SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB). ALTERAÇÃO NO
TIPO PENAL COM O ADVENTO DA LEI N. 11.705/08. APLICAÇÃO DE OFÍCIO.
EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA DE ÁLCOOL NO SANGUE.
NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. RETROATIVIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DE
EXAME TÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO POR
DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS E AUTO DE CONSTATAÇÃO DE
EMBRIAGUEZ. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. ABSOLVIÇÃO.
Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do
Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar -
etilômetro -, conhecido como "bafômetro", faz-se imprescindível para a
comprovação da materialidade do delito, não podendo ser suprido por prova
testemunhal.
DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SEM HABILITAÇÃO (ART. 309
DO CTB). PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E
AUTORIA EVIDENTES PELA CONFISSÃO JUDICIAL E PELOS DEPOIMENTOS
DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM A OCORRÊNCIA. PERIGO CONCRETO DE
DANO DEMONSTRADO. CONDENAÇÃO MANTIDA.
DESACATO (ART. 331 DO CP). AGENTE QUE PROFERE PALAVRAS
OFENSIVAS A POLICIAIS. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INVIABILIDADE. AUTORIA
E MATERIALIDADE COMPROVADAS PELA CONFISSÃO DO ACUSADO E
PELAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELAS VÍTIMAS. SENTENÇA
CONDENATÓRIA MANTIDA.
DOSIMETRIA. PLEITO DE MINORAÇÃO DA PENA EM FACE DA
CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE. PENA-BASE FIXADA NO
MÍNIMO LEGAL. OBSERVÂNCIA À SÚMULA 231 DO STJ. INADMISSIBILIDADE
DE REDUÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL NA SEGUNDA FASE. POSTERIOR
ADEQUAÇÃO DA PENA EM RAZÃO DA ABSOLVIÇÃO DO APELANTE EM UM
DOS CRIMES.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.
2008.073958-3, da comarca de Chapecó, em que é apelante Vilmar César
Pinheiro e apelada A Justiça, por seu Promotor:
ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime,
conhecer do recurso e dar-lhe provimento em parte. Custas legais.
RELATÓRIO
O representante do Ministério Público da Comarca de Chapecó/SC
ofereceu denúncia contra Vilmar César Pinheiro pela prática dos delitos definidos
nos arts. 306 e 309 da Lei n. 9.503/97, em concurso material com o art. 331 do
Código Penal, assim descritos na inicial acusatória:
No dia 13 de outubro de 2007, por volta das 23 horas, uma viatura da
Polícia Militar de Chapecó, foi acionada, para atender à uma ocorrência, que se
registrava na rua Galvão nº 10, no bairro Cristo Rei, Chapecó, pois um automóvel,
tinha derrubado um muro da residência lá situada, quebrando o hidrômetro da
água e, só parando no pátio da casa.
Quando aportaram ao local, os agentes oficiais, verificaram que, o
veículo, se tratava de um Opala (Chevrolet), placas LZC-9572, que era pilotado
pelo denunciado VILMAR CESAR PINHEIRO, o qual, apresentava-se em visível
estado de embriaguez pois, mal conseguia pronunciar alguma palavra.
O acusado, recusou-se a efetuar o teste de bafômetro mas, por todas as
evidências e, pelo seu próprio comportamento, elaborou-se o auto de constatação
de ebriez (fls. 06), podendo-se afirmar que ele, dirigia veículo automotor, por via
pública, sob o efeito de álcool ou substância análoga, colocando em risco a
incolumidade alheia, tanto que, proporcionou o acidente já referido.
O acusado, também, dirigia o mencionado automotor, sem estar
habilitado para tanto pois não tinha carteira de motorista.
Depois que recebeu voz de prisão, o infrator, ainda dirigiu-se aos Policiais
Militares, com as seguintes expressões: '...vagabundos; sem vergonha; que não
eram homens e, iria pegar a família deles...", desacatando e humilhando os
funcionários públicos, que lá se encontravam, apenas no cumprimento de seu
dever legal.
Encerrada a instrução, o magistrado julgou procedente a denúncia para
condenar o acusado à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção, em
regime inicial aberto, e à suspensão por 2 (dois) meses da habilitação para dirigir
veículo automotor (caso o réu tenha conseguido tirar carteira de motorista após os
fato). Ao final, substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas
de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, em duas
entidades credenciadas junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à
razão de 02 horas diárias de serviço pelo tempo da pena aplicada, por infração ao
disposto nos arts. 306 e 309, da Lei 9.503/97, e art. 331, do Código Penal, c/c art.
69 do Código Penal. (fls. 90/104).
Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação (fls. 129/138),
objetivando sua absolvição e, sucessivamente, seja a pena reduzida para aquém
do mínimo legal, haja vista ser réu confesso, e em observância ao princípio da
ofensividade e lesividade. Por fim, caso mantida a condenação, requer a redução
das horas de serviço fixadas na substituição da pena privativa.
Em contrarrazões, requereu o apelado a manutenção da sentença
condenatória (fls. 139/ 145).
Ascenderam os autos e, nesta instância, manifestou-se a douta
Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Vilmar José Loef, pelo
conhecimento e improvimento do recurso (fls. 150/155).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório necessário.
VOTO
Trata-se de apelação criminal interposta por Vilmar César Pinheiro contra
sentença que o condenou ao cumprimento de duas penas restritivas de direito,
consistente na prestação de serviços à comunidade, em duas entidades
credenciadas junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à razão de 02
horas diárias de serviço pelo tempo da pena aplicada, como substituição da pena
privativa de liberdade fixada em 01 ano e 06 meses de detenção, em regime
inicial aberto, e à suspensão por 02 meses da habilitação para dirigir automotor,
por infração ao disposto nos arts. 306 e 309 da Lei 9.503/97, e art. 331 do Código
Penal, c/c art. 69 do mesmo diploma legal.
Pretende o apelante, em síntese, seja absolvido e, sucessivamente, seja
a pena reduzida para aquém do mínimo legal, ou ainda, seja reduzida as horas de
serviço fixadas na substituição da pena privativa.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo e
passa-se à análise do seu objeto.
1 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB)
Vê-se que o sentenciante condenou o ora apelante pelo crime previsto no
art. 306 da Lei n. 9.503/97 com base no auto de constatação de embriaguez
lavrado durante a ocorrência, bem como pelos depoimentos dos policiais.
Contudo, tais meios probatórios, de acordo com a nova legislação vigente, não
podem servir de fundamento para caracterizar o estado de embriaguez.
Com a edição da Lei n. 11.705/08 houve substancial modificação no tipo
penal supracitado, sendo que para a configuração do delito de embriaguez ao
volante, faz-se necessário averiguar a existência de concentração de álcool no
sangue que ultrapasse o limite mínimo estabelecido na lei. É a redação do
dispositivo:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência:
(...)
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência
entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime
tipificado neste artigo.
Posto isso, vê-se que a realização de prova técnica (exame de
alcoolemia) passou a ser imprescindível para caracterizar a materialidade do
delito, inviabilizando a prova testemunhal, que antes era considerada suficiente
para a condenação do condutor do veículo.
Sobre o tema, Renato Marcão explica:
A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao caput do
art. 306 do CTB e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O legislador
passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306,
caput, do CTB, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro
acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a
justificar a imposição de pena criminal.
Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que
exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.
O crime, agora, é de perigo abstrato; presumido" (Embriaguez ao Volante;
Exames de Alcoolemia e Teste do Bafômetro: Uma Análise do Novo Artigo 306,
Caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Revista
Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v. 24, jun./jul. 2008. p.
88).
Apesar da norma parecer prejudicial, haja vista agora tratar-se de crime
de perigo abstrato e não mais concreto, sendo determinante o fato de o condutor
do veículo dirigir com certa medida de álcool no sangue, também trouxe uma
segurança aqueles que supostamente possam ter praticado a conduta delitiva.
Atualmente, exige-se teste específico para analisar a concentração da referida
substância, pois se deve auferir com precisão se o agente excedeu o limite
imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.
Com isso, tendo a lei nova o intuito de beneficiar o réu, já que essencial a
constatação de um índice mínimo de alcoolemia, não permitindo que o crime lhe
seja imposto por meras alegações testemunhais, deve ela retroagir aos crimes
praticados antes de 20/06/2008, data da entrada em vigor da Lei n. 11.715/2008,
em obediência ao art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único,
do Código Penal.
É o posicionamento adotado por esta Corte:
MÉRITO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA
ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. DELITO QUE,
APESAR DE TER SIDO PERPETRADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI
N. 11.705/2008, EXIGE AGORA A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE
CONDUZIA O AUTOMOTOR COM 06 (SEIS) OU MAIS DECIGRAMAS DE
ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI POSTERIOR
QUE NESTE PONTO FOI MAIS BENÉFICA AO RÉU DO QUE A NORMA
PRETÉRITA, QUE NÃO EXIGIA A DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER ÍNDICE
DE ALCOOLEMIA. EXEGESE DO ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL
(NOVATIO LEGIS IN MELLIUS). DÚVIDA QUANTO À MATERIALIDADE
DELITIVA, HAJA VISTA A RECUSA DO APELANTE EM SUBMETER-SE AO
ETILÔMETRO. TEOR ALCOÓLICO QUE NÃO PODE SER COMPROVADO POR
PROVA TESTEMUNHAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. APELO PROVIDO.
(AC n. 2008.030284-3, de Campos Novos, rel. Des. Substituto Tulio Pinheiro, j.
29/07/08)
"Com o advento da Lei n. 11.705/08, necessária a realização de exame
para se verificar com precisão se a concentração de álcool no sangue do
motorista é igual ou superior a 6 (seis) decigramas". (AC n. 2008.010810-4, de
São Joaquim, rel. Des. Subst. Victor Ferreira, j. 21/10/08)
Dessa forma, aplicando-se a nova lei ao caso sob análise, modifica-se a
sentença que condenou o apelante com base nas únicas provas colacionadas aos
autos, quais sejam, auto de constatação e depoimentos testemunhais, haja vista
não haver o dito exame técnico necessário para auferir se a conduta delitiva
praticada enquadra-se na nova redação do art. 306 do CTB.
Desta Primeira Câmara Criminal, extrai-se:
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA
- EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ALTERAÇÃO LEGISLATIVA - NOVATIO LEGIS
IN MELLIUS - AUSÊNCIA DA MATERIALIDADE - ABSOLVIÇÃO DECRETADA -
RECURSO PROVIDO.
Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda
modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro,
que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor
alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de
sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova
testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime
ali previsto. (AC n. 2007.012824-4, de Brusque, rel.Des. Solon d'Eça Neves, j.
11/12/08)
Ainda deste Tribunal:
Ausente prova técnica atestando a concentração igual ou superior a 6
(seis) decigramas de álcool por litro de sangue, inserida como elementar do tipo
descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela novel Lei n.
11.705/2008, é de se absolver o réu ante a falta de prova da materialidade, com
fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal. (AC n. 2008.044859-6,
de Caçador, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 21/10/08)
Verificado que as autoridades policiais não realizaram exame de sangue
no condutor do veículo nem mesmo procederam ao teste em aparelho de ar
alveolar pulmonar - etilômetro -, popularmente denominado de "bafômetro",
inexiste, pois, a materialidade delitiva descrita na denúncia.
Por fim, diante da ausência de prova técnica capaz de confirmar com
exatidão a concentração de álcool existente no sangue do apelante, impõe-se a
absolvição desse da imputação do crime de embriaguez ao volante, nos moldes
do art. 386, II, do Código de Processo Penal.
Dá-se provimento ao recurso no ponto.
2 DO CRIME DE DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SEM
HABILITAÇÃO (ART. 309 DO CTB)
A conduta praticada pelo apelante, além de configurar infração
administrativa, nos moldes do art. 162, inciso I, da Lei n. 9.503/97, também está
prevista como crime no art. 309 da mesma Lei, nota-se:
Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para
Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de
dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
A materialidade do delito é evidente pelo auto de prisão em flagrante (fls.
02/04), e a autoria facilmente verificada pela confissão do apelante que, em juízo,
confirmou que não possuía carteira de habilitação na época dos fatos (fls. 49/50).
Fortalecendo os dizeres do condutor do veículo, tem-se o depoimento do
policial militar Ederlei João Giotto (fl. 63): " [...] o réu também não tinha habilitação
para guiar veículos [...]".
Sobre o tema, colhe-se os julgados desta Corte:
[...] A confissão judicial, quando fortalecida pelos demais elementos de
convicção, dentre eles a declaração do policial condutor, bem como o documento
expedido pelo departamento de trânsito, constitui elemento apto a demonstrar, de
forma inequívoca, a materialidade e autoria do delito, de modo a justificar a
imposição do decreto condenatório. [...] (AC n. 2009.003922-8, de São José do
Cedro, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 28/04/09)
CRIME DE TRÂNSITO. DIRIGIR SEM HABILITAÇÃO. ART. 309 DA LEI
N. 9.503/97. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E
AUTORIA COMPROVADAS. CONFISSÃO JUDICIAL. DEPOIMENTOS DE
POLICIAIS MILITARES FIRMES E COERENTES. CONJUNTO PROBATÓRIO
FIRME PARA EMBASAR O DECRETO CONDENATÓRIO. (AC n. 2008.001092-
6, de Palhoça, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, j. 22/10/08)
Oportuno ressaltar a observação exposta pelo sentenciante (fl. 96) de que
"não se está diante de caso de extravio ou cassação de CNH, mas de total
desídia do denunciado em conduzir veículo sem sequer haver realizado exames e
testes necessários para a concessão da CNH".
Assim, plenamente verificada a prática do crime previsto no tipo penal,
pois além de conduzir o veículo sem estar habilitado para tanto, sua conduta
revelou-se, efetivamente, perigosa, visto ter "adentrado no pátio da residência,
depois de destruir parte do muro e grade que cercam o imóvel, bem como destruir
o hidrômetro" (fls. 02/03).
ARNALDO RIZZARDO leciona:
Dirigir um veículo sem estar devidamente habilitado enquadra-se na
prática de um ato expressamente proibido pela lei, com ampla aptidão de causar
perigo e prejuízo não apenas ao trânsito, como à incolumidade física e patrimonial
de terceiros. É que se trata o veículo de um instrumento de perigo, devendo ser
manuseado ou acionado apenas por aqueles que se encontram em condições
pessoais e técnicas aptas para tanto (Comentários ao Código Brasileiro de
Trânsito, Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 472).
Diante das provas analisadas, não há que se falar em absolvição,
devendo ser mantida integralmente a sentença no ponto.
3 DO CRIME DE DESACATO (ART. 331 DO CP)
O apelante também foi condenado pela prática da conduta descrita no art.
331 do CP, verbis:
Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em
razão dela:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Quanto à materialidade do delito de desacato, verifica-se que está
consubstanciado no boletim de ocorrência de fls. 05/06 e nos testemunhos dos
policiais que atenderam a ocorrência.
Do boletim de ocorrência (fls. 05/06) extrai-se "[...] que no local o autor
falou para os policiais que iam se encontrar, que ia matar os policiais, chamou de
vagabundo, sem vergonha, que não eram homens, que ia pegar a família dos
policiais, mulher e filhos".
A autoria, da mesma forma, é indiscutível, haja vista o próprio apelante ter
afirmado como verdadeira a imputação que lhe foi atribuída, bem como ter
mencionado, em seu interrogatório, que "xingou uma Policial na Delegacia" (fl.
50).
Em juízo, o policial Vanderlei Antonio Souza Dorneles mencionou que "[...]
o acusado inclusive 'falou um monte de besteira' para os policiais;[...]". (fl. 62)
Corroborando com o desacato praticado pelo apelante, tem-se o
testemunho de Ederlei João Giotto, o qual disse que o reú "[...] ao ser detido
acabou xingando os policiais, dizendo que não eram homens e que sabia onde
eles moravam. [...]". (fl. 63)
Há que se ressaltar que as declarações dos policiais têm forte valor
probante, já que inexiste qualquer razão de ódio ou exclusão de responsabilidade
a inspirá-la. Nesse sentido, é o entendimento de Júlio Fabbrini Mirabete:
(...) não se pode contestar, em princípio, a validade dos depoimentos dos
policiais, pois o exercício da função não desmerece, nem torna suspeito seu
titular, presumindo-se em princípio que digam a verdade, como qualquer
testemunha (...). (Curso de Processo Penal, 16° ed, São Paulo: Atlas, 2004, p.
332).
Ademais, no que tange ao referido crime, sabe-se que detém previsão
legal somente a figura dolosa, ou seja, exige-se do agente a vontade livre e
consciente de humilhar, desprestigiar ou menosprezar o funcionário público,
quando esteja ele exercendo as suas funções, situação esta verificada no caso
sob análise.
O doutrinador Rogério Greco leciona sobre o crime de desacato:
O núcleo desacatar deve ser entendido no sentido de faltar como devido
respeito, afrontar, menosprezar, menoscabar, desprezar, profanar. Conforme
esclarece Hungria "a ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato
que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário.
É a grosseira falta de acatamento, podendo constituir em palavras injuriosas,
difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos
obscenos, gritos agudos, etc. (Código penal comentado, 2ª ed., 2009, p. 792/793)
Desta feita, pelos depoimentos acima transcritos, resta caracterizado o
crime de desacato, conforme vem entendendo este Tribunal de Justiça:
(...) DESACATO - AGENTE QUE, NO MOMENTO DA PRISÃO EM
FLAGRANTE, PROFERE PALAVRAS COM A INTENÇÃO DE DESRESPEITAR
POLICIAIS MILITARES NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO - PLEITO ABSOLUTÓRIO
- NÃO ACOLHIMENTO - DEPOIMENTOS COERENTES E UNÍSSONOS DOS
SERVIDORES QUE AUTORIZAM A CONDENAÇÃO. (..) (AC n. 2008.080530-1,
de Porto União, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 22/04/09)
(...) DESACATO. IMPROPÉRIOS PROFERIDOS PELA RÉ, CONTRA OS
AGENTES PÚBLICOS, QUE INDICAM O COMETIMENTO DO DELITO CONTRA
A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL. MANTENÇA DA CONDENAÇÃO. (AC n.
2008.077163-9, de Correia Pinto, rel. Des. Irineu João da Silva, j. 17/02/09)
Desta feita, configurado está o crime do art. 331 do CP, restando
arredado o pleito de absolvição.
4 DA DOSIMETRIA DA PENA
Por fim, merece reparo a dosimetria da pena, em razão do apelante ter
sido absolvido do crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB).
Primeiramente, quanto ao pedido de minoração da pena aquém do
mínimo legal em razão da confissão, tal pleito não merece acolhimento, tendo em
vista que o togado singular fixou todas as reprimendas no mínimo.
Denota-se que embora a confissão não tenha interferido no cálculo da
pena, haja vista a Súmula n. 231 do STJ, a qual impossibilita a redução da pena
na segunda fase abaixo do mínimo legal, ela foi reconhecida pelo magistrado.
Preceitua a citada Súmula: "A incidência da circunstância atenuante não
pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".
Nesse sentido, tem-se os julgados:
[...] PRETENDIDA REDUÇÃO DA PENA EM VIRTUDE DA CONFISSÃO
ESPONTÂNEA. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. INTELIGÊNCIA DA
SÚMULA 231 DO STJ. IMPOSSIBILIDADE DE DIMINUIÇÃO DA REPRIMENDA
ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL, NA SEGUNDA FASE. [...] (AC n. 2009.002699-1,
de Araranguá, rel. Des. Torres Marques, j. 29/06/09)
DOSIMETRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE.
PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. ATENUANTE DA CONFISSÃO
ESPONTÂNEA RECONHECIDA, MAS NÃO APLICADA, CORRETAMENTE,
PELO JUÍZO A QUO. INADMISSIBILIDADE DE REDUÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO
LEGAL NA SEGUNDA FASE. (AC n. 2009.006264-3, de Chapecó, rel. Des.
Alexandre d'Ivanenko, j. 09/06/09)
[...]Não há falar-se em aplicação da atenuante da confissão espontânea
quando a pena-base for imposta em seu mínimo legal, em respeito a Súmula 231
do STJ, porquanto esta impede a fixação da reprimenda aquém dos limites
mínimos (AC n. 2007.064625-4, rel. Des. Salete Silva Sommariva, j. 26/05/08).
Desta feita, mantém-se as penas impostas na sentença, com ressalva
quanto ao delito de embriaguez ao volante, visto ter sido dado provimento em
parte ao presente recurso, absolvendo o apelante de tal condenação.
Assim, resta apenas a condenação pelos crimes de direção de veículo
automotor sem habilitação (art. 309 do CTB), a qual restou fixada em 6 (seis)
meses de detenção, e o de desacato (art. 331 do CP), fixada também em 6 (seis)
meses de detenção, em concurso material (art. 69 do CP), totalizando em 1 (um)
ano de detenção.
Diante da adequação da reprimenda, substituo a privativa de liberdade
por uma restritiva de direito, nos termos do art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP,
consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública
credenciada junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à razão de 01
(uma) hora diária de serviço pelo tempo da pena aplicada, conforme art. 43, IV,
também do CP.
DECISÃO
Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à
unanimidade de votos, resolveu conhecer do recurso e dar-lhe provimento em
parte para, aplicando a Lei n. 11.705/08, decretar a absolvição do apelante quanto
ao crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97, nos termos do art. 386, II, do Código de
Processo Penal e, consequentemente, adequar a pena aplicada para manter
somente as condenações pelos crimes do art. 309 da Lei n. 9.503/97 e art. 331 do
Código Penal, em concurso material (art. 69 do CP), finalizando a reprimenda em
1 (um) ano de detenção, substituindo-a por 1 (uma) restritiva de direito, nos
termos do art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP, consistente na prestação de serviços à
comunidade ou a entidade pública credenciada junto ao Juízo das Execuções
Penais da Comarca, à razão de 01 (uma) hora diária de serviço pelo tempo da
pena aplicada, conforme art. 43, IV, também do CP.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des.
Newton Varella Júnior e Carlos Alberto Civinski.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou o Exmo. Sr.
Procurador Humberto Francisco Scharf Vieira.
Florianópolis, 15 de setembro de 2009.
Marli Mosimann Vargas PRESIDENTE E RELATORA
ANEXO C - Apelação Criminal n. 2009.040788-5, de 20/10/2009 – Blumenau.
Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva
Apelação Criminal n. 2009.040788-5, de Blumenau
Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva
APELAÇÃO CRIMINAL - CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB
EFEITO DE ÁLCOOL (CTB, ART. 306) - ALTERAÇÕES DA LEI N. 11.705/2008 -
VALOR TAXATIVO PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME - NOVATIO LEGIS IN
MELLIUS - RETROATIVIDADE IMPOSTA - (CF, ART. 5º, INC. XL E CP, ART. 2º,
PAR. UN.) - IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ POR
MEIO DIVERSO DO PRECONIZADO NO TIPO PENAL - ABSOLVIÇÃO QUE SE
IMPÕE.
I - Com o advento da Lei n. 11.705/2008, o artigo 306 do Código de
Trânsito Brasileiro passou a dispor acerca da comprovação de no mínimo 0,6g
(zero vírgula seis decigramas) de álcool por litro de sangue para se atestar a
embriaguez do condutor de veículo automotor. Nesse diapasão, pressupõe-se
que o novo diploma legal constitui norma mais benéfica, ao passo que, na antiga
redação do preceptivo legal em comento, não constavam dados objetivos para a
aferição do estado etílico ao volante, bastando, para tanto, que o motorista
apresentasse qualquer quantidade de álcool no sangue. Não restam dúvidas,
destarte, que a lei superveniente se reputa como novatio legis in mellius neste
ponto, razão pela qual deve retroagir para favorecer aqueles que se submeteram
ao exame de alcoolemia e apresentaram concentração alcóolica menor à agora
necessária para configuração do crime ou, ainda, aos que não fizeram o teste,
mas contra os quais foram imputados a infração em destaque, na vigência da
norma pretérita (CF, art. 5º, XL e CP, art. 2º, parágrafo único).
II - O novel diploma legal em estudo também alterou o método de aferição
do grau de embriaguez do condutor, acabando por estabelecer que tal
procedimento passará a se limitar à utilização do bafômetro ou exame de sangue,
de modo a inviabilizar qualquer outro meio lícito de comprovação. Tal
entendimento fundamenta-se na tese de que, primeiro, por fixar um valor certo de
concentração alcóolica no sangue para fins de apuração da infração em tela, tem-
se que tal resultado somente poderá ser obtido por intermédio dos aludidos
meios, os quais podem aferir a presença da substância, bem como sua dosagem
na corrente sanguínea; segundo porque o art. 227, §2º, do CTB, que previa a
possibilidade de variação nos meios de provas, também passou por alterações, a
fim de que as declarações dos agentes de trânsito e outros elementos
comprobatórios somente se prestem à apuração da responsabilidade
administrativa prevista no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro (multa e
suspensão da habilitação), não se lhes admitindo como fundamento para a
condenação pela conduta descrita no art. 306 do CTB.
EMENDATIO LIBELLI (CPP, ART. 383) - VIABILIDADE -
DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 306 DO CTB PARA
CONTRAVENÇÃO PENAL (DEC. LEI N. 3.688/1941)- DIREÇÃO PERIGOSA DE
VEÍCULO EM VIA PÚBLICA (ART. 34) - INFRAÇÃO DE PERIGO ABSTRATO -
POSSIBILIDADE DE CONSTATAR A EMBRIAGUEZ POR OUTROS MEIOS DE
PROVA - PROVIDÊNCIA EX OFFICIO - TRANSCURSO DO LAPSO
PRESCRICIONAL DA PENA IN ABSTRATO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE (CP, ART. 107, IV).
I - É possível a aplicação do instituto da emendatio libelli (CPP, art. 383)
em grau recursal, mormente se o réu defendeu-se genericamente dos fatos
narrados na exordial acusatória, de sorte a não implicar em contrariedade à
Súmula 453 do Excelso Pretório, que trata apenas do art. 384 do Código de
Processo Penal (mutatio libelli).
II - Desse modo, ainda que se ateste, de plano, a ausência de justa causa
para deflagração da ação penal pela prática do crime definido no art. 306 do CTB,
em virtude da manifesta falta de materialidade, é de se convir que a conduta
narrada pelo membro do Parquet poderá ser enquadrada na contravenção penal
prevista no art. 34 (direção perigosa de veículo na via pública), razão pela qual
em se utilizando do expediente da emendatio libelli, sobretudo em prol da
economia processual, a providência mais adequada consistiria na revogação da
sentença, a fim de que se remetessem os autos ao Juizado Especial Criminal, a
teor dos arts. 60 e 61 da Lei n. 9.099/95.
III - Todavia, em decorrência da redefinição do fato criminoso tributado ao
réu, torna-se imperativo, o reconhecimento ex oficio do instituto da prescrição da
pretensão punitiva com base pena in abstrato (CP, art. 109, VI), a fim de se
decretar a extinção da punibilidade do réu.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.
2009.040788-5, da comarca de Blumenau(1ª Vara Criminal), em que é apelante A
Justiça, Por Seu Promotor, e apelado Douglas Willbert:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, negar
provimento ao recurso e, de ofício, nos termos do §2º do art. 383 do CPP,
desclassificar o tipo penal indicado na peça de denúncia (CTB, art. 306) para a
contravenção prevista no art. 34 do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por conseqüência,
decretar a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva
(CP, art. 107, IV). Custas legais.
RELATÓRIO
Na comarca de Blumenau, o Ministério Público, por seu promotor de
justiça, ofereceu denúncia em face de Douglas Willbert, pela prática do crime de
conduzir veículo automotor sob efeito de álcool (Lei n. 9.503/1997, art. 306),
conforme narra a exordial acusatória:
Na data de 12 de março de 2006, por volta das 05:45 horas, o
denunciado, sob efeito de bebida alcoólica, conduzia a motocicleta placa MGY-
7680, de Blumenau SC, pela rua Dr. Luiz de Freitas Melro, nesta, de modo a
expor a perido a segurança alheia. Na altura do nº411 da referida rua o
denunciado, transitando com passageiros sem capacete chamou a atenção da
guarda municipal que encontrava-se no local, que abordando-o constatou que
encontrava-se em visível estado de embriaguez, fato esse confirmado pelo forte
odor de bebida alcoólica além do modo agressivo que se expressava.
Recebida a peça acusatória em 1-7-2006 (fl. 35) e citado o réu (fl. 49),
este foi interrogado (fls. 52/54), após o que ofereceu defesa prévia (fl. 55).
Realizada a audiência (fl. 78), fora inquirida uma testemunha da acusação
(fls. 79/80).
O representante do Ministério Público apresentou suas alegações finais
(fls. 95/97), pugnando a condenação do réu. Em ato contínuo, o acusado
protocolizou suas derradeiras assertivas (fls. 103/109), pleiteando a decretação
da prescrição virtual e, alternativamente, absolvição.
Conclusos os autos (fls. 110/114), o Juiz de Direito Rafael Germer Condé
julgou improcedente a denúncia e, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, absolveu o
réu Douglas Willbert das sanções do art. 306 do CTB.
Irresignado, o membro do Ministério Público interpôs recurso de apelação
(fls. 116/123) aduzindo existirem nos autos elementos comprobatórios da prática
delitiva apontada na denúncia, ainda que ausentes provas periciais, notadamente
os exames periciais de sangue ou bafômetro.
Frisou que, havendo recusa do motorista em realizar o teste de
alcoolemia, mostra-se perfeitamente viável a aplicação do disposto no art. 167 do
CPP, de modo que a prova testemunhal pode suprir a perícia.
Pleiteou, ao final, a reforma da sentença, no sentido de que Douglas
Willbert fosse condenado pela prática do crime previsto no art. 306 do CTB.
Após as contrarrazões (fls. 130/135), ascenderam os autos a esta egrégia
corte.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr.
Demétrio Constantino Serratine (fls. 142/144), manifestou-se pelo desprovimento
do recurso.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise do
feito.
De início, verifica-se que a irresignição recursal cinge-se à possibilidade
de se comprovar a concentração de álcool por litro de sangue exigida pelo tipo
penal, vale dizer, igual ou superior a 6 (seis) decigramas (Lei n. 9.503/97, art.
306), através de outros meios de prova e não tão-somente por meio do teste do
bafômetro.
Todavia, em que pese a aludida insurgência, cabe destacar que o
desprovimento do recurso é medida de rigor.
Isso porque, analisando os autos, denota-se a ausência do necessário
exame de teor alcoólico que atestasse a presença da concentração da substância
em seu organismo do apelante.
Nesse contexto, a imprescindibilidade do aludido laudo de alcoolemia
dera-se em face da significativa alteração do art. 306 do Código de Trânsito
Brasileiro, promovida pela Lei n. 11.705/2008, em vigor no país desde 20-6-2008,
trazendo aspectos de "novatio legis in mellius" e de "novatio legis in pejus".
Para tornar mais visível as modificações operadas pela recente Lei n.
11.705/2008, imperioso transcrever as disposições contidas no art. 306 da Lei n.
9.503/97, observando-se a antiga e a atual redação, respectivamente:
(Lei n. 9.503/97) Art. 306. Conduzir veiculo automotor, na via pública, sob
influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial
a incolumidade de outrem.
(Lei n. 11.705/2008) Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública,
estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6
(seis) decigramas, ou sob influência de qualquer outra substância pscioativa que
determine dependência.
Assim, como característica prejudicial ao réu, a nova redação passou a
exigir, como comprovação do crime de embriaguez ao volante, não mais que o
agente exponha a dano potencial a incolumidade de outrem, bastando, para tanto,
que conduza veículo automotor, na via pública, com concentração alcóolica por
litro de sangue igual ou superior a 0,6 (seis decigramas), ou que esteja alterado
por uso de qualquer outra substância psicoativa que possa causar dependência.
Dessa forma, tem-se que não mais desponta como requisito essencial a
direção ou a exposição de outros ao risco causado pela direção de condutor
fisicamente ou psicologicamente alterado pelo uso de substâncias alcóolicas ou
entorpecentes, perfectibilizando-se o delito tão-somente com a mera conduta em
dirigir embriagado, com concentração aferida através do aparelho de dosagem
alcoólica, ou sob influência de qualquer outro tipo de elemento que cause
dependência.
No entanto, ressalta-se novamente que, com o advento da Lei n.
11.705/2008, o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro passou a dispor acerca
da comprovação de no mínimo 0,6g (zero vírgula seis gramas) de álcool por litro
de sangue para se atestar a embriaguez do condutor de veículo automotor.
Nesse diapasão, pressupõe-se que o novo diploma legal constitui-se
norma mais benéfica, ao passo que, na antiga redação do preceptivo legal em
comento, não constava dados objetivos para a aferição da embriaguez no volante,
bastando, para tanto, que o motorista apresentasse qualquer quantidade de álcool
no sangue. Não restam dúvidas, destarte, que a lei superveniente se reputa como
novatio legis in mellius neste ponto, razão pela qual deve retroagir para favorecer
aqueles que se submeteram ao exame de alcoolemia e apresentaram
concentração alcóolica menor à agora necessária para configuração do crime ou,
ainda, aos que não fizeram o teste, contra os quais foram imputados a infração
em destaque, na vigência da norma pretérita (CF/88, art. 5º, XL e CP, art. 2º,
parágrafo único).
Ademais, o novel diploma legal em estudo também procedeu alterações
no pertinente ao método de aferição do grau de embriaguez do condutor,
acabando por estabelecer que tal procedimento passará a se limitar à utilização
do bafômetro ou exame de sangue, inviabilizando-se qualquer outro meio lícito de
comprovação.
Tal entendimento fundamenta-se na tese de que, primeiro, por fixar um
valor certo de concentração alcóolica no sangue para fins de apuração da
infração em tela, tem-se que tal resultado somente poderá ser obtido por
intermédio dos aludidos meios, uma vez que apenas esses é que podem precisar
o valor da presença da substância; segundo porque o art. 227, §2º, do CTB, que
previa a possibilidade de variação nos meios de provas, também passou por
alterações, a fim de que as declarações dos agentes de trânsito e outros
elementos comprobatórios somente se prestem à apuração da responsabilidade
administrativa prevista no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro (multa e
suspensão da habilitação), não se lhes admitindo como fundamento para a
condenação pela conduta descrita no atual art. 306 da Lei n. 11.705/2008.
Nesse sentido, colhe-se dos ensinamento de Eduardo Luz Santos
Cabette:
A nova lei não mudou a redação do "caput" nem do § 1ºdo artigo 277,
CTB, de forma que os testes para aferição da alcoolemia ou efeito de substâncias
psicoativas permanecem os mesmos (exame de sangue, exames clínicos,
etilômetro, constatação pelo senso comum do agente de trânsito etc.).
Porém, o antigo § 2º, do artigo 277, CTB, foi cindido em dois novos
parágrafos (§§ 2º e 3º). O atual § 2ºaperfeiçoa a redação do anterior, reiterando
com melhor técnica a determinação de que a infração do artigo 165, CTB, poderá
ser caracterizada pelos agentes de trânsito por todos os meios legais de prova em
direito admitidos, "acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor
apresentados pelo condutor". Isso eqüivale a liberar, para fins administrativos, a
forma de comprovação da embriaguez ou efeito de substância psicoativa,
desatrelando a prova de uma única modalidade imprescindível que poderia ser a
prova pericial. Na verdade tal providência legislativa já havia sido levada a efeito
pela Lei 11.275/06, que incluiu o anterior § 2º, no artigo 277, CTB, hoje
ligeiramente modificado.
Quando se afirma que as ligeiras modificações do § 2º, do artigo 277,
CTB, propiciaram a manutenção do sistema anterior, apenas aprimorando a
técnica da redação, refere-se ao fato de que a nova conformação do dispositivo
deixa muito mais claro que seu campo de incidência é estritamente administrativo,
não devendo extrapolar para a seara penal, com vistas ao artigo 306, CTB. Isso
porque na nova redação o legislador diz expressamente que é "a infração do
artigo 165, CTB", (administrativa), que pode ser comprovada por outros meios
legais de prova. No que tange à parte criminal segue imprescindível a prova
pericial ou ao menos a documentação formal do teste do etilômetro, a qual
poderia ser equiparada à primeira, não se podendo olvidar o disposto no artigo
158, CPP.
[...]
Mais uma mudança de relevo operou-se pela Lei 11.705/08. Trata-se da
nova redação dada ao artigo 306, CTB, que tipifica o crime de embriaguez ao
volante.
A partir de agora a lei estabelece como crime a simples conduta de
conduzir veículo automotor, na via pública, em duas situações:
a)Estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou
superior a 6 decigramas;
b)Estando sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência.
Embora o legislador não tenha alterado a pena prevista para o crime em
destaque, percebe-se que forma levadas a efeito alterações profundas que
inclusive mudam a natureza do tipo penal.
A redação anterior do dispositivo também mencionava a condução de
"veículo automotor, na via pública". Nesse ponto não houve mudança. A definição
de "veículo automotor" segue sendo encontrável no Anexo I, intitulado "Dos
conceitos e das definições". Também o palco da conduta deve ser as "vias
públicas", de modo que se a direção embriagada se passa em local particular,
sem sequer acesso ao público, não se configura a infração.
Uma primeira alteração de monta se processa na situação de embriaguez
por álcool. Antes a lei incriminava a direção "sob influência de álcool", sem
delimitar um grau específico de concentração de álcool no sangue.
Agora, quando da ebriedade por álcool, exige a lei, para que o crime se
perfaça, a comprovação de ao menos 6 decigramas de álcool por litro de sangue.
Anteriormente a esta mudança, quando a lei mencionava a fórmula mais
aberta da "influência de álcool", conformou-se o debate doutrinário, havendo dois
posicionamentos básicos:
a)Um pensamento de que a embriaguez somente seria caracterizada com
a comprovação da concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue,
embora o artigo 306, CTB, não a aventasse. Tal raciocínio baseava-se em uma
interpretação sistemática do CTB, fazendo uma correlação entre sua parte penal
e sua parte administrativa. Na época se correlacionava o artigo 306, CTB, com o
artigo 276, CTB, o qual estabelecia aquela concentração para a caracterização da
infração administrativa. Afinal, se tal parâmetro não fosse adotado, estar-se-ia
criando uma anomalia legal, vez que a infração meramente administrativa
somente se configuraria com um grau de exigência maior, enquanto que a
infração penal ocorreria mesmo com níveis menores de alcoolemia, ao passo que
o natural é que o Direito Penal atinja infrações mais graves, deixando para o
campo administrativo as menores.
b)Outra corrente apregoava que em face do silêncio do tipo penal acerca
de qualquer concentração, a análise deveria ser casuística, devendo-se aferir se a
quantidade de álcool ingerida pelo infrator teria provocado alteração em seu
sistema nervoso, de modo a reduzir suas funções motoras e perceptivas,
ocasionando perigo na condução de veículos automotores.
Este segundo entendimento prevaleceu na doutrina. Inclusive, na
literatura internacional, encontra-se Pavón defendendo esta tese quanto à
interpretação da lei espanhola, que também mencionava "influência" de álcool,
sem definir uma determinada concentração etílica. Para a autora a fixação de
uma certa taxa à revelia da lei não encontra sustentação.
Não obstante, o quadro se modifica drasticamente após a Lei 11.705/08,
pois que, no caso do álcool, não faz mais menção à simples "influência" como
outrora. Exige agora a lei, para a comprovação da ebriedade, a constatação de
uma determinada concentração de álcool por litro de sangue (0,6 g/l).
Hoje não resta dúvida de que somente a comprovação da referida
concentração por meio de exames periciais e testes legalmente previstos
ensejará a responsabilização criminal.
É importante perceber que a questão do motorista sob efeito de álcool
tem distinto tratamento no âmbito administrativo e no penal. Na seara
administrativa o legislador é mais rigoroso. Impõe a "tolerância zero", dispondo
que qualquer concentração de álcool enseja a infração ao artigo 165, CTB pelo
motorista (vide art. 276, CTB e art. 1º do Decreto 6488/08). Eventuais margens de
tolerância e os casos especiais em que sejam admitidas estão por ser definidas
pelo Contran e pelo Ministério da Saúde, sendo que, provisoriamente, acata-se
uma margem de tolerância para todos os casos da ordem de 0,2g/l (vide art. 1º,
§§ 1º a 3º, do Decreto 6488/08).
Já no campo penal somente configura crime a conduta daquele que dirige
sob efeito de álcool, mas com a concentração de 0,6 g/l de sangue ou mais.
Portanto, na atualidade, não bastará a mera constatação da "influência de
álcool", nem mesmo da embriaguez do condutor por outros meios de prova ou até
mesmo pelo exame pericial médico - legal clínico. Isso porque em nenhum desses
procedimentos é possível aferir o grau de concentração de álcool no sangue,
imprescindível para a caracterização da infração em destaque na atual
conformação legal.
Para a comprovação de infração ao artigo 306, CTB, devido ao álcool,
mister se faz atualmente o exame químico - toxicológico de sangue e/ou o teste
por aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), ou seja, exames e testes que
determinam com segurança a taxa de alcoolemia, cujas respectivas equivalências
estão definidas no artigo 2º, I e II, do Decreto 6488/08, nos termos do artigo 306,
Parágrafo Único, CTB.
É interessante notar que o discurso de rigor do legislador, embora bem
aplicado na seara administrativa, não seguiu a mesma senda no âmbito criminal.
Afinal de contas, a partir da alteração legal, na verdade, por direção sob efeito de
álcool, só é preso em flagrante e, principalmente, condenado, quem quiser!
(Primeiras impressões sobre as inovações do código brasileiro de trânsito.
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=11452&p=2. Acesso
em: 19-8-2008)
No mesmo norte, extrai-se do escólio de Renato Marcão:
Observada a nova redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro,
fica claro em relação à embriaguez ao volante que só haverá processo e eventual
condenação se houver prova técnica (bafômetro, por exemplo), indicando a
presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6
(seis) decigramas. A prova testemunhal isolada não é suficiente.
Nesse sentido, a nova redação do art. 306 é mais benéfica que a redação
anterior em relação ao réu que responde criminalmente pela conduta em
comento, pois cria obstáculo à configuração do ilícito, estabelecendo elementar
antes não prevista.
Por força do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e do
parágrafo único do art. 2º do Código Penal, a lei posterior benéfica deve retroagir
em favor do réu.
Diante de tal quadro, as investigações criminais em andamento
relacionadas com o delito de embriaguez ao volante os processos penais em
curso, onde não se fez prova técnica ou, onde, ainda que feita, não se apurou
presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6
(seis) decigramas, estão fadadas ao insucesso.
Os inquéritos policiais onde não se produziu referida prova não poderão
resultar em ação penal; as ações penais em curso, sob tais condições, não
poderão ensejar condenação. (Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e
teste do bafômetro. Uma análise do novo art. 306, caput, da Lei nº 9.503/1997
(Código de Trânsito Brasileiro). Disponível em: http://jus2.uol.Com.br/
doutrina/texto.asp?id=11454. Acesso em: 19-8-2008)
E por fim, elenca-se excerto de entrevista concedida à Carta Forense pelo
professor Fernando Capez, na qual afasta, inclusive, a utilização do bafômetro:
O critério foi infeliz e compromete toda a eficácia da norma. Se não
houver modificações, a médio prazo, a lei tornar-se-á lamentavelmente, ineficaz.
O propósito do legislador foi digno de encômio, mas a técnica jurídica empregada
foi inadequada. Explico: No momento em que o nível de alcoolemia (6 decigramas
de álcool por litro de sangue) foi inserido como elementar do tipo incriminador,
tornou-se imprescindível a comprovação cabal dessa dosagem sob pena de
atipicidade da conduta. O nível de álcool, por se tratar de medida técnica,
necessita de demonstração pericial. Em outras palavras, não se consegue extrair
o nível de alcoolemia mandando o agente "fazer o quatro" ou "dar uma
andandinha" ou ainda "falar 33 no consultório médico". A Lei fala em 6
decigramas de álcool por litro de sangue, tornando-se imprescindível, perdoem-
me a redundância, o exame de sangue. Não ha como substituir essa prova, nem
mesmo pelo etilômetro, vulgarmente denominado bafômetro. É certo que o art.
277, caput, fala da possibilidade desse e de outros meios de aferição da prova,
assim como o Decreto n. 6.488/2008 fala na equivalência entre os distintos testes
de alcoolemia, todavia, como o tipo incriminador fala em álcool no sangue, a
prova mais segura se dará por esse meio. [...] O certo é que a prova testemunhal
será incapaz de suprir o exame de corpo de delito e qualquer outro exame
pericial, que não meça diretamente a concentração de álcool por litro de sangue,
tornando dúbia a presença da elementar de natureza objetiva, imprescindível para
a configuração do fato típico. O problema é que ninguém está obrigado a fazer
prova contra si mesmo e sem a colaboração do condutor supostamente
embriagado, será impossível a afirmação de que praticou tal crime. O tipo, desde
o seu nascimento, já se encontra marcado para morrer. O melhor a fazer é
substituir o nível de alcoolemia como elementar do tipo pela mera expressão sob
influência de álcool ou substância de efeitos análogos.
[...]
Nos termos do art. 43, inciso I, do CPP "a denúncia deve ser rejeitada
quando o fato narrado não constituir infração penal". Sem a prova pericial, a
denúncia não pode descrever o nível de alcoolemia e sem isso evidentemente
não há crime. (Carta forense, agosto de 2008, p. 12/13)
Dessa forma, por todos os motivos expostos, verifica-se que a lei, ao
consagrar como elementar do tipo insculpido no art. 306 do CTB medida objetiva
para aferição da embriaguez, acabou por afastar a possibilidade de comprovação
do delito (responsabilização criminal por embriaguez ao volante) por outros meios
que não o aparelho de bafômetro ou o exame de sangue, por serem os únicos
capazes de oferecer tal valor. Ademais, como acima ressaltado, o dispositivo que
previa esta possibilidade também foi alterado pela Lei n. 11.705/2008, passando a
se referir apenas ao art. 165, que trata da sanção administrativa a ser imposta ao
condutor embriagado.
Assim sendo, em que pese o legislador objetivar tratar com maior rigor a
prática da direção de veículo automotor sob influência de álcool ou qualquer outra
substância que cause dependência, acabou por criar situação mais benéfica ao
agente.
A propósito, colhe-se do recente posicionamento desta corte de justiça:
APELAÇÃO CRIMINAL. PROCESUAL PENAL. RECURSO DA DEFESA.
SUSTENTADA NULIDADE DO PROCESSO AO ARGUMENTO DE QUE A
SITUAÇÃO FLAGRANCIAL FOI INOCORRENTE. INVIABILIDADE. FLAGRANTE
PRÓPRIO CARACTERIZADO. EVENTUAIS VÍCIOS DO
FLAGRANTE/INQUÉRITO QUE, ADEMAIS, NÃO CONTAMINAM A AÇÃO
PENAL. PROEMIAL AFASTADA.
MÉRITO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA
ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. DELITO QUE,
APESAR DE TER SIDO PERPETRADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI
N. 11.705/2008, EXIGE AGORA A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE
CONDUZIA O AUTOMOTOR COM 06 (SEIS) OU MAIS DECIGRAMAS DE
ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI POSTERIOR
QUE NESTE PONTO FOI MAIS BENÉFICA AO RÉU DO QUE A NORMA
PRETÉRITA, QUE NÃO EXIGIA A DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER ÍNDICE
DE ALCOOLEMIA. EXEGESE DO ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL
(NOVATIO LEGIS IN MELLIUS). DÚVIDA QUANTO À MATERIALIDADE
DELITIVA, HAJA VISTA A RECUSA DO APELANTE EM SUBMETER-SE AO
ETILÔMETRO. TEOR ALCOÓLICO QUE NÃO PODE SER COMPROVADO POR
PROVA TESTEMUNHAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. APELO PROVIDO.
(Ap. Crim. n. 2008.030284-3, de Campos Novos, Rel. Des. Tulio Pinheiro, j. em
29-7-2008).
Nesta alheta, todos os motoristas que, ainda na vigência da antiga lei,
foram condenados com base em prova testemunhal, todavia, não se submeteram
ao teste de alcoolemia ou não atingiram o patamar exigido para a configuração do
crime pelo novel diploma, devem ser absolvidos por falta de certeza da
materialidade do delito.
In casu, faz-se imperativo consignar que muito embora o fato tenha
ocorrido em 12-3-2006, ou seja, em data bem anterior à inovação normativa em
comento, demanda a aplicação da atual redação do art. 306 do CTB, uma vez
que, não obstante preconizar aspecto mais gravoso ao agente em razão de
excluir a exigência de exposição da incolumidade a dano potencial, mostrou-se
mais benéfico ao determinar o índice mínimo de concentração de álcool no
sangue do condutor, por meio de exames físico-químicos, como forma de
comprovação da responsabilidade criminal por embriaguez ao volante.
Desse modo, na hipótese ora apreciada, verifica-se que não houve a
comprovação do índice alcoólico referido, tendo o apelante se recusado a
submeter-se ao etilômetro, valendo-se da prerrogativa constitucional prevista no
art. 5º, LXIII, da Constituição Federal.
Destarte, muito embora exista nos autos o boletim de ocorrência (fls. 7/8),
assim como os depoimentos do agente de trânsito fls. 79/80) afirmando a recusa
do apelado em realizar o teste de bafômetro, assim como que o apelado se
encontrava em estado de embriaguez, não há como inferir a dosagem da
substância no sangue do agente, em razão da inexistência do exame de
alcoolemia, condição necessária para a responsabilização pelo crime previsto no
art. 306 da Lei n. 11.705/2008.
Desta forma, em remanescendo dúvida a respeito da materialidade
delitiva quanto ao crime previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, em
razão de que o teor de 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue no
organismo do acusado não pode ser comprovado por simples prova testemunhal
e/ou documental, esta última diversa do preconizado do referido dispositivo, deve
ser mantida a absolvição do apelante, nos termos do art. 386, II, do Código de
Processo Penal.
Todavia, embora não subsista o fundamento que sustenta a condenação
a quo, a decisão merece reforma por outro motivo, cuja decretação, de ofício, é
medida de rigor.
Isso porque, revela-se possível, in casu, a desclassificação da conduta do
apelado, mediante o instituto processual da emendatio libelli (CPP, art. 383, §2º),
para o tipo penal previsto no art. 34 da Lei de Contravenções Penais (Dec. Lei n.
3.688/1941), em razão da existência nos autos de elementos probatórios que
autorizariam, em tese, a sua condenação pela aludida contravenção, o que
tornaria inviável, assim, sua absolvição (CPP, art. 386, VII) e, por consequência,
deve a sentença combatida ser cassada, neste ponto, a fim de que os autos
sejam remetidos ao juízo competente (Lei n. 9099/95, art. 60 c/cart. 61) para sua
posterior deliberação.
Inicialmente, é cediço ser possível a aplicação do instituto da emendatio
libelli (CPP, art. 383) em grau recursal, ainda que se trate de recurso contra
sentença de absolvição sumária (CPP, art. 397), de sorte a não implicar em
contrariedade à Súmula 453 do Excelso Pretório, que trata apenas do art. 384 do
Código de Processo Penal (mutatio libelli).
Acerca do tema, colhe-se precedente orientação do Superior Tribunal de
Justiça:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. DUPLICATA
SIMULADA. DENÚNCIA. ALTERAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DO
FATO. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI. APLICAÇÃO DO ART. 383 DO
CPP. CRIME PRÓPRIO. CO-AUTORIA. POSSIBILIDADE. APONTADA
VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE
APRECIAÇÃO NA VIA ELEITA.
I - Não cabe o exame de violação à dispositivo constitucional em sede de
recurso especial, conquanto se admite apenas a apreciação de questões
referentes à interpretação de normas infraconstitucionais (Precedentes).
II - O réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória e
não da capitulação jurídica dada na denúncia.
III - Assim sendo, a adequação típica pode ser alterada tanto pela
sentença, quanto em segundo grau, via emendatio libelli (Precedentes).
IV - O delito de duplicata simulada (art. 172 do CP) exige que o agente
emita duplicata que não corresponda à efetiva transação comercial e, por se tratar
de crime próprio ou especial, admite co-autoria ou participação (Precedente).
Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido (REsp n. 975962/CE,
rel. Min. Felix Fischer, j. em 19-2-2009). (grifou-se).
Nessa linha de raciocínio, a partir da análise do aludido parecer, verifica-
se que este delineia a viabilidade de desclassificação da conduta pelo qual o
apelado restou denunciado, vale dizer, do crime previsto no (revogado) art. 306
do CTB, para a contravenção prevista no art. 34 do Dec.Lei n. 3.688/1994, esta
último a saber:
Art. 34. Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas
públicas, pondo em perigo a segurança alheia:
Pena - prisão simples, de quinze das a três meses, ou multa.
Desse modo, a desclassificação do crime de embriaguez no volante,
previsto no art. 306 do CTB, para a referida contravenção possibilitará a
comprovação, por meio de outros meios de prova, mormente a testemunhal, do
estado de embriaguez do apelado na data dos fatos, já que este não realizou o
teste do bafômetro (fl. 10), o que inviabilizou o processamento do feito pela
suposta prática do crime previsto no art. 306 do CTB.
Seguindo essa linha de raciocínio, imperioso ressaltar que a contravenção
penal de direção perigosa de veículo em via pública, a qual se encontra inserida
no capítulo referente à defesa da incolumidade pública, é considerada como de
perigo abstrato, ou seja, prescinde de ocorrência de efetivo perigo a determinada
pessoa, bastando, tão-somente a possibilidade de risco à segurança alheia.
No ponto, Guilherme de Souza Nucci assevera que o crime de perigo
abstrato é aquele em que "a probalidade de ocorrência de dano está presumida
no tipo penal" (Manual de direito penal, 3 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 172).
Desse modo, a doutrina é firme em considerar a contravenção penal em
foco como de perigo abstrato, senão vejamos.
Victor E. Rios Gonçalves, manifestando-se a respeito do tema, ensina :
Apesar de divergências, prevalece o entendimento de que a contravenção
em tela é de perigo abstrato ou presumido (Contravenções penais, 8 ed., São
Paulo: Damásio de Jesus, 2004, p. 55). (grifou-se).
No mesmo sentido é a posição de Damásio de Jesus:
De acordo com a orientação prevalente, a contravenção do art. 34 é de
perigo, prescindindo de dano material ou pessoal. (Lei das contravenções penais
anotada, 10 ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 116).
Em decorrência de tal circunstância, o simples fato de o motorista
encontrar-se embriagado e dirigindo veículo automotor mostra-se hábil para
caracaterizar a contravenção em voga, conforme orientação deste Tribunal:
Contravenção penal - Direção perigosa de veículo em via pública - Agente
em visível estado de embriaguez - Perigo presumido - Inteligência do art. 34, da
LCP - Infração caracterizada - Condenaçãomantida. (Ap.Crim. n. 33.962, de Porto
União, rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. em 5-12-1995). (grifou-se).
Do corpo do referido acórdão, extrai-se excerto da fundamentação:
De fato, como bem salientou o ilustre Procurador de Justiça, em seu bem-
lançado parecer, com relação à argumentação da verificação de perigo in
concreto para que se reconheça o tipo legal infringido, alegada pelo apelante tem-
se que, para a configuração da contravenção em estudo basta a mera conduta
que traduza perigo à incolumidade pública, sem a necessidade da ocorrência de
perigo concreto. O perigo é presumido, ante a ocorrência do fato em local público
(dirigir em estado de embriaguez), não havendo necessidade da ocorrência de
dano efetivo.
Damásio E. de Jesus, na obra Lei das Contravenções Penais Anotadas
(Ed. Saraiva, 1993, pág. 34), anota:
"O simples fato de o agente dirigir veículo em estado de ebriez tipifica a
conduta descrita no art. 34 da LCP prescindido-se de perigo concreto. Trata-se de
infração de perigo abstrato: JTACrim.SP, 26:333, 28:312, 29:158, 40:144 e 259,
66:401 e 453, 67:268, 69:487, 71:388, 72:216, 73:268 e 392, 75:380".
[...]
Acrescenta-se acórdão da lavra do eminente Des. Tycho Brahe, na
Apelação Criminaln.quando sustenta.
"Inobstante a existência de acórdão, em tudo e por tudo respeitáveis,
afirmando que só a embriaguez, por si só, não tipifica a contravenção elencada no
artigo 34 da lei específica (RT 416 270; 429/430), trazidos à colação pelo
apelante, a Câmara, data venia, entende que 'É genérico o perigo a que se refere
o artigo 34 da Lei das Contravenções; e quem em estado de ebriedade guia
automóvel, desenganadamente arrisca a alheia segurança, por não ter perfeita
consciência do seu agir, não possuir convenientes freios inibitórios, o que é
fundamental para a boa condução de veículo motorizado, tem seus reflexos
retardados' (Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, vol. 21, pág.
110)". (grifou-se e destacou-se).
Em caso semelhante, essa Corte de Justiça já decidiu:
DIREÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO. CONTRAVENÇÃO PENAL.
ARTIGO 34 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. CONFIRMAÇÃO DO
DECRETO CONDENATÓRIO.
A direção de veículo em estado de embriagues (sic), independentemente
do dano efetivo, por envolver um perigo real e palpável para os destinatários da
via pública, constitui a contravenção de que trata o artigo 34 da LPC. (Ap.Crim. n.
33.132, de Braço do Norte, rel. Des. Napoleão Amarante, j. em 20-6-1995).
(grifou-se).
E ainda:
Contravenção Penal. Direção perigosa de veículo na via pública.
Sentença confirmada.
Agente que dirige veículo em via pública em estado de embriaguez, já
tipifica a conduta, porquanto o perigo é genérico (incolumidade pública), não
exigindo a lei, para sua configuração que da conduta do agente resulte perigo
direto e iminente a uma pessoa ou grupo de pessoas. Inteligência do art. 34 da
Lei das Contravenções Penais. (Ap.Crim. n. 28.066, de Itajaí, rel. Des. Solon
d'Eça Neves, j. Em 6-4-1992).
Nesse contexto, narra a exordial acusatória que "na data de 12 de março
de 2006, por volta das 05:45 horas, o denunciado, sob efeito de bebida alcoólica,
conduzia a motocicleta placa MGY-7680, de Blumenau SC, pela rua Dr. Luiz de
Freitas Melro, nesta, de modo a expor a perido a segurança alheia". (fl. 2) (grifou-
se).(grifou-se).
Desse modo, de acordo com a fundamentação alhures transcrita, verifica-
se ser viávela possibilidade de o apelado vir a ser, em tese, condenado pela
aludida contravenção, haja vista a eventualidade de se aferir seu estado de
embriaguez por outros meios lícitos de prova sem a utilização do bafômetro ou
exame de sangue, como determina o art. 306 do CTB.
Ademais, apenas a título argumentativo, poder-se-ia pressupor que o
crime definido no art. 306, revogou, ainda que parcial e implicitamente, a
contravenção (art. 34), porse tratarem da mesma matéria.
Entretanto, vale frisar que não há falar-se, no caso, em revogação, uma
vez que, além de aludido crime tratar-se de normal especial e a contravenção de
norma de caráter geral, cuidam os institutos de bem jurídicos diversos, vale dizer,
aquele, em seu art. 306, é considerado de perigo concreto enquanto esta, no art.
34, é reputada como de perigo abstrato.
Acerca do tema em apreço, leciona Arnaldo Rizzarto:
O tipo penal consiste na exposição da incolumidade de outrem a dano
potencial, ou que se coloque em risco a segurança de outra pessoa. De modo
que, trafegando em via pública, sem transeunte algum naquele local e horário, ou
sem passageiros, não expõe ninguém a perigo de dano potencial. Não afasta,
porém, a viabilidade da contravenção penal de direção perigosa. (Comentários ao
código de trânsito brasileiro, 4 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
641). (grifou-se).
O Superior Tribunal de Justiça também já consolidou o entendimento de
que o crime de embriaguez ao volante (art. 306) é considerado como delito de
perigo concreto:
PENAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CRIME DE PERIGO CONCRETO.
DEMONSTRAÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA. INOCORRÊNCIA.
O delito de embriaguez ao volante previsto no art. 306 da Lei nº 9.503/97,
por ser de perigo concreto, necessita, para a sua configuração, da demonstração
da potencialidade lesiva.
In casu, em momento algum restou claro em que consistiu o perigo, razão
pela qual impõe-se a absolvição do réu-recorrente.
Recurso provido, absolvendo-se o réu-recorrente. (REsp n. 515526, rel.
Min. Felix Fischer, j. em 2-12-2003). (grifou-se).
Desse modo operada a aludida desclassificação, verifica-se que o
máximo da pena privativa de liberdade cominada a contravenção do art. 34 da Lei
de Contravenções Penais, é de 3 (três) meses de prisão simples.
Nesse norte, levando-se em consideração os prazos prescricionais
abstratamente previstos nos incisos do art. 109, do CP, a prescrição punitiva do
referido delito seria alcançada em 2 (dois) anos (CP, art. 109, VI) a contar do dia
em que o suposto crime se consumou (CP, art. 111, I), ou seja, em 12-3-2006.
Assim, tendo transcorrido mais de 3 (três) anos do possível cometimento
da aludida infração penal, impõe-se também, ao réu, o reconhecimento da
extinção da punibilidade em decorrência da prescrição da pretensão punitiva.
Dessa forma, transcorrido o prazo prescricional abstratamente previsto no
inciso VI, do art. 109, do CP, deve ser decretada, de ofício, a extinção da
punibilidade do apelado em relação a desclassificação adrede operada.
À vista do exposto, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso e,
de ofício, nos termos do §2º do art. 383 do CPP, desclassificar o tipo penal
indicado na peça de denúncia (CTB, art. 306) para a contravenção prevista no art.
34 do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por conseqüência, decretar a extinção da
punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva (CP, art. 107, IV).
DECISÃO
Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, negar
provimento ao recurso e, de ofício, nos termos do §2º do art. 383 do CPP,
desclassificar o tipo penal indicado na peça de denúncia (CTB, art. 306) para a
contravenção prevista no art. 34 do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por conseqüência,
decretar a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva
(CP, art. 107, IV).
Participaram do julgamento, em 22 de setembro de 2009, os Exmos. Srs.
Desembargadores Sérgio Paladino (Presidente) e Tulio Pinheiro.
Florianópolis, 30 de setembro de 2009.
Salete Silva Sommariva
RELATORA
ANEXO D - Habeas Corpus n. 2008.058052-6, de 06/11/2008 – Balneário
Camboriu. Relator: Des. Sérgio Paladino.
Habeas Corpus n. 2008.058052-6, de Balneário Camboriú
Relator: Des. Sérgio Paladino
HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PRETENDIDO TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. AUSÊNCIA DO TESTE DO BAFÔMETRO. PROVAS TESTEMUNHAIS. DELITO PERPETRADO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI 11.705/2008, QUE EXIGE A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE CONDUZIA O VEÍCULO COM SEIS OU MAIS DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI PENAL NO TEMPO MAIS BENÉFICA, NESTE PONTO, AO PACIENTE. RETROATIVIDADE QUE SE IMPÕE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL. HIPÓTESE DE APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM ANDAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
A lei posterior que de alguma forma beneficia o réu deve incidir,
imediatamente, nos processos em andamento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n.
2008.058052-6, da comarca de Balneário Camboriú (2ª Vara Criminal), em que é
impetrante e paciente Gênesis Naoe de Oliveira:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, à unanimidade, conceder a
ordem para trancar o inquérito policial. Sem custas.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado, em causa
própria, por Gênesis Naoe de Oliveira contra decisão do Dr. Juiz de Direito da 2ª
Vara Criminal da comarca de Balneário Camboriú, que determinou a expedição
de carta precatória à comarca da Capital, com vistas à realização da audiência de
transação penal a ser proposta pelo representante do Ministério Público, nos
autos n. 005.08.005478-6, a que responde por infração, em tese, ao art. 306 da
Lei n. 9.503/97.
Objetiva o trancamento do inquérito policial ao argumento de que está
sofrendo constrangimento ilegal em face da ausência de justa causa para o
respectivo prosseguimento, enfatizando que, embora o delito tenha sido, em tese,
perpetrado antes da edição da Lei n. 11.705/08, a novel legislação condicionou a
responsabilização criminal à comprovação de que o agente esteja conduzindo o
veículo com seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue em seu
organismo, independentemente de haver exposto a dano potencial a
incolumidade pública.
Portanto, sendo a lei posterior mais benéfica do que a revogada, que não
exigia a demonstração de qualquer índice de teor alcoólico no sangue, deve
retroagir à data dos fatos, por força do preceito inscrito no art. 2º, parágrafo único,
do Código Penal.
Colacionou alguns julgados, dentre os quais um recente desta Câmara,
requerendo, por isso, a concessão da medida liminar para trancar o procedimento
investigativo (fls. 02/11).
A petição inicial veio instruída com documentos (fls. 12/112).
Indeferida a liminar (fl. 114) e prestadas as informações (fls. 118/119),
manifestou-se a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Dr.
Humberto Francisco Scharf Vieira, pela concessão da ordem (fls. 122/125).
VOTO
Impõe-se a concessão da ordem.
Com efeito, extrai-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante no
dia 3 de abril do corrente pela perpetração, em tese, do delito definido no art. 306
da Lei n. 9.503/97, em virtude de se haver envolvido em acidente de trânsito,
constatando os policiais militares que atenderam à ocorrência que ele estava em
visível estado de embriaguez, tendo se recusado a realizar o teste do bafômetro.
A Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008 alterou o art. 306, do Código de
Trânsito Brasileiro, condicionando a caracterização do delito à comprovação, por
meio de exames físicos-químicos, de que o agente esteja conduzindo o veículo
com seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue em seu organismo,
independemente de ter exposto a dano potencial a incolumidade pública.
Como a novel lei contém norma de direito material mais benéfica, visto
que a legislação anterior não exigia a demonstração de qualquer índice de teor
alcoólico no sangue, deve retroagir à data dos fatos, uma vez que se trata de
evidente novatio legis in mellius, nos termos do parágrafo único do art. 2º do
Código Penal.
A respeito, assentou esta Câmara, em precedente pesquisado pelo Dr.
Procurador de Justiça:
Omissis.
MÉRITO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. DELITO QUE, APESAR DE TER SIDO PERPETRADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI N. 11.705/2008, EXIGE AGORA A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE CONDUZIA O AUTOMOTOR COM 06 (SEIS) OU MAIS DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI POSTERIOR QUE NESTE PONTO FOI MAIS BENÉFICA AO RÉU DO QUE A NORMA PRETÉRITA, QUE NÃO EXIGIA A DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER ÍNDICE DE ALCOOLEMIA. EXEGESE DO ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL (NOVATIO LEGIS IN MELLIUS). DÚVIDA QUANTO À MATERIALIDADE DELITIVA, HAJA VISTA A RECUSA DO APELANTE EM SUBMETER-SE AO ETILÔMETRO. TEOR ALCOÓLICO QUE NÃO PODE SER COMPROVADO POR PROVATESTEMUNHAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. APELO PROVIDO (APR n. 2008.030284-3, de Campos Novos, rel. Des. Tulio Pinheiro).
DECISÃO
Ante o exposto, concedeu-se a ordem para trancar o inquérito policial.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, com votos vencedores,
os Exmos. Srs. Des. Irineu João da Silva e Tulio Pinheiro, emitindo parecer pela
douta Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira.
Florianópolis, 21 de outubro de 2008.
Sérgio Paladino
PRESIDENTE E Relator
ANEXO E - Habeas Corpus n. 2009.021970-9, de 29/06/2009 – Capital.
Relatora: Des. Marli Mosimann Vargas.
Habeas Corpus n. 2009.021970-9, da Capital
Relatora: Desembargadora Marli Mosimann Vargas
HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - CRIMES DE
TRÂNSITO.
ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA QUANTO AO DELITO DE
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N. 9.503/97) - ACOLHIMENTO -
TESTE DE BAFÔMETRO NÃO REALIZADO - IMPOSSIBILIDADE DE
COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE - ALTERAÇÃO NO TIPO PENAL COM O
ADVENTO DA LEI N. 11.705/08 - EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA
DE ÁLCOOL NO SANGUE - IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME TÉCNICO -
WRIT CONCEDIDO NO PONTO.
Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do
Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar -
etilômetro - conhecido como "bafômetro", faz-se imprescindível para a
comprovação da materialidade do delito, sendo que sua ausência configura falta
de justa causa para o prosseguimento da ação penal.
INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DA LEI N. 9.503/97 - TESE
ARREDADA - CURSO DA AÇÃO PENAL MANTIDO.
ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n.
2009.021970-9, da Comarca da Capital, em que é impetrante Frederico Zanotelli
dos Santos, sendo paciente Marcelo Moraes Machado:
ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime,
conceder em parte a ordem.
RELATÓRIO
Cuida-se de ordem de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado
pelo advogado Frederico Zanotelli dos Santos, em favor de Marcelo Moraes
Machado, denunciado pela prática das condutas delituosas descritas nos arts.
305 e 306 da Lei n. 9.503/97.
O impetrante requer o trancamento da ação penal por falta de justa
causa, argumentando, em síntese, a inconstitucionalidade do art. 305 do Código
de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97) e a atipicidade da conduta prevista no art.
306 do referido diploma legal.
Aduz que o art. 305 da Lei n. 9.503/97 ofende o art. 1º, III, e art. 5º, LXIII e
LXVII, ambos da Constituição Federal.
No tocante ao crime disposto no art. 306 da Lei n. 9.503/97, menciona
não ter sido realizado o chamado "teste de bafômetro" e nem exame de sangue
para auferir a concentração alcoólica e atestar a suposta embriaguez do paciente.
Cita a inovação da Lei n. 11.705/08.
Desta feita, pugna pela concessão da ordem em caráter definitivo,
culminando no trancamento da ação penal.
Indeferida a liminar (fls. 30/31) e prestadas as informações (fls. 36/37), foi
proferido parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça opinando pela concessão
parcial do writ, para trancar o procedimento penal em trâmite apenas com relação
ao delito previsto no art. 306 do CTB (fls. 40/43).
É o relatório.
VOTO
A ordem deve ser concedida em parte.
Extrai-se dos autos (fls. 11/12) que o paciente foi denunciado pela prática,
em tese, dos delitos previstos nos arts. 305 e 306 Lei n. 9.503/97.
Pretende o impetrante obstar o curso da ação penal, argumentando, em
síntese, a insuficiência de provas da materialidade do delito tipificado no art. 306
da Lei de Trânsito e a inconstitucionalidade do art. 305 da mesma lei.
De início, cumpre salientar que o pedido de trancamento da ação é
medida excepcional, somente sendo admitida quando a mera exposição dos fatos
evidencia a ilegalidade, ou quando se imputa ao paciente fato atípico, ou, ainda,
quando ausente qualquer fundamento no inquérito para embasar a acusação.
Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci ensina:
Excepcionalidade do trancamento: o deferimento de habeas corpus para
trancar a ação penal (ou investigação policial) é medida excepcional. Somente
deve o juiz ou tribunal conceder a ordem quando manifestamente indevida a
investigação ou ajuizamento da ação. A falta de tipicidade, por exemplo, é fonte
de trancamento. Verifica-se na jurisprudência STJ: "o trancamento da ação penal
pela via estreita de habeas corpus é medida de exceção. Só admissível quando
emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração
probatória, a inexistência de autoria por parte do indiciado ou a atipicidade da
conduta (Código de Processo Penal Comentado, 7. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008, p.1022).
Passa-se a análise dos temas.
1. DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N.
9.503/97)
Extrai-se os fatos narrados na peça acusatória (fls. 11/12):
No dia 20 de agosto de 2007, por volta das 00:30 horas, o denunciado
Marcelo Moraes Machado, conduzindo o veículo Fiat Pálio, de placa MAZ 6551,
pela Rua do Pedregal, Tapera, nesta Capital, sob influência de álcool,
imprudentemente e sem observar as regras mínimas de direção, colidiu contra o
veículo VW Gol, de placa MAC 1355.
Ato contínuo, o denunciado, no intuito de fugir a sua responsabilidade
penal e civil que lhe seria atribuída, evadiu-se do local do acidente, tendo sido
encontrado por policiais militares no bairro Tapera e, ao ser submetido ao exame
de bafômetro, o mesmo se recusou em fazê-lo, tendo o auto de constatação de
sinais de embriaguez concluído que Marcelo Moraes Machado encontrava-se sob
a influência de álcool (fls. 16).
Conforme ressaltado pelo representante do Ministério Público, o acusado
deixou de proceder ao teste de bafômetro, havendo somente o auto de
constatação de embriaguez como fundamento para a deflagração da ação penal.
Contudo, com a nova legislação vigente, tal documento é insuficiente para
a configuração do crime de embriaguez ao volante.
Com a edição da Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008 houve substancial
modificação no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que passou a vigorar
com a seguinte redação:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência:
(...)
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência
entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime
tipificado neste artigo.
Vê-se que diante do novo diploma legal, para a configuração do delito de
embriaguez ao volante, faz-se necessário averiguar a existência de concentração
de álcool no sangue que ultrapasse o limite mínimo estabelecido na lei.
A realização de prova técnica (exame de alcoolemia) passou a ser
imprescindível para caracterizar a materialidade do delito, inviabilizando qualquer
outro meio de prova.
Sobre o tema, Renato Marcão explica:
A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao caput do
art. 306 do CTB e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O legislador
passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306,
caput, do CTB, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro
acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a
justificar a imposição de pena criminal.
Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que
exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.
O crime, agora, é de perigo abstrato; presumido" (Embriaguez ao Volante;
Exames de Alcoolemia e Teste do Bafômetro: Uma Análise do Novo Artigo 306,
Caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Revista
Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v. 24, jun./jul. 2008. p.
88).
Apesar da norma parecer prejudicial, haja vista agora tratar-se de crime
de perigo abstrato e não mais concreto, sendo determinante o fato de o condutor
do veículo dirigir com certa medida de álcool no sangue, também trouxe uma
segurança aqueles que supostamente possam ter praticado a conduta delitiva.
Atualmente, exige-se teste específico para analisar a concentração da referida
substância, pois se deve auferir com precisão se o agente excedeu o limite
imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.
Com isso, tendo a lei nova o intuito de beneficiar o réu, já que essencial a
constatação de um índice mínimo de alcoolemia, não permitindo que o crime lhe
seja imposto por meras alegações, deve ela retroagir aos crimes praticados antes
de 20/06/2008, data da entrada em vigor da Lei n. 11.715/2008, em obediência ao
art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
É o posicionamento adotado por esta Corte:
MÉRITO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. DELITO QUE, APESAR DE TER SIDO PERPETRADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI N. 11.705/2008, EXIGE AGORA A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE CONDUZIA O AUTOMOTOR COM 06 (SEIS) OU MAIS DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI POSTERIOR QUE NESTE PONTO FOI MAIS BENÉFICA AO RÉU DO QUE A NORMA PRETÉRITA, QUE NÃO EXIGIA A DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER ÍNDICE DE ALCOOLEMIA. EXEGESE DO ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL (NOVATIO LEGIS IN MELLIUS). DÚVIDA QUANTO À MATERIALIDADE DELITIVA, HAJA VISTA A RECUSA DO APELANTE EM SUBMETER-SE AO ETILÔMETRO. TEOR ALCOÓLICO QUE NÃO PODE SER COMPROVADO POR PROVA TESTEMUNHAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. APELO PROVIDO. (AC n. 2008.030284-3, de Campos Novos, rel. Des. Substituto Tulio Pinheiro, j. 29/07/08)
"Com o advento da Lei n. 11.705/08, necessária a realização de exame
para se verificar com precisão se a concentração de álcool no sangue do
motorista é igual ou superior a 6 (seis) decigramas". (AC n. 2008.010810-4, de
São Joaquim, rel. Des. Subst. Victor Ferreira, j. 21/10/08)
Em razão disso, é certo que para a configuração do delito de embriaguez
ao volante descrito na denúncia não basta que o agente esteja dirigindo sob o
efeito do álcool, sendo indispensável verificar se a dosagem alcoólica é igual ou
superior a 6 (seis) decigramas, pois, se assim for constatado, possível é o
oferecimento da denúncia nos moldes em que foi proposta, como incurso no art.
306 do CTB.
Contudo, in casu, a exordial acusatória relata a ausência da referida prova
técnica, haja vista o ora paciente ter se negado a realizar, situação está que
descaracteriza a infração penal, conforme entendendo desta egrégia Corte de
Justiça, nota-se:
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA
- EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ALTERAÇÃO LEGISLATIVA - NOVATIO LEGIS
IN MELLIUS - AUSÊNCIA DA MATERIALIDADE - ABSOLVIÇÃO DECRETADA -
RECURSO PROVIDO.
Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda
modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro,
que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor
alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de
sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova
testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime
ali previsto. (AC n. 2007.012824-4, de Brusque, rel.Des. Solon d'Eça Neves, j.
11/12/08)
Ausente tal constatação, falta justa causa para a deflagração da ação
penal, visto que, com o advento da Lei n. 11.705/2008, a conduta descrita é
carente de materialidade.
Conclui-se, por conseguinte, que a prova eventualmente produzida
durante a instrução processual não levaria a outro resultado senão a absolvição
do acusado.
É o julgado desta Corte:
Ausente prova técnica atestando a concentração igual ou superior a 6
(seis) decigramas de álcool por litro de sangue, inserida como elementar do tipo
descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela novel Lei n.
11.705/2008, é de se absolver o réu ante a falta de prova da materialidade, com
fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal. (AC n. 2008.044859-6,
de Caçador, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 21/10/08)
Desta feita, diante da essencialidade de exame de sangue no condutor do
veículo ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro - popularmente
denominado de "bafômetro", única forma capaz de aferir a materialidade delitiva
descrita na denúncia, concede-se a ordem para o trancamento da ação penal no
que se refere ao delito de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB).
2. DA ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DA LEI N.
9.503/97
Outro ponto suscitado neste writ, a fim de que seja concedido o
trancamento da ação penal, está na inconstitucionalidade do art. 305 do Código
de Trânsito, sob o argumento de que ninguém é obrigado a produzir prova contra
si.
Sem razão.
O fato do paciente, condutor do veículo, ter se afastado do local do
acidente de trânsito, não significa, evidentemente, estar corroborando para a
caracterização de sua culpa, haja vista que tal instituto somente será analisado na
fase judicial e em observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Vale reproduzir as palavras do Desembargador Solon d'Eça Neves no
julgamento da apelação criminal n. 2005.025725-8, in verbis:
"Uma coisa é se furtar da responsabilidade, e outra é a produção de prova
contra si. Não se pode crer que ao evadir-se do local do crime o acusado estaria
buscando não produzir provas eu seu desfavor, pois ao acatarmos tal tese,
estaríamos podados a incentivar, sobremaneira, que todos têm direito e devem
fugir do local, após o cometimento, diga-se de quaisquer crimes".
É a ementa do julgado supracitado:
APELAÇÃO CRIMINAL - PRELIMINARES - NULIDADE DA SENTENÇA
ANTE A OCORRÊNCIA DO CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DA
SUPRESSÃO DA FASE PROCESSUAL PRECONIZADA NO ART. 499 DO CPP -
ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DO CTB - TESES
AFASTADAS.(...)
Ninguém tem a obrigação de fazer prova contra si, mas a espécie delitiva
atacada tutela a administração da justiça no sentido de evitar-se que o causador
do evento danoso tente eximir-se de sua responsabilidade criminal e civil. (AC n.
2005.025728-8, da Capital, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 22/11/05)
No mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
RECURSO CRIME. DELITO DE TRÂNSITO. ARTIGO 305 DA LEI Nº
9.503/97. TIPICIDADE E SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA
CONDENATÓRIA MANTIDA. 1 - Réu que, após colidir em veículo estacionado,
foge do local, sendo identificado somente em razão de ter a vítima anotado a
placa de seu carro. 2- Evidenciada a intenção do réu de eximir-se de eventual
responsabilidade civil ou penal, impositiva a condenação. 3- O objeto jurídico do
delito é a administração da justiça, logo, não há falar em inconstitucionalidade do
dispositivo legal. Outrossim, a eficácia da fuga não é elementar do tipo penal.
Recurso Desprovido. (RCr 71001779842; São Luiz Gonzaga; Turma Recursal
Criminal; Relª Desª Cristina Pereira Gonzales; j. 29/09/08)
Denota-se, pois, que o art. 305 da Lei n. 9.503/97, não tem por objeto
incriminar a pessoa envolvida no evento danoso, mas sim garantir que aquela não
se exima de suas responsabilidades, as quais serão averiguadas nas esferas
judiciais competentes.
Desta forma, arredada a alegada inconstitucionalidade, não havendo
qualquer irregularidade na peça acusatória quanto ao delito previsto no art. 305
da Lei n. 9.503/97, assim como elementos que revelem, de plano, a
insubsistência dos fatos narrados na denúncia enquanto ilícito penal, não há
como se obstar o curso da ação penal proposta contra o paciente.
Destarte, deve ser mantido o curso normal do processo-crime instaurado.
Fixo os honorários assistenciais em 15 URH's, de acordo com a Lei
Complementar Estadual n. 155/97.
Diante do exposto, concede-se a ordem em parte.
DECISÃO
Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à
unanimidade de votos, decidiu conceder a ordem em parte tão-somente para
trancar a ação penal n. 023.07.121523-1 no tocante ao crime do art. 306 da Lei n.
9.503/97.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Carlos
Alberto Civinski e o Exmo. Sr. Des. Luiz Fernando Boller .
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou a Exmo. Sr.
Procurador Paulo Roberto Speck.
Florianópolis, 26 de maio de 2009.
Marli Mosimann Vargas
PRESIDENTE E RELATORA
ANEXO F - Habeas Corpus n. 2009.043506-6, de 15/09/2009 – Capital.
Relator: Des. Newton Varella Júnior.
Habeas Corpus n. 2009.043506-6, da Capital
Relator: Des. Newton Varella Júnior
HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PACIENTE DENUNCIADO POR CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL (ART. 306 DA LEI N. 9.503/1997). FATO OCORRIDO ANTES DO ADVENTO DA LEI N. 11.705/2008, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO TIPO PENAL, EXIGINDO A PRESENÇA DE CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE IGUAL OU SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS. NORMA MAIS BENÉFICA AO RÉU. RETROATIVIDADE APLICADA (ART. 5º, XL, DA CF, E ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP). AUSÊNCIA DE EXAME ESPECÍFICO A CONSTATAR O GRAU DE ALCOOLEMIA NO SANGUE DO AGENTE. IMPOSSIBILDIADE DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE. LAUDO CLÍNICO ATESTANDO O ESTADO DE EMBRIAGUEZ E CONFISSÃO DO RÉU QUE NÃO SUPREM A PROVA TÉCNICA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. ORDEM CONCEDIDA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n.
2009.043506-6, da comarca da Capital (3ª Vara Criminal), em que é impetrante
Iara Lúcia de Souza, e paciente Eduardo Luiz Barbosa:
ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime,
conceder a ordem, determinando-se o trancamento da ação penal.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus impetrado por Iara Lúcia de Souza em favor
de Eduardo Luiz Barbosa, objetivando o trancamento da ação penal n.
023.08.012910-5, da 3ª Vara Criminal da comarca da Capital, em que é imputada
ao paciente a prática do crime descrito no art. 306 da Lei n. 9.503/1997 (Código
de Trânsito Brasileiro).
Alega que o constrangimento ilegal se dá pelo fato de não constar dos
autos o exame técnico específico atestando a concentração no sangue do
acusado acerca do teor alcoólico exigido pela nova redação do art. 306, dada pela
Lei n. 11.705/2008, aplicável aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, por
ser norma mais benéfica ao réu.
Aduz, ademais, que não há comprovação de que o paciente tenha
causado concretamente qualquer perigo de dano na condução do veículo.
Prestadas as informações pela autoridade apontada como coatora, a
douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela denegação da ordem.
VOTO
Importa destacar, antes de tudo, que o trancamento da ação penal via
habeas corpus somente é admitido em situações excepcionalíssimas, assim
consideradas nos casos em que emergir dos autos elementos suficientes a se
concluir, de forma inequívoca, pela atipicidade da conduta, pela extinção da
punibilidade ou pela inocência do acusado, por exemplo.
Narra a denúncia (fls. 17/18) que, no dia 16.2.2008, por volta das 23h, o
paciente vinha conduzindo em via pública o veículo GM/Kadett, em alta
velocidade, e, ao ser abordado por policiais militares em uma blitz, estes
constataram estar o acusado em visível estado de embriaguez, embora tenha se
negado ao teste de alcoolemia.
Assim, restou denunciado, em 26.5.2008, pela prática do crime descrito
no seguinte dispositivo da Lei n. 9.503/1997 - Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de
álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a
incolumidade de outrem:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
De acordo com a lição de Damásio E. de Jesus, a conduta típica deste
delito "consiste em conduzir veículo, sob a influência de substância inebriante, de
forma anormal, expondo assim a segurança alheia a indeterminado perigo de
dano (perigo coletivo)" (Crimes de trânsito. Anotações à parte criminal do código
de trânsito, Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
1999. p. 147).
Ocorre que em 20.6.2008, como é sabido, adveio a Lei n. 11.705, que
alterou a redação do caput do art. 306 do CTB, para os seguintes termos:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Nota-se, pois, que duas foram as alterações substanciais implementadas
pela referida lei para a configuração do delito.
Uma trata-se da prescindibilidade de dano potencial à incolumidade
pública, anteriormente exigida.
A outra refere-se à necessidade de comprovação da concentração de, no
mínimo, 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue do condutor.
Acerca desta última, tem-se que a norma anterior considerava crime a
direção "sob influência de álcool", sem delimitar o grau específico de
concentração da substância no sangue, e a nova disposição prevê
expressamente o mínimo exigido para a caracterização da infração, tornando-se
necessário, diante do princípio da legalidade, que se proceda ao teste específico
para se aferir com precisão se a concentração de álcool por litro de sangue do
motorista excedeu o limite imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior
a 6 (seis) decigramas.
Diante disso, constata-se que a nova legislação vem a ser mais benéfica
ao réu, uma vez que a realização de prova técnica específica para averiguação do
índice mínimo de alcoolemia no sangue do agente passou a ser essencial para a
comprovação da materialidade do delito, não bastando a mera constatação de
que o condutor do veículo estaria sob influência de álcool, que antes era
suficiente para configuração do crime.
Consequentemente, é de se reconhecer a incidência no presente caso da
atual norma prevista no art. 306 do CTB, com a redação que lhe deu a Lei n.
11.705/2008, porquanto a Constituição da República, em seu art. 5º, XL, prevê
expressamente que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu", não
dispondo diferente o Código Penal:
Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de
considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da
sentença condenatória.
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o
agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença
condenatória transitada em julgado. (sem grifo)
Verifica-se, na situação em análise, que o exame químico, seja o
toxicológico de sangue, seja o teste por aparelho de ar alveolar pulmonar
(etilômetro, mais conhecido como "bafômetro"), não restou realizado, tendo sido
efetuado tão-somente o exame clínico (Laudo Pericial à fl. 37), atestando o estado
de embriaguez do réu, porém não determinando o grau de concentração de álcool
no seu sangue, de modo a não possibilitar a conclusão de que houve a prática do
delito em questão.
É certo que os agentes policiais afirmaram que o paciente estava, no
momento dos fatos, em visível estado de embriaguez, e que o próprio confessou
no seu interrogatório em Juízo (fl. 47) "que havia feito o uso de aproximadamente
cinco cervejas".
Porém, tais provas não se mostram aptas a suprir a prova técnica, pois a
concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue
do motorista é elementar do tipo penal, de modo que, ausente a comprovação
precisa deste limite imposto pela lei, não há como se aferir a materialidade do
crime.
Nesse sentido é a jurisprudência que vem sendo firmada por este Egrégio
Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CRIMINAL - DELITO DE TRÂNSITO - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - AUSÊNCIA DE PROVA TÉCNICA DA CONCENTRAÇÃO IGUAL OU SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE - ELEMENTO OBJETIVO DO TIPO INSERIDO PELA LEI N. 11.705/2008 - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - ILÍCITO PRATICADO SOB A ÉGIDE DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR - RETROATIVIDADE EM BENEFÍCIO DO RÉU - IMPRESCINDIBILIDADE DO EXAME DE SANGUE OU DO ETILÔMETRO - TEOR ALCOÓLICO NÃO DEMONSTRADO - RECUSA DO AGENTE - EXERCÍCIO DA PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO - MATERIALIDADE DELITIVA NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO IMPERATIVA - RECURSO PROVIDO EM PARTE.
Ausente prova técnica atestando a concentração igual ou superior a 6
(seis) decigramas de álcool por litro de sangue, inserida como elementar do tipo
descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela novel Lei n.
11.705/2008, é de se absolver o réu ante a falta de prova da materialidade, com
fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal (Apelação Criminal n.
2008.076414-6, de Caçador. Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho. Julgada
em 10.2.2009).
Assim, diante da impossibilidade de se comprovar a materialidade do
delito no atual estágio do processo, revela-se a ausência de justa causa para a
continuidade da ação penal, motivo pelo qual é de ser concedida a ordem.
Colhe-se:
HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - CRIMES DE TRÂNSITO.
ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA QUANTO AO DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N. 9.503/97) - ACOLHIMENTO - TESTE DE BAFÔMETRO NÃO REALIZADO - IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE - ALTERAÇÃO NO TIPO PENAL COM O ADVENTO DA LEI N. 11.705/08 - EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA DE ÁLCOOL NO SANGUE - IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME TÉCNICO - WRIT CONCEDIDO NO PONTO.
Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do
Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar -
etilômetro - conhecido como "bafômetro", faz-se imprescindível para a
comprovação da materialidade do delito, sendo que sua ausência configura falta
de justa causa para o prosseguimento da ação penal (Habeas Corpus n.
2009.021970-9, da Capital. Relatora: Desembargadora Marli Mosimann Vargas.
Julgado em 26.5.2009).
Também:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE EMBRIAGUEZ NA DIREÇÃO DE
VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 306 DO CTB). [...]
CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO, PARA TRANCAR A
AÇÃO PENAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 11.705/08, QUE EXIGE A
COMPROVAÇÃO DE 6 (SEIS) DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE
SANGUE DO CONDUTOR PARA A COMPROVAÇÃO DO ILÍCITO. AUSÊNCIA
DE EXAME PERICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SE AFERIR A MATERIALIDADE.
RETROATIVIDADE DA LEI POSTERIOR MAIS BENÉFICA (ART. 2º,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP) (Apelação Criminal n. 2009.001038-3, de
Videira. Relator: Des. Torres Marques. Julgada em 24.3.2009).
Destarte, voto no sentido de ser concedida a ordem.
DECISÃO
Ante o exposto, a Câmara decide conceder a ordem, determinando-se o
trancamento da ação penal.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desa.
Marli Mosimann Vargas, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Rodrigo
Collaço. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr.
Dr. Anselmo Agostinho da Silva.
Florianópolis, 1º de setembro de 2009.
Newton Varella Júnior
Relator