Universidade do Vale do Itajaí
Centro de Educação São José
Curso de Relações Internacionais
MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS: UM PROBLEMA PARA AS
RELAÇÕES INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS?
CRISTINA DE SOUZA
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à banca examinadora do
curso de Relações Internacionais como
parte das exigências para a obtenção do
título de bacharel em Relações
Internacionais, pela Universidade do
Vale do Itajaí
Orientador:
Prof. MSc. Paulo Jonas Grando
São José
2007
1
RESUMO
Palavras-chave: Migrações Internacionais. Demografia. Teoria das Relações
Internacionais.
ABSTRACT
Keywords: International Migration. Demography. International Relations Theory.
Este artigo aborda as migrações transfronteiriças na sociedade internacional contemporânea. Expõe os fatores que desencadeiam os fluxos populacionais e mostra, sob diferentes
perspectivas, os principais efeitos que o fenômeno produz. Examina também, através da
investigação dos debates presentes acerca do tema nos manuais da disciplina, a maneira com que a questão é tratada nas Relações Internacionais. A partir destas considerações, tece reflexões
iniciais sobre a importância que as migrações detêm no ambiente internacional e o nível de
correspondência existente entre ela e o campo teórico das Relações Internacionais. E conclui
que, embora os efeitos das migrações estejam sendo ampliados e os fatores que as desencadeiam tornaram-se mais complexos, o assunto ainda é pouco debatido nas Relações Internacionais e
não há um consenso no tratamento dispensado à questão nesta área do conhecimento.
This article is about the the migrations among countries in the contemporary
international society. It explains the factors that unleash population's movement and
shows, in different ways, the principal effects resulted by this phenomenon in the world.
It examines as well, through the actual discussions' investigation about the subject in the
paper's manual, the manner the point is treated in the International Relations. From
these considerations, start the development of the first thoughts about the importance
that the migrations have in the international environment and the relation's level existed
between it and the International Relations’ theory.
2
MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS: UM PROBLEMA PARA AS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS?
Cristina de Souza
Sumário: 1. Introdução; 2. As Principais Teorias Migratórias; 3. As Conseqüências das
Migrações Internacionais; 4. A Importância da Questão Migratória nas Relações
Internacionais; 5. Considerações Finais; e Referências.
"O século presente é o tempo do deslocamento humano. Com cada oportunidade econômica e partida de navio, com cada
calamidade e conflito, o século 21 fica cada vez mais marcado pelo movimento de pessoas". (António Guterres na sessão de
abertura do 72º Comitê Executivo do Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados - ACNUR).
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo discute a questão das migrações internacionais, que são
caracterizadas pela travessia de pessoas para além de seu território político-administrativo
nacional, destacando suas causas, principais conseqüências e o tratamento dispensado pelas
Relações Internacionais ao tema.
Os fenômenos migratórios, constantes na história da humanidade, ajudaram a
desenvolver e transformar muitos aspectos relevantes das sociedades ao possibilitar o
compartilhamento de conhecimentos, de experiências culturais e a dinamização da economia,
por exemplo. No entanto, na contemporaneidade eles têm adquirido características mais
complexas ante o advento da globalização, uma vez que houve uma relevante ampliação e
barateamento da infra-estrutura de transportes, comunicações e tecnologia. Estas mudanças
impulsionaram o aumento dos fluxos populacionais por diferentes motivos, como a busca por
trabalho e melhor qualidade de vida, e também ampliaram, conseqüentemente, a influência
dos mesmos na comunidade internacional. Acredita-se que as migrações internacionais têm
3
potencial para se tornarem um agente capaz de afetar em diferentes graus a configuração dos
Estados e da sociedade mundial, e, portanto, modificar as próprias Relações Internacionais.
Os reflexos dos impactos que movimentos migratórios produzem podem ser
percebidos em variadas esferas da sociedade internacional. As discussões acerca da questão
intensificam-se tanto no âmbito teórico, através do número crescente de estudos e publicações
sobre o tema em diferentes áreas, como também no ambiente político e social, visto que o
assunto foi amplamente debatido nas últimas eleições de países como os EUA, Inglaterra,
França e Alemanha. Com base nestas constatações, acredita-se que a questão migratória passe
a ser objeto de reflexão também nas Relações Internacionais, uma vez que o fenômeno
interfere cada vez mais na sociedade internacional e nas decisões políticas estatais, onde os
governos buscam manter o controle do trânsito e a entrada de migrantes em seus territórios.
Abraham F. Lowenthal ressalta, nos artigos Os Estados Unidos e a América Latina
no início do século XXI e Os Estados Unidos e a América Latina na virada do século, a
existência de uma preocupação com a questão das migrações internacionais na agenda dos
Estados Unidos. Segundo o autor, os movimentos migratórios passaram a receber atenção
especial da política externa norte americana, ao lado de questões como o comércio e o
narcotráfico. Este tema assume importância até mesmo na atualidade, período em que o
governo estadunidense não está concentrando esforços e atenções sobre a América Latina.
A emergência, cada vez maior, de fenômenos como o descrito por Lowenthal é
compreendida quando nos debruçamos sobre a importância da questão dos movimentos
populacionais e buscamos o entendimento de suas causas e conseqüências. Tais informações
auxiliam na percepção do lugar que as migrações internacionais ocupam na sociedade
internacional contemporânea e criam bases para o início de uma discussão consistente acerca
da pertinência, tratamento e relevância dada pelas Relações Internacionais ao tema. O Alto
Comissário das Nações Unidas para Refugiados, António Guterres, chama atenção para este
assunto. Em 01 de outubro de 2007 ele observou que diante de um século marcado por
intensos fluxos migratórios em todo o mundo [é necessário mais] esforços da comunidade
internacional na identificação das causas e da complexidade dos deslocamentos e das
migrações globais para que a questão possa ser melhor abordada.1
Para apanhar as migrações internacionais sob diferentes perspectivas, o artigo é
estruturado em três níveis de discussão. Inicialmente, mostra-se como as principais teorias das
ciências sociais, econômicas e geográficas explicam as migrações internacionais, ou seja,
1 Fonte: ACNUR. Fluxo migratório é marca do século 21. Nações Unidas: Genebra, 01 out. 2007. Disponível
em www.onu-brasil.org.br/view_news.php?id=6039, acesso em: 13 out. 2007.
4
identifica-se as razões que levam pessoas a optar pela migração para além das fronteiras
nacionais. Em seguida, apresenta-se o resultado da investigação sobre os efeitos gerados pelos
fluxos migratórios nas sociedades de origem e destino a partir de uma pesquisa exploratória
em veículos da imprensa. E no terceiro momento, com a finalidade de examinar a forma com
que as Relações Internacionais tratam a questão das migrações, expõe-se os resultados da
pesquisa realizada sobre a ocorrência de debates acerca do tema nos manuais de Teoria das
Relações Internacionais e elabora-se apontamentos iniciais sobre o papel que é dado para as
migrações internacionais nas Relações Internacionais.
2 AS PRINCIPAIS TEORIAS SOBRE AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS
Os movimentos migratórios marcam constantemente a história da humanidade, tanto
por sua influência nas mudanças ocorridas quanto pelo fato das transumâncias temporárias
e/ou permanentes serem uma espécie de reflexo das condições sociais, econômicas, políticas e
ambientais das sociedades. Porém, até o século XIX a questão das migrações era considerada
pelos cientistas sociais como um problema secundário, visto geralmente como uma mera
conseqüência do avanço do modelo capitalista, da industrialização e da urbanização.
Foi somente a partir do século XX que as migrações ganharam status de estudo
diferenciado, especialmente para teóricos dos países que participavam de forma mais intensa
nos processos de deslocamento populacional, como os Estados Unidos2, por exemplo. Assim,
embora os fluxos demográficos internacionais sejam fenômenos dinâmicos e com diversas
nuanças, sua emergência fez surgir algumas teorias que visavam explicar sistematicamente os
fatores determinantes de suas causas bem como seus significados ante as estruturas sociais,
políticas, econômicas e culturais.
Para tratar da questão das razões das migrações e apresentar as diferentes formulações
teóricas que expõem as causas das migrações, toma-se como base neste artigo a classificação
realizada por Massey et al. em Theories of International Migration: A Review and
2 Leo Huberman, na obra História da Riqueza dos EUA (publicada pela primeira vez em 1938), conta a
história dos Estados Unidos a partir da perspectiva do seu povo e assinala a importância dos migrantes no
processo de desenvolvimento naquele país. Segundo o autor, pessoas dos mais diversos lugares, de diferentes
classes sociais, culturas e religiões migraram para os EUA por obrigação e também por iniciativa própria em
busca de novas terras onde poderiam criar uma nova sociedade, com novos trabalhos e leis. Naquele contexto, tal
expectativa fez com que os “novos americanos” lutassem pelo crescimento do país, sendo considerados por
Huberman como decisivos para a construção do que hoje é a maior potência mundial.
5
Appraisal, de 1993. Utilizou-se ainda como textos complementares: Teoria das Migrações
Internacionais de Assis & Sasaki (2000) e Mobilidade Espacial da População: Conceitos,
Tipologia, Contextos, de Becker (1997).
2.1 A PERSPECTIVA NEOCLÁSSICA
Segundo a abordagem neoclássica exposta por Massey et al. (1993) as migrações
internacionais são causadas, em nível macroeconômico, pelas diferenças geográficas na oferta
e demanda por trabalho. Como resultado das desigualdades, há um decréscimo na oferta de
trabalho e de salários nos países em desenvolvimento e um aumento de oferta de trabalho e de
salário nos países ricos. Com isso, a perspectiva de diferenciação internacional da renda tende
a refletir em movimentos migratórios internacionais em direção às áreas de salários mais
elevados. Na escala microeconômica, as migrações resultam de decisões individuais e do
cálculo de custo-benefício pelo qual se espera que a migração traga retorno positivo,
principalmente monetário. Com isto, a mobilidade se constitui em uma forma de investimento
pessoal, visto que as pessoas escolhem migrar para onde elas imaginam que podem ser mais
produtivas. Nesta perspectiva, as migrações ocorrem pela diferença nos salários e continuarão
ocorrendo até que as expectativas de ganhos sejam equalizadas no mundo todo.
Becker (1997), por sua vez, assinala que as teorias neoclássicas têm como categoria de
análise o próprio indivíduo e que as decisões de migrar são vistas como uma livre escolha, de
caráter individual e sem determinantes externos. Ou seja, as migrações são compreendidas
apoliticamente. Sob este ponto de vista, são resultado da industrialização e modernização dos
lugares ou países, e servem para minimizar as diferenças entre regiões e/ou países ricos e
pobres, ou também para os que apresentam expansão econômica e aqueles que passam por
crises sociais, políticas ou produtivas.
2.2 PERSPECTIVA DA NOVA ECONOMIA DA MIGRAÇÃO
Na abordagem denominada nova economia da migração, de acordo com Massey et al.,
as migrações não são decisões individuais, mas tomadas por unidades maiores como famílias,
por exemplo. Os autores observam que cada indivíduo age coletivamente a fim não só de
maximizar o ganho salarial, mas também minimizar os diferentes riscos e constrangimentos
associados ao mercado de trabalho. Isso acontece porque os grupos, ao contrário dos
indivíduos, são capazes de regular os riscos diversificando seus recursos (como o trabalho,
6
por exemplo). Porém, esta capacidade é diferente nos países desenvolvidos e naqueles em
desenvolvimento. Enquanto nos primeiros os riscos são minimizados por mecanismos
institucionais de seguro privados e governamentais, como créditos e financiamentos para
novos projetos, seguros contra o desemprego, prejuízos nas colheitas e para viabilização de
investimentos em pessoas, nos países subdesenvolvidos estes mecanismos são deficitários e a
migração acaba surgindo como uma saída para a manutenção da renda familiar.
As migrações não são tidas, portanto, apenas como resultado da diferença salarial.
Fatores como o desequilíbrio e a imperfeição dos mercados dos países emissores de migrantes
são elementos fundamentais para explicar este processo. E os governos, por sua vez,
influenciam as taxas de migração não apenas por suas políticas dos mercados de trabalho, mas
também com a formação de mercados seguros, dos mercados de capital e dos futuros
mercados. Assis & Sasaki (2000) corroboram esta análise e observam ainda que esta
perspectiva aponta para os limites da teoria neoclássica.
2.3 A TEORIA SOBRE A DUALIDADE DOS MERCADOS DE TRABALHO
Ainda segundo Massey et al. esta teoria explica que as migrações não são causadas por
decisões individuais, mas pela demanda por trabalho existente nas sociedades industriais
modernas. Isto é, os países que têm necessidade da força de trabalho estrangeira acabam
atraindo imigrantes e os fluxos de mobilidade não estão, de forma alguma, relacionados às
condições dos países de origem, mas à demanda de trabalhadores nos países economicamente
desenvolvidos.
Para os autores citados, esta demanda ocorre devido a algumas características
presentes nas sociedades industriais avançadas. Dentre elas estão a expectativa de salário
correspondente a certo status social e a motivação dos imigrantes para ganhar dinheiro via
realização de tarefas que os nacionais não querem mais executar (como atividades no setor
secundário ou onde as condições de segurança física e ou laboral sejam menores).
Apesar desta teoria não conflitar diretamente com a abordagem neoclássica, gera
diferentes implicações: nas migrações internacionais laborais, demandadas pelas sociedades
desenvolvidas, a diferença salarial não é condição suficiente para estimular as migrações, mas
os empregadores a incentivam enquanto mantêm os salários constantes. Por outro lado, os
governos dos países centrais não parecem influenciar as migrações com suas políticas, uma
vez que elas apenas produzem pequenas mudanças nos salários e nas taxas de
7
empregabilidade, pois os imigrantes preenchem uma demanda por trabalho que é
estruturalmente construída nas sociedades pós-industriais.
Assis & Sasaki também discutem este panorama sob a denominação de Teoria da
Segmentação, e observam que os migrantes não competem diretamente com os nativos no
mercado de trabalho. Isto ocorre uma vez que os últimos ocupam vagas do setor formal, que
requer qualificação e propicia altos salários, enquanto os estrangeiros são alocados no setor
informal, onde há grande instabilidade, baixos salários e não se exige maior qualificação.
2.4 PERSPECTIVA NEOMARXISTA E TEORIA DOS SISTEMAS MUNDO
Assis & Sasaki apontam que as teorias marxistas das migrações enfocam aspectos
como a estratificação étnica e a segmentação do mercado de trabalho nas sociedades
industriais avançadas, e assinalam que os migrantes fazem parte do exército de reserva que o
sistema capitalista mobiliza para ser alocado em setores informais. Além disto, tais
perspectivas chamam atenção para o fato de que as “redes sociais e discriminação
institucional servem para excluir o migrante e colocá-los no emprego menos remunerado e
temporário.” (2000, p. 5), pois nas sociedades industriais afluentes, onde sindicatos fortes
atuam, os nacionais não desejam trabalhar em atividades que consideram inferiores ou
degradantes, onde trabalhadores migrantes acabam sendo alocados.
Becker, por sua vez, ao enfocar os pressupostos dos neomarxistas, os coloca em
contraposição às teorias neoclássicas. Segunda a autora, os neomarxistas possuem como
categoria de análise os grupos sociais e adotam como metodologia a análise histórico-
estrutural e o enfoque dialético. Nesta perspectiva a decisão de migrar é imposta pela
necessidade de valorização do capital, e as migrações são, portanto, um resultado dos
processos de mudança a nível global e da expressão da sujeição do trabalho ao capital.
A Teoria do Sistema-mundo, construída pelo neomarxista Immanuel Wallerstein,
relaciona as origens das migrações internacionais à estrutura do mercado mundial. Segundo
Massey et al., para esta visão a penetração do capitalismo nas periferias cria uma população
propensa a imigrar para além das fronteiras nacionais em busca de maiores salários e
condições de saúde. Ou seja, a influência e o controle dos mercados em desenvolvimento
pelos países centrais são os fatores catalisadores dos movimentos populacionais.
Contudo, para esta teoria as migrações são propensas a ocorrer entre países que
mantiveram relação metrópole-colônia no passado, pois os laços culturais, lingüísticos e
administrativos dela provenientes facilitam a formação de mercados transnacionais e sistemas
8
culturais entre as regiões. Porém, o que realmente determina os fluxos populacionais são “a
dinâmica da criação de mercados e da estrutura da economia global” (MASSEY et al., 1993,
p. 448 - tradução livre pelo autor). Esta abordagem afirma também que os governos
influenciam as taxas de migrações pela intervenção no mercado, com a regulamentação dos
investimentos externos das corporações e o controle do fluxo de capital e mercadorias.
2.5 OUTRAS INTERPRETAÇÕES BASEADAS EM CAUSAS INDEPENDENTES
Massey et al., ao exporem as teorias das migrações, diferem dos demais autores por
incluírem em sua classificação as migrações internacionais ocasionadas por causas
cumulativas. O argumento para a inclusão desta categoria é que as condições que geram os
movimentos demográficos internacionais estão sendo ampliadas para além do desejo
individual de aumento de salário, da busca da diminuição dos riscos e da penetração do
capitalismo no mercado mundial. Novos fatores como a formação de redes, instituições e
sistemas de migrações passaram a influenciar significativamente as migrações de forma
independente.
As redes de migração, caracterizadas pelas ligações interpessoais que conectam os
migrantes e não migrantes nas regiões de origem e destino, seja através de parentesco,
amizade e/ou comunidade de origem, integram a classificação de Massey et al. sobre as
causas cumulativas. Os autores acreditam que as redes, que se formam constantemente,
devem ser destacadas por serem uma forma de capital social que permite a conquista de
empregos fora do país. Ou seja, com a formação de redes, as migrações internacionais tendem
a se institucionalizar, e, por isso, tornam-se progressivamente independentes dos fatores
iniciais que as causaram e merecem status autônomo.
A Teoria Institucional pratica uma análise sobre as chamadas “redes institucionais”,
tratando-se de uma causa cumulativa. Ela afirma que o aumento dos fluxos migratórios cria
instituições para amparar as demandas que surgem. Tais organizações são divididas em duas
categorias segundo seus propósitos. Algumas têm como objetivo a inserção dos migrantes no
território estrangeiro, muitas vezes de maneira clandestina, e a efetuação de procedimentos
diversos dentro do território de destino, como casamento entre migrantes ilegais e a alocação
em empregos, por exemplo. Outras, que surgem concomitantemente a este processo de
penetração dos migrantes em território estrangeiro, são as organizações da área de direitos
humanos, que procuram prestar serviços sociais como a alocação em abrigos e o suporte à
legalização. Segundo os teóricos desta perspectiva, com o passar do tempo tais instituições
9
adquirem respeito dos migrantes e passam a constituir uma outra forma de capital social em
que os estrangeiros confiam para conquistar o acesso aos mercados de destino. Esta
progressiva cristalização faz com que as migrações se tornem institucionalizadas e, portanto,
independentes dos fatores originários que as causaram.
Por fim, os autores citam a Teoria dos Sistemas de Migração, que deriva das teorias
que sugerem que os fluxos migratórios adquirem estabilidade e estrutura com o tempo.3 De
acordo com esta teoria, o processo de solidificação das estruturas da mobilidade humana
permite a identificação de sistemas de migrações internacionais estáveis, que são
caracterizados por uma intensa troca de bens, de capital e de pessoas entre determinados
países e trocas menos intensas entre outros. Massey et al. discutem que, apesar desta
perspectiva não ser distinta das demais, ela se destaca por elaborar hipóteses inovadoras. Para
seus teóricos, os países dentro do sistema não precisam estar geograficamente perto, mas
devem apresentar um estreitamento das relações político-econômicas para que as migrações
entre os mesmos sejam intensificadas. Além disso, assegura que a estabilidade de um sistema
não implica em uma estrutura fixa. Ou seja, os países podem entrar ou sair de um sistema
segundo as variações sociais, econômicas e políticas.
Portanto, existem diferentes teorias que visam abarcar as causas mobilidade
internacional. Porém os estudos não conseguem, de forma isolada, tomar conta de toda a
complexidade que o fenômeno possui e não houve, portanto, a adoção de um paradigma
predominante nos estudos do tema. Esta dificuldade de explicar a questão das migrações sob
um único prisma é corroborada pelas observações tecidas pelo Relatório da Comissão
Mundial sobre as Migrações Internacionais de 2005, que aponta para a diversificação
encontrada no grupo das pessoas que migram e para a grande variedade de motivações e
destinos existentes. Além disto, acredita-se que uma padronização universal das causas da
mobilidade humana torna-se problemática também pelo fato de que as formas predominantes
de migração variarem de acordo com as diferentes partes do mundo.4 Assim, as diferentes
3 È possível ainda apontar outras duas propostas teóricas advindas do trabalho de Assis & Sasaki: a Teoria das Redes Sociais e a Teoria da Transnacionalização. Contudo, como a opção inicial foi pela classificação de
Massey et al., optou-se apenas por assinalar esta pequena divergência entre as fontes. 4 De acordo com o Relatório da Comissão Mundial sobre as Migrações Internacionais (CMMI) há diferenças nos
padrões conforme cada região do mundo. Na Ásia os migrantes “deslocam-se devido a contratos temporários de
trabalho, enquanto em algumas regiões das Américas e da África as migrações irregulares são muito mais
prevalecentes”. Já os países tradicionais de imigração, como a “Austrália, Canadá, Nova Zelândia e os EUA
continuam a aceitar imigrantes a título definitivo e com o objectivo de obterem a cidadania, enquanto que países
do Médio Oriente admitem habitualmente imigrantes internacionais por períodos fixos e sem quaisquer
expectativas de integração” (2005, p. 7).
10
interpretações teóricas têm, cada uma a sua maneira, uma certa capacidade explicativa, cuja
complexidade depende da ênfase pretendida pela escolha do analista.
3 AS CONSEQUÊNCIAS DAS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS
A Organização Internacional para as Migrações (IOM, na sigla em inglês) estima que
há 192 milhões de migrantes no mundo, número que corresponde a cerca de 3% da população
mundial. No entanto, apesar deste montante ser uma parcela relativamente pequena dos
habitantes mundiais, ele exerce influência significativa na sociedade internacional. Inclusive
pode-se afirmar hoje que os impactos dos movimentos migratórios atingem todo o mundo,
uma vez que praticamente todos os países participam dos fluxos, tanto recebendo quanto
enviando migrantes (RELATÓRIO DA CMMI, 2005, p. 5).
Porém, é possível apreender quais são as mudanças que as migrações exercem nos
países que participam de seus fluxos e em que níveis e âmbitos a mobilidade de fato interfere
nas sociedades? Seriam tais intervenções realmente relevantes? Com o objetivo de melhor
compreender estas questões, este capítulo explora os diferentes efeitos das migrações nas
sociedades a partir de diferentes pontos de vista.5
As abordagens sobre as conseqüências das migrações com base no viés tradicional
valorizam os aspectos negativos que os migrantes desencadeariam nos países de destino como
a supressão de empregos, a formação de guetos e dificuldades de adaptação dos migrantes à
cultura dos lugares de destino, e pouco discutem os efeitos nos países de envio e sobre os
aspectos positivos acarretados pela mobilidade humana. A exploração dos migrantes, a
segregação social, a ameaça política e terrorista, além da desestabilização demográfica, étnica,
cultural e religiosa do país receptor são os temas abordados com maior ênfase nesta
perspectiva.
Entretanto, constatou-se uma mudança no enfoque dos resultados das migrações
internacionais. Há uma crescente valorização dos aspectos positivos dos fluxos migratórios e
também uma ampliação das análises para o campo dos países de origem dos migrantes. Esta
5 Para explorar de maneira sistemática as interferências que o fenômeno migratório tem produzido nos países de
origem e destino, realizou-se um levantamento de notícias publicadas na imprensa nos meses em que esta
pesquisa estava sendo trabalhada. Nesta atividade, pesquisou-se publicações sobre a matéria em jornais,
documentos eletrônicos e artigos de revistas científicas de diversas áreas (como política externa, geografia,
economia, meio ambiente e sociologia) e relatórios que abordam as migrações internacionais de modo
específico.
11
nova visão evidencia a contribuição que “os migrantes dão à redução da pobreza e ao
desenvolvimento sustentável nos seus países de origem” (RELATÓRIO DA CMMI, 2005, p.
8), às vantagens do cosmopolitismo, das trocas de experiências, culturas e técnicas, bem como
da diversidade cultural. Geralmente, são discutidas também a importância dos migrantes no
mercado de trabalho, onde muitos são alocados em setores que os nacionais não trabalham, e
na redução da pobreza.
Contudo, nem a visão tradicional como a mais recente alcançaram uma hegemonia.
Atualmente é possível encontrar diversos debates sobre as migrações internacionais, cujos
argumentos partem de ambas as interpretações. Sua intensidade e posição varia de acordo
com o lugar que o sujeito do discurso se encontra. Nos países receptores de grandes fluxos
migratórios, como os europeus, Estados Unidos e Austrália, os debates são intensos e os
discursos costumam ser voltados para os problemas que as migrações acarretam nos locais de
destino. Enquanto que nas regiões em que os fluxos não são tão abundantes, as discussões
ocorrem de forma amena.
Porém, em decorrência da complexidade do fenômeno migratório, a divisão
costumeira entre países receptores e originários de migrantes já não pode ser realizada. Como
já apontamos, muitos países são concomitantemente fonte e destino de migrantes e, portanto,
enquadram-se em ambas categorias de análise. Como exemplo desta duplicidade pode-se citar
o caso do Brasil, onde ocorre envio de imigrantes para países desenvolvidos como os Estados
Unidos e Japão e, ao mesmo tempo, é receptor de emigrantes bolivianos e argentinos.
3.1 OS EFEITOS NEGATIVOS DAS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS
Na pesquisa das conseqüências dos movimentos populacionais infra-fronteiriços
encontrou-se um maior número de relatos e informações sobre os aspectos negativos deste
fenômeno. As descrições destes efeitos ocorrerem tanto na categoria de análise individual
como dos grupos sociais. Porém optou-se pela concentração nas questões relativas ao campo
social, político e econômico, uma vez que são compatíveis com o objetivo desta parte do
estudo, que é a busca das conseqüências que os movimentos acarretam para a sociedade
internacional, e não especificamente para os cidadãos da mesma.6
6 Nos enfoques sobre o sujeito são enfatizadas as dificuldades que os migrantes possuem na adaptação cultural
ao local de destino, em lidar com as saudades da terra natal, as más condições de moradia, trabalho e relações
sociais, bem como o sofrimento ante as práticas xenófobas, de racismo e discriminação sofridas.
12
Ocorrem diferentes níveis de discussão nos relatos sobre os efeitos prejudiciais
causados pelas migrações internacionais. Os debates apresentam-se em estudos que englobam
desde o tráfico de seres humanos e a devastação ambiental (em especial o problema da
desertificação), até análises ligadas aos direitos humanos, a economia mundial, o terrorismo e
a globalização. Esta pluralidade de campos de abordagem mostra a quão diversificada é a
questão dos movimentos populacionais, mas ao mesmo tempo dificulta uma exploração mais
profunda neste artigo sobre todos os aspectos encontrados. Por isto, optou-se pela exposição
sucinta dos problemas encontrados para que, ao final do trabalho, seja possível perceber o
espaço e a importância que as migrações possuem no cenário internacional.
A IOM estima que uma a cada 35 pessoas mora fora de sua terra natal, e que as
migrações têm crescido a uma taxa de 2,9% ao ano devido principalmente as disparidades
entre os países e a globalização. Esta expansão da mobilidade desvela também os problemas
que dela decorrem. A constatação mais evidente é a de que o preconceito entre diferentes
culturas existe e os conflitos raciais entre nacionais e migrantes ainda são correntes. Isto é
verificado mesmo quando os imigrantes entram legalmente nos países e através de políticas de
incentivo à migração como ocorreu na Alemanha nas décadas de 60 e 70, em seu boom
econômico, e com os Estados Unidos na expansão econômica do governo Clinton e o
conseqüente aumento da necessidade de mão-de-obra qualificada. Neste caso, muitos deles se
sentem marginalizados nos lugares de destino. 7
O aumento das migrações internacionais faz emergir o problema da intolerância.
Segundo Cardoso (2002, p. 120), o jornal espanhol El País divulgou pesquisa no ano de 2001,
realizada pelo Centro de Pesquisas Sociológicas, que apontava um percentual de 48,6% de
intolerância aos imigrantes na Espanha. No dia 21 de outubro de 2007 o mesmo jornal
publicou uma pesquisa que mostra que a migração está entre as maiores preocupações citadas
pelos os espanhóis, ficando atrás do desemprego e da moradia, e estando a frente da apreensão
ante o grupo separatista basco ETA.8 Provavelmente, tal situação reflete o fato da Espanha ser
um dos países que mais recebem imigrantes legais e clandestinos na Europa, tanto por haver
7 Em 2005 a França passou por uma onda de violência impulsionada por jovens descendentes de imigrantes que
não se julgavam integrados na sociedade em que viviam. Para maiores detalhes verificar reportagens:
PERIFERIA francesa sobre com desemprego e marginalizaçao. Folha Online, São Paulo, 08 nov. 2005.
Disponível em www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u89358.shtml, acesso em 17 fev. 2007 e EIXO do
poder da Europa, frança enfrenta imigração e crise social. Folha Online, São Paulo, 08 nov. 2005. Disponível
em http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u89359.shtml, acesso em 09 jun. 2007. 8 Fonte: PARO, vivienda e inmigración preocupan más que eta. El País, Madrid, 12 out. 2007. Disponível em
www.elpais.com/articulo/espana/Paro/vivienda/inmigracion/preocupan/ETA/elpepuesp/20071012elpepinac_13/
Tes, acesso em 16 out. 2007.
13
relações de proximidade cultural com suas antigas colônias, bem como por esta estar bastante
próxima do continente africano.
A intolerância contra estrangeiros acarreta casos de violência em diversas localidades.
Na Rússia, a organização de direitos humanos Sová estima que há cerca de 70 mil integrantes
de movimentos extremistas de oposição aos imigrantes e que os casos de assassinato por
xenofobia são crescentes no país.9 Tais acontecimentos são exemplos do que a Agência
Européia para os Direitos Fundamentais constatou: há “uma tendência crescente de delitos
relacionados ao racismo entre 2000 e 2006”, cuja evidência é maior na França, Alemanha,
Dinamarca, Irlanda, Polônia, Finlândia e Reino Unido.10
Outros problemas graves relacionados às migrações internacionais são o tráfico e
contrabando de seres humanos. A organização Anti-Slavery International ressalta que o
tráfico de pessoas tem aumentado juntamente com a demanda de trabalho imigrante no
mundo, e que embora a maior parte tenha como finalidade a exploração sexual, é comum a
existência de exploração em serviços domésticos, agrícolas e industriais. A organização
observa ainda que as vítimas do tráfico procuram entrar legalmente nos países, porém sofrem
retenção dos passaportes no território estrangeiro como medida coercitiva e, quando são
descobertos pelas autoridades, acabam sendo tratados como estrangeiros ilegais.11
Porém, mesmo quando os imigrantes não estão em situação de escravidão, as
condições de trabalho e integração que encontram no destino não são ideais. Uma grande
parte do contingente de pessoas que se desloca para os países desenvolvidos, em busca de
maiores ganhos financeiros, aceita empregos cujas condições laborais são desfavoráveis: as
jornadas de trabalho são grandes e não há segurança ou estabilidade. Além disto, os
imigrantes, em especial os que se encontram em situação irregular no país de destino,
tampouco possuem qualquer tipo de proteção trabalhista ou benefícios. Decorrente desta
condição, eles são muitas vezes tratados como mão-de-obra descartável, visto que há uma
facilidade para sua dispensa decorrente da falta de benefícios e garantias sociais. Isto tem
9 Fontes: SKINHEADS matam siberiano com taco de beisebol em moscou. Folha Online, São Paulo, 20 out.
2007. Disponível em: www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u338349.shtml, acesso em 20 out. 2007 e
ESTUDANTE russo confessa que matou 37 por xenofobia. Folha Online, São Paulo, 28 maio 2007. Disponível
em: www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u300164.shtml, acesso em 20 out. 2007. 10 Fonte: RELATÓRIO indica que crimes ligados ao racismo aumentam na europa. Folha Online, São Paulo, 27
ago. 2007. Disponível em: www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u323464.shtml, acesso em 20 out. 2007. 11 Uma reportagem do Valor Econômico, citada pela Revista Consciência.net no endereço eletrônico
www.consciencia.net/2003/08/23/movimento.html, acesso em: 11 jun. 2007, informa que os Estados Unidos
estima que 10 bilhões de dólares são movimentados anualmente com o tráfico humano; e “a CIA estima que pelo
menos 700 mil pessoas são traficadas entre países a cada ano” (apud CARDOSO, 2002). Já a Organização
Internacional para Migrações (OIM), divulgou que uma em cada seis vítimas do tráfico é brasileira e, em sua
maioria, trata-se de mulheres de 15 a 25 anos. (fonte: www.un.org/av/radio/portuguese/story.asp?NewsID=1232,
acesso em: 16 fev. 2007.).
14
acontecido nos Estados Unidos durante a gestão George W. Bush, onde muitos trabalhadores
que foram estimulados a imigrar anteriormente para o país perderam seus empregos quando
estes deixaram de ser úteis na economia local.
No Brasil, o Centro de Apoio ao Migrante, ligado a Confederação Nacional de Bispos
do Brasil (CNBB), estima que há mais de 50 mil migrantes bolivianos alocados em indústrias
de confecções na região de São Paulo em condição de escravidão ou de semi-escravidão.
Porém os próprios migrantes relataram que não se sentem escravos, e justificam a realização
das longas jornadas de trabalho pela diferença do salário que recebem no Brasil com o que
ganhavam na Bolívia. Ou seja, neste caso, assim como em outros, os imigrantes se sujeitam às
difíceis condições de trabalho para poder enviar parte do salário para a família que ficou na
terra natal e julgam estar recebendo benefícios com a migração.
Por outro lado, observou-se na pesquisa um aumento do incentivo a migração de mão-
de-obra qualificada. O perfil dos trabalhadores alocados neste tipo de demanda consiste em
jovens com títulos de mestrado, graduados em boas universidades e que buscam salários
superiores aos disponíveis em seus países. Esta forma de migração, apesar de geralmente ser
benéfica para o migrante e para o país que o recebe, traz conseqüências negativas para os
países de origem, uma que vez acarreta na perda de capital humano. Ou seja, muitos Estados
que aplicam recursos públicos na formação de profissionais qualificados terminam perdendo
estes trabalhadores para outros países que os atraem, e que não precisaram investir na
formação dos mesmos. A partir disto, hipóteses como a que argumenta que a exportação de
profissionais habilitados “prejudicará mais os que forem deixados para trás em seus países de
origem que a exportação de pessoal sem qualificação profissional”12
, são apresentadas.
Encontramos exemplos deste acontecimento em países como a Austrália, o Canadá e a Nova
Zelândia, cujos governos lançam constantemente programas de incentivo à migração
qualificada.
No entanto, apesar de muitos países estimularem a migração controlada e admitirem a
importância dos estrangeiros para diversos setores da economia, grande parte dos governos
reluta em conceder cidadania e direitos políticos aos não-nacionais. Isso ocorre porque é
freqüente o receio da perda de valores e da identidade nacional, bem como do fortalecimento,
dentro dos territórios, de estruturas culturais, religiosas, econômicas e políticas que possam
desestabilizar o status quo da sociedade local. Assim, por mais que haja exemplos na História
em que migrantes tiveram o direito de legislar, manter suas tradições e serem empreendedores
12 A HUMANIDADE em movimento. Valor Econômico, 15 ago. 2003. Disponível em www.consciencia.net/2003/08/23/movimento.html, acesso em: 12 ago. 2007.
15
no território de destino, como assinala Huberman na obra História da Riqueza dos EUA,
cada vez mais é negado o papel político aos imigrantes.
Contudo, há um contraste entre a posição de discriminação política dos estrangeiros e
a importância que os mesmos vêm adquirindo em diversos países. Nas últimas eleições de
países importantes no cenário internacional, como Estados Unidos e França, a discussão sobre
as migrações foi intensa. Os debates realizados difundiram, dentre outras informações, o peso
que os imigrantes possuem nos processos eleitorais dos últimos anos. O caso mais evidente é
o dos Estados Unidos, onde George W. Bush teve, no pleito de 2000, um terço dos votos
provindos de latino-americanos (CARDOSO, 2002, p. 117).
Os problemas existentes sobre a questão da mobilidade humana no campo político
acarretam diversas perspectivas e leituras, que emergiram nos últimos anos juntamente com
os debates que relacionam as migrações internacionais ao terrorismo e ao meio ambiente.
Com o advento dos ataques de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos, alguns governos
passaram a adotar políticas de migração mais rígidas, que afetaram até mesmo o controle das
migrações temporárias para turismo e, principalmente, os processos de anistia para os
ilegais.13
No mesmo sentido, com a crescente discussão acerca da degradação ambiental e do
aquecimento global e suas conseqüências, foram publicados relatórios que prevêem o
aumento das migrações forçadas devido as transformações ambientais. O jornal Folha Online
(26/10/2006) divulgou informação da Convenção da ONU para a Luta contra a Desertificação
que aponta que 900 mil pessoas emigram anualmente devido à desertificação.14
Se as
previsões negativas dos cientistas sobre a questão do aquecimento global se confirmarem e as
migrações internacionais forem ainda mais intensificadas, problemas humanitários e conflitos
étnicos podem emergir com grande força.
Como pode-se perceber, a questão da mobilidade populacional implica em discussões
sobre diferentes problemas que se relacionam diretamente com o fenômeno. Por isto, a busca
pela solução dos efeitos negativos merece atenção de acordo com as peculiaridades que cada
caso possui.
13 Sobre este debate é instrutivo o artigo International Migration And Terrorism: Prevention, Prosecution
And Protection, disponível em: http://migration.ucdavis.edu/rs/more.php?id=148_0_1_0 14
Fonte: QUASE 900 mil pessoas emigram anualmente devido à desertificação. Folha Online, São Paulo, 26
out. 2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u15432.shtml, acesso em: 16 fev.
2007
16
3.2 OS EFEITOS POSITIVOS DAS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS
Embora seja inegável que os fluxos migratórios gerem conseqüências negativas para
alguns aspectos das sociedades, há um movimento que busca apontar para os benefícios
trazidos pelo fenômeno da mobilidade populacional. Esta perspectiva é relativamente recente,
mas importante para os que buscam a compreensão da questão e também para a orientação
mais coerente das políticas públicas sobre as migrações.
Em discurso sobre as migrações internacionais, intitulado Razões pelas quais o nosso
mundo precisa gerir melhor as migrações, o então Secretário-Geral das Nações Unidas
Kofi A. Annan afirmou que “os imigrantes fazem parte da solução, não do problema”. Ele
ressaltou que, dentre outros aspectos positivos, a reposição via imigração da população de
países com baixa taxa de crescimento se torna necessária. Neste sentido, Annan observa que
os migrantes são importantes para os países, em especial os da União Européia, e conclui que
“uma Europa fechada seria mais egoísta, mais pobre, mais fraca e mais velha”. 15
De fato, o
Velho Mundo, continente que no passado enviou mais de 50 milhões de imigrantes para o
mundo, hoje necessita de mão-de-obra estrangeira principalmente em decorrência das
transformações demográficas por que tem passado. O principal desafio no continente se dá
pelo envelhecimento da população, que ocorreu em conseqüência das baixas taxas de
natalidade, e deixa os europeus dependentes do trabalho estrangeiro. Assim, a mão-de-obra
não-nacional surge como alternativa para reduzir ou mesmo solucionar a escassez de
trabalhadores locais.
Portanto, pode-se afirmar que a migração pode trazer melhorias para os países que
possuem crescimento populacional baixo, e ao mesmo tempo contribuir também para
movimentar a economia em escala mundial. Segundo relatório do Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), as migrações internacionais podem fazer com que
o PIB mundial cresça 0,6% nos próximos 20 anos. 16
Os fluxos migratórios também desempenham uma função cada vez mais relevante
para as economias locais, uma vez que muitos imigrantes enviam parte de seus ganhos para a
família que permanece no país de origem. Tais remessas chegam muitas vezes a valores
expressivos, como ocorre com a Índia e o México, que receberam 11,6 e 56,6 bilhões de
dólares, respectivamente, no ano de 2000. Em alguns casos, as remessas fazem parte
15 Fonte: www.un.org/spanish/Depts/dpi/portugues/mensagem_sg_migra.html, acesso em: 15 out. 2007. 16
Fonte: MIGRAÇÃO pode aumentar PIB mundial em 0,6%, diz BIRD. BBC Brasil, São Paulo, 16 nov. 2005.
Disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2005/11/051116_denizemigracao.shtml,
acesso em 03 maio 2007.
17
significativa no Produto Interno Bruto, como acontece em países como a Jordânia, Iêmen e El
Salvador, por exemplo, que receberam de seus emigrantes em 2000 o equivalente a 21,8%,
13,6% e 13,3% do total do PIB. 17
Por outro lado, há estudos que diagnosticam que os países de destino dos migrantes
também são beneficiados, o que contraria as críticas tradicionalmente formuladas aos
imigrantes. Segundo o Ministério do Interior do Reino Unido, os imigrantes possuem salários
mais elevados que os britânicos, uma vez que se sujeitam a jornadas de trabalho maiores. E
esta diferença faz com que a contribuição dos estrangeiros para a receita do governo seja
maior do que a dos nacionais. Nos anos de 2003 e 2004, os imigrantes contribuíram com 10%
da receita e consumiram 9,1% dos gastos, ou seja, geraram mais riqueza do que demandaram.
O estudo aponta ainda para outra característica positiva dos estrangeiros, que “são em alguns
casos mais confiáveis, dedicados e qualificados que seus colegas nativos.” 18
Os benefícios que os deslocamentos infra-fronteiras produzem não se resumem
portanto aos efeitos econômicos. Os ganhos gerados vão desde a flexibilização da mão-de-
obra e da transferência de renda em nível mundial, até aspectos como o intercâmbio de
culturas, a ampliação do conhecimento de diferentes sociedades, técnicas e valores, bem como
o desenvolvimento pessoal dos próprios indivíduos que deixam suas terras para conhecer e
aprender diferentes formas de ver e lidar com o mundo.
4 A IMPORTÂNCIA DA QUESTÃO MIGRATÓRIA NAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
Como visto, existem diversas abordagens teóricas que buscam dar conta das causas
dos deslocamentos humanos e também evidências significativas para assinalar que, de fato, as
migrações internacionais são um fenômeno que vem sendo discutido no âmbito acadêmico e
social e que podem afetar o sistema internacional. Ou seja, é possível considerá-las como um
tema relevante nas relações internacionais atuais, pois ao mesmo tempo em que refletem as
17 Fonte: A HUMANIDADE em movimento. Valor Econômico, 15 ago. 2003. Disponível em www.consciencia.net/2003/08/23/movimento.html, acesso em: 12 ago. 2007. 18 Fonte: IMIGRANTES ganham mais que britânicos, diz estudo oficial. Folha online, São Paulo, 17 out. 2007,
disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u337525.shtml, acesso em 20 out. 2007
18
forças existentes também são um agente capaz de modificar as estruturas dos países.19
Além
disto, observou-se que estas interferências podem ocorrer em diferentes níveis, que vão desde
alterações da política nacional de determinados Estados e o debate intenso em diversas
sociedades até aspectos econômicos, como a transferência de renda para países em
desenvolvimento, e intercâmbios culturais.
Mas até que ponto estes acontecimentos são debatidos e abordados pela ciência das
Relações Internacionais? Estariam elas dando conta deste novo tema e suas diversas facetas?
Já vimos que as Ciências Sociais, Históricas, Jurídicas e Geográficas possuem áreas que
cuidam especificamente das questões relativas às migrações internacionais. Porém, nas
Relações Internacionais o debate sobre este evento ainda não parece ter delimitação precisa,
ou mesmo estar suficientemente desenvolvido.
Para examinar qual é o nível de discussão existente na área das Relações
Internacionais sobre a questão das migrações internacionais e analisar a forma com que a
mesma abarca o assunto, realizou-se uma pesquisa em diferentes manuais de Teoria das
Relações Internacionais a fim de identificar a ocorrência de debates sobre as migrações
internacionais e, então, esclarecer qual é o lugar dado a elas neste campo do conhecimento.
O critério para a escolha do material para esta etapa da pesquisa foi a disponibilidade
de obras na Biblioteca do Campus de São José da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)
que possuem a característica de serem manuais de Relações Internacionais, isto é, guias de
introdução às Relações internacionais, que abordam de forma sistemática, mas breve, os
principais conteúdos debatidos na disciplina.
4.1 A QUESTÃO DAS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS NOS MANUAIS DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Na investigação sobre a ocorrência de discussões acerca das migrações internacionais
verificou-se que boa quantidade das obras de introdução às Relações Internacionais não
aborda a questão dentre os temas expostos. Ao mesmo tempo, a pesquisa também constatou
que alguns autores vêm trabalhando a questão, embora a tratem como um tema emergente na
disciplina. Apresenta-se a seguir os resultados da pesquisa, elencando-se inicialmente as obras
19 O que seria da construção de países como os Estados Unidos da América, Argentina, Brasil, Austrália e
mesmo a Grécia Antiga sem a contribuição dos imigrantes? Os estrangeiros que imigraram para estes Estados
contribuíram muito para o desenvolvimento local, seja através do intercâmbio cultural, de habilidades técnicas
ou mesmo pelo espírito empreendedor.
19
que não abordam a questão dos movimentos migratórios populacionais e, depois, as que
expõem, debatem ou comentam algum aspecto relacionado diretamente ao assunto.
A obra Introdução às relações internacionais: teoria e abordagens, de R. H.
Jackson & G. Sorensen, cuja primeira edição data de 2002, se propõe a analisar os temas
clássicos e também os recentes das Relações Internacionais. Nela encontramos um capítulo
inteiro dedicado para as “novas questões de RI”, cujos temas destacados são: meio ambiente,
gênero, soberania e as mudanças na condição do Estado e os novos desafios de segurança.
Porém, a questão da mobilidade humana não é citada pelos autores neste contexto.
O livro The Globalization of World Politics, de Baylis & Smith, é bastante completo
e abarca diversos assuntos relativos às Relações Internacionais. Entretanto, apesar da elevada
gama de temas versados pelos autores, assuntos relativos à demografia, população e migração
não são objetos de estudo da obra.
O volume Relações Internacionais da coleção Passo-a-Passo, escrito pelo professor
Williams da Silva Gonçalves, tem como objetivo chamar atenção para a importância do
estudo das Relações Internacionais no cenário atual. Possui um capítulo que discute as
questões internacionais atuais, onde são destacados os processos de integração e blocos
regionais, os direitos humanos e também o meio ambiente. Mas questões referentes às
migrações internacionais não são examinadas pelo autor.
O trabalho de Demétrio Magnoli intitulado Relações internacionais: teoria e história
tem como foco principal a exposição das teorias e conceitos das Relações Internacionais. A
nova agenda internacional é discutida em uma sessão do texto, onde a questão da ecologia é
destacada. Porém, a despeito de Magnoli abarcar temas recentes das Relações Internacionais,
não aborda o tema da mobilidade humana nesta obra.
Em Introdução às Relações Internacionais também não há referências às questões
migratórias. No livro, Larrañaga ocupa-se de assuntos políticos e filosóficos relacionados às
Relações Internacionais. Expõe as teorias da área, e também dedica parte de sua obra aos
temas de Política Externa, sem no entanto falar de assuntos populacionais ou demográficos.
Nogueira & Messari, em Teoria das Relações Internacionais, também debatem as
escolas de pensamento e teorias das Relações Internacionais e apresentam um elenco de novos
temas da área, porém não dissertam sobre a questão da mobilidade humana no cenário
internacional.
O livro Relações Internacionais Contemporâneas: a ordem mundial depois da
Guerra Fria, de Guilhon Albuquerque, se propõe a tratar da dinâmica das Relações
Internacionais contemporâneas de forma simplificada e clara, porém, rigorosa. Na obra há
20
uma sessão dedicada aos “novos atores e novas questões” da agenda global, onde são citados
o crime organizado internacional, os movimentos guerrilheiros, terroristas, étnico-
nacionalistas e as ONGs radicais como seus principais temas. Embora o Albuquerque fale de
assuntos que se relacionam às migrações internacionais, como o terrorismo e o nacionalismo
por exemplo, a questão em si não é abordada na obra.
Gilberto Sarfati escreve Teoria de Relações Internacionais a partir do argumento que
as Relações Internacionais constituem-se um campo científico independente dos demais, e
expõe os paradigmas, teorias, tradições e questões clássicas como a guerra e a cooperação.
Neste livro verificou-se que o autor também não discute o fenômeno das migrações
internacionais.
Já a obra intitulada Relações Internacionais, de Strenger & Wendzel, aborda as
Relações Internacionais de modo metódico, com foco as questões jurídicas relativas à área.
Dentre os elementos apresentados no texto não encontrou-se discussões sobre os fluxos de
mobilidade humana.
Em outro livro de Wendzel também intitulado Relações Internacionais, o autor chega
a tratar do tema das populações, e as classifica como um componente importante da
capacidade estatal. Ou seja, para este autor a variável demográfica é um componente
importante do poder ou capacidade dos estados quando manifestam sua inserção
internacional. O autor analisa aspectos como número de habitantes, proporção entre elementos
produtivos e não produtivos, nível educacional e distribuição no território. Mas, observou-se
que o autor não relaciona estas variáveis em momento algum com a questão migratória. Com
isso mostra que a variável básica de análise é ainda estatocêntrica e que, por esta perspectiva,
a população e suas variáveis são vistas como dependentes diretas dos interesses estatais.
Odete Maria de Oliveira em Relações Internacionais: estudos de introdução realiza
um estudo teórico-metodológico das Relações Internacionais. Expõe também a problemática
dos paradigmas desta ciência e os aspectos de seu objeto, isto é, a sociedade internacional e
seus atores. Discussões sobre os movimentos demográficos não foram encontrados na
pesquisa deste texto.
Já Cristina S. Pecequilo, em Introdução às relações internacionais: temas, atores e
visões (2004), discorre acerca do fator demográfico e o caracteriza como um elemento
indispensável para a existência da sociedade, pertencente à categoria de hard power, sendo,
portanto, um elemento importante das Relações Internacionais. Neste contexto, a autora tece
algumas considerações sobre o deslocamento populacional entre países. Assinala que as
migrações são incentivadas principalmente por razões sociais ou políticas, em especial pelo
21
despovoamento e envelhecimento da população de certos países que necessitam mão-de-obra
externa. E argumenta que há diferenças entre as migrações passadas e as atuais, pois o
processo de assimilação é difícil e “o imigrante é aceito como um peso para o funcionamento
da sociedade, ainda que necessário para o seu dinamismo” (p. 96).
No capítulo reservado para o “Debate atual e os novos temas das Relações
Internacionais”, que se subdivide em “O fim da história e o choque de civilizações”, “As
alternativas de esquerda e os novos temas” e “Transformações e questionamentos”,
encontramos outras breves mas relevantes menções sobre o tema das migrações
internacionais. No debate sobre as operações criminosas e ilegais existentes a nível
internacional, os fluxos migratórios aparecem como problema pela grande quantidade de
aliciamentos de estrangeiros que acabam trabalhando em subempregos, no tráfico de drogas
ou mesmo na prostituição (p. 209). Em outro momento, anexo ao tópico sobre as conferências
internacionais da ONU, Pecequilo cita a Conferência sobre População e Desenvolvimento
(Cairo, 1994), e nota que nela se destacou “a interligação entre esta dimensão humana e o
processo dentro do meio ambiente, além de discussões sobre reprodução e condições de vida
(as migrações não foram abordadas, assim como até hoje não são adequadamente
discutidas)” (2004, p. 196. grifo do autor), deixando exposta sua posição quanto ao
tratamento dado à questão da mobilidade atualmente.
Viotti & Kauppi, por sua vez, abordam as migrações internacionais na obra
International relations and world politics: security, economy, identity em duas ocasiões.
No capítulo intitulado “Humanitarianism: Human rights and refuges”, onde o tema dos
movimentos populacionais aparece inter-relacionado ao dos refugiados. Para os autores, o
número maciço das migrações tem aumentado as estatísticas dos refugiados que buscam asilo
das variadas formas de opressão política, econômica e social ou fogem de desastres
ambientais. Eles observam também que a problemática migratória vem aumentando de
complexidade, pois a questão desafia até mesmo os países que historicamente costumam
receber imigrantes. Ainda segundo os autores consultados, as migrações em larga escala
geram pressão nos Governos, que nem sempre recebem refugiados, tanto pelos limites de
absorção existentes quanto pela preocupação com o bem estar de seus nacionais (2007, p.
493). No entanto, os autores argumentam que independentemente dos fatores que causam as
migrações internacionais, a questão da mobilidade e dos refugiados tem se tornado um tópico
corrente de negociações, que conduz a conflitos no cenário devido as diferentes posições dos
atores nacionais, pelo fato de que os movimentos populacionais têm implicações sobre a
soberania, estabilidade e segurança para um número crescente de Estados.
22
Vale observar que nesta obra os refugiados são tratados como uma categoria de
migrante, que se distinguem por terem mudado de país somente por motivos existentes no
território de origem, não havendo atração exercida pelos países de destino como ocorre com
os outros tipos de migrantes.
O tema das migrações internacionais é abordado por Ricardo Seitenfus, em Relações
Internacionais, no subtópico do capítulo “As atuais grandes correntes das Relações
Internacionais”, que trata da globalização. Para o autor, o processo de globalização
impulsiona os fluxos migratórios mas com certas restrições, pois permite-se somente que os
homens se desloquem de forma temporária, como turistas ou trabalhadores sazonais. Para
Seitenfus, as migrações de caráter prolongado são limitadas pelos sistemas nacionais e
internacionais que exigem elementos como comprovação de subsistência, passaportes, vistos
e vínculos com o país de origem que ajudam a controlar a mobilidade (2004, p. 186). Nesta
obra observa-se também que este controle sobre as migrações é estendido à categoria dos
refugiados, visto que o estatuto jurídico de refugiado somente se aplica a circunstâncias
relativas ao desrespeito dos direitos humanos fundamentais e por razões políticas, mas nunca
por problemas econômicos.
Dentre os fluxos migratórios existentes, Seitenfus dá destaque aos do tipo sul-norte,
que ocorre por motivações econômicas, e para o leste-oeste europeu, onde se criou uma
reversa de mão-de-obra com o advento do fim do Bloco Soviético. Além disto, o autor
assinala que a presença dos imigrantes, como os cubanos que foram para a Flórida, é
importante pois “modifica o tecido sócio-cultural e representa um importante grupo de
pressão que age diretamente sobre as Relações Internacionais” (2004, p. 186).
O livro O que são relações internacionais de Gilberto Rodrigues, mesmo sendo uma
obra pouco extensa, também levanta a questão das migrações no tópico que trata dos grandes
temas internacionais. Nele, as migrações internacionais estão inseridas ao lado de outros
assuntos como o comércio internacional, a democracia, o desarmamento e desmilitarização,
meio ambiente e os direitos humanos, por exemplo.
O autor assinala que fatores como “o aumento da interdependência econômica entre os
atores internacionais, as oportunidades de trabalho que oferecem os países desenvolvidos,
num cenário de globalização da economia, os conflitos armados, de natureza interna e
externa, e a dissolução progressiva do mundo comunista” (1994, p. 81) constituem as
principais causas dos movimentos migratórios. Neste contexto, os fluxos sul-norte são
destacados, em especial as migrações de latinos para os Estados Unidos e de africanos e
23
europeus orientais para a União Européia.20
Entretanto, a contribuição que Rodrigues dá para
a discussão do tema populacional e, conseqüentemente, das migrações, é pertinente ao afirmar
que:
Demografia sempre foi um fator dos mais considerados nas estratégias geopolíticas dos
Estados. Quanto maior o poder de deslocamento das populações e o tamanho de seus Exércitos,
maior o poder relativo do Estado. Com o advento da era nuclear (...) o fator populacional havia
perdido sua importância no contexto da Guerra Fria. Porém, em tempos de crescente
interdependência, demógrafos e geógrafos estão tirando a poeira de deus paletós. O fator
populacional voltou a ganhar relevância no alvorecer de um novo cenário internacional (1994, p. 83)
Goldstein & Pevehouse, em International Relations, analisam os elementos
populacionais e demográficos nas Relações Internacionais em alguns momentos do texto e
dedicam uma sessão para as migrações e os refugiados, no capítulo que discorre sobre as
relações entre o Norte e o Sul. Para os autores as migrações são um dos maiores temas
políticos que afetam as relações entre os países mais pobres, origem dos imigrantes, e os
ricos, destino dos mesmos. Ao tratarem dos imigrantes voluntários, que deixam seus países
natais em busca de melhores oportunidades econômicas e de acesso à cultura, Goldstein &
Pevehouse salientam que nenhum Estado é obrigado a permitir que seus nacionais deixem o
país, como também não há lei que impeça os Estados receptores de recusarem a entrada de
imigrantes. Contudo, a despeito desta aparente autonomia e controle sobre os fluxos
populacionais, o texto mostra que há um temor corrente dos fluxos migratórios. Isto ocorre,
pois o contingente de pessoas que migra ilegalmente é grande e porque os processos de
integração, como da União Européia, tornaram mais difícil o controle das fronteiras.21
A obra alerta ainda que há uma distinção no Direito Internacional entre migrantes e
refugiados22
, uma vez que os últimos são as pessoas que fogem de guerras, perseguições
políticas ou desastres naturais, e que os Estados têm obrigação de aceitar quando chegam em
suas fronteiras. Além disto, assegura que a questão dos refugiados tem impactos sobre a
segurança, a economia e a política dos Estados, e cita os problemas relacionados à
perseguição iraquiana aos curdos, os conflitos locais decorrentes dela e a intervenção dos
Estados Unidos na região, juntamente com a problemática existente entre Israel e Palestina e
sua interferência no desenvolvimento da região.
20
Rodrigues aponta também para os casos de migrações forçadas: “em 1992 o Irã abrigava 4.151.700 refugiados
do Afeganistão e do Iraque, a Alemanha abrigava 827.100 refugiados da ex-Iugoslávia, da Romênia e Turquia”
(1994, p. 82). 21
Os autores explicam que o medo da imigração foi uma das razões que fizeram os suíços rejeitarem a entrada
na União Européia (2006, p. 313). 22 Embora admitam que nem sempre esta distinção é facilmente realizada.
24
A visão sobre a importância da questão migratória desta obra, que está inserida no
debate populacional, pode ser resumida pelo que é dito pelos próprios autores: as pressões
exercidas por fatores populacionais não podem ser tidos como os únicos fatores a serem
considerados na explicação dos problemas do mundo. Não obstante, eles contribuem para os
conflitos internacionais sob diversos aspectos e estão exercendo um papel maior nas Relações
Internacionais e também recebendo mais atenção dos acadêmicos da área (2006, p. 306).
Os resultados da pesquisa nos manuais de Relações Internacionais evidenciam as
divergências existentes no tratamento despendido por esta área do conhecimento à questão
dos movimentos migratórios infra-fronteiriços. A ausência de discussões sobre o assunto é
predominante nos exemplares investigados, visto que dentre as 16 obras pesquisadas, 11 não
trazem citações sobre o fenômeno das migrações internacionais, enquanto 5 o debatem,
segundo diferentes contextos e a partir de diversos enfoques.23
Ou seja, constatou-se que a
maior parte dos teóricos não aborda a questão nos debates e exposições presentes em seus
manuais de Relações Internacionais, descartando portanto o tema da seleção dos mais
relevantes para a área. No entanto, a despeito de haver uma maior porcentagem de obras que
não discutem os fluxos migratórios internacionais, verificou-se que os autores que tratam o
assunto chamam atenção para seu crescente mérito na sociedade internacional e também nas
Relações Internacionais.
Diante do exposto não é prudente elaborar uma análise coerente sobre este aspecto.
Contudo, é possível apontar alguns elementos sobre isto. Os autores que deixam de observar a
pertinência desta temática nas Relações Internacionais podem ter dado menos importância ao
assunto em decorrência das posturas de análise adotadas: ao enfocar as questões
internacionais tendo por base da reflexão o âmbito estato-cêntrico, este tema subsume em uma
miríade de questões que dependem das ações e esforços dos Estados para sua resolução. Por
outro lado, os autores que estão inserindo este tema em suas obras podem estar olhando
primeiro para as questões ou problemas que emergem no cenário internacional e, a partir
delas, observar a necessidade de atuação dos atores nacionais.
23 A baixa freqüência de levantamentos de discussões sobre as migrações internacionais na área de Relações
Internacionais foi também corroborada por pesquisa realizada nos periódicos existentes na Biblioteca do Campus
de São José da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Investigou-se nos exemplares de Política Externa a
ocorrência de artigos cujo tema central são os movimentos migratórios e raros estudos sobre o tema foram
publicados na revista.
25
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do levantamento e análise das informações relativas aos movimentos
migratórios internacionais pode-se verificar que tanto os fatos empíricos quanto algumas
teorias acenam para a ascensão do fenômeno no ambiente internacional marcado pela
globalização. As evidências encontradas não são homogêneas e variam de acordo com fatores
como a região enfocada e também pelos pressupostos teóricos adotados pelo observador.
Os elementos que desencadeiam os movimentos populacionais para além das
fronteiras nacionais são diversos e de complexa apreensão. Passam por motivações
individuais e sociais cujas características e intensidades são variadas, podendo pertencer à
ordem econômica, social, cultural, política ou ambiental. Devido a esta pluralidade de causas
e efeitos encontrados nos fluxos migratórios, não é possível realizar uma redução das origens
dos fluxos somente a um determinado aspecto ou leitura, como também não se pode destacar
apenas uma solução para os transtornos a eles vinculados.
Apesar da amplitude do tema e das conseqüentes limitações existentes para a
realização deste estudo, aspectos importantes das migrações internacionais foram desvelados.
Apesar dos problemas patentes que a movimentação humana para além das fronteiras
nacionais acarreta, como os conflitos étnicos, a instabilidade dos migrantes e a interferência
no status quo das sociedades, por exemplo, verificou-se que o fenômeno traz também
implicações bastante positivas, como a transferência de renda, a flexibilização da economia a
nível mundial e o intercâmbio tecnológico e cultural, contribuindo assim para setores
importantes e decisivos do mundo contemporâneo.
No que tange o tratamento despendido à questão migratória pelas Relações
Internacionais, observou-se uma grande disparidade entre as posições adotadas pelos teóricos.
Ao mesmo tempo em que a maior parte dos mesmos não inclui o assunto em suas abordagens
sobre os principais temas da disciplina, outros assinalam para a relevância que o tema adquire
na sociedade internacional contemporânea.
Ademais nota-se que tais estudiosos que discutem o tema o fazem a partir do
paradigma estatocêntrico das Relações Internacionais, pois enfocam com maior veemência as
influências das migrações nos Estados-nação e suas respectivas economias. Esta ênfase dada à
influência sobre os países assinala, por outro lado, o caráter de agente modificador de
importantes aspectos do cenário internacional atual que os fluxos populacionais detêm, e
demonstra com isso sua importância dentro das próprias Relações Internacionais.
26
As divergências entre as constatações realizadas a partir das informações recentemente
noticiadas bem como presentes estudos das demais áreas do conhecimento e a atenção dada
pelas Relações Internacionais às migrações são, a princípio, grandes. Enquanto os primeiros
ressaltam a dimensão que o fenômeno possui no cenário internacional e nos atores dele
participantes, grande parte dos internacionalistas ignora o evento em suas exposições sobre os
grandes temas das Relações Internacionais.
Não cabe aqui especular sobre os motivos da exclusão dos movimentos migratórios
realizada pela maioria dos teóricos em seus manuais. Mas pode-se concluir que,
independentemente das abordagens teóricas existentes nas Relações Internacionais acerca do
tema na atualidade, as migrações internacionais e suas implicações têm emergido no ambiente
internacional com considerável força, atingindo principalmente a configuração das políticas
Estatais. Porém, as migrações não podem ser estudadas de forma isolada e como único
determinante de certos acontecimentos, pois estão relacionadas com uma gama extensa de
temas também presentes na agenda internacional, como o meio ambiente, o desemprego, os
direitos humanos, a democracia, a nacionalidade, o tráfico de seres humanos e a escravidão,
por exemplo.
Ao responder a questão proposta pela pesquisa, observa-se que o tema das migrações
transfonteiriças vem assumindo importância nas Relações Internacionais. Diante deste
aspecto, o estudo deste assunto necessita ser trabalhado a partir das premissas teóricas e dos
conceitos desta disciplina. Portanto, apontadas as causas das migrações, em Relações
Internacionais o tema pode ser estudado observando-se como este afeta as relações de poder,
os processos de cooperação e conflito, os interesses dos diferentes atores internacionais, o
estabelecimento de normas, regras ou instituições para tratar o assunto, entre outras
perspectivas de estudo e/eu análise. Com isto em mente, o internacionalista pode atuar na
questão sob duas perspectivas: no âmbito descritivo, com estudos e analises sobre como o
fenômeno afeta o ambiente ou cenário internacional, e no aspecto aplicado ou normativo,
produzindo avaliações e diagnósticos dos procedimentos e ações para tratar da questão, a
partir da ação dos atores internacionais. Mas, este é o desafio para uma próxima investigação.
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