UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA – UNAMA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
YANA MOURA DE SOUSA
PARCERIA TRISSETORIAL: AÇÕES E INTERAÇÕES EM NÍVEL
LOCAL – A Gestão do Programa Nacional de Óleo de Palma em Concórdia do
Pará
BELÉM – PA
2012
YANA MOURA DE SOUSA
PARCERIA TRISSETORIAL: AÇÕES E INTERAÇÕES EM NÍVEL
LOCAL – A Gestão do Programa Nacional de Óleo de Palma em Concórdia do
Pará
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração – PPAD, da
Universidade da Amazônia – UNAMA, como requisito
para obtenção do título de mestre em Administração,
na linha de pesquisa de Desenvolvimento Sustentável,
sob orientação da Profa. Dra. Ana Maria de
Albuquerque Vasconcellos e coorientação do prof. Dr.
Mário Vasconcellos Sobrinho.
BELÉM – PA
2012
YANA MOURA DE SOUSA
PARCERIA TRISSETORIAL: AÇÕES E INTERAÇÕES EM NÍVEL
LOCAL – A Gestão do Programa Nacional de Óleo de Palma em Concórdia do
Pará
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Profª. Drª Ana Maria de Albuquerque Vasconcellos
Orientadora
_________________________________________
Prof. Dr. Mário Vasconcellos Sobrinho
Examinador Interno
_________________________________________
Prof. Dr. Gutemberg Armando Diniz Guerra
Examinador externo
_________________________________________
Prof. Dr. Armindo dos Santos de Sousa Teodósio
Examinador externo
Apresentado em: __ / __ / __
Conceito/Nota: ___________
BELÉM – PA
2012
A Deus, em primeiro lugar.
A todos que de alguma forma se sentirem
tocados por este trabalho e à minha querida avó Alecia
Souza Costa (in memorian). Dedico.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida e inspiração divina.
Em especial, à minha mãe, Tânia, que desde criança me incentivou a ir “além do óbvio ululante
que pulula nas mentes humanas”.
Ao meu pai, Sérgio, por sua criação e amor, além de todo o aparato logístico, operacional e
emocional a mim fornecido.
Ao meu irmão Yuri, pelo apoio e transmissão de confiança.
Aos meus outros familiares, minhas fortalezas nos momentos mais difíceis, que me incentivaram
a prosseguir.
Ao meu namorado, Michael, da mesma forma importante, pela compreensão, pelos diálogos
construtivos e pela dose de estímulo necessária.
À Profa. Dra. Ana Vasconcellos, pela imensurável contribuição para meu crescimento
profissional, acadêmico e pessoal.
Ao Prof. Dr. Mário Vasconcellos, pelo dom de revelar novos olhares e perspectivas, por sua
eloquência e paciência.
Aos professores que se destacaram ao lecionarem com competência e motivação: Prof. Dr.
Milton Farias, Prof. Dr. Emílio Arruda Filho, Profa. Dra. Eugênia Cabral, Prof. Dr. Marco
Antônio Lima e Prof. Dr. Fabrício Borges.
Aos amigos da turma de 2011 que contribuíram para minha evolução acadêmica com a harmonia,
debate, discussões e descontrações.
A todos os bolsistas do núcleo socioeconômico, pelo ânimo de todos os dias na busca por
conhecimento.
De modo especial, à Rede de Gestão Social - RGS, pela democratização do conhecimento e
forma de integração que ensina, na prática, como a gestão social pode estar viva em uma rede,
quando esta é consolidada e bem fundamentada; pelas oportunidades de participação em
congressos, encontros e revistas científicas, que trouxeram frutos positivos em via de mão-dupla.
Aos autores inspiradores de meu trabalho, destacando-se: Teodósio, Airton, Rosinha, Patrícia,
Paula, que além de me ensinarem com suas obras, me deram a honra de chamá-los pelo primeiro
nome.
A todos os que contribuíram na elaboração desta dissertação, direta e indiretamente. Muito
obrigada!
Viver é como andar de bicicleta: é preciso
estar em constante movimento para manter o
equilíbrio.
Albert Einstein
RESUMO
Esta dissertação analisa como se estabelecem as ações e interações entre Estado, mercado e
Organizações da Sociedade Civil (OSC), sob a égide da parceria trissetorial, na gestão de um
programa de desenvolvimento local. Particularmente, analisa as ações e interações de atores
sociais na gestão do Programa Nacional do Óleo de Palma (PNOP) no município de Concórdia
do Pará. A pesquisa objetivou (a) identificar as articulações e os desafios de gestão enfrentados
pelos atores sociais envolvidos no PNOP; (b) examinar a influência das ações locais na gestão do
programa; e (c) analisar como se dão as interações para a tomada de decisões coletivas. A
pesquisa alicerçou-se no conceito de parceria trissetorial sob o campo da gestão social.
Metodologicamente a pesquisa foi conduzida sob a abordagem qualitativa e utilizou-se de análise
documental e entrevistas semiestruturadas com secretários e técnicos do governo municipal,
representante da empresa Alpha e com os pequenos agricultores rurais que aderiram ao PNOP.
Os resultados do estudo mostram que: (a) o programa enfrenta desafios geopolíticos, técnicos,
socioeconômicos, interorganizacionais, ambientais e gerenciais e que influenciam nos resultados
do PNOP; (b) as ações locais, sobretudo àquelas lideradas pelas OSCs e do governo municipal,
fazem a empresa Alpha modificar sua relação com os atores sociais locais. Esta relação é baseada
na sobreposição de poder da empresa Alpha sobre os demais atores sociais envolvidos no PNOP
em nível local; e, (c) a tomada de decisão coletiva contribui para a edificação de resultados
positivos na consecução do programa em nível local, sobretudo porque a produção de óleo de
palma não fazia parte da cultura produtiva local. Por fim, o estudo mostra que a parceria
estabelecida pelo PNOP em Concórdia do Pará é mercadocêntrica e que há uma assimetria de
poder entre os partícipes.
Palavras-chave: Parceria Trissetorial; Desenvolvimento Local; Gestão Social; PNOP.
ABSTRACT
This study analyses how has action and interaction been established between state, market and
Civil Society Organisations (CSO) for managing a local development program under the
approach of cross-sector partnership. Particularly, it analyses social actor action and interaction
for managing the Palm Oil National Program (PONP) in the municipality of Concórdia do Pará.
The research aimed (a) to identify articulation and management challenges faced by social actor
involved in the PONP; (b) to examine local action influence on the program managing; and (c) to
analyse how has interaction been established to collective decisions making. The research was
based on the concept of cross-sector partnership under the field of social management.
Methodologically, the research was conducted under a qualitative research analysis and used for
data gathering documental analysis and semi-structured interview with local government staff,
manager from the Alpha Company and small-scale rural producers linked to the PONP. The
results of the research show that (a) the PONP faces geopolitical, technician, socioeconomic,
interorganisational, environmental and management challengers that influence on the PONP
outputs; (b) local actions, particularly those carried out by CSO and municipal government,
influence on the Alpha Company to change its relationships with local social actors. The
relationships are based on the Alpha Company power over other social actor involved in the
PONP at local level; and, (c) collective decision making contributes for building positive outputs
in the program at local level, especially because palm oil production was not part of the local
culture. Finally, the study shows that the partnership built by the PONP in Concórdia do Pará is
market-centred and there is power asymmetry between the social actors involved in the program.
Keywords: Partnership Trissetorial; Local Development; Social Management; PNOP.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Sistemática de metodologia do trabalho. 34
Figura 2 Síntese dos desafios da parceria trissetorial no PNOP, Concórdia do
Pará. 53
54
Figura 3 Dinâmica das relações dos grupos PNOP. 61
Figura 4 Análise de ações locais. 65
Figura 5 Modelos de relações de poder de acordo com a cooperação e ação. 86
Figura 6 Rede de cooperação PNOP em Concórdia do Pará. 91
Figura 7 Relações de poder no processo decisório no primeiro e segundo
momento.
92
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Categorização de desafios da parceria trissetorial 46
Quadro 2 Apresentação dos papéis dos atores sociais do PNOP Concórdia do Pará 49
Quadro 3 Desafios geopolíticos 50
Quadro 4 Desafios técnicos 51
Quadro 5 Desafios das relações interorganizacionais 52
Quadro 6 Desafios ambientais 52
Quadro 7 Desafios socioeconômicos 53
Quadro 8 Pontos frágeis, descrições e resultados obtidos da parceria trissetorial em
Concórdia do Pará
62
Quadro 9 Possibilidades e limites dos atores sociais 80
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Divulgação do PNOP em Concórdia do Pará 70
Gráfico 2 Dificuldades no ingresso do programa 72
Gráfico 3 Produção de outras culturas agrícolas 73
Gráfico 4 Diferenças de culturas agrícolas 74
Gráfico 5 Relações entre agricultores 75
Gráfico 6 Relações nas reuniões do PNOP 76
Gráfico 7 Participação do sindicato 77
Gráfico 8 Relações contratuais 78
LISTA DE SIGLAS
ATER Assistência Técnica e Extensão Rural
BASA Banco da Amazônia
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
DAP Declaração de Aptidão ao PRONAF
DFDA Delegacia Federal do Desenvolvimento Agrário
EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FETAGRI Federação de Trabalhadores na Agricultultura
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDESP Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
SAF Secretaria de Agricultura Familiar
SciELO Scientific Electronic Library Online
SAGRI Secretaria de Estado de Agricultura
SEMAGRI Secretaria Municipal de Agricultura
SEMMA Secretaria Municipal de Meio Ambiente
ONG Organização Não Governamental
OSC Organização da Sociedade Civil
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MMA Ministério do Meio Ambiente
MME Ministério de Minas e Energia
PNOP Programa Nacional do Óleo de Palma
UNAMA Universidade da Amazônia
ZARC Zoneamento Agroclimático
ZAE Zoneamento Agroecológico
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
1 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA 21
1.1 INTRODUÇÃO 21
1.2 CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA 22
1.3 ESTRUTURAÇÃO DAS IDEIAS E DO ESTUDO 23
1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 26
1.4.1 O caso 26
1.4.2 Seleção da localidade 29
1.4.3 Seleção dos atores locais 30
1.4.4 Coleta e análise de dados 32
1.4.5 Limitações metodológicas 33
1.4.6 Sistematização da metodologia 33
2 DESAFIOS DA PARCERIA TRISSETORIAL PARA O DESENVOLVIMENTO
LOCAL
35
2.1 INTRODUÇÃO 35
2.2 (RE)CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE PARCERIA TRISSETORIAL 36
2.3 DESAFIOS DA PARCERIA TRI-SETORIAL PARA PROMOÇÃO DE
DESENVOLVIMENTO LOCAL
42
2.4 BREVE HISTÓRICO DO PNOP EM CONCÓRDIA DO PARÁ 47
2.5 ANÁLISE DOS DESAFIOS DA PARCERIA TRISSETORIAL EM CONCÓRDIA
DO PARÁ
49
2.6 CONCLUSÕES PARCIAIS 54
3 AÇÕES LOCAIS NA GESTÃO DE PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO
LOCAL: LIMITES E POSSIBILIDADES
57
3.1 INTRODUÇÃO 57
3.2 A GESTÃO SOCIAL COMO PROCESSO GERENCIAL NA DINÂMICA DE
AÇÕES LOCAIS
58
3.2.1 Contextualização da gestão social no cenário brasileiro 59
3.2.2 Os pilares da gestão social 59
3.3 AS AÇÕES LOCAIS NO PNOP EM CONCÓRDIA DO PARÁ 60
3.4 ANÁLISE DAS AÇÕES LOCAIS COMO PROPULSORAS DA EMANCIPAÇÃO
DO HOMEM: LIMITES E POSSIBILIDADES
65
3.5 CONCLUSÕES PARCIAIS 81
4 INTERAÇÃO ENTRE ATORES SOCIAIS EM PROGRAMAS DE
DESENVOLVIMENTO LOCAL
83
4.1 INTRODUÇÃO 83
4.2 A GESTÃO SOCIAL ENQUANTO INSTRUMENTO PARA ALCANCE DE
RESULTADOS COLETIVOS
84
4.3 RELAÇÕES DE PODER, AÇÃO E COOPERAÇÃO 84
4.4 ETAPAS DO PROCESSO DECISÓRIO 87
4.5 OS ATORES LOCAIS ENVOLVIDOS NO PROGRAMA 88
4.6 AÇÕES E COOPERAÇÃO NO PROCESSO DECISÓRIO 91
4.7 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS 96
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 98
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 100
APÊNDICE A - ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA 111
ANEXO - EXEMPLOS DE CATEGORIZAÇÃO E ANCORAGEM (SOFTWARE
QUALIQUANTISOFT)
112
14
INTRODUÇÃO
O presente estudo analisa a gestão de um programa que assume o pressuposto de
desenvolvimento local por meio de ações que envolvem o Estado, mercado e Organizações da
Sociedade Civil (OSCs). Aborda a parceria trissetorial, para a compreensão da relação das
organizações, por via de suas ações1 e interações
2 locais.
Parte-se do entendimento que a ciência administrativa, sendo uma ciência social aplicada,
deve ter um construto científico com especialidades que ultrapassam fronteiras disciplinares
tradicionais (ciências sociais, econômicas e políticas), na esperança de prover visões de uma
ciência mais unificada, independente dos consensos e dissensos imperantes. Embora, a
fragmentação da ciência administrativa tenha oportunizado discussões de linguagem comum
provinda de cada ciência, aqui se entende que o momento é de aproximação dos olhares
disciplinares sobre entes sociais do Estado, mercado e OSCs, de forma a superar problemas de
gestão da condução de programas de desenvolvimento local (ALVESSON; DEETZ, 2010;
BURRELL, 2010).
A escolha da temática deve-se à conformação das políticas de desenvolvimento local na
literatura sob duas perspectivas analíticas, as quais preconizam formas de engendrar melhores
ambientes na busca pelo desenvolvimento local (CABUGUEIRA, 2000; COSTA, 2011;
CANÇADO et al, 2011; TEODÓSIO, 2009a; VASCONCELLOS SOBRINHO e
VASCONCELLOS, 2010).
A primeira perspectiva debruça-se sobre a descentralização das ações públicas sob o
controle de um único agente do desenvolvimento, que outrora fora o Estado. Esta perspectiva
busca ressignificar os espaços públicos e privados e engendrar redes intersetoriais, que englobam
componentes do Estado, mercado e OSCs (TEODÓSIO, 2009a; CANÇADO; TENORIO;
1 Ações locais neste trabalho referem-se às medidas “individuais” tomadas pelos grupos de atores sociais da
localidade (pequenos agricultores rurais, sindicatos locais, associações, cooperativas, secretaria da agricultura,
secretaria de meio ambiente, prefeitura, etc.), como reflexo às mudanças sociais ocasionadas pela implantação de
um programa que interfere no cotidiano destes atores. 2 As interações locais, por sua vez, referem-se ao entrelaçamento das ações dos grupos de atores locais (pequenos
agricultores rurais, sindicatos locais, associações, cooperativas, secretaria da agricultura, secretaria de meio
ambiente, prefeitura, etc.), a partir do relacionamento entre si, no que tange à participação do programa de
interferência do cotidiano coletivo.
15
PEREIRA, 2011), resultado do avanço democrático para o desenvolvimento territorial
(FLORISBELO; GUIJT, 2004).
A segunda perspectiva diz respeito às especificidades das localidades. O local apresenta
diferentes condições e potencialidades, o que requer ações condizentes com o conhecimento
local, isto é, respeito ao patrimônio histórico e cultural do sistema produtivo local. Com tal
característica, as estratégias, mesmo que bem planejadas para atender às demandas globais, são
construídas levando em consideração elementos locais de ordem econômica, ambiental, infra-
estrutural, cultural, política e institucional. (CABUGUEIRA, 2000; COSTA, 2011;
VASCONCELLOS SOBRINHO e VASCONCELLOS, 2010).
As duas perspectivas não se anulam, ao contrário, se entrelaçam. No entanto, as análises
realizadas no âmbito teórico, mesmo que tenham suas projeções em primeira instância pautadas
na prática de políticas públicas para o desenvolvimento local, continuam apresentando lacunas
teóricas e empíricas sobre a inclusão da localidade no processo de articulações entre três setores
da sociedade. As análises até então realizadas na ciência administrativa têm oferecido pouco
entendimento sobre as ações locais e as interações coletivas entre os agentes que buscam o
desenvolvimento local. Uma questão que emerge é: as ações locais e as interações coletivas entre
agentes do Estado, mercado e OSC se traduzem em resultados positivos para a localidade a qual
se propõe a desenvolver?
Para Alvesson e Deetz (2010), o cenário, onde as pessoas e relações sociais são díspares é
preenchido com opacidades, contradições e supressões de conflitos. Além disso, estudar as
pessoas tornam-se construtos não essenciais, pois apenas os conceitos de contradições, conflitos e
poder proporcionam as ferramentas historicamente específicas para encontrar os discursos
destoantes capazes de alcançar o real cenário das ações e interações.
Uma das formas de se discutir as ações e interações locais e sua importância é a análise
sócio-histórico-política do construtivismo, que tem se alicerçado sobre a teoria da gestão social.
Esta teoria traz como princípio o processo gerencial dialógico entre Estado, setor privado e
sociedade civil (CANÇADO; TENORIO; PEREIRA, 2011), em busca de equilíbrio entre os
agentes nos pilares que representam a transparência, diálogo, democracia e cidadania (MAIA,
2005; CANÇADO; TENORIO; PEREIRA, 2011), tidos como aspectos tidos como fundamentais
de desenvolvimento local.
16
Assim, a gestão tratada aqui sobrevém àquela discutida em um viés apenas estratégico3.
Para Fischer (2002, p. 16), a gestão é “um ato relacional que se estabelece entre pessoas, em
espaços e tempos relativamente delimitados, objetivando realizações e expressando interesses de
indivíduos, grupos e coletividade”.
Desta forma, a gestão abrange a questão do conhecimento local por meio de uma rede e
de aprendizagem interativa, entendido como conhecimento baseado em capital social (CASAS,
2003). O capital social, por sua vez, pode ser entendido como conjunto de recursos simbólicos
(tangíveis ou intangíveis), cuja apropriação causa influência no destino da comunidade
(ABRAMOVAY, 2000).
Embora haja a contraposição ao viés da gestão estratégica, a compreensão da gestão social
é perpassada por confluências estratégias para o alcance de objetivos coletivos. Esta instância de
compreensão entende que quando se realiza inclusão coletiva, exigem-se mudanças nos processos
efetivos de tomada de decisão em grupo, que devem priorizar, segundo Carrion e Calou (2008),
dois grandes objetivos: reduzir as desigualdades e reequilibrar o ambiente.
Para Teodósio (2008), a efetividade da tomada de decisão coletiva está diretamente
relacionada à liberdade de opinião, de forma não coercitiva, e entendimento recíproco sobre a
opinião revelada. Neste sentido, Weber (1984) mostra que o processo de tomada de decisão
requer um entendimento da relação de poder em que está circunscrita a coletividade em questão
para entender as desigualdades e desequilíbrios do ambiente. Assim, compreende-se que ações
locais e a estrutura de poder entre os atores são importantes para a gestão social em políticas de
desenvolvimento local, mais precisamente no processo decisório no que tange a programas de
desenvolvimento local.
Por um lado, os desafios proliferam de maneira incontida, diante de um cenário de
articulações entre atores (do mercado, estado e sociedade) que antes não compartilhavam dos
mesmos interesses, embora convergentes em relação à pressão de demandas da sociedade por
uma estrutura social e econômica mais solidária. Por outro lado, as contradições entre esferas
nacionais, locais e globais também se confrontam perante os ditames capitalistas. E, ainda, diante
do desafio do alcance equilibrado das dimensões social, ambiental e econômica.
3 Quando se refere ao viés estratégico – leia-se gestão estratégica – definida por Wright, Kroll e Parnell (2000, p. 24)
como “processo sistemático, planejado e executado sob liderança da alta administracão com finalidade de
assegurar a continuidade da instituição por meio da contínua adequação de sua estratégia”.
17
Torna-se ainda mais relevante quando o estudo trata de um ambiente como o da Região
Amazônica, que traz em seu bojo, desigualdades e desequilíbrios históricos, delineado, ainda, no
seu processo de ocupação. Tal processo induziu a sociedade local a atender interesses exógenos,
sob um modelo primário-exportador, que resultou em alto custo social e ambiental (COSTA,
2011).
Desta forma, para entender as ações e interações dentro da realidade amazônica na
perspectiva da parceria trissetorial, analisa-se o Programa Nacional do Óleo de Palma (PNOP)
que propõe ações entre Estado, mercado e organização da sociedade civil com foco nas
particularidades da região.
Sendo assim, o trabalho analisa as ações e decisões coletivas na gestão do Programa
Nacional de Óleo de Palma, um programa lançado pelo governo federal com o intuito de
provocar transformações econômicas, sociais e ambientais que, segundo documentos oficiais, são
necessárias e de acordo com o potencial local (SECRETARIA DE AGRICULTURA
FAMILIAR, 2011; MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2011).
O programa estudado ambiciona tornar o Brasil o maior produtor mundial de óleo de palma
nos próximos 14 anos e visa garantir o suprimento de combustível de óleo renovável por meio de
um processo produtivo com a participação de comunidades locais como produtoras do insumo e
participantes do processo gerencial do programa. O Programa assume sete pressupostos básicos:
(1) redução da pobreza, (2) geração de renda e agregação de valor, (3) segurança alimentar e
nutricional, (4) adaptabilidade territorial, (5) participação, (6) território da cidadania e (7) geração
e transferência de conhecimento (SOUSA; VASCONCELLOS; VASCONCELLOS
SOBRINHO, 2012).
Este programa, no entanto, traz contradições explícitas em suas premissas básicas. Ao
mesmo tempo em que propõe adaptabilidade territorial e participação social, possui
características de um programa top down, a exemplo de incentivar um produto que não é próprio
da região amazônica (óleo de palma) para atender um interesse global (biodiesel).
O programa propõe também a inclusão da comunidade produtora, no caso os agricultores
familiares locais, para conformar uma parceria com uma empresa de grande porte do ramo de
18
óleo de palma (empresa Alpha4) e o Estado local
5, que estabelece uma relação, no mínimo,
desequilibrada.
É neste cenário teórico e empírico que se consubstancia o desenvolvimento do trabalho em
questão. Busca-se examinar minuciosa e amplamente o caso para compreender de que forma se
pode contribuir para o entendimento da parceria trissetorial e desenvolvimento local, a partir do
exame de um programa nacional que envolve a região Amazônica. A análise das ações e
interações locais do programa possibilita entender os pressupostos e contradições deste programa
nacional.
Neste caso, a questão central que norteia o estudo é: de que forma a parceria trissetorial nas
ações e interações locais influencia a gestão de programa de desenvolvimento local? Toma-se
como base o Programa Nacional do Óleo de Palma no município de Concórdia do Pará.
A literatura possibilita a definição da hipótese de que a parceria trissetorial influencia as
ações e interações locais de maneira positiva para o processo de desenvolvimento local. Isto
porque, de acordo com Teodósio (2009b), pode implicar uma transformação do Estado em
direção à oferta de políticas públicas menos estadocêntricas, o que é uma das virtudes que a
literatura associa às colaborações público-privadas na gestão social das iniciativas em longo
prazo. Os papéis mostram-se definidos na gestão dos programas, no qual o Estado e atores
empresariais concentram suas ações no financiamento de atividades, ao passo que as OSCs se
encarregam da geração de metodologias de intervenção nos problemas sociais.
No entanto, a análise de Teodósio (2009b) está centrada nas iniciativas de dimensões
globais, presentes nos exemplos de programas que atingem onze países da América Latina. A
literatura (TEODÓSIO, 2009b) não foca em programas que se subscrevem para locais com
histórico de conflitos de poder (VASCONCELLOS SOBRINHO, 2007) entre os agentes
trissetoriais, como recorrente na região amazônica. Neste sentido, Gava (2009) expressa que as
ações de atores sociais de municípios pequenos como agentes complementares sofrem pressões
político-econômicas, que deixam à própria sorte o desenvolvimento do espaço local.
Para responder ao problema da pesquisa e testar a hipótese, buscaram-se as ações e
interações locais que influenciam a gestão de programa de desenvolvimento local, mais
4 O nome da empresa foi alterado como um artifício metodológico de forma a preservar o anonimato da empresa.
5 Quando se refere ao Estado local, neste estudo, se refere ao governo municipal, uma vez que a instância local,
neste caso, se estabelece no município de Concórdia do Pará.
19
especificamente: (a) identificar os desafios existentes nas articulações dos atores sociais
envolvidos no programa de desenvolvimento local; (b) examinar a influência das ações locais na
gestão do programa de desenvolvimento local; e (c) avaliar as interações para tomada de decisão
coletiva e consecução de resultados do programa de desenvolvimento local. Como dito
anteriormente, estes foram examinados com base no PNOP no município de Concórdia do Pará.
A dissertação é composta por seis partes, incluindo esta introdução e as considerações
finais (figura 1). O primeiro capítulo trata do percurso metodológico da pesquisa. Tomou-se a
decisão de iniciar a dissertação dessa forma para possibilitar ao leitor o entendimento do contexto
e construção do trabalho, desde a formulação do problema de pesquisa até os métodos utilizados
para sua investigação. Além disso, justifica-se a utilização de métodos e os critérios para a
seleção da área de estudo e dos atores sociais estudados. Procurou-se assim oferecer base para o
entendimento mais geral dos capítulos posteriores, ao mesmo tempo em que se identificam as
limitações metodológicas da pesquisa, em particular sobre os procedimentos.
O segundo capítulo adentra na discussão por meio de um olhar sobre os conceitos
norteadores da parceria trissetorial. Identificam-se na literatura os desafios que permeiam a
parceria trissetorial e as aplica na análise das ações e interações dos atores sociais do Programa
Nacional do Óleo de Palma em Concórdia do Pará. Também se apresentam os conceitos
fundamentais para o cenário encontrado diante da parceria trissetorial, assim como dos
instrumentos da gestão do desenvolvimento local. Particularmente, discutem-se detalhes do
Programa Nacional de Óleo de Palma no município de Concórdia do Pará, debatem-se os
desafios inerentes às relações entre os atores do programa tripartite e apresenta-se e discute-se um
quadro conceitual-empírico com os seguintes desafios: geopolíticos, técnicos, de relações
interorganizacionais, ambientais, socioeconômicos e gerenciais.
O terceiro capítulo relaciona os desafios da parceria trissetorial – discutidos no capítulo
anterior – às ações realizadas pelos atores sociais dos três segmentos da sociedade com relação a
estes desafios para superá-los, porém dentro de uma perspectiva social. Nesta etapa, examina-se a
influência das ações locais na gestão do Programa Nacional do Óleo de Palma no município de
Concórdia do Pará. Tais ações observadas à luz dos diferentes discursos dos atores sociais,
levando em consideração, também, os estudos da gestão social do PNOP e estudo do histórico da
localidade. Busca-se dessa forma contribuir para a discussão sobre a emancipação do homem por
via de ações locais sob perspectiva da Gestão Social.
20
O quarto capítulo aprofunda a discussão sobre as ações locais, na busca de entender como
estas ações se entrelaçam (interações) na perspectiva de decisão coletiva. Trata-se agora de é
analisar as interações sociais para tomada de decisões coletivas e, assim, desvendar em que
medida esta forma de decisão contribui para a consecução de resultados positivos na gestão do
Programa Nacional do Óleo de Palma. Sob a análise da tomada de decisão coletiva, busca-se
compreender o cenário de poder e contradições que se apresentam dentre interesses coletivos e
individuais presentes nesta gestão.
Por fim, nas considerações que rematam esta pesquisa, demonstra-se o entendimento final
dos cenários da parceria trissetorial analisada, bem como o entendimento do histórico, das ações,
influências e interesses dos atores sociais envolvidos na gestão de políticas públicas para o
desenvolvimento local. Destacam-se as principais percepções da autora sobre parceria
trissetorial, por via da análise da análise das ações e interações em nível local.
21
1 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA
1.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo tem como objetivo nortear o leitor para um melhor entendimento da
construção da pesquisa e estrutura do trabalho. Tão logo se faz necessário um esclarecimento
básico: esta dissertação faz parte do projeto de pesquisa “Redes de Cooperação e Parceria para o
Desenvolvimento Local” do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino
Particulares (PROSUP), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES); especificamente do subprojeto 1, “Parceria trissetorial: o caso do Programa
Nacional de Óleo de Palma (PNOP) no Pará”, sob responsabilidade dos pesquisadores Dra. Ana
Maria Vasconcellos (orientadora), Dr. Mário Vasconcellos Sobrinho (coorientador) e da presente
bolsista e aluna de Mestrado em Administração da Universidade da Amazônia (UNAMA), na
linha de pesquisa de Desenvolvimento Sustentável.
O projeto de mestrado se constitui como norte inicial da pesquisa, uma vez que havia uma
teoria (Parceria trissetorial) e um objeto de estudo (Programa Nacional de Óleo de Palma)
delimitados no projeto. Entretanto, a construção da pesquisa foi realizada em conjunto com a
proponente candidata a mestre e seus orientadores com o desafio de trazer um diferencial para a
dissertação na área das ciências sociais aplicadas, tanto em conteúdo como em estrutura.
Assim, o conteúdo principal da dissertação foi construído sob forma de artigos. Cada
artigo, por sua vez, possui um problema específico de pesquisa e se apropria de uma parte da
teoria de parceria trissetorial que mais contribui para a análise de questão proposta. Apodera-se,
também, quando necessário, de aspectos específicos das teorias de desenvolvimento local. Desta
forma, cada capítulo apresenta conclusões parciais de pesquisa.
A finalidade é trazer resultados que realmente façam diferença na ciência, na teoria em
que se propõe estudar, obter maiores divulgações dos resultados e organizar a estrutura de
maneira a aproximar as aplicações práticas à teoria. Ressalta-se que embora o mestrado seja
acadêmico, a justaposição com a prática é possível, para que seja diminuída a distância teoria
versus prática.
22
1.2 CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA
Para delimitação do problema, foi necessária tanto uma revisão bibliográfica sobre
parceria trissetorial e desenvolvimento local, como um estudo aprofundado do caso em questão
(PNOP). Isto porque se optou por um problema teórico-empírico, o motivo desta escolha é
devido este tipo de problema ter fundamentação teórica a partir de uma base empírica, o que
implica em um trabalho mais adequado para o programa de pós-graduação stricto sensu.
A perspectiva de gestão adotada neste estudo foge das premissas modernistas inseridas
nas organizações e do caráter dogmático e excludente da tradição dominante de pesquisa de
inclinação ou positivista ou marxista, por acreditar na vertente crítica ao perceber nos estudos da
gestão que algo fundamental perdeu-se e que mais técnicas e ‘soluções’ instrumentais não irão
reparar isso (ALVESSON; DEETZ, 2010).
A etapa de revisão bibliográfica destacou os conceitos norteadores dentro da parceria
trissetorial, a partir da ótica do desenvolvimento local, a fim de buscar por uma lacuna a ser
respondida dentro das teorias.
Os principais conceitos pesquisados foram: rede de cooperação, parceria, ação coletiva,
noções de participação e governança, dentre outros. Este levantamento foi realizado não como
forma de base para o estudo empírico, mas como forma de compreensão de como se (re)constrói
o conceito da parceria trissetorial sob perspectiva de desenvolvimento local. Como resultado, esta
etapa proporcionou o entendimento da construção do conceito da parceria trissetorial, da
sistematização do conceito e, por conseguinte, das lacunas existentes na teoria, que poderiam ser
supridas neste trabalho.
Outra fase indispensável para a construção do problema consiste no estudo do Programa
Nacional do Óleo de Palma. Isso se fez necessário a fim de entender, a partir de revisão da
bibliografia, a forma como este programa poderia contribuir para compreensão da teoria na
prática, suprindo as lacunas encontradas na etapa anterior.
Entender como surgiu o programa, quais suas diretrizes, quais seus objetivos, funções e
disfunções, eram pontos a serem analisados. Assim, realizaram-se pesquisas em sites
governamentais, tais como do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, Secretaria da
Agricultura Familiar – SAF, sites das prefeituras municipais e noticiários em geral.
23
A partir daí se estabeleceu que o PNOP representou um programa de ações de cima-
abaixo (top-down), uma vez que foi lançado pelo governo federal para a construção de um
desenvolvimento da localidade, por meio de um sistema produtivo de inclusão de pequenos
agricultores locais de uma cultura (óleo de palma) que não era originada da região. Esta
percepção fez com que se enquadrasse na lacuna encontrada na teoria de parceria trissetorial, no
que se refere à adequação local.
Neste sentido, a questão-problema que motiva a pesquisa realizada foi: “De que forma a
parceria trissetorial nas ações e interações locais influencia a gestão de programa de
desenvolvimento local nas bases do Programa Nacional do Óleo de Palma no município de
Concórdia do Pará?”.
1.3 ESTRUTURAÇÃO DAS IDEIAS E DO ESTUDO
Para o desenvolvimento do trabalho optou-se por uma estrutura de dissertação que fizesse em
cada capítulo uma aproximação dos pressupostos teóricos e da empiria examinada. Os demais
capítulos contêm introdução, aspectos teórico-metodológicos, resultados, análise dos resultados e
conclusões parciais. Acreditou-se que as informações ainda não obtidas despontariam de forma
mais evidente ao longo do trabalho.
Este modelo de estrutura foi desenvolvido para atender aos recortes da pesquisa, como dito
anteriormente, cada capítulo responde a um objetivo específico e está organizado sob forma de
artigo científico, sendo resultados parciais que foram aceitos e/ou debatidos em eventos e/ou
revistas científicas. Logo, os resultados, aqui apresentados, foram divulgados, antes da
finalização da dissertação. Esta foi uma forma de refinamento da pesquisa, pois os resultados
passaram por vários avaliadores e/ou examinadores que fazem parte das comissões científicas dos
eventos e/ou revistas.
Os capítulos, apesar de serem trabalhos completos, nesta dissertação, foram readequados para
seguir um encadeamento lógico e complementar. São sequenciais e não é possível um fácil
entendimento da resposta à questão geral da pesquisa se não apropriados desta forma. De forma
particular, estão organizados de maneira a responder as questões específicas que dão suporte à
questão geral.
24
Cada capítulo é estruturado com uma introdução, logo se firma a pretensão do capítulo e de
que forma ele contribuirá para o entendimento do objetivo geral da pesquisa. Os aspectos teórico-
metodológicos clarificam o que foi considerado para aquele específico capítulo. Desta forma,
pode-se afirmar que as teorias centrais (parceria trissetorial e desenvolvimento local) estão
diluídas em todos os capítulos, aproximando-as do observado na prática. Destaca-se que há uma
análise parcial em cada capítulo, que relaciona a teoria e as contribuições verificadas na prática.
As conclusões parciais de cada capítulo enfatizam os aspectos centrais que devem ser lembrados
para o entendimento dos capítulos subsequentes e construção do trabalho como todo.
Diante do objetivo geral da pesquisa, que é analisar na parceria trissetorial como as ações
e interações locais influenciam a gestão de programa de desenvolvimento local, estabeleceram-se
três etapas para seu alcance.
Etapa 1 (Capítulo 2): DESAFIOS NA PARCERIA TRISSETORIAL: Identificar os
desafios existentes nas articulações dos atores sociais envolvidos no programa de
desenvolvimento local.
Etapa 2 (Capítulo 3): DESAFIOS NA AÇÃO LOCAL: Examinar as ações locais na
gestão do programa de desenvolvimento local.
Etapa 3 (Capítulo 4): DESAFIOS NA INTERAÇÃO LOCAL: Analisar as interações
para tomada de decisão coletiva e consecução de resultados do programa de
desenvolvimento local.
A etapa 1 é marcada pelo entendimento geral da teoria de parceria trissetorial, a partir da
construção do conceito em meio às teorias norteadoras e compreende a maior parte do
levantamento bibliográfico sobre a teoria de parceria trissetorial, desenvolvimento local. A
literatura específica sobre a questão de óleo de palma, assim como o levantamento de dados
oficiais do Programa foram considerados nesta etapa.
Embora seja um capítulo que enfatize a teoria, também busca a análise empírica no seu
sentido mais geral. Tem-se em vista identificar os desafios existentes nas articulações dos atores
sociais envolvidos no programa, e, a partir destes desafios são determinados dois desafios
específicos que passam a ser objetos dos capítulos subsequentes: a ação e a interação. As técnicas
de coleta de dados para construção do capítulo resultante da etapa 1 foram pesquisa em sites
25
como Scielo, periódicos da CAPES e sites governamentais. Couberam também entrevistas
semiestruturadas com representantes da empresa Alpha, gestores governamentais e líderes das
organizações dos agricultores familiares.
A etapa 2 envolveu a análise dos desafios no sentido mais restrito. Realiza para tanto um
levantamento bibliográfico de gestão social, ações locais e emancipação do homem. Desta vez, a
pesquisa de campo perpassou por duas técnicas: a primeira trata-se da técnica de observação do II
Seminário de Agricultura Familiar, promovido pela empresa Alpha, que reuniu atores do Estado,
mercado e sociedade civil organizada, para atender ao entendimento das ações realizadas diante
dos desafios referenciados na etapa anterior. A análise de dados é realizada mediante o uso do
Software cmap tools, para realizar um mapeamento conceitual diante deste cenário; a segunda
técnica foi obtida por entrevistas semiestruturadas e aprofundada com os doze agricultores
familiares isoladamente, para um aprofundamento da análise de ações sem a intervenção dos
demais partícipes da ação (Estado e mercado). A análise de dados desta segunda técnica de coleta
de dados ocorreu mediante o uso do software quantiqualisoft (ver exemplo no apêndice), que
captou as expressões-chave, categorizou as ideias centrais e realizou a “ancoragem” com a teoria.
Buscou-se uma conclusão sobre a influência das ações locais na gestão social do programa
estudado.
Na etapa 3, aprofundou-se a análise sobre as interações locais, sob uma perspectiva da
teoria de decisões coletivas como instrumento de análise. Parte-se do entendimento de que
somente é possível ter uma participação mais efetiva dos atores locais em programa de
desenvolvimento na medida em que as ações locais estão vinculadas com o processo de tomada
de decisão na gestão do programa. Para tanto, realizou-se um levantamento bibliográfico de
tomada de decisão coletiva e relações de poder. A pesquisa de campo também foi realizada com
entrevistas semiestruturadas com os atores sociais envolvidos no programa. A análise de dados se
deu por meio de quadro analítico teórico-empírico.
Diante da realização das três etapas de construção da pesquisa foi possível realizar um
panorama da parceria trissetorial nas ações e interações locais da gestão do Programa Nacional
do Óleo de Palma, construído mediante a organização do material levantado nas três etapas
anteriores para o alcance do objetivo geral.
26
Para esta organização, utilizou-se o software quantiqualisoft que permite a análise de
discursos. A operacionalização das análises se deu da seguinte forma, de acordo com Gondim e
Fischer (2009):
1) Identificação das expressões-chave (ECH), que foram extraídos dos fragmentos
dos discursos coletivos;
2) Identificação dos sentidos. Buscou-se manter a literalidade dos discursos como
forma de captar o corpus dos diálogos contínuos;
3) Captação das Ideias Centrais (IC). De maneira sintética agruparam-se os sentidos
nomeados pelo pesquisador.
4) Ancoragem (A): Momento em que as ideias centrais foram ancoradas nas teorias
estudadas.
1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa foi estruturada sob uma abordagem qualitativa, uma vez que se propõe
analisar na parceria trissetorial como as ações e interações locais influenciam a gestão de
programa de desenvolvimento local. O estudo de ações e interações, por natureza, não pode ser
mensurado, o que induz à interpretação de que a análise qualitativa é a mais apropriada para
apreensão do objeto. Apesar da complexidade do tema, como sugere Farias Filho (2009), a
metodologia da pesquisa nas ciências sociais aplicadas deve ser trabalhada de forma simples,
particularmente se tiver abrangência temporal e transversal, como é o caso do Programa Nacional
do Óleo de Palma que está apenas há dois anos na localidade.
O tempo do estudo da pesquisa de campo compreendeu dois anos (2011 e 2012). O PNOP
foi lançado em 2010, e, assim, as informações referentes a esse ano são de cunho documental. Os
dados e informações dos anos de 2011 a 2012 são informações de cunho primário, baseados
substancialmente em entrevistas semiestruturadas.
1.4.1 O Caso
O Programa Nacional do Óleo de Palma foi implantado em 2010, com o objetivo de
disciplinar a expansão do óleo de palma no Brasil e ofertar instrumentos para garantir uma
27
produção com bases ambientais e sociais sustentáveis. Pauta suas diretrizes na preservação da
floresta e vegetação nativa, expansão de produção integrada com a agricultura familiar e
prioridade territorial com ênfase nas áreas degradadas da Amazônia Legal e reconversão de áreas
outrora utilizadas para cana-de-açúcar e criação de gado (MDA, 2011).
O programa cobre em seu escopo de atuação as regiões norte e nordeste do Brasil, mas o
presente estudo limita-se a análises, dentro da área geográfica e abrangência do programa, ao
estado do Pará, que, segundo dados da Secretária de Agricultura Familiar (2011), é o estado da
região norte com maior área apta para o plantio de óleo de palma, com maior número de
estabelecimentos da agricultura familiar, com maior número de empresas produtoras de óleo de
palma e com as maiores atratividades para empresas que pretendem entrar na atividade.
É necessário ratificar que o programa determina em suas diretrizes que sua gestão deve
ser feita por todos os atores nele envolvidos, sendo que estes devem ser organizados para
sistematizar e não hierarquizar o processo de gestão. Os atores envolvidos no programa são
caracterizados por diferenciados níveis de interação, participando no (1) âmbito nacional, (2)
territorial e (3) microrregional.
Entre os atores do âmbito nacional (1), está o Governo Federal, idealizador do programa,
tendo sua atuação representada por meio dos seguintes órgãos: Secretaria de Agricultura Familiar
(SAF), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Secretaria de Agricultura (SAGRI),
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ministério de Minas e Energia
(MME), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (MDIC), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e Casa
Civil. Estes órgãos têm como função orientar a Câmara Setorial6, que, por sua vez, regula e
fiscaliza a cadeia produtiva de acordo com princípios e critérios da sustentabilidade econômica e
socioambiental.
6 A câmara setorial estabelece protocolo com as empresas produtoras do óleo de palma, que ainda compreende o
âmbito nacional. Esta câmara tem como função promover inclusão social, geração de emprego, melhoria de renda
da população rural e urbana local, incentivar as atividades que garantam segurança alimentar e a diversificação da
renda de agricultores familiares.
28
No âmbito territorial (2), os atores são: a Federação de Agricultores (FETAGRI), fóruns e
redes, bancos públicos como o Banco da Amazônia, Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e Delegacia Federal do
Desenvolvimento Agrário (DFDA), dentre outros. Por fim, no âmbito microrregional (3) estão as
prefeituras, empresas locais, EMATER, comunidades, sindicato de trabalhadores e cooperativas.
Dentre os instrumentos de apoio para a relação do âmbito nacional com o âmbito
territorial estão: o Selo de Combustível Social, Projeto Polos de Produção do Biodiesel, o
Zoneamento Agroecológico (ZAE), o Zoneamento Agroclimático (ZARC) e o financiamento
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Os níveis
microrregionais recebem orientações diretas das capitais dos Estados que se responsabilizam por
repassar orientações e informações gerais para cada município.
A microrregião estudada está situada no nordeste do Pará, conhecida como Vale do Acará
(mapa 1) que compreende os municípios de Tailândia, Mocajuba, Acará, Tomé Açu, Baião,
Concórdia do Pará. Esta área foi escolhida por se tratar de um polo centro das atenções para o
cultivo do dendezeiro, tendo nos municípios de Acará, Concórdia do Pará, Moju, Tailândia e
Tomé-Açu, os maiores produtores de dendê (MDA, 2010).
Mapa 1 – Mapa de localização de sedes municipais, polos industriais e agricultores parceiros.
Fonte: Alpha (2011).
29
1.4.2 Seleção da localidade
A partir do entendimento que a análise das regiões do Pará se constitui de maneira
heterogênea, foi necessário analisar as múltiplas realidades dos municípios paraenses, para
identificar a que mais se adequava ao estudo proposto. Inicialmente, procurou-se por sites
governamentais para uma escolha preliminar das regiões mais propícias para o estudo, onde se
destacaram os municípios: Abaetetuba, Acará, Cametá, Concórdia do Pará, Igarapé-Miri, Moju e
Tomé-Açu.
Os levantamentos preliminares mostraram que estes municípios tinham representatividade
nas reuniões da câmara setorial, que também tinham a presença de organizações da sociedade
civil e das empresas do mercado de dendê. Para a definição da área de estudo, realizou-se uma
pesquisa de campo, com o objetivo de qualificar as informações sobre as perspectivas dos atores
sociais de cada localidade a respeito do programa. Também foram feitas visitas junto às
secretarias de meio ambiente e de agricultura e sindicatos das regiões supracitadas, buscando a
partir de uma checklist, identificar o município que atendesse ao perfil necessário à pesquisa.
Os primeiros municípios foram: Abaetetuba, Moju e Igarapé-Miri, que proporcionaram
uma boa receptividade ao grupo pesquisador, inclusive possibilitando a participação da
pesquisadora em um seminário sobre o desenvolvimento territorial sustentável da região do
Baixo Tocantins. O Seminário contou com participação de atores sociais ligados a universidades,
centros/institutos de pesquisas e secretarias de gestão municipal de áreas próximas. O foco das
discussões foi o caso do dendê e a viabilidade de expansão da produção. O seminário
proporcionou visão maior a respeito do PNOP e sobre os municípios participantes, a saber:
Abaetetuba, Acará, Baião, Barcarena, Cametá, Igarapé-Miri, Moju, Tailândia, Baião, Oeiras do
Pará, Limoeiro do Ajuru e Mocajuba.
Diante do que foi observado, registrado e sistematizado por meio das falas dos atores
sociais presentes no seminário e da interação com os participantes do evento, entendeu-se que a
região do Baixo Tocantins não era adequada, pelo fato de que o programa ainda não estava
efetivamente instalado e, também, pela identificação de que há forte resistência dos produtores da
região no engajamento ao programa em função dos impactos ambientais e sociais que este causa.
Dentre outros pontos que foram expostos pelos atores sociais, estão:
30
(1) Os sindicatos não estão “aparelhados” para atender as necessidades dos agricultores;
(2) Há a necessidade de mais estudos sobre o impacto ambiental que o programa causa;
(3) Há a necessidade de criação de uma organização (comitê, associação ou cooperativas)
para garantir a representatividade local;
(4) Há questões contratuais pendentes ligados à viabilidade (visualizar, conhecer,
entender, discutir e flexibilizar os contratos até então apresentados pelas empresas);
(5) Não há resultados para serem avaliados.
Feita a exclusão destes municípios, restaram os municípios de Tomé-Açu e Concórdia do
Pará. Os gestores do primeiro município se mostraram pouco interessados em receber os
pesquisadores do projeto. Nos contatos realizados, foi percebido que há politização do programa
no município, isto é, os pequenos agricultores não associam o programa ao sindicato, e sim a
partidos políticos, devido ao fato de seu lançamento ter sido feito no município pelo então
presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva. Assim, a parceria existente em Tomé-Açu não
envolveu, na prática, os três setores da sociedade. A parceria em Tomé-Açu se faz entre governo
e empresas, como exemplo, a Petrobrás, que tem forte influência do governo.
O mapa 1 aponta os três polos industriais mais propícios para a produção do óleo de
palma e a concentração de agricultores parceiros no Programa Nacional do Óleo de Palma,
segundo a empresa Alpha (2011), quais sejam: polo de Moju, polo de Tomé-Açu e o polo de
Concórdia do Pará. Este último é o que apresenta maior concentração de agricultores-parceiros
do programa e entre os que estão próximos à sede do município, o que pressupõe, em princípio,
maior interação entre prefeitura, secretarias, sindicatos, cooperativas e agricultores parceiros.
Assim, selecionou-se o município de Concórdia do Pará, por melhor representar o caso de
programa parceria trissetorial de produção rural agindo, interagindo e influenciando a agricultura
familiar.
1.4.3 Seleção dos atores locais
Para seleção dos atores locais, fez-se uma busca no âmbito microrregional do município
de Concórdia do Pará. Primeiro, procurou-se obedecer às premissas estabelecidas pelo escopo do
Programa, qual seja, o envolvimento da prefeitura, empresas locais, Emater, comunidade,
31
sindicato de trabalhadores, cooperativas e associações.
Por meio do primeiro contato com a prefeitura, houve um encaminhamento para a
Secretaria Municipal de Agricultura (SEMAGRI), que, por sua vez, sugeriu para consulta
também a Secretaria Municipal de Meio ambiente (SEMMA). Estas se configuraram como
representantes do Estado local. Dentro das secretarias foram entrevistados secretários, técnicos e
assistentes diretamente envolvidos com a execução do programa, totalizando cinco pessoas, o
prefeito, dois secretários (secretário geral de agricultura e secretária geral de meio ambiente) e
dois técnicos agrícolas. O perfil dos entrevistados do estado é caracterizado em sua maioria por
homens (sendo apenas uma mulher), todos possuem formação de nível superior em áreas afins da
agricultura, a maioria é agricultor familiar também e apresentam um nível de renda acima do
salário mínimo. Tanto o prefeito, quanto o secretário de agricultura têm histórico de ascensão de
cargos via sindicato dos trabalhadores rurais.
No que se refere às organizações locais, o município não possui cooperativas e
associações ligadas ao programa. Todavia, o sindicato dos trabalhadores rurais é a organização da
sociedade civil que representa o interesse dos pequenos agricultores. Foram entrevistados três
representantes do sindicato (a presidente, o secretário geral e o secretário de finanças). O perfil
dos entrevistados do sindicato é caracterizado por experiência profissional de mais de 10 anos em
ações sindicais, formação tecnológica, participação da agricultura familiar e nível de renda
mínima.
Com relação ao mercado, a empresa Alpha estudada configura-se nos ramos de
reflorestamento, indústria e comércio e opera em seis polos de produção em implantação na
região do Vale do Acará e Baixo Tocantins, no Pará. Em Concórdia do Pará, detém 150 hectares
de área plantada de dendê e 2.700 funcionários (ALPHA, 2011). A entrevista foi realizada com o
gerente de agricultura familiar do município. Vale ressaltar que o foco da entrevista não se
limitou a um estudo intraorganizacional, foi feita também uma análise da visão da empresa em
relação às ações locais entre as organizações do Estado, organizações da sociedade civil e a
empresa. Neste caso, o levantamento envolveu aspectos interorganizacionais por meio das ações,
interações e relatórios.
32
1.4.4 Coleta e Análise de Dados
A coleta de dados foi realizada basicamente sob duas formas: a entrevista
semiestruturada, principal técnica de coleta de dados; e a pesquisa documental.
As entrevistas foram realizadas com os atores locais, com a finalidade de captar as ações e
as formas de interação entre estes atores envolvidos no programa, quais sejam: secretários de
agricultura e meio ambiente enquanto representantes do governo local; líderes do sindicato de
trabalhadores; os doze produtores rurais engajados no programa. A participação nas reuniões dos
projetos permitiu entender como as tomadas de decisões são realizadas no contexto formal e
analisar os discursos e ações dos atores locais. A pesquisa documental se concentra na análise da
documentação formal do programa e das instituições envolvidas.
A análise dos dados coletados também compreende duas instâncias: a análise geral
mediante mapeamentos conceituais e diagnósticos e por meio de software de organização de
dados, como o software HIMC C-Map Tools, capaz de construir gráficos para a descrição dos
eventos, termos e conceitos estudados, categorizando e analisando variáveis-chave; e a análise de
discurso, expressa na entrevista semiestruturada com os atores envolvidos no processo
(GONDIM; FISCHER, 2009).
A análise de discurso associada ao software Qualiquantisoft, sobretudo, ajuda na
identificação do sentido nos depoimentos coletados em pesquisas empíricas, que se tornam ao
final do processo discursos inteligíveis para compreensão do fenômeno estudado (LEFEVRE,
2006). Para Gondim e Fischer (2009), é evidente a importância deste instrumento de análise para
compreender a argumentação e persuasão que se vale de recursos valorativos, imagéticos,
racionais e emocionais, que são entrecortados por meio dos discursos captados, com implicações
ideológicas e políticas. Diante da natureza tridimensional do discurso – linguagem, história e
ideologia –, o método se torna a chave para a compreensão dentro cenário estudado da parceria
trissetorial no contexto local. Para tanto, foi necessário pesquisa de campo nas residências dos
doze agricultores rurais, individualmente, para captura diretamente da fonte de análise.
33
1.4.5 Limitações metodológicas
A metodologia foi o estudo de caso, que numa visão funcionalista já apresenta uma
dificuldade de generalização (YIN, 2005). No entanto, a partir de uma visão naturalista de Robert
Stake (1978), aplica-se o entendimento de que o caso é um estudo reflexivo dos significados
apreendidos na prática e teoria para fundamentação e aperfeiçoamento da compreensão do
problema ligado aos contextos político, social, histórico e, sobretudo, pessoal (LEÃO et al,
2012).
Ainda sobre aspectos metodológicos, ressalta-se que após este estudo exploratório
aconselha-se que seja realizado um estudo de cunho etnográfico, baseado no método de
observação intensiva de Mauss (2002). A etnografia não foi utilizada neste primeiro momento,
devido o objetivo geral de identificar e analisar como os atores sociais agiram, reagiram e
interagiram com a chegada de um programa top-down com especificidade de parceria trissetorial.
Por fim, destacam-se limitações técnicas: deslocamentos na localidade, dificuldades de
abertura para captação de informações mais íntimas dos agricultores familiares, o uso de
gravadores (que possivelmente inibiram os entrevistados), bem como o problema técnico de
arquivos de áudios corrompidos (três arquivos), que causou prejuízo na literalidade do discurso,
sendo amenizado com o uso de notas de pesquisa com a interpretação da linguagem, o sentido do
discurso.
1.4.6. Sistematização da metodologia
Para facilitar a compreensão da metodologia geral e particular utilizada neste trabalho, foi
realizado um esforço para sistematizar a lógica dos procedimentos metodológicos, contendo a
metodologia que norteia as demais técnicas e procedimentos utilizados.
35
2 PARCERIA TRISSETORIAL PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL7
2.1 INTRODUÇÃO
O terceiro capítulo objetiva identificar os desafios presentes na parceria trissetorial, que
corresponde àquela que é desenvolvida na relação entre agentes do Estado, Empresa e
Organizações da Sociedade Civil (TEODÓSIO, 2009a), cujo surgimento, entre outros motivos,
ocorreu para tornar as relações mais equilibradas entre os atores que a compõem. Para isto, a
formação, interação e integração de redes sociogovernamentais da localidade são questões
essenciais, como esclarecem Goulart et al (2010), para a construção de uma gestão baseada em
desenvolvimento local, que conforma o background da pesquisa.
Inicialmente, o capítulo faz um resgate teórico com conceitos norteadores nos debates
sobre parceria trissetorial no cenário brasileiro. Busca-se no caso empírico examinar os desafios
que têm sido enfrentados pelo Programa Nacional do Óleo de Palma. Há preocupação em
entender os desdobramentos do programa desde as políticas públicas preconizadas para a
produção do biodiesel na comunidade local até a interação destas políticas com as comunidades
locais, por meio das articulações dos atores nelas envolvidos.
O capítulo está organizado em cinco seções, incluindo esta inicial. A segunda seção traz a
discussão da (re)construção do conceito de parceria trissetorial sobre abordagem de
desenvolvimento local e aborda as noções de ação coletiva, cooperação, participação, governança
e redes de cooperação. Na terceira seção, elabora-se um quadro empírico-teórico com as
dimensões chaves do desafio da parceria trissetorial no caso do Programa Nacional do Óleo de
Palma. A quarta seção realiza um comparativo do quadro empírico teórico com a prática do
Programa Nacional do Óleo de Palma em Concórdia do Pará. E a última seção, faz uma
conclusão preliminar, acerca das discussões desenvolvidas no capítulo, que subsidia a sequência
de capítulos do trabalho.
7Adaptado do trabalho intitulado “Os desafios da parceria trissetorial para promoção do desenvolvimento local
sustentável: o caso do programa de produção sustentável de óleo de palma no estado do Pará” (SOUZA;
VASCONCELLOS; VASCONCELLOS SOBRINHO, 2011), apresentado pela autora no XIII ENGEMA – Encontro
Nacional sobre Gestão Empresarial e Meio Ambiente, publicado nos anais do evento em 2011.
36
2.2 (RE)CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE PARCERIA TRISSETORIAL SOBRE A
PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL
O termo “parceria trissetorial” é relativamente novo, porém o debate sobre os setores da
sociedade (governo, mercado e organizações da sociedade civil) provém de um conjunto de
contextos, conceitos e noções que constituem a base para realidade construída por meio de
fenômenos organizacionais, que por sua vez induzem a um processo de desenvolvimento local.
Há estudos de políticas de desenvolvimento, que se embasaram no debate de parceria trissetorial,
mesmo que centrados em dupla setoriedade, como é o caso de estudos de parcerias entre estado e
organizações não governamentais (DULANY, 2011); estado e universidade (VASCONCELLOS
SOBRINHO; VASCONCELLOS; TAVARES, 2012) e OSCs e empresas (VERNIS et al, 2007;
MEIRELLES, 2005; SELSKY; PARKER, 2005).
Uma das formas de compreensão da construção do conceito de parceria trissetorial surge
desde as primeiras noções de cooperação. Para Axelrod (1984), o surgimento da cooperação,
como resultado de um sistema constituído de forma capitalista se deu através de motivações
individuais na busca do atendimento de seu próprio interesse, a partir do interesse em comum
com outrem, pois desta forma aumenta-se sua possibilidade de realização.
Para melhor compreender a cooperação, Axelrod (1984) elucida este princípio com o
famoso dilema dos prisioneiros, um jogo que explora a circunstância em que os jogadores têm
um impasse: agir individual ou coletivamente? O objetivo do autor é demonstrar como o
unilateralismo resulta na insatisfação de todos, sugerindo que a cooperação mútua acaba por ser a
saída mais racional. Esta linha de raciocínio preconiza que o sistema capitalista, da mesma forma
que impulsionou ações individuais, hoje, pelos mesmos motivos econômicos, impulsiona ações
coletivas.
Por outro lado, pesquisas acerca do histórico dos movimentos de atores sociais demonstram
que é possível a origem de cooperação englobar aspectos tanto econômicos, como políticos,
ambientais, culturais e institucionais. Todavia, os valores econômicos são os principais motivos
para o surgimento das demais bases sustentáveis, embora não seja o único motivo para tal
surgimento. Por entender que este raciocínio abrange a complexidade necessária para o
esclarecimento do cenário atual, opta-se por explicar esta linha de pesquisa que pressupõem
construção sobre o viés da participação no contexto político-social.
37
O viés predominante economicista tem engendrado desigualdades, consumo exacerbado de
recursos escassos não-renováveis, degradação ambiental e busca obsessiva por competitividade.
As prioridades distorcidas da pesquisa tecnológica, apontadas por Sachs (2007), são causas para
uma profunda crise social e ambiental que emergiu no mundo.
No âmbito do Brasil, o sistema econômico em bases industriais começou tardiamente, ainda
assim resultou, não de forma tão lenta quanta sua evolução, nos mesmos resultados desastrosos.
O período de 1950 a 1980 caracterizou-se por forte intervenção estatal, centralismo na esfera
federal e restrita participação da sociedade civil nas decisões sobre investimentos em projetos de
desenvolvimento (GOULART et al, 2010), que representam, segundo Vasconcellos Sobrinho e
Vasconcellos (2010) a base para o desenvolvimento econômico da sociedade.
O fim da década de 1980 foi marcado pela ascensão da ideologia neoliberal (GOULART et
al, 2010), que uniu o discurso da redemocratização no campo da política ao da redução dos
gastos públicos para resolver a crise fiscal e inflacionária brasileira e justificou a não priorização
das reivindicações sociais. Foi neste contexto que se proliferou a participação de Organizações
Não Governamentais (ONGs) no atendimento às demandas sociais não supridas na reforma do
Estado neoliberal. Todavia, o caráter transformador pela via exclusiva dos movimentos sociais no
enfrentamento com o Estado se mostrou insuficiente e limitado (VASCONCELLOS
SOBRINHO, 2009).
Goulart et al (2010) identificaram em 1990 o início da busca por novas alternativas para
eficiência da ação estatal, com as articulações em redes entre o poder público, sociedade civil e
iniciativa privada. Esta década também abrangeu um importante conceito para a concepção de
redes de cooperação, a noção de governança (VASCONCELLOS SOBRINHO;
VASCONCELLOS, 2010), conceituado por Villela e Pinto (2009, p. 1.068) como “processo de
coordenação de atores, de grupos sociais, de instituições ou de redes empresariais para alcançar
objetivos discutidos e definidos coletivamente”.
Como resultado da reestruturação democrática do Brasil, o estado passou de provedor
único para coordenador e fiscalizador de serviços providos pela sociedade civil, pelo mercado ou
por parcerias entre estes setores (GOULART et al, 2010).
O espectro da realidade social construído a partir da interação existente entre público e
privado tem se mostrado o ponto-chave para a compreensão dos fenômenos sociais e
econômicos, como demonstram os estudos de capital social, considerado constructo da parceria
38
interorganizacional (PUTNAM, 1996), que possibilita um sustentáculo para o desenvolvimento
local. Holisticamente, as relações organizacionais devem interpretar a visão única da sociedade
como objeto e sujeito das ações intersetoriais. Deste modo, descartaram-se uma solução isolada
para os problemas vigentes da sociedade, uma vez que os setores foram criados para gerenciá-la,
explorando suas complementaridades.
Powell e Smith-Doerr (2003) afirmam que as redes são uma forma de governança e
estrutura de interrelações existentes entre os diversos atores econômicos. Estas criam condutas a
serem seguidas, também denominadas por Schön (1971) como sistema pluralista de interação.
Schön (1971) afirma que as bases estão em conceitos como conectividade, reciprocidade e nível
de enraizamento na rede social.
Knopp e Alcoforado (2010) discutem o conceito de governança social como um novo
arranjo institucional baseado em alianças intersetoriais democráticas, integrativas e sistêmicas,
que envolvem cooperação e atuação conjunta entre atores públicos e privados, do primeiro,
segundo e terceiro setores. Nesta lógica, as formações de redes de cooperação com governança
social cogerenciam o interesse público, em torno de políticas públicas que podem orientar para o
desenvolvimento sustentável local.
O conceito de redes de cooperação não é considerado um conceito novo, uma vez que as
suas discussões na teoria organizacional remetem ao começo do século XX. Entretanto, a
dinâmica da sociedade moderna tem gerado uma nova busca por conhecimentos deste conceito,
tanto na teoria, quanto na prática das organizações (VERSCHOORE; BALESTRIN, 2010). Esta
busca é justificada, dentre outros motivos por: isomorfismo, na tentativa de adaptação às novas
características estruturais (SOUZA, 2009); motivos estratégicos para gerar economia de escala
(CÂNDIDO, 2002); tecnologia e inovação, pela facilidade de troca de experiências (OLAVE;
AMATO NETO, 2001) e pelo entendimento de que as redes são instrumentos de busca coletiva
para intervenção da complexa realidade social (JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2012).
Segundo Alves et al (2010, p. 20), o conceito de redes de cooperação é caracterizado
como “um grupo de produtores que colaboram entre si, visando atingir objetivos comuns através
de relações horizontais, constituindo ou não uma nova entidade representativa do grupo”. Os
fatores mais levados em consideração para a formação de uma rede de cooperação bem sucedida
são: confiança, troca de informações, aprendizagem, inovação, redução de custos e riscos
39
(VERSCHOORE; BALESTRIN, 2010). Estes fatores estão vinculados ao capital social, conceito
que fortalece a rede de cooperação (MILANI, 2005).
Villela e Costa (2012) aproximam o conceito de gestão social e redes por meio do
conceito de governança. Para estes autores, a governança é uma gestão que promove a decisão
coletiva na busca de um consenso no interior da rede, na gestão participativa e deliberativa
proposta no conceito que fundamenta a gestão social.
Por conseguinte, o contexto de redes estabelecidas dessa forma consiste em expor por
meio de diálogos abertos suas propostas e argumentações para a construção enquanto
protagonistas dos processos decisórios deliberativos em programas de desenvolvimento local
(VILLELA; COSTA, 2012).
Dentro do conceito de redes de cooperação, alimentam-se as parcerias, que por sua vez
podem envolver um ou mais setores. Independente do tipo e objetivo da parceria no momento de
sua formação, é necessário que haja uma “sinergia estratégica”, que poderá ser desenvolvida com
o tempo ou combinada logo de início. Nesta formação, a confiança é um fator determinante para
a durabilidade da relação, devido o que Amato Neto (2000) caracteriza como ambiente propício a
riscos e oportunismos, comumente observado em alianças assimétricas.
Portanto, a real missão das redes de cooperação é somar organizações dos três setores da
sociedade com objetivo comum e torná-los mais produtivos e, até mesmo, mais competitivos em
um cenário desafiador sob ambiente de oportunidades e ameaças. A este modo de compreender as
redes de cooperação, a autora da dissertação chama de parceria trissetorial.
Para Amato Neto (2000), os desafios inerentes às redes de cooperação produtivas se dão
principalmente pelo interesse de criar estratégias conjuntas, uma vez que os atores envolvidos
devem estar teoricamente cooperando um com o outro e preparados para a ampliação de sua
escala de ação, bem como pela mútua confiança entre os parceiros, pois segundo Ribault et al
(apud OLAVE; AMATO NETO, 2001), algumas redes só existem pela vontade dos envolvidos e
não possuem nenhum caráter jurídico entre si.
Entende-se se que parceria trissetorial, quando convergida para programas de
desenvolvimento local, ocorre por meio de um processo gerencial, estabelecido no escopo da
teoria da gestão social, uma gestão que se contrapõe à gestão estratégica, ou seja, não é focada no
utilitarismo econômico. Neste trabalho, a parceria trissetorial significa um esforço de
compreensão do programa que se propõe a atuar em nível local para superar os problemas
40
gerenciais. Desta forma, a parceria representa as oportunidades que os atores sociais (figurados
pelos diversos setores: Estado, mercado e OSCs) têm de exercitarem os canais democráticos para
o desenvolvimento local.
Por sua vez, desenvolvimento social é entendido como um termo polissêmico, que adquire
significância para além da cidadania, da satisfação de um conjunto de requisitos de bem-estar
social e qualidade de vida (OLIVEIRA, 2001). É, também, crescimento econômico e produtivo,
conservação ambiental, desenvolvimento tecnológico e político (OLIVEIRA, 2002), dentre
outros aspectos simbólicos e subjetivos do entendimento local de desenvolvimento
(CABUGUEIRA, 2000).
Quando se faz um recorte analítico do desenvolvimento para o nível local, entende-se por
local o agrupamento das relações sociais, em que a cultura e outros caracteres não transferíveis
têm sido sedimentados (CAMPANHOLA; SILVA, 2000). Logo, desenvolvimento local se trata
de um processo autossustentado de melhorias contínuas que se expresse em bem-estar e
qualidade de vida de acordo com as especificidades desse espaço agrupado de relações sociais, de
preferência em um sistema de “baixo para cima” e a contar com a participação efetiva dos atores
sociais (CAMPANHOLA; SILVA, 2000; VASCONCELLOS SOBRINHO; VASCONCELLOS,
2010).
Cabugueira (2000) ressalta que as novas perspectivas de desenvolvimento com as
designações “territorialista”, “endógena” e “a partir da base” convergem na noção do espaço que
procuram operacionalizar em termos de promoção do desenvolvimento. Esse espaço é entendido
como tecido social capaz de incorporar a questão da identidade cultural.
Para Brito (2006), as principais características do desenvolvimento local são: rede
associativa para uma identidade regional; mobilizar a população; desenvolver iniciativas no
campo cultural, econômico, político e de comunicação; valorizar produtos e iniciativas locais;
promover o processo de aprendizagem coletiva; emergência de cidadãos, novos atores,
reivindicando uma fixação local; discutir geograficamente a dinâmica local para outros espaços
sociais; e buscar um equilíbrio na promoção não seletiva de produtos locais.
Assim, surgem as questões-chave do desenvolvimento local, as quais envolvem fatores
sociais, culturais e políticos que não se regulam, exclusivamente, pelo sistema de mercado
(MILANI, 2005). Para Milani (2005), os fatores fundamentais para o desenvolvimento local são
as redes de compromisso cívico, as normas de confiança mútua e a riqueza do tecido associativo.
41
Cabugueira (2000), neste sentido, ressalva que não há desenvolvimento sem que as
coletividades locais manifestem vontade de assumir seu próprio futuro, a partir da
conscientização, auto-organização, cooperação contratual e autonomia.
Ainda em termos de ressalvas, Oliveira (2002) alerta que o desenvolvimento local, na
medida em que se universaliza, tende a introduzir aspectos de conflitos, hierarquia e estruturação,
não podendo ser tratado como sinônimo de cooperação, negociação de completa convergência de
interesses. Afirma, ainda, que toda rede é seletiva. Desta forma, no plano econômico-sócio-
político-cultural, as redes não corrigem as desigualdades, apenas as deslocam.
Por outro lado, Vasconcellos Sobrinho (2009) reflete sobre a percepção da parceria entre
organizações locais e governo local como estratégia para o desenvolvimento local. Entende, a
partir das evidências empíricas que a despeito de fatores críticos de conflitos históricos, ambos
partícipes admitem que exerçam papéis complementares para o desenvolvimento local. Assim, a
parceria pode representar uma importante ferramenta para responder às necessidades e interesses
das pessoas, desde que esteja conformada com partilha de projetos e poder.
Neste sentido, existem trabalhos que resgatam as redes entre atores sociais de diferentes
setores, parceria entre Estado e organizações não governamentais (DULANY, 1997); Estado e
universidade (VASCONCELLOS SOBRINHO; VASCONCELLOS; TAVARES, 2012) e;
Estado, Mercado e Sociedade Civil (TEODÓSIO, 2008). Para Alves (2007), estas novas
configurações, com envolvimento de vários atores, que visam alcançar objetivos complementares
ou similares, são formas de atendimento a demandas sociais a partir de compartilhamento de
responsabilidades e ações entre estado, sociedade civil e mercado.
O desenvolvimento local envolve no seu bojo tanto relações de conflito e competição
quanto cooperação e reciprocidade entre atores (MILANI, 2005), que em suma estão
concentradas no tripé Estado/mercado/sociedade civil. Por isso, a literatura atual sugere que
governos, empresas e OSCs sejam direcionados a repensar e reordenar seus papéis na sociedade
contemporânea (TEODÓSIO, 2009a). Esta percepção inicia na descentralização das ações
públicas sob o controle do Estado resultante do avanço democrático brasileiro para o
desenvolvimento territorial (FLORISBELO; GUIJT, 2004), perpassa pelo período da forte
intervenção estatal e vai até a compreensão de gestão de políticas públicas pela participação da
sociedade civil.
42
2.3 DESAFIOS DA PARCERIA TRISSETORIAL PARA PROMOÇÃO DE
DESENVOLVIMENTO LOCAL
Diante da contextualização e da revisão teórica, bem como da proposta do Programa
Nacional do Óleo de Palma (mostrada no capítulo 2 e na seção 2.4 deste capítulo) são evidentes
diversos desafios para implementação prática das parcerias trissetoriais para o desenvolvimento
local. Estes desafios englobam tanto o contexto intraorganizacional quanto o contexto
interorganizacional. Para Amato Neto (2000), os desafios, tanto intraorganizacionais quanto
interorganizacionais, são inerentes à criação de estratégias conjuntas, uma vez que os envolvidos
devem cooperar e estar preparados para a ampliação da escala produtiva, bem como a questão da
mútua confiança entre os parceiros.
No que diz respeito ao caráter interorganizacional, Becker (2005) discute a questão do
desafio geopolítico (grifo meu), que compreende um campo de conhecimento das relações entre
poder e espaço geográfico. Becker (2005) discorre sobre a integração regional, mediante a análise
territorial que envolve tanto os aspectos geográficos, físicos, climáticos, quanto as questões
políticas, além de consensos e contradições específicas da região. Neste sentido, Andion (2003)
destaca a formulação, implementação e controle de políticas públicas condizentes com os agentes
da rede, sua organização e o espaço territorial para um respeito do conceito de territorialidade e
coesão social.
Outro ponto considerado dentro do desafio geopolítico trata da consolidação da
“descentralização coordenada” que contempla múltiplas escalas (GOULART et al, 2010) e impõe
desafios na Amazônia, onde questões de assentamento de pequenos agricultores rurais, direito de
propriedade (ABRAMOVAY; MAGALHÃES, 2007), situação fundiária (BETA8, 2010) estão
presentes. Nos desafios geopolíticos, também se considera os traços da temporalidade histórica
das microrregiões que discute as questões de sobreposição do desenvolvimento exógeno em
detrimento do local, mediante a interação com o mercado global.
Quanto à perspectiva intraorganizacional, as inquietações repousam sobre os desafios
técnicos (grifo meu). Neste caso, é importante destacar a logística, no que diz respeito à
8 Beta é um nome fictício para a empresa concorrente da empresa Alpha. Ambas são de grande porte do ramo de óleo
de palma no estado do Pará. A empresa Beta tem reconhecimento internacional com relação às suas pesquisas sobre
o dendê.
43
circulação de recursos (infraestrutura, capital, energia, técnica, matéria-prima, transporte e
tecnologia) e o desafio de promoção da industrialização na região, que leva ao risco à
monocultura. Adicionalmente, os termos contratuais, segundo Abramovay e Magalhães (2007),
devem ter complementaridade entre produção de energia e alimento. Ainda como destaques dos
desafios técnicos estão a capacitação e a promoção de agricultura sustentável.
Abramovay e Magalhães (2007) destacam também sob o desafio das relações
interorganizacionais (grifo meu), a comunicação, articulação e potencialização de forças. Por
isso, segundo os autores, deve haver a estruturação das bases sindicais para que esta possa
intermediar as negociações contratuais e organizar a oferta. Além disto, os autores afirmam que é
necessário entender e difundir as forças sociais interessadas na construção desta política e,
sobretudo, os mecanismos e o sistema de governança para melhor entendimento da relação de
poder.
A questão de relações de poder esbarra no conceito de cooptação, ressaltado por Teodósio
(2009b). Para este autor, a cooptação é um risco significante na dinâmica de interações dos atores
sociais envolvidos na parceria, embora, para ele, na maioria das vezes, isso ocorra de maneira
transitória e instável.
Realizar uma “participação integrada” é outro desafio destaque da categoria de relações
interorganizacionais (grifo meu), pois há dificuldades de modificar o ambiente institucional ao
qual se inserem (VASCONCELLOS SOBRINHO; VASCONCELLOS, 2010) e se engessam as
dinâmicas estruturantes das relações de cooperação (TEODÓSIO, 2008), o que acaba por gerar
uma fragmentação institucional. Isto pode ser resolvido com a comunicação integrada, a partir de
discussão e diálogo entre setor público, mercado e organização da sociedade civil (VILLELA;
PINTO, 2009).
O envolvimento de agricultores familiares e comunidades pressupõem condições de
acesso ao crédito, assistência técnica e posse da terra (BECKER, 2010) e um fortalecimento de
ações sociais para lidar com um programa na linha top-down. (ABRAMOVAY; MAGALHÃES;
SCHRODER, 2010) e para construção de maior permeabilidade das políticas às demandas dos
diversos sujeitos.
Para Costa, Bursztyn e Nascimento (2009), é necessário criar uma forma mais ativa de
representatividade dos elos mais fracos. Neste sentido, Alvesson e Deetz (2010) enfatizam que o
44
ponto crítico deste fortalecimento dos elos fracos está na superação dos modos pelos quais
àqueles subjugados participam ativamente da sua própria subjugação.
A lucratividade das empresas atuantes também é um importante fator do desenvolvimento
local, pois diante disso é possível ter maior estímulo para o investimento do mercado, levando ao
programa mais um desafio o de incrementar a posição de competitividade de uma empresa ou de
um aglomerado de empresas (PORTER; LINDE, 1995). Outro desafio que se apresenta é a
capacidade de inovação, adaptação e regulação, que para Abramovay, Magalhães e Schroder
(2010), tende a ser dificultada pelos movimentos representativos que consolidam e enrijecem os
interesses. A institucionalização destes os empurra em direção a atitudes rotineiras que
bloqueiam, muitas vezes, seus potenciais inovadores.
Em termos econômicos (grifo meu), a Beta (2010) depõe contra a baixa produtividade,
dizendo que a média situa-se entre 3 e 4,4 tons/óleo/ha/ano desde 1975, sendo que na agricultura
familiar é ainda menor, variando entre 1,35 e 1,65 tons/óleo/ha/ano, enquanto empresas de grande
porte chegam a produzir acima de 6 tons/óleo/ha/ano. Derruba também a questão da queda de
preços e do aumento de custos, pontuando que apesar de parecer atrativo, em termos reais, o
preço do óleo de palma caiu 2,3% a.a. desde 1950. Para se manter competitiva e lucrativa, uma
empresa precisa melhorar sua produtividade em no mínimo 1 a 1,5% a.a. Isto também é
constatado também pelo Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da Repórter
Brasil, que diz que entidades locais temem endividamentos por um lado e incapacidade de
acessar os créditos por outro (DROUVOT; DROUVOT, 2011). Além das questões culturais, há o
risco de dependência excessiva das empresas industriais que também afeta diretamente o quadro
socioeconômico das localidades.
Evoluir na direção da agroindústria e ser capaz de administrar unidades produtoras de
óleo vegetal exige a organização em cooperativas, o que envolve esforços de formação
profissional (PEIXOTO, 2008). Neste sentido, também se encontra como forma de desafio a
compatibilização do espírito do movimento social (TEODÓSIO, 2008). Peixoto (2008) diz que
se deve buscar a articulação de competências institucionais em função de projetos definidos
conforme contextos territoriais.
Os pontos a serem destacados nos desafios ambientais (grifo meu) são: conservação da
biodiversidade, o risco de desmatamento com expansão da palma por proporcionarem ganhos
econômicos, pragas exóticas, uso de pesticidas e fertilizantes e mudanças do uso da terra.
45
Abramovay (2010) explana que o maior desafio está em transformar a biodiversidade e os
produtos e serviços ecossistêmicos da exploração florestal sustentável em grande fonte de ganhos
econômicos para agentes privados e da região como todo. Para isto, ainda conforme o autor, é
necessária uma conscientização do uso de energia renovável, diante de processos de energia mais
viáveis economicamente. Ainda neste sentido, Drouvot e Drouvot (2011) explicam que é
necessário vencer as forças da coalizão sobre a prática de desmatamento e Becker (2010) chama
atenção para que o Zoneamento Agroecológico (ZAE) seja respeitado.
Em relação aos desafios fitossanitários, a preocupação é proteger o território brasileiro de
pragas exóticas, evitar ou retardar a disseminação de pragas presentes, atender aos acordos
internacionais sobre a sanidade vegetal, garantir as exportações de produtos vegetais à economia
nacional, manter a sanidade dos vegetais e suas partes no mercado interno (MAPA, 2010).
Os desafios socioeconômicos (grifo meu) trazem teor mais preocupante. A crítica está em
ultrapassar a ideia subjetiva sobre melhoria de qualidade de vida das populações indígenas
tradicionais, comunidades da floresta, agricultores familiares e dos trabalhadores do campo. Esta
questão leva a uma percepção particular do significado de qualidade de vida. Dentre as questões
sociais está a de permanecer a coesão para estabelecer a conceituação dentro da arena cognitiva
local do que é o bem estar e segurança (GOULART et al, 2010). Cabe ressaltar questões de
aplicação das leis trabalhistas, inclusive para evitar trabalho infantil (BETA, 2010).
Por fim, o desafio gerencial (grifo meu) é o de melhorar a gestão organizacional dos três
setores. Villela e Pinto (2009) destacam a incapacidade da gestão governamental, da
desorganização local e da capacidade de planejamento e gestão estratégica.
Enfim, nos desafios gerenciais, são destacadas as funções-chave de administração e de
todas as organizações: planejar, executar, controlar, monitorar, verificar, reunir, reformular,
retroalimentar o processo por meio de feedbacks e participação integrada, realizar e divulgar
relatórios de acompanhamento, dentre outros.
Portanto, a parceria trissetorial está longe de ser apresentada como panacéia para o
alcance de desenvolvimento local, uma vez que apresenta um conjunto de desafios das mais
diversas dimensões (geopolíticos, técnicos, das relações interorganizacionais, ambientais e
socioeconômicos) a serem superados para o aproveitamento das potencialidades da união entre os
três setores da sociedade.
46
Para facilitar o destaque das categorias analíticas (ver grifos anteriores) segue o quadro 1
com a síntese dos desafios para implementação prática à parceria trissetorial sob perspectiva do
desenvolvimento local.
Quadro 1 – Categorização de desafios encontrados na literatura.
DESAFIOS DA PARCERIA TRISSETORIAL PARA DESENVOLVIMENTO LOCAL
Geopolítico Técnico Relação
Organizacional Ambiental
Socioeconômic
o Gerencial
Territorialidade
e Coesão Social.
(ANDION,
2003)
Logística
(MDA, 2010)
Estruturar bases
sindicais
(ABRAMOVAY;
MAGALHÃES,
2007)
Conservação da
Biodiversidade
(ABRAMOVA
Y, 2010)
Qualidade de
vida
(GOULART et
al, 2010)
Gestão das
Organizações
(VILLELA;
PINTO, 2009);
Formação
Sócio-espacial
(GOULART et
al, 2010)
Industrialização
do biodiesel.
(BECKER,
2010)
Relações de Poder
(ABRAMOVAY;
MAGALHÃES,
2007).
Conscientização
do uso de
energia
renovável
(ABRAMOVA
Y, 2010)
Distribuição de
renda
(GOULART et
al, 2010)
Planejamento
(VILLELA;
PINTO, 2009);
Legalização
Territorial
(ABRAMOVA
Y;
MAGALHÃES,
2007)
Riscos da
monocultura
(BECKER,
2010)
Participação
integrada
(VASCONCELLO
S SOBRINHO;
VASCONCELLO
S, 2010)
Coalizão do
desmatamento
(DROUVOT;
DROUVOT,
2011)
Inovação nos
processos
sustentáveis
(BECKER,
2010)
Monitoramento
e Controle da
produção
(BECKER,
2010)
Temporalidade
Histórica das
microrregiões
(ANDION,
2003)
Termos
contratuais
(ABRAMOVA
Y;
MAGALHÃES,
2007)
Comunicação
Integrada
(VILLELA;
PINTO, 2009)
Desafio
fitossanitário
(MAPA, 2010)
Baixa
produtividade
da cadeia de
dendê (BETA,
2010)
Gestão das
Organizações da
Sociedade Civil
(TEODÓSIO,
2008)
Interdependênci
a com o
mercado global
Capacitação
agricultores
familiares
(DROUVOT;
DROUVOT,
2011)
Representatividade
da pequena
produção
(ABRAMOVAY;
MAGALHÃES;
SCHRODER,
2010)
Uso de
pesticidas e
fertilizantes
(BETA2010)
Queda de
preços /
aumento dos
custos (BETA,
2010)
Emissão de
relatório de
acompanhament
o
Situação
Fundiária
BETA (2010)
Promover
agricultura
sustentável
(PEIXOTO,
2008)
Lucratividade das
empresas atuantes
(SCHMITZ, 2005)
Mudanças no
uso da terra
(BETA, 2010)
Questões
sociais (BETA,
2010)
Retroalimentaçã
o dos processos
participativos
Configurações
institucionais.
(ALVES, 2007)
Geometria do
poder
(HAESBART,
2005)
Formação
Profissional
(PEIXOTO,
2008)
Compatibilização
do espírito de luta
social
(TEODÓSIO,
2008)
Manter nível
cultural da
região
(GOULART et.
al, 2010)
Feedbacks
Fonte: Autora (2011).
47
A categorização em um quadro síntese dos desafios da parceria trissetorial foi
fundamental para a organização da pesquisa de campo, que teve como foco identificar de que
forma estes desafios são tratados na realidade estudada. As entrevistas no município de
Concórdia do Pará foram realizadas com a Secretaria Municipal de Agricultura, Secretaria
Municipal de Meio Ambiente, Sindicato dos trabalhadores rurais e com agricultores familiares.
Isso possibilitou a construção de alguns aspectos do quadro teórico-empírico apresentado. Antes
de realizar a apresentação do quadro empírico, um breve contexto histórico do programa no
município e apresentação dos atores sociais neste cenário se faz necessário.
2.4 BREVE HISTÓRICO DO PNOP EM CONCÓRDIA DO PARÁ
Nesse município, o programa recebeu um grande destaque por parte da empresa Alpha,
que o escolheu como lócus para sua primeira instalação a partir da compra de terras de grandes
fazendeiros. De fato, segundo o prefeito, o município apresentou, além de um histórico com a
cultura do dendê, uma região geograficamente bem localizada, o que o beneficiaria no sentido de
tornar-se centro dos polos produtores, e facilitaria a disseminação do programa.
Concórdia do Pará é um município novo, criado em 1988. A origem da sua ocupação
remete à década de 1970, período em que foram instaladas as primeiras serrarias, cujo objetivo
era a exploração de seu potencial madeireiro (IDESP, 2011). Este período foi marcado por
exploração intensiva de madeira e quase nenhuma preocupação ambiental, o que resultou em
aproximadamente 5 milhões de área degradadas, segundo dados da prefeitura do município.
Após o grande desmatamento na região, as serrarias e madeireiras se mudaram, deixando-
a com altos índices de pobreza e degradação ambiental. A estratégia do município foi recorrer à
agricultura familiar por via dos moradores que permaneceram na região, cultivando pimenta-do-
reino (sem estimativa), feijão (26 toneladas ao ano), frutas (68 toneladas ao ano) e mandioca (13
toneladas ao ano) (SEMAGRI, 2012; IBGE, 2006).
De acordo com a entrevista com o prefeito, que na época de exploração madeireira era
secretário de agricultura, foi neste contexto que, na década de 1990, se instalou no município a
empresa Dendê Tauá, a primeira empresa do ramo de óleo de palma da região. Foi apenas com a
instalação dessa empresa que ocorreram as primeiras iniciativas para disseminar a cultura do óleo
48
de palma para agricultores familiares. Porém, a cultura ainda era inviável, visto que as sementes
do Dendê eram trazidas da Malásia e apresentavam de alto custo de aquisição.
Somente em 2009, com a chegada da empresa Alpha e um selo com o pronunciamento do
ex-presidente Lula da Silva, foi que a empreitada do Programa Nacional do Óleo de Palma se
concretizou no município e viabilizou a inclusão dos agricultores rurais no cultivo de dendê.
Ainda assim, o programa foi recebido com muita resistência pelas comunidades locais, haja vista
a falta de conhecimento e estrutura dos pequenos agricultores rurais com a nova cultura. Isso
resultou em baixa adesão ao programa, representado por apenas 12 famílias no primeiro ano
(ALPHA, 2011).
Assim, os atores sociais do programa em nível local representam os três setores da
sociedade: Estado (Prefeitura, SEMMA, SEMAGRI, EMBRAPA e BASA), mercado (Alpha e
Empreiteiras) e sociedade civil organizada (Sindicato de Trabalhadores Rurais), cada um com seu
papel definido para a localidade.
No âmbito local, as adaptações necessárias são feitas por meio de fóruns promovidos pela
empresa Alpha, que reúne todos os atores dos demais segmentos da parceria trissetorial. O
financiamento é proporcionado pelo Banco da Amazônia (BASA), com formulação de contratos
mediante o MDA e a empresa Alpha. A regulação é de responsabilidade da esfera pública, por
meio das secretarias municipais e prefeitura, no entanto, esta negociação se dá em acordo com a
empresa Alpha. A avaliação do programa é realizada pela empresa Alpha, por meio de relatórios
e reuniões. Por fim, a produção é de responsabilidade da agricultura familiar, com apoio de
assistência técnica da empresa e fornecimento de mudas, assim como recebe as sementes da
Embrapa. Os papéis estão resumidos no quadro 2.
49
Quadro 2 – Apresentação dos papéis dos atores sociais do PNOP, Concórdia do Pará.
ATOR SOCIAL PAPEL
EMBRAPA Realizar pesquisas de sementes para o Dendê
PREFEITURA Articular políticas públicas juntos às secretarias e à empresa na elaboração de
apoio para o programa, principalmente no que diz respeito à infraestrutura
SEMAGRI Selecionar pessoal para o programa;
Oferecer apoio técnico
SEMMA Fiscalizar a empresa com relação ao meio ambiente
ALPHA Fornecer mudas;
Prestar assistência técnica
Intermediar financiamento, caso o agricultor possuir dívidas no banco
Comprar a produção da agricultura familiar
EMPREITEIRAS Executar serviço de esmagamento do óleo de palma
AGRICULTORES FAMILIARES Atuar como mão-de-obra para o cultivo do dendê em suas terras
SINDICATO DOS
TRABALHADORES RURAIS
Defender a categoria em todos os aspectos sociais, na educação, com
referências paras as estradas e melhorando a qualidade de vida dos
trabalhadores.
Fonte: Autora, 2012.
2.5 ANÁLISE DOS DESAFIOS DA PARCERIA TRISSETORIAL EM CONCÓRDIA DO
PARÁ
Feito o contexto histórico e a apresentação dos atores do PNOP em Concórdia do Pará,
retoma-se ao quadro 1, desta vez centrando-se nos desafios da parceria trissetorial em Concórdia
e analisando-se os pontos mais relevantes no município.
A análise do desafio 1 (geopolítico) possibilita o entendimento de que as relações entre
poder e espaço geográfico, na formulação, implementação e controle de política pública ocorreu a
despeito da coesão social, o que gera segregação sócioespacial. Na análise das entrevistas, foram
identificados aspectos que demonstram a importância deste desafio, como demonstra o Quadro 3.
50
Quadro 3 – Desafios Geopolíticos.
Desafio Componentes Trecho da Entrevista
Geopolítico
Territorialidade e
Coesão Social
“O agricultor nativo acaba não se acostumando com a cultura e exigências do
trabalho oferecido pelas empresas porque não conhece a técnica que antes
não tinha na nossa região. (...) Não temos técnicas profundas sobre o dendê.”
(agricultor familiar 12, informação verbal).9
Segregação
Sócioespacial
“Nós mesmo não sabemos os limites das regiões, se tá (sic) mais perto da
prefeitura de Concórdia do Pará, os agricultores vem pedir ajuda aqui (...),
não há integração entre as prefeituras”. (Secretário de Agricultura,
informação verbal).10
Temporalidade
Histórica das
microrregiões
“o que movimentava era a extração da madeira antes, o crescimento
econômico se deu de forma desordenada, sem preocupação ambiental, de
maneira que se esgotou a madeira e a solução era o dendê”. (Secretária
Municipal de Meio Ambiente, informação verbal).11
Situação Fundiária “tavam (sic) vendendo as terras tudinho, até as áreas quilombolas”.
(Presidente do Sindicato, informação verbal).12
Fonte: adaptado de Andion (2003), Becker (2005) e Goulart et al (2010).
O desafio 2, como já enfatizado, diz respeito à parte técnica (quadro 4) da produção rural,
envolve aspectos de logística, industrialização até a etapa de produção do biodiesel, riscos da
monocultura, capacitações e termos contratuais. Verificou-se no programa um apoio na sua
formação que foi determinante para melhoria da produção de óleo de palma na região. Por outro
lado, a monocultura é o componente que mais preocupa na visão dos pequenos agricultores
rurais. Com relação aos termos contratuais, percebe-se que ainda há pouca convergência de
interesses entre as partes, neste caso, a empresa acaba se sobrepondo em relação aos pequenos
agricultores, sobretudo por não haver uma intermediação ou uma união das forças.
9 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 03 de julho de 2012.
10 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 20 de dezembro de 2011.
11 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 21 de dezembro de 2011.
12 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 21 de dezembro de 2011.
51
Quadro 4 – Desafios técnicos.
Desafio Componentes Trecho de entrevista
Técnico
Logística “o governo não tem preparo pra “preparar o povo”. Precisamos de ajuda no plantio,
locação de trator, estradas e pontes, por exemplo, do Bujaru, para ajudar no
escoamento”. (Secretário de Agricultura, informação verbal)13
Riscos da
monocultura
“A monocultura é preocupante, não pode usar a produção do alimento como milho,
mandioca, feijão. O dendê não podemos colocar na panela e comer, por isso
precisamos da produção de alimento”. (Técnico do Sindicato, informação verbal).14
Capacitações
técnicas
“temos agora uma parceria com a IFPA pra formar técnico de agricultura. A Embrapa
trás mão-de-obra qualificada, o filho do agricultor fica um mês no campo e um mês na
escola”. (Representante da Alpha, informação verbal).15
Termos
contratuais
“por enquanto a negociação se dá individualmente. Mas se discutem criação de
cooperativas e contratos coletivos (...), o sindicato está articulando o contrato
coletivo”. (Secretária Municipal de Meio Ambiente, informação verbal).16
Fonte: Adaptado de MDA (2010), Becker (2010), Drouvot e Drouvot (2011), Abramovay e Magalhães (2007).
Concernente ao desafio 3, que envolve as relações interorganizacionais, um dos aspectos
básicos é a estruturação sindical para apoio ao pequeno agricultor rural. Além disso, destaca-se a
superação dos fragmentos institucionais, por meio de comunicação integrada e percepção das
relações de poder. O observado na pesquisa de campo é que os atores sociais percebem os
conflitos entre interesses e buscam uma maior comunicação, principalmente com a empresa, que
representa para eles o topo das relações de poder local. A questão da cooptação e participação
ativa no processo da própria subjugação pode ser observado também nos discursos dos atores,
apesar da comunicação ser feita por via de mão-dupla. Entretanto, não há a possibilidade de
prevalência da vontade dos agricultores familiares na articulação da parceria trissetorial,
caracterizando uma contradição do aporte teórico que afirma que em uma parceria não deve
haver coerção ou sobreposição da vontade de um grupo privilegiado, uma discussão que pauta-se,
sobretudo, sobre relações de poder, ação e cooperação. É necessário realizar um esforço maior
para compreender melhor a relação entre os atores (capítulo 4).
Assim, pode-se destacar alguns trechos das entrevistas como segue no Quadro 5.
13 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 20 de dezembro de 2011.
14 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 21 de dezembro de 2011.
15 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
16 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 21 de dezembro de 2011.
52
Quadro 5: Desafios das relações interorganizacionais.
Desafio Componentes Trecho de entrevista
Relações
Interorganizacionais
Estruturar bases
sindicais
“O sindicato possui uma assessoria jurídica há 15 dias, não temos
condições financeiras para presenciar o momento da assinatura dos
contratos entre os agricultores e as empresas”. (Presidente do Sindicato,
informação verbal). 17
Superar
fragmentação
institucional
“Estas relações (leia-se a parceria entre estado, sindicato e comunidade)
são conflituosas, pois há interesses distintos. Tudo é feito na base da
conversa”. (Secretária de Meio Ambiente, informação verbal).18
Comunicação
integrada
“Com a empresa temos contato direto, só esses dias foram 3 reuniões,
colocamos nosso lado e eles os deles. Onde tem problema a gente
questiona”. (agricultor familiar 09, informação verbal)19
Relações de
poder
“O capital sempre ganha e retira o interior por transformá-lo em uma grande
cidade. Tenho desconfiança por parte do Programa. (...) Não sou a favor dos
grandes programas e mesmo brigando pelos direitos, as empresas acabam
dominando o capital, mas claro que não podemos deixar de buscar os nossos
direitos, precisamos sim discutir, lutar se não a situação fica muito pior”.
(Presidente do Sindicato, informação verbal).20
Fonte: Adaptado de Abramovay e Magalhães (2007), Vasconcellos Sobrinho e Vasconcellos (2010), Villela e Pinto
(2009) e Teodósio (2008).
No que tange ao desafio 6, mais precisamente aos desafios ambientais, se destacam na
conservação da biodiversidade, a prevenção do desmatamento, desafios fitossanitários e o uso de
fertilizantes e pesticidas. O que se percebe é que se trata de um dos desafios que menos apresenta,
na prática, medidas de controle, devido ao pensamento imediatista da região no que se refere ao
retorno financeiro. Como pode ser comprovado no Quadro 6.
Quadro 6 – Desafios ambientais.
Desafio Componentes Trecho de entrevista
Ambientais
Conservação da
biodiversidade
“houveram denuncias dos agricultores, que perderam a cultura do abacaxi,
banana, cupuaçu, afetando o meio ambiente, por exemplo, ocorreu o remanejo
dos pássaros, que acabaram por invadir outras culturas causando maiores danos”.
(Secretária Municipal de Meio Ambiente, informação verbal).21
Coalizão do
desmatamento
“Não respeitaram nada, nem o cemitério respeitaram. Sítios foram devastados.
Devastação com tratores, veneno perto dos igarapés”. (Secretário de Agricultura,
informação verbal). 22
Desafio
fitossanitário
“a assistência técnica da empresa cuida das pragas, mas também é interesse da
empresa que esteja tudo certo”. (Presidente do Sindicato, informação verbal).23
.
Uso de pesticidas “Hoveram doenças ocasionadas pelo veneno,tanto na produção quanto nos
17 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
18 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 21 de dezembro de 2011.
19 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
20 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
21 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 21 de Dezembro de 2011.
22 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
23 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
53
e fertilizantes agricultores, (...) além da contaminação dos rios”. (Secretária Municipal de Meio
Ambiente, informação verbal). 24
Fonte: adaptado de MAPA (2010), EMBRAPA (2010), Abramovay (2010) e Drouvot e Drouvot (2011).
O desafio socioeconômico é de grande complexidade. Nesta questão, foi necessário tanto
um estudo documental quanto a leitura das entrevistas (quadro 7) para análise, haja vista a
necessidade de um entendimento mais ampliado do desafio.
Em termos sociais, são apontadas temáticas que estão muito distantes daquilo que se
almeja como real, como extinção de pobreza, fome, violência, dentre outros problemas que não
serão eliminados da convivência social em um curto período de tempo. Em termos econômicos,
os agricultores rurais confirmam as questões levantadas pela empresa Beta (2010) com relação à
baixa produtividade. Entretanto, é necessário esclarecer que o programa ainda não se encontra na
fase de colheita, sendo necessário averiguá-lo novamente após os três anos de plantação.
Portanto, este desafio, apesar de existir na localidade, é uma questão a ser aprofundada em longo
prazo, após o término do período de carência do financiamento do PRONAF-ECO e da prestação
de assistência e treinamento pela empresa.
Quadro 7 – Desafios Socioeconômicos.
Desafio Componentes Trecho de entrevista
Socioeconômicos
Qualidade de Vida “importante manter os agricultores nas suas terras, com qualidade de
vida e isso não tá acontecendo”. (Presidente do Sindicato, informação
verbal).25
Distribuição de renda “agricultura familiar vive na linha da miséria. Tudo que pedimos é
educação, habitação e emprego”. (Presidente do Sindicato, informação
verbal). 26
Manter nível cultural “Estamos num quadro de mudança de cultura, conscientização do
agricultor para plantação do dendê em área degradada”. (Secretário de
Agricultura, informação verbal). 27
Monitoramento e
controle de produção
“se o terreno não estiver roçado de acordo com os procedimentos
corretos, de 45 dias o técnico vistoria, de 3 em 3 meses ganham adubo.
Se não atingir a meta, no entanto, não recebe o adubo”. (Presidente do
Sindicato, informação verbal). 28
Fonte: Adaptado de Goulart et al (2010) e Becker (2010).
24 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 20 de Dezembro de 2011.
25 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012
26 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012
27 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 20 de dezembro de 2011.
28 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012
54
Destaca-se, portanto, a sistematização dos problemas que mais ficaram evidentes por
meio das entrevistas com atores sociais da localidade.
Figura 2 – Síntese dos desafios da parceria trissetorial no PNOP, Concórdia do Pará.
Fonte: Autora (2011).
Como pode ser visto, dentre os desafios geopolíticos destaca-se a questão de poder e
espaço geográfico; do desafio social, a questão da equidade entre os atores; dos desafios
gerenciais destaca-se o PDCA (plan, do, check, action); dos desafios econômicos destaca-se a
distribuição de renda; dos desafios ambientais a questão do reflorestamento diante do problema
de monocultura; dentre os desafios interorganizacionais destaca-se a questão da participação
efetiva; e dos desafios técnicos, destaca-se a logística.
2.6 CONCLUSÕES PARCIAIS
A contribuição principal do capítulo foi delinear um arcabouço inicial para um caminho
de aperfeiçoamento de estudos acerca dos desafios da parceria trissetorial para o
55
desenvolvimento local. O aporte teórico foi fundamental para melhor compreensão da teoria; e a
definição de desafios e contextualização histórica foram essenciais para a compreensão do
fenômeno tripartite na localidade, causas e impasses.
É possível perceber a pertinência do tema na Amazônia, onde uma variedade de
programas para desenvolvimento territorial com base em pressupostos de participação de
diferentes níveis de atores sociais preconizam uma nova realidade social, vinculando sempre ao
emergente tema de desenvolvimento sustentável, em suas diferentes dimensões: social,
ambiental, institucional, econômico, tecnológica e cultural.
No Brasil, este processo de transição remete à contraposição aos valores concebidos na
época ditatorial, baseado no autoritarismo. A discussão sobre participação social e cooperação se
deu a partir dos anos de 1990, quando um sistema mais democrático e integrado passou a se
apresentar. O surgimento de organizações do terceiro setor marcou a fase de descentralização do
poder nas mãos unicamente do Estado, admitindo a complementaridade dos setores para o
benefício da sociedade.
Os movimentos sociais, o poder público e as organizações do terceiro setor uniram forças
para auxiliar o processo de implantação de medidas, sobretudo, emergenciais, como por exemplo,
a contenção dos bolsões de misérias, desigualdades e mazelas ecológicas, geradas pelas sequelas
evidenciadas pelo sistema baseado apenas no viés economicista.
Quando esta parceria foi impressa em um programa institucionalizado pelo governo
federal, com a abordagem participativa entre organizações do mercado e da sociedade civil, um
conjunto de desafios se lançou. O programa que exemplificou esta percepção foi o Programa
Nacional de Óleo de Palma, possibilitando uma categorização em seis desafios centrais
encontrados a partir de uma revisão de literatura acerca da questão, são eles: desafios
geopolíticos, desafios técnicos, desafio das relações inteorganizacionais, desafios ambientais,
desafios socioeconômicos e desafios gerenciais.
Evidencia-se, portanto, que a solução para os problemas vigentes do sistema capitalista
encontra-se em via de análise, necessitando de estudos empíricos que possam prospectar
melhores soluções para o encontro de desafios a partir da contradição no campo dialético entre os
três setores da sociedade.
Com relação a estes desafios apontados na parceria trissetorial, o estudo de caso do
Programa Nacional de Óleo de Palma em Concórdia do Pará, possibilitou identificar aspectos
56
interessantes. A análise do desafio 1 (geopolítico) indica que as relações entre poder e espaço
geográfico, na formulação, implementação e controle de política pública ocorreu a despeito da
coesão social, o que tem gerado segregação sócio espacial.
O desafio 2, como já enfatizado, diz respeito à parte técnica da produção rural, com
aspectos de logística, industrialização até a etapa de produção do biodiesel, riscos da
monocultura, capacitações e termos contratuais. Verificou-se no programa um apoio na sua
formação, que foi determinante para melhoria da produção de óleo de palma na região, por outro
lado, a monocultura é o componente que mais preocupa na visão dos pequenos agricultores
rurais. Com relação aos termos contratuais, percebe-se que ainda há pouca convergência de
interesses entre as partes. Neste caso, a empresa acaba sobrepondo seus interesses em relação aos
pequenos agricultores, sobretudo por não haver uma intermediação ou uma união das forças.
Concernente ao desafio 3, que envolve as relações interorganizacionais, um dos aspectos
básicos é a estruturação sindical para o apoio do pequeno agricultor rural, além disso deve
ocorrer a superação dos fragmentos institucionais, por meio de comunicação integrada e
percepção das relações de poder. O que foi observado na pesquisa de campo é que os atores
sociais percebem os conflitos entre interesses e se estruturam para que tenham uma maior
comunicação, principalmente com a empresa que representa para eles o topo das relações de
poder local.
No que se refere a questões ambientais, o desafio 4 é um dos que menos apresenta, na
prática, medidas de controle. Isto se deve ao pensamento imediatista da região no que diz respeito
ao retorno financeiro. Necessita-se, nesse caso, de maior atenção à conservação da
biodiversidade, à prevenção da coalizão do desmatamento, aos desafios fitossanitários e ao uso de
fertilizantes e pesticidas.
O Desafio 5, referente aos socioeconômicos, gera um cenário preocupante e subjetivo de
análise de qualidade de vida, distribuição de renda, conservação da cultura local e ao mesmo
tempo controle da produção. Por perceber que se trata de um desafio que aborda questões
geopolíticas, técnicas, econômicas, interorganizacionais e gerenciais, escolhe-se esta perspectiva
social para análise das ações dos demais desafios.
A partir do entendimento de como funcionam os desafios na localidade, o estudo aborda
nos próximos capítulos (3 e 4) o aprofundamento de duas perspectivas de desafios (ação e
57
interação), que, consubstanciados na literatura, atendem de forma sintetizada o entendimento
intraorganizacional e interorganizacional que se deseja alcançar.
3 AÇÕES LOCAIS NA GESTÃO DE PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO
LOCAL: LIMITES E POSSIBILIDADES29
3.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo objetiva analisar a influência de ações locais na gestão de programas
nacionais que abordam o desenvolvimento local e conecta-se ao anterior (capítulo 2) ao
reconhecer, dentre os desafios destacados no quadro 1, a necessidade de aprofundar as questões
referentes à perspectiva social das ações locais desenvolvidas para enfrentar os desafios. Utiliza-
se como base o conceito da gestão social e seus pilares principais, a saber: diálogo, transparência,
democracia e cidadania (CANÇADO; TENORIO; PEREIRA, 2011).
O capítulo inicia com a discussão da gestão social, como processo gerencial. Este viés
analítico é uma opção da autora para análise de ações locais dentro da abordagem de parceria
trissetorial e desenvolvimento local, por entender que essas discussões podem dialogar na medida
em que propõem uma gestão compartilhada entre atores, instituições e suas representações, que
avança para uma dimensão societal (FISCHER et al, 2006).
Posteriormente, o capítulo discorre sobre as ações locais em Concórdia do Pará para dar
suporte ao entendimento da dinâmica dos atores sociais. É necessário ressaltar que esta análise é
realizada sobre duas óticas: em um primeiro momento, a partir da observação do Seminário de
Agricultura Familiar do município, utilizando o software cmap tools; e, em um segundo
momento, nas residências individuais dos doze agricultores rurais, utilizando o software
qualiquantisoft.
Assim, o capítulo está organizado em cinco seções, incluindo esta inicial. A segunda
seção é de base conceitual, discute questões de gestão social, contexto e pilares. Na terceira
seção, busca-se relacionar os aportes teóricos com a realidade apresentada nas relações dos atores
sociais do município de Concórdia do Pará, desde um resgate contextual, até as ações locais
29Adaptado do trabalho apresentado pela autora ( SOUSA; VASCONCELLOS; VASCONCELLOS SOBRINHO,
2012) no VI Encontro Nacional de Pesquisadores de Gestão Social, publicado nos anais do evento em 2012.
58
propriamente ditas. Na última seção apontam-se algumas conclusões do capítulo, a partir da
análise da influência das ações locais em programas de desenvolvimento local.
3.2 A GESTÃO SOCIAL COMO PROCESSO GERENCIAL INFLUENCIADO PELA
DINÂMICA DE AÇÕES LOCAIS
3.2.1 Contextualização da gestão social
A gestão social é um campo em construção e, por isso, apresenta uma série de vieses
analíticos, dentre os quais o da administração pública (HOCAYEN-DA-SILVA; ROSSONI;
FERREIRA JUNIOR, 2008), da espacialização do poder e liderança (FISCHER et al, 2006), da
gestão de territórios (PEREIRA et al, 2011), da gestão democrática e participativa (CANÇADO;
TENÓRIO; PEREIRA, 2011) e da governança (VILLELA; PINTO, 2009). Tudo isso demonstra
a amplitude do conceito.
Neste trabalho, a perspectiva adotada discorre sobre a construção da gestão social por
meio da dinâmica das ações locais no processo de redemocratização no campo social. Toma-se
como conceito a proposição de Tenório (2008) de que a gestão social é um processo gerencial
dialógico, no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os partícipes da ação.
Tenório (2012) realiza uma reflexão sobre o conceito e apresenta três suposições sobre a
Gestão Social: (1) trata-se de um conceito subserviente à realidade não republicana brasileira; (2)
é uma utopia dada a sua pretensão antinômica ao de gestão estratégica e (3) é um não conceito,
diante do equilíbrio entre a consciência e a realidade.
Com relação ao primeiro ponto, o autor discorre que os representantes do governo em
suas três esferas não satisfazem uma cultura decisória para o bem comum. No entanto, tomando
como base o processo de redemocratização das políticas de desenvolvimento local (ver, capítulo
2) aqui estudados, considera-se que o Estado não será o único agente no processo de
desenvolvimento. No que diz respeito ao segundo ponto, o autor afirma que a proposição do
processo democrático participativo é um “devaneio”, uma vez que a gestão social seria
substanciada pela ausência de interferência. A esta colocação, o presente estudo não identifica
ausência de interferência, e sim uma “interferência compartilhada”.
59
Tenório (2008) reflete sobre a não conceituação do termo gestão social, porém Adorno
(2009, p.209) que “em verdade, todos os conceitos, mesmo os filosóficos, apontam para um
elemento não conceitual, pois são em parte, momentos da realidade que impele à formação”.
A composição da gestão social renuncia à homogeneidade, devido às convergências de
interesses e atores plurais, sendo o conflito inerente à prática de gestão social, em especial
quando o foco é o território (ZANI; KRONEMBERGER; DIAS, 2012). A rede constituída pelos
atores da parceria trissetorial é por si um fato social, mas é também uma oportunidade de reflexão
sobre o social e as práticas cotidianas (JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2012).
Para Teodósio (2009b), todo esse quadro coloca renovados desafios à pesquisa sobre
gestão social, reforçando a importância de que agendas de investigação sobre as parcerias
trissetorial avancem.
3.2.2 Os pilares da gestão social
A perspectiva da gestão social pressupõe ações locais para que o processo gerencial atinja
resultados satisfatórios para todos os envolvidos no processo (CANÇADO; TENÓRIO;
PEREIRA, 2011). No entanto, é necessário compreender que estas ações locais estão atreladas às
relações de poder, desigualdades sociais e diversidades culturais. Fischer (2004), em sua análise
de poderes locais, discute a formação da identidade e práticas de gestão mediante as alianças e
conflitos nas relações de forças de atores sociais, que estabelecem interorganizações, híbridas por
natureza, que articulam Estado, mercado e as diferentes organizações, mais ou menos
formalizadas, da sociedade civil.
Assim, a literatura (FISCHER et al 2006; FISHER, 2004; CANÇADO; TENÓRIO;
PEREIRA, 2011; PEREIRA et al, 2011) demonstra que a gestão que envolve Estado, mercado e
sociedade apresenta diversas perspectivas. Dentre elas, destacam-se: articulação positiva de
múltiplos níveis de poder (PEREIRA et al, 2011), criação de alianças, parcerias e pactos; respeito
ao contexto histórico-cultural; possibilidade de aprendizado em via de mão dupla (FISCHER,
2004; 2006); tomada de decisão coletiva; transparência; emancipação; democracia; dialogicidade
(CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011).
Diante do foco proposto neste trabalho, o de analisar a influência das ações locais na
gestão social, dentre os pilares de gestão social destaca-se a “emancipação do homem”
60
(CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011), conceito que integra a perspectiva das relações
sociais no processo de gestão social com as ações locais.
A emancipação do homem é considerada a finalidade da gestão social, isto é, só é possível
o gerenciamento integrado entre os atores de um programa, quando todos os envolvidos tiverem
voz no processo de gestão. Logo, a emancipação do homem pode ser medida através da
transparência e dialogicidade no processo democrático deliberativo e no exercício da cidadania
(FREIRE, 1987, 1996, 2001 apud CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011), variáveis baseadas
no approach habermasiano da teoria de ação comunicativa.
De acordo com Cançado, Tenório e Pereira (2011), a transparência é um componente
fundamental para emancipação do homem e um processo decisório transparente implica em livre
fluxo de informação entre os partícipes. Do mesmo modo, a dialogicidade é a variável que mede
a inteligibilidade da linguagem utilizada neste fluxo de informação.
O processo democrático deliberativo pode ser entendido, aqui, como as ações recíprocas
entre as esferas informais do mundo com as esferas formais dos processos de tomadas de decisão
institucionalizados (LUBENOW, 2010).
Por fim, o exercício da cidadania constitui os direitos e deveres dos cidadãos enquanto
partícipes do processo gerencial do programa de desenvolvimento, que envolve, em suma, a
concordância dos cidadãos em relação às ações, pessoas e programas instituídos.
3.3 AS AÇÕES LOCAIS NO PNOP EM CONCÓRDIA DO PARÁ
As ações locais são analisadas a partir dos fóruns de interação sobre os desafios propostos
pelo PNOP, apresentados no capítulo 2. As reuniões foram realizadas entre os participantes da
localidade e de outras regiões, sindicatos e secretarias, empresa e agricultores rurais. Uma das
reuniões destacadas ocorreu em novembro de 2010, chamada de 1º Seminário de Agricultura
Familiar, organizado pela empresa Alpha, com a participação de 24 produtores parceiros e
representantes de suas famílias, que totalizaram aproximadamente 50 pessoas.
Um dos objetivos do seminário, preparado pela empresa Alpha, era provocar a percepção
de que todos os atores sociais presentes na reunião faziam parte de uma grande rede, que une a
todos em prol de um objetivo comum. Esta ideia pode ser ilustrada com a figura 3, que demonstra
61
a dinâmica de grupo, na qual cada participante recebia um pedaço de barbante que representava a
teia de relacionamento formada.
Figura 3 – Dinâmica de grupo que remete à teia de relacionamento formada.
Fonte: Alpha (2011).
Após a dinâmica, o objetivo era identificar os pontos fortes e frágeis do programa. A
partir de três pontos principais iniciou-se a discussão entre empresa Alpha, SEMAGRI, SEMMA
e agricultores e sindicatos e pequenos agricultores rurais, tais pontos foram discutidos sob três
temáticas: (1) acesso, (2) trato de cultivo e (3) capacitações, explicados no Quadro 8.
Assim, as principais ações locais foram as reuniões abertas ao diálogo em que todos
tinham direito a voz, a exigência por parte da comunidade de relatórios e emissão de diagnósticos
para resolução de problemas sociais, a organização das instituições locais com delegação de
papéis para cada ator social e as denúncias e reivindicações efetuadas aos ministérios
competentes. Diante destas ações, os principais resultados destacados foram: levantamento das
necessidades; diagnósticos, relatórios e censos; entendimento da rede de cooperação.
62
Quadro 8 – Pontos frágeis, descrições e resultados obtidos.
Pontos
Frágeis Descrição Resultados Obtidos
Acesso
Péssimas condições das estradas e transporte público;
Distância entre as propriedades inseridas no Programa;
Dificuldade de acesso a serviços públicos como a saúde.
Foram realizadas melhorias nas
estradas e pontes;
Censo da Família e da Terra.
Trato de
cultivo
Dificuldade de acesso a equipamentos para utilização nos
cultivos como roçadeira e trator;
Dificuldade de transporte de insumos e do produto da
colheita.
Apoio técnico na aquisição de
equipamentos através de projetos
para angariar recursos;
Apoio no transporte de frutos nos
primeiros anos de produção.
Capacitações
Necessidade de capacitação para organização comunitária
devido ao número reduzido de participantes de grupos
comunitários – predominância de grupos religiosos;
Baixa escolaridade;
Necessidade de capacitação específica para o Programa.
Fortalecimento da Organização
Social;
Parceria com a IFPA para formação
de técnicos;
Planejamento;
Melhoria na capacitação sobre a
cultura da palma e alfabetização dos
agricultores.
Fonte: Adaptado de Alpha (2011).
Tomando como base o aporte teórico de Weber (1984) e Bourdieu (1977) e fazendo a
comparação com a documentação oficial do programa nacional de óleo de palma, instituída pelo
Ministério de Desenvolvimento Agrário, pode-se afirmar que a pretensão gerencial é de prática
simétrica de poder entre os órgãos do Estado, empresas e organizações da sociedade civil no
processo decisório e na gestão do programa. No entanto, a prática observada, pela análise de
discurso dos atores sociais entrevistados, é a de que no município de Concórdia do Pará, as
relações são assimétricas. Há o predomínio da força do mercado, representada pela empresa
Alpha, que acaba por ser a detentora das decisões finais no processo gerencial. Como se pode
observar no comentário do secretário de agricultura de Concórdia do Pará:
Não temos força contra a empresa. Em minha opinião a empresa tenta nos ganhar,
contorna a situação a seu favor, trabalham de forma a estar mascarando as coisas,
(...)decidem e não consultam (...), a empresa já fechou contrato com o Canadá, Estados
63
Unidos, Japão. Daí eles utilizam de manipulação de informação. (Presidente do
sindicato, informação verbal).30
O domínio da decisão por parte da empresa pode ser entendido a partir do histórico das
relações entre os pequenos agricultores rurais e órgãos estatais locais caracterizados por fracos
laços de cooperação, os quais facilitam o domínio da empresa na tomada de decisão, sobretudo
porque a empresa domina o conhecimento técnico da produção. De fato, o programa, não foi
instituído sob uma perspectiva endógena, pois desconsiderou a cultura de produção local
favorecendo o domínio do conhecimento técnico da empresa de grande porte instalada na
localidade.
Os pequenos agricultores rurais da localidade apresentam diferentes culturas de produção
agrícola, dentre elas destacam-se a produção de pimenta-do-reino, mandioca e grãos (milho,
feijão, arroz). A cultura do dendê era totalmente desconhecida. Os pequenos agricultores rurais
tiveram que se adaptar a mudanças relativas ao processo de adubação (92% não utilizavam
adubação orgânica), uso de pesticida (78% não utilizavam agroquímicos), mecanização (100%
não utilizavam) e expansão da produção (64% não pretendiam aumentar produção), dentre outras
habilidades diferenciadas ao de costume.
Desta forma, os agricultores estão condicionados a receber orientação da assistência
técnica cedida pela empresa. A presidente do sindicato (informação verbal) afirma que “a forma
como as empresas entraram na cidade foi muito agressiva, os agricultores produziam apenas o
necessário para sua subsistência”31
. O secretário geral do sindicato confirma e acrescenta que a
assistência é rigorosa e impositiva com relação às técnicas de cultivo, sujeitando a exclusão do
programa caso não haja obediência aos padrões exigidos pelos técnicos que, em geral, são
engenheiros florestais e agrônomos de outras regiões do Brasil.
Os órgãos estatais representados pelas secretarias de agricultura e de meio ambiente estão
presentes no programa sob forma de agentes intermediários na solução de conflitos. Para o
secretário de agricultura, o papel do Estado local não está nas medidas (fins) e sim nos meios de
produção. No entanto, expõe que a secretaria não tem os subsídios necessários para o apoio no
programa e destaca como principal papel a articulação com a empresa para que esta ceda locação
30 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
31 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012
64
de trator e fornecimento de calcário, como comprova o trecho da entrevista com o secretário de
agricultura:
A secretaria não tem controle dos agricultores familiares e não tem preparo para
“preparar o povo”. O governo não tem todos os subsídios para apoio, como exemplo do
calcário, que é mais barato, o que pode ser feito é dar incentivo para o agricultor
comprar. Sendo que quando a SAGRI compra 10toneladas não supri nem metade da
demanda e gera conflitos na distribuição. (Secretário de Agricultura, informação
verbal).32
Já a Secretaria do Meio Ambiente atua mais no sentido de fiscalização. Responde a
denúncias advindas das comunidades, principalmente das comunidades quilombolas com relação
à compra e venda de terras de áreas não zoneadas e inspeção de contaminação de rios e
mananciais na localidade em função do uso de agrotóxicos na produção. Para a secretária, a
empresa atende às necessidades por respeitar as questões ambientais que, segundo ela, estão
atreladas a preocupação com a imagem da empresa.
O sindicato dos trabalhadores rurais apresenta-se, neste cenário, como um ator em
processo de reestruturação. Antes, essa liderança atendia apenas a produção autônoma rural,
agora responde por aqueles produtores rurais que venderam suas terras para empresa e hoje são
assalariados. Para o secretário geral do sindicato, os trabalhadores rurais passam por um processo
de proletarização. Atualmente, o objetivo do sindicato é o atendimento das condições mínimas de
trabalho para os trabalhadores rurais que passaram a ser empregados da empresa. Em outra
frente, o sindicato articula forças para que o contrato dos agricultores parceiros do programa seja
coletivo, pois até então é feito individualmente.
O Secretário de Agricultura afirma que “por enquanto a negociação se dá
individualmente, mas se discute criação de cooperativas e contratos coletivos (...) o sindicato está
articulando o contrato coletivo”33
. Já a liderança no sindicato diz que “já houve conversas de
criação de cooperativas, mas no contrato está acertado que o agricultor negocia individualmente
com a empresa”.34
32 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 20 de dezembro de 2011.
33 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 20 de dezembro de 2011.
34 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
65
Por fim, a empresa Alpha assume responsabilidades quanto à assistência técnica do
cultivo e acaba tendo a palavra final na decisão das questões, ainda que tenha ocorrido uma
evolução da participação dos outros atores sociais neste processo.
3.4 ANÁLISE DAS AÇÕES LOCAIS COMO PROPULSORAS DA EMANCIPAÇÃO DO
HOMEM: LIMITES E POSSIBILIDADES
Para analisar as influências das ações sociais na gestão do programa e verificar se estas
edificaram seus resultados, utilizou-se o que Cançado, Tenório e Pereira (2011) apontam com
relação à emancipação do homem local, sob as perspectivas da transparência, da dialogicidade,
do processo democrático deliberativo e exercício da cidadania.
Na figura 4, relacionam-se os parâmetros apresentados por Cançado, Tenório e Pereira
(2011) com as ações locais. Identificou-se que cada ação local pode ser classificada em um pilar.
Assim sendo, a ação local “reuniões abertas” está contida no conceito de diálogo, a “exigência de
relatórios” está contida no conceito de transparência, “organização das instituições locais” está
contido no conceito de democracia e, por fim, “denúncias e reivindicações” no conceito de
cidadania.
Figura 4 – Análise das ações locais.
Fonte: Adaptado de Cançado, Tenório e Pereira (2011), com o conteúdo empírico da pesquisa.
Os pilares da emancipação do homem (CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011)
identificados nas ações geraram alguns resultados, que ao mesmo tempo em que se desencadeiam
66
em sequência, retroalimentam o processo contínuo de emancipação do homem no município,
alcançando em parte o conceito de gestão social, uma vez que atende necessidades coletivas dos
atores sociais envolvidos.
Enquanto os pequenos agricultores ganham apoio para a produção de dendê, a empresa
adquire uma qualidade melhor nos insumos básicos para sua produção advinda de um processo
mais adequado ao meio ambiente, social e econômico. Adicionalmente, o governo local passa a
intermediar a relação para que haja maior equilíbrio.
É evidente que ainda falta deixar claras algumas questões, entre elas destacam-se os riscos
de monocultura na região, que é uma preocupação entre os agricultores rurais devido à exigência
das empresas de produção de apenas óleo de palma. Porém, as chances de negociação, diante do
poder de barganha adquirida pelas ações locais facilitam a aplicação de soluções a contento para
todos. Portanto, as ações locais no processo de gestão social tendem a aumentar a emancipação
do homem da localidade, facilitando a identificação da demanda local e tornando-se um circuito
de fundamental importância para o autoaprendizado e para a evolução do sistema.
Entretanto, as dificuldades no processo da gestão social tem sido uma barreira para o
aproveitamento máximo das oportunidades vigentes em um programa sedimentado por interesses
de múltiplos atores sociais, interesses estes que vão desde o âmbito nacional até o regional e
microrregional. Desta forma, discorre-se sobre as características da gestão da rede de cooperação
no município de Concórdia do Pará, a partir das análises dos critérios teóricos expressos pelos
conceitos de processo decisório participativo (VILLELA; COSTA, 2012), dialogicidade
(CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011) e relações de poder (VASCONCELLOS
SOBRINHO; VASCONCELLOS, 2009).
Os processos decisórios participativos são divididos em seis categorias analíticas:
processo de discussão, inclusão, pluralismo, igualdade participativa, autonomia e bem comum
(VILLELA; COSTA, 2012).
O processo de discussão tem como provedor a empresa Alpha, que articula os atores
sociais para reuniões, seminários e espaços de discussões, buscando o entendimento dos mesmos.
Os mecanismos de difusão da informação são de forte concentração nos canais boca-a-boca, indo
desde o processo de negociação de entrada dos agricultores no programa até as fases de
implantação em si. Estes processos são marcados por dominação por parte da empresa que é
67
detentora do conhecimento técnico, gerencial, prático e contratual, ficando os demais atores à
mercê do repasse de informações, como demonstrado nos trechos abaixo:
A reunião é assim, tem a reunião, aí começa 08:00 horas é vai até umas 10:00 a reunião,
depois agente sai do campo e vai conhecer o que precisa pra manutenção, aí lá eles vão
ensinar tudo, o que eles ensinam lá é pra gente fazer no lugar da gente, aí depois agente
vem e almoça, pergunta alguma dúvida pra esclarecer pra gente não fazer besteira.
(agricultor familiar 06, informação verbal).35
não, não; nunca coloquei opinião. Só uma vez que teve reunião, o pessoal tava falando e
tal. Aí eu falei do transporte, a condução de dentro, se eles iam conduzir do material de
dentro do campo pra pegar aqui fora. Eles falaram ‘não é vocês que tem que fazer,
vocês pegam, cortam, põe pra fora a caçamba e a gente pega na beira da estrada.
(agricultor rural 08, informação verbal).36
A potencialidade em relação ao processo de discussão é imensa incluindo o
autoaprendizado entre os atores e a possibilidade de trocas de conhecimento e ideias que servem
de apoio para uma melhoria contínua. No entanto, existem algumas limitações no que se refere às
questões de poder e formas de expressão entre os diversos atores. O agricultor é penalizado pela
sua simplicidade ao falar, o que torna o ambiente menos propício para diálogos, pois os
empresários, técnicos e autoridades se sobrepõem à comunidade por seus conhecimentos técnicos
e eloquência verbal. As dificuldades para a gestão social então se encontram na interrelação
dialógica dos atores sociais. Isto poderia ser minimizado com a participação mais ativa dos
órgãos estatais, como EMBRAPA e EMATER, na realização de pesquisas e difusão de
conhecimento em conjunto com a comunidade.
A baixa interação entre os órgãos estatais e a comunidade, por sua vez, ocasiona uma série
de outras dificuldades, tais como: riscos à monocultura, uso intensivo de agrotóxicos,
dificuldades técnicas para lidar com o dendê, baixo controle da apropriação do solo às margens
dos igarapés, incentivos a queimadas e desrespeito ao zoneamento agroecológico.
A inclusão dos agricultores familiares, então, se dá via espaço aberto para os grupos,
porém não favorece a articulação de interesses com chances iguais de participação na tomada de
decisão. Assim, não há reconhecimento pelos próprios agricultores rurais da necessidade de uma
metodologia participativa, tanto no âmbito social, quanto político e técnico. Assim, nas reuniões
35 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
36 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
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com a empresa, os agricultores se restringem em ouvir, tirar dúvidas e registrar algumas
sugestões.
A gente vai lá em busca de...de vez em quando vamos num evento desse temos mais
experiência né? Com outras pessoas (...) com eles mesmo que eles falam muito, eles
tragam muitas ideias pra gente. Eu achei que foi bom. Normalmente assim eu converso
aqui com meu vizinho, a gente conversa mais. (agricultor rural 07, informação verbal).37
A inclusão de atores historicamente excluídos dos espaços decisórios é, por si só, uma
dificuldade na gestão social da rede. Neste sentido, entende-se que é necessário estruturar novas
formas de valorização cidadã, por meio do empoderamento dos agricultores familiares rurais,
fazendo com que se fortaleça um dos elos mais fracos da rede.
Com relação ao pluralismo, observa-se que é promovida uma abrangência de atores
sociais advindos do poder público, mercado e sociedade civil que, evidentemente, possuem
diferentes pontos de vistas e interesses. Entretanto, não há igualdade participativa pelas
diferenças de status e posicionamentos com relação ao capital econômico e intelectual.
Da empresa nós tínhamos treinados um agrônomo e um técnico, vez por outra eu
também tava lá, um ia ajudando o outro, um ia tirando a dúvida do outro, porque uma
reunião com uma comunidade sai tudo, velho, novo, interessado, desinteressado, aquele
que vai lá só pra criticar e aquele que vai pra ajudar, ia sempre alguém do sindicato [...]
do governo. (gerente da empresa Alpha, informação verbal).38
A potencialidade do pluralismo entre os atores está no welfaremix, a possibilidade de um
mix de bem estar que corresponda a um consenso mínimo entre os atores interessados na rede de
cooperação do óleo de palma. A limitação, no entanto, é a confluência não organizada por parte
dos atores sociais da localidade, ou seja, não há uma discussão para definição dos consensos
mínimos que os levem ao objetivo comum estabelecido pelo programa. Neste caso, torna-se
difícil agrupar diferentes interesses e influências.
A autonomia pode ser mais bem entendida no esclarecimento das relações de poder, para
a percepção da apropriação distinta do poder decisório dos atores nas políticas públicas. Ainda
assim, pode-se afirmar que o bem comum, ainda que seja definido pelo mercado, é compartilhado
pelo alcance de resultados em uma avaliação positiva, na percepção geral dos agricultores,
empresa e governo.
37 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
38 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 21 de dezembro de 2011.
69
Melhorou, eu acho que melhorou foi muito. Porque antes a gente trabalhava. Recebia
625, antes eu tinha que trabalhar todo dia, agora não, eu trabalho 15 dias no dendê, pra
fazer toda a coroa, no adubo faço menos dias. (agricultor rural 04, informação verbal).39
Muito bom, muito bom. Se você for comparar na média [...] o plantio do agricultor
familiar é melhor do que da empresa. É muito melhor do que da empresa,
historicamente a produtividade do agricultor familiar é muito maior do que da empresa.
Porque o empregado da empresa trabalha pra empresa, e o agricultor familiar não, ele ta
cuidando do que é dele. (gerente da empresa Alpha, informação verbal).40
Geração de emprego, isso movimentou a economia da cidade, a prefeitura era a maior
empregadora do município, hoje o dendê emprega 1600 e passou a ser o maior
empregador, novas lojas, farmácias, indústria construção civil, a valorização dos terrenos
urbanos, as pessoas tem mais renda, agricultura familiar, cresceu nosso mercado. Mão de
obra local, pra capacitação, pra não ser incorporado só pro serviço pesado, pra ir pra esse
serviço de qualidade. O jovem desempregado tem alternativa de emprego, longe do
tráfico de drogas, o dendezal, a polícia tem mais acesso. (prefeito da cidade, informação
verbal).41
Entretanto, as dificuldades enfrentadas no processo estão relacionadas à alta dependência
dos agricultores rurais para com a empresa, bem como ao pouco acesso às decisões gerenciais do
PNOP, que impactam diretamente nas suas vidas. Alguns agricultores têm dificuldades em lidar
com o dendê por ser um novo cultivo para a região. Desta forma, muitos deles precisam contratar
terceiros para trabalhar em seus terrenos, mas o valor que recebem a cada três meses inviabiliza o
negócio.
É necessário realizar um fortalecimento das organizações da sociedade civil, resgatando
as características indicadas por Brito (2006) para o alcance do desenvolvimento local que, em
síntese, se caracteriza por redes associativas com identidade regional, mobilização da população,
valorização dos produtos e iniciativas locais, exercício do processo de aprendizagem coletiva,
novos atores e busca de um equilíbrio vulnerável entre uma promoção não seletiva de produtos
locais.
O exercício do poder no PNOP não é feito de forma compartilhada, uma vez que os
agricultores e o Estado não exercem na maioria das situações a possibilidade de prevalecer suas
vontades na relação com a empresa Alpha. Logo, esta tem “poder para” poucos no processo
decisório, diante do “poder sobre” os agricultores familiares e até mesmo sobre os órgãos
estatais, sobretudo porque é detentora do conhecimento específico da cultura do dendê e por
39 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
40 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 21 de dezembro de 2011.
41 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
70
possuir o controle dos fatores de produção. Assim como adquire o “poder de” decidir os
caminhos para a gestão do PNOP no processo produtivo do dendê, conquistado – em parte – pelo
poder de persuasão que exerce sobre os demais partícipes da rede. A empresa exerce, portanto, o
que não é adequado à gestão social de um programa público: o monopólio do poder.
Para aprofundar o conhecimento adquirido na análise da emancipação do homem
realizaram-se entrevistas semiestruturadas com os pequenos agricultores rurais (12 agricultores),
com o objetivo de identificar, diante dos desafios, qual o papel de cada ator social e que ações
eles têm efetivamente tomado em relação aos desafios. Para facilitar o diálogo com os
agricultores rurais, foram estabelecidas 12 perguntas básicas (Apêndice A).
Iniciando a identificação das ações, é coerente partir do conhecimento dos atores sobre o
Programa Nacional do Óleo de Palma, objetivando-se saber qual o ator social mais “ativo” na
questão da divulgação de informações iniciais do programa na localidade. Assim, o
questionamento feito foi “Como chegou ao seu conhecimento o PNOP?”. A partir da pergunta o
software gerou três categorias por meio das ideias centrais dos discursos: (A) por meio da
empresa; (B) por meio dos agricultores e (C) por meio do sindicato. É necessário frisar que o
software só considera respostas válidas e claras (neste caso, 7 respostas). A seguir o gráfico que
elucida o resultado.
Gráfico 1 – Divulgação do PNOP em Concórdia.
Fonte: Autora (2012).
71
O gráfico 1 demonstra que a maioria dos agricultores rurais tiveram conhecimento do
programa nacional por meio da empresa, que se apresenta como o ator social mais ativo na
perpetuação e divulgação do programa. No entanto, é válido considerar, qualitativamente, que
outros agricultores e o sindicato também contribuem para a disseminação do programa.
Este gráfico e as respostas adquiridas com a pergunta permitem identificar que o
programa tem seu circuito produtivo determinado pela empresa, onde o agricultores – a grande
maioria – não se sentem pressionados para participar do programa. Como se pode observar no
comentário.
Foi assim a Empresa Alpha vinha de casa em casa, teve uma reunião primeiro. Aí eles
perguntaram quem queria fazer parte da agricultura familiar, explicaram como era
tudinho aí depois eles vieram de casa em casa, falaram qual era os objetivos tudo, aí meu
pai que fez, depois ele não quis mais, aí minha mãe entrou. (agricultor rural 04,
informação verbal).42
Eles vieram aqui.... o pessoal da Empresa Alpha. Eles falaram que iria ter esse er..esse
projeto né? Pras pessoas que tinham área que não fosse mata, que fosse, assim, que já
tivesse...desmatada, aí também que tivesse documento da terra. (agricultor rural 10,
informação verbal).43
No entanto, é válido considerar que aqueles que souberam por outros agricultores sentem-se
mais seguros para aceitação do projeto, devido à referência positiva, o que comprova o
entendimento de que quando a aceitação é feita pela maioria dos agricultores por meio de diálogo
o programa tende a ter maior adaptação territorial.
um camarada disse que ia tentar conseguir esse projeto pra mim, ele disse que tinha
conhecimento e que era muito bom. Ate que teve um dia que chegou uns técnicos aqui,
ai contaram o assunto pra mim, ai eu já tava no rumo mais ou menos como eles falaram,
ai eu aceitei logo. (agricultor rural 08, informação verbal).44
A segunda questão refere-se às ações locais na parceria trissetorial e diz respeito a
dificuldades no momento do financiamento com o banco ou a empresa Alpha, no intuito de
identificar problemas de documentação (emissão do Documento de Aptidão - DAP, Cadastro de
Agricultor Rural - CAR, etc). O software categorizou em duas respostas básicas: (A) difícil
42 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
43 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
44 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06de julho de 2012.
72
ingresso; (B) fácil ingresso. É necessário frisar que o software só considera respostas válidas e
claras (neste caso, 9 respostas).
Gráfico 2 – Dificuldades no ingresso do programa.
Fonte: Autora (2012).
O gráfico 2 indica que, embora tenham sido identificados problemas de emissão da DAP
(Declaração de Aptidão ao PRONAF) como um dos principais desafios (ver Capítulo 2), na
visão do agricultor rural, não há dificuldades para o ingresso no PNOP, no município de
Concórdia do Pará. Percebe-se diante das colocações dos entrevistados que a percepção de
dificuldade está relacionada com o discernimento do programa. Àqueles que têm maior
informação sobre as vantagens do programa percebem as dificuldades de forma mais clara,
aqueles que desconhecem vantagens decorrentes do financiamento como a liberação de dinheiro
para plantação e limpeza do terreno, consideram o ingresso mais fácil. Pode-se perceber isso no
trecho do agricultor 09 que não conhece o financiamento para limpeza do terreno: “Não vi
dificuldade, foi fácil, porque a gente vê a dificuldade através do documento. Limpei a terra
braçal, só eu e o meu filho, tudinho não teve ajuda de maquinário”.45
45 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
73
Percebe-se que dificuldade para o agricultor rural não está no trabalho braçal e sim na
burocracia do processo. Se ele desconhece as vantagens evidenciadas no financiamento, e
consegue realizar o trabalho apenas com os moradores da casa, então o ingresso é considerado
fácil. A ancoragem desta pergunta possibilita analisar as ações do Banco da Amazônia e da
empresa Alpha no processo de auxílio do agricultor no ingresso do programa. Assim, por meio
dos dados, percebe-se que esclarecimentos maiores não estão sendo feitos de maneira ampla para
todos os agricultores.
Na terceira pergunta relacionada às ações, questionou-se sobre a produção de outras
culturas, para entender quais ações tomadas em relação aos riscos da monocultura e
reflorestamento. Com relação às respostas, novamente o software encontra uma contradição
apontada pela literatura (BECKER, 2006), na qual percebe-se que não ocorre apenas
monoculturas. Observa-se nas ideias centrais das respostas 4 categorias: (A) policultura; (B)
bicultura; (C) tricultura e (D) monocultura.
Gráfico 3 – Produção de outras culturas.
Fonte: Autora (2012).
Através do gráfico 3, percebe-se que a maioria dos agricultores preservam duas culturas e
os demais cultivam policulturas, sendo apenas um agricultor que trabalha apenas com o dendê.
74
Segundo os entrevistados, os agricultores ainda preservam a cultura de subsistência, cultivando,
em geral, a mandioca, frutas, pimenta-do-reino, feijão e milho para o próprio consumo. Todavia,
os pequenos agricultores cultivam a mandioca – para produção da farinha – como segunda
produção, além do dendê. Seguem trechos que comprovam esta análise.
Roça, passarinho, milho, arroz. Mas não pra venda é pro uso. Tem criação, tem o milho
pra ração, tem arroz só pro gasto da gente né? e farinha. Só pra comer. (agricultor rural
01, informação verbal).46
Temos nossas frutas, temos o cacau, vendemos só a semente, tem a laranja, que a gente
vende também.. Quando a gente quer plantar feijão é no campo separado. Quando quer
plantar milho, ali na frente a gente já até limpou que é pra plantar milho e feijão. Milho e
feijão que a gente quer plantar né? Pra gente cultivar, pra gente..só pra nossa produção.
Milho pra gente alimentar a nossa criação. Feijão pra nós. Não pra vender. Só pra nós
cultivar mesmo. (agricultor rural 04, informação verbal).47
Com relação à coesão e adaptabilidade territorial do cultivo do óleo de palma na região foi
perguntado se há diferença na cultura local para a cultura do dendê. O software gerou 3
categorias das ideias centrais dos discursos: (A) sim, dendê é mais difícil; (B) sim, dendê é mais
fácil; e (C) não, é apenas questão de costume. Abaixo, o gráfico gerado.
Gráfico 4 – Diferenças culturais
Fonte: Autora (2012).
46 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 07 de julho de 2012.
47 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
75
Neste caso, o desafio identificado diz respeito ao geopolítico na adaptabilidade territorial,
pode-se considerar este gráfico positivo com relação à adaptabilidade, pois a maioria considera o
dendê mais fácil ou apenas questão de costume para se adaptar.
Com relação ao desafio interorganizacional foi possível gerar dois gráficos. Um referente
ao relacionamento entre agricultores e outro referente à satisfação com relação às reuniões. No
primeiro, as categorias extraídas das ideias centrais foram: (A) por intermédio da empresa e (B)
diálogo aberto. No segundo as categorias foram: (A) satisfeito; (B) reuniões informativas, (C)
falta de diálogo com outros partícipes; (D) satisfeito com a reunião e não com o resultado.
Gráfico 5 – Relação entre agricultores
Fonte: Autora (2012).
O gráfico 5 mostra que as relações entre agricultores apenas ocorrem por intermédio da
empresa, havendo pouco diálogo aberto entre os membros do elo mais fraco da parceria
trissetorial. Esta intermediação da empresa ocorre via reuniões.
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Gráfico 6. Relação nas reuniões do PNOP
Fonte: Autora (2012).
No gráfico 6, mede-se o nível de satisfação em relação a estas reuniões. Para a maioria dos
agricultores, as reuniões são apenas informativas e não há abertura para o posicionamento dos
agricultores. Percebe-se nos trechos a seguir.
A conversa que eu tenho com outro pessoal, quando temos reunião, porque aqui dessa
ala, sou só eu. Agora que pra cá começaram a plantar. Plantou dois aqui na frente. Aí
teve outro, outro mês. E um rapaz mês passado. Tem outro rapaz aqui do lado que tá
plantando agora. Aí o contato que eu tenho com esse pessoal é quando tem reunião que a
gente se encontra. Só que não conhece muito as pessoas né? às vezes nem lembra o
nome de todos. Quase não conversa, não dá pra lembrar mesmo. (agricultor rural 06,
informação verbal).48
Quando eu vou para essas reuniões é mais pra mim escutar, porque tem muita gente que
vai pra conversar e atrapalha é mais. (agricultor rural 02, informação verbal).49
Para análise da ação local dos sindicatos, representantes dos movimentos sociais (OSCs),
foi feita apenas uma pergunta aos agricultores: se eles faziam parte do sindicato. As respostas
48 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
49 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
77
extrapolaram a questão dicotômica (sim e não) e geraram através dos discursos respostas com
relação ao posicionamento do sindicato com os pequenos agricultores. Assim destacaram-se três
categorias das ideias centrais: (A) apoio do sindicato; (B) pouco apoio do sindicato; (C) nenhum
apoio do sindicato.
Gráfico 7 – Participação do sindicato
Fonte: Autora (2012).
Este gráfico elucida o descontentamento dos agricultores rurais com o sindicato, uma vez
que 75% dos agricultores apontaram que recebem pouco apoio do sindicato, sendo este o motivo
e uma das principais causas para não participarem mais da organização. Os trechos de entrevistas
ratificam essa análise.
Fazia parte do sindicato. Aí é o seguinte, vou te falar um negócio, eu pagava o sindicato,
quando chegou na hora de eu me aposentar, eu me agarrei com o cara pra ele me
encaminhar, ele falou pra mim 'olha, eu nunca fiz isso, mas vou procurar saber, me
informar, aí eu posso te indicar..'. Eu morava lá em Belém, essa distância pra vir pra cá,
aí eu disse poxa, eu vou eu só, eu queria me aposentar. Aí eu resolvi sozinho, então não
precisava de sindicato. Mas minha mulher paga sindicato, e o meu eu não paguei mais,
porque quando eu mais precisei eles não me ajudaram. (agricultor rural 11, informação
verbal).50
50 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
78
Não, paguei sindicato uns vinte e poucos anos, aí atrasei um ano, eu fui pagar esse mês
de janeiro inclusive, eles tinham feito o recadastramento final do ano, quem tava
devendo um ano, ia ficar fora. Fui lá conversei com a mulher, aí 'não, não pode, nós
botamos no rádio'. Mas só que eu não tenho rádio. Eu tinha um rádio mas pregou.
Também não quis, e o vizinho que tão aqui não quer. E mesmo esse sindicato daí, é só
pra esse negócio de projeto. Quando vem a consulta é raro. Negócio de consulta, negócio
de dentista, não é um sindicato que tem tudo lá. E agora depois de 20 anos começa tudo
do zero de novo. Já pensou? Eles disseram ' não é só ele pagar 10 anos, 12 anos parece'.
E não tem que pagar esse negócio de aposentadoria não. E olha que eu achei que eles
fizeram sacanagem com a gente. Se era pra fazer isso, eles deviam avisar sócio por
sócio. É tal dia, o que não aparecer vai ser cortado. Pelo menos pra comunidade. Mas só
que nós não sabia. Quando peguei o dinheiro pra pagar, a gente não pagava todo mês,
pagava três meses, dois meses. Aí pronto, não paguei mais. (agricultor rural 05,
informação verbal).51
Outra pergunta colocada para os agricultores foi a respeito das relações contratuais.
Perguntou-se para eles se havia acesso ao contrato e sobre a compreensão do contrato. Para esta
pergunta, três respostas emergiram: (A) compreensão parcial; (B) pouco acesso e informação e
(C) Acesso, compreensão e cumprimento do contrato.
Gráfico 8 – Relações Contratuais.
Fonte: Autora (2012).
51 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 07 de julho de 2012.
79
A maioria dos agricultores afirma que obtém acesso ao contrato, compreende bem seu
conteúdo e percebe que as cláusulas do contrato são bem cumpridas na prática. É necessário
frisar que, apesar da resposta em relação ao contrato ser positiva, no decorrer dos discursos
percebe-se que este conhecimento do contrato não está efetivamente coerente com algumas ações
destes pequenos agricultores, como é o caso do financiamento, explicado no gráfico de ingresso
ao programa. Os trechos dos agricultores familiares, a seguir transcritos demonstram, esta
constatação.
Sim. O contrato tá sendo cumprido na integra. Aqui a gente ta recebendo de dois em dois
meses. Um mês já é difícil, depois a empresa junto com o banco acharam que tava
próximo e receboms agora de 90 em 90 dias. Mas tava estabelecido assim no contrato, a
gente tem uma folha que tá dizendo tudinho, uma vez 1.100 outra 1.400. (agricultor rural
04, informação verbal).52
Ficou tudo. Ficou bem claro. Olha "quando começar a produzir com três anos'...eles
falaram lá no contrato. "quando começar a produzir com três anos, você só vai começar
a pagar com três anos". Então três anos ele vai começar a produzir, aí é o seguinte
"vocês vão vender pra firma, pode ter muito, pode ter pouco", o preço varia, porque ele
falou em dólar, preço do dólar, né?. Então é o seguinte, o preço que tiver aí vai valer.
Mas pode ter muito, pode ter pouco eles ficam. Adiante da gente não sair fora do
contrato, tem gente, que por exemplo, pode fazer isso. A gente não, porque temos maior
juízo, tem gente que às vezes não tem. É pegar e vender. Como o meu ainda não
completou três anos, pra gente colher, porque já tá em ponto de colher, tá com 2 anos e 6
meses, já tem material pra colher, aí eles ficaram de vir aqui um tecnicozinho, mas é
outro assunto. Como diz que é pra fazer a limpeza. (agricultor rural 07, informação
verbal).53
Diante do exposto, percebe-se que, para reforçar o contexto de emancipação do homem na
localidade é necessário que todos entendam o papel, potencialidades e limites de cada ator social
integrante das ações locais da parceria trissetorial. Portanto, retoma-se ao quadro do capítulo 3
(Quadro 2, p. 46) e pontua-se, além dos papéis, os limites e possibilidades de cada ator social
(Quadro 9). Neste quadro, se deixa explícito que cada ator social tem potencialidades que podem
ser aproveitados, tanto em benefício próprio quanto em benefício coletivo. No entanto, o cenário
de cada ator social apresenta também limitações, que constituem entraves para o
desenvolvimento local almejado.
52 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 06 de julho de 2012.
53 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 07 de julho de 2012.
80
Quadro 9 – Possibilidades e limites dos atores sociais.
EM
BR
AP
A PAPEL POTENCIALIDADES LIMITES
Realizar pesquisas de
sementes para o Dendê;
Produção de sementes especializadas para
a cultura do dendê;
Implantação de polos próximos à
produção;
A única Embrapa especializada é
localizada em Manaus, problema de
logística;
AL
PH
A
Fornecer mudas;
Prestar assistência
técnica;
Intermediar
financiamento, caso o
agricultor tiver dívidas
no banco;
Comprar a produção da
agricultura familiar.
Produção de mudas fortalecidas;
Financiamento indireto;
Troca de conhecimento;
Incentivos fiscais;
Mudança para o biodiesel em seu
maquinário.
Excluindo a inclusão dos
agricultores, não pratica a
responsabilidade socioambiental no
entorno da região, apenas famílias
envolvidas;
Faz uso de terceirizadas que não tem
comprometimento trabalhista.
AG
RIC
UL
TO
RE
S
FA
MIL
IAR
ES
Mão-de-obra para o
cultivo do dendê em
suas terras.
Recebem financiamento especial,
PRONAF-ECO, com prazo de carência e
benefícios;
Renda que varia de $1.100 a $1.500 a cada
3 meses para manutenção do plantio;
Comercialização garantida por contrato de
toda a produção;
Possibilidade de renda após a colheita de
$5.000 reais por mês;
Recebe assistência técnica;
Recebe treinamentos e capacitações da
empresa.
Alta dependência;
Tem pouco acesso às decisões
gerenciais;
Trabalho excessivo, acima da média
que costumava trabalhar;
Contratação de terceiros que não é
viável pelo valor que recebe a cada 3
meses;
Poucas informações do preço do
mercado;
Pouco conhecimento da cultura,
ficando a mercê da empresa para o
trabalho.
SE
MA
GR
I
Seleção do pessoal para
o programa;
Apoio técnico.
Ajuda com a mão-de-obra;
Cuidados com o cultivo, no uso de
agrotóxicos;
Colabora com a limpeza do terreno, com
empréstimos dos tratores e máquinas de
auxilio.
Falta de capacitação para lidar com o
dendê;
Falta de maquinário para todos os
agricultores rurais;
Alta dependência da empresa.
SE
MM
A
Fiscaliza a empresa com
relação ao meio
ambiente
Recebe auxílio em projetos para o meio
ambiente;
A Alpha dá bom exemplo para as demais
empresas da região;
Potencial para construção de coleta seletiva
do lixo.
Falta de controle nas margens dos
igarapés;
Aumento do lixo urbano;
Incentivos a queimadas;
Desrespeito do zoneamento
agroecológico.
SIN
DIC
AT
O
Defender a categoria em
todos os aspectos
sociais, na educação,
com referências paras as
estradas e melhorando a
qualidade de vida dos
trabalhadores.
Valorização das organizações da sociedade
civil;
Participação integrada.
Falta de confiança;
Questões políticas;
Pouco apoio aos agricultores rurais;
Falta de associativismo;
Falta de medidas de empoderamento
local.
Fonte: Autora (2012)
81
3.5 CONCLUSÕES PARCIAIS
O capítulo demonstrou a análise das ações locais para a gestão de um programa de
desenvolvimento local, tomando como base as ações locais do município de Concórdia do Pará
no Programa Nacional de Óleo de Palma. Diante de um cenário desafiador, que perpassa por
conflitos históricos, conceituações em construção (e até mesmo em contradição), a compreensão
do fenômeno das ações sociais, dos atores aparentemente em desvantagem leva a um cenário
propício à emancipação do homem e seus pilares, causas e impasses.
O conceito de gestão social se encontra em construção. Se por um lado temos pesquisas
que ressaltam o conceito como resultado da prática – e neste caso a literatura reluta em sua
construção teórica –, por outro lado é apresentado como um conceito utópico da literatura que
não se aplica na prática da realidade social desequilibrada (FISCHER et al, 2006; TENÓRIO,
2008; PEREIRA et al, 2011; CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011). A questão proposta
neste trabalho não está baseada em suprir os percalços da gestão social, nem tão pouco discutir
sua definição, mas sim de assumir os seus principais princípios e analisar as dificuldades de
colocá-los em prática dentro de um programa de desenvolvimento local criado no âmbito de
governo federal e aplicado em nível local – comunidade e município.
Desta forma, tomando como base a proposição de Cançado, Tenório e Pereira (2011),
gestão social é processo e é implantado na prática das redes de cooperação que, por sua própria
natureza, não apresentam equilíbrio perfeito. O objetivo deste capítulo foi mostrar um processo
de gestão social e apontar suas potencialidades, limites e dificuldade a partir da interação entre o
Estado, mercado e organizações da sociedade civil no contexto de um programa que assume o
pressuposto de desenvolvimento local: o Programa Nacional de Óleo de Palma, no município de
Concórdia do Pará.
Quando a gestão social é impressa em um programa institucionalizado pelo governo
federal, com a abordagem participativa entre o mercado e organizações da sociedade civil, gera o
cenário apresentado neste capítulo e novos desafios para debates futuros. Vistas as influências
das ações, pode-se seguir a análise destas na decisão coletiva (próximo capítulo), e ponderar seus
efetivos reflexos nos resultados do programa.
O caso em análise mostra que há um processo que possibilita a promessa emancipatória
sugerida pela gestão social em programas de desenvolvimento elaborados pelo Estado, mas
82
apresentam-se enormes dificuldades para cumpri-la a partir do nível local. Isto se dá pela lógica
mercadocêntrica que o programa assume pois, por natureza, possui baixa capacidade de
promover mudanças quer seja em nível social, econômico e/ou político.
A constatação da alta dependência dos agricultores rurais com a empresa, além do baixo
acesso às decisões gerenciais do PNOP, têm sido grandes entraves para que os agricultores
possam influenciar nas ações do programa e, consequentemente, as dificuldades na produção do
dendê e inclusão social se apresentam desafiadoras. Entretanto, afirma-se aqui que o quadro
negativo pode ser minimizado em parte por dinâmicas locais que envolvam mobilização conjunta
e novos atores sociais como associações e cooperativas para o fortalecimento do capital social
dos agricultores familiares, o elo mais fraco da rede de cooperação do PNOP. É preciso maior
esforço no processo de aprendizagem coletiva para reverter a forma pouco compartilhada do
PNOP em Concórdia do Pará.
A ação e cooperação entre os atores sociais com diferentes níveis de poder, por sua vez,
dependem da existência de liberdade de opinião de todos os envolvidos no programa. Pode-se
inferir que a partir desta liberdade de opinião é que os atores sociais têm a possibilidade de tornar
o processo efetivamente coletivo e edificar resultados positivos que podem ser bem maiores do
que tem sido expresso até o momento.
Assim, o próximo capítulo demonstra as interações entre os atores envolvidos no processo
decisório e discute a dialogicidade e compartilhamento de poder. Busca-se, também, demonstrar
a importância de relações associativas e cooperativas para o fortalecimento da agricultura
familiar.
83
4 INTERAÇÃO ENTRE ATORES SOCIAIS EM PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO
LOCAL
4.1 INTRODUÇÃO
O capítulo tem como objetivo analisar em que medida a tomada de decisão coletiva
contribui para a consecução de resultados positivos em programas de desenvolvimento local.
Busca compreender o cenário de poder e contradições entre interesses coletivos e individuais
presentes nesta gestão.
Cabe ressaltar que a tomada de decisão coletiva aqui é a ótica de análise para a interação
local na parceria trissetorial. A conectividade com o capítulo 4 está no aprofundamento do
entendimento das (inter)ações entre os atores, uma vez que já foram analisadas as ações, os
papéis, limites e potencialidades de cada ator separadamente.
Questiona-se como se estabelece uma tomada de decisão coletiva dentro de um programa
comandado pelo governo federal e que envolve agentes com diferentes níveis de poder. A partir
deste questionamento é que se pergunta: até que ponto a tomada de decisão coletiva contribui
para a consecução de resultados positivos na gestão de programas de desenvolvimento local?
Especificamente, em que medida a decisão no âmbito do PNOP é efetivamente coletiva e
contribui para o desenvolvimento das comunidades envolvidas?
O capítulo, portanto, oferece subsídios a fim tornar mais nítido o entendimento da
influência da parceria trissetorial, com seus desafios, nas ações e interações geradas na gestão de
programas para o desenvolvimento local. Constitui o último objetivo específico necessário para
tal entendimento.
Nessa última etapa desta dissertação, primeiramente realiza-se uma breve definição
conceitual que envolve tomada de decisão sob a perspectiva da gestão social. Em seguida,
apresenta-se o contexto histórico do município de Concórdia que circunscreve o ambiente de
tomada de decisão coletiva e análise das relações de poder existentes entre os atores sociais
envolvidos. Por fim, confrontam-se os aportes teóricos com a realidade vivenciada no território
para então compreender-se em que medida as decisões coletivas, em ambientes de assimetria de
poder e interesses individuais, viabilizam melhores resultados para programas de
desenvolvimento local.
84
4.2 A GESTÃO SOCIAL ENQUANTO INSTRUMENTO PARA ALCANCE DE
RESULTADOS COLETIVOS
Neste capítulo, a perspectiva de gestão social adotada está relacionada ao movimento
dialógico entre atores sociais envolvidos na tomada de decisão coletiva. A discussão conceitual
da gestão social, como abordado no capítulo 3, tem ido além da orientação de modelos gerenciais
para políticas públicas, organizações não estatais e diretrizes do mercado (CANÇADO;;
TENÓRIO; SILVA JR, 2012). A gestão social agrega, também, um encadeamento lógico dos
conceitos teóricos de redes e governança (VILLELA; COSTA, 2012), a partir do entendimento
de que redes são fatos sociais que oportunizam uma reflexão teórica por meio da construção
coletiva em que estabelecem uma nova realidade na medida em que se definem (JUNQUEIRA;
NASCIMENTO, 2012).
Os atores sociais discutidos aqui são agentes presentes no governo local, mercado e
sociedade civil organizada. O local é entendido como um determinado espaço de propensões
econômicas, sociais, culturais, tradicionais, de interesses coletivos e individuais, que necessitam
ser conciliados e potencializados para a gestão de programas que envolvem a participação dos
agentes do Estado, mercado e OSC (CARRION; CALOU, 2008).
A gestão social implica em inclusão coletiva e exige mudanças nos processos efetivos de
tomada de decisão em grupo que deve priorizar, segundo Carrion e Calou (2008), dois grandes
objetivos: reduzir as desigualdades e reequilibrar o ambiente. Para Teodósio (2008), a efetividade
da tomada de decisão insurge em liberdade de opinião, de forma não coercitiva, e entendimento
recíproco sobre a opinião revelada. Weber (1984) mostra que o processo de tomada de decisão
requer um entendimento da relação de poder em que está circunscrita a coletividade em questão,
para entender as desigualdades e desequilíbrios do ambiente.
O foco, neste caso, não está nas partes ou ações, mas na interação entre as partes, não na
finalidade, mas nas interações das finalidades, definindo o caráter identitário meta-interacional
das experiências (BOULLOSA; SCHOMMER, 2009).
4.3 RELAÇÕES DE PODER, AÇÃO E COOPERAÇÃO
A discussão sobre poder é ampla e envolve uma série de questões tais como “poder para”,
85
“poder sobre” e “poder de” (VASCONCELLOS SOBRINHO; VASCONCELLOS, 2009). Aqui,
o poder é analisado sob a possibilidade de se impor a própria vontade dentro de uma relação
social, mesmo contra toda e qualquer resistência de outros que participam da ação. Este conceito
difere-se de dominação por apresentar possibilidade de não atendimento da imposição feita
(WERBER, 1984).
De fato, Weber (1984) analisa o poder em diferentes tipos, quais sejam: poder político,
econômico, ideológico, burocrático, jurídico e social. Diante destes, o autor considera o modo
mais racional de exercício de poder o viés burocrático, o qual pode ser exercido de maneira
formal e impessoal.
No entanto, Bourdieu (1977) aborda a questão da simbologia do poder a partir da noção
de campo, pelo qual considera a capacidade de imposição do poder sobre o que é legítimo. Ao
contrário da tipificação de Weber (1984), Bourdieu (1977) afirma que o poder pode agir enquanto
poder simbólico, sob uma forma transformada, irreconhecível, transfigurada e legitimada das
outras formas de poder.
Outra perspectiva, adotada por Sampaio (2011), baseia-se na reflexão foucaultiana que
discute a noção de governamentalidade. Segundo esta concepção, as relações de poder são
constituídas em campos estratégicos, em que o sujeito é imanente às relações das quais faz parte.
Assim, o sujeito é produto histórico, somatório de processos de subjetivação.
A liberdade de opinião sugerida pela efetividade de tomada de decisão de Weber (1984),
sob a ótica de relações de poder foucaultiana, garante a inteligibilidade de ações, na efetividade
política, social, ético de constituição do sujeito e do mundo (SAMPAIO, 2011). Portanto, cabe
entender as ações do sujeito e a cooperação deste para a compreensão da tomada de decisão
coletiva.
Ação é entendida por Weber (1984) como conduta humana, quer formulada interna ou
externamente, mediante as condições ambientais, quer como omissão e permissão de outras
ações. Uma ação coletiva, para Weber (1984), é uma conduta plural, de vários atores, que
consiste na probabilidade de ser reproduzido. Para Fischer (2006), a relação de poder pode ser
compreendida pela teoria de ação coletiva disposta por Olson (1971), sendo todo o contexto de
ação como uma solução (ou respostas) específica de atores autônomos.
Takács, Janky e Flache (2008) analisam as condições sociais em que as ações coletivas
chegam a resultados grupais favoráveis e entendem que, em casos em que há uma rede de
86
cooperação fortemente robusta e equilibrada, assume-se um controle social positivo.
Neste sentido as redes de cooperação produtivas se dão principalmente pela criação de
estratégias conjuntas, uma vez que os envolvidos devem estar teoricamente cooperando um com
o outro e preparados para a ampliação de sua escala produtiva (AMATO NETO, 2000).
A questão da mútua confiança entre os parceiros também deve ser levada em
consideração, pois segundo Ribault et al (apud OLAVE; AMATO NETO, 2001), as redes só
existem pela vontade dos envolvidos e não possuem nenhum caráter jurídico entre si.
A relação da ação e cooperação pode ser percebida no modelo de Krausz (2007),
demonstrado na figura 5. O modelo sugere que a inexistência de cooperação e ação, impulsiona
dois tipos de reação: a alienação, quando não há conhecimento sobre a decisão; e a indiferença,
quando há conhecimento, mas não há uma preocupação em participar do processo. Entretanto,
quando ocorre ação e cooperação ocorre compromisso e negociação.
O modelo mostra ainda que a falta de cooperação aliada a ações impositivas gera
acomodação por aqueles que são omissos às decisões, bem como a dominação gera submissão.
Figura 5 – Modelos de relações de poder de acordo com a cooperação e ação.
Fonte: Krausz (2007).
O modelo sintetiza o processo de tomada de decisão conforme as relações de poder de
87
maneira geral. No particular, não é diferente. Para Fischer (2006), há múltiplas formas de poder
exercidas em diferentes escalas, traduzidas em programas, projetos e ações de desenvolvimento
que ocorrem em espaços territoriais e virtuais.
As questões de poder revelam-se no concreto, no cotidiano, na trama de maneira
assimétrica e plena de tensões entre os que o exercem e os que o disputam. Um jogo de forças
com momentos de convergência e de antagonismo, de pactos e rupturas. Supõe liberdade e
possibilidades de ação e zonas de incerteza que possibilitam ou não a cooperação (FISCHER,
2006).
Tasa e Whyte (2011), entretanto, acreditam que o modelo capaz de medir a eficiência
coletiva na tomada de decisão em grupo é um modelo não linear, com dinâmicas que devem ser
estudadas por desempenhos.
Para entender como funciona o processo de tomada de decisão, em nível local, dentro de
programas que visam promover o desenvolvimento da localidade, analisou-se o Programa
Nacional de Óleo Palma no município de Concórdia do Pará.
4.4 ETAPAS DO PROCESSO DECISÓRIO
Bethlem (1987) realiza uma síntese do modelo de processo decisório de Simon, Kepner
Tregoe, Guilford e Mintzberg. O modelo divide-se em um conjunto de quatro etapas:
a) Decisão de decidir: primeiramente identifica-se a necessidade de decidir mediante
um problema ou fato que exige algum tipo de ação.
b) Definição do que decidir: consiste em dimensionar a situação, identificar suas
causas e conseqüências. Em seguida, fazer o levantamento de pontos relevantes e ponderá-los em
ordem de importância.
c) Formulação de alternativa: realizar uma lista de alternativas viáveis que poderiam
resolver o problema.
d) Escolha da alternativa: nesta etapa deve-se escolher a alternativa que teve a melhor
nota final.
Entendido como funciona o processo decisório em suas etapas, cabe analisar o caso
prático a fim de confrontar as ideias da relação de poder, ação e cooperação dentro deste processo
em um programa de produção rural.
88
4.5 OS ATORES LOCAIS ENVOLVIDOS NO PROGRAMA
Para apresentar as interações locais da parceria trissetorial no PNOP, com base na gestão
social e seus pilares, será realizada uma análise da rede de cooperação, uma vez que a parceria
advém das redes, e a importância do entendimento desta para a atuação dos atores da esfera do
Estado, do mercado e das organizações da sociedade civil.
A esfera do Estado, em nível municipal, caracteriza-se pela descentralização das políticas
públicas para o desenvolvimento local, sendo o Estado não o provedor das transformações
sociais, mas um participante mediador. A Prefeitura enquadra-se na mediação do programa,
articula com as secretarias de meio ambiente e agricultura por meio de políticas públicas, para o
fortalecimento da rede. A Prefeitura, também, se relaciona com a empresa no sentido de
beneficiar o processo produtivo por meio da infraestrutura do município, por exemplo,
construção de estradas, pontes, dentre outros.
Para a empresa Alpha, a parceria com a prefeitura é importante para facilitar o processo
de escoamento da produção. O trecho da entrevista com o gerente municipal de agricultura
familiar da Alpha demonstra isto.
A gente vai reunindo essas demandas [da sociedade] aí quando tem um montante grosso
aí a gente vai e discute com o governo municipal para fazer um mecanismo de parceria,
nada vai ser feito a nível de varejo, nem a nível de dar. Se tiver que fazer uma ponte a
comunidade vai fazer uma parte, a prefeitura vai fazer outra e a empresa vai fazer outra.
Por exemplo, a comunidade vai dar a mão-de-obra pra fazer a ponte, (...), o governo
municipal vai colocar as máquinas lá (...) e a empresa vai dar o óleo diesel. (gerente da
empresa Alpha, informação verbal).54
O relacionamento entre os atores do Estado, nem sempre se mostra integrado, havendo
nos casos da EMBRAPA e do BASA relações praticamente unilaterais, uma vez que seus papéis,
apesar de importantes, tornam-se inexpressivos diante das potencialidades que estes órgãos
governamentais são capazes. No caso da EMBRAPA, ela tem participado a partir de pesquisas
sobre as sementes do dendê, que são ofertadas para a empresa Alpha para germinar as mudas e,
em seguida, doá-las aos agricultores familiares. É importante ressaltar que a EMBRAPA situa-se
54 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 05 de julho de 2012.
89
na cidade de Manaus/AM, o que gera toda uma problemática com relação à logística da semente
de dendê.
Já o BASA, realiza o financiamento do programa por meio do PRONAF-Eco (linha
nacional de crédito), promovido pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário. O financiamento é
realizado de duas formas: o financiamento direto para os agricultores familiares que estão
adimplentes com o Banco; e o financiamento indireto, por meio da empresa Alpha, para aqueles
inadimplentes com o Banco.
O financiamento do BASA promove uma série de benefícios para a agricultura familiar. O
agricultor tem direito a um financiamento de R$6.500,00 (seis mil e quinhentos reais) por
hectares, sendo, no máximo, 10 hectares, totalizando R$65.000,00 (sessenta e cinco mil reais),
para serem pagos acrescidos de uma taxa de juros de 2% (dois por cento) ao ano, com prazo de
14 anos, e 6 anos de carência. Além de receberem financiamento especial, pelo Pronaf-eco, com
prazo de carência e parcelamento, o agricultor recebe uma renda que varia entre R$1.100,00 (mil
e cem reais) e R$1.500,00 (mil e quinhentos reais), a cada três meses, para manutenção do
plantio, comercialização garantida por contrato de toda a produção, possibilidade de renda após a
colheita de R$5.000,00 (cinco mil reais) por mês, recebendo, além disso, assistência técnica,
treinamentos e capacitações da empresa.
O planejamento realizado para PNOP envolve, ainda, dentro do setor estatal, a EMATER,
que deveria prestar assistência técnica gratuita e fazer a emissão da DAP para os agricultores
familiares participantes do programa. Entretanto, na realidade de Concórdia do Pará, o órgão não
tem realizado sua função, diante da presença da assistência técnica da empresa Alpha. Fica claro
no trecho da entrevista com a EMATER este ponto de vista
Na verdade, a Emater, ela não trabalha direto com o dendê aqui em Concórdia, na
verdade, nos municípios gerais. O que a gente faz? Dá orientação técnica. Quando
trabalha direto com o dendê, a ideia que vem que agente dá assistência técnica no
plantio, desde a parte da área até a colheita. Só que isso não ta acontecendo, um dos
motivos, é que quem ta encaminhando todo o processo do dendê é a Alpha. A
companhia Alpha tem empresa responsável só pro dendê (representante da EMATER,
informação verbal).55
55 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 04 de julho de 2012.
90
Com relação à emissão da DAP, a EMATER local também se mostrou indiferente,
conforme dois trechos extraídos das entrevistas com agricultores familiares.
A Emater daqui de Concórdia dificultou o máximo, demais, levamo documentos eles
não tem o conhecimento..primeira vez que vim aqui em Concórdia, levamos documento
pra menina, ela pegava e botava lá, o cara que era responsável daqui da Alpha, na época,
ela dizia ‘não, não trouxe nada’ , meu irmão até ficou meio aborrecido com ela foi lá e
disse ‘poxa, deixei na sua mão’, aí acharam pra não delongar a conversa, tiveram que
contratar outro pessoal pra tirar o que a gente chama de DAP, essas coisas. (agricultor
familiar 07, informação verbal).56
Meu documento eu tirei lá em Belém, eles trouxeram de lá pra resolver, a Emater botou
milhões de dificuldade, não tava interessada, na verdade. (agricultor familiar 12,
informação verbal).57
O setor do mercado é caracterizado pela forte presença da empresa Alpha. Pode-se
considerar que a rede de cooperação do município é mercadocêntrica, pois existe a
predominância da empresa em todos os processos necessários para o objetivo do programa. A
Alpha recebe as sementes da EMBRAPA, relaciona-se com as secretarias e Prefeitura para
melhoria do processo, utiliza empresa terceirizada para o serviço de esmagadura, utiliza o
sindicato para familiarizar os técnicos da empresa com os agricultores rurais, faz a doação de
mudas, presta assistência técnica e compra a produção do pequeno agricultor. No entanto, com
exceção da inclusão dos agricultores no PNOP, a empresa não pratica a responsabilidade
socioambiental no entorno da região, apenas se direciona para as famílias envolvidas e faz uso de
terceirizadas, que têm tido baixo comprometimento trabalhista, de acordo com o que diz o
representante do sindicato.
A Alpha fez a contratação das terceirizadas, que apresentam uma mentalidade
provinciana. Os trabalhadores estão em situação precárias devido às empresas estarem
num primeiro momento. É necessário uma proteção deste assalariado, que teve sérios
problemas trabalhistas, como a extrapolação do horário de (10h a 15h de trabalho),
doenças ocasionadas pelo veneno usado para o plantio, além da contaminação dos rios.
(representante de Sindicato, informação verbal)58
56 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 03 de julho de 2012.
57 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 04 de julho de 2012.
58 Entrevista concedida à autora, Concórdia do Pará, 21 de dezembro de 2011.
91
Os agricultores familiares, por outro lado, contribuem com o oferecimento de sua força de
trabalho e com o terreno de 10 hectares para produção do dendê, além de assumirem o
compromisso de lidar com a cultura, desde a limpeza do terreno, plantação, coroamento,
adubação e colheita. O sindicato, por sua vez, protege o agricultor rural, tanto aquele inserido no
programa, como aquele contratado pelas empreiteiras. Ainda que sua relação seja considerada
fraca, devido à permanente desconfiança por parte dos sindicalistas com relação à dominação do
Estado e da empresa, sua posição, ainda que dúbia, é de lidar com todos os partícipes da rede.
Dito isto, para sintetizar a relação de maneira sistemática, elaborou-se uma figura
ilustrando a rede de cooperação entre os atores do município de Concórdia do Pará no PNOP.
Figura 6 – Rede de cooperação PNOP em Concórdia do Pará.
Fonte: Autora (2012).
4.6 AÇÕES E COOPERAÇÃO NO PROCESSO DECISÓRIO
Diante das relações de poder estabelecidas no município, é possível caracterizar, de
maneira geral, cada ator no modelo de Krausz (2007). A figura 7 sintetiza o posicionamento dos
atores sociais envolvidos no PNOP em Concórdia do Pará.
Mercado
Estado
OSC´s
Forte
Fraca
92
A empresa Alpha domina as relações na tomada de decisão (DOMINAÇÃO). Os pequenos
agricultores não agem no processo decisório e são omissos (ALIENAÇÃO). A Secretaria do
Meio Ambiente (SEMA) é a municipal ou do estado? age e coopera (NEGOCIAÇÃO) com a
empresa. O sindicato age e coopera com a empresa, todavia com menos poder de barganha
(COMPROMISSO). A Secretaria de Agricultura (SAGRI) coopera com a empresa, mas não age
(SUBMISSÃO).
Fonte: Adaptado de Krausz (2007).
No entanto, este quadro vem aos poucos se modificando, devido à intervenção mais
efetiva do pequeno agricultor às questões de uso e apropriação do território. Estas intervenções
têm feito com que a empresa repense o modo de decisão diante de tanta insatisfação gerada na
localidade com relação ao processo de produção e, também, por receio de que isto atrapalhe o
desempenho produtivo. E, assim, a discussão aproximou-se do conceito teórico de liberdade de
opinião de Weber (1984).
De maneira particular, analisam-se três casos do tomada de decisão dita coletiva na gestão
do PNOP, ocorrido no 1º Seminário de Agricultura Familiar, em 27 de novembro de 2010, com a
Figura 7 – Relações de poder no processo decisório de Concórdia do Pará no primeiro e
no segundo momento.
93
participação de 24 produtores parceiros e representantes de suas famílias que totalizaram
aproximadamente 50 pessoas.
O objetivo era identificar os pontos fortes e frágeis do programa. Assim, três pontos
principais foram levados à discussão entre Alpha, SAGRI, SEMMA, sindicatos e pequenos
agricultores rurais. Este seminário promovido pela empresa demonstra os primeiros passos em
direção de uma cooperação no processo decisório do programa e representa, também, a primeira
etapa da tomada de decisão que segundo Bethlem (1987), é a decisão de decidir. Identificou-se a
necessidade de decidir mediante os três problemas que exigiam ações, são eles: (1) acessos, (2)
tratos de cultivo e (3) capacitações (quadro 8).
Diante do quadro relacionado acima, percebe-se que a rede de cooperação traz uma série
de benefícios para a região, desde que sejam superados os limites existentes diante da assimetria
entre os partícipes da rede. No entanto, de maneira geral, os resultados evidenciados no programa
com moldes de parceria trissetorial que já podem ser considerados relevantes para o
desenvolvimento local são:
1) Aumento populacional: de 2009 para 2010, houve um aumento populacional de 26%,
passando de um quantitativo de 22.251 pessoas para 28.216 pessoas, o que gera toda uma
movimentação comercial e financeira, que a cidade precisa para crescer (IDESP, 2011);
2) Aumento de profissionais por esfera: segundo o IDESP (2011), houve um aumento de
profissionais de natureza administrativa na área da saúde, de 139 em 2009 para 148 em
2010;
3) Aumento de estabelecimentos de ensino: embora seja um aumento pequeno, houve a
inauguração de 3 escolas do ensino médio e 1 escola do ensino fundamental em 2010,
bem como aumento no número laboratórios de informática nestes estabelecimentos
(IDESP, 2011);
4) Aumento do rendimento escolar: em 2009, havia uma média de 300 alunos aprovados.
Em 2010, essa média elevou-se em 10%, passando a ter 330 alunos aprovados. A
ocorrência de diminuição de reprovados e evadidos é resultado de melhores condições de
estudo e pelo provável aumento de renda dos pais (IDESP, 2011);
5) Geração de Emprego e Renda: de 1632 empregos em 2009 para 2.113 em 2010, nos
diversos setores de atividade econômica no município (IDESP, 2011). Segundo o prefeito
da cidade, o maior empregador antes era a prefeitura e passa a ser agora a empresa Alpha,
94
que além de incluir o pequeno agricultor rural, emprega em seu quadro funcional
moradores da região.
Estes fatores podem ser atribuídos à chegada do programa na região, diante da rede
envolvendo os atores sociais destacadas neste estudo. Por outro lado, também houveram
resultados considerados negativos, dentre eles:
1) Problemas da segurança pública: o aumento de crimes contra a pessoa, patrimônio e
crimes violentos foi bastante expressivo, de 289 crimes em 2009, para 339 em 2010, o
que corresponde também ao aumento populacional (IDESP, 2011);
2) Problemas de trânsito: embora tenha havido um aumento de transporte, que fornece
uma comodidade para as pessoas, o número de acidentes e veículos não-licenciados
também aumentou, causando prejuízo ao trânsito no município (IDESP, 2011);
3) Problemas com relação ao inchaço urbano que acarreta dificuldades para atendimentos
de hospitais, que não aumentaram o número de leitos ofertados à população, dentre
outros, como marginalidade, prostituição, tráfico de drogas, identificados pelo prefeito
do município.
Assim, percebe-se que mesmo que haja crescimento econômico, há outros fatores a serem
considerados para um verdadeiro desenvolvimento local, ainda que se possa afirmar que as
condições financeiras da região foram beneficiadas, não houve mudanças relacionadas ao Indice
de Desenvolvimento Humano (IDH) nos anos de 2009 e 2010.
Com relação à decisão coletiva, percebe-se que o ambiente de assimetria poderia ser
amenizado por meio de uma análise na rede de cooperação formada no programa. Com base na
literatura realizou-se um estudo acerca do funcionamento ideal para uma rede com parâmetros
tanto de gestão social quanto de parceria trissetorial.
Apresenta-se, a seguir, uma rede “tipo-ideal”, em um esforço de esboçar uma alternativa
para uma gestão social das redes de cooperação apresentada no PNOP no município de
Concórdia do Pará, baseado no princípio de democracia deliberativa, em que a iniciativa local
tem papel preponderante de tornar a rede sob uma visão sociocêntrica. Esta traz os interesses da
sociedade como central na relação entre os atores sociais, busca amenizar a hegemonia do poder
do mercado na consecução do programa e propiciar um ambiente favorável à emancipação
95
humana, finalidade da gestão social. O modelo pensado como tipo ideal segue um design de
estrela de 10 pontas (figura 5) com atores entrelaçados aos princípios de processo decisório
participativo, dialogicidade e compartilhamento de poder, agregado aos papéis já determinados.
Figura 8 – Proposição de modelo propício à gestão social.
Fonte: Autora (2012).
Neste modelo, a sociedade se encontra na centralidade das ações dos atores sociais da rede
de cooperação, diferentemente do modelo atual (figura 6), onde o mercado ocupa a mesma
posição. Tal alteração se faz necessária para o alcance do conceito do desenvolvimento local.
Outra alteração é o fortalecimento das relações, por meio da criação de uma cooperativa
específica para o caso do dendê. Desta forma, o sindicato teria parceria para atuação no PNOP,
haja vista que no modelo atual o sindicato tem atribuições gerais para todos os programas
relacionados com o agricultor rural. Além disso, a limitação superada neste modelo alternativo
96
são as participações mais expressivas dos órgãos estatais tais como EMATER, EMBRAPA e
BASA, criando elos fortalecidos com a sociedade e atores do programa.
4.7 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
O exame das interações utilizando como instrumento de análise as tomadas de decisões
coletivas na gestão de um programa de desenvolvimento local possibilita uma visão das
influências das relações de poder para a ação e cooperação entre atores sociais com diferentes
níveis de poder. Pode-se inferir que a existência de liberdade de opinião dos atores sociais
envolvidos, a possibilidade do processo de tornar efetivamente coletivo e edificar resultados são
bem maiores. A experiência de Concórdia do Pará mostra que a intermediação da Secretaria
Municipal de Meio Ambiente e do sindicato dos trabalhadores rurais para a solução de problemas
pontuais fez com que a empresa Alpha repensasse seu modo de agir e tomar decisão.
Tomando como base as decisões coletivas do município de Concórdia do Pará no PNOP,
foi percebida a complexidade do programa e a necessidade de ultrapassar o somatório de
processos subjetivos resultantes da história das relações entre as partes interessadas, a fim de
diminuir as desigualdades e desequilíbrios entre os atores sociais, pois isso resulta em retornos
positivos para os envolvidos no processo de gestão do programa.
O caso em análise mostra que a promessa emancipatória sugerida pela gestão social em
programas de desenvolvimento elaborados pelo Estado, mas capitaneado por empresa privada,
apresenta enormes dificuldades de ser cumprida no âmbito local. Isto se dá devido à lógica
mercadocêntrica que o programa assume, já que, por natureza, possui baixa capacidade de
promover mudanças, sejam estas no plano social, no econômico ou no político.
A constatação da alta dependência dos agricultores rurais para com a empresa, além do
baixo acesso às decisões gerenciais do PNOP, têm sido motivos de grandes entraves para que os
agricultores possam influenciar nas ações do programa. Consequentemente, as dificuldades na
produção do dendê e inclusão social se apresentam desafiadoras. Entretanto, afirma-se aqui que o
quadro negativo pode ser minimizado, em parte, por dinâmicas locais que envolvam mobilização
social e novos atores sociais, como associações e cooperativas, para o fortalecimento do capital
social dos agricultores familiares, o elo mais fraco da rede de cooperação do PNOP. É preciso
97
maior esforço para o processo de aprendizagem coletiva, a fim de reverter a forma pouco
compartilhada do PNOP em Concórdia do Pará.
A ação e cooperação entre os atores sociais com diferentes níveis de poder, por sua vez,
dependem da existência de liberdade de opinião de todos os envolvidos no programa. Deduz-se,
então, que com liberdade de expressão os atores sociais terão a possibilidade de tornar o processo
efetivamente coletivo e edificar resultados positivos, maiores do que têm sido expressos até o
momento.
Assim, sob um desenho de rede do “tipo ideal”, com atores entrelaçados aos princípios de
processo decisório participativo, dialogicidade e compartilhamento de poder, o presente artigo
buscou mostrar a importância de relações associativas e cooperativas para o fortalecimento da
agricultura familiar. Entretanto, para o caso específico do PNOP em Concórdia do Pará,
observou-se que a EMBRAPA e a EMATER poderiam ter papel fundamental para o
fortalecimento da rede sob a perspectiva sociocêntrica.
É inegável que o processo decisório ainda precisa passar por evoluções, no sentido de
integrar de forma coesa as demandas advindas dos atores envolvidos. Isto levaria a um novo
processo e geraria novo palco de discussões, desafios e debates futuros.
98
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo analisou a gestão de um programa que assume o pressuposto de
desenvolvimento local por meio de ações que envolvem o Estado, mercado e OSCs. Abordou o
conceito de parceria na perspectiva trissetorial para a compreensão da relação das organizações,
por via de suas ações e interações no âmbito local. Como elemento empírico, tomou como base o
Programa Nacional do Óleo de Palma (PNOP) e as ações e interações dos atores sociais no
âmbito do programa no município de Concórdia do Pará. A preocupação foi entender os
desdobramentos do programa desde as políticas públicas preconizadas para a produção do
biodiesel no município e a interação destas políticas no nível local.
O estudo mostrou que embora o programa enfoque importantes pressupostos, tais como:
participação comunitária, redução da pobreza, geração de renda e segurança alimentar, dentre
outros aspectos, a maior preocupação do programa é de âmbito nacional e recai sobre a
importância de o Brasil se tornar o maior produtor mundial de óleo de palma nos próximos 14
anos, para garantir o suprimento de combustível de óleo renovável. As prioridades locais ficam
para o segundo plano.
Dentre as contradições explícitas entre as premissas básicas do programa e sua
implementação em nível local estão a baixa adaptabilidade territorial e participação social. Na
verdade, ao mesmo tempo em que o programa propõe adaptabilidade territorial e participação
social, ele se desenvolve com características de um programa top down. O PNOP impõe a
produção de um produto que não possui tradição entre os, ou seja, o dendê. Ao mesmo tempo, o
programa propõe a inclusão da comunidade produtora, no caso os agricultores familiares locais,
para serem atores ativos no PNOP, todavia a parceria é firmada com uma grande empresa no
ramo de óleo de palma (empresa Alpha) e com o governo local, estabelecendo uma relação de
poder, no mínimo, desequilibrada e assimétrica.
A revisão da literatura fez emergir a hipótese de que a parceria trissetorial influencia as
ações e interações locais de maneira positiva para o processo de desenvolvimento local. Isto
porque, de acordo com Teodósio (2009b), implica transformação do Estado em direção à oferta
de políticas públicas menos estadocêntricas, o que é uma das virtudes que essa estratégia traz na
gestão social das iniciativas em longo prazo. Os papéis mostram-se definidos na gestão dos
programas, no qual o Estado e atores empresariais concentram suas ações no financiamento de
99
atividades, ao passo que as OSCs, se encarregam da geração de metodologias de intervenção nos
problemas sociais.
Todavia, identificou-se no caso estudado que a parceria entre o Estado, empresa e OSC
influencia na gestão de programas de desenvolvimento local sob duas formas: (1) positivamente,
no que se refere à emancipação do homem, uma vez que as ações dos atores sociais resultam em
um processo de autoaprendizado em que os fatores de diálogo, transparência, cidadania e
democracia são levados em consideração; e, (2) negativamente, haja vista a parceria trissetorial
na gestão de programas exercer a coerção do setor privado sobre os demais setores da sociedade
civil. Desta forma, no cenário de decisão coletiva deixam-se a desejar questões de cooperação e
mútua confiança.
A abordagem participativa entre o Estado, mercado e organizações da sociedade civil
possibilitou a identificação de vários desafios da parceria trissetorial. Evidenciou, por exemplo,
desafios geopolíticos, de técnicas da produção rural, logísticos, de industrialização até a etapa de
produção do biodiesel, de riscos da monocultura, de termos contratuais; de relações
interorganizacionais, com destaque nos aspectos básicos de estruturação sindical para o apoio do
pequeno agricultor rural, dentre outros. Identificou, também, desafios ambientais, que se
relacionam com a conservação da biodiversidade, a prevenção da coalizão do desmatamento,
aspectos fitossanitários e com o uso de fertilizantes e pesticidas.
Outro ponto importante é o entendimento destes desafios a partir da visão sobre as ações
locais em relação às influências e interesses dos atores envolvidos na gestão de políticas públicas
para o desenvolvimento. As ações locais perpassam por conflitos históricos de poder, com os
agricultores aparentemente em desvantagem. Assim, o caso em análise mostra que há um
processo que possibilita a promessa emancipatória sugerida pela gestão social em programas de
desenvolvimento elaborados pelo Estado, todavia esta apresenta enormes dificuldades de ser
cumprida a partir do nível local.
Assim, é possível concluir que a existência de liberdade de opinião dos atores sociais
envolvidos, a possibilidade de o processo se tornar efetivamente coletivo e edificar resultados são
bem maiores quando se dá espaço para a manifestação dos atores locais. A experiência de
Concórdia do Pará mostra que a intermediação da secretaria de meio ambiente e do sindicato dos
trabalhadores rurais para a solução de problemas pontuais fez com que a empresa Alpha
repensasse seu modo de agir e tomar decisão.
100
Tomando como base as decisões coletivas no âmbito do PNOP em Concórdia do Pará,
identificou-se que há necessidade de se ultrapassar o somatório de processos subjetivos
resultantes da história assimétrica nas relações entre as partes envolvidas no programa, a fim de
que se superem ou diminuam as desigualdades e desequilíbrios entre os atores sociais.
O caso em análise mostra que a promessa emancipatória sugerida pela gestão social em
programas de desenvolvimento elaborados pelo Estado, mas capitaneado por empresa privada,
apresenta enormes dificuldades de ser cumprida no âmbito local. Isto se dá devido à lógica
mercadocêntrica que o programa assume, já que, por natureza, possui baixa capacidade de
promover mudanças, sejam estas no plano social, no econômico ou no político.
A constatação da alta dependência dos agricultores rurais com a empresa, além do baixo
acesso às decisões gerenciais do PNOP, têm sido motivos de grandes entraves para que os
agricultores possam influenciar nas ações do programa. Consequentemente, as dificuldades na
produção do dendê e de inclusão social se tornam latentes. Entretanto, afirma-se aqui que o
quadro negativo pode ser minimizado, em parte, por dinâmicas locais que envolvam mobilização
social e novos atores sociais, como associações e cooperativas, para o fortalecimento do capital
social dos agricultores familiares, o elo mais fraco da rede de cooperação do PNOP. É preciso
maior esforço para o processo de aprendizagem coletiva, a fim de reverter a forma pouco
compartilhada do PNOP em Concórdia do Pará.
A ação e cooperação entre os atores sociais com diferentes níveis de poder, por sua vez,
dependem da existência de liberdade de opinião de todos os envolvidos no programa. Pode-se
concluir que com liberdade de expressão os atores sociais terão a possibilidade de tornar o
processo efetivamente coletivo e edificar resultados positivos, maiores do que têm sido expressos
até o momento. Assim, sob um desenho de rede do “tipo ideal”, com atores entrelaçados aos
princípios de processo decisório participativo, dialogicidade e compartilhamento de poder, a
presente dissertação aponta para a importância das relações associativas e cooperativas para o
fortalecimento da agricultura familiar. Entretanto, para o caso específico do PNOP em Concórdia
do Pará, observou-se que a EMBRAPA e EMATER poderiam ter papel fundamental para o
fortalecimento da rede sob a perspectiva sociocêntrica.
Por fim, o somatório de trabalhos apresentados corresponde aos objetivos específicos
necessários para responder a questão central da pesquisa: De que forma a parceria trissetorial nas
101
ações e interações influencia na gestão de um programa de desenvolvimento local, tomando
como base o Programa Nacional do Óleo de Palma, no município de Concórdia do Pará?
A influência na gestão de programas de desenvolvimento local ocorre de forma positiva
no que diz respeito às ações dos atores dos três setores da sociedade, contribuindo para um
ambiente propício para a emancipação do homem, e de forma negativa com relação ao
desequilíbrio das forças na interação de atores desiguais, levando a um cenário de poder não
compartilhado. É evidente que este resultado diz respeito à região com histórico de conflito de
poder e cooperação entre estado, mercado e sociedade civil.
Para que haja uma melhoria na questão da interação social em parceria trissetorial
disposta em programas de desenvolvimento local, propõe-se que as interações sejam
convergentes em relação às demandas da sociedade, tornando-se com a visão sociocêntrica.
Particularmente para o caso do Programa Nacional de Óleo de Palma, propõe-se a participação
mais expressiva de órgãos estatais, tais como EMATER e EMBRAPA.
102
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APÊNDICE – ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
1- Como chegou ao seu conhecimento o PNOP?
Objetivo: Identificar quais os principais atores para a consolidação do programa no município
2- Houve dificuldades ao ingressar no programa?
Objetivo: Identificar problemas de financiamento através do banco ou da empresa. Identificar
problemas de documentação (emissão do Documento de Aptidão - DAP, Cadastro de
Agricultor Rural - CAR, etc.).
3- Há produção de outras culturas?
Objetivo: Identificar possíveis problemas de monocultura no programa.
4- Há quanto tempo você é um agricultor?
Objetivo: Identificar coesão social
5- Há diferenças na cultura local para a cultura do dendê?
Objetivo: Identificar adaptabilidade territorial.
6- Qual sua relação com os outros agricultores que também estão no programa?
Objetivo: Identificar as interrelações entre os agricultores para o fortalecimento da agricultura
familiar.
7- Qual sua opinião em relação às reuniões do PNOP?
Objetivo: Identificar à dialogicidade entre todos os atores sociais envolvidos no programa.
8- Você faz parte do sindicato?
Objetivo: Identificar a participação do sindicato no programa.
9- Houve acesso ao contrato? Seu conteúdo foi compreendido?
Objetivo: Identificar a transparência das relações contratuais (inteligibilidade da linguagem) e
a compreensão dos agricultores familiares diante de seus direitos e deveres (cidadania).
10- Houve algum problema na produção?
Objetivo: Identificar as ações dos atores na resolução de problemas.
11- Antes do dendê, de que forma o espaço era utilizado?
Objetivo: Identificar riscos de desmatamento para a plantação de dendê.
12- Como é realizado o controle de pragas e doenças na produção do dendê?
Objetivo: Identificar a possibilidade da utilização de agrotóxicos.