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TRANSITIVIDADE E OS PLANOS DISCURSIVOS: FIGURA E FUNDO, NOS CONTOS “A MÁSCARA DA MORTE
RUBRA” E “O GATO PRETO” DE EDGAR ALLAN POE
Francisco Fábio Marques da SILVA
Raquel Alves da SILVA
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar a transitividade e os planos
discursivos (figura e fundo) nos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto de
Edgar Allan Poe. A pesquisa fundamenta-se na proposta de Hopper & Thompson,
Transitivity in grammar and discourse (1980), que utiliza 10 parâmetros sintático-
semânticos que indicam o grau de transitividade de orações e possibilitam a identificação
dos relevos discursivos figura e fundo. Neste trabalho foram selecionados trechos
correspondentes à estrutura da narrativa (exposição, complicação, clímax e desenlace)
de cada conto e avaliado o grau de transitividade (alta e baixa transitividade),
pretendendo assim, verificar a ocorrência de orações de alta transitividade (parte figura),
em trechos localizados na exposição, clímax e desenlace do conto, e orações de baixa
transitividade (parte fundo), na complicação da narrativa, de acordo com uma oração
escalar, mais transitivo e menos transitivo. Após analisar 40 orações, consideradas como
relevantes do ponto de vista do enredo e para a análise da transitividade, concluímos que
as mesmas apresentaram diversos graus de transitividade nas orações, desde 0, o que
caracteriza cláusulas-fundo com baixo nível de transitividade, até 10, cláusulas-figura
com alto nível de transitividade.
Palavras-chave: transitividade; planos discursivos; estrutura da narrativa.
INTRODUÇÃO
Apresenta-se neste trabalho uma análise dos contos A máscara da
morte rubra e O gato preto, de Edgar Allan Poe, a partir da concepção de
plano discursivo da teoria funcionalista norte-americana, calcada sobre os
princípios da transitividade de Hopper & Thompson (1980), que leva em
conta a transitividade não como propriedade intrínseca do verbo enquanto
item lexical, mas como um complexo de dez parâmetros sintático-
semânticos independentes, que focalizam diferentes ângulos da
transferência da ação em uma porção diferente da oração.
O escritor norte-americano, Edgar A. Poe, diferentemente da
maioria dos autores de contos de terror (que se concentravam no terror
externo, visual, valendo-se apenas dos aspectos ambientais), usa uma
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espécie de terror psicológico em suas obras, vindo do interior dos
personagens, que oscilam entre a lucidez e a loucura, quase sempre
cometendo atos infames ou sofrendo de alguma doença. As obras mais
conhecidas de Poe são Góticas, entrando para a literatura sobrenatural
(Maravilhoso e Fantástico), e seus temas mais recorrentes lidam com
questões do fantasmagórico, da morte, incluindo sinais físicos dela, os
efeitos da decomposição, interesses por putrefação, a reanimação dos
mortos e o luto.
A máscara da morte rubra e O gato preto são os contos escolhidos
nesse estudo por apresentarem uma intriga linear e objetiva, resumindo-
se a um único núcleo narrativo, onde a grande força se concentra no
desenlace (desfecho). Edgar A. Poe atinge uma gradação, visando o ponto
culminante, inicialmente de maneira vaga, a seguir mais e mais
diretamente. Assim, tal característica contribui para o nosso objetivo aqui
proposto, que é comprovar a presença de cláusulas-figura com alto nível
de transitividade no clímax e desenlace dos contos.
1. FUNDAMENTAÇÃO
A transitividade de Hopper & Thompson (1980) difere da noção de
transitividade presente na gramática tradicional. Enquanto que esta
associa o termo apenas a verbos, os teóricos funcionalistas americanos
consideram não só o verbo presente em uma sentença, mas a todos os
termos que a compõe. Os verbos são agrupados em transitivos e são
tratados como se fossem iguais, ou seja, da mesma natureza, o que não
ocorre na gramática tradicional, onde se tem a ocorrência dos três
elementos, sujeito, verbo e objeto.
A transitividade é formulada como uma noção contínua, escalar,
não-categórica e escalar, expresso em um componente sintático e um
componente semântico ligado à efetividade com a qual uma ação ocorre.
O termo ―transitividade‖ é usado porque se trata de uma ação que
―transita‖ do agente para o paciente, por isso, quanto mais trânsito,
quanto mais efetiva e mais individual é a ação, mais transitiva é a
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sentença.
O objetivo desses autores é mostrar que as propriedades que
definem a transitividade são determinadas discursivamente e que a
transitividade é uma relação crucial na língua, envolvendo um número de
consequências previsíveis universalmente na gramática.
A transitividade é expressa de acordo com dez parâmetros, estes
por sua vez são independentes (no entanto funcionam juntos e articulados
na língua), representam propriedades semânticas, focalizam diferentes
ângulos da transferência da ação em uma porção diferente da oração e
são divididos em alta transitividade e baixa transitividade, conforme
mostra o quadro 1 a seguir:
Quadro (1): Componentes considerados em relação à Transitividade
PARÂMETROS TRANSITIVIDADE
ALTA
BAIXA
TRANSITIVIDADE
1. Participantes Dois ou mais Um
2. Cinese Ação Não-ação
3. Aspecto do verbo Perfectivo Não-perfectivo
4. Pontualidade do verbo Pontual Não-pontual
5. Intencionalidade do
sujeito Intencional Não-intencional
6. Polaridade da oração Afirmativa Negativa
7. Modalidade da oração Modo realis Modo irrealis
8. Agentividade do sujeito Agentivo Não-agentivo
9. Afetamento do objeto Afetado Não-afetado
10. Individualização do
objeto Individuado Não-individuado
Acerca dos parâmetros acima podemos ter tais aspectos:
Participantes: não pode haver transferência a menos que dois
participantes estejam envolvidos.
Cinese: ações podem ser transferidas de um participante para outro,
enquanto que estados não.
Aspecto: uma ação é mais afetivamente transferida quando é vista como
completa do que quando está em progresso.
Pontualidade: ações que se dão sem uma fase de transição são mais
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efetivas que as que envolvem uma duração maior. Dessa maneira, um
verbo como "chutar" é pontual e um verbo como "carregar" é não-
pontual.
Intencionalidade do sujeito: quando o agente tem o propósito de fazer
algo, a ação se dá mais efetivamente do que quando não há uma intenção
definida.
Polaridade da oração: sentenças afirmativas indicam que as ações de
fato ocorreram, enquanto que sentenças negativas indicam que as ações
não se efetivaram.
Modalidade da oração: uma ação que não ocorreu ou que é possível de
ocorrer é menos efetiva que uma que ocorreu ou que corresponde a um
evento real.
Agentividade do sujeito: um participante que é mais ativo pode
transferir uma ação mais efetivamente que um participante não tão ativo
assim.
Afetamento do objeto: uma ação é transferida num grau maior se o
objeto é afetado completamente do que se ele é parcialmente afetado.
A cerca da Individualização do objeto, Hopper & Thompson
(1980) consideram os fatores presentes no quadro 2 a seguir:
Quadro (2): Fatores considerados na Individuação do Objeto
Individuado Não-individuado
Próprio Comum
Humano, animado Inanimado
Concreto Abstrato
Singular Plural
Contável Incontável
Referencial, definido Não-referencial
Orações com objetos mais individuados são mais transitivas do que
aquelas com objetos mais gerais, ou seja, uma ação pode ser transferida
mais efetivamente para um paciente individuado do que para um não-
individuado, estando, portanto, relacionado ao penúltimo parâmetro,
afetamento do objeto.
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Hopper & Thompson (1980) atribuem pontuação 1 para cada
componente que confere alta transitividade à cláusula e pontuação 0 para
cada componente que confere baixa transitividade à cláusula. É então a
partir da baixa ou alta transitividade que é possível enquadrá-los nos
planos discursivos figura e fundo.
Figura (foreground), segundo Hopper (1979), é tudo aquilo que é
mais importante para as metas do falante/escritor, podendo ser
comparada ao ―esqueleto‖ de um texto, ou seja, à sua estrutura base do
discurso, seu plano mais saliente. Têm-se ainda como principais
características uma sequência cronológica, com eventos reais, dinâmicos e
completos, assim como sujeitos previsíveis (tópicos), humanos e
agentivos. Sua codificação morfossintática caracteriza-se por apresentar
orações coordenadas, principais ou absolutas, além de formas verbais
perfectivas.
Ao contrário de fundo (background), que seria aquilo que serve de
cenário, ajudando, amplificando ou comentando o que é mais importante
em um texto, sendo um plano discursivo que dá suporte para o que está
sendo relatado pela figura, não representa a sequencialidade da narrativa
e, por isso mesmo, constitui as ações que ocorrem de modo concorrente
às ações de figura. O fundo tem também como principais características
os eventos simultâneos, não necessariamente completos e reais; com
situações estáticas e descritivas, igualmente como situações necessárias
para a compreensão de atitudes (subjetividade), além de frequentes
trocas de sujeitos. Sua codificação morfossintática caracteriza-se por,
frequentemente, conter orações subordinadas e verbos não-perfectivos,
sem deixar de ressaltar que, o fundo também pode ser codificado por
orações coordenadas, absolutas e principais.
Sobre a noção de figura e fundo Martelotta e Palo Mares (2009, p.
184) afirmam: ―alinhamento de figura e fundo diz respeito à maior
proeminência que nós atribuímos a um dos elementos de uma cena,
colocando-o em primeiro plano de nossa atenção, ou seja, em figura.‖. É
necessário salientarmos a importância da parte fundo (segundo plano,
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secundário), que às vezes é confundido como menos importante, porém é
de grande utilidade para a fundamentação do texto, porque, como já
destacamos, é ela que define a noção de figura.
Assim como a transitividade, Hopper e Thompson (1980) faz um
ressalvo a respeito de ―figura‖ e ―fundo‖, estes também devem ser
analisados a partir de um conjunto de propriedades, e não de forma
separada, independente.
2. METODOLOGIA
Propondo-nos neste capítulo fazer a descrição dos métodos e
procedimentos da pesquisa adotada para a análise da transitividade e dos
planos discursivos nas orações dos já referidos contos de Edgar A. Poe.
Para melhor visualização, organização e compreensão do conteúdo
do corpus, oferecemos um modelo tradicional, no qual, antes de tudo, é
possível observar e conhecer o desenvolvimento do enredo e como este se
divide na estrutura narrativa.
―A máscara da morte rubra‖
1.Exposição - O problema apresentado, o da morte rubra, peste terrível e
fatal como jamais se vira. Os personagens são o príncipe Próspero e seus
súditos. O ambiente soturno se dá na abadia fortificada no príncipe, onde
os personagens tentam se proteger da morte rubra.
2.Complicação - O badalar do relógio que anuncia algo ruim. A chegada do
indivíduo estranho, vestido de morte rubra.
3.Clímax - Perseguição do príncipe Próspero por parte do estranho através
dos salões da abadia.
4.Desenlace - O príncipe morre, logo após todos os foliões caem atingidos
pela morte rubra, o fantasma esvanece no ar e a morte rubra pousa sobre
todas as coisas.
―O gato preto‖
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1.Exposição - O problema apresentado, o narrador imaginando que iria
morrer no dia seguinte, e querendo deixar à posteridade os seus
pensamentos mais pesados, conta uma série de fatos ―estranhos‖ que lhe
aconteceram. O ambiente se passa na própria casa dos personagens, que
são o narrador, sua esposa e o gato Plutão.
2.Complicação - O olho de Plutão ter sido arrancado e logo depois sua
brutal morte a sangue-frio.
3.Clímax - A polícia vai à adega investigar a morte da esposa e quando
estão saindo ouvem gemidos e gritos da parede onde estava o corpo.
4.Desenlace - Os agentes desmantelam a parede e sobre a cabeça do
cadáver, já decomposto, veem o gato.
Dentro desse desenvolvimento e dessa estrutura narrativa, foram
selecionadas 40 orações e depois analisadas de acordo com a proposta
defendida por Hopper & Thompson (1980), na qual se utiliza de 10
parâmetros sintático-semânticos que indicam o grau de transitividade das
orações e possibilitam a identificação dos relevos discursivos figura e
fundo.
Ainda dentro da relação figura e fundo, Silveira (1990) propõe uma
revisão do conceito Fundo, proposto por Hopper & Thompson (1980).
Segundo a autora, as funções das cláusulas Fundo – ampliar e comentar
as afirmações feitas pela Figura – são muito amplas e poderiam ser mais
bem especificadas. Assim sendo, ela propõe uma Hierarquia de Fundidade.
Essa hierarquia está organizada em uma gradação que vai da
Figura (nível mais relevante) até um Fundo com menor grau de
Relevância. Em resumo, o Fundo é que estaria elencado em mais de um
nível, uns mais próximos da Figura, sendo mais objetivos, icônicos, e
outros mais distantes.
Ainda nesse tema a autora faz outra observação a respeito do
relacionamento funcional que se estabelece entre alguns tipos de fundo.
Sendo assim, Silveira (1990) postulou cinco níveis de Fundo:
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Hierarquia de Fundidade
Categoria
Grau de
objetividade
(do mais para o
menos icônico)
Como são
Tipo de cláusulas-
Fundo (relação
funcional entre as
cláusulas)
Fundo 1
Mais próximo do
real, mais
concreto.
Cláusulas-Fundo que
apresentam
informações concretas
sobre o evento.
Apresentação do
evento;
Apresentação do
cenário;
Apresentação dos
participantes;
Apresentação da
fala dos participantes.
Fundo 2 Ainda mais
próximo do real.
Cláusulas-Fundo que
através de
circunstancias,
especificam o âmbito
em que os fatos se
deram.
Especificação do tempo;
Especificação de modo;
Especificação de
finalidade.
Fundo 3
Próximo da
estrutura do
texto (mais
abstrato e
elaborado
linguisticamente)
Cláusulas-Fundo que
especificam vocábulos
da cláusula anterior.
Especificação do
referente;
Especificação de
processo/ação.
Fundo 4
Próximo da
interpretação do
falante ao
assistir ao
evento
Cláusulas-Fundo que
especificam relações
inferidas dos fatos
narrados.
Especificação de causa;
Especificação de
consequência;
Especificação de
adversidade.
Fundo 5 Próximo do ato
de narração.
Cláusulas-Fundo que
apresentam
interferências do
falante no evento que
está narrando.
Apresentação de
opinião;
Apresentação de
resumo;
Apresentação de
duvida;
Apresentação de
conclusão;
Apresentação de canal.
A partir das cinco categorias que compõem a Hierarquia de
Fundidade, proposta por Silveira (1990), decidimos, para essa pesquisa,
reorganizá-las em três categorias, considerando níveis de fundidade.
Nessa reorganização tivemos como baseamento à maneira da
estrutura na qual Anderson Godinho Silva trabalha em Orações modais:
Uma proposta de análise (2007). No entanto em nossa pesquisa essa
estrutura vai sofrer mais uma mudança, pois no trabalho de Godinho foi
possível observar apenas modais com grau de transitividade 0 a 7, o que
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não ocorreu em nossa análise, verificamos orações com grau de
transitividade 2 a 10.
Grupo 1 (Fundidade Máxima): são as orações que se afastam
mais do plano da figura. Elas recebem graus 0, 1, 2 e 3 de transitividade;
Grupo 2 (Fundidade Intermediária): são as orações que se
aproximam um pouco mais do plano da figura, mas ainda carregam um
grau intermediário de transitividade. Elas recebem graus 3, 4, 5 e 6 de
transitividade;
Grupo 3 (Fundidade Mínima): são as orações que se aproximam
mais do plano da figura. Elas recebem graus 7, 8, 9 e 10 de
transitividade.
Resolvemos fazer assim desse modo, pois desta forma facilitará a
análise de figura e fundo no âmbito da estrutura narrativa dos contos em
questão.
3. ANÁLISE E DISCURSÃO DOS RESULTADOS
Trataremos neste capítulo a apresentação dos resultados da
análise dos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto, de Edgar
Allan Poe, análise essa pautada na teoria da transitividade dos
funcionalistas teóricos norte-americanos Hopper & Thompson (1980). E
para conclusão, a apresentação de uma tabela que mostra de forma clara
e sucinta o resultado final de toda nossa pesquisa.
Após termos analisados as 40 orações, verificamos na estrutura
narrativa a ocorrência de orações com grau de transitividade 2 até 10,
caracterizando-se como cláusulas-fundo com baixo nível de transitividade
e cláusulas-figura com alto nível de transitividade.
Ainda tomando como sequencia a estrutura narrativa, mostraremos
agora exemplos de orações com alta transitividade (figura) e baixa
transitividade (fundo), e enquadrando-os na hierarquia de fundidade.
I. Exposição –
Sequencia: 9-7-8-9-2-2-7-7-6-7.
Das dez orações analisadas, seis apresentaram alto nível de
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transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando
na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3.
Exemplo 1 de oração com grau 9. (A máscara da morte rubra):
1. Ao perceber o despovoamento de seus estados [convocara um
milheiro de amigos alegres e sadios, cavalheiros e damas da corte]
(...).
Participantes (1): o sujeito pode ser resgatado em orações anteriores e
o verbo exige um agente, ―convocara‖;
Cinese (1): sendo o verbo ―convocara‖ de ação;
Aspecto (1): a ação é vista como completa, ―ele convocou‖;
Pontualidade (1): a ação é vista como pontual dentro da oração
―convocar os amigos‖; Intencionalidade (1): ―convocar‖ exige uma
intenção;
Polaridade (1): é uma sentença afirmativa;
Modalidade (1): a sentença é real, tendo efetivamente o ocorrido;
Agentividade (1): o agente é humano e tem condições de exercer a ação
de ―convocar‖; Afetamento do objeto (1): ―os amigos‖ são totalmente
afetados pela convocação;
Individuação do objeto (0): ―um milheiro de amigos‖ é comum, plural,
incontável e não determinado.
II. Complicação –
Sequencia: 3-3-4-5-9-4-4-3-5-3-6-5-10-9-9
Das quinze orações analisadas, dez apresentaram baixo nível de
transitividade, aproximando-se um pouco mais do plano da figura, mas
ainda carregam um grau intermediário de transitividade, se esquadrando
na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 2.
Exemplo 2 de oração com grau 5. (O gato preto):
2. Uma fúria diabólica apossou-se instantaneamente de mim.
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Participantes (0); Cinese (0); Aspecto (1); Pontualidade (1);
Intencionalidade (0); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade
(0); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (0).
III. Clímax –
Sequencia: 8-10-9-8-7-10-8-8-7-9
Das dez orações analisadas, todas se apresentaram no alto nível de
transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando
na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3.
Exemplo 3 de oração com grau 10. (A máscara da morte rubra):
3. Identificou-se então [a presença da Morte rubra, que ali entrava
como ladrão noctivago e fugitivo]
Participantes (1); Cinese (1); Aspecto (1); Pontualidade (1);
Intencionalidade (1); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade
(1); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (1).
IV. Desenlace –
Sequencia: 9-8-7-6-10
Das cinco orações analisadas, quatro apresentaram alto nível de
transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando
na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3.
Exemplo 4 de oração com grau 10. (O gato preto):
4. Eu havia emparedado o monstro no túmulo.
Participantes (1); Cinese (1); Aspecto (1); Pontualidade (1);
Intencionalidade (1); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade
(1); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (1).
A partir dos resultados obtidos, podemos afirmar a presença de
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cláusulas-figura, com maior frequência na exposição, clímax e desenlace
do conto.
Ainda na estrutura narrativa dos contos, observamos no desfecho a
predominância da presença dos verbos de ação, agente e paciente,
sequencia cronológica, eventos reais, dinâmicos e completos Na
complicação vemos que as situações estáticas, descritivas, com longos
parágrafos, descrição do ambiente e comentários do escritor narrador tem
uma forte influencia.
E para a conclusão desse capítulo, tem-se apresentação de uma
tabela que mostra de forma clara e sistemática o resultado final de toda
nossa pesquisa.
Estrutura
Transitividade
Exposição Complicação Clímax Desenlace
0-3 02 04 - -
4-6 01 07 - 01
7-10 07 04 10 04
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desse trabalho foi analisar a transitividade e os planos
discursivos (figura e fundo) nos contos: A máscara da morte rubra e O
gato preto de Edgar Allan Poe. A pesquisa fundamentou-se na proposta de
Hopper & Thompson, Transitivity in grammar and discourse (1980), que
em sua teoria utiliza 10 parâmetros sintático-semânticos que indicam o
grau de transitividade de orações e que possibilitam a identificação dos
relevos discursivos figura e fundo.
Selecionamos 40 orações correspondentes à estrutura da narrativa
(exposição, complicação, clímax e desenlace) de cada conto, avaliamos o
grau de transitividade (alta e baixa transitividade) e verificamos a
ocorrência de orações de alta transitividade (parte figura) em trechos
localizados na exposição, no clímax e no desenlace do conto, e orações de
baixa transitividade (parte fundo) na complicação da narrativa, de acordo
com uma oração escalar, mais transitivo e menos transitivo.
Devido à complexidade e a quantidade de orações que compõe o
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corpus, salientamos que este estudo teve apenas o objetivo de contribuir
com a formação da análise do ponto de vista funcionalista por meio de um
conceito da Análise do Discurso, e não como um modelo infalível.
Variações podem ocorrer tanto quanto a um autor específico como a um
conto diferenciado, mesmo seguindo o gênero em questão, que é o
suspense.
A transitividade não é um fenômeno perfeito, mesmo porque
há muitas divergências de autores quanto à definição ou a importância da
pontuação transitiva e de um ou outro parâmetro. Por exemplo, Hopper &
Thompson (1980) consideram apenas as pontuações zero e um, já Silveira
(1990) determina escalas que vão de zero a cinco. Além disso, a autora
elimina o parâmetro polaridade e opta por unir os parâmetros
Agentividade e Individuação do objeto em um único parâmetro:
Individuação do Agente/Individuação do Objeto.
No entanto deixamos registrada a importância desse estudo por
acreditar que tal abordagem procura identificar questões a cerca da
competência linguística do escritor ao elaborar seu texto/discurso.
Resta-nos esperar que novas hipóteses semelhantes, bem ou mal
sucedidas, sejam lançadas, pois conforme Popper (apud, SIQUEIRA, 2004,
p.430):
A ciência não é um sistema de enunciados certos e bem-
estabelecidos... Nossa ciência não é conhecimento, nunca pode ter
afirmado ter alcançado a verdade, ou mesmo um substituto para
ela, tal como a probabilidade... Não conhecemos: somente
podemos conjecturar.
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