(Trabalho em desenvolvimento)
A Economia da Autonomia Privada e da
Função Social do Contrato
Antônio José Maristrello Porto*
FGV Direito Rio
* O autor agradece aos comentários de Daniela Barcellos, Marcelo Lennertz e Luis Fernando Schuartz.
2
I – Introdução
De acordo com a teoria econômica neoclássica, nas trocas instantâneas existe pouco espaço
para os contratos ou para o direito contratual. Compradores e vendedores explorariam todos
os ganhos das trocas em transações feitas em mercados instantâneos1. Na verdade, em tais
mercados, como é o caso das feiras públicas, as partes se arranjam razoavelmente sem
contratos formais. Contratar torna-se uma alternativa interessante nas situações em que está
presente um elemento intertemporal nas trocas ou, pelo menos, quando uma das partes está
insegura quanto ao comportamento da outra (Hermalin, Katz et al., 2008, p. 2). Por isso, a
economia toma o contrato como a materialização de um acordo que, por ser disciplinado
juridicamente, viabiliza a produção e a circulação da riqueza (Araújo, 2007, p. 13). As
principais virtudes da incidência do direito nas relações de troca são dotar o acordo de força
obrigatória, aumentar a confiança entre as partes e promover a intersubjetividade.
É inegável que todos contratam independentemente da classe social, do padrão econômico
e do grau de instrução. O contrato é ferramenta indispensável do mundo moderno, sendo
difícil imaginar sociedade atual sem a presença do contrato. Para Caio Mário, diante da
ausência do contrato “o homo economicus estancaria as suas atividades. É o contrato que
proporciona a subsistência de toda a gente” (Pereira, 2007, p. 11).
1 Mercados de spot, também conhecidos como mercados instantâneos, são aqueles onde ocorrem transações
instantâneas, ou seja, após a negociação ocorre a entrega da mercadoria com o pagamento a vista.
3
O direito contratual não tem uma teoria única capaz de explicar, com exatidão, o seu
significado ou mesmo a forma de sua aplicação. Não existe uma teoria descritiva que,
isoladamente, explique o direito contratual em todos os seus domínios ou uma teoria
normativa que, baseada em objetivos isolados, possa servir à heterogeneidade dos contextos
contratuais.2 Os princípios contratuais, dentre outras funções, têm sido utilizados para
auxiliar no preenchimento das lacunas deixadas pelas teorias contratuais normativas e
descritivas. Ante a este contexto, o presente artigo visa enfocar os princípios da autonomia
privada e da função social nos limites das relações contratuais a partir de suas duas
dimensões, ou seja, a estrutural e a substancial. A ênfase estrutural, na dimensão econômica
do contrato, utiliza da literatura de Law & Economics – Análise Econômica do Direito
(AED). 3 Mais especificamente, utilizam-se vertentes econômicas do estudo contratual para
contribuir com a melhor interpretação e aplicação dos princípios da autonomia privada e da
função social.
Para isso, este artigo é estruturado como segue: seção II apresenta, em linhas gerais, o
entendimento atual sobre a autonomia privada no Direito Civil, analisando do ponto de
vista da teoria econômica a autonomia privada e a maximização do bem-estar econômico
da sociedade; seção III estabelece uma analogia entre as regulações contratuais através do
2 Para aprofundamento no debate ver (Schwartz e Scott, 2003). 3 No Brasil o termo Law & Economics ainda não tem consensualidade quanto a sua tradução. (Zylbersztajn e
Sztajn, 2005) – Direito e Economia e também Análise Econômica do Direito, (Pinheiro e Saddi, 2005) – Direito
e Economia, (Salama, 2008, p.49) – Direito e Economia e também Análise Econômica do Direito, (Masso,
2007) – Análise Econômica do Direito.
4
princípio da função social do contrato e as regulações das falhas de mercado; seção IV
apresenta algumas notas conclusivas.
II – Autonomia Privada
Embora o princípio da autonomia privada possua uma aplicação bem mais ampla4, neste
trabalho, sua análise será limitada ao âmbito contratual. Assim circunscrita, a autonomia
privada é o poder de contratar, ou seja, é um espaço de “liberdade jurígena” concedido aos
sujeitos para regularem as trocas de acordo com seus interesses (Cordeiro, 2000, p. 217).
É pacífico entre os autores do Direito Civil no Brasil (nota artigos Marcelo) que o
significado do princípio da autonomia privada, atualmente, não é o mesmo da época de seu
surgimento, no século XIX. Em sua origem, contemporânea à ascensão da teoria liberal, o
princípio da autonomia privada decorria da crença na total autonomia dos indivíduos –
supostamente livres e iguais – e sustentava o dogma jurídico segundo o qual o “contrato é
lei entre as partes”. Acreditava-se que, se os indivíduos são racionais, o acordo entre eles,
celebrado num contrato, é sempre resultado do equilibrado entre suas vontades 5.
Segundo os civilistas, tal concepção do princípio da autonomia foi revista no século XX,
com o surgimento do Estado do bem-estar social e do que se convencionou chamar de
4 A autonomia privada compreende a liberdade de associação, a liberdade de deliberar nos órgãos colegiados, a
liberdade de testar (Varela, 1991, p. 236). 5 Daí a célebre afirmação de Fouillé, discípulo de Kant: “Toda justiça é contratual, quem diz contratual, diz
justo” (Renault-Brahinsky, 2002).
5
“dirigismo contratual”. Sob o pretexto da promoção dos direitos sociais, passou-se a admitir
uma maior intervenção estatal na economia, o que também teve reflexos no âmbito da
liberdade de contratar. Vale dizer, aceitou-se que o Estado, em certos casos, pudesse
interferir no conteúdo dos contratos, seja para obrigar algumas pessoas a contratar, ou para
determinar certos conteúdos, ou, ainda, para proibir certas cláusulas acordadas entre as
partes. Além disso, passou a ser possível a revisão judicial dos contratos.
O pano de fundo teórico-jurídico dessa mudança teria sido a passagem da teoria
voluntarista para o positivismo jurídico. A autonomia não mais emanava apenas da vontade
das partes, mas tinha como condição de eficácia jurídica o seu reconhecimento pelo
ordenamento jurídico estatal nos limites do direito positivo. Assim, o contrato passa a ser
entendido como “ato de autonomia privada apto a criar regras de conduta (dever-ser) que,
recepcionadas pelo ordenamento jurídico, geram efeitos para seus participantes” (Lopez,
2007, p. 10). Nesse sentido, a principal alteração no conteúdo semântico da autonomia
privada é o fato de que, agora, o contrato obriga não em razão da tutela subjetiva da
vontade das partes, mas da tutela objetiva da confiança dos agentes econômicos, garantindo
a segurança do negócio jurídico.
De todo modo, a autonomia privada permanece como princípio central do direito das
obrigações. Isso significa dizer que, em regra, dentro dos limites impostos pela lei, deve
prevalecer o conteúdo estipulado pelas partes.
6
Conforme demonstrado, parece certo que várias correntes jurídicas justificam e
fundamentam o princípio da autonomia privada, mas será possível fundamentá-lo
economicamente? A AED defende que sim.
Antes de enfrentar a questão específica da autonomia privada como princípio econômico,
necessário que alguns conceitos sejam esclarecidos, por exemplo, o conceito de bem-estar
econômico da sociedade. Da mesma forma que Kaplow e Shavell, adotamos o conceito de
bem-estar econômico da sociedade como função do bem-estar do indivíduo (Kaplow e
Shavell, 2002, p. 16). Por isso, tudo o que for relevante para o bem-estar do indivíduo será
relevante para uma análise do bem-estar econômico da sociedade.6 Ademais, Mankiw
explica que o excedente total7 é um bom indicador do bem-estar econômico (Mankiw,
2005, p. 141-142).
Para facilitar a compreensão da importância do princípio da autonomia privada na
maximização do bem-estar econômico da sociedade, utilizaremos a teoria econômica para
6 “O bem-estar do indivíduo incorpora de forma positiva tudo que possa valorizar – bens e serviços consumíveis,
instalações sociais e ambientais, noções pessoais de satisfação, sentimentos de simpatia pelo próximo e outros
bens e sentimentos. Da mesma forma, o bem-estar de um indivíduo incorpora de forma negativa prejuízos a sua
pessoa ou propriedade, custos, inconveniências e tudo mais que ele possa qualificar como desagradável”
(Kaplow e Shavell, 2002, p. 18, tradução direita).
7 “Excedente do consumidor é o benefício que os compradores obtêm de sua participação no mercado e o
excedente do produtor é o benefício recebido pelos vendedores. É natural, portanto, usar o excedente total como
medida do bem-estar econômico da sociedade. Para entender melhor essa medida de bem-estar econômico,
lembre-se de como medimos os excedentes do consumidor e do produtor. Definimos excedente do consumidor
como (excedente do consumidor = valor para os compradores – quantia paga pelos compradores). De maneira
7
os jogos de barganhas através de um exemplo bastante elucidativo. 8 Arão, que vive em
uma cidade pequena, possui um Fusca 1960 em bom estado. O prazer de ser o proprietário
do carro e dirigi-lo vale para ele R$ 3.000,00. Benta, que cobiça o carro de Arão por muitos
anos, após receber herança no valor de R$ 5.000,00, decide tentar adquiri-lo. Depois de
inspecionar o automóvel, Benta decide que o prazer de ser sua proprietária e dirigi-lo vale
para ela R$ 4.000,00. Sendo assim, um acordo de venda permitirá que o carro passe de
Arão, que o valoriza em R$ 3.000,00, para Benta, que o valoriza em R$ 4.000,00. Uma vez
que o vendedor potencial valoriza o carro menos que o comprador potencial, existe espaço
para uma barganha. Supondo que a troca seja voluntária, Arão não aceitará menos que R$
3.000,00 pelo carro e Benta não pagará mais que R$ 4.000,00. Portanto, o valor da venda
ficará entre as avaliações estabelecidas por Arão e Benta. Suponha que o negócio tenha
sido concretizado em R$ 3.500,00, um valor razoável que dividiria a diferença.9
A diferença entre o valor que Benta pagou e o que estaria disposta a pagar, mais a diferença
entre o valor que Arão vendeu e o que estaria disposto a vender é o excedente total, ou seja,
é uma medida de quanto as partes juntas ganharam com a troca. Benta só teve que pagar R$
3.500,00 por algo que se dispunha a pagar R$ 4.000,00 e Arão recebeu R$ 3.500,00 por
algo que se pretendia vender por R$ 3.000,00. As diferenças somadas, R$ 1.000,00,
similar, medimos o excedente do produtor como (excedente do produtor = quantia recebida pelos vendedores –
custo para os vendedores)” (Mankiw, 2005, p.147-148)
8 Este exemplo foi baseado no exemplo criado por Cooter e Ulen (Cooter e Ulen, 2004, p.78).
9 Existem estudos que discutem a divisão do excedente criado e nem sempre a divisão é feita de forma
igualitária, ver (Pinheiro e Saddi, 2005, p.) e (korobkin, 2000)
8
consistem no excedente total.10 Conforme ensina Mankiw, o excedente total é uma boa
aproximação para a mensuração do bem-estar econômico da sociedade. Neste exemplo,
dois indivíduos agindo em interesse próprio, sem que ninguém os obrigue a fazer algo
indesejável, geram um excedente total e, por conseqüência, maximizam o bem-estar
econômico da sociedade, ainda que não haja intencionalidade.
No entanto, mesmo nas situações em que há espaço para negociação cooperativa com
geração do excedente total, não há garantias de que ela aconteça. Se a negociação não é
bem sucedida, as partes não cooperarão, a tentativa de mover recursos (no exemplo o carro)
para seu uso mais valorizado falhará e, portanto, o excedente total não será criado.
O exemplo da venda do carro tratava de uma troca instantânea (mercado de spot), com
pagamento à vista e entrega imediata do bem negociado, ou seja, o carro foi trocado
instantaneamente pelo dinheiro. Mas suponha que Arão e Benta concordassem no preço do
carro, mas que ela, ao final da negociação, revelasse que o dinheiro que herdou de sua tia
somente estaria disponível em 30 dias. As partes teriam duas opções: (1) desistir do
negócio, ou (2) acordar quanto à data do pagamento e a entrega do carro. Na primeira
10 A apreciação por completo da importância da barganha cooperativa (jogo cooperativo), com a geração do
bem-estar econômico da sociedade, somente é possível quando se faz uma comparação de seu resultado com um
jogo não-cooperativo. O jogo cooperativo entre Arão e Benta resultaria em: R$ 4.000,00 (valor do carro para
Benta) + R$ 1.500,00 (valor que Benta retêm dos R$ 5.000,00 originais) + R$ 3.500,00 (valor recebido por Arão
pela venda do carro) = R$ 9.000,00. O jogo não-cooperativo entre Arão e Benta resultaria em: R$ 5.000,00
(valor que Benta continuaria tendo) + R$ 3.000,00 (valor que Arão valoriza o carro não vendido) = R$ 8.000,00.
O excedente total é a diferença entre o valor da cooperação e da não-cooperação: R$ 9.000,00 – R$ 8.000,00 =
R$ 1.000,00.
9
opção, o excedente não seria criado. Ao invés disso, as partes poderiam escolher a segunda
alternativa e se comprometer intertemporalmente. Cooter e Ulen explicam que “a passagem
do tempo entre a troca de promessas e o cumprimento das mesmas cria incertezas e riscos.
Incertezas e riscos são obstáculos para a troca cooperativa” (Cooter e Ulen, 2004, p. 196).
Para ilustrar como as incertezas e riscos podem desestimular uma negociação cooperativa,
considere que não exista nenhuma maneira de obrigar as partes a manterem suas promessas
após trinta dias. Será que as partes negociariam? Provavelmente não. Precavidamente, para
que o negócio seja concluído, Arão e Benta querem algo a mais que a simples obrigação
moral. A autonomia privada materializada em um contrato cria a possibilidade de ambos
poderem cobrar o cumprimento da promessa reciprocamente através do aparelho coator do
Estado. Portanto, a autonomia privada permite a criação de um excedente total. Neste
mesmo sentido, Caio Mário preceitua que: “uma vez concluído o contrato, passa a
constituir fonte formal de direito, autorizando qualquer das partes a mobilizar o aparelho
coator do Estado para fazê-lo respeitar tal como está, e assegurar a sua execução segundo a
vontade que presidiu a sua constituição. Em suas linhas gerais, eis o princípio da autonomia
da vontade, que genericamente pode enunciar-se como a faculdade que têm as pessoas de
concluir livremente os seus contratos” (Pereira, 2007, p. 24 - 25).
A proposição feita por Caio Mário, que sintetiza o princípio da autonomia da vontade e
tudo o mais discutido até aqui, pode ser demonstrada através da teoria dos jogos.11
11 A teoria dos jogos é uma das ferramentas (ou técnicas) utilizada pelos adeptos da AED. Para Variam, “agentes
econômicos podem interagir estrategicamente numa variedade de formas, e várias delas têm sido estudadas
utilizando-se o instrumental da teoria dos jogos. A teoria dos jogos lida com a análise geral de interação
10
Retornemos ao exemplo de Arão e Benta e novamente consideremos que não exista
nenhuma maneira de obrigar as partes a manterem suas promessas, ou seja, Arão e Benta
vivem em uma sociedade onde não existe contrato. 12 A situação é a mesma narrada
anteriormente, Benta quer o carro, mas somente pode efetuar o pagamento no final de trinta
dias. A figura 1 representa as alternativas de cada um dos jogadores (Arão e Benta),13 os
números indicam a diferença na riqueza de cada jogador antes e depois do jogo.14 (Baird,
Gertner et al., 1994)
estratégica. Pode ser estudada para estudar jogos de salão, negociações políticas e comportamento econômico”
(Varian, 2003, p. 535). Para mais detalhes ver (Baird, Gertner et al., 1994).
12 Assumimos para fins didáticos uma sociedade onde não existam os contratos, mas os resultados demonstrados
na figura 1 podem também ser condizentes com uma situação onde o judiciário é corrupto ou as leis que regem
os contratos são ineficientes.
13 Figura 1 representa a matriz de um jogo simultâneo, usada para facilitar a exemplificação de nosso ponto
(importância da autonomia privada), mas também poderia ser uma matriz de um jogo seqüencial, que nos levaria
a um número maior de estratégias para os jogadores (Benta: paga sempre, não paga sempre, só paga se Arão
entrega, só paga se Arão não entrega).
14 A racionalidade para a solução deste jogo foi adaptada dos ensinamentos de Cooter e Ulen onde eles
trabalham como os jogadores cooperam e se comprometem em jogos interativos (Cooter e Ulen, 2004, p. 196 –
200).
11
Segundo Jogador
Benta
Cumpre Não cumpre
Entrega o carro
R$ 500,00
R$ 500,00
R$ 4.000,00
- R$ 3.000,00 Primeiro Jogador
Arão
Não entrega o carro
0
0
0
0
Figura 1
O primeiro jogador (Arão) decide se entrega ou não o carro (para ele valorizado em R$
3.000,00). Se ele não entregar o carro o jogo termina e ambos os jogadores não ganham
nada. Se o primeiro jogador decide entregar o carro o segundo jogador (Benta) decide se
coopera e paga pelo carro no final dos trintas dias ou se não coopera e não paga pelo carro
(para ela valorizado em R$ 4.000,00). Cooperação produz um payoff de R$ 1.000,00 e os
jogadores dividem o payoff total entre eles igualmente, ambos os jogadores saem ganhando
do jogo. Alternativamente, o segundo jogador pode não cooperar e não pagar pelo carro, o
que permite que ele fique com o carro e com o payoff total de R$ 1.000,00.
Se o primeiro jogador decide entregar o carro, a melhor estratégia para o segundo jogador
será não cooperar, o que lhe permite apropriar de todo o excedente criado.
12
Conseqüentemente, a melhor estratégia do segundo jogador será não cooperar.15 O primeiro
jogador antecipará que o segundo jogador não cooperará, ou seja, não pagará pelo carro,
portanto, o primeiro jogador terá como melhor estratégia não entregar o carro. A solução
para a figura 1 seria aquela que o primeiro jogador não entrega o carro para o segundo, se
esta é a solução do jogo, então a realocação do carro para a parte que o valoriza mais não
ocorrerá, resultando em uma situação ineficiente no sentido de Pareto.16
Agora, consideremos que Arão e Benta vivam em uma sociedade onde existam contratos e
que os dois possam suscitar, através do princípio da autonomia privada, a força coatora da
ordem jurídica que tutelará suas promessas. Vejamos como os resultados são modificados
frente a presença de um contrato executável. Vamos assumir que as partes acordem que no
caso de inadimplemento pelo segundo jogador, ele devolva o carro ao primeiro jogador
juntamente com o pagamento R$ 500,00 pelas perdas e danos. A figura 2 representa as
alternativas de cada um dos jogadores frente a presença de um contrato com efeitos
reconhecidos e tutelados. Assim como na figura 1, os números da figura 2 indicam a
diferença na riqueza de cada jogador antes e depois do jogo.
15 “Tal estratégia – uma que funciona melhor não importa o que faça o outro – é chamada estratégia dominante.
Recorde-se que um dos objetivos da teoria dos jogos é prever qual a estratégia que cada jogador escolherá.
Quando um jogador tem uma estratégia dominante, essa é a estratégia que, devemos prever, será a escolhida por
um agente racional (Stiglitz e Walsh, 2002, p. 323).
16 “se pudermos encontrar uma forma de melhorar a situação de uma pessoa sem piorar a de nenhuma outra,
teremos uma melhoria de Pareto. Se uma alocação permite uma melhoria de Pareto, diz-se que ela é ineficiente
no sentido de Pareto, se a alocação não permitir nenhuma melhoria de Pareto, então ela é eficiente no sentido de
Pareto” (Varian, 2003, p. 15)
13
Segundo Jogador
Benta
Cumpre Não cumpre
Entrega o carro
R$ 500,00
R$ 500,00
- R$ 500,00
R$ 500,00 Primeiro Jogador
Arão
Não entrega o carro
0
0
0
0
Figura 2
Se primeiro jogador entrega o carro e o segundo jogador cumpre com o contrato o primeiro
jogador recebe os R$ 3.500,00 (R$ 3.000,00 que ele valorizava o carro mais R$ 500,00 do
excedente criado) payoff de R$ 500,00. Se o primeiro jogador entrega o carro e o segundo
jogador não cumpre com o contrato, o primeiro jogador recebe o carro de volta e mais R$
500,00 de perdas e danos, neste caso presume-se que o primeiro jogador estaria na mesma
situação caso o segundo jogador tivesse cumprido com o contrato, ou seja, R$ 500,00
melhor. Alternativamente, o primeiro jogador poderia não entregar o carro e, portanto, não
ganharia nada. Dado as possibilidades, entregar o carro é a melhor alternativa do primeiro
jogador. Suponha que o primeiro jogador entregue o carro para o segundo jogador, ao
cumprir o contrato o payoff do segundo jogador seria de R$ 500,00, ao descumprir o
contrato o julgador judicial determina o cumprimento do contrato, resultando na devolução
14
do carro mais o pagamento de R$ 500,00 de perdas e danos para o primeiro jogador. Neste
caso, o segundo jogador fica sem o carro e ainda pagaria R$ 500,00, ou seja, um payoff de
menos R$ 500,00. Portanto, a melhor estratégia do segundo jogador é adimplir o contrato
efetuando o pagamento do carro para o primeiro jogador no final dos trinta dias, o que lhe
resultaria em um payoff de R$ 500,00.17 A solução para a figura 2 seria a que o primeiro
jogador entrega o carro para o segundo, se esta é a solução, então a realocação do carro para
a parte que o valoriza mais ocorrerá, resultando em uma situação eficiente no sentido de
Pareto. Para Cooter e Ulen, o primeiro propósito do direito contratual é possibilitar que os
indivíduos convertam jogos com soluções ineficientes, como o jogo representado na figura
1, em jogos com soluções eficientes, como o da Figura 2 (Cooter e Ulen, 2004, p. 198).
Posto de outra forma, através do princípio da autonomia privada, os jogadores exercendo a
faculdade de livremente contratar, possibilita a realocação eficiente dos bens.
Em síntese, é o contrato o instrumento que possibilita às partes a auto-regulação de seus
interesses sob a égide sancionadora do direito. E a força vinculante do contrato funda-se no
exercício da autonomia privada, ainda que esta possa ser limitada por outros princípios18,
tais como a boa-fé e a função social.
17 Outra estratégia do segundo jogador seria devolver o carro e pagar os R$ 500,00 para o primeiro jogador, caso
tivesse como alternativa outro investimento para os R$ 3.500,00, neste caso, seu novo investimento teria que
gerar um excedente suficiente para pagar os R$ 500,00 de perdas e danos para o primeiro jogador e ainda lhe
sobrasse um valor superior a R$ 500,00.
18 Teresa Negreiros sistematizou os atuais princípios contratuais: princípio de autonomia privada; princípio da
força obrigatória dos contratos; princípio da relatividade das convenções; princípio do equilíbrio contratual;
princípio da boa-fé objetiva; princípio da função social do contrato (Lopez, 2007, p. 8)
15
No contrato de compra e venda utilizado na Figura 2, as partes poderiam escolher, dentre
outras coisas, como o pagamento seria feito, assim como outras disposições que se fizessem
necessárias a fim de corresponder melhor a seus próprios interesses. O princípio da
autonomia privada vincula as partes a observarem o acordado e permite a estipulação de
condições resolutivas em caso de inadimplemento por uma das partes, deixando o co-
contratante respaldado pelo direito. Essa liberdade de estipulação, vista como parte do
regime da livre iniciativa é ferramenta valorosa na maximização do bem-estar econômico
da sociedade, na medida em que possibilita a circulação e a criação da riqueza. A
proposição de que o contrato, através da autonomia privada, possibilita a circulação da
riqueza é ponto pacificado na literatura jurídica,19 quanto ao contrato como criador de
riqueza, apesar de ter sido demonstrado em nossos exemplos, ainda pode causar alguma
estranheza àqueles acostumados apenas com o viés jurídico dos contratos onde todo foco é
direcionado para a circulação da riqueza. Ocorre que mesmo nos manuais mais tradicionais
já se reconhecia o contrato como ferramenta de criação de riqueza.20 A importância da
autonomia privada, princípio gerador dos contratos, vai alem da já bastante debatida função
de circulação da riqueza para atuar também de forma determinante em sua criação.
19 Ver (Rizzardo, 2008) e (Pereira, 2007).
20 “Em sua obra “Novos temas de direito civil”, Orlando Gomes já observava que o capitalismo industrial e
empresarial, alçando o contrato à condição de criador de riqueza (e não mais como mero circulador), fez com
que ele passasse a ter função social” (Gomes, 2008, p. 48).
16
III – Função Social
Atualmente, não é trabalho simples definir qual a integração do direito contratual com o
cenário mais amplo da regulação econômica, pois parece existir um desejo intervencionista
crescente, pelos reguladores, nos contratos privados. Neste mesmo sentido, algumas
interpretações judiciais dos contratos também objetivam fins sociais em detrimento da
simples aplicação daquilo que foi contratualmente avençado pelas partes.21 Uma das
hipóteses para tal comportamento jurisdicional, é que, muitas vezes, o avençado nos
contratos não condiz com o senso de justiça ou com a ideologia do julgador. Como seria de
se esperar, toda decisão judicial que assim foi concebida vem acompanhada de uma vasta
gama de justificações, dentre elas a que interessa a esta seção do artigo, ou seja, aquelas que
buscam fundamentos nos princípios jurídicos, mais especificamente no princípio da função
social do contrato.
Assim reza o artigo 421 do Código Civil “A liberdade de contratar será exercida em razão e
nos limites da função social do contrato.” O legislador, ao que parece, procurou
redirecionar o foco do indivíduo para a sociedade. Rizzardo, ponderando sobre a função
social do contrato, explica que o interesse público passou a prevalecer sobre o privado
(Rizzardo, 2008, p. 21), de modo que, sempre que o coletivo é negativamente afetado pelo
contrato privado, se levanta a bandeira da função social. Para Orlando Gomes, a doutrina
divide-se em duas frentes na tentativa de propor um conteúdo para o princípio da função
21 Ver (Theodoro, 2008).
17
social. A primeira interpreta o citado art. 421 como um escudo protetor do interesse de
terceiros22 e a segunda vislumbra uma aplicação mais prática do art. 421 do Código Civil
aos contratos, tais como nos casos de lesão à dignidade da pessoa humana e a
impossibilidade de obtenção do fim último visado pelo contrato (Orlando Gomes, 2008, p. 49 –
51).
A nosso ver, alguns conceitos emprestados da economia poderiam estimular um debate
direcionado ao preenchimento do princípio da função social e, para isso, necessário que,
mais uma vez, seja lembrado o exemplo de Arão e Benta, onde as partes, através da
utilização do princípio da autonomia privada, realocavam o carro da parte que o valorizava
menos para aquela que o valorizava mais, criando, assim, um excedente que foi
equivalentemente partilhado entre as partes.23 No exemplo, as partes absorveram todo
resultado da negociação, que se materializou em um contrato onde suas vontades (princípio
da autonomia privada) receberam a tutela sancionadora do Estado. Como resultado desta
bem sucedida barganha, Arão e Benta ficaram em melhor situação, sem que ninguém
ficasse em pior situação.
Ocorre que nem sempre os resultados finais dos acordos contratados são total e unicamente
absorvidos pelas partes contratantes; algumas vezes, efeitos negativos dos contratos são
22 Tal como representado pelo interesse ligado ao meio ambiente, ou ao direito de concorrência.
23 O preço acordado entre Arão e Benta foi de R$3.500,00, ou seja, R$500,00 a mais do que Arão valoriza o
carro e R$500,00 a menos que Benta o valorizava, houve assim uma divisão igualitária do excedente total
criado.
18
exteriorizados e atingem terceiros, direta ou indiretamente. Em síntese, a busca do interesse
individual dos contratantes acaba por causar dano à sociedade. Para a ciência econômica,
uma situação onde os mecanismos de mercado não regulados pelo Estado permitem que os
indivíduos, agindo em interesse próprio, gerem resultados ineficientes ou indesejáveis do
ponto de vista da sociedade é denominada como falha de mercado.
O que propomos aqui é fazer uma analogia entre a regulação do contrato, justificada através
do princípio da função social, e a regulação do mercado, justificada através da falha de
mercado; para tanto, novamente alguns conceitos devem ser esclarecidos.
Para o entendimento do conceito de falhas de mercado, necessário que sejam feitos alguns
esclarecimentos sobre a economia de mercado. Em uma economia de mercado, existe
liberdade de produção e consumo, portanto, os indivíduos são livres para decidir o que,
quando e quanto produzir e consumir. Não existe uma autoridade central comandando a
produção ou a alocação desta produção.24 Cada indivíduo decide o que é mais lucrativo
produzir e consumir (Krugman e Wells, 2007, p. 2 - 3). Em uma economia de mercado não
existe um departamento do governo designado para cuidar da eficiência econômica geral. A
eficiência econômica acontece pela “mão invisível”,25 sendo função do mercado, através da
24 “A alternativa para uma economia de mercado é uma economia de comando, em que existe uma autoridade
central tomando decisões sobre produção e consumo” (Krugman e Wells, 2007, p.2).
25 “Mão invisível – termo utilizado pelos economistas para se referir à maneira pela qual uma economia de
mercado consegue domar o poder do interesse próprio em favor do bem da sociedade” (Krugman e Wells, 2007,
p.2).
19
livre iniciativa, promover a eficiência, e não do governo.26 Uma explicação mais detalhada,
justificando por que os mercados normalmente são bons e como exatamente funcionam não
é necessária para o objetivo deste artigo, bastando que esteja claro que, em uma economia
de mercado, a liberdade dos indivíduos para escolher o que consomem e o que produzem,
normalmente, faz com que as oportunidades de melhora mútua sejam aproveitadas. Em
síntese, se existe a oportunidade de melhora, as pessoas poderão tirar proveito dela e, em
uma situação em que todas as oportunidades de melhora, de qualquer um que seja, já foram
exploradas, tem-se uma alocação eficiente dos recursos.
Ocorre que, conforme mencionamos anteriormente, uma economia de mercado pode
apresentar falhas e a busca do interesse individual pode não promover a alocação eficiente
dos recursos, o que não maximizaria o bem-estar econômico da sociedade. Nos casos de
ocorrência das falhas de mercado, economistas defendem que o governo deve intervir
pontualmente, regulando o mercado na tentativa de eliminá-las.
Utilizando da racionalidade aplicada às falhas de mercado acima descritas, este artigo
defende que o princípio da autonomia privada aplicada aos contratos é a materialização da
liberdade individual em uma economia de mercado. Contratos nascidos através do princípio
da autonomia privada comumente maximizam o bem-estar econômico e, assim como o
26 “Uma economia é eficiente quando usa todas as oportunidades de melhorar a situação de alguns sem piorar a
situação de outros” (Krugman e Wells, 2007, p.12).
20
Estado corrige as falhas de mercado, sugerimos que somente as falhas contratuais sejam
corrigidas pelo Judiciário.27
O que sugerimos é que as decisões judiciais que alterem o avençado pelas partes
contratantes e que são embasadas no princípio da função social poderiam ser análogas às
correções das falhas de mercado. Em síntese, as regulações contratuais baseadas no
princípio da função social do contrato deveriam considerar que, assim como em uma
economia de mercado a liberdade dos indivíduos para escolher o que e como produzir e
vender é normalmente eficiente. Nesse sentido, a autonomia privada é, usualmente,
geradora de eficiência, sendo que apenas as falhas contratuais deveriam ser pontualmente
reguladas.
Competição imperfeita, informação imperfeita, bens públicos e externalidades são
exemplos de falhas de mercado, ou seja, nestes casos a economia de mercado falha em seu
papel de promover a eficiência econômica. A falha de mercado que nos interessa é a
geradora de externalidade, onde indivíduos infligem custos ou proporcionam benefícios
para terceiros, mas não têm incentivos econômicos para absorver em suas atividades os
27 De certa forma isso é o que ocorre com contratos corrigidos pelo Estado, por exemplo, após um período de
apoio incondicional a autonomia da vontade, o legislador entendendo que arranjos contratuais, com
potencialidade de desequilibrar o mercado ou de promover atos predatórios, deveriam ser regulados. O
legislador passou a corrigir este tipo de contrato entre concorrentes com o objetivo de sanar as falhas que tais
acordos infligiriam ao mercado. De forma mais sucinta, também o legislador quando redigiu os artigos 156 (Do
Estado de Perigo) e 157 (Da Lesão) do Código Civil tratava de corrigir uma falha de mercado denominada
monopólio. Em ambos os artigos o contratante fica livre da obrigação contratada se comprovado o monopólio
circunstancial ao qual foi submetido no momento da celebração do contrato.
21
custos ou benefícios gerados por ela. Em casos como este, economistas dizem que a
situação inclui externalidades; mais uma vez, um exemplo pode ajudar na compreensão do
conceito a ser estudado. Imagine uma siderúrgica que, durante seu processo de produção,
emite um resíduo que prejudica, única e exclusivamente, a produção de laranjas do seu
vizinho citricultor. Neste caso, a siderúrgica, durante sua produção, não internaliza todos os
custos originados em seu empreendimento e impõe malefícios ao vizinho citricultor. A
exteriorização de efeitos negativos pela siderúrgica é considerada uma externalidade
negativa e, em uma economia de mercado, onde cada um decide o que produzir e isso,
normalmente, leva a alocação eficiente de recurso, essa externalidade negativa causada pela
siderúrgica pode ocultar seu resultado real para a sociedade. O Estado deve intervir,
corrigindo esta falha de mercado, restabelecendo a eficiência e, portanto, maximizando o
bem-estar econômico da sociedade.28
Com efeito, o Estado intervém obrigando a siderúrgica a internalizar a externalidade
negativa originada em seu processo de produção, da mesma forma parece razoável que o
princípio da função social do contrato seja utilizado para obrigar as partes a internalizarem
as externalidades negativas provenientes de um contrato, sendo que, não havendo
28 O Estado pode fazer com que a siderúrgica internalize todos os custos de sua produção, por exemplo, através
da instalação de filtros e purificadores. Note que através de uma regulação, o Estado impõe um gasto extra para
a siderúrgica o que elevará seu custo de produção, note ainda que esta regulação transfere para a siderúrgica a
decisão quanto a viabilidade de sua produção, após o acréscimo no custo produtivo o próprio mercado decidirá
se esta empresa deverá ou não continuar funcionando através da aceitação de um preço mais alto pelo mesmo
bem produzido, ou não.
22
externalidades contratuais que, negativamente, afetem o bem-estar econômico, não há que
se falar em regulação através do princípio da função social do contrato.
A racionalidade econômica da regulação dos contratos pelo princípio de sua função social
deveria se assemelhar à racionalidade econômica da regulação dos mercados, onde apenas
as externalidades negativas são reguladas. O julgador que decide desviar o curso de uma
transação privada materializada em um instrumento contratual, fundamentando sua decisão
na função social do contrato, somente deveria fazê-lo quando, dadas as informações
casuísticas, sua decisão fizesse com que as partes internalizassem as externalidades
negativas restabelecendo a eficiência contratual e por conseqüência a maximização do bem-
estar econômico da sociedade. O julgador agiria como aparato regulador do Estado quanto
às falhas de mercado originadas nos contratos privados.
Ocorre que a proposição apresentada é pouco elucidativa do ponto de vista normativo, pois
continuaria pertencendo aos pendores dos julgadores a definição do que constitui uma
externalidade contratual, podendo essa definição ser feita através de critérios subjetivos.29
Neste artigo, vamos um pouco adiante e propomos que a eficiência na alocação da riqueza
poderia ser o critério objetivo de uma relação contratual, não como critério único e
imutável, mas como uma “proxy” para a maximização do bem estar econômico da
sociedade.
29 Diferentes ideologias conduzem a diferentes formas de atuação e de tomada de decisão pelo julgador. Uma
vasta gama de variáveis, tais como, as noções distributivas, religiosas e filosóficas, podem permear a ideologia
dos julgadores.
23
Mais uma vez o exemplo de Arão e Benta será útil para o entendimento do ponto. Naquele
caso as partes negociaram, cooperaram e contrataram, o que levou à geração de um
excedente total de R$1.000,00, o qual foi equitativamente distribuído, R$500,00 para cada
uma das partes. Agora imagine que o excedente total gerado tivesse sido dividido da
seguinte forma: R$999,00 para Benta (a compradora) e R$1,00 para Arão (o vendedor),
acrescente ainda a informação que Arão era pobre e que Benta uma milionária; será que
caberia a um juiz alterar ou mesmo anular este contrato com base em sua função social?
Será que existira razão para a anulação ou alteração do contrato, sendo que, dadas as
informações, o contrato é eficiente? Existe alguma externalidade negativa vinculada a este
contrato?
Conforme podemos perceber, as respostas para estas perguntas dependem do objetivo do
julgador. Se a maximização da riqueza é a proxy adotada para a maximização do bem-estar
econômico da sociedade, então o fato da distribuição do excedente total criado pela
transação de Arão e Benta ter sido feito de forma desigual (não eqüitativa), não deve ser
interpretado como uma fonte geradora de externalidade negativa. Afinal, a realocação do
carro de Arão para Benta ocorreu de forma eficiente, sem que nenhuma outra parte tenha
sido negativamente atingida. Para fins comparativos, podemos supor que a sociedade
decidisse adotar não a maximização da riqueza, mas a distribuição da riqueza como proxy
da maximização de seu bem-estar econômico. Neste caso, o fato da distribuição do
excedente total criado, no caso de Arão e Benta, ter sido feito de forma desigual (não
eqüitativa) pode ser interpretado como uma fonte geradora de externalidade negativa. Essa
externalidade existiria, pois, assim como concebido por este artigo, o bem-estar econômico
24
da sociedade é uma função do bem-estar de cada indivíduo da sociedade; portanto o bem-
estar econômico seria negativamente afetado pela divisão desigual do excedente total
criado. Teríamos, então, uma externalidade contratual negativa que deveria ser regulada.30
Alguns adeptos da AED defendem, ou já defenderam, que a maximização da riqueza deve
ser o único objetivo buscado em uma decisão judicial.31 Se assim fosse, o contrato entre
Arão e Benta não apresentaria nenhuma externalidade negativa e, portanto, não deveria ser
regulado pelo julgador. Neste mesmo sentido nos posicionamos, com a ressalva de que,
para este artigo, a instituição da maximização da riqueza como proxy da maximização do
bem-estar econômico é uma forma de superar a instabilidade criada pela falta de definição
do conteúdo do princípio da função social do contrato. Ao que parece, atualmente, a
ideologia dos julgadores é o que define o conteúdo do princípio da função social do
contrato, uma vez que não existe uma definição quanto ao ponto. Ocorre que, se a ideologia
de um julgador pode definir o que é uma externalidade negativa contratual, então podemos
incorrer em sérios problemas de insegurança contratual, o que, por vezes, poderia gerar
efeitos colaterais, levando a uma redução no número e na qualidade dos contratos.32
30 Assim como sugerido por essa suposição, as respostas para as perguntas feitas no final do parágrafo anterior
são vinculadas as variáveis escolhidas pela sociedade como proxies da maximização de seu bem-estar
econômico.
31 Ver (Posner, 2007, p. 484).
32 A segurança dos “remédios” judiciais para o não cumprimento contratual é uma das variáveis que compõem o
fator “rule of Law” , que dentro da literatura das Novas Instituições Econômicas parece ser importante para o
desenvolvimento econômico de um país e particularmente para o sucesso dos empreendimentos empresariais.
Para detalhes ver (Demirguc-Kunt e Maksimovic, 1998).
25
Frente à ausência do conteúdo para o preenchimento do princípio da função social do
contrato, a eficiência na maximização da riqueza parece uma boa alternativa, servindo
como uma proxy para a maximização do bem-estar econômico da sociedade. Desta forma,
as externalidades contratuais que influenciarem negativamente na maximização da riqueza
da sociedade devem ser reguladas pelo julgador. Caso elas não existam, cabe ao julgador
fazer cumprir o contrato. Outra alternativa para a definição de uma proxy é a sugerida por
Kaplow e Shavell que sugerem que a escolha das preferências sociais devem ser debatida
legislativamente, o que, dentro da literatura de AED, aumentaria sua legitimidade.33
Como vimos, a discussão em torno da função social do contrato parece ser fonte de
interpretações divergentes dentro da doutrina. Talvez, nossa maior restrição seja quanto às
variações nos critérios adotados pelo julgador para o preenchimento do princípio da função
social do contrato, o que, conforme já mencionado, pode trazer efeitos adversos aos
almejados.
Para contribuir com esse debate tentamos demonstrar que a regulação contratual, através de
sua função social, deve ser feita analogamente à regulação das externalidades. Assim como
na teoria clássica, também defendemos que a iniqüidade não gera, necessariamente, uma
externalidade negativa e que só excepcionalmente deveria ser considerada uma
externalidade a ser regulada pela função social. O debate legislativo por aqueles que foram
democraticamente eleitos pelo povo para discutir a agregação de preferências da sociedade
33 Ver (Kaplow e Shavell, 2000).
26
parece uma solução para a definição do conteúdo para o princípio (Kaplow e Shavell,
2000). Lembramos, ainda, que as externalidades contratuais mais graves são reguladas pela
legislação, com a anulação do negócio jurídico.34 Se, de forma geral, a iniqüidade não gera
nulidade contratual,35 então presumimos que o próprio legislador admite que a iniqüidade
contratual não é uma externalidade grave.
Caso consideremos a iniqüidade uma externalidade negativa que, no entanto, não é grave,
então resta saber se a intervenção do julgador é a forma mais eficiente de regulá-la. Esta,
porém, não é a solução oferecida por Kaplow e Shavell. Para eles, o legislador está em
melhor posição de fazer essa regulação através da tributação (i.e., imposto de renda). Mais
ainda, o julgador, quando muito, reconhece a externalidade estática, mas não a dinâmica,
que certamente é mais relevante.36 Temos, portanto, que, só muito residualmente, pode a
iniqüidade surgir como externalidade que justifique a intervenção do julgador.
De qualquer forma, o que não se pode ignorar é que a ampla discricionariedade do julgador,
na utilização, por vezes, imprudente do princípio da função social, pode limitar as
34 Artigo 138 do Código Civil.
35 A exceção seria a Resolução por Onerosidade Excessiva, onde muitos poderiam argumentar que o legislador
regula um contrato através por sua iniqüidade.
36 Por externalidade estática, entendemos a externilidade perceptível pelo julgador em relação ao caso sob
análise. Por externalidade dinâmica, nos referimos à limitação cognitiva do julgador no que diz respeito à
previsão das conseqüências geradas por sua decisão. Isso porque, na maioria das vezes, o julgador não tem
informações suficientes no momento da tomada de sua decisão.
27
possibilidades de contratação ou mesmo interferir, negativamente, no processo de
negociação, ainda que as intenções do julgador sejam as melhores possíveis.
IV – Conclusão
(Em desenvolvimento)
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28
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