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2. SEGUNDA PARTE – PANORAMA DA PRAIA GRANDE DA CAJAÍBA
2.1: Situação e Acessibilidade
Situada na região sudoeste do Brasil (mapa n.º 1), no extremo sul do Estado do Rio de
Janeiro (mapa n.º 2) e do município de Parati (mapa n.º 3), cidade cujo principal acesso se dá
pela BR-101, que liga Rio de Janeiro à Santos, encontra-se a Praia Grande da Cajaíba (mapa
n.º 4) entre as praias Deserta e de Itaoca, na Reserva Ecológica da Juatinga.
Mapa 2Mapa 1
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No mapa 3, a área destacada é a península da APA de Cairuçu.
Fonte: http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br
Mapa 3
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Praia Grande
Mapa 4
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Fonte: http://www.estadao.com.br/ciencia/colunas/ecos/2002/fev/22/66.htm
Ali só se chega pelo mar ou em longas caminhadas por trilhas estreitas através da Mata
Atlântica. Pelo mar, a viagem se dá, em geral, por águas ora tranqüilas ora bravias. No
entanto, algumas lajes e pontais oferecem perigo aos novatos que se aventuram pela viagem
costeira. O acesso convencional é feito a partir do cais de Paraty, principalmente por
barqueiros ou atravessadores, em baleeiras e traineiras. A viagem dura mais de 2 horas com
boas condições de mar, enquanto que um barco a motor de popa (as ‘avoadeiras’) pode
fazer o mesmo trajeto em cerca de 1 hora.
Pelas trilhas é necessária atenção redobrada, pois ao se caminhar pela Mata Atlântica, animais
como cobras, lagartos, aranhas e uma infinidade de insetos podem ser facilmente encontrados
e causar transtornos aos viajantes. Além disso, o terreno irregular e acidentado, juntamente
com as chuvas torrenciais que costumam acontecer principalmente no verão, pode inviabilizar
o acesso tanto pelas trilhas. Esta difícil acessibilidade levaria um jornalista a dizer em 1969
que ali “os únicos meios de comunicação além do mar aberto e violento, são as picadas
do sertão, as perigosas trilhas da floresta” .
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Entre as embarcações possíveis ancoradas no cais do porto de Paraty para nos levar à Praia
Grande da Cajaíba, optamos pela opção mais barata: o singelo barco de pescador da esquerda.
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Vista parcial da Reserva Ecológica da Juatinga. Foto tirada próximo a Ponta da Cajaíba. Àesquerda, vemos a Ponta da Juatinga (círculo azul) e, no canto direito, o Pico do Cairuçu (círculovermelho).
Vista da chegada à Praia Grande da Cajaíba. Nota-se o Pico do Cairuçu à esquerda.
Estas características de acessibilidade permitiram e impuseram certo isolamento àquela área.
A Serra do Mar dificultou a passagem de portugueses e demais exploradores para o interior
do Brasil desde o Descobrimento.
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2.2: A situação fundiária e a questão da titularidade na Praia Grande da Cajaíba
De acordo com informações de técnicos do ITERJ e da assessoria jurídica da ONG Verde
Cidadania, a situação atual do litígio de terras referente à Praia Grande da Cajaíba é muito
delicada. Ações de restituição de posse impetradas pela família Tannus, tendo como base
alguns contratos de comodato que teriam sido assinados pelos caiçaras, comprometem a
permanência legal destes em suas terras.
Segundo relatos orais não gravados de Seu Filhinho e Seu Altamiro, há, na Praia Grande,
caiçaras com mais de sessenta anos cujos pais e avós também nasceram ali, como eles. É
mais que sabido que bem antes da presença do Sr. Gibrail Tannus na região, os caiçaras já
ocupavam aquelas terras.
“em 1762, parte da Praia do Sono foi novamente doada em Sesmaria, desta vez
a Leonardo Pimenta D’Oliveira, cuja área se encontra se encontra assinalada no
mapa. (3) Em 1771, também por doação, Antônio Villela de Bastos recebeu a
Praia dos Antigos, a Praia Negra e o restante da Praia do Sono. Ele obteve a
doação alegando que vivia no local onde fazia plantações e pescaria de rede.
“(...) Quanto aos atuais moradores, os da Praia do Sono descendem apenas de 3
famílias: Santos, Araújo e Castro. Lá existem caiçaras de 80 anos, nascidos na
localidade cujos pais e avós também nasceram ali. Os descendentes dessas três
famílias portuguesas que desembarcaram em Parati, assim como o sesmeiro
Antônio Villela de Bastos, sempre se dedicaram a lavoura (plantavam
principalmente feijão, milho, banana e aipim) e à pesca. Esta mesma prática é
mantida pelas famílias moradoras da Praia Negra (na Praia dos Antigos não há
mais moradoras, foram todos despejados). Mas todas estas famílias jamais
tiveram qualquer documento que comprovasse a propriedade da terra.”
Estes três troncos familiares (Santos, Araújo e Castro) povoaram toda a área que vai do Saco
do Mamanguá até a Praia do Sono, hoje Reserva Ecológica da Juatinga. No relato do Seu
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Dedé e D. Bidica (marido e mulher ex-moradores da Praia Grande), colhido pela geógrafa
Lúcia Cavallieri, quando da sua pesquisa para trabalho final de graduação em 1999 (em
anexos), alguns momentos históricos da vida caiçara dos últimos 150 anos são indicados:
Lúcia: Antes do pessoá começá a trabalhá c’a pesca, trabalhava mais com aroça?
Dedé: Era tudo lavoura di primeira, di primeira, em Santos, eu me alembroainda, que quando em Santos, isto do meu avô, não me alembro não mais,mas eu me alembro do pessoá que trabalhava ainda, né? Aí tinha serviço desítio de banana, o maior lugar de banana era Santos.
Bidica: É muita gente aqui trabalhava...
D: Intão igual meu avô, meu avô esses pessoá aí de Araújo, o avô dela, intãoesse pessoá marchava daqui por terra, daqui por terra(!) pra Santos...
L: Barbaridade...
D: Quando não era isso, passava esta estrada aqui que era um picadão queera Cunha pra saí em São Paulo, pega o trem pra descê em Santos...
L: Quanto tempo dava de caminhada?
D: Ah, deve de dá muitos dias, né? Já pensou...? Aí despois saiu umnaviozinho tipo de um rebocador aí já pegava o pessoal aqui de Paraty eviajava pelo má, depois saiu o primeiro avião, pegou o pessoá aqui...
L: Pra trabalhá na fazenda de banana...
D: É, na fazenda de banana. Aí tem o pessoá, o avião tinha, chegava, decanoinha assim, chegava em Paraty tinha que dá o siná, eu era pequenininhoainda, eu era garotinho, mas me alembro de quando chegô o avião ainda lá.
B: O Dedé já é bem velho, Lúcia...
(risadas)
D: Intão, o que eu sei, eu me alembro, que eu me alembro eu não me esqueço.É ruim de esquecê... o que eu sei eu não me esqueço dos meus passado tudo,o que eu sei...
L: E teu avô não trabalhava com a pesca então?
D: O meu avô... esse meu avô não, trabalhava mais era em sítio, banana.
L: E teu pai?
D: O meu pai era pescador.
B: O pai da mãe que trabalhava no sítio de banana, por parte de paitrabalhava mais aqui na lavoura.
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O cultivo da banana era uma das principais atividades econômicas da região desde o
início do séc. XX até pouco depois da construção da Rodovia Rio-Santos, persistindo
com menor freqüência até os dias atuais. Naquela época, o avô materno do Seu Dedé,
que é irmão mais velho do atual Presidente da Associação dos Moradores da Praia
Grande (Seu Altamiro), trabalhava ‘mais’ em uma das fazendas de banana. O avô
paterno trabalhava ‘mais’ na lavoura caiçara, de acordo com a tradição caiçara mais
forte. O pai era ‘mais’ pescador, indicando uma nova atividade econômica que se
despontou ‘mais’ a partir da metade do séc. XX.
Por usucapião, estas terras particulares, compradas do Estado em 1954, passariam a ser de
propriedade dos caiçaras, caso estes tivessem se ocupado de legalizar a situação. Entretanto,
por não terem sido revalidadas pela lei de terras de 1850 e por raríssimas vezes terem sido
registradas em cartório, as ocupações caiçaras não possuem qualquer documento que
comprove suas titularidades. Este aspecto da cultura caiçara foi observado no trabalho
realizado por RAIMUNDO (2001: 77), em comunidades caiçaras de Ubatuba: “(...) é
importante destacar que não faz parte da cultura caiçara a regularização de títulos. O
Estado deveria reconhecer este aspecto”. Esta situação se torna ainda mais complicada
com a criação da Reserva Ecológica da Juatinga, como veremos em capítulo seguinte.
Na Praia Grande, assim como em toda a REJ, existem poucas escrituras de domínio e
inúmeras ‘escrituras’ de posse, que só podem ser registradas no cartório de títulos e
documentos. Mas a posse é, em geral, reconhecida pela comunidade local através da legítima
ocupação e usufruto de uma gleba por determinada pessoa ou família. Na Praia Grande esta
situação é comum a todos os caiçaras, que reconhecem suas posses através de um
conhecimento tradicional, herdado através de gerações.
Esta legitimidade é contestada pelos titulares do Sr. Gibrail Tannus, que afirmam ter contratos
de comodato com todos os seus moradores, sendo que alguns destes contestam o fato. Estes
contratos de comodato são documentos que atestam a venda da posse dos caiçaras à família
Tannus, dando a esta o poder de, quando bem entender, rescindir os contratos e despejar os
caiçaras. Os contratos de comodato teriam sido assinados, aos poucos, depois da compra
das terras por Gibrail Tannus, que, desta forma, conseguiu fazer com que as posses caiçaras,
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garantidas por séculos de usucapião, lhes fossem vendidas ‘a preço de banana’ ou mesmo
apropriadas de maneiras ilícitas. Não se sabe precisamente se os contratos de comodato
foram ou não realmente assinados pelos caiçaras, mas há registros deles no Livro de Registros
de Paraty. Caso realmente tenham sido assinados, não se sabe se os caiçaras tinham clareza
do teor dos documentos.
Manoel: Mas antes do Sr. Gibrail, quem era o dono dessas terras aqui?
Seu Filhinho: Todo mundo tinha! Cada qual tinha o seu terreno.
Manoel: Ele foi comprando aos poucos?
Seu Filhinho: Então. Foi comprando. Comprando aos poucos.
Manoel: Mas porque o pessoal foi vendendo?
Seu Filhinho: Ah, mas você sabe que naquela época o pessoal que morava
aqui, ninguém sabia ler, né? Então não tinha ninguém estudado. Aí, um
certo dia ele apareceu aqui, ele era um homem estudado, ele era um
homem... ele era... era aquele... Aprendeu na Alemanha... esqueci o nome.
Um dos moradores mais antigos da PGC, o Sr. Almerindo Gonçalves, mais conhecido como
Seu Filhinho, conta a história da chegada de um homem que mudaria drasticamente a vida dos
caiçaras do local (ver anexo 1). Seu Filhinho é nascido na Praia Grande, onde vive há mais de
sessenta anos, e participou da questão fundiária iniciada nos anos 50, quando os caiçaras
marcam a ‘chegada do Gibrail’. Ele afirma que o Gibrail foi comprando ‘aos poucos’ as terras
que pertenciam aos antepassados dos moradores atuais, aproveitando-se do pouco
conhecimento que detinham sobre a legislação e seus direitos. Quer pela ganância ou pelas
dificuldades financeiras que enfrentam, ss terras foram vendidas por valores ínfimos e o
direito que tinham sobre as posses foi legalmente comprometido.
Seu Filhinho: (...) De mês em mês ele [Gibrail Tanus] aparecia aqui. Aí,
vinha aborrecer para comprar o sítio. Aí, chegou um cunhado meu que
mora em Paraty, que ganhava ‘da caixinha da mulher’ para fazer o papai
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vender o sítio. Aí, a velha já era morta; mamãe. Pegou de aporrinhar.
Então chegava na época de pagar a terra, eu dava o dinheiro para pagar, a
outra irmã dava o dinheiro, o meu irmão, papai, e ele não queria dar o
dinheiro. Dar o dinheiro para a mulher pagar. Para ajudar a pagar. Parece
que era vinte e cinco (mil réis) parece. E não queria dar. Queria desfrutar e
num queria pagar.
Manoel: O Gibrail?
Seu Filhinho: Não, o meu cunhado. (...) Ele queria desfrutar, né, tirar tudo
do mato, do sítio. Ele fazia e vendia a farinha, vendia batata, vendia o café,
vendia o feijão, tirava a madeira para vender, e não queria dar o dinheiro
para pagar. Os outros de nós não fazíamos nada disso.
Manoel: Não teve jeito para pagar quem?
Seu Filhinho: Pagar o imposto.
Manoel: Ah, tá!
Seu Filhinho: Tinha que pagar o imposto. Quando chegava o ano, a gente
pagava o imposto. Parece que era vinte ou vinte e cinco mil réis, alguma
coisa assim.
Provavelmente, o imposto mencionado era o ITR (Imposto sobre Território Rural), o que
dava plenos poderes à família do Seu Filhinho de pleitear legalmente seus direitos sobre a
terra. Mas, de acordo com o depoimento do Seu Filhinho, a venda da posse da terra foi
negociada pelo seu pai com o Gibrail Tannus, ainda que com a má fé deste último.
A família Tannus traz versão diferenciada para a história, segundo artigo publicado em O
Globo:
“Maria Elisabeth Tannus, herdeira de Gibrail, explica numa carta a posição
da família. No texto, ela confirma que todas as famílias caiçaras
tornaram-se comodatárias por força de contratos celebrados em sua
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maioria na década de 70. Mas diz que não tem a intenção de retirar nenhum
morador da área. ‘Os comodatários podem viver tranqüilamente e sem
serem importunados desde que não desviem de sua cultura, a caiçara (...).
Todas as famílias que de lá se retiraram o fizeram por iniciativa própria,
por livre e espontânea vontade, por motivo de velhice, doença ou
simplesmente para melhorar de vida, exercendo o livre arbítrio.’”
A questão aqui é dar contornos ao que seria a cultura caiçara para Maria Elisabeth Tannus
e que direito (poderes) ela teria para transformar a sua visão na visão hegemônica sobre o
assunto. E de que tipo de livre arbítrio fala, quando as demais escolhas não são viáveis.
O fato é que Gibrail Tannus exerceu diversas pressões sobre os moradores locais. Na mesma
época em que travava dura batalha política e jurídica com os caiçaras da Praia do Sono – fins
da década de 1980 – Gibrail Tannus construía a ‘Casa-Grande’ na Praia Grande.
Provavelmente, percebeu que a construção de uma casa ali lhe garantiria uma situação mais
confortável que na Praia do Sono, de onde foi ‘expulso’ pelos caiçaras.
A ‘venda das terras’ aparentemente foi uma prática comum à maioria dos caiçaras da Praia
Grande. Os documentos destas transações até hoje são objeto de estudo dos procuradores e
desembargadores responsáveis pela discriminação fundiária da região, haja vista que os
documentos foram lavrados no mesmo cartório onde o documento de propriedade da Praia
do Sono foi alterado à caneta. Além disso, a grande maioria dos caiçaras é analfabeta e não
sabe assinar o nome.
A história, contada e confirmada por vários moradores (como o Seu Altamiro, Dona Dica e
Dona Maria) diz que, logo após a compra das terras, Gibrail Tannus teria colocado 500
cabeças de búfalos na Praia Grande da Cajaíba, criando grande confusão, quebrando casas,
destruindo roças e expulsando o povo dali. Por sorte, a manada adoeceu envenenada por
uma determinada planta existente na região, que era ingerida pelo animal juntamente com as
pastagens. Esta história também está relatada em artigo escrito por CAVALLIERI (2003: 1),
como vemos abaixo:
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“Desde a década de 60 várias famílias saíram da sua terra de origem e
trabalho. Algumas venderam ou trocaram sua posse por casas no bairro
mais simples de Paraty – talvez encantadas com a nova vida que a cidade
começava a experimentar com a chegada do turismo. Muitas foram
forçadas a vender a posse devido aos expedientes violentos utilizados pelos
‘proprietários’ recém chegados como, por exemplo, a criação de búfalos
que amedrontava a comunidade, sujava as nascentes, pisoteava as roças.”
A família Tannus construiu, há cerca de 20 anos, uma enorme casa no meio da Praia Grande,
conhecida como Casa Grande, acenando o seu poder local e acrescentado números ao surto
de casas de veranistas na região.
Desde então houve várias outras tentativas de expulsão dos caiçaras, umas mais sutis, outras
mais violentas, que provocaram a saída de antigos moradores da região e a revolta e
resistência de outros. Estas histórias demonstram a iniciativa do Gibrail Tannus em se apossar
das terras a qualquer custo, seja pela sedução do dinheiro, transações cartoriais suspeitas ou
pela violência. Os titulares do Sr. Gibrail Tannus garantem ter títulos de posse e direitos
adquiridos, afirmando ter escrituras registradas em cartório. "Minha família tem terras na
região há 54 anos", diz Maria Leny Tannus.
2.3: A questão ambiental no Brasil e a criação da REJ
A primeira iniciativa brasileira para a criação de uma área protegida partiu do Eng.º André
Rebouças, em 1876. Inspirado na criação do Parque de Yellowstone, ele sugeriu a criação de
dois parques nacionais: um em Sete Quedas e outro na Ilha do Bananal. Mas só em 1937,
por decreto do então presidente Getúlio Vargas, foi criado o Parque Nacional de Itatiaia, a
sudoeste do estado do Rio de Janeiro e ao sul de Minas Gerais, o primeiro do gênero no
Brasil. Sua história está associada às bandeiras e a busca e exploração de ouro, a ocupação
das terras pela agricultura e à absorção dos valores atribuídos à natureza pelos países do
primeiro mundo.
Os primeiros habitantes desta região foram os índios Puris, Tamoios e Coroados. No século
XVII, bandeirantes que estavam em busca de ouro pelas Minas Gerais começaram a
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desbravar e ocupar efemeramente a região. Nas primeiras décadas do século XIX, depois da
expulsão dos índios, Itatiaia começou a ser explorada para a extração de madeira, para o
beneficiamento do carvão e para a abertura de campos de pecuária, permitindo a fixação do
homem branco na terra. Nesta época (início do séc. XX), existiam dois núcleos coloniais
formados principalmente por imigrantes europeus. Estas colônias agrícolas não prosperaram
e, em poucos anos, os lotes distribuídos foram reintegrados ao patrimônio da União como
devolutos.
Em 14 de junho de 1937, o Presidente Getúlio Vargas assina o decreto
que cria a primeira Unidade de Conservação no Brasil, definindo uma área de 12 mil hectares
da região de Itatiaia como Parque Nacional, com o objetivo de “conservar e preservar,
para fins educacionais, científicos, recreativos e paisagísticos, os seus patrimônios
cultural e natural” . No mesmo decreto, a idéia de natureza intocada se evidencia na sua
justificativa da proteção da região de Itatiaia, ‘para que possa ficar perpetuamente
conservada no seu aspecto primitivo e atender às necessidades de ordem científicas
decorrentes das ditas circunstâncias’.
Os olhares dos cientistas e políticos só enxergavam a importância ambiental do lugar,
desprezando os seus habitantes. Toda aquela região havia sido plenamente habitada por
índios; os bandeirantes já haviam desbravado aquelas terras em busca de ouro; milhares de
árvores já haviam sido derrubadas para o beneficiamento do carvão e; vários hectares já
haviam sido utilizados para a pecuária. Como entender então que os mais altos intelectuais e
cientistas da época e os principais políticos brasileiros fossem capazes de conceber aquelas
terras como ‘primitivas’?
A apropriação privada da natureza e da terra foi, desde a Descoberta, uma característica
marcante do processo de colonização. A idéia européia de ter descoberto o paraíso perdido
em contradição aos interesses das Metrópoles em explorar ao máximo as terras brasileiras, foi
responsável pela preocupação com os recursos naturais (Cartas Régias da Coroa Portuguesa
do século XVIII) por um lado e pelo desmatamento e destruição da natureza (para a retirada
de pau-brasil e monocultura de cana-de-açúcar) por outro.
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Esta relação impactante entre homem e natureza experienciada pelos ocidentais (Metrópoles e
Colônias) fez surgir ‘o mito da natureza intocada’ (DIEGUES, 1998), onde a única solução
possível seria manter o homem afastado da natureza para assim, e só assim, protege-la. Esta
relação de intocabilidade com a natureza que inviabiliza a permanência das populações locais
nesta categoria de unidades de conservação, desde o início gerou conflitos.
Primeiramente, a remoção das populações locais causa uma série de problemas, tanto para as
áreas protegidas quanto para seus antigos moradores. Os moradores, que durante décadas ou
séculos, desenvolveram técnicas tradicionais específicas de sobrevivência para o local onde
moram, são muitas vezes removidos para áreas onde seu conhecimento empírico e vernacular
são inválidos. A sua relação social e territorial, costumes e lendas ligados diretamente ao
lugar, possuem pouca ou nenhuma relação com o novo local de moradia, gerando assim uma
substancial perda ou crise de identidade nestes indivíduos. Além disso, cientistas têm provado
que muitas comunidades tradicionais têm preservado e até mesmo ampliado a biodiversidade
de florestas tropicais.
De 1937 até hoje já foram criadas mais de 240 unidades de conservação no Brasil,
conformando uma área de 67 milhões de hectares – o que corresponde a cerca de 8,13% do
território nacional –, sendo que a maior parte destas áreas foram dedicadas à proteção
integral. Todas estas unidades de conservação, sejam municipais, estaduais ou federais, foram
regulamentadas pela LEI No 9.985, de 18 de julho de 2000 (SNUC), que ‘estabelece
critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação’.
Esta lei tem como objetivo dar uma forma jurídica mais uniforme às Unidades de
Conservação e criar uma política nacional para as áreas protegidas. As unidades de
conservação integrantes do SNUC se dividem em dois grupos: Unidades de Proteção Integral
e Unidades de Uso Sustentável (anexo 3).
O grupo ‘Proteção Integral’ é o mais restritivo e tem como objetivo básico a preservação da
natureza, admitindo-se apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, através de atividades
educacionais, científicas e recreativas. O de Uso Sustentável, de origem mais recente, só foi
devidamente legitimado no Brasil com a criação das Reservas Extrativistas. Esta categoria
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nasceu da luta do movimento social dos seringueiros do Acre, que tomou força na década de
70 e teve Chico Mendes como seu principal líder e mártir. Este movimento, de repercussão
mundial, chegou a influenciar o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
a restringir as verbas destinadas à agropecuária na Amazônia. Foi a partir daí que as políticas
ambientais começaram a pensar e a permitir a permanência de moradores tradicionais em
algumas unidades de conservação no Brasil.
A aparente dificuldade dos órgãos públicos em compreender a realidade existente nas
unidades de conservação tange o nível de participação que as comunidades locais possuem
no processo de legislação e classificação do seu próprio território, do papel do turismo no
processo de (des)integração socio-econômica e cultural dessas comunidades e das
repercussões comerciais ocasionadas pela 'facilitação' na obtenção de produtos
industrializados instigados pelo turismo. Para DIEGUES (1998), as populações tradicionais
são portadoras de mitos e simbologias próprias, que acabam por entrar em conflito com
entidades preservacionistas e conservacionistas estatais pela ecologia política que o Estado
impõe sobre os espaços territoriais onde vivem – ou seja, parques e reservas nacionais –
expulsando-os, com aparato da lei, de seus locais de residência. Essas populações têm sido
continuamente excluídas, desconsideradas pelos decretos e leis que regulam seus territórios.
No SNUC, além da Reserva Extrativista, existem outras categorias de unidades de
conservação de uso sustentável que têm como objetivo básico a compatibilidade da
conservação da natureza com o uso sustentável de parte dos seus recursos naturais. A
diversidade de categorias amplia as possibilidades de uma aplicação legislativa mais
satisfatória no mosaico de realidades decorrente da relação do homem brasileiro com o seu
território. No entanto, a maioria esmagadora das unidades de conservação foi criada quando
não havia a diversidade atual de categorias, nem mesmo havia o grupo de uso sustentável,
sendo então enquadradas em uma das unidades de uso restritivo. Com o surgimento dos
movimentos sociais em defesa da permanência das populações tradicionais nas unidades de
conservação e a criação do SNUC, houve a necessidade de se reclassificar uma série de
unidades que não atendiam as demandas atuais das políticas ambientais ou não se
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enquadravam nas categorias existentes no SNUC. A Reserva Ecológica da Juatinga é um
desses casos.
O local tradicionalmente ocupado por caiçaras, bem antes de ser uma área de proteção
ambiental, fora tombado pelo SPHAN (atual Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1958, assim como todo o
município de Paraty. Atualmente o local é uma sobreposição de duas unidades de
conservação: uma federal e outra estadual.
Primeiramente foi transformada em APA do Cairuçu pela Secretaria Estadual de Meio
Ambiente (SEMA), através do Decreto Federal n.º 89.242/83, visando proteger uma das
poucas áreas de Mata Atlântica ainda em bom estado de conservação na Região Sudeste,
bem como racionalizar a ocupação do solo e integrar o homem ao meio ambiente. Entretanto,
sua criação também serviu como uma “‘compensação ambiental’ pela instalação das
usinas nucleares na praia de Itaorna, no interior da baía de Ilha Grande, litoral sul
fluminense” , frente às pressões que correntes ambientalistas exerciam sobre o governo.
Por não ser de domínio público, existe nela a possibilidade de se contornar o problema
(estatal e dos moradores locais) da desapropriação de terras. Entretanto, esta possibilidade
permite também que empresários utilizem estas terras para especulações imobiliárias e
turísticas, o que não favorece ou interessa à preservação local. Para solucionar a questão, o
decreto prevê a realização de um zoneamento da APA, dever comum a qualquer APA,
conforme o artigo 2º da RESOLUÇÃO/CONAMA/Nº 010, de 14 de dezembro de 1988.
Através da articulação de órgãos federais, estaduais e municipais, este zoneamento
ecológico-econômico deve indicar em cada zona as atividades a serem encorajadas, bem
como as que deverão ser limitadas, restringidas ou proibidas, de acordo com a legislação
aplicável. No entanto, a inexistência de tal plano permitiu que os usos e atividades na região
não sejam controlados.
Em 1997, a ONG SOS Mata Atlântica, em cooperação técnica com a SOS Mata Atlântica
assinou vários termos de cooperação técnica com o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o IEF/RJ (Instituto Estadual de Florestas do
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Rio de Janeiro), e a Prefeitura Municipal de Paraty, iniciou a elaboração de um plano de
gestão para viabilizar e regulamentar este controle. Este plano, patrocinado pelo Condomínio
Laranjeiras e a ONG Harmonia Global, foi concluído em 2002. O Condomínio de
Laranjeiras, empreendimento de alto luxo instalado na área, situa-se dentro da APA-Cairuçu,
de maneira que a sua existência é polêmica, principalmente por ser constituído por casas de
veranistas magnatas (políticos, diplomatas, mega-empresários), principalmente de São Paulo.
O condomínio impede o acesso à praia mais próxima, tornando-a particular.
Sabe-se que uma estrada ligando o Condomínio Laranjeiras ao Saco de Mamanguá foi aberta
sem licença ambiental ou qualquer pedido de passagem e que algumas posses a beira-mar
foram compradas pelo Empreendimento Água Mansa, constituído por 40 condôminos do
Laranjeiras, com o objetivo de se construir uma marina para 40 lanchas de mais de 30 pés e
um pontão flutuante para embarque e desembarque. Os proprietários das lanchas sonham
com o privilégio de transitar nas águas calmas e protegidas do Saco de Mamanguá, em seus
passeios pelas ilhas e praias da região, eliminando o sacrifício de enfrentar o mar agitado da
Ponta da Trindade e da Ponta Negra, que ficam em frente às suas casas de veraneio. Só que
o trânsito das dezenas de lanchas com motores potentes num mar raso e de fundo de lodo,
como o do Saco de Mamanguá, tem impactos sérios sobre o mangue e pode alterar
definitivamente a produtividade pesqueira. A obra foi então embargada, mas o fato reflete
intenções, pelo menos de parte dos moradores do Condomínio Laranjeiras, que não estão de
acordo com a missão da Unidade de Conservação local.
Este Plano de Gestão Ambiental foi entregue no dia 23 de março de 2002, depois de três
anos de atividades e assembléias participativas com as comunidades locais. Entretanto, estas
informações amplamente divulgadas pela assessoria de imprensa da ONG SOS Mata
Atlântica em artigos de internet e jornais da região não obtêm respaldo dos moradores da
Praia Grande da Cajaíba, os quais ou não se lembram, não sabiam da existência de tal plano
ou tiveram participação muito pouco efetiva e pouco esclarecida no desenvolvimento do
plano. Em conversas não gravadas com moradores da Praia Grande (Seu Altamiro, Dona
Dica, Dona Maria, Seu Filhinho e Seu Norvino), nenhum deles se lembrou das reuniões para
a realização deste Plano e alguns chagavam a afirmar que não participaram. Vale dizer que
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pode ser difícil para os caiçaras diferenciarem os objetivos das várias reuniões que tomam
parte, sabendo que por vezes confundem o poder público com ONGs e não raras vezes tem
pouca clareza na distinção entre as instituições públicas. Este plano parece estar em fase de
aprovação pelo IBAMA.
O IEF, através do tombamento de uma área de 8.000 hectares da APA-Cairuçú, criou, em
30 de outubro de 1992, através do decreto estadual N° 17.981, a Reserva Ecológica da
Juatinga (REJ), local que tem como peculiaridade a presença de comunidades caiçaras
distribuídas em nove bacias hidrográficas. A REJ tem como objetivo principal em seu caput
“preservar o ecossistema local, composto por costões rochosos, remanescentes
florestais de Mata Atlântica, restingas e mangues que, em conjunto com o mar, ao
fundo, forma cenário de notável beleza, apresentando peculiaridades não encontradas
em outras regiões do Estado”. Este decreto tornou a questão fundiária e a permanência das
populações tradicionais ali residentes ainda mais complexas, pois apesar de no seu Artigo 4º
fazer menção ao fomento da comunidade caiçara ali residente, no Artigo 2º apresenta-se com
um ‘caráter non edificandi’, inviabilizando juridicamente a continuidade e a manutenção da
comunidade tradicional que pretendia proteger. Assim como na maioria dos casos, criou-se
uma unidade de conservação que inibe ou impede a reprodução dos moradores tradicionais
do lugar. Desde então o governo estadual passou a ocupar um lugar de destaque na disputas
fundiárias entre e seus ocupantes da Reserva Ecológica da Juatinga, de muito ou de pouco
tempo.
51
Fonte: SOS Mata Atlântica
O fato de a família Tannus ter comprado boa parte das terras da Praia Grande e de ter feito
termos de comodatos com os caiçaras, parece funcionar bem no tipo de unidade de
conservação que é a Reserva Ecológica, pois esta permite a propriedade particular. Assim
sendo, os caiçaras têm sido expropriados, a troco de banana, das terras onde viveram seus
antecedentes, e as intervenções do Governo Estadual alternam momentos em que garantem a
52
permanência dos caiçaras e em que cruzam os braços ou mesmo intensificam o processo de
expulsão dos caiçaras.
Depois de alguma discussão sobre o assunto, foi criada em 20 de abril de 1995 a Lei N.º
2.393, que concede o direito real de uso das áreas ocupadas pelas populações nativas, desde
que dependam sustentavelmente dos ecossistemas locais para subsistência. O direito
inegociável a concessão real de uso da terra às comunidades caiçaras parecia contemplar de
forma mais adequada às populações nativas que já residem na área da REJ há mais de 50
anos, deixando de fora alguns recentes moradores e os especuladores. No entanto, por falta
de regulamentação e pela força maior dos contratos de comodatos como instrumento jurídico,
já que fazem parte do Código Civil Brasileiro, a concessão real de uso acaba sendo um
direito ainda longínquo para os caiçaras da Praia Grande, pelo menos.
Os ‘moradores’ mais recentes, que chegaram à REJ em busca de lazer, turismo e especulação
fundiária, argumentam ainda que o turismo não é uma atividade tradicional e que, por isso, não
deveria ser explorada pela comunidade caiçara. Neste sentido, pretendem sugerir que não há
mais ‘populações caiçaras’ na REJ. Esta questão, dos parâmetros para a avaliação de uma
comunidade tradicional e do uso adequado dos recursos naturais locais, gera uma dificuldade
na aplicação da Lei N.º 2.393, pois a interpretação do que é cultura tradicional caiçara e do
que é uma ecologia adequada pode variar conforme o lugar, o tempo e, principalmente, os
interesses. Além disso, apesar do grande número de decretos e legislações que protegem as
reservas naturais, a falta de fiscalização tem permitido a existência de especulação imobiliária,
loteamentos ecologicamente incorretos, queimadas, extrativismo clandestino e êxodo das
comunidades tradicionais de seus locais, colocando em risco a conservação e preservação do
local. Portanto, o decreto que garante o direito real de uso aos caiçaras não pode ser
efetivamente aplicado, também por nunca ter se realizado nenhum levantamento oficial
cadastrando os moradores nativos. O que vemos na REJ, território caiçara, é a venda – legal
ou não - de posses ou propriedades (ver anexo 4).
Boa parte da dificuldade do poder legislativo estadual em conseguir regulamentar a situação
das populações caiçaras residentes na Reserva Ecológica da Juatinga reside em cinco pontos
fundamentais:
53
na consideração superficial da existência de populações tradicionais no local quando da
criação da unidade de conservação, revelando o interesse da SEMA unicamente com o
ambiente natural;
na total falta de participação da comunidade no processo de elaboração das leis que
dizem respeito ao seu território e modo de vida;
no desconhecimento da realidade caiçara, ou seja, o modo de vida tradicional, sua
relação com o ambiente e as mudanças que vêm acontecendo nesta relação principalmente
nas últimas décadas;
no embate político e técnico-científico entre a causa ambiental e a causa social, tanto na
sociedade organizada quanto no meio acadêmico e;
nas tensões de grupos de empresários e especuladores de terras na fiscalização e punição
de crimes ambientais.
De primeiro, as populações residentes em unidades de conservação eram simplesmente
desconsideradas no processo de elaboração das leis, sabendo que nossa legislação ambiental,
como já dito. Isto redundava na simples e arrogante relocação ou expulsão destas populações
das suas áreas. Atualmente, existem casos já regulamentados de populações tradicionais
vivendo em unidades de conservação de proteção integral. No entanto, as restrições
existentes nessa relação podem promover mudanças socioculturais significativas e a
insatisfação dos moradores locais.
Estas restrições, criadas pelo poder legislativo, são muitas vezes fundamentadas em
especulações orientadas pelo senso comum e por uma ênfase, geralmente exagerada, na
preservação ambiental. Têm como referência a nossa visão urbana e moderna da relação
homem-natureza, ou seja, uma relação negativa onde o homem é destruidor da natureza.
Neste processo verifica-se um embate técnico-acadêmico entre preservacionistas e
conservacionistas , além da participação política dos vários setores de produção não urbana,
de especuladores imobiliários e turísticos e do próprio poder público, salientando a existência
de interesses e motivações diferenciadas de cada grupo em cada caso em específico.
54
No caso específico da Reserva Ecológica da Juatinga, com a criação em 2000 do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação, pelo congresso, complementada pelos decretos N.º
3.834/01 e N.º 4340/02, veio a necessidade da sua reclassificação, já que ela não se
enquadra em nenhum das categorias de unidades de conservação estabelecidas no sistema.
Pela visão do Instituto Estadual Florestal (IEF-RJ), a REJ deverá ser reclassificada por outra
categoria restritiva, do grupo de Unidades de Proteção Integral, considerando o Artigo 225
da Constituição, que diz que uma unidade de conservação só pode ser alterada por lei e
desde que não haja prejuízos aos atributos que justificaram a sua criação. Assim, a
reclassificação se confronta com todas as peculiaridades desta península que, por se tratar de
uma área remanescente da Mata Atlântica e por se situar entre as duas principais metrópoles
brasileiras (Rio de Janeiro e São Paulo), instiga interesses dos mais diversos, sejam eles
governamentais ou não.
Conscientemente ou não, cada ‘ator’ envolvido neste processo se inclina para alguma escola
de pensamento, defende uma categoria de Unidade de Conservação ou simplesmente a
possibilidade de se manter na sua propriedade. Entre os principais atores há a Prefeitura de
Paraty, o Governo Estadual, o Poder Público Federal (através do IPHAN, IBAMA e do
Ministério Público Federal), proprietários não-moradores, proprietários moradores, ONGs,
universidades, agências de turismo e os caiçaras.
Por não serem de domínio público e possibilitarem a existência de propriedades particulares
em seus interiores, a APA do Cairuçu e a Reserva Ecológica acabam permitindo a
continuidade dos conflitos fundiários e a gradativa expulsão dos povos tradicionais que não
conseguem fazer frente à pressão do mercado. A pouca representatividade dos caiçaras na
política local e federal está refletida no conjunto das leis que os cercam. Isto se dá por
considerarem a população caiçara como uma parcela pouco expressiva ou mesmo significante
da sociedade civil organizada, sem força nas disputas no plano político-social e nas ações do
Estado, mais suscetível, no caso, às pressões do mercado. O desespero da gente caiçara,
nativa do lugar, que teme perder as casas e ser obrigada a sair do lugar é traduzida pelo
trecho que segue abaixo:
55
“Em 19 de julho de 2001, cerca de 15 moradores da Praia Grande da
Cajaíba pegaram quatro horas e meia de barco - duas para ir e duas e meia
para voltar - para participar de uma reunião na Câmara Municipal (...).
(...) Sentados na primeira fila, Eliziário Manuel Rodrigues, de 73 anos, e
Maria dos Anjos, de 78, ouviam atentos as discussões entre representantes
do governo, posseiros, proprietários, integrantes de associações e ONGs
sobre o que fazer com a terra onde vivem, chamada de Praia Grande da
Cajaíba. Mais tarde, os dois, que são nascidos e criados no lugar,
repassariam o que ouviram para as pessoas que não puderam ir. "Meu
destino é ficar lá”, diz Maria. “Se eu desfizer da terra, meus filhos não têm
onde ficar”, completa Rodrigues” .
Ainda hoje muitas posses são abertas, muitos lotes são vendidos e muitas edificações são
construídas sem o controle do Estado, que administra a Reserva. Apesar do esforço quase
pessoal de alguns funcionários do IEF, são raros os casos de obras embargadas e, mais
ainda, de edificações irregulares derrubadas. O comum é a existência de ‘gente de fora’
construindo e se apossando das terras da reserva. A dificuldade em se regularizar esta
situação é sentida pelos representantes públicos locais e regionais:
“‘Parece que ainda estamos em 1500 e lá não mora ninguém. O
governo decreta que é reserva e o caiçara perde cultura e
tradição’, constata o prefeito José Cláudio Araújo. ‘Dentro do
plano diretor, que será encaminhado para votação na Câmara
em setembro, vamos regulamentar isso’”.
“Estadual aqui nós não contamos com nada. A não ser com
ações, às vezes, da fiscalização para atuar em determinados
casos. (...) Nós só temos problemas com relação a esses
tombamentos” (grifo nosso).
Através da Lei Estadual N.º 2.393, que permite a Cessão Real de Uso exclusivamente para
os moradores nativos que vivem da terra e exercem atividades tradicionais da cultura caiçara
56
para garantir sua subsistência, os caiçaras possuem uma ferramenta um pouco mais clara com
relação a sua situação fundiária, ou seja, sabem que tem seus direitos de usufruto garantidos
por lei. Entretanto, esta lei reitera as proibições relativas a exploração de recursos naturais
não renováveis, da exploração e/ou uso de espécies ameaçadas de extinção e do uso de
práticas e/ou atividades que comprometam a recuperação natural dos ecossistemas
(parágrafos contidos no Artigo 2º da Lei N.º 2.393). Além disso, os moradores mais
recentes, que chegaram na REJ em busca de lazer, turismo, especulação fundiária e turística,
argumentam que o turismo não é uma atividade tradicional e que, por isso, não deveria ser
explorada pela comunidade caiçara.
Esta questão, dos parâmetros para a avaliação de uma comunidade tradicional, geram uma
dificuldade na aplicação da lei N.º 2.393, pois a interpretação do que é cultura tradicional
caiçara pode variar. Esta variação é dada pelas disputas políticas no processo de construção,
deconstrução e reconstrução de significados, tradição e ideais, sendo mais favorável àqueles
que, num determinado momento, encontram-se capitalmente melhor estruturados e com maior
poder de barganha.
Apesar do grande número de decretos e legislações que protegem as reservas naturais, a falta
de fiscalização tem permitido a existência de especulação imobiliária, loteamentos
ecologicamente incorretos, queimadas, extrativismo clandestino e êxodo das comunidades
tradicionais de seus locais, colocando em risco a conservação e preservação do local.
57
2.4: Considerações sobre os caiçaras e sua cultura – estudo etnográfico da
comunidade da Praia Grande
Trataremos aqui dos dados obtidos nas pesquisas de campo realizadas entre 2001 e 2005,
com ênfase nas visitas realizadas em 2004. Este estudo descritivo abrange aspectos sociais,
culturais e econômicos dos caiçaras da Praia Grande. Baseamos este estudo em outros que
tratam do tema caiçara, demonstrando que existe entre eles notáveis correlações e afinidades.
Observamos, portanto, a existência de uma cultura caiçara extensa e de problemas que a
atingem de maneira geral.
Como instrumento metodológico complementar das pesquisas, lançamos mão da fotografia
para ilustrar e compor as nossas interpretações.
Organização social
Em 1958, AB’SABER & BERNARDES descreveram os caiçaras da seguinte forma:
“Os caiçaras, como são designados genericamente os caboclos litorâneos,
tanto os que moram junto à praia (praianos), como os que habitam as
margens dos rios (ribeirinhos) ou as florestas das baixadas e das encostas
inferiores (capuavas), traem em seu habitat, em seus gêneros de vida
tradicionais e em seus alheamentos às atividades econômicas mais
envolvidas, o sangue mestiço de forte dose indígena. Nucleados em
povoados ou pequenas vilas na zona de litoral montanhoso, ou ainda,
dispersos pelas praias e baixios alagadiços da outra porção litorânea
distinguem-se sempre pelo primitivismo de suas choupanas, pela
simplicidade dos seus hábitos, pela maneira como se identificam com a
natureza e aproveitam os recursos por ela oferecidos. Sua economia é de
ciclo quase fechado, visando somente à subsistência: das roças na mata
tiram apenas o sustento necessário, os rios e o mar fornecendo o peixe e os
moluscos que completam a ração alimentar; da floresta obtêm, igualmente,
58
todo o material necessário a suas toscas habitações. Pouco vendem, pouco
compram: com frutos da mata, alguns peixes, singelos artigos de fabricação
doméstica, obtêm com o que comprar vestimenta, utensílios de pesca, sal e
uns poucos artigos de caráter supérfluo. Tem constituído espanto freqüente
para os estrangeiros como, a poucos quilômetros do planalto ou de um
centro de importância como Santos, possam existir populações com gêneros
de vida tão primitivos como os desses caboclos litorâneos”.
Mais de 50 anos se passaram, mas esta descrição, salvo alguns ajustes, ainda sintetiza bem a
realidade caiçara da Praia Grande da Cajaíba.
A estrutura social dos caiçaras dali é tradicional e familiar, já que todos os seus membros
possuem algum grau de parentesco entre si. A as relações familiares se estendem entre os
moradores, de acordo com suas afetividades (relações de parentesco e de consideração). O
casamento é uma das formas de se estreitar as relações entre os moradores, de intensificar os
elos entre compadres. Neste sentido, há na Praia Grande uma grande comunhão entre as
famílias.
Ali, a maioria dos moradores descende principalmente de três troncos familiares: Santos,
Araújo e Castro. É comum a união entre membros de uma mesma família, sendo abominável,
no entanto, qualquer tipo de incesto. Mas, por causa da consangüinidade entre os moradores,
acontecem alguns casamentos entre primos e nascimentos de pessoas portadoras de
necessidades especiais, principalmente as com dificuldades motoras. Isto se dá principalmente
pela falta de fluxo migratório para aquela região e por serem eles, de certa maneira, excluídos
da sociedade e tidos como inferiores. Por todas as dificuldades e conflitos existentes na vida
caiçara, o fluxo de migração tem sido para fora da Praia Grande.
A tradição caiçara sempre foi transmitida oralmente, de geração a geração, não a tornando
menos rica por isso. Ao contrário, os mitos transmitidos nos ‘causos’ no decorrer das
sucessivas gerações agregam novos valores e significados, guardando em si a essência do
conhecimento secular caiçara. Sem que haja a necessidade de se descobrir se aconteceram
59
ou não realmente, a ‘verdade’ nos causos se encontra nas mensagens que os ouvidos mais
atentos podem captar quando a história/estória chega ao fim.
As lideranças são exercidas e reconhecidas pela comunidade de modo familiar. Cada família
possui uma ou mais lideranças, de acordo com a sua ordem e com a personalidade dos seus
membros. Os mais antigos costumam ser bastante escutados, sendo comum que seus
aconselhamentos sejam respeitados. Não há, no entanto, uma liderança geral na Praia
Grande.
“(...) o status dos membros, uns em relação aos outros e a terceiros, é
diferenciado. Os laços sociais em grupos domésticos são fundamentalmente
de ordem de parentesco, e a vida corporativa é normal” (PRITCHARD,
1978: 10).
‘Na verdade, os caiçaras não têm governo e seu estado pode ser descrito como uma
anarquia ordenada. Da mesma forma, falta-lhes a lei, se tomarmos este termo no
sentido de julgamentos feitos por uma autoridade independente e imparcial que tenha,
também, poder para fazer cumprir suas decisões’ . Mesmo sendo o Seu Altamiro o
Presidente da Associação dos Moradores dali, não existe um reconhecimento generalizado da
sua liderança no grupo, mas existe uma uniformidade nas ações e entendimentos dos
moradores, demonstrando certa organização social. A idéia de liderança ‘no papel’ para os
caiçaras é recente, pois a demanda por uma organização política mais hierarquizada é
decorrente do contato cada vez mais próximo com a sociedade urbana e burocratizada.
Não podemos dizer, no entanto, que os caiçaras sejam estratificados em classes. Numa
comunidade, ainda que reduzida, existe certa diferenciação de status entre os membros de
uma mesma família e entre troncos familiares, bem como rixas. Mas não há distinção por
classes como vemos na sociedade capitalista.
Um dos fatores que revelam este enfraquecimento da resistência caiçara na Praia Grande é a
escolha feita por vários caiçaras de vender suas terras para a família Tannus e ir morar na
cidade. A luta caiçara pela permanência na Praia Grande tem sido travada de maneira mais ou
60
menos separada por famílias, sendo notório que quando uma desiste, enfraquece a luta das
que ficam.
Demografia
Segundo o levantamento feito entre 2000 e 2002 pelo Voluntariado da Fundação S.O.S.
Mata Atlântica para a realização do Plano de Gestão Ambiental da APA de Cairuçu, dos
1.321 moradores da REJ, distribuídos em 364 famílias, 89% tinham origem no próprio local.
Na Cajaíba, área que se estende da Praia Deserta até a Praia do Pouso da Cajaíba, residiam
164 famílias e 475 habitantes, sendo que 315 destes eram nascidos no local onde residiam,
128 em Parati, 7 nasceram no Rio de Janeiro e 25 em outros locais não especificados. Do
total de moradores da Cajaíba, 428 moram ali desde o nascimento, caracterizando assim, sem
grandes esforços, a hegemonia da população caiçara no local.
Pelo Levantamento do Voluntariado, há uma grande evasão local, sabendo que saíram dali
113 moradores no decorrer do levantamento. Os principais motivos apontados foram
casamento/separação (78), seguido de trabalho (19) e estudo (11). É habitual certo
nomadismo entre os caiçaras. Estes costumam se mudar ao casar ou mesmo para trabalhar
em outras localidades.
Existiam, em 2002, cerca de 34 famílias morando na Praia Grande. De todas estas, só a do
‘Boni’, então caseiro e capataz da família Tannus, não possuía raízes caiçaras, já que nem ele,
nem sua esposa nasceram no local.
Economia
“(...) entre os caiçaras só se trabalha para a subsistência imediata” .
61
Da natureza local retiram alimentos e materiais para atender a maior parte das suas
necessidades. Na economia, a pesca e a agricultura de subsistência são as duas principais
atividades dos moradores da Praia Grande, bem como em toda a reserva. Praticamente todos
os moradores da Praia Grande possuem um roçado, de onde extraem a maior parte da sua
ração alimentar. A troca continua presente como forma de equalização das necessidades entre
caiçaras, bem como os princípios de cooperação.
As atividades econômicas na Praia Grande, pelos seus caracteres familiar e de subsistência,
não se baseavam na geração e acumulação de lucro. Por esta razão, a renda média mensal da
Praia Grande da Cajaíba era de cerca de 1 (um) salário mínimo ao mês em 2003, sendo boa
parte dessa renda calcada em aposentadorias. Mas nos últimos anos a atividade turística vem
complementando a economia local, tendo trazido uma melhoria nos rendimentos e no poder
aquisitivo de diversas famílias, principalmente daquelas que exploram o pequeno comércio de
alimentos e/ou dispõem de uma área próxima a sua casa para que os visitantes possam
acampar.
Aliás, o campismo tem sido coibido por fiscais do Instituto Estadual Federal (IEF) e, com um
rigor surpreendentemente, por policiais militares e civis. Vale dizer que esta ‘fiscalização’ só
acontece na Praia Grande, onde muitas vezes os turistas são impedidos de desembarcar por
policiais. Este fenômeno vem acontecendo desde 2003, na mesma época em que foi instalada
uma série de placas proibindo o camping por toda a Praia Grande (conforme foto abaixo).
Estas placas, com identificações do IEF, que não são encontradas em nenhum outro lugar da
REJ, teriam sido patrocinadas pela família Tannus e instaladas por um fiscal do IEF, um
inspetor da Polícia Militar e um funcionário da família Tannus, segundo informações dos
moradores da Praia Grande. Esta versão foi confirmada à assessoria jurídica da ONG Verde
Cidadania pelo responsável do IEF pela administração da REJ, o Sr. João Fernandes.
62
Assim como uma efetiva ‘fiscalização’ da Polícia Militar, a existência de placas do IEF proibindo
o camping (foto) é um fenômeno que só ocorre na Praia Grande.
AB’SABER e BERNARDES (1958: 255) afirmaram que sua economia era de “ciclo quase
fechado, visando somente à subsistência”. Esta visão ainda possui congruências com o
momento atual, mas na medida em que trava mais contato com a sociedade civilizada e
estreita suas relações com a cidade, o caiçara vem ampliando suas trocas e atuando no
mercado. Atualmente, a renda de aposentadorias, do campismo e demais atividades
econômicas ligadas ao turismo revelam que os caiçaras, que antes possuíam apenas a força
do seu trabalho para garantir seu sustento, aprenderam a obter renda fixa previdenciária e a
lucrar com o turismo.
A aposentadoria foi um recurso mais facilmente aceito pelo caiçara da Praia Grande para a
manutenção da sua vida econômica. Mas houve certa resistência em relação às atividades
econômicas ligadas ao turismo, por não ser associadas a ‘trabalho’. Estas atividades eram
consideradas maneiras de ludibriar o forasteiro, que pagava satisfeito certa quantia para poder
dormir no chão, dentro de uma barraca. Até hoje encontramos nos caiçaras mais antigos esta
visão, como me foi dito por Seu Filhinho, o Seu Lisiário e o falecido Seu Maneco. Mas
mesmo com a absorção das atividades turísticas, o mais comum ainda é vermos a maior parte
63
dos caiçaras na Praia Grande “dedicando-se às atividades rudimentares comparáveis às
dos primitivos indígenas” .
A pesca, artesanal ou embarcada, continua sendo a atividade econômica permanente mais
comum na Praia Grande, logo seguida pela agricultura familiar. A relação dos moradores com
a pesca foi colhida por CAVALLIERI (1999) no final dos anos 90.
“Lúcia: E a pesca começou quando aqui? Ah, a pesca já começou há muitotempo, né?
Bidica: É, os pessoá tinha arrastão aqui de praia.
L: Como era arrastão de praia?
B: Largava, deixava o cabo na praia e largava e aí puxava os dois cabo napraia. É assim que começava a pesca aqui.
Dedé: Ô, os peixe aqui, meu avô Estevão, se chamava Estevão, ele moravalá na praia onde é o terreno(...) de Vicente Cesletrino era onde ele moravalá que era o terreno do pai dele, mas dava lance de pescada bicuda naqueletempo mas ah, duas, três canoadas mas era peixe assim, peixe de cincoquilo, né? Dava lance que aquilo, a rede vinha lá fora, o pessoá já via opeixe escuro, na praia botava...
L: Isto como é que chama, Bidica? Arrastão...
B: Arrastão de praia.
L: Arrastão de praia.
B: Arrastão de camarão vão dois barcos, né?
D: Intão isso não existia, traineira bem dizê, não existia arrastão decamarão, não existia cerco, foi depois...
B: Depois que o japonês, o pai da (...)
D: O Oda.
B: É o Oda.
D: Se meteu aí no Pouso aí que faz cerco, aí foi pra Juatinga, aí foi embora.
B: Aí que foi fazendo cerco, todo mundo começou a fazê cerco...
L: Mas o pessoal vendia este peixe?
D: Ah, vendia tudo, em Paraty, as veiz vinha barco lá da turista, igual meuavô vendia.
L: E como é que fazia com o gelo?
B: O gelo não existia, era difícil...
64
D: Às veiz o barco trazia, o pessoá que pegava peixe trazia gelo mas aquipra praia não tinha não.
(...)
L: Então não podia pescá todo dia?
D: Não, não, não, não , não podia...
B: Tinha que i no dia que o barco vinha, que marcava de vim, que aí ospessoá botavam rede...
D: Botavam rede pra eles...
L: E vinha peixe fácil?
B: Ah, vixê, di primeira tinha muito peixe, agora que não existe mais.
D: Quê vê só: se por acaso chegasse um barco agora, igual naquela época,chegasse um barco agora, essa hora e o cara fosse largá a rede hoje mesmojá ia chapado. De tanto peixe que tinha.”
Mas reconhece-se um razoável decréscimo na pesca nas duas últimas décadas. As razões
deste sensível declínio estão diretamente relacionadas à diminuição da quantidade de peixes
na região, provocada pela pesca predatória de arrastão, e ao desenvolvimento de outras
atividades econômicas, principalmente as relacionadas ao turismo, como forma de
complementação da economia. Estas atividades (comércio alimentício, camping, artesanato)
representam apenas uma importância complementar à economia caiçara, porque só se
desenvolvem na medida em que há turistas na praia.
A pesca artesanal, a confecção das canoas, remos e covos, assim como a tecedura das redes
de várias espécies (de emalhar e as de envolver), como arrastão (camarão), malha (peixe),
puçá e jereré (siri e pitus), ainda fazem parte das práticas patrimoniais dos caiçaras. Na Praia
Grande, apenas três moradores não dispõem de qualquer embarcação (Seu Orlando, Dona
Maria e Seu Japão). Os demais possuem barcos com motor de popa (as famílias do Seu
Norvino e do Seu Altamiro), avoadeira (a família da D. Dica) e canoas caiçaras (o Zé da
Clarisse e as famílias do Seu Altamiro, do Seu Norvino e do Seu Filhinho). As famílias do Seu
Altamiro e do Seu Norvino possuem mais de uma canoa caiçara.
No início do século XX os caiçaras da Reserva Ecológica da Juatinga começaram a utilizar os
cercos de pesca introduzidos por alguns japoneses que chegaram à região, conforme
65
depoimento acima. A partir da década de 1960, a pesca embarcada arrebata boa parte dos
pescadores caiçaras, que ficavam cerca de 20 dias no ‘mar de fora’ até o ‘claro’, que é a
época de lua cheia. Esta atividade se mantêm até hoje, sem a mesma periodicidade que antes.
“Os mais moços saem embarcados para trabalhar na pesca nos barcos de
Paraty ou de Angra. Na pesca embarcada, o dono do barco compra o
rancho (comida, água, combustível e o gelo), quando o barco pára na
cidade para descarregar ele faz um novo rancho. No final da pesca, o
dinheiro é dividido: após descontar todos os gastos, metade fica para o
dono e outra metade é dividida entre os camaradas e o dono novamente.
Chimbico: Vida doída, desde os 12 anos que trabalho na pesca. Nóis
trabalha na camaradagem. Não sei lê nem escrevê. Um mês no arrastão de
camarão dá 400, 800 quilos. Não se dorme direito, a cada quatro horas um
fica no arrasto. Se dé seis milhão, o barco fica com trêis milhão e os outro
trêis a gente divide.
Roberto: Não saí pra trabalhá embarcado, (com caderneta), dá pra tirá de
menor e despois tira, i de maior. Pra tirá a caderneta precisa de muito
documento. Eu arrelaxei muito. O dono do barco prefere embarcado. Quem
tá embarcado se cair doente e ficá em casa ganha. Embarcado o sujeito
trabalha sossegado. Desembarcado se a capitania pegá dá uma multa e o
dono do barco tem que pagá.”
Já a mulher caiçara costuma desempenhar outro papel enquanto os homens pescam: cuidar da
roça e da família, como manda a tradição.
Estas relações familiares associadas a maior parte das atividades econômicas são encontradas
até hoje na Praia Grande e localidades caiçaras arredores. Mas a pesca vem diminuindo
sensivelmente em função da redução na quantidade de pescados, tanto pela poluição da baía
de Paraty quanto pela predatória pesca de arrasto que traineiras e grandes barcos pesqueiros
que executaram na região principalmente nos anos 70, 80 e 90 do séc. XX.
66
Os mais novos, principalmente, começam a dividir as atividades tradicionais, desenvolvidas
com mais regularidade pelos mais velhos, com algumas novas atividades relacionadas
principalmente ao turismo, como comércio alimentício, travessias marítimas, passeios de
barco, entre outros. Estas novas atividades econômicas interferem nas relações familiares e
sociais, criando mudanças nas estruturas tradicionais e gerando polêmicas a respeito da
conservação e legitimidade da cultura caiçara.
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Ao lado, Seu Norvino faz reparos na sua rede e mostra a agulha caiçara (acima) que ele mesmo
fabricou. Abaixo, a sociabilidade familiar enquanto os homens consertam a rede.
68
A agricultura caiçara é familiar e essencialmente de subsistência, sendo o cultivo da mandioca
o mais comum, seguido pela cana, banana, milho, feijão, hortaliças, frutas, ervas medicinais e
temperos. O plantio é similar ao método indígena de coivara, que consiste em derrubar um
trecho da mata, retirar a madeira útil para construções e utensílios, queimar o terreno, limpá-lo
e então plantar os alimentos que consomem. Essa característica itinerante, marcada pelos
ciclos da natureza, decorrente de conhecimentos empíricos seculares consolidam uma
atividade agrícola completamente adequada ao quadro ecossistêmico local. A criação de
animais de pequeno porte, principalmente aves, também é uma prática comum na Praia
Grande.
É comum a dádiva entre os caiçaras, principalmente quando da produção da farinha de
mandioca ou de um afortunado dia de pesca. Quando fazem farinha de mandioca, dividem
69
com os vizinhos e parentes ou com alguém que saibam que está precisando de um pouco. Um
fato curioso é que, por tradição, os mais antigos não gostam de vender a farinha de rosca que
produzem para si, mas oferece de coração a quem os ajuda a fazê-la. Acontece também, às
vezes, a troca de produtos agrícolas e de pesca entre os membros da comunidade caiçara,
seja numa mesma localidade ou entre localidades próximas (ex.: Praia Grande e Calhaus ou
Calhaus e Praia do Pouso).
Por fim, as atividades relacionadas à coleta representam importância também complementar
na alimentação e economia dos caiçaras, sendo comum o colhimento de mariscos,
caranguejos, caxetas, palmitos, cipós, taquaras e paus do mato. São atividades tradicionais
restringidas pelo Artigo 26 da Lei Nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 (No Código
Florestal Brasileiro) e pelos decretos federais N° 750, 89.242/83 e 99.547/90. Já parte da
SEMA e do IEF entendem que estas atividades não deveriam ser exercidas pelos caiçaras em
qualquer área, causando conflitos e dificultando a reprodução da vida da comunidade.
Os bens materiais caiçaras se resumem genericamente às suas habitações, canoas, casas de
farinha e barcos, sendo suas atividades financeiras até hoje muito pouco significantes.
Possuem como utensílios e ferramentas domésticas da sua cultura, facões, machados e enxós.
Na Praia Grande, o rádio de pilha e o fogão a gás são bens bastante representativos. O rádio
é o mais comum elo comunicativo com a sociedade global. É através dele que o caiçara torce
pelo seu time do coração que muitas vezes nunca viu jogar pela tv. É por onde sabe o
resultado das últimas eleições e a previsão do tempo. O fogão é um luxo que não costuma ser
utilizado cotidianamente, apenas em ocasiões em que o fogão a lenha não pode ser facilmente
utilizado ou em que a utilização do mesmo seja insuficiente para uma demanda acima do
normal. Mas é notoriamente uma conquista para o viver confortável do caiçara de hoje. A
televisão e a geladeira ainda são bens raros para os caiçaras dali: não havia nas casas caiçaras
da Praia Grande em 2003, só na ‘Casa Grande’ da família Tannus.
Estes bens representam status na hierarquia social. Quanto mais bens, mais se destaca o
caiçara. s casas mais simples são dos caiçaras que não desempenham atividades econômicas
que permitam acúmulo de capital para investir em produtos da cidade. Atualmente, quase
todos os caiçaras trabalham em atividades turísticas para lhes garantir esta possibilidade. Há
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algum tempo atrás era a pesca embarcada. Mais antigamente, a lida nas plantações de
banana. Enfim, o caiçara, em tempos deferentes e de maneiras diferentes, trabalhou de forma
assalariada para viabilizar suas trocas mercantis na cidade.
‘No tempo dos antigos’, o sistema de produção se valia diretamente do meio natural, fosse
utilizando os recursos da terra, cultivando-a ou simplesmente extraindo dela o necessário, ou
do mar, pescando e colhendo frutos do mar. Após a abertura da rodovia Rio-Santos e da
criação da APA do Cairuçu e da REJ, houve uma mudança no sistema econômico. Sendo
restringidas suas atividades agrícolas e coletoras em função dos conflitos de terra e de leis
ambientais que não os contemplam, os caiçaras sentiram a necessidade de desenvolver outras
atividades que lhes proporcionassem condições de restabelecer o padrão de vida
desestruturado. Com a enxurrada de turistas que passaram a lotar a praia nas altas
temporadas, parte do problema foi resolvida.
O turismo aparece com grande destaque na economia local nos últimos anos, atuando, como
já dito, como atividade econômica complementar de alguns caiçaras. Estas atividades –
transporte de passageiros, comércio alimentício, camping, artesanato –, apesar de
representarem importante ganho econômico para a reprodução social caiçara, não deixa de
ser compreendida ainda como um auxílio, haja vista que só se desenvolve à medida em que há
turistas na praia. Mesmo garantindo maior lucro que as outras atividades econômicas, não são
ainda encaradas da mesma forma que os trabalhos tradicionais por boa parte da comunidade.
O trabalho continua tendo sua base nas atividades voltadas para a pesca e o roçado.
Antes do turismo, toda a REJ era conhecida por ser um local muito tranqüilo e extremamente
afastado da vida moderna. Por não possuir luz elétrica na sua maior parte, nem comércio de
apoio ou qualquer tipo de hotelaria, atrai turistas com perfis bem definidos, que procuravam o
local pela tranqüilidade, isolamento e aspecto bucólico da comunidade, além dos que vão em
busca de aventura e esporte, como a caminhada (ou trekking), o surf e a caça submarina.
O turismo na Praia Grande é sazonal, concentrando-se basicamente em dois grandes feriados:
o Ano Novo e o Carnaval. Fora dessa época, há bom fluxo de visitantes apenas nos demais
feriados e no decorrer das férias de verão. Até fins da década de 90, do século XX, não
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havia nenhuma estrutura para acomodação dos turistas, acampando estes em qualquer
clareira, descampados e, principalmente, na praia e no entorno das casas de alguns
moradores. Atualmente, a maioria dos moradores dispõe de uma pequena área, geralmente
situada nos seus quintais ou em áreas adjacentes às suas casas, onde recebem os visitantes de
fora acompanhados de suas barracas.
Em nossas últimas idas a campo em meados de 2004 notamos que algumas áreas para
barracas já possuem uma estrutura rudimentar com banheiros e bicas. Mas por não haver
saneamento básico algum na Praia Grande, a quantidade de dejetos e de lixo aumentou
consideravelmente, gerando um decréscimo na qualidade de vida e nas condições de
salubridade do local.
A reordenação espacial relacionada à atividade de campismo transformou substancialmente a
apropriação espacial dos caiçaras, que hoje reservam determinada área para os
‘barraqueiros’ e passam a dar importância às instalações sanitárias que possibilitam maior
conforto aos turistas, aumentando sutilmente a diversidade de visitantes que aporta em sua
praia. Por todos estes fatores, a situação cultural dos moradores da Praia Grande e demais
caiçaras da região é complexa, pois atravessa um momento de crise por conta de sua
transição socioeconômica, fundamentada na modificação de algumas práticas culturais.
Saneamento
Por tradicionalmente não possuírem unidades sanitárias nas suas casas, os caiçaras lançam
seus resíduos in natura em pontos distintos da Praia Grande, em geral, ‘no mato’. A
captação da água é feita sem qualquer tratamento diretamente dos cursos d’água mais
próximos. A água atualmente é canalizada através de mangueiras comuns até pequenos
tanques onde são lavados talheres, louças e roupas, servindo algumas vezes para banhos. A
água servida costuma ser direcionada para algum ponto próximo ao mesmo tanque.
Mesmo com esta situação aparentemente desorganizada e sem planejamento, não há grave
problema de poluição na Praia Grande. Os dejetos que são lançados in natura na mata são
rapidamente absorvidos pelo meio biótico, o mesmo acontecendo com as águas servidas. No
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entanto, a questão do saneamento se complica nas altas temporadas, quando um pelotão de
turistas surge e aumenta substancialmente o lançamento de resíduos no meio. A esta situação,
soma-se a chegada de vários objetos de lenta decomposição (como latas de alumínio, copos
plásticos e garrafas PET) trazidos da cidade tanto pelos turistas como por alguns caiçaras que
possuem estabelecimentos comerciais rústicos e que nem sempre são devidamente recolhidos.
A inexistência de recolhimento do lixo domiciliar é um problema que contribui gravemente
para a recente questão salutar na Praia Grande. Por não haver coleta pública, os moradores
acabam tendo que se livrar do lixo produzido tanto por eles como por parte dos visitantes das
formas mais rudimentares. Costuma-se queimar ou enterrar o lixo. Atualmente, mesmo sendo
um problema recente, os moradores da Praia Grande já estão se conscientizando da
problemática do lixo e estão, na medida do possível, levando-o em sacos até o cais de
Paraty, onde é destinado juntamente com o lixo da cidade.
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Na foto ao lado, em um dos pilares do rancho
do Seu Filhinho, João de Santana fez uma placa onde lê-se: “Seja um bom sidadão. Não jogue
lixo no xão”. Os moradores se mobilizam para conscientizar os turistas a recolherem seu lixo.
Educação e Saúde
Ao que diz respeito à educação, a maioria dos moradores da Praia Grande é analfabeta,
nunca tendo se quer freqüentado uma escola. Poucos são capazes de escrever o próprio
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nome. Mesmo os que se encontram numa faixa abaixo dos 20 anos, em idade escolar,
possuem claras dificuldades de ler e escrever.
Em 2000 foi implantada ali uma escola, numa casa situada na Várzea, na vila que até então
existia. Os caiçaras contam que esta casa era de uma família dali, que a teria vendido à família
Tannus. Após uma reforma simples, a casa foi adaptada para o uso escolar, tendo uma
professora municipal como única funcionária. Em 2003, essa escola improvisada recebeu do
Governo do Estado um sistema de placas solares para abastecer a televisão, o vídeo cassete
e a iluminação dos seus quatro ambientes (cozinha, sala de aula interna, refeitório externo
coberto, quarto do professor). Além disso, a escola possuía uma geladeira a gás e uma antena
parabólica. Ali, inicialmente, alguns adultos chegaram a ter suas primeiras aulas, sem, no
entanto, terem levado adiante a alfabetização.
Devido à emigração, em 2004, de várias famílias caiçaras para as periferias de Paraty, por
força das dificuldades que os moradores se encontravam, tanto pelas pressões psicológicas e
financeiras exercidas pela família Tannus, quanto pelas limitações impostas pelos órgãos
ambientais, do já reduzido contingente de estudantes em 2002 (catorze alunos) restaram
apenas 6 crianças em meados de 2004. Este fato acarretou na decisão da Prefeitura de fechar
a escola, desativada em dezembro de 2004, justificando-se pelo excessivo gasto para a
educação de umas poucas crianças.
Assim, além de todas as dificuldades lingüísticas, culturais, sociais e econômicas, as crianças
caiçaras da Praia Grande enfrentam hoje problemas de acessibilidade escolar. Atualmente
elas estão estudando em Calhéus, localidade vizinha que dista cerca de 30 minutos – no passo
caiçara – da Praia Grande, onde há a escola mais próxima. A Prefeitura vem patrocinando o
traslado dos estudantes através do aluguel da pequena ‘avoadeira’ (lancha ) do Antônio, filho
da Dona Dica. No entanto, em dias de mau tempo as crianças se vêm impossibilitadas de ir
estudar, tanto por terra quanto por mar.
Com relação à saúde, um serviço nos moldes do programa de saúde Médico de Família
começou a ser implantado na REJ por volta de 2003. Mesmo com certas deficiências e
limitações , este serviço costuma atender a todos os moradores, sendo que algumas vezes,
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por várias semanas, quer pela dificuldade de acesso, quer pelas limitações da equipe, alguns
deles ficam sem atendimento.
A culinária caiçara
Os caiçaras possuem hábitos alimentares bem particulares, que remetem em muitos aspectos
aos hábitos indígenas. A base da alimentação caiçara é o peixe e a farinha de mandioca. Mas
às vezes, a galinha criada em terreiro vira prato do dia. A caça de animais de pequeno porte
(cutia, anta, tatu, entre outros), complementa a alimentação como iguaria esporádica e cada
vez mais rara, devido às restrições legislativas já citadas.
Plantam principalmente a mandioca, com a qual produzem a farinha. O fabrico da farinha da
mandioca ainda é comum na comunidade da Praia Grande da Cajaíba. O processo de
fabricação é ensinado de geração a geração há pelo menos dois séculos. É comum encontrar
nas casas de farinha: engenhos (como prensas, gamelas, pás, pilão de madeira, mão de pilão),
utensílios (como balaios com taquaras, tipitis, peneiras) e panelas e fornos de barro com tacho
de cobre.
O milho, o feijão, a cana e a banana são outros alimentos, complementares, que, por vezes,
compõem as mesas caiçaras. Outras frutas às vezes são cultivadas e, mais raramente, trazidas
da cidade. O abacaxi ultimamente vem sendo cultivado em alguns quintais da PGC. O café
de garapa (café com caldo de cana), a pamonha e o beiju ainda são bastante apreciados,
assim como a farinha de coco, o angu de milho, o cuscuz, o pichê de milho, paçoca de banana
e a fruta pão, mas que já não se encontram com facilidade. É incomum o consumo de
verduras e legumes (hortaliças) na Praia Grande.
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Acima, Dona Maria mexe a farinha com uma técnica caiçara muito particular enquanto Seu
Filhinho conta um causo. À esquerda, peneiro a farinha moída com toda a falta de jeito de um
bom moço civilizado.
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Ao lado, eu e João de Santana (filho do Seu Filhinho) na lida com o engenho: tradicional moenda
de cana-de-açúcar.
Na Praia Grande, a ração alimentar varia bastante de casa a casa. Quanto maior é o número
de integrantes numa família, maiores são as condições desta ampliar sua produção alimentícia.
Num caso extremo, temos o exemplo da D. Maria, que sustenta sozinha a ela e a um filho
deficiente. É ela que cuida da casa e da roça, ficando bastante limitada ao cultivo de feijão de
corda e mandioca, um pouco de milho e de cana. Esta realidade promove a subnutrição em
boa parte dos caiçaras da Praia Grande, que por dificuldades em ampliar suas possibilidades
econômicas, se vêem a beira da miséria.
Antigamente, comia-se quase que exclusivamente o que se plantava, colhia, pescava e caçava,
com exceção de quando alguém ia à cidade trocar ou comprar alguns produtos, como carne
seca e arroz. Há alguns anos atrás só se chegava à Paraty de canoa ou a pé, em percurso que
se levava um dia inteiro para ir e voltar. Mas agora, com os barcos a motor, o contato dos
caiçaras com a cidade é quase diário, facilitando as trocas e o comércio de alimentos. O
arroz, o macarrão, o biscoito e o refrigerante começam a integrar o prato do caiçara. Mesmo
assim, com um pouco de sorte, ainda se pode encontrar alguma caiçara preparando o famoso
azul marinho (peixe ensopado com banana verde) ou enrolando alguns beijus na casa de
farinha.
Os caiçaras mais antigos não conseguem se habituar ao novo cardápio vindo da cidade.
Relembram saudosos os deliciosos pratos e doces feitos pela mãe e pela avó. Afirmam que,
apesar das dificuldades para se produzir o alimento, este era naturalmente mais saboroso e
saudável que os de hoje e da cidade.
Mesmo a sabedoria medicinal das ervas foi enfraquecida. Antes, quase tudo se curava através
de chás e ungüentos, feitos por curandeiros, benzedores e parteiras, pessoas que conheciam,
além do poder das plantas e das ervas, a fragilidade e a resistência de cada um dos
moradores do local. Atualmente, na Praia Grande, este conhecimento medicinal se concentra
nas mãos dos mais antigos, como Seu Filhinho e Dona Maria.
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Religião, festas e folclore
A religiosidade caiçara é muito forte, sendo o cristianismo a religião absoluta na PGC. As
tradicionais festas religiosas de antigamente costumavam seguir o calendário da igreja católica
e estavam associadas às festas que ocorriam (algumas ainda ocorrem) na cidade, como a
Festa do Divino Espírito Santo, a Cantoria de Reis, a de Nossa Senhora dos Remédios, a de
São João, a de São Pedro e a de Santa Rita. Entretanto, estas festas foram sendo abandonas
ou perdendo importância, devido principalmente a expansão de outras religiões cristãs pelas
comunidades caiçaras a partir da década de 70 do séc. XX e a proximidade da cidade, seja
espacialmente ou simbolicamente.
Como bem explica BRANDÃO (1995: 78-79), os mitos e lendas caiçaras (como mula sem
cabeça, saci, almas penadas, lobisomens, serpentes gigantes e outros animais fantásticos)
foram diminuindo na medida em que a crença em novas religiões e a proximidade da cidade
foram aumentando. O Sertão foi se chegando pra mais longe, subindo as íngremes serras (da
Bocaina, do Mar) e carregando junto as aparições, as almas e os mitos, dando lugar aos
‘perigos da cidade’.
Acostumados a gozar de uma “religiosidade mais livre, alegre e festeira” , os caiçaras
hoje são ‘tementes a Deus’ e, por isso, adotam novas posturas com seus próprios costumes.
A nova religião protestante obteve sucesso primeiramente entre as mulheres, desejosas de
livrar seus maridos dos vícios da bebida e do cigarro de palha e consolidar o controle da
família com o discernimento entre o certo e o errado, o bem e o mal. Aos poucos, foi
arrebatando os mais novos e os mais velhos, enquanto que as festas foram se acabando por
terem estreita ligação com a Igreja Católica, que passou a ser rejeitada ou menos freqüentada.
Com a presença e a proliferação de Igrejas Evangélicas na região, os costumes religiosos e
comportamentais dos moradores mudaram substancialmente, já que as manifestações sociais
mais espontâneas que coexistiam com as festas religiosas foram desestimuladas e alguns
aspectos da cultura caiçara (modo de vestir, de se comportar, o vocabulário) modificados.
Através de depoimentos de habitantes mais antigos, sabe-se que o povo caiçara era
extremamente festeiro e alegre e que costumava se visitar e trocar presentes com certa
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freqüência. Os gêneros alimentícios correspondiam (e ainda correspondem) a maior parte
destes regalos. Ainda é comum, após um dia de trabalho, seja pescando, colhendo no roçado
ou fazendo farinha, a partilha dos alimentos produzidos para os vizinhos, compadres e
parentes. A visitação e a partilha são até hoje atividades sociais comuns a todos, não só
devido ao parentesco entre os moradores, mas principalmente por serem demonstração de
afeto e generosidade. São aspectos da realidade caiçara que garantem a reprodução de uma
situação de solidariedade e identidade. São trocas simbólicas que representam o
reconhecimento e o respeito, a consideração e a honra. Reconhecendo o fato de que estão
relativamente isolados do resto do mundo e que precisam trocar experiências e ter uma vida
social, os caiçaras estreitam seus laços afetivos e de confiança através de pequenos dons,
principalmente os relativos à produção doméstica.
Nas festas e comemorações de antigamente, a família que dava o baile preparava tudo com a
ajuda dos vizinhos e amigos, com fartura de comida para todos os convidados. A festa de
São Sebastião, padroeiro local, reunia gente de várias praias e até mesmo parentes e amigos
da cidade. Os caiçaras levavam os seus para serem batizados, crismados e comungados por
um pároco que vinha da cidade. Dizem os mais velhos que a festança, farta em alimentos e
guloseimas, consistia em almoço, prendas e bailes animados até tarde. No fim da festa, a
gente amiga das outras localidades se acomodava nas casas dos moradores.
Talvez a festa mais importante para os caiçaras fosse o baile de final de ano, que durava
quatro dias e quatro noites. Nesta festa o dono da casa oferecia jantar para os que dançavam
e festavam. Atualmente, os moradores começam a festejar o ano novo na praia juntamente
com os turistas e o evento só dura uma noite, de acordo com a nossa tradição.
Artesanato
Existe rica produção de utensílios domésticos entre os caiçaras. Além das ferramentas de uso
cotidiano que produzem (como a pá da farinha, que é feita pelos caiçaras usando unicamente
matéria-prima local), os cestos, tipitis, balaios, redes, esteiras e outros objetos de artesanato
contribuem fortemente para a conservação e manutenção da cultura caiçara. A trança é uma
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das principais técnicas artesanais caiçaras. A sua estrutura, marcada pelo enredamento de
filetes de bambu, taquara, palha ou taboa, geram formas variadas. A estrutura em rede
permite uma ótima resistência e grande flexibilidade e maleabilidade aos objetos. Esta arte ou
técnica se reflete, de certo modo, a maneira simples do caiçara de lidar com o mundo, como
parte de um sistema complexo e entrelaçado, sendo ao mesmo tempo flexível e resistente
culturalmente a determinadas mudanças.
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Machados e foices (foto ao lado), pá de farinha (foto acima) e enxadas são algumas
ferramentas utilizadas pelos caiçaras.
O tacho de cobre (acima) é presença certa nas casas de farinha.
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Vários são os formatos e materiais utilizados nos fazeres domésticos caiçaras (ver cuia e cesto
nas fotos acima e ao lado), revelando o reaproveitamento da natureza como item elementar da
sabedoria secular da sua cultura.
A palha (fotos ao lado) é umas das principais matérias-primas do artesanato caiçara e a esteira
o principal representante.
Com inegável influência indígena, os padrões de trança proporcionam formas variadas que se
adequam aos múltiplos objetos produzidos.
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Tipitis e cestos diversos além de objetos utilitários revelam a arte e a técnica caiçara. A trança
talvez seja a técnica mais apurada no artesanato caiçara.
Arquitetura caiçara
A arquitetura caiçara, tipicamente vernacular, com nítida influência colonial e passagens pela
arquitetura rural fluminense, principalmente a relativa ao ciclo do café, reflete um povo que
cultiva ainda hábitos antigos de uma época em que a luz e as máquinas ainda não existiam,
mas que soube absorver elementos mais recentes do mundo globalizado.
Os caiçaras da Praia Grande costumam construir suas casas em regime familiar e/ou de
mutirão de maneira ‘ritualizada’. Mesmo os mais velhos, que não podem mais participar
efetivamente dos serviços, se mobilizam e ajudam em trabalhos complementares. Com
exceção da ‘casa grande’, todas as casas da Praia Grande foram feitas por caiçaras e,
principalmente, pelos próprios moradores do local.
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Na foto ao lado, Seu Filhinho mostra a construção da nova casa de farinha da Dona Maria. Ao
centro está a prensa da mandioca, utilizada para secá-la, depois de moída. Mesmo separados,
Seu Filhinho ajudou Dona Maria a erigir a benfeitoria.
Na Praia Grande, atualmente, os filhos costumam deixar a casa dos pais por volta dos 20
anos para construírem uma própria, independente de terem se casado ou não. Já as filhas só
saem quando do casamento, sendo que geralmente se casam cedo. No entanto, esta cultura
que demanda edificação de tem sido repreendida tanto pela família Tannus quanto pelo IEF,
com direito a ameaças de despejo, de multa e de derrubada das construções.
Recentemente, por intervenção de várias instâncias do governo (principalmente da Prefeitura e
do IEF) e da ação de turistas e ONGs, algumas casas caiçaras passaram a incorporar
banheiros. Esta inovação não acontece em todas as moradias, já que ali a maior parte das
pessoas costuma ainda fazer suas necessidades no mato, conforme seus costumes
tradicionais.
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As casas caiçaras possuem, em geral, pelo menos 4 cômodos. Isto se dá pela forma-estrutura
com que são construídas. Geralmente estruturadas por nove apoios (pilares), compostos em
três fileiras de três (sendo um deles no centro da casa), a forma de construção destas casas
sugere uma repartição interna em quatro partes, traçando-se linhas perpendiculares do meio
das laterais até o centro. São caracterizadas pelas formas tradicionais de construções
associadas, comuns também nas populações rurais da região. Este modelo foi secularmente
gerado a partir da organização da comunidade caiçara através das relações familiares e de
cooperação, presentes tanto na construção de moradias e canoas quanto nas atividades
agrícolas e pesqueiras. O que há nas casas caiçaras da REJ, em geral, é uma sala de
estar/jantar, os quartos dos moradores e a casa de farinha. A cozinha geralmente está na casa
de farinha ou mesmo junto à sala de jantar. Vale ressaltar que os fogões são geralmente à
lenha.
Percebem-se modificações diretamente afetadas pela vida social do caiçara. A inserção de
novos objetos domésticos, tencionada também por questões de status social (como é o caso
do fogão a gás), modificam as dimensões e distribuição dos espaços internos. Recentemente,
nas posses do Seu Altamiro, por exemplo, foi construído um anexo, com uma cozinha e um
banheiro, complementando a casa que só possui uma sala reversível e quartos. A vida social
do caiçara agora comporta também visitas de turistas e amigos da cidade, atividade receptiva
que demanda uma área interna de estar maior. A integração de varandas à casa também é
uma conseqüência desta atividade social, bem como das influências das grandes casas de
veraneio recentemente construídas por ali.
O fechamento em taipa de pilão ou de sopapo é o mais comum nas casas caiçaras,
estruturado por toras de madeira nativa, esteios e vigas em cerne e pau-a-pique de madeira
mais leve. A cobertura costumava ser de sapê, mas quer pela escassez dessa matéria-prima,
quer pelo baixo status social incorporado, foi preterida nas construções mais recentes pelo
uso da telha de amianto, cuja resistência é aparentemente maior. As telhas cerâmicas, mais
raras, também são utilizadas, sendo que em menor número, principalmente pelo seu alto custo
para os padrões de consumo caiçaras. A matéria-prima varia, mas o madeiramento das
coberturas costuma ser sempre o mesmo, constituído geralmente por ripas de jissara, caibros
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de madeira leve e toras de diferentes tipos de paus do mato. Estes elementos demonstram que
há predominância de sistemas construtivos tradicionais na cultura caiçara, mas que outros
materiais, industrializados, já foram integrados estes sistemas.
Com relação à energia elétrica, ela não existe até hoje na REJ. Na Praia Grande, a prática
mais comum é o uso de lamparinas e velas, encontrando-se em menor proporção algumas
lanternas. Em algumas casa da Praia Grande (Dona Maria e Seu Altamiro) há placas solares
instaladas. Mas nem sempre funcionam, pois a manutenção não pode ser realizada pelos
caiçaras e sempre que há um problema, há a necessidade da ida de um técnico da cidade
para o local.
Atualmente, com as facilidades em se obter materiais de construção e outros equipamentos
domésticos vindos de Paraty, parte da cultura construtiva convencional da sociedade
civilizada foi absorvida, provocando algumas vezes um decréscimo na qualidade e conforto
térmico das casas. Dos novos materiais utilizados, os blocos cerâmicos e de cimento (bons
condutores térmicos) e as telhas de cimento amianto (cientificamente comprovadas como
causadoras de câncer) são os mais comuns. Entretanto, estes novos materiais não são bem
vistos pelos mais antigos, que percebem claramente a diferença no conforto ambiental gerado
pelo cimento e o amianto, como na entrevista dada pelo Seu Filhinho em agosto de 2002 (ver
anexo 1).
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Nas fotos adjacentes, vemos um forno para torrar a farinha (à esquerda) e um engenho de
mandioca (acima), ambos da casa de farinha da Dona Dica. Em cada uma delas diferentes tipos
de aviamentos domésticos e rudimentares compõem o cenário da produção cotidiana caiçara.
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Vemos a moenda do Seu Norvino, que é acoplada a uma bateria primária a diesel. A inovação,
que nem sempre funciona, demonstra o interesse e, em muitos casos, a facilidade do caiçara em
aprender técnicas da cidade, principalmente as relacionadas com o funcionamento dos barcos a
motor que passaram a possuir.
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A influência da cidade
A comunidade caiçara atravessa um processo acelerado de conversão cultural, com a
absorção de valores semi-urbanizados de consumo, fruto da evangelização, do contato com
turistas urbanos (que supervalorizam seus bens materiais), da globalização (que nivela a
diversidade sócio-cultural) e da mudança da economia (de subsistência para o capitalismo
baseado na mercantilização das terras e do turismo).
Antigamente, devido principalmente à dificuldade de locomoção, quase tudo que era
construído, produzido, plantado ou coletado provinha do ambiente natural. Ia-se pouco à
cidade; só em casos de doença ou para vender e trocar produtos, principalmente os
alimentícios. A partir da abertura da rodovia Rio-Santos, o fluxo de visitantes foi se
intensificando gradualmente, até que, recentemente, as comunidades da REJ foram sendo
descobertas por especuladores e turistas (desde aventureiros, acompanhados das suas
enormes mochilas e barracas, até magnatas, com seus veleiros e iates). O trânsito entre a REJ
e a cidade se multiplicou e, hoje, os caiçaras podem ir a cidade com uma facilidade antes
inimaginável.
Hoje, podemos observar claramente seis tensões principais da ‘cidade’: as exercidas pela
família Tannus; as exercidas pelos turistas, as exercidas pelas igrejas, as exercidas pelo
Estado, as exercidas por ONGs e as exercidas por caiçaras da cidade. A exercida pela
família Tannus acaba por representar o poder arrogante e quase irrestrito comum aos
latifundiários (antigamente chamados de coronéis) no processo de dominação dos
trabalhadores proletários. É principalmente através da família Tannus que se torna visível a luta
de classe e se dá primeiramente o embate com a ética da cidade.
As tensões exercidas pelo Estado, também são variadas e relacionadas com a missão de cada
órgão envolvido, de maneira direta ou não, com a comunidade e a REJ. Podemos indicar dois
tipos principais de relações: as que contribuem para a expulsão dos caiçaras e as que
contribuem para a permanência dos caiçaras. Em geral, as que contribuem para a expulsão
dos caiçaras estão relacionadas com a preservação do lugar, sendo que em alguns casos,
deliberadamente ou não, aparentam estar envolvidas com os interesses da família Tannus.
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“Quando se fala em respeito às populações locais, afirma-se a necessidade
de o Estado abandonar o sistema hoje vigente de desapropriação pelo qual
os portadores dos títulos de propriedade da terra reconhecidos oficialmente
são compensados regiamente e os moradores locais, que usualmente não
tem como regularizar sua posse quase nada ganham na desapropriação.
Pior que isso, em sua maioria, esses moradores não são indenizados, mas
são proibidos de exercer suas atividades tradicionais. As infra-esrtuturas
muitas vezes precárias, não são mantidas porque o regulamento da unidade
de conservação não o permite. Isso, na verdade, leva-os a abandono
forçado da região onde sempre viveram e, consequentemente, a mudança
para as favelas das cidades vizinhas” (DIEGUES, 1998: 121-122).
No caso da REJ, não há processo de desapropriação pelo tipo de unidade de conservação
que é (não é de domínio público). Porém, os problemas decorrentes da falta de titularidade e
de infra-estrutura e a conseqüente evasão para as cidades procedem perfeitamente. As que
contribuem para a permanência dos caiçaras são poucas e partem principalmente do Governo
Federal (através principalmente do Ministério Público), do Estado (através principalmente do
ITERJ) e da Prefeitura de Paraty. Porém, a Prefeitura de Paraty age de maneira contraditória
em várias situações, de acordo com pressões da mídia, do Governo Estadual e Federal, de
ONGs e, principalmente, da família Tannus.
Os turistas exercem tensões múltiplas, relacionadas com sua diversidade por excelência.
Podemos apontar três tipos básicos de interferências: as que contribuem para a resistência
cultural e territorial dos caiçaras, as que contribuem para a degradação do ambiente e as que
contribuem para a mudança de valores na moral caiçara. De maneira geral, a igreja
protestante também vem promovendo alterações significativas no modus vivendi caiçara,
desmistificando suas crenças e questionando valores tradicionais. Na Praia Grande alguns
moradores alegam terem sido influenciados a venderem suas terras e ir para a cidade,
abandonado o inferno em vida e se aproximando mais da igreja.
As ONGs, em geral, contribuem para a permanência dos caiçaras, sendo muito variada a
ação destas na REJ e na Praia Grande, principalmente por conta dos embates com a família
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Tannus. Mas deve-se ressaltar que estas organizações não devem se colocar a frente dos
caiçaras na luta pelos seus direitos, ou perigam a defender interesses outros que não os deles.
É bem comum ONGs ‘bem intencionadas’ transformarem localidades em verdadeiros
cenários ‘para inglês ver’ e colher os louros por ter realizado um ótimo trabalho, calcado no
simulacro da sua cultura e na submissão da sua ética aos valores de mercado.
Os caiçaras da cidade, emigrantes da Praia Grande ou praias vizinhas, exercem um poder de
transformação, aparentemente menos importante, mas que vai promovendo uma
transformação constante (e, por isso, muito sutil) dos valores e conceitos caiçaras.
Principalmente através de fofocas (ELIAS, 2000: 121-133) e disse-me-disses, os caiçaras da
cidade e da Praia Grande disputam espaços e constroem suas relações de dominação. Quem
saiu leva consigo o sonho de mudança, de ascensão social, de uma vida melhor. Quem fica
mantém o abandono e a distância social de sempre, como algo excluído da civilização.
‘Ganha’ quem possui maior estabilidade de visão de mundo e poderes simbólicos mais
efetivos. A disputa retórica acaba por interferir diretamente na reconstrução dos valores dos
caiçaras, agindo de forma constante no indivíduo, principalmente por toda a crise que há no
momento atual.
Essas várias pressões foram se acentuando gradualmente e interferindo numa cultura que
estava, de certa forma, afastada da cidade por várias décadas e hectares de mata atlântica.
Os novos valores e padrões de lucro e consumo, bem como alguns aspectos do
comportamento citadino, exercem forte influência sobre os caiçaras, principalmente os mais
jovens. Esta influência não pode se compreendida como fato iminentemente recente. Nem
como algo que sempre existiu. Os caiçaras trocam experiências e se relacionam de formas
variadas com a civilização desde a sua existência. O que observamos é uma agudização deste
processo que vem contribuir para uma crise nas condições de permanência dos caiçaras em
suas terras.