UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM LINGUÍSTICA
PROPAGANDAS DO SABONETE LUX: PRODUÇÃO DE SENTIDOS NO DISCURSO PUBLICITÁRIO VERBO-VISUAL
DA BELEZA FEMININA
SANDRA MARA DA SILVA MEDEIROS
Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Baptista Andrade
Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.
SÃO PAULO 2014
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
M44p
Medeiros, Sandra Mara da Silva. Propagandas do sabonete lux: produção de sentidos no discurso
publicitário verbo-visual da beleza feminina / Sandra Mara da Silva Medeiros. -- São Paulo; SP: [s.n], 2014.
125 p. : il. ; 30 cm. Orientador: Carlos Augusto Baptista Andrade. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em
Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Discurso publicitário 2. Dialogismo 3. Ideologia 4. Beleza
feminina. I. Andrade, Carlos Augusto Baptista. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.
CDU: 82.085(043.3)
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Propagandas do Sabonete Lux: Produção de Sentidos no Discurso Publicitário Verbo-Visual da Beleza Feminina
Sandra Mara da Silva Medeiros
Dissertação de Mestrado defendida e aprovada pela Banca Examinadora em 11/12/ 2014.
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Carlos Augusto Baptista Andrade Universidade Cruzeiro do Sul Presidente Profa. Dra. Magali Elisabete Sparano Universidade Cruzeiro do Sul Prof. Dra. Miriam Bauab Puzzo Universidade de Taubaté
A
Meus queridos pais, Valdevino e Jerneis (in memoriam)
E amados filhos, Guilherme e Gabriela
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela esperança, persistência, saúde e determinação para esta
caminhada.
A meus filhos, Guilherme e Gabriela, pela paciência e compreensão aos
momentos de ausência materna.
À minha irmã, Vanessa, e cunhado, Rodrigo, pelo apoio incondicional.
Às minhas irmãs, Izilda, Joana e Nilza, pelas palavras de conforto e
ânimo nos momentos difíceis.
A todos os gestores e coordenadores das escolas em que realizei
minhas atividades, pela compreensão e imediato atendimento às minhas
solicitações.
À Prefeitura Municipal de Caraguatatuba, SP, pelo apoio financeiro e
concessão da bolsa de estudos.
A todos os professores do Programa, pelas valiosas contribuições, tanto
no desenvolvimento das disciplinas, quanto nas conversas que pudemos
realizar.
A meu orientador, Professor Doutor Carlos Augusto Baptista de
Andrade, pela sua dedicação e seu apoio para o meu amadurecimento como
professora e pesquisadora.
Às Professoras Doutoras Mirian Bauab Puzzo e Magalí Elisabete
Sparano, pelas valiosas contribuições no Exame de Qualificação.
A meus colegas do Mestrado, pelos momentos compartilhados durante
o curso.
“Todos os diversos campos da atividade humana estão sempre relacionados com a utilização da língua [...]. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana”.
Mikhail Bakhtin
MEDEIROS, S. M. da S. Propagandas do sabonete lux: produção de sentidos no discurso publicitário verbo-visual da beleza feminina. 2014. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.
RESUMO
O presente trabalho analisa embalagens e propagandas do sabonete Lux Luxo em
três diferentes momentos. Entende-se que o discurso publicitário indica o retrato de
uma época, podendo demonstrar como eram as relações sociais e costumes de uma
sociedade, além de suas ideologias e valores. Dessa maneira, escolheu-se
propagandas e embalagens de sabonetes por se entender que esses seriam
capazes de refletir, por meio das linguagens verbal e verbo-visual, aspectos do
contexto sócio-histórico de cada momento, pelo fato de Lux ter se mantido em
sintonia com a evolução da própria mulher a quem se destina enquanto produto. O
presente trabalho tem por objetivo analisar o corpus selecionado – propagandas e
embalagens de 1973, 2007 e 2012 –, com a finalidade de perceber as relações
dialógicas que se desenvolvem por meio da materialidade linguística e de seus
aspectos pictóricos. Firma-se, ainda, que o arcabouço teórico fundamenta-se em
pressupostos de Bakhtin e do Círculo, observando-se noções de dialogismo, verbo-
visualidade, arquitetônica, exotopia, cronotopia e ideologia na construção
composicional de embalagens e propagandas do sabonete.
Palavras-chave: Discurso publicitário, Dialogismo, Verbo-visualidade, Cronotopia,
Exotopia, Ideologia.
MEDEIROS, S. M. da S. Lux soap advertisements: creation of meaning in verbal-visual advertising discourse of female beauty. 2014. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2014.
ABSTRACT
The present work analyses advertising packaging of Lux Luxo soaps in three
different ways. Understanding that the advertising speech indicate the picture of a
time we can demonstrate how social relations was and how society used to be. On
top of their ideology and their values. This way it was chosen publicity and packages
soaps to understand that they would be capable of reflect through verbal languages
and visual aspects of social-historical context and each period. Therefore, Lux has
kept in tune with the evolution of women itself, which its product has been
designated. The present work has the objective of analyses the chosen corpus –
advertising and packaging of 1973, 2007 and 2012 – In order to realize the relation
by dialogues that has been developed through linguistic materialistic and its aspects
pictorial still confirm the framework of Bakhtin thesis and his Circle. It is observed a
notion of dialogism, verb visuality, chronotopia, exotopy and ideology of
compositional construction of soap packaging and advertising.
Keywords: Advertising speech, Dialogism, Verb visuality, Chronotopia, Exotopy,
Ideology.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................. 11 CAPÍTULO 1 1 DISCURSO PUBLICITÁRIO: PROPAGANDA E PUBLICIDADE........... 14 1.1 Diferença Entre os Termos Propaganda e Publicidade...................... 14 1.2 Propaganda e Publicidade no Mundo – Alguns Traços...................... 16
1.3 Propaganda e Guerras............................................................................ 20 1.4 Propaganda no Brasil – Alguns Relatos............................................... 22 1.5 Lux – Uma Luz na História..................................................................... 28 1.6 Novo Feminino......................................................................................... 34 1.7 Nova Celebridade.................................................................................... 35
CAPÍTULO 2 2 CONSTRUINDO UM SOLO EPISTEMOLÓGICO PARA A ANÁLISE.... 37 2.1 Gênero Discursivo – Por Um Olhar Bakhtiniano................................. 37 2.2 Composição do Gênero – Elementos Constitutivos............................ 44 2.2.1 Conteúdo Temático................................................................................. 45 2.2.2 Construção Composicional.................................................................... 46 2.2.3 Forma Arquitetônica e Forma Composicional..................................... 48 2.3 Refletindo Sobre Tempo e Espaço........................................................ 51 2.3.1 Cronotopia: um Olhar Sobre o Fenômeno........................................... 53 2.3.2 Cronotopo e Discurso Publicitário........................................................ 54 2.4 Estilo: Recurso de Persona................................................................... 56 2.5 Questão da Verbo-Visualidade.............................................................. 59 2.6 Ideologia da Palavra e da Imagem........................................................ 68
CAPÍTULO 3 3 ANÁLISE DO CORPUS........................................................................... 74 3.1 Lux de Luxo – Campanha Internacional: Estrelas de Cinema (1973) 74 3.2 Lux Fashion Pink (2007)......................................................................... 85 3.3 Lux Fragrâncias Finas (2012)................................................................. 100
3.3.1 Magical Spell........................................................................................... 102 3.3.2 Secret Bliss............................................................................................. 105 3.3.3 Dream Delight.......................................................................................... 108 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................
110
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 122 ANEXOS.............................................................................................................. 125
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O eixo norteador de todo o pensamento bakhtiniano é caracterizado pela
interação verbal, seu caráter dialógico e polifônico. Compreender seu pensamento
requer que concebamos o mundo permeado por relações dialógicas, no qual o
sujeito se constitui à medida que vai ao encontro do outro. Dessa maneira, o outro é
imprescindível na construção do eu e a linguagem é percebida a partir de uma
concepção dialógica.
É importante destacar, também, que Bakhtin concebe a língua como
fenômeno social, histórico e ideológico, impedida de ser compreendida e explicada
fora de tal vínculo, ou seja, em seu uso prático. Essa está vinculada a um caráter
ideológico, mutável, histórico e polissêmico, com signos variáveis e flexíveis. O
filósofo da linguagem ainda postula que a língua não deve ser observada apenas
como um sistema de normas, pois isso a afastaria de sua realidade evolutiva, viva e
de suas funções sociais. Sua preocupação é com a língua enquanto elemento de
comunicação e interação, que se concretiza por meio das enunciações, de modo
que nesse ínterim a palavra poderá expressar juízo de valor, significação,
expressividade. O significado é construído no discurso e essa construção envolve os
participantes, seja em uma situação imediata, seja em um contexto mais amplo.
Dessa maneira, as discussões instauradas por Bakhtin e o Círculo observam
a estrutura do enunciado determinada pelo contexto social e sempre será uma
resposta a um enunciado anterior. Qualquer enunciado estará em busca de uma
resposta, de uma atitude responsiva, de modo que sua intenção enunciativa é
mediada pelo posicionamento do outro. Isso resulta que, cedo ou tarde, tudo o que
foi ouvido e compreendido de modo ativo, encontrará eco no discurso ou no
comportamento subsequente do ouvinte.
Tendo isso colocado e por se entender que uma peça publicitária é um
recorte de seu tempo, de seu espaço e dos costumes que habitam tal contexto, e
que ainda isso é representado por meio do discurso, optou-se considerar como
objeto de análise propagandas e embalagens do sabonete Lux de Luxo em três
diferentes momentos históricos – 1973, 2007 e 2012 –, observando sua
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materialidade linguística e visual, assim como as relações dialógicas que
estabelecem para cumprir seu papel de convencimento do leitor presumido.
Entende-se, assim, que será importante analisar o corpus selecionado na ótica do
dialogismo, uma vez que, ao longo das décadas, a empresa manteve seu discurso
publicitário em sintonia com o público e assim o fez por meio do discurso, por meio
da linguagem, por meio das interações dialógicas e ainda por meio da ideologia que
sempre traz a representação da anunciante e da própria sociedade. Inclui-se ainda
que o estudo se pautará na exploração das potencialidades discursivas do discurso
publicitário e não no aprofundamento de análises críticas que poderão vir a ser
realizadas em futuros estudos, tendo em vista o caráter persuasivo desse universo.
Acrescenta-se que as propagandas e embalagens dos produtos ora
estudados são instrumentos de sedução e convencimento capazes de refletir a
sociedade com suas ideologias, valores e as modificações que ocorreram nessa por
meio das interações sociais. Tal escolha justifica-se pelo fato de Lux ter se mantido
em sintonia com a evolução histórico-social da mulher e ainda por ter, ao longo dos
anos, remodelado seus produtos e campanhas publicitárias, sempre os pautando no
“novo” e, por meio de palavras, transmitindo imagens, ícones e simbologias às
mudanças vividas pelo seu público-alvo e sociedade na qual estava inserido.
Coloca-se também que a escolha do presente material para pesquisa advém de
fatos que chamaram a atenção: o sabonete Lux construiu uma trajetória de
comunicação que o converteu em uma marca-ícone da propaganda mundial,
associando diversas vezes a marca à beleza e ao carisma de personalidades
femininas no auge da fama e, posteriormente, à mulher, dita, comum.
Mais especificamente, optou-se, ainda, enquanto corpus, pelas seguintes
razões:
A linha “Lux de Luxo, estrelas do cinema” foi a primeira da marca que
assinalava um produto de primeira linha, voltado e constituído especificamente ao
público feminino, com o intuito de alcançar a nova mulher que se desenhava na
sociedade. Além do mais, trazia como novidade o primeiro sabonete com creme
hidratante do mercado brasileiro, posteriormente, em 2007, retratou-se a jovem
mulher que, mais uma vez, desabrochava no contexto brasileiro. Quanto ao
lançamento do produto, o tom da novidade se dava pela edição limitada,
13
denominada “Lux Fashion Pink”, que dispôs ao mercado o primeiro sabonete pink
fabricado no Brasil e em 2012, finalmente, resgatou-se a linha que marcou a
comemoração dos oitenta anos do produto no país, denominada “Lux Fragrâncias
Finas” e a escolha se deu justamente pela comemoração quase centenária.
A fim de executar o que foi proposto, este trabalho está organizado em três
capítulos.
No primeiro capítulo, tecem-se considerações sobre o discurso publicitário e a
diferença entre os termos propaganda e publicidade, a fim de situar o leitor na esfera
em que o trabalho está situado. Em seguida, discorrem-se, historicamente, alguns
relatos da trajetória da propaganda no Brasil e no mundo, preocupados nesse
momento em apenas traçar uma breve contextualização, sem entrar em questões
mais profundas, uma vez que não é esse o objetivo da dissertação. Por fim, faz-se
uma contextualização sobre a trajetória do sabonete Lux, desde a ideia primária de
Willian Lever, em colocar em embalagens sabões que eram vendidos a granel, e o
que isso resultou como consequência para a Lever Brothers.
Já o segundo capítulo foi dedicado à fundamentação teórica, à concepção de
gênero e respectiva estrutura com seus elementos constitutivos, assim como à
constituição do sentido por meio da verbo-visualidade, ideologia e relações
dialógicas, além de questões de tempo-espaço, exotopia, cronotopia, forma
arquitetônica e composicional.
Por fim, o terceiro capítulo contempla as análises das três peças publicitárias
pela ordem citada acima, ou seja, cronologicamente ascendente, desde o
lançamento da linha luxo, em 1973, à comemoração dos oitenta anos de Lux no
Brasil, em 2012. Nas análises são observadas as marcas linguísticas e ideológicas
contextualizadas a cada momento e espaço social em que estão inseridas, assim
como questões de cronotopia e exotopia.
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CAPÍTULO 1 - DISCURSO PUBLICITÁRIO: PROPAGANDA E PUBLICIDADE
Por se tratar da prática discursiva publicitária, inicialmente discute-se neste
capítulo a diferença que teóricos da comunicação têm empreendido entre os
conceitos propaganda e publicidade. Em seguida, apresentar-se-á breve histórico da
propaganda e da publicidade no mundo e no Brasil, registrando como essas
nasceram, circularam e como o discurso publicitário foi se moldando à sociedade, ao
desenvolvimento, às interações sociais e ao tempo para, posteriormente,
contextualizar historicamente o sabonete Lux.
1.1 Diferença Entre os Termos Propaganda e Publicidade
As definições entre os termos propaganda e publicidade envolvem
contradições, pois não há unanimidade entre os autores sobre tais conceitos. No
Brasil, a imprecisão se originou quando as primeiras traduções foram realizadas.
Entenderam advertising como propaganda e, a partir disso, quando alguém fazia a
tradução de um artigo ou livro, os conceitos sobre o que é advertising eram
convertidos e traduzidos como sentidos da propaganda.
Deve-se ainda dizer que a origem da palavra propaganda – propagare – é
latina e significa, segundo Brown (1971, p. 12), “a técnica do jardineiro de cravar no
solo os rebentos novos das plantas a fim de reproduzir novas plantas que depois
passarão a ter vida própria”. Entende-se, portanto, um sentido de semeadura.
Semear é plantar, esperando-se a colheita e não apenas lançar a semente ao vento.
Segundo Sandmann (1993, p. 9), o termo propaganda foi extraído do nome
Congregatio de Propaganda Fide, congregação criada pelo Vaticano no início do
século XVII e que tinha como tarefa cuidar da propagação da fé católica aos povos
considerados pagãos e, segundo Pinho (1990, p. 20), para contrapor-se aos atos
ideológicos e doutrinários da Reforma Luterana. Em tradução literal, teríamos
“Congregação da Fé que deve ser propagada”, ou “Congregação para a Propagação
da Fé”. Nesse ínterim, propaganda passou a ter um caráter ideológico e com o
objetivo de conquistar adeptos, seguidores e de converter opiniões.
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Já o termo publicidade pode ser entendido como o ato de tornar público e de
se promover produtos e serviços utilizando-se os meios de comunicação e os
espaços publicitários, com patrocinador identificado e com o intuito de seduzir, tornar
público e conduzir o consumidor à compra de determinado bem, produto ou serviço.
Dessa maneira, pode-se dizer que enquanto a propaganda tem cunho político, cívico
ou religioso, a publicidade tem cunho comercial. Malanga (1987, p. 11) apresenta
um exemplo que pondera esse entendimento:
O governo brasileiro desejando que o povo beba mais leite, por motivo de saúde, manda fixar cartazes nas ruas e faz, em rádio e televisão, anúncios estimulando o público “Beba mais leite”. Isto é propaganda, é divulgação de uma ideia com um objetivo evidente: aumentar o consumo de leite. Por outro lado os industriais de laticínio, cujo interesse maior é o comercial, poderão reforçar a nova campanha de propaganda transformando, porém, em publicidade. Poderíamos acrescentar após a palavra leite a marca X ou Y. Assim quando se divulga um produto aliado à marca, faz se publicidade.
Apesar das diferenças formuladas, no Brasil e em alguns países da América
Latina, propaganda e publicidade ainda são termos tidos como sinônimos, ou
empregados indistintamente, ao passo que a comunicação comercial é chamada de
advertising pelos norte-americanos, publicité pelos franceses, publicidad pelos
espanhóis, publicità pelos italianos e todos esses entendem o termo propaganda
como comunicação política, cívica ou religiosa.
De todas as maneiras, essas questões podem ser entendidas apenas como
aspectos de nomenclatura, pois a compreensão dos termos não advém daí. Embora
propaganda e publicidade tenham objetivos diferentes, apresentam pontos comuns
quanto à técnica e aos veículos que utilizam, segundo nos aponta Malanga (1987, p.
11) e devemos acrescentar ainda que, apesar de terem objetivos diferentes, tanto a
propaganda, quanto a publicidade são financiadas e pagas por alguém. Enquanto a
propaganda é arcada pelo cidadão, membro ou seguidor de uma instituição, seja
governamental, religiosa ou política, a publicidade é paga pelo fabricante ou
distribuidor e repassada ao consumidor final do produto.
O mesmo autor nos relata que o consumidor paga a publicidade
proporcionalmente aos produtos que adquire, “quando uma pessoa comprar cinco
sabonetes de determinada marca que realiza publicidade, ela paga cinco vezes a
percentagem de despesas de publicidade estabelecida para cada unidade”
(MALANGA, 1987, p. 12).
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Entende-se, portanto, que o enunciador poderá adotar a diferença dos
termos, ou ficar com a equivalência, uma vez que, inclusive, o próprio mercado
publicitário se encarrega de utilizá-las como palavras sinônimas e reforçamos uma
vez mais que a compreensão de tais conceitos não advém das palavras em si, mas
sim do entendimento contextual que cada uma traz consigo nas relações que
estabelecem com os sujeitos da interação. Neste trabalho, optou-se pelo uso dos
dois termos e pelo relato, tendo em vista a importância do contexto para a Análise
Dialógica do Discurso.
1.2 Propaganda e Publicidade no Mundo – Alguns Traços
Se for tomado o conceito de propaganda como o de divulgar ideias, pode-se
ousar dizer que as primeiras manifestações de propaganda advêm das pinturas
rupestres, uma vez que os primitivos representavam seu cotidiano, seus feitos e
suas conquistas. Fosse o intuito primário o da comunicação, tal comunicação tinha
uma intencionalidade que visava divulgar, tornar público, propagar como eram feitas
as caças e como era o cotidiano desses povos, por exemplo. Assim, entende-se que
o artista rupestre se promovia ou promovia uma ideia ou fatos, assim como apontam
Kotler e Armstrong (1991, p. 304):
Os mais antigos registros históricos nos dão notícia da propaganda. Arqueólogos trabalhando em países ao redor do Mar Mediterrâneo descobriram escritos anunciando vários eventos e ofertas. Os romanos pintavam as paredes para anunciar lutas de gladiadores, e os fenícios pintavam figuras promovendo seus artigos em grandes rochas ao longo de rotas movimentadas. Uma pintura em uma parede de Pompéia louvava um político e pedia votos ao povo.
Acrescentam ainda que panfletos podiam ser facilmente encontrados nas
antigas Grécia e Roma e egípcios usavam papiros para criar mensagens de vendas
em cartazes.
De todas as formas, entende-se que, apesar de todos os esforços das
civilizações antigas em promover e/ou vender suas ideias, apenas após o
surgimento da imprensa, no século XV, iniciaria o aprimoramento da propaganda,
uma vez que o uso do papel e a possibilidade de escrita em série contribuiriam para
a divulgação da transmissão de ideias de maneira homogênea. A primeira
propaganda impressa em língua inglesa data de 1478.
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Já na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII era possível ver em jornais e revistas
semanais diversas propagandas. O surgimento de uma classe média relativamente
grande e alfabetizada criou as pré-condições para a existência da propaganda no
sentido moderno.
Os anúncios giravam em torno de produtos supérfluos, como “café, chá,
livros, perucas, poções, cosméticos, espetáculos e concertos, bem como bilhetes de
loteria”, (VESTERGAARD; SCHRODER, 2004, p. 5). Ainda eram anunciados
medicamentos, ofertas de serviços e mão de obra, assim como comércio em geral.
Nessa mesma época também criaram-se as primeiras regulamentações quanto aos
conteúdos publicados, devido ao crescente número de falsas propagandas e os
problemas que essas geravam. Tais anúncios foram denominados como quack e
designavam pessoas que diziam ter habilidades, conhecimentos e qualificações
profissionais as quais não possuíam, causando prejuízos a terceiros.
Ainda segundo Vestergaard e Schroder (2004), a propaganda só conheceu
uma verdadeira expansão ao final do século XIX. Como a produção em massa de
produtos já tinha atingido um nível de desenvolvimento no qual um número maior de
empresas produzia mercadorias de qualidade e a preços relativamente
homogêneos, houve uma superprodução de produtos e uma subdemanda de
aquisição, o que gerou a necessidade de buscar o estímulo do mercado. Assim, a
técnica propagandista mudou da proclamação para a persuasão.
Esse cenário de expansão econômica, de acesso à leitura e aos bens
industrializados contribuiu e reforçou ainda mais a sociedade da época à prioridade
de consumir bens que não apenas satisfizessem suas necessidades materiais, tais
como comer, beber, vestir-se, porém, ainda as que atendessem seus interesses
sociais. Assim, o discurso publicitário não dizia mais e apenas que em determinada
rua vendia-se o produto tal. Foi necessário acrescentar o tom da sedução e da ideia
de necessidade na posse de bens consumíveis que atendessem questões sociais
inerentes ao ser humano, tais como amor, amizade, reconhecimento, pertencimento
e identificação com um grupo social. Dessa maneira, o discurso publicitário
conseguia atender dois pontos importantes e inerentes do ser humano: ao consumir
bens, esse satisfazia suas necessidades materiais, porém e ao mesmo tempo,
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conseguia atender os próprios interesses sociais. Reforçando tais questões,
Vestergaard e Schroder (2004, p. 7-8) apontam que:
Os vários grupos sociais identificam-se por suas atitudes, maneiras, jeito de falar e hábitos de consumo – por exemplo, pelas roupas que vestem. Dessa forma, os objetos que usamos ou consumimos deixam de ser meros objetos de uso para se transformar em veículos de informação sobre o tipo de pessoas que somos ou gostaríamos de ser. Nas palavras de Barthes (1977; 41), os objetos são semantizados [...] o que permite aos anunciantes explorar a necessidade de pertencer a associações, de identificação do ego e assim por diante.
A partir de tal concepção, citando o cenário norte-americano durante o século
XIX, a expansão da economia propiciou o aumento das propagandas e, assim, os
classificados tornaram-se bem populares, preenchendo várias páginas de jornal com
anúncios de itens variados. Nessa época surgiu a mala-direta e, em 1841, foi
inaugurada a primeira agência de publicidade e propaganda, criada por Volney
Palmer, na cidade de Boston. Essa agência foi a primeira a cobrar a taxa de 25% de
comissão dos jornais para vender espaço publicitário, feito antes realizado apenas
por corretores de propaganda.
Outro item interessante é que o mercado publicitário naquele país abriu as
portas às mulheres, em uma época na qual essas tinham poucas opções de carreira.
Uma vez que eram responsáveis pela maioria das compras para a casa,
anunciantes e agências reconheceram seu valor introspectivo durante os processos
criativos. Interessante também é saber que a primeira propaganda norte-
americana com apelo sexual foi criada por uma mulher – Helen Lansdowne Resor
– para anunciar o Woodbury’s Facial Soap. Embora ingênua e sem conotação
sexual para os dias atuais, a propaganda mostrava um casal com a seguinte
mensagem: “The skin you love to touch”, que significa: “A pele que você adora
tocar”.
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Figura 1 – The skin you love to touch Fonte: <http://www.elmercuriomediacenter.cl/especial-el-mercurio-mediacenter-dia-de-la-publicidad>. Acesso em: 20 abr. 2014.
Ainda é importante destacar o surgimento de outro meio de circulação para o
discurso publicitário. Se antes esse era realizado – entre outros – de maneira
impressa, em meados de 1920 as estações de rádio entraram em cena. A princípio,
os programas não continham propagandas, entretanto, quando a prática de
patrociná-los foi popularizada, cada programa passou a ser patrocinado por um
anunciante pela troca da menção de seu nome ao início e ao final da edição desses.
Todavia, logo os donos das estações perceberam que poderiam vir a ganhar mais
dinheiro vendendo pequenos espaços de tempo para vários anunciantes durante
toda a programação da rádio e não apenas com o início ou o final de cada programa
reservado a apenas um patrocinador. Posteriormente, essa prática veio a ser
adotada pela televisão, em meados de 1940 e 1950.
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1.3 Propaganda e Guerras
O século XX foi fértil em experiências sobre o poder da propaganda em
contexto de guerra, vindo a se firmar como arma de combate. A partir da Primeira
Guerra Mundial a propaganda foi utilizada como uma ferramenta de guerra. O
governo norte-americano contratou um jornalista e um psicólogo, respectivamente
Walter Lippman e Edward Bernays, para manipular a opinião pública estadunidense
a fim de que desejasse a entrada de seu país na guerra, ao lado da Inglaterra e
contra a Alemanha.
O trabalho da dupla alcançou êxito e em apenas seis meses foi criado um
imenso repúdio ao povo alemão. Apercebendo-se do potencial da propaganda de
massa em influenciar e controlar a opinião pública, Bernays deu maior ênfase aos
estudos da Ciência e desenvolveu conceitos como “mente coletiva” e “consenso
fabricado”, princípios teóricos que se tornaram importantes na criação e prática das
propagandas de massa desde então, como apontou Lima (2012).
Já na Segunda Guerra Mundial os conceitos de propaganda de manipulação
de massas obtiveram um avanço – negativo – maior ainda. Foram criados órgãos de
censura às informações e até correspondências particulares eram vasculhadas.
Atrelada a esses fatores, a propagação das ideias possuía cunho preconceituoso,
com o intuito de instigar os soldados contra o inimigo. Os “inimigos” eram retratados
como pessoas sádicas, estupradoras, desprovidas de emoções. Isso caracterizava a
um princípio de desumanização dos oponentes e criava a ideia de eliminação da
responsabilidade de aniquilar outro ser humano, devido ao ódio incitado,
estimulando atrocidades sem fim ou remorsos.
Lima (2012) discorre ainda que antes mesmo da deflagração da Guerra, no
lado alemão as peças de propaganda eram veiculadas geralmente com
orquestração para potencializar sua efetividade por meio das emoções. A
“superioridade” racial ariana era destacada, além da propagação da ideia de que os
problemas causados para a economia alemã e mundial advinham do povo judeu,
que era apontado como o responsável pela derrota na Primeira Guerra e descrito
como usurpador, racista e estuprador.
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Durante essa Guerra, a propaganda girava em torno da superioridade dos
soldados alemães e de sua ampla aceitação frente aos povos conquistados, assim
como a manipulação de ideias e conceitos, os quais mais uma vez, apresentavam
cunho preconceituoso e que ainda tentava colocar os aliados uns contra os outros,
além de afastá-los para, então, situar o mundo inteiro contra os soviéticos.
Mesmo ao final da Segunda Guerra Mundial houve a propagação da ideia de
que os alemães possuíam armas milagrosas, como os foguetes V1 e V2, esses que
seriam capazes de destruir o inimigo de uma só vez. Eram as chamadas “armas da
vingança”. A veiculação dessa propaganda tentava levantar o sentimento de moral
das tropas alemãs e, ao mesmo tempo, espalhar o medo dentro das linhas inimigas.
Observe-se, ainda, que esse foi um momento historicamente significativo e
eficiente ao discurso da propaganda. Segundo Martins (2010, p. 6), Joseph
Goebbels desenvolveu um produto de indiscutível sucesso temporal, Adolf Hitler.
Mesmo pautando-se em técnicas de convencimento não exatamente éticas,
Goebbels teve a perspicácia de estudar o comportamento e a psyché do povo
alemão, buscando conhecer suas ansiedades e necessidades psicológicas e, com
isso, concebeu o produto Führer, que foi capaz de alcançar convencimento
individual e coletivo dos germânicos.
Entende-se que Goebbels foi um inovador na comunicação de massa, pois
desenvolveu métodos de discurso e artes cênicas que propiciaram a Hitler ser
convincente, o que levou plateias ao delírio. Apesar de a História estar presente para
nos dizer as consequências desses atos, é inegável a eficiência dos métodos
utilizados por Goebbels. São atribuídos ainda a esses enunciados como: “Para
convencer o povo a entrar na guerra, basta fazê-lo acreditar que está sendo
atacado”; “Se uma mentira se repete suficientemente, acaba por converter-se em
verdade”; “Toda propaganda deve ser popular, adaptando seu nível ao menos
inteligente dos indivíduos”; “Quanto maior seja a massa a se convencer, menor há
de ser o esforço mental a realizar”. “A capacidade receptiva das massas é limitada e
sua compreensão escassa”; “As massas tem grande capacidade para esquecer” etc.
Mesmo após o suicídio do Hitler, houve a veiculação de uma peça de
comunicação, a qual narrava sua morte heroica à frente de uma de suas derradeiras
22
tropas e em defesa de sua nação. Essa peça é atribuída a Goebbels, que logo
depois veio a cometer suicídio juntamente com sua esposa e filhos.
Quanto à Guerra Fria, a propaganda e as ideologias propagadas projetaram
ao mundo a superioridade das propostas sociais de cada um dos regimes –
socialista e capitalista – e ainda incutiram o medo no regime oposto. Em peças
cinematográficas estadunidenses era comum a retratação estereotipada de norte-
americanos e russos, sendo os primeiros retratados como heróis e mocinhos e os
segundos como pessoas fortes, frias e desumanas. Era ainda veiculada pelos norte-
americanos a ideia de que esses representavam o bem e a liberdade, enquanto os
soviéticos a opressão e o mal.
Por outro lado, o discurso propagandístico da União Soviética ressaltava a
superioridade de seu regime frente ao imperialismo capitalista norte-americano,
alocução que possuía um tom otimista e com temática de sucesso nacional e
produtividade. Grandes construções e esculturas reforçavam a ideia de autoridade
do Estado e sucesso do regime comunista.
1.4 A propaganda no Brasil – Alguns Relatos
Ao discorrer sobre a história da propaganda no Brasil, Ramos (1990, p. 1)
menciona que a carta de Pero Vaz de Caminha foi o primeiro relato promocional que
o Brasil teve. Segundo esse autor, após o descobrimento do País, a propaganda
brasileira foi quase que exclusivamente oral por mais de três séculos. Cita, ainda,
que no decorrer dos anos anúncios eram fixados em locais públicos, nos quais se
destacavam os “avisos da sacristia”, entre os oficiais e de comércio. Nesse contexto,
com o engatinhar de uma logotipia, surgiram os ferros de gado e de escravos, com o
emblema de propriedade grafado pelas letras iniciais de seus proprietários e
senhores.
Nessa época havia também os arautos e os ambulantes, sendo os primeiros
profissionais do governo e os segundos do mercado, que exerciam a função de
proclamar e vender, respectivamente. Nesse panorama, anunciavam-se de maneira
oral, com “quem quer comprar?”, “quem vai querer?”, o que, natural e
posteriormente, incorporou-se à publicidade, denotando essência popular à
mensagem de vendas.
23
A propaganda no Brasil prosseguiu nessa dinâmica até a vinda da família real
portuguesa para o Brasil, fato que acarretou várias consequências para o País, entre
as quais, a abertura dos portos e a liberação da importação de mercadorias
transportadas por navios portugueses e/ou estrangeiros que estivessem em paz com
a Coroa. Tal liberação, promovida por D. João VI, permitiu ao Império, segundo nos
aponta Graf (2003, p. 17), moldar o comportamento social e cultural da população
que habitava o Brasil. Houve a implantação da Escola de Medicina da Bahia; a
criação do Banco do Brasil; da Imprensa Régia; entre várias outras instituições.
Ainda segundo Graf (2003, p. 17), em 1810 foi colocado no mercado dinheiro
de papel em substituição às moedas, tornando-se rapidamente popular. Foi sob
esse contexto que surgiu a propaganda impressa com o lançamento do primeiro
jornal – Gazeta do Rio de Janeiro –, o qual deu início à imprensa brasileira. Seu
primeiro anúncio foi sobre a venda de uma morada de casas de sobrado, com frente
para Santa Rita. O interessado poderia falar com Anna Joaquina da Silva, ou com o
autorizado a vendê-las, o capitão Francisco Pereira de Mesquita. O público-alvo do
jornal era qualquer português aqui residente.
Inicialmente, os anúncios eram compostos por pequenos textos sem
ilustração, com forma composicional como a de classificados. Esses visavam o
oferecimento de serviços, compra, venda ou aluguel de casas, carruagens ou
escravos e apresentavam uma linguagem que reproduzia a fala cotidiana em geral e
também a dos vendedores ambulantes (GRAF, 2003, p. 18). Ramos (1990, p. 1)
afirmou que naqueles anúncios ninguém argumentava, apenas enumerava e, ainda,
os substantivos se avultavam e os adjetivos rareavam.
Em 1821 surgiu um novo jornal carioca, o Diário do Rio de Janeiro, que
estendia o campo da propaganda ao se apresentar como um jornal de anúncios; em
1825 foi a vez de se lançar no Recife o Diário de Pernambuco que, em seu primeiro
número, estampava a seguinte introdução: “Faltando nesta cidade assás populosa
um Diário de Anúncios, por meio do qual se facilitassem as transações, e se
comunicassem ao público notícias (RAMOS, 1990. p. 2).
Nesse momento ainda surgiram cafés e livrarias nos quais proliferavam os
pasquins, com temáticas políticas, novelísticas e de humor. Ao fim da primeira
metade do século XIX, a rua do Ouvidor estava movimentada com mais de trezentos
24
estabelecimentos que versavam em comércio variado de prestação de serviços:
ourives; sapateiros; relojoeiros; casas de modas; retratistas; floristas; entre outros.
Por volta de 1850, poetas foram convidados a compor textos aos anunciantes,
trazendo a rima à propaganda com uma constância que a tornou definitiva. Casimiro
de Abreu, Olavo Bilac, Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia são alguns
desses nomes. Segundo Ramos (1990), esses contribuíram para que o nível de
nossos anúncios fosse elevado, distinguindo-se de anúncios estrangeiros que
apenas traziam uma mensagem com escopo objetivo de vendas. Do mais, afeitos às
redondilhas, tornaram-se populares. Com postura inteligente e descontraída,
antecipavam o ângulo do consumidor. Em sua maioria, conforme aponta Ramos
(1990, p. 3), o público-alvo era “‘analfabeto’ ou ‘semialfabetizado’ e encontrava nas
rimas a indispensável ajuda mnemônica para melhor guardar temas e anúncios”.
Assim, Casemiro de Abreu fez graça; Lopes Trovão, paródia; Olavo Bilac, sátira. De
maneira alegre e divertida contribuíram para a germinação de uma característica
inerente da publicidade brasileira: a irreverência.
Já em 1860 foi a vez de surgir os primeiros painéis de rua, as bulas e os
panfletos para, a partir de 1875, os jornais O Mosquito e Mequetrefe começarem a
publicar peças ilustradas com desenhos, litogravuras e logotipos (100 ANOS DE...,
1980, p. 3). Segundo assinala Marcondes (2002, p. 16), as peças publicitárias
nasciam da junção de vários elementos: “da literatura e do jornalismo a publicidade
importou o texto; do desenho e da pintura, trouxe as ilustrações”.
Quando do surgimento da Revista da Semana, no Rio de Janeiro de 1900, “os
anúncios são contemplados com mais cores e novas técnicas de impressão” (GRAF,
2003, p. 34). Junto à mencionada revista, vieram outras mais, tais como “O Malho, A
Careta, Fon-Fon, Vida Paulista, Arara, Cri-Cri, sendo todas muito avançadas, bem
impressas e com programações de anúncios fixas” (RAMOS, 1990, p. 3). Do mais,
vinham com traços de influência francesa, no estilo art-nouveau, substituindo nosso
lusitano paternal, deixando a cultura – livros, peças, idealismos – e virando negócio.
Eram anunciadas blusas; apliques – cabeleiras; Chevrolet e pneus Dunlop;
filmes Kodak; máquinas de escrever Underwood; colônias e talcos Colgate-
Palmolive; entre outros e quem anunciava era Au Bom Marché, Maison de Coiffeur e
Parc Royal.
25
Com o surgimento das revistas, a figura do agenciador de anúncios –
profissão anteriormente interna nos jornais – ganhou as ruas e o cliente. O agente,
sozinho ou associado a outro, transformara-se em agência – do anunciante ao
anúncio – e foi em 1913 ou 1914 a data da criação da primeira agência de
propaganda no Brasil, A Eclética. Nos anos que prosseguiram e com o surgimento
de mais agências, a dinâmica dos pioneiros foi próspera. Afinados a seu tempo,
pesquisaram leitores e tendências de consumo, fizeram levantamentos de veículos,
de cartazes ao ar livre, organizaram salões de automóveis, pintaram painéis
gigantescos, administraram prêmios e concursos nacionais e, dessa maneira, foram
de corretores de anúncios a publicitários.
Na década de 1920 os anúncios de remédios predominavam. Apesar disso, o
saldo era positivo e grandes empresas se firmaram como clientes, assim como
novas marcas foram acrescentadas. Diversificou-se a presença publicitária com
anúncios de lojas, cremes de beleza, bancos e caixas econômicas, produtos
industriais, automóveis e pneus, inscrevendo, assim, o Brasil no plano internacional.
Foi também essa década a fase de anúncios que ainda habitam a mente dos
consumidores, tais como do Biotônico Fontoura, com Jeca Tatuzinho, personagem
criado por Monteiro Lobato para os Laboratórios Fontoura e, segundo Ramos (1990,
p. 5), verdadeira obra-prima da propaganda brasileira.
Paralelamente a tudo isso que acontecia de maneira profissional, “amadores
brincavam com experiências” (RAMOS, 1990, p. 5) – ou seja, experimentavam o
rádio, uma novidade que tanto do lado técnico, quanto do ângulo da programação,
vencia terreno, mesmo que lentamente. Data de 1920 a primeira licença para a
instalação de uma emissora de rádio no Brasil, sendo que a estação inaugural
apenas chegou em 1927, a Rádio Educadora, do Rio de Janeiro, que posteriormente
se transformara na Rádio Tamoio. Quando o rádio se alterou em veículo e negócio,
as propagandas vieram a ser veiculadas em mais esse meio. Dessa maneira,
proliferavam-se spots e jingles nos grandes aparelhos receptores, que então eram
considerados verdadeiras revistas ao ar livre.
Assim, até a década de 1950, o rádio, o jornal e a revista eram os meios de
comunicação mais utilizados no Brasil e, consequentemente, os veículos nos quais
circulava o texto publicitário. Segundo Garboggini (2011), com o advento da
26
televisão, em 1950, a publicidade veio a integrar-se a essa ainda que a princípio de
maneira bem amadora e tímida, pois havia a dificuldade de se convencer as
empresas a investirem em anúncios, em um veículo cuja audiência era mínima. De
início, apenas duzentos televisores foram importados dos Estados Unidos e
atrelados a isso, de modo que havia muitos problemas técnicos e apenas três horas
de transmissão diárias, no período noturno.
Em relação à divulgação dos produtos, os textos promocionais traziam
marcas do discurso radiofônico, imitando os programas de rádio com apresentações
ao vivo e com demonstrações que poderiam demorar uma “eternidade”. Para tanto,
eram contratadas moças denominadas como “garotas-propaganda”. Essas
discorriam, sorridentes, sobre os benefícios dos produtos, elevando-os, geralmente,
à altura do rosto. O discurso era simples, com estratégias que se limitavam a
explicar a finalidade do produto, como agia ou qual benefício poderia trazer ao
consumidor. O lado criativo e a originalidade ainda não faziam parte da pauta.
Apenas com a competição iniciada, a princípio, entre os cremes dentais Eucalol,
Gessy, Kolynos, Philips e Odol, houve a promoção e afastamento do tom
descompromissado e amador do discurso publicitário na fase inicial da televisão.
Nesse momento, o uso da forma verbal no imperativo passou a dominar e era
possível ouvir enunciados tais como: “Livre-se do ponto negativo da sua
personalidade! Remova o amarelo dos seus dentes com o creme dental Eucalol”;
“Dê proteção total aos seus dentes, com o gostoso e refrescante Gessy – o creme
dental de ação expansiva”. Foi nessa época que o sabonete Lever – atualmente Lux
– se fez presente entre os primeiros a anunciar na televisão brasileira, juntamente
com os sabonetes Palmolive e Cashmere Bouquet.
A partir dos anos 1960, o discurso publicitário veiculado por meio da televisão
deixou de ser como um “anúncio de rádio com imagens”, pois se iniciou de maneira
mais eficaz o aproveitamento dos recursos sonoros e visuais, até então, não
explorados tão adequadamente – foi a época, por exemplo, em que os
consumidores puderam conferir os glamorosos banhos de espuma das estrelas de
Lux. Entende-se que isso causava grande impacto na consumidora, pois o efeito
sinestésico da visualidade provoca a sensação de aroma refrescante, convidando a
telespectadora a protagonizar algo parecido no momento de seu banho. A banheira
27
convidativa e cheia de espuma evocava sensações. Além do mais, a sensualidade
que denotava tal ato era reforçada pelas lindas protagonistas, estrelas de cinema, o
que incentivava a consumidora a desejar se equivaler a essas.
Nessa década houve também outra mudança no discurso publicitário
televisivo, pois esse deixou de ter como foco o produto, vindo a mirar-se no
consumidor. Era possível, por exemplo, ver comerciais do creme dental Kolynos com
jovens a se exibir, demonstrando toda a alegria e dinamismo como visualidade,
técnica essa articulando-se com a verbal, especialmente nas palavras do seguinte
slogan: “Gente dinâmica prefere Kolynos”, conforme se vê na seguinte Figura:
Figura 2 – O frescor de Kolynos Fonte: <http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/ah-o-frescor-de-kolynos>. Acesso em: 20 out. 2014.
E assim foi passando essa década, em que o discurso publicitário caminhou
de mãos dadas com a televisão. Fatos, acontecimentos, novidades e um atrelando-
se ao outro, aperfeiçoando-se mutuamente.
Na década de 1970 o País vivia uma boa época econômica. Com a inflação
aparentemente controlada, foi o momento no qual o Brasil consolidou sua indústria e
havia grande otimismo em relação ao futuro. Nesse contexto, as empresas viram a
necessidade de garantir e fixar a presença e boa imagem de suas marcas e
28
produtos. Com aporte de capital externo houve uma explosão de consumo e foi o
momento em que muitas empresas aproveitaram para lançar novos produtos no
mercado, o que em determinados setores acarretou um ambiente extremamente
competitivo. Assim, houve um investimento massivo em publicidade, com vendas e
lucros sempre com balanço positivo. Foi também nesse período que a televisão, em
franco desenvolvimento, transformou-se efetivamente em grande veículo de
comunicação de massa, no qual a linguagem publicitária foi assumindo maturidade.
O que advêm à televisão, essa como veículo de divulgação do discurso
publicitário, são as novas mídias – Internet, smartphones, tablets, que fazem parte
de nosso contexto atual e os quais não serão explorados no presente momento.
1.5 Lux – Uma Luz na História
A história da empresa produtora do sabonete Lux começa no século XIX, na
Inglaterra, com William Hesketh Lever. Esse teve uma ideia original para a época:
dar nome e embalagens individuais aos sabões que fabricava, em uma época na
qual o sabão era um produto genérico, vendido por peso. Com nome e embalagem
atraentes, nasceu o sabão chamado Sunlight Flakes. A ideia foi bem aceita e o
produto também, uma vez que, segundo a empresa, Sunlight Flakes era mais suave
do que os outros sabões produzidos à época.
Figura 3 – Sunlight Flakes Fonte: Centro de História Unilever
Um ano depois, o produto teve seu nome alterado para Lux que, embora
signifique luz em latim, não foi escolhido por essa razão. Sua origem vem da palavra
em inglês luxury, que significa luxo, pois a intenção era conotar justamente esse
significado. Com propagandas consistentes, a marca ganhou popularidade e, em
1924, depois dos resultados de um concurso conduzido pela Lever Brothers,
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descobriu-se que as mulheres estavam usando Lux em seus cuidados pessoais.
Esse foi o mote que conduziu a empresa a produzir um sabonete que apresentasse
um aroma mais intenso e uma textura mais fina. O slogan desse produto era: “Feito
como os franceses fazem seus sabonetes mais finos”. Vendido por dez centavos de
dólar a barra, o produto propiciava às mulheres de menor poder aquisitivo a
oportunidade de desfrutarem de um pequeno luxo diário.
Figura 4 – Slogan de Lux Fonte: Centro de História Unilever
É interessante notar que com o uso desse slogan, a empresa ecoava a ideia
de que os franceses são bons perfumistas, além de que, ao propagar que o produto
era feito como os franceses produziam seus sabonetes mais caros, reforçava-se a
ideia de que o acesso a um produto sofisticado estava ao alcance mesmo da mais
simples mulher. Afinal, o produto custava apenas dez centavos, diferente também do
contexto social da época, que restringia à elite o uso de produtos de higiene mais
específicos e finos.
Durante a década de 1930, Lux desembarcou no mercado indiano, argentino,
tailandês e brasileiro, iniciando uma expansão que, com o tempo, introduziria sua
presença em cerca de cem países. Foi nessa época que glamourosas estrelas
apontaram Lux como sua opção de sabonete, chamando-o de “o segredo da
beleza”, o que propiciou à marca a reputação de sabonete “número um” das estrelas
de cinema.
Sendo o cinema um meio de entretenimento popular e em ascensão, a
estratégia produziu ganhos reais à empresa. A aprovação do produto pelas
celebridades fez com que Lux ganhasse mais popularidade ainda. Entrevistas com
30
as celebridades cinematográficas deram vida ao conceito “nove entre dez estrelas
de cinema usam Lux”.
Desse período, mais especificamente durante a Segunda Guerra Mundial,
vale também destacar a eficiente estratégia de marketing da empresa, ao veicular
anúncios do sabonete em publicações das forças armadas, promovendo Lux como
“a maneira certa de atrair as mulheres”. Um anúncio representava dois homens se
preparando para o dia com Lux. “O que deixa as garotas tão loucas por nós, Joe?” –
um dizia ao outro – “Deve ser porque usamos o sabonete Lux” – respondia seu
amigo. A campanha, segundo a empresa, tornou-se incrivelmente bem-sucedida,
resultando em mais sabonetes da marca Lux comprados por homens do que
qualquer outra marca.
Retomando à chegada do produto ao Brasil, em 1932, alguns fatos se fizeram
curiosos: primeiramente, as musas que atribuíam glamour à ação de Lux tiveram
uma missão ligeiramente diferente em nosso país: consagrar o nome Lever, adotado
pela empresa até os anos 1960, pois no Brasil a marca Lux já era de propriedade
das Indústrias Matarazzo. Outro fato a ser observado é que, apesar de o produto ser
o mesmo e a propaganda também, ao que tudo indicava, os resultados seriam
animadores, repetindo o sucesso atingido em outros mercados, contudo, o
desempenho inicial não correspondeu à expectativa. Ainda que a mulher brasileira
igualmente vivesse o clima dos anos de ouro do cinema e identifica-se com o padrão
de beleza internacional apresentado nas telas cinematográficas, o segmento de
higiene e beleza apenas engatinhava no Brasil e o uso do sabão comum, de pedra,
ainda se fazia mais presente no momento do banho, mesmo porque se tratava de
um artigo bem mais barato. Para vencer essa barreira, a Irmãos Lever, filial brasileira
da empresa, colocou em ação as chamadas “Senhorinhas Lever” que, na década de
1940, percorreram várias cidades para divulgar o sabonete das estrelas e convencer
as consumidoras a experimentar suas propriedades cosméticas.
31
Figura 5 – Senhorinhas Lever Fonte: Centro de História Unilever
Além da propaganda “corpo a corpo”, o rádio – principal veículo de
comunicação até o final dos anos 1950 – igualmente contribuiu para o crescimento
da marca no País e a disseminação de novos hábitos de consumo entre os
brasileiros: jingles, spots, programas humorísticos e musicais, além das
radionovelas, compuseram um arsenal poderoso ao serviço da Irmãos Lever.
Sob esse contexto, por meio do publicitário gaúcho Rodolfo Lima Martensen –
diretor da Lintas, empresa de propaganda da Irmãos Lever – que foi criada a
expressão “cê-cê”, ou “cheiro de corpo”, para a propaganda do sabonete Lifebuoy. É
atribuída a Rodolfo a criação do programa de rádio denominado Levertimentos que,
entre a programação de radionovelas, divulgava o sabonete das estrelas, uma vez
que a empresa não poderia deixar de associar seu nome a programas de tamanha
audiência entre as donas de casa. O sucesso das radionovelas se tornou tão
importante para a publicidade do sabonete, que a empresa passou a comprar textos
originais para distribuir às emissoras e na década de 1950, com o surgimento das
fitas magnéticas, a própria agência de propaganda da Unilever passou a gravá-las
para as distribuir, prontas, às rádios. Era certo que tais gravações vinham
“recheadas” de anúncios do sabonete.
Outra ação da empresa Irmãos Lever que trouxe contribuição à publicidade
brasileira foi a de introduzir técnicas científicas de pesquisa de mercado para medir
32
o sucesso dos folhetins e a eficiência das campanhas nos programas. Do mais, a
partir de 1936 começou-se a medir a audiência das emissoras, seis anos antes do
surgimento do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope).
Nas décadas de 1940 e 1950, Lux já tinha estabelecido sua reputação tal
como o sabonete das estrelas e, dessa forma, a marca tratou de assegurar seu lugar
na vida das mulheres de todos os lugares. Várias ações foram tomadas para garantir
essa expansão de mercado, tais como a chegada do produto à Malásia, cujo
objetivo era atrair uma ampla e variada base de clientes, além da produção da
embalagem e do próprio sabonete em tons mais vibrantes, com visual idealizado
para refletir as tendências da moda. Em 1947 foi lançada a versão tamanho família e
em 1958 as opções incluíam uma gama de cores variadas no mercado internacional,
tais como rosa, branca, azul, verde e amarela. Os anúncios desse período
procuravam atingir a mulher comum e, em função disso, trabalhavam imagens de
estrelas, como Deanna Durbin, por exemplo, representações produzidas de modo a
se fazer parecer com essa dita mulher real. Outra ação da empresa foi lançar a
“Garota Lux” – retratada por atrizes consagradas da época – e relacionar o produto a
equilíbrio, personalidade e uma pitada de prazer (fonte: Centro Histórico Unilever).
Prosseguindo, com o advento da televisão, o programa assumiu o nome de
Lux Vídeo Teatro.
Nos anos 1960 houve uma mudança no estilo de publicidade do sabonete,
direcionando o ato de tomar banho como um elemento de romance. Isso foi possível
com o advento e popularização da televisão, mídia que havia iniciado suas
transmissões no Brasil de 1950, como já frisado. Com a influência da televisão e dos
filmes na sociedade, essa década introduziu um aspecto com conotação mais
sensual ao banho, pois havia a possibilidade de se ver, de se enxergar as atrizes em
ação e, assim, os consumidores podiam conferir a exuberância dessas em
sofisticados banhos de espuma. Isso acarretava uma explosão de sensações visuais
e auditivas, sem desconsiderar a olfativa, essa imaginada sinestesicamente. Tais
sensações eram construídas a partir do ruído da água do banho, da espuma
abundante do sabonete, das atrizes ensaboando-se, brincando com a espuma,
enfim, a impressão de prazer e bem-estar estampadas em suas faces e ainda a
reprodução de gestos, por exemplo, como que a aspirar o perfume que o sabonete
33
deixava em seus corpos. Ao final desses banhos as estrelas irradiavam uma
sensação de frescor e exuberância. O slogan à época reforçava esses quesitos
sinestésicos evocados com o seguinte dizer: “aquela sensação de estrela de
cinema”, o que buscava incentivar as mulheres a fazerem parte desse universo das
“Garotas Lux”, protagonizado por atrizes como Sandra Dee, Samantha Eggar e
Diana Rigg.
Entremeio a isso, a marca tratava de lançar seus produtos em mercados mais
conversadores no Oriente Médio, a fim de ampliar seu nicho de consumidores,
enquanto aqui no Brasil, a marca finalmente pode assumir seu nome de outros
mercados e, dessa maneira, em 1963 o sabonete Lever foi relançado como Lux,
com duas opções de tamanho: um menor – facial – e outro maior – para o banho e
que seguia a proposta de desde sempre da empresa: vender um produto, segundo
essa, luxuoso e com fins de cuidados para a pele a um preço acessível.
Nos anos 1970, o foco era a “beleza natural” e não somente “aquela beleza
de estrela” da Garota Golden Lux. Isso demonstra que a empresa sempre procurou
estar em compasso com as tendências sociais assim que essas ecoavam no
discurso coletivo. Nessa década a marca procurou mostrar às mulheres que a
beleza era uma meta alcançável. Estrelas como Brigitte Bardot e Natalie Wood, além
de serem retratadas com aura de princesas, exemplificaram, segundo intenção da
empresa, o sentimento “real” de que Lux “oferecia a cada mulher, em qualquer lugar
do mundo, a oportunidade de aproveitar a sensação e fragrância de um sabonete
Lux” (fonte: Centro de História Unilever). A intencionalidade da peça publicitária na
referida década era a de promover junto à mulher comum a ideia de se sentir como
uma estrela, pois o foco da imagem de Lux mudou de um produto feito para estrelas,
para uma variedade disponível a qualquer pessoa. “A rica espuma e a deliciosa
fragrância de Lux não eram somente privilégio das estrelas, mas um tratamento de
beleza acessível, que todas podiam aproveitar” (fonte: Centro de História Unilever).
No Brasil há outro marco significante do produto: em 1973 a marca passou
por um processo de segmentação, dividindo-se em duas categorias: um artigo mais
básico, o Lux Tradicional, voltado para o uso familiar, e Lux de Luxo, mais
sofisticado e com a proposta, segundo a empresa, de maior poder de hidratação à
34
pele. Lux Luxo deu continuidade à saga das campanhas com as atrizes e tornou-se
o sabonete premium da marca.
1.6 Novo Feminino
Chegando aos anos 1980, a empresa desenvolveu uma campanha que
promovesse seus produtos, como a própria atesta, como um elemento essencial aos
cuidados para se ter uma pele bonita e passou a ser considerado o primeiro passo
no processo feminino de ritual de beleza. Foi a década de Sophia Loren, Raquel
Welch e Cheryl protagonizarem os comerciais da marca. À parte disso foi o
momento em que Lux introduziu celebridades locais de cada país para ajudar a
incentivar a plataforma de que “a beleza é acessível a todas as mulheres, em
qualquer lugar” (fonte: Centro de História Unilever).
Nada melhor ao produto e à sua imagem do que trazê-lo para mais perto da
consumidora e seu contexto social e ideológico. A pauta, naquele momento, era a
ascensão profissional e a inteligência da mulher, bem como a nova maneira de se
relacionar com a família e com o próprio corpo. A empresa entendeu que era a
oportunidade de rever os conceitos de beleza e sedução para manter o diálogo com
as consumidoras. No Brasil, a virada veio em 1985, quando Lux recorreu à beleza
de atrizes nacionais. Bia Seidl, Vera Fischer, Sônia Braga, Maitê Proença, Débora
Bloch e Malu Mader são alguns dos nomes que protagonizaram peças publicitárias
para a marca – essas apresentadas e estreladas no fim dos anos 1980 e início da
década seguinte.
Os glamorosos banhos de espuma cederam lugar às imagens mais próximas
da realidade feminina brasileira. Nas peças, as atrizes eram retratadas em seu
agitado dia a dia e em situações comuns ao público feminino. Isso propiciava à
consumidora a associação do uso do sabonete por estrelas, sim, porém eram
também mulheres como essa que assistia, ativas profissionalmente e
independentes. “A força desse gênero de campanha publicitária foi inquestionável, e
as atrizes brasileiras se sobrepuseram com facilidade à distante constelação das
deusas internacionais” (fonte: Centro de História Unilever).
A partir desse momento, as brasileiras nunca mais saíram de cena. Patrícia
Pillar, Cláudia Abreu, Ana Paula Arósio, Cristiana Oliveira e Gisele Bündchen foram
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algumas, entre várias estrelas brasileiras de Lux, as quais simbolizaram o ideal
feminino da época, às portas do novo milênio, valorizando a adição de atributos
como atitude e personalidade e não apenas beleza, como era retratado
anteriormente.
Na década de 1990 a empresa introduziu no mercado brasileiro a linha Lux
Skincare, com sabonetes em barra e versão líquida e em 1996 foi a vez da linha Lux
Shower Gel, com peças protagonizadas pelas atrizes Cristiana Oliveira, Cláudia
Abreu e Andréa Beltrão.
1.7 Nova Celebridade
No início dos anos 2000 as campanhas de Lux adotaram uma nova
abordagem de comunicação da marca. O novo slogan: “Descubra a estrela que
existe em você” dá pistas de uma transformação que se aprofundou nos anos
seguintes. Segundo o texto produzido pelo Centro de História Unilever,
“gradualmente, as novas campanhas convidam a consumidora a assumir a condição
de estrela” e em 2006, essa nova estratégia ficou em evidência com a seguinte
mensagem: “Somos todas divas” e a propagação de peças que, como no filme Diva
sedutora, pela primeira vez não apresentavam atrizes famosas.
A ideia era sintonizar a comunicação da marca com as aspirações da mulher moderna e seu estilo de vida, sem que isso representasse menos glamour. Ao contrário, o objetivo era justamente mostrar como essa nova mulher, mais segura e dona de si, que sabia lidar com as situações inesperadas da vida real sem perder o bom humor, a elegância e a sensualidade, características que deixaram de ser exclusivas das estrelas (fonte: <http://www.unilever.com.br/Images/ Lux_tcm95-107328.pdf>. Acesso em: 5 mar. 2015).
Em 2007 houve o lançamento da edição limitada do Lux Fashion Pink, o
primeiro sabonete pink do mercado brasileiro, o qual procurava enfatizar a
feminilidade por meio de mulheres consideradas ícones, tendo a cor citada como
destaque.
Entre 2009 e 2010 o foco foi aguçar os sentidos e despertar as sensações
das consumidoras, com o intuito – mais uma vez – de fazer do banho um ritual de
beleza. Sabonetes com extrato de vinho ou com combinação de frutas com chantilly
hidratante eram o mote da vez.
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2011 foi o ano do lançamento de Lux Líquido em campanha que buscou
quebrar barreiras de consumo e apontar os benefícios do sabonete líquido, segundo
o Centro Histórico da empresa.
A linha Premium, Lux Fragrâncias Finas, foi o destaque para 2012, para
mulheres que, segundo a empresa, entendem de perfumaria e são conhecedoras
das tendências mundiais de fragrâncias finas.
Apesar de não ser objeto de estudo desta dissertação, aponta-se que a linha
Lux continua com sua proposta para o desenvolvimento do produto. Em 2014 foi
lançada a linha Lux com Óleos Hidraflorais, a qual promete hidratação, perfume
suave e uma pele irresistível ao toque, o que, segundo a marca, é um aliado para
acender a faísca de uma relação, contribuindo para um clima de sedução. Os
lançamentos em barras e líquidos possuem fragrâncias finas com variantes florais,
com várias opções de odor, para diferentes perfis de mulher. O casal escolhido para
estrelar essa campanha foi Rodrigo Hilbert e Fernanda Lima, o que dialoga com o
slogan: “Sua pele macia e perfumada para acender a faísca”, pois sugere à
consumidora que o perfume e a hidratação que o sabonete oferece podem contribuir
para a revitalização de um relacionamento de longo prazo, como é o do casal de
atores, à época da redação deste texto, juntos há doze anos.
Depois do breve contexto, a seguir, no capítulo II, destacar-se-á a
fundamentação teórica para análise das peças publicitárias do corpus escolhido.
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CAPÍTULO 2 - CONSTRUINDO UM SOLO EPISTEMOLÓGICO PARA A ANÁLISE
Para analisar o discurso publicitário e os recursos pelos quais esse se utiliza
para cumprir seu propósito comunicativo, é necessário, primeiramente, abordar o
conceito de gênero do discurso sob a ótica da teoria de Bakhtin. Segundo esse
filósofo, todos os campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem.
Essa apresenta uso multiforme, por meio de enunciados orais ou escritos, concretos
e únicos, que ocorrem apenas uma única vez, haja vista que sempre há um novo
enunciado em outra situação espaço-temporal e com outros valores sociais sendo
proferidos dentro da diversidade de atividades humanas e atendendo às suas
finalidades específicas. Dessa maneira, em primeiro lugar, refletir-se-á sobre o
gênero discursivo.
2.1 Gênero Discursivo: Por Um Olhar Bakhtiniano
Cada enunciado é particular, individual e apresenta tipos relativamente
estáveis de enunciação para cada campo de atuação. A esses enunciados dá-se o
nome de gêneros do discurso. Como afirma Machado (2006, p. 155), por surgirem
“na esfera prosaica da linguagem, os gêneros discursivos incluem toda sorte de
diálogos cotidianos bem como enunciações da vida pública, institucional, artística,
científica e filosófica”. Os gêneros do discurso são adquiridos nos processos
interativos e sua diversidade pode ser considerada infinita, pois esses crescem e se
diferenciam à medida que se desenvolvem e se complexificam as esferas humanas
e por haver heterogeneidade das práticas da linguagem é dificultoso, inclusive,
traçar limites para os gêneros, uma vez que há a possibilidade de hibridização entre
os quais.
Ademais, devido à própria dinâmica social, os gêneros são abertos à
mudança e remodelação, pois sua forma pode ser entendida como estável e
instável. Há lugar para o novo e reiteração do antecedente. Assim, o novo apresenta
características do anterior e isso demanda a um equilíbrio entre o estático e o
dinâmico. Campos-Toscano (2009, p. 33) cita que:
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Como o tempo é histórico e o espaço é social, os gêneros representam e refratam a realidade de acordo com as manifestações dos sujeitos da comunicação. Novamente, deparamo-nos com as es/instabilidades, pois a forma pode ser entendida como representação estética de uma determinada cultura contextualizada no tempo-espaço e como produto do processo dialógico entre os sujeitos da enunciação.
Isso sustenta e justifica as mudanças ocorridas ao longo do tempo no
discurso publicitário. Entende-se que a propaganda nasceu a partir da necessidade
de se propagar ideias, entretanto, com as mudanças ocorridas na sociedade, com o
advento da Revolução Industrial, esse gênero ganhou nova estabilidade, ajustando-
se às necessidades da esfera social uma vez que, com a produção em massa de
produtos, fazia-se necessário buscar o estímulo do mercado. Como a produção
industrial já tinha atingido um nível de desenvolvimento no qual um número maior de
empresas produzia mercadorias de qualidade a preços relativamente homogêneos,
houve uma superprodução de produtos e uma subdemanda de aquisição desses.
Dessa maneira, houve mudança também no estilo empregado no discurso
publicitário, mudando da proclamação para a persuasão, como já dito, uma vez que
era necessário escoar essa produção excedente.
Assim, mais uma vez vemos a questão da estabilidade/instabilidade do
gênero e mudança na forma, além do deslocamento dos recursos linguísticos,
embasados no estilo a favor e em uso das relações e necessidades sociais.
Agregado a isso, o aumento da alfabetização, a circulação de jornais e, ainda, o
surgimento das primeiras agências publicitárias, tudo isso contribuiu para que o
discurso publicitário se firmasse na sociedade e produzisse não apenas enunciados
que demonstrassem a existência de determinado produto o qual o enunciatário
poderia vir a precisar de fato, mas sim, criou-se a necessidade de se consumir bens
não apenas para a satisfação das necessidades materiais – como as de comer,
beber, vestir –, surgiu igualmente a demanda pelo atendimento das necessidades
sociais. Assim, o discurso publicitário não dizia mais e apenas que em determinada
rua vendia-se o produto tal. Foi necessário acrescentar o tom da sedução e da ideia
da necessidade de possuir bens consumíveis que atendessem às questões sociais
inerentes ao ser humano.
Segundo Bakhtin (2011), deve-se considerar também a “visão excedente” ou
“exotópica”, ou seja, um sujeito é contemplado e completado pelo olhar do outro.
Essa concepção nos dá a ideia de que sabemos e vemos algo que o outro não sabe,
39
devido a sua posição espacial. Esse conhecimento a respeito do outro nos é dado
devido ao lugar – único – que ocupamos no mundo e, ainda, ao conjunto de
circunstâncias e instantes precisos e únicos.
Assim, compreender a diversidade dos gêneros é também:
Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos nossos olhos. Assumindo a devida posição, é possível reduzir ao mínimo essa diferença de horizontes, mas para eliminá-la inteiramente urge fundir-se em um todo único e tornar-se uma só pessoa.
Esse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha posse – excedente sempre presente em face de qualquer outro indivíduo – é condicionado pela singularidade e pela insubstitutibilidade do meu lugar no mundo: porque nesse momento e nesse lugar, em que sou o único a estar situado em dado conjunto de circunstâncias, todos os outros estão fora de mim (BAKHTIN, 2011, p. 21, grifo nosso).
Dessa maneira, o enunciatário, ao compreender determinado enunciado,
poderá concordar com esse, discordar, complementar, confrontar e, ainda, sair da
condição de ouvinte e entrar na situação de locutor. Poderá executar as atividades
ou ordens que lhe foram dadas, desejar certo objeto que lhe é apresentado, enfim,
orientar sua vida. Desse ínterim podemos apreender que na comunicação verbal, “o
enunciado é uma unidade real que se inter-relaciona com outros enunciados, em
outros momentos, em outros lugares” (BAKHTIN, 2011, p. 32). Ainda podemos nos
lembrar de que “apenas através da enunciação que a língua toma contato com a
comunicação, imbui-se do seu poder vital e torna-se uma realidade” (BAKHTIN,
2006, p. 160).
Pautando-se ainda em Campos-Toscano (2009, p. 34), observa-se que pelo
processo constante da comunicação, “os gêneros podem ser caracterizados como
heterogêneos construídos pelos mais diferentes integrantes das atividades sociais
com as mais diversas finalidades”. Devido à extrema heterogeneidade dos gêneros,
ainda nos é apresentada a ideia de que os gêneros discursivos apresentam dois
grupos distintos: os primários – simples – e os secundários – complexos. Enquanto
os primários são relacionados à comunicação cotidiana, imediata,
predominantemente oral e espontânea, os secundários surgem nas circunstâncias
culturais de comunicação mais elaborada, com predominância da escrita. Essa
distinção, segundo Machado (2006, p. 155), dimensiona “as esferas de uso da
linguagem em processo dialógico-interativo”. Mesmo sendo os gêneros secundários
formações complexas, elaboradas a partir da comunicação cultural e pautadas em
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sistemas específicos como a política, a Ciência e a arte, não significa que sejam
refratários aos gêneros primários. Nada impede que no processo de formação de um
dado gênero secundário, seja incorporado e reelaborado um gênero primário sendo
fundido a esse e adquirindo matizes desse novo contexto. Quanto ao discurso
publicitário, esse se enquadra nos gêneros secundários, pois demanda elaboração
mais detalhada.
Deve-se, ainda, acrescentar que cada gênero e cada autor possuem um estilo
que pode ser reconhecido nas produções discursivas. Fiorin (2010, p. 46) afirma que
estilo, desde a perspectiva bakhtiniana, é o conjunto de procedimentos de
acabamento de um enunciado. São, portanto, meios utilizados para elaborá-los, que
resultam a partir de uma seleção de recursos linguísticos à disposição do
enunciador.
O sentido de individualidade é construído pela seleção de traços fônicos,
morfológicos, sintáticos, semânticos, lexicais, enunciativos, discursivos entre outros.
“O estilo se dá por meio de um conjunto de particularidades discursivas e textuais
que cria uma imagem do autor, que é o que é denominamos efeito da
individualidade” (FIORIN, 2010. p. 46). Isso não resulta em subjetividade, mas sim,
devemos considerar o estilo como resultado de uma visão de mundo e ainda como
aquele que estrutura e unifica os enunciados produzidos pelo enunciador. Temos
ainda de entender que o estilo define-se dialogicamente, ou seja, depende dos
parceiros da comunicação verbal, dos discursos dos outros e ainda constitui-se em
oposição a outros estilos.
Assim, como mostra Bakhtin (2011, p. 47), “se o estilo é constitutivamente
dialógico, ele não é o homem, mas sim duas consciências. Como qualquer
enunciado, ele revela o direito e o avesso”. Há ainda de se considerar que o estilo é
dado segundo a visão que o enunciador tem de seu interlocutor e isso nos indica
que o parceiro da comunicação pode determinar o estilo a ser utilizado. Dessa
maneira, a propaganda veiculada para diferentes enunciatários, diversos em seu
gênero, idade, classe social, entre outros aspectos, é constituída segundo esses e
para esses.
Quanto aos gêneros do discurso, podemos entender que o estilo é um de
seus componentes. Há assim, segundo nos coloca Fiorin (2010, p. 48), um estilo do
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gênero e, dentro do gênero, podem aparecer os estilos que criam os efeitos de
sentido de individualidade. E ainda, segundo o mesmo autor, assim como existe
uma constitutividade dialógica do estilo, que não se mostra em um estilo, mas é
percebida pelas vozes em diálogo em uma dada formação social, há também um
dialogismo estilístico mostrado. Pode-se parodiar um estilo ou estilizá-lo.
Como o estilo nos foi colocado como algo que se define dialogicamente,
entende-se ser importante explicitar o conceito que para Bakhtin e o Círculo dão ao
dialogismo, pois esse é uma das formas composicionais do discurso, assim, o
próprio ato de compreensão do interlocutor se torna dialógico:
Ver e compreender o autor de uma obra significa ver e compreender outra consciência: na consciência do outro e seu mundo, isto é, outro sujeito (“Du”). Na explicação existe apenas uma consciência, um sujeito; na compreensão duas consciências, dois sujeitos [...]. Em certa medida, a compreensão é sempre dialógica (BAKHTIN, 2011, p. 316).
O enunciado transcrito acima norteia o conceito de dialogismo, princípio
unificador da obra de Bakhtin. Segundo esse filósofo, a língua, em sua totalidade
concreta, viva, em seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações
não se limitam ao diálogo face a face, mas também à dialogização interna da
palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro. Assim, todo discurso é
atravessado pelo discurso alheio e, ainda, refere-se às relações de sentido que são
estabelecidas entre dois enunciados.
Quanto aos enunciados, esses constituem-se unidades reais de
comunicação, têm enunciador e enunciatário, possuem cunho histórico, são
irrepetíveis, dialógicos, possuem sentido e permitem resposta. Dessa maneira é que
enunciados e unidades da língua se diferenciam. Ainda, todo enunciado é
heterogêneo, pois revela duas posições: a sua e a do outro. Essas posições podem
ser contratuais ou polêmicas, divergentes ou convergentes, de acordo ou desacordo,
de aceitação ou de recusa entre outros. Como a sociedade é dividida em grupos
sociais, com interesses divergentes, os enunciados serão sempre o lugar da
contradição, o espaço de luta entre vozes sociais.
Outro ponto a observamos é que para Bakhtin, as vozes que circulam nas
relações dialógicas não são apenas vozes sociais, mas também individuais. Isso
propicia a possibilidade de se examinar não apenas o ponto de vista das grandes
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polêmicas filosóficas, políticas, econômicas, entre outras, mas também fenômenos
da alocução do dia a dia, ordinária, simples, seja pela modelagem do enunciado,
seja pela reprodução do dizer do outro e a maneira como foi proferido. Entretanto,
há de se levar em consideração também que as opiniões individuais são sociais e
ainda, todo enunciado se dirige não apenas a um destinatário imediato, mas também
a um superdestinatário. Esse superdestinatário é apreendido como quem possui
uma compreensão responsiva e tida como a correta socialmente. Sua identidade
pode variar dentro do espaço, do tempo e do grupo social. Ora pode ser a Igreja, ora
a Ciência, ora o partido político, entre outros. Assim, podemos inferir que na medida
em que toda réplica, mesmo de uma conversação cotidiana, dirige-se a um
superdestinatário, os enunciados são sociais (FIORIN, 2010, p. 27). Observe-se,
ainda, que há três conceitos de dialogismo na obra de Bakhtin, a saber:
O dialogismo constitutivo que diz respeito ao modo de funcionamento real da linguagem e cujo princípio é que todo enunciado constitui-se a partir de outro. Em dada formação social há enunciados que operam no momento presente, há enunciados legados pelo passado, cuja atualidade é depositária e há o futuro, cujos enunciados discorrem sobre objetivos e utopias dessa contemporaneidade. Assim temos a ideia de uma cadeia de comunicação, com enunciados constituindo-se em relação aos enunciados que os precedem e os que os sucedem e ainda que agem baixo forças centrípetas ou forças centrífugas;
O dialogismo como forma composicional trata das maneiras externas e visíveis de se mostrar outras vozes no discurso. Elas podem se apresentar de duas maneiras – a primeira, na qual o discurso do outro nos é perceptível, ou seja, quando lemos conseguimos identificar claramente o discurso do enunciador e o discurso do outro. Ele pode ser dar por meio do discurso direto, do discurso indireto, do uso de aspas e da negação – e a segunda, a qual não há separação clara ou explícita da voz do enunciador e do discurso do outro – nesse conceito enquadram-se a paródia, a estilização, a polêmica clara ou velada e o discurso indireto livre;
O dialogismo como princípio da constituição do indivíduo: O sujeito age em relação aos outros e constitui-se em relação ao outro. Apreende vozes sociais de sua realidade e ao mesmo tempo de suas inter-relações dialógicas, absorvendo assim, não apenas uma voz social, porém, várias. Ele pode concordar ou discordar dessas vozes em seu mundo interior e ainda, como está sempre em relação ao outro, seu mundo exterior não se acaba e tampouco se fecha, estando em um constante vir a ser.
Dessa maneira, podemos observar que Bakhtin entende que os gêneros do
discurso centram-se na ideia da comunicação e de que todo discurso é dialógico,
pois pressupõe a presença do outro, seja um enunciatário, seja outro discurso. O
filósofo dispõe ainda que o discurso é ligado às categorias de tempo e espaço.
Como as atividades humanas são sempre associadas à utilização da linguagem, há
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a necessidade de enunciados relativamente estáveis que corroboram na
concretização do agir e fazer humano.
Segundo Machado (2006, p. 152), os estudos de Bakhtin relacionados aos
gêneros os estenderam à ótica do dialogismo no processo comunicativo e isso
possibilitou a mudança da rota dos estudos dos gêneros para além das formações
poéticas e, ainda, propiciou um “lugar” para as manifestações discursivas da
heteroglossia, ou seja, das diversas codificações não restritas à palavra. Devido a
essa abertura conceitual, torna-se possível considerar as formações discursivas do
amplo campo da comunicação mediada, seja aquela processada pelos meios de
comunicação de massas, seja a das mídias digitais. Por essa perspectiva, Campos-
Toscano (2009, p. 49) aponta que:
Podemos pensar no gênero do discurso publicitário, embora Bakhtin não o tenha estudado. Além do mais, devido às ideias de heteroglossia e heterogeneidade é possível considerar, como objeto de análise, não somente a linguagem verbal, mas também a não verbal, assim como os mais diversos meios existentes nos últimos tempos, como a televisão, o rádio, a Internet.
Os gêneros do discurso publicitário fazem parte do que se chama
comunicação de massa e estão presentes em nosso cotidiano. Basta folhear uma
revista ou manusear um jornal para encontrá-los. Manifestam-se também por meio
de panfletos, folders, outdoors etc. São apresentados pelas ondas do rádio ou pela
propagação sonora em veículos automotores. Presentes nos programas de TV e
atualmente disponibilizados em mídias digitais, tais como websites e smartphones, o
que possibilita, inclusive, interatividade com o enunciatário por meio de jogos,
brincadeiras, montagens. Isso nos remete ao que Carvalho (2004, p. 11) diz: “a
mensagem publicitária é o braço direito da tecnologia moderna. É a mensagem de
renovação, progresso, abundância, lazer e juventude, que cerca as inovações
propiciadas pelo aparato tecnológico”.
2.2 Composição do Gênero – Elementos Constitutivos
Bakhtin (2011) nos apresenta a ideia de que todo gênero é alicerçado sob três
pilares, a saber: conteúdo temático, estilo e construção composicional.
Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e
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gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 2011, p. 261).
Ainda segundo esse autor, “conteúdo temático, estilo e construção
composicional estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são
igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da
comunicação” (BAKHTIN, 2011, p. 262). Em outras palavras, são elementos que não
possuem sentido se empregados separadamente, pois na constituição do gênero,
para esse teórico, estão intrinsecamente ligados.
Isso colocado, acrescente-se o que Brait (2013) aponta: além da constituição
“básica” dos gêneros, existe ainda a possibilidade de compreensão de que esse
comporte em sua composição a dimensão verbo-visual. Essa dimensão trataria da
articulação entre a linguagem verbal e a linguagem visual para a construção da
produção de sentidos ou efeitos de sentidos. Segundo essa autora, não é possível
separar essas duas linguagens sob pena de amputação de uma parte do plano de
expressão e, consequentemente, da compreensão das formas de produção de
sentido do enunciado, uma vez que esse se dá a ver/ler simultaneamente.
Brait (2013) se ampara na compreensão de que os estudos de Bakhtin e do
Círculo constituem contribuições para uma teoria da linguagem em geral e não
apenas para uma teoria da linguagem verbal, seja escrita ou oral; acrescenta ainda
que os estudos da linguagem não possuem absolutismo, mas são refinados
conforme os enunciados surgem e nos instigam a novas questões. Assim,
entendemos que a verbo-visualidade encontra-se presente nos mais diversos
materiais trazidos para os estudos da linguagem e no caso de nosso objeto de
estudo – discurso publicitário –, mostra-se presente em sua essência composicional,
contribuindo para a construção de seu efeito de sentido.
Ao aporte teórico deste trabalho agregamos, ainda, a ideia de que todo signo
está ligado a uma avaliação ideológica e “tudo que é ideológico possui um valor
semiótico” (BAKHTIN, 2006, p. 33). Sendo, portanto, o signo um fenômeno do
mundo exterior, possui aporte material no som, na massa física, na cor, no
movimento do corpo e em outras formas de materialização que possam sustentar os
sentidos ideológicos adquiridos ao longo das relações sociais dos sujeitos. Pensar a
verbo-visualidade, nesse sentido, desbravaria caminhos para um amplo panorama
de estudos. Adicionamos as palavras de Brait (2013), a qual postula que a dimensão
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visual interage na constituição com o verbal, ou vice-versa, conferindo-lhe e
acrescentando-lhe valores. Sem esse jogo não se dá a construção do objeto de
conhecimento, nem dos sujeitos da construção e da recepção, pois como indica
Bakhtin/Volochínov:
Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN, 2006, p. 36).
Pelo que foi disposto, procura-se, neste trabalho, mesmo que de maneira
singela e entre os outros itens constitutivos do discurso publicitário, estudar a verbo-
visualidade presente no corpus selecionado para esse fim.
2.2.1 Conteúdo Temático
No elemento denominado conteúdo temático não se deve levar em
consideração apenas as formas linguísticas, orais ou escritas, mas também a
localização temporal-histórica de determinado enunciado, ou seja, os fatores sociais,
econômicos, históricos e culturais nos quais esse foi produzido. Dessa maneira,
entende-se que esse não está ligado somente ao assunto do texto, mas, sobretudo,
à forma como esse conteúdo ganha sentido e se materializa, tendo em vista seu
contexto de produção.
Podemos ainda acrescentar as palavras de Ribeiro (2010), as quais apontam
que esse é o tópico que garante a ativação de conhecimentos sociais
discursivamente construídos, o qual, integrado aos outros elementos que sustentam
o gênero, colabora para que a memória discursiva surja e subsidie a compreensão
ativamente responsiva dos interlocutores e ainda o conteúdo temático ativo, não
apenas as significações de enunciados ditos, como também dos não ditos. Diante da
atuação da memória discursiva, as experiências dos sujeitos sociais emergem e são
expressas por meio de tais enunciados ou pela falta desses. Em outros termos, por
apagamentos. No discurso publicitário isso é particularmente interessante, pois são
utilizados artifícios que dialogam com a memória discursiva do enunciatário a fim de
que o propósito de aceitação e aquisição da mercadoria seja efetivado.
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Entendemos ainda que conteúdo temático corresponde ao conjunto de
assuntos que podem ser abordados por um determinado gênero. Isso deve ser
entendido não como “assunto”, mas como um universo de temas que podem ser
tratados.
No discurso publicitário a temática vincula-se aos mais diversos produtos e
serviços, não tendo um conteúdo específico ou padrão. No entanto, volta-se para o
consumo de bens, ideias e serviços, fazendo com que se constitua uma espécie de
temática mais ampla, que se desdobra e se diversifica nos diferentes anúncios. De
todas as formas, podemos exemplificar como temas comuns aos anúncios, assuntos
tais como: o cuidado com o lar e a família, a preocupação com a saúde, com a
juventude e boa aparência eterna, a vaidade, a popularidade, o ser sexualmente
atraente, o prazer proporcionado por comida ou bebida, o status, a ascensão social,
enfim, reforça-se a necessidade do “ter”, apagando-se o “ser”.
2.2.2 Construção Composicional
A construção composicional diz respeito à estrutura geral interna do
enunciado. Integra, sustenta e ordena as propriedades do gênero por meio de
elementos linguísticos e discursivos. Bakhtin (2011, p. 282, grifos nossos) nos
assinala que:
A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero do discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes etc. [...] todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo.
Em função disso, entendemos que a construção composicional trata da
organização e estruturação do gênero, como já explicitado, é o formato, a
organização linguística, textual e discursiva. A partir desses recursos é regulada a
forma dos gêneros, permitindo que esses sejam identificados.
Quanto ao anúncio publicitário, a estrutura composicional é formada, de
maneira geral, por título, imagem, texto, marca ou logomarca e slogan.
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O título é apresentado com letras maiores, dada a sua função de chamar a
atenção do enunciatário e fazer com que esse pare e se detenha em sua leitura. De
acordo com Gonzáles (2003, p. 18), um bom título deve ser conciso, tendo no
máximo de cinco a sete palavras gramaticais: verbos, substantivos, adjetivos e,
ainda, ser positivo, abordando aspectos agradáveis e eufóricos. A linguagem visual
frequentemente compõe também o discurso publicitário. Além de contribuir para a
constituição do sentido do texto verbal, essa agrega para que a atenção do leitor
seja alcançada e, ainda, desperta o desejo pelo produto, o que pode promover o
convencimento do consumidor de maneira consciente ou inconsciente. No
enunciado temos ainda a argumentação verbal que, segundo Gonzáles (2003, p.
21), visa trazer informações sobre o que é divulgado, seja produto, serviço ou ideia,
a fim de persuadir o leitor.
Quanto à marca, essa traz o símbolo da empresa e não tem o intuito de
ilustração, mas sim de indicar ou sugerir. Por meio dessa, a empresa ou produto é
lembrado e até mesmo associado às noções de prazer, status, qualidade – ou não –,
prestígio, entre outros valores.
O slogan (GONZÁLES, 2003, p. 24) tem origem em exércitos e significa “grito
de guerra”. Posteriormente, foi utilizado por pregoeiros ambulantes em insígnias e
legendas até chegar aos anúncios, desde os de jornais e revistas até aos de
outdoors. Caracteriza-se pelo uso de frases marcantes, concisas, de fácil
memorização e que destacam as qualidades e superioridade do que se pretende
anunciar, mais uma vez produto, serviço ou ideia.
2.2.3 Forma Arquitetônica e Forma Composicional
Para discorrer sobre forma arquitetônica e forma composicional as reflexões
se pautarão em Machado (2014), Sobral (2006) e Ribeiro (2010).
Iniciando com Machado (2014), essa autora argumenta que a Ciência atribuiu
ao conceito de mecânica – do grego mechaniké e do latim mechanica – a atividade
dos corpos, dos movimentos e das forças que agem em seu interior e mobilizam
seus impulsos. Dessa maneira, esse termo passou a designar o funcionamento da
estrutura de corpos, de partículas, de átomos e de moléculas e, assim, estende-se à
toda operação dedutível de fenômenos, comportamentos e configurações.
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Machado (2014) ainda nos diz que, embora o funcionamento da mecânica se
dê no tempo e no espaço, essa ainda se orienta pelas coisas em si, tomadas de
maneira isolada uma das outras. Assim, seus constituintes são estruturados e
ligados de maneira justaposta e não produzem nenhuma interação entre suas
partes, possuindo características impermeáveis a quaisquer influências. Acrescenta
que Bakhtin partiu desse conceito da mecânica para introduzir suas formulações a
respeito do funcionamento dialógico e não mecânico da criação estética no contexto
do ato ético, o que acarretou a possibilidade de uma alternativa de compreensão do
movimento fora do domínio da mecânica e dentro do contexto da resposta. Tal gesto
conceitual introduziu o pensamento que se propunha a complementar o domínio da
mecânica. A tal domínio foi dado o nome de arquitetônica.
Embasando-se em Bakhtin, essa autora aponta que a arquitetônica valoriza
as relações produtoras de sentido, voltando-se para a compreensão dessas
associações e se distinguindo, assim, da mecânica a qual diz respeito às coisas
mudas. No “mundo” arquitetônico o homem diz, interroga-se sobre si, seu entorno e,
dessa forma, articula relações interacionais capazes de enunciar respostas com as
quais constrói conhecimentos – esse é o chamado mundo dos eventos éticos e da
atividade estética. Seu domínio se dá em um espaço de construção, de movimento,
no qual tudo se implica mutuamente e os elementos em ação interferem uns sobre
os outros. Nesse lugar, surge o todo inacabado, em construção, conforme explicita
Machado (2014): “É o mundo do homem, de sua fala, dos comportamentos éticos,
acontecimentos estéticos inter-relacionados sem nenhuma possibilidade
de separação”.
A arquitetônica vem a ser pensada como um domínio de investigação de
manifestações que são sempre respostas, resultados de ações e reações
determinadas por pontos de vista específicos e, assim, reúne um conjunto de
premissas sobre o devir da criação estética dialogicamente construída.
O que se deve considerar é que, por mais que se procure construir um
modelo de acabamento, segundo Machado (2014), a visão estética será sempre
resultado de visões inacabadas. Essa é a linha de raciocínio de ensaios oriundos de
um projeto conceitual desenhado desde os primeiros estudos de Bakhtin sobre
relações interacionais, os quais apontam que a resposta é motor do diálogo e este
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figura como o precedente fundamental das interações e das articulações, seja da
Filosofia da linguagem ou da estética. A esse projeto conceitual dá-se o nome de
Arquitetônica da responsabilidade, que considera o sentido produzido por meio das
relações dialógicas.
Assim, como fazem parte de arquivos escritos e inacabados de Bakhtin,
inacabamento seria a chave conceitual desse projeto, em cujo cerne está as
chamadas relações éticas entre o eu e o outro; as dimensões do acabamento sob
forma de um texto; a formatação estética do próprio inacabamento. Há uma
distinção clara nesse projeto à medida que, ao se procurar compreender que, ao se
tomar a resposta como a chave conceitual de uma linha de pensamento, isso
significa valorizar não um produto acabado, mas sim o acesso construído pela
interação de pontos de vista. Machado (2014, p. 10) cita Holquist e Liapunov para
mencionar que:
O DNA da arquitetônica não é a arquitetura do material ou de um edifício, mas a ação em processo em que as relações invisíveis são desencadeadas. A arquitetônica reporta-se aos fluxos que constituem um evento.
Assim, entende-se que as formulações sob as quais Bakhtin manifesta seu
entendimento da construção arquitetônica sempre apresentarão a ideia de uma obra
em execução. Ainda nos é apontado que, nesse sentido, a arquitetônica exprime de
uma só vez o projeto conceitual e o princípio constitutivo do processo construtivo.
Devemos acrescentar ainda que apenas no âmbito do contexto humano é possível
buscar o acabamento, respeitando-se o inacabamento. A arquitetônica da
respondibilidade mostra-se um projeto conceitual sobre o espaço das relações
dialógicas produzidas pelo homem, os quais são agentes tanto da construção,
quanto da especulação formulada como resposta.
Machado (2014) ainda nos lembra de que, para Bakhtin, ser humano é
significar e produzir sentidos na interação desde um lugar único na existência,
singular e definido a partir da relação com outrem, com os quais o indivíduo interage
dialogicamente. Apesar de o homem ocupar um lugar posicionado no espaço, esse
lugar é indefinido. Isso cria um paradoxo que, para ser resolvido, cobra o
entendimento de que, além do homem e de sua visão de mundo, há ainda uma
visão extraposta, ou seja, o excedente de sua visão, o qual é nomeado de exotopia.
50
Sobral (2006, p. 109) recorda Bakhtin ao dizer que a posição exotópica
equivale a “estar num lugar fora”. Entretanto, entendida como um “fora” relativo, em
uma posição de fronteira, móvel, que não transcende o mundo, porém que o vê de
um dado distanciamento a fim de transfigurá-lo na construção arquitetônica da obra,
estética ou não. Esse autor aponta ainda que o sujeito pode articular e perceber sua
própria situação apenas até certo ponto, sendo incapaz, no entanto, em conseguir
transcendê-la. O todo tem relação com acabamento, o qual remete à distinção entre
ambiente, que é aplicável ao outro – que vejo como “acabado” desde minha
perspectiva – e de horizonte – que é minha perspectiva propriamente dita, na qual
sou “inacabado”. Assim, cria-se um “jogo”: o outro é visto por mim como acabado, ao
passo que me vejo como inacabado e, ao mesmo tempo, o outro se vê como
inacabado e me vê como acabado. Nesse ínterim, o espaço das relações dialógicas
se define em função das interações em jogo no campo de visão e naquilo que o
excede. A arquitetônica projeta temporalidades em um espaço que se manifesta
igualmente como tempo e que devem ser entendidas não em uma dimensão visível,
mas sim como um ambiente de interações que se desenvolvem para além de um
ponto de vista posicionado. Esse é um aspecto distintivo da compreensão das
relações entre tempo e espaço a partir da exotopia das projeções que nesse
incidem, ora como injunção, ora como disjunção, ora como reflexo, ora como
refração.
Há de se considerar ainda que a variedade e simultaneidade de tantos pontos
de vista propiciam um espaço de relações que não são coincidentes e isso acarreta
a necessidade de se buscar uma compreensão mais refinada desse continuum de
pontos de vista com variedade de respostas simultâneas, não coincidentes e,
portanto, inacabadas. Assim, o estudo da resposta ocupa o centro das
preocupações da arquitetônica.
A resposta no campo especulativo de suas possibilidades joga com a variedade de temporalidades projetadas no espaço das relações, criando a exotopia. Esta é a nascente do sentido dialogicamente constituído. Nesse caso, a resposta pode ser considerada uma dimensão distintiva, sobretudo, das relações em sua projeção espaço-temporal, ou seja, no continuum dos pontos de vista extrapostos. Espaço-tempo como um continuum relacional e dialógico cuja manifestação “mais acabada” é provavelmente o homem, quer dizer, os processos internos de construção inacabada de sentido (MACHADO, 2014, p. 7).
51
2.3 Refletindo Sobre Tempo e Espaço
O pensamento de Bakhtin e do Círculo indica que o homem é um ser do tempo, que
vive no tempo e durante certo tempo. Machado (2014) afirma que o tempo dimensionado
pelo espaço é apreendido tão-somente nas temporalidades representativas da cultura.
Dessa maneira, explicita que é apenas no jogo das temporalidades que se pode
compreender arquitetonicamente o continuum espaço-tempo. Comparando-o ao espaço
dialógico que se manifesta pela exotopia, o tempo dialógico só pode ser entendido pelas
temporalidades plurais e simultâneas que são vivenciadas no espaço. Isso nos endossa que
o filósofo redefine o tempo – não negando a realidade física desse, mas acrescentando que
sem a interação dialógica não há como apreender sua expressão.
As interações dialógicas ocorrem dentro do que eu defino como um marco binário de duas realidades, individual e de grupo, cada uma com uma natureza espacial e temporal diferente, juntas atuam para criar significado (TABORSKY apud MACHADO, 2014, p. 8).
Machado (2014) ainda acrescenta que Taborsky, apesar de se ocupar
da atividade de conhecer o tempo e compreendê-lo de maneira linear,
matemática e absoluta, ainda o situa como tempo dialógico, o qual pode ser
compreendido sob três dimensões conceituais, a saber:
Tempo individual;
Tempo coletivo; e
Marco atemporal, o qual está além das realidades espácio-temporais do
indivíduo e do grupo.
Assim, o tempo dialógico é examinado desde a ótica da dinâmica do texto
sociocultural, no qual as manifestações podem ser situadas em seu caráter
conceitual, atual e sensorial. Pode ainda ser dimensionado pelas condições
antropológicas e seu continuum apenas é cogitado como experiência, quando a
informação do mundo físico se transforma em signo e se manifesta como gesto
semiótico, seja ato ético ou estético.
Bakhtin o examina na narrativa literária, entretanto, na teoria do dialogismo o
tempo não é um constituinte estrutural, mas como nos aponta Machado (2014), a
narrativa e, por consequência, os gêneros são instâncias estéticas de representação
52
do tempo. Dessa maneira, o espaço-tempo de que se ocupa o filósofo russo é a
representação de uma classe de signos e não pode ser desvinculado das
transformações nessa operadas. Deve-se acrescentar ainda que Bakhtin procurou
entender o tempo como uma simultaneidade de experiências distintas e que
emergem em ações, transformações e permanências. Segundo Machado (2014),
Bakhtin prevê que tanto na vida como na arte, o tempo se organiza mediante
convenções que não se restringem a definir o movimento e o arranjo de situações
vivenciais.
Assim e amparando-se no contexto do dialogismo, esse teórico afirma que é
no gênero que se explicita a convergência desse embate e, por consequência, esse
é o dispositivo pelo qual o sistema artístico mostra que tem por matéria de
experimentação e de vivência o grande tempo das culturas como um continuum. Às
implicações e abordagem sobre a continuidade do espaço-tempo, essas que foram
examinadas na representação literária representada pelo romance, Bakhtin dá o
nome de cronotopo.
2.3.1 Cronotopia: um Olhar Sobre o Fenômeno
Cronotopo vem das palavras gregas crónos – que significa tempo – e tópos –
condizente a espaço. Segundo Sobral (2006), Bakhtin dialogou com as propostas de
estudiosos de outras Ciências para formular o conceito de cronotopo. Dessa
maneira, com as propostas da quarta dimensão de Hermann Minkovski observou
que esse insistia na inseparabilidade do espaço e do tempo e ainda postulava que
diferentes épocas combinam diferentemente o tempo e o espaço; já com Einstein,
pensou na Teoria da Relatividade e no tempo-espaço, sendo o tempo entendido
como a quarta dimensão do espaço; com os estudos do fisiologista russo A. A.
Ukhtomski, ponderou sobre a postulação desse estudioso, que argumentou sobre o
caráter imediato do tempo e do espaço nas experiências dos organismos – foi de
Ukhtomski, inclusive, que Bakhtin apreendeu o termo cronotopo; das teses kantianas
o filósofo russo refletiu sobre categorias da percepção e suas formas, nas quais há
destaque para o tempo, o espaço e a causalidade; e, finalmente, pensou no conceito
de “duração” a partir das reflexões do filósofo francês Henri Bérgson.
53
Ao discutir questões sobre o cronotopo, Sobral (2006, p. 32) afirma que suas
caraterísticas básicas são:
Tempo e espaço estão ligados de modo intrínseco, necessário;
Tempo e espaço são o continente da atividade, embora nem sempre se
mostrem visivelmente nessa;
Tempo e espaço unidos no cronotopo variam de acordo com as ordens,
aspectos, séries ou momentos do universo, ou seja, ritmos distintos entre os
organismos, os indivíduos e as sociedades;
O sentido de tempo e espaço não é único, variando de acordo com a
“posição” do agente da percepção;
As categorias de tempo e espaço são históricas, pois variam em relação às
alterações das necessidades humanas de percepção.
Acrescente-se as palavras de Machado (2014), quem aponta que o cronotopo
se tornou a formulação do dialogismo, o que possibilita a compreensão da
representação do tempo sob diferentes perspectivas e, inclusive, como se
manifestam as simultaneidades, além da compreensão da maneira como o tempo se
constitui no espaço, como se desenvolve, como se transforma e ainda, ao fazê-lo,
movimenta todo o sistema cultural. Essa autora nos propõe que cronotopo ainda é
uma metáfora conceitual que sustenta o edifício teórico de Bakhtin e que colabora
para a compreensão das transformações do espaço-tempo não apenas no âmbito
da semiose verbal, mas na semiose de diferentes sistemas de signos que enfrentam
a tarefa de representar a continuidade da experiência por meio de signos discretos
da cultura.
Machado (2014) também argumenta que cronotopo é uma forma de
compreensão da experiência. Na arquitetônica seria o entendimento de um modo
concluso de experiências inacabadas dentro do contexto do acontecimento. É o
acontecimento concebido como totalidade arquitetônica do inacabamento que a
percepção apreende para organizar sob forma de conhecimento. Como essa teórica
coloca, pode-se afirmar sem risco de generalização, que onde houver projeção do
tempo, seja em jogos, filmes, rituais, pinturas, grafismos, cidades, músicas, danças,
54
canções, haverá a possibilidade de se compreender o tempo como quarta dimensão
do espaço gerador e, portanto, de manifestações cronotópicas. 2.3.2 Cronotopo e Discurso Publicitário
Trindade e Barbosa (2007) apontam que o debruçar de Bakhtin sobre obras
narrativas, tais como as de Rabelais, permitiu perceber que a comunicação de
interação obra/mundo trazem conexões entre tempos e espaços de modo dialógico.
Dessa forma, estabelecem-se vínculos entre as obras e os sujeitos, tempos e
espaços da realidade cultural, apresentando inúmeras alusões ao contexto cultural,
sociopolítico da França Medieval e Renascentista.
Isso colocado, esses autores fazem um paralelo ao discurso publicitário e
chegam à conclusão de que os discursos publicitários criam vínculos cronotópicos
entre o contexto das sociedades de consumo globalizadas e o mundo representado
pela publicidade (TRINDADE; BARBOSA, 2007, p. 14). Prosseguem, relatando que
por meio de peças publicitárias, comerciais, spots, jingles, cartazes, entre outros
suportes, há a idealização de tempos e espaços de consumo, os quais estabelecem
vínculos dialógicos entre o cotidiano vivido – na realidade – e o cotidiano do mundo
da publicidade. Dessa maneira, entende-se que há articulação tempo-espaço no
discurso publicitário tal qual no gênero romance, ou seja, como na narrativa
romântica, o discurso publicitário tem sua narrativa interna, com seu tempo e seu
espaço, em dialogismo com o cotidiano do mundo real.
Em alguns casos, as peças publicitárias podem estabelecer níveis
cronotópicos internos em seus enunciados, nos quais os produtos/marcas são as
chaves cronotópicas para a transformação da realidade. São ainda, segundo
Trindade e Barbosa (2007), não-lugares, atemporais e que funcionam como elo
entre o mundo do consumo publicitário e do consumo vivido, sendo os
produtos/marcas elementos conectores, cronotopos da condensação de tempo e
espaço comum a essas duas realidades.
Isso nos conduz à conclusão de que o tempo e o espaço no discurso
publicitário remetem a uma realidade mítica, religiosa, quase mágica, na qual o
consumo funciona como possibilidade de mitificação da realidade e o capitalismo
como espécie de religião. Assim, o cronotopo como chave de conexão entre o
55
mundo da realidade do consumidor e o mundo mítico do consumo no discurso
publicitário promove a construção de um imaginário simbólico perfeito – ou quase –,
no qual espaço, tempo e sujeitos são idealizados.
Entre vários exemplos, pode-se mencionar as peças publicitárias do próprio
sabonete Lux, as quais são sempre bem coloridas, com rostos de mulheres lindas,
como se todos os que usassem tais produtos fossem compartilhar da beleza das
personagens estampadas. Ou seja, mulheres ou homens estariam entrando em um
imaginário que os levariam para um tempo-espaço completamente diferente do
mundo real que habitam. A fim de endossar o que é aqui exposto, ainda servem
como exemplos os comerciais de café da manhã para a apresentação de
margarinas, circunstâncias em que o espaço é ensolarado, os ambientes perfeitos,
onde ninguém acorda de mau humor, cansado, com preguiça, ou ainda atrasado
para a escola ou o trabalho. Como no romance de aventura, entre a situação inicial e
a final é como se nada tivesse sido realizado para que as situações pudessem
acontecer. Dessa maneira, podemos entender que nessas propagandas o tempo
não conta na totalidade da ação, sendo indeterminado e trazendo consigo traços de
“eterno presente”.
Deve-se considerar, por fim, que mesmo dado o momento de fusão
momentânea, efêmera ou extraordinária de um comercial veiculado, há sua rápida
dissolução – no tempo e no espaço – no mundo no qual vivemos, que sempre nos
chama de volta à nossa realidade. Tal fato promove a necessidade contínua de um
novo produto e a eterna busca pelo mágico, pelo mundo no qual não há dissabores,
frustrações e nem contratempos. A efemeridade com que o produto é anunciado
propicia a movimentação da paixão que se renova, modifica-se e sempre há a
necessidade de se buscar algo que nunca será satisfeito, em uma postura sisífica. O
discurso publicitário se alimenta desse fato e, valendo-se do cronotopo como chave
de conexão entre o mundo da realidade do consumidor e o mundo mítico do
consumo, promove a construção de um imaginário simbólico perfeito, no qual
espaço e tempo são idealizados, assim como os sujeitos e os produtos oferecidos.
2.4 Estilo: Recurso de Persona
56
Segundo Bakhtin (2011), todo estilo está indissoluvelmente ligado ao
enunciado e às formas típicas de enunciados, ou seja, aos gêneros do discurso.
Esse teórico ainda postula que:
Sendo todo enunciado individual, pode refletir a individualidade do enunciador
ou do escritor e assim apresentar um estilo individual, entretanto, nem todos
os gêneros são propícios ao reflexo da individualidade. Os gêneros que
requerem forma padronizada apresentam condições menos propícias para o
reflexo da individualidade;
Onde há estilo, há gênero;
Tanto os estilos individuais, quanto os da língua satisfazem aos gêneros do
discurso;
Gramática e Estilística convergem e divergem em qualquer fenômeno
concreto de linguagem. Se examinados apenas no sistema da língua,
estaremos diante de um fenômeno gramatical, mas se examinado no conjunto
de um enunciado individual ou do gênero discursivo, tratar-se-ão de
fenômenos estilísticos;
A própria escolha de uma determinada forma gramatical pelo enunciador é
um ato estilístico.
Assim, o estilo corresponde aos recursos lexicais, imagéticos, fraseológicos e
gramaticais que serão escolhidos e utilizados pelo enunciador para compor o
enunciado, tendo em vista o enunciatário e as relações dialógicas com outros
enunciados. Bakhtin (2011, p. 301) reforça a necessidade de saber quem é o
enunciatário do texto: Cada gênero do discurso em cada campo da comunicação
discursiva tem a sua concepção típica de destinatário que o determina como gênero.
Nota-se, então, que o enunciatário tem grande importância na constituição do estilo
do texto, uma vez que o conhecimento que se dispõe desse, tal como idade, classe
social, localização espacial etc., determina suas escolhas discursivas.
Bakhtin (2011) divide o elemento estilo em dois grupos: um voltado à
individualidade do sujeito, o que esse autor chama de estilo individual; outro para a
coletividade, denominado de estilo de gênero. No primeiro, valoriza-se a
57
singularidade do enunciador, suas escolhas particulares na dinâmica discursiva. Já
no segundo imperam os usos linguísticos, textuais e discursivos, os quais são
reconfigurados em um determinado contexto enunciativo. O estilo é, portanto,
resultante de escolhas individuais e coletivas. O sujeito não é modelado pelo meio,
tampouco pela sua soberania – sem qualquer influência do meio onde se localiza. O
que ocorre é uma tensão entre esses dois âmbitos: individual e coletivo. E é essa
tensão que gera a ação comunicativa. Vale aqui destacar que nem todo texto reflete
a individualidade do sujeito e que, dependendo do gênero, a personalidade pode ser
revelada em maior ou menor grau.
No texto publicitário o estilo verbal vale-se de sequências descritivas, a fim de
caracterizar a marca, o produto ou o serviço; argumentativas para convencer o
público sobre a qualidade ou a necessidade de se adquirir o produto; e injuntivas
para desencadear as ações de compra ou adesão, com verbos no presente do
indicativo ou no imperativo, além de linguagem que varia do mais ao menos formal,
dependendo do produto anunciado, público-alvo e meio de circulação.
Outra peculiaridade do texto publicitário é que sua organização se distingue
de outros enunciados, pois em suas linhas e entrelinhas esse impõe valores, ideais,
mitos e outras simbologias.
Segundo Carvalho (2004), quando se analisa a linguagem publicitária,
constata-se que quase sempre essa vem pautada como objeto de um “discurso
manipulador”. Por outro lado, essa autora postula que todo discurso, mesmo o
cotidiano, é voltado à própria informação e manipulação. Dizer é argumentar e tentar
impor. Nos mais diversos campos de atuação humana há uma base informativa que,
manipulada, serve aos objetivos do enunciador. A diferença está no grau de
consciência quanto à utilização dos recursos a fim do convencimento e, nesse caso,
a linguagem publicitária se caracteriza pelo emprego racional de tais instrumentos,
seja para convencer, mudar ou manter a opinião do público-alvo.
Carvalho prossegue afirmando que, diferente do mundo caótico que
vivenciamos diariamente nos noticiários, o discurso publicitário cria e exibe uma
realidade perfeita e ideal. Nessa não há guerras, fome, deterioração ou
subdesenvolvimento e ainda, nessa tudo são luzes, calor e encanto, em uma beleza
perfeita e não perecível (CARVALHO, 2004, p. 11). Dito de outra forma, é conciliado
58
o princípio do prazer com o da realidade, entretanto, quando normativa, indica o que
deve ser usado ou comprado, dando destaque à marca, ao ícone do objeto.
Ao discurso publicitário é dada a tarefa de tornar familiar o produto que vende,
ou seja, aumentar sua banalidade, porém e por outro lado, valorizá-lo com um toque
de “diferenciação”, pois é necessário destacá-lo de seus pares comuns. Ainda lhe é
conferida a missão de criar objetos de desejo, de maneira que se alcance a
felicidade e proporcione bem-estar e status de êxito ao possuidor do produto. O
estilo do discurso publicitário ainda se caracteriza pelo reforço do individualismo,
pois se concentra no enunciatário e em “seus” – o que interessa é sua roupa, sua
casa, sua saúde (CARVALHO, 2004, p. 13). Acrescentamos também que em
variados momentos o discurso publicitário se pauta no convencimento e, por vezes,
em uma linguagem autoritária sob o uso de formas verbais no modo imperativo.
Entretanto, nem sempre o uso dessa forma verbal se configura, em primeiro plano, a
uma ordem a ser seguida de maneira irrestrita ou com fundo autoritário.
No caso de slogans do sabonete Lux é interessante notar que os primeiros
não continham formas verbais no modo imperativo, vindo essas a surgir na virada do
milênio. Considerando que anteriormente se via enunciados tais como: “O sabonete
que convém à sua pelle”; “O sabonete das estrellas”; “O sabonete oficial de
Hollywood”; “Lux de Luxo é um verdadeiro tratamento de beleza”, a partir de 2000
encontrava-se nos anúncios dizeres como: “Descubra a estrela que há em você”;
“Provoque seus sentimentos”; “Revele a estrela que existe em você”; “Libere a
estrela que existe em você”; “Sinta-se luminosa. Sinta-se Lux”; “Sinta-se firme. Sinta-
se Lux”; “Sinta-se luminosa e admirada”, ao passo que atualmente temos: “Sinta-se
poderosa. Seja poderosa”; “Sinta-se fabulosa. Seja fabulosa”. Nota-se que há uma
gradação por meio dos anos: descubra, provoque, revele, libere, sinta-se, seja,
confirmando que o estilo se dá conforme seu enunciatário e seu contexto
enunciativo.
Se antes à mulher era dado imitar ou se espelhar em uma estrela de cinema,
no contexto histórico-social contemporâneo essa é a estrela, segundo Lux, que se
descobriu, que sabe provocar – e conhecer – seus sentimentos, que se revelou, que
se liberou, que se sente – ou, na atual linguagem popular, “se acha” – e, por fim, é
convidada a “ser” – poderosa e fabulosa.
59
2.5 Questão da Verbo-Visualidade
Em relação à questão da verbo-visualidade, este trabalho se ampara nos
estudos de Brait (2013, 2006) que já há alguns anos vem tratando das
especificidades do que denomina de dimensão verbo-visual de um enunciado, de
um texto. Essa autora entende que há uma dimensão em que tanto a linguagem
verbal, como a visual desempenha um papel constitutivo na produção de sentidos,
de efeitos de sentido as quais não podem ser separadas, sob pena de amputar-se
uma parte do plano de expressão e, consequentemente, da compreensão das
formas de produção de sentido dos enunciados/textos, uma vez que esses se dão a
ver/ler, simultaneamente.
Brait (2013, p. 44) entende que essa perspectiva é possível a partir da
compreensão de que os estudos de Bakhtin e do Círculo constituem contribuições
para uma teoria da linguagem em geral e não somente para uma teoria da
linguagem verbal, quer oral ou escrita. Para tanto, cita vários trabalhos e, entre os
quais, O autor e a personagem na atividade estética, especificando o segundo
capítulo, intitulado A forma espacial da personagem:
Bakhtin, dentre outros aspectos fundamentais para análise da linguagem, trata da questão do excedente de visão, da imagem, do retrato, do autorretrato visual e verbal, isto é, da representação de si mesmo, momento em que o autor é personagem. Até mesmo a fotografia ganha uma breve referência nesse texto (BRAIT, 2013, p. 45, grifo nosso).
Essa autora ainda nos acrescenta que em todos os trabalhos do Círculo nos
quais a ideia de uma teoria da linguagem ampla não vinculada ao linguístico é
indiciada, é o visual – e não o verbo-visual – que é sugerido como objeto passível de
leitura e interpretação. Para tanto, ressalta que, ao acolhermos essas sugestões,
não podemos nos esquecer da longa tradição da análise do visual e de suas
possíveis leituras e interpretações advindas da estética, da Filosofia, das diferentes
semióticas, tais como a peirceana, a francesa e a russa, além da semiologia de
Roland Barthes em seus textos sobre fotografia e retórica da imagem, trabalhos
esses compreendidos entre o final da década de 1950 até a de 1970.
Brait indica ainda que o aproveitamento explícito do pensamento de Bakhtin e
do Círculo para o estudo do visual aparece nas seguintes obras: Tekstura russian
essays on visual culture, editada por Alla Efimova e Lev Manovich e publicada em
60
1993; Bakhtin and the visual arts, de 1995; e Bakhtin reframed, de 2013, as duas
últimas da autora norte-americana, Deborah J. Haynes.
A primeira obra citada trata-se de uma coletânea que reúne textos de
pensadores que contribuem para uma reflexão sobre a cultura visual russa. Entre
esses pensadores estão Volochínov e Bakhtin. O texto A Filosofia da Linguagem e
sua importância para o marxismo, que está em Marxismo e Filosofia da Linguagem –
O estudo das ideologias e a Filosofia da Linguagem, capítulo 1, primeira parte – abre
a coletânea. A presença desse texto é justificada, segundo seus organizadores, pelo
fato desse constituir-se como fundamental para a investigação sobre a Filosofia da
Linguagem e ainda colocar o estudo do signo no centro de uma investigação com
perspectiva semiótico-filosófico-ideológica. Esse prisma constrói o que
Bakhtin/Volochínov designou como signo ideológico e é o que serve de fundamento
para a leitura do visual, da cultura visual, ainda que Volochínov, aparentemente, não
tenha se dedicado à imagem. Brait (2013) aponta ainda que uma leitura atenta do
capítulo mencionado, no qual Volochínov discute a relação entre signo e
consciência, permite localizar a passagem na qual esse se refere à materialidade do
signo em geral e não apenas do signo verbal:
Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante etc., constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN, 2006, p. 36).
Dessa maneira, é sinalizado que Bakhtin/Volochínov contribui de maneira
ampla para além dos estudos linguísticos, estendendo-se a uma teoria de
perspectiva semiótico-ideológica da linguagem.
Em relação à contribuição de Bakhtin na referida coletânea, é tomada como
embasamento A forma espacial da personagem – fragmento de O autor e a
personagem na atividade estética. Brait (2013) argumenta que os organizadores
justificam a presença desse texto a partir do momento em que o pensador russo
considera o mundo do herói de ficção a partir da criação visual da espacialidade,
conforme mediada na forma escrita. Acrescenta não se tratar de acaso ser
justamente nesse texto que surgem alguns conceitos, tais quais:
61
excedente de visão, imagem externa, exterioridade, vivenciamento das fronteiras externas do homem, imagem externa da ação, corpo exterior, todo espacial da personagem e do seu mundo – a teoria do “horizonte” e do “ambiente”, dentre outras categorias que se prestam à leitura e análise do visual (BRAIT, 2013, p. 47).
Essa autora ainda postula que foi nesse momento que Bakhtin refletiu estética
e filosoficamente sobre a representação. Para tanto, refere-se ao autorretrato, ao
retrato e à fotografia, citando artistas como Rembrandt, Vrubel, Da Vinci e Rafael,
mas sem trazer imagens:
A primeira tarefa do artista que trabalha o autorretrato consiste em depurar a expressão do rosto refletido, o que é possível com o artista ocupando posição firme fora de si mesmo, encontrando um autor investido de autoridade e princípio, um autor-artista como tal, que vença o artista-homem. Aliás, parece que sempre é possível distinguir o autorretrato do retrato a partir de uma característica um tanto ilusória do rosto, a qual parece não englobar o homem em sua totalidade, até o fim: o homem que ri no autorretrato de Rembrandt sempre provoca em mim uma impressão quase horripilante, assim como o rosto alheado de Vrubel (BAKHTIN, 2011, p. 31-32, grifo nosso).
Outro trabalho que Brait (2013) expõe sobre o visual na obra do Círculo, sua
importância e qualificação para tanto é um livro sobre estética, no qual sua autora,
Deborah Haynes, cuida da teoria da criatividade articulada que, segundo a qual, ao
longo dos ensaios produzidos por Bakhtin na década de 1920, especificamente em
seu trabalho Arte e responsabilidade, há a semente das ideias as quais o filósofo
desenvolveu até o final de sua vida, citando os textos Para uma Filosofia do ato
responsável, Autor e herói na atividade estética e O problema do conteúdo, do
material e da forma na arte verbal.
Segundo Brait (2013), Haynes persegue a teoria estética contida nesses
trabalhos e algumas categorias e conceitos fundamentais para a compreensão da
arte visual. Assim, a autora procura compreender e explicar essa estética tanto sob
uma perspectiva teórica, quanto da possibilidade de aplicação dessa aos objetos
visuais de diferentes momentos históricos, ou mesmo da pós-modernidade. Haynes
procurou demonstrar que Bakhtin traz de volta a “estética do processo criativo, a
atividade do artista ou autor que cria”. Parafraseando essa pesquisadora, pode-se
dizer que o filósofo não dá uma definição fechada e acabada sobre a estética, mas
sim a compreende como uma maneira a qual o ser humano dá forma à sua
experiência, como se apercebe de um objeto, de outro ser humano e ainda, como dá
forma a essa percepção em um todo sintetizado.
62
Haynes procura demonstrar que aquilo que Bakhtin entende por processo
criativo é importante para artistas, historiadores da arte e teóricos de arte, em uma
visão plena de interdisciplinaridade. Haynes utiliza tais ideias para análises da arte
visual. Dessa maneira, retoma outro conceito bakhtiniano, segundo Brait (2013), que
é o da reacentuação, ou seja, o sentido de que as ideias não vivem apenas no
criador, mas sim e também no intérprete. Brait (2013) ainda nos lembra de que
Haynes apercebe-se de que Bakhtin faz poucas referências – e essas
significativamente esparsas – ao visual, entretanto, entende que suas ideias podem
ser aplicadas às artes visuais. Fica para a autora o que o filósofo pode corroborar e
ensinar sobre o processo criativo, a estética filosófica e a Filosofia da criatividade
artística e sua possibilidade de aplicação ao que Haynes denomina arte histórica e
arte contemporânea.
Brait (2013) dá prosseguimento em seu artigo, agora discorrendo sobre o
segundo livro de Deborah Haynes, esse que é uma espécie de extensão do
primeiro, o qual também trata da estética bakhtiniana, criatividade e processo
criativo, o artista, o trabalho artístico, entre outros itens e o finaliza pontuando que as
três obras citadas mobilizam as contribuições do Círculo para o estudo das artes
visuais e que, ainda, isso propicia um leque significativo de conceitos/categorias que
podem ser utilizados para a leitura e interpretação do visual a partir de questões que
exigem, para sua resposta, posicionamento epistemológico, teórico e metodológico
rigorosos.
Em relação à verbo-visualidade e ao verbo-visual, Brait (2013) aponta que se
faz necessário distinguir alguns aspectos que considera fundamentais: as obras
supracitadas recuperam os trabalhos do Círculo para a leitura e interpretação do
visual, da cultura visual. Porém, outra coisa é o estudo que procura explicar o verbal
e o visual casados e articulados em um único enunciado. Segundo essa autora, tais
ocorrências podem vir:
Na arte ou fora dessa;
Possui gradações que ora pendem mais para o verbal, ora mais para o visual,
porém, organizadas em um único plano de expressão;
63
Sua organização situa-se em uma combinatória de materialidades e em uma
expressão material estruturada.
Acrescenta que, além das sugestões presentes nas obras citadas, há a
possibilidade de se tomar as relações dialógicas como uma categoria fundamental
para se juntar às demais levantadas por Efimova, Manovich e Haynes como
essenciais para a análise do verbal, do visual e, como consequência, do verbo-
visual, dada sua natureza de teoria do discurso, que trabalha com enunciados
situados sempre em tensão.
A fim de exemplificar o que foi aqui formulado, tomaremos para breve análise
verbo-visual uma peça publicitária veiculada pela Unilever em 2002, ano no qual
essa empresa inovou ao lançar no mercado a primeira linha de sabonetes voltados
especificamente às mulheres de pele morena e negra. A campanha foi
protagonizada pela atriz Isabel Fillardis:
Figura 6 – Peça publicitária Unilever, 2002 Fonte: Centro de História Unilever
A peça é composta de maneira que o visual e o verbal são constituídos ao
mesmo tempo, construindo e articulando juntos os sentidos e os efeitos de sentidos.
Tal qual colocado por Brait (2013), não é possível separar essas duas linguagens
64
sob pena de amputação de uma parte de seu plano de expressão e,
consequentemente, da compreensão das formas de produção de sentido do
enunciado, uma vez que esse se dá a ver/ler simultaneamente. O texto traz a atriz
em Primeiríssimo Plano (PP) de enquadramento, chamado também de big close-up,
no qual a figura humana é enquadrada dos ombros para cima, com destaque a seu
rosto. Isabel Fillardis se apresenta coberta por espuma proporcionada por seu
suposto banho e traz o rosto maquiado de maneira discreta com batom, sombra,
lápis para os olhos, entre outros itens possíveis, os quais ressaltam de maneira
suave seus traços. Em sua mão está o sabonete da Unilever, Lux Skincare, linha
específica para a pele morena e negra, que apresenta cor dourada, a qual também
remete a luxo e sofisticação. Abaixo da protagonista se vê uma embalagem do
produto, tendo a seu lado os seguintes dizeres:
Lux Skincare.
Uniformidade da Pele
Morena e Negra.
Sua pele por inteiro.
Ainda na embalagem é possível observar duas pérolas, uma de cor “morena”
e a outra de cor negra, representando os tons de pele de seu público-alvo e uma
modelo negra com cabelos cacheados, longos e impecavelmente arrumados. Essa
modelo ainda veste uma peça de roupa branca, com um decote em “V” mais aberto,
pronunciando seus ombros e dando a impressão de que é mais uma pérola a pousar
em uma concha – o formato do decote de sua peça de roupa propicia tal leitura. A
embalagem ainda traz tons marrons e um traço dourado com pinceladas que
reproduzem luz, sombra e nuances que ao mesmo tempo remetem à delicadeza e à
sofisticação.
65
Figura 7 – Lux Skincare Fonte: Centro de História Unilever
Acrescentando-se, no canto superior esquerdo há os seguintes dizeres:
Ligue o Chuveiro.
Cubra-se de Espuma.
Transforme-se
em Pérola Negra.
O uso do verbo no modo imperativo reproduz uma das características do
gênero discurso publicitário, o qual pode trazer em sua linguagem um tom que indica
ordem ou pedido com o intuito de aderência às ideias sugeridas, entretanto, a
maneira como foi disposto à consumidora ilustra um exemplo de manual de
instruções, como se dá em uma tipologia injuntiva, uma vez que a potencial
consumidora deverá seguir algumas instruções que a conduzirão a uma mudança,
com a finalidade de “transformar-se” em uma pérola negra. Dessa maneira,
precisará executar as seguintes ações:
Ligar o chuveiro;
Cobrir-se de espuma;
Transformar-se.
O texto conota a ideia de transformação da consumidora em uma joia e mais
do que preciosa, rara, praticamente única. O mais interessante é que para isso
ocorrer essa depende apenas de si própria para executar as ações ordenadas e um
sabonete Lux da linha Skincare, pele morena e negra.
66
Segundo texto consultado em Hypescience – disponível em:
<http://hypescience.com/o-que-faz-com-que-uma-perola-apresente-a-coloracao-
negra> –, pérolas negras são muito mais raras se comparadas às de tonalidade
clara. São formadas em uma ostra específica, natural do Taiti, a Pinctada
margaritifera que, ao contrário das outras espécies, possui em seu interior uma listra
de coloração negra. Se o grão de areia pousar em contato com essa listra e houver
a formação da pérola, o produto resultante será da cor negra. No entanto, mesmo
entre as Pinctada margaritifera isso é um fenômeno raro, sendo que sua ocorrência
se dá apenas entre uma a cada dez mil.
Isso colocado, podemos propor que a peça publicitária apresenta a ideia de
valorização do negro, colocando-o em posição de igualdade aos personagens
brancos e destituindo-o de estereótipos vigentes como, por exemplo, as
representações da mulher negra com vínculo de cunho sexual e/ou sensual, ou
como mera figurante, muitas vezes apagada ou desempenhando papéis subalternos
e de baixo prestígio social. Além do mais, há a conotação de que o produto valoriza
o tom de pele negro, tornando-o mais negro e não o inverso.
Devemos observar então que essa peça traz traços de uma publicidade
contra intuitiva que, segundo nos aponta Fry (2002, p. 308), é uma tentativa
deliberada de romper com os antigos estereótipos na produção que se pode
denominar de cartazes contra intuitivos. Essa ideia surge como proposta de
visibilidade do campo publicitário às minorias raciais e promove a releitura de
conteúdos estereotipados e negativos aos grupos estigmatizados e marginalizados.
Se antes o negro era visto como produto, ou seja, mercadoria anunciada nos jornais
da primeira metade do século XIX, um longo caminho foi percorrido até que esse
passou de produto à público-alvo e mercado consumidor.
De todas as maneiras, não se pode ter a ingenuidade de acreditar que a
empresa Unilever quis apenas inovar, criando e veiculando uma peça que
apresentasse engajamento contra o preconceito. Não se deve esquecer de que
foram décadas de comerciais dirigidos às mulheres em geral, porém, tendo como
base atrizes em sua maioria com características e traços europeus, brancas, sendo
que em nosso país há uma mescla de várias etnias, portanto, mulheres com traços
diversificados, do negro ao asiático, do branco ao indígena.
67
O que podemos inferir é que houve o reconhecimento da presença desse
público e o mercado consumidor quis alcançá-lo, tendo em vista a fatia significativa a
qual representavam e que não deveria ser desconsiderada.
Prosseguindo com a análise, observa-se que o enunciado colocado ao lado
da embalagem do produto traz um discurso atenuado, sem a tonalidade da ordem e
com tendência à sugestão:
Lux Skincare – o que pode lhe proporcionar?
Uniformidade à sua pele morena ou negra;
Sua pele por inteiro.
Apesar da falta de coesão na superfície do texto, toda a coerência é retomada
e constituída por meio de informações subentendidas pelo público-alvo nas relações
dialógicas extratextuais. A pele negra, por características que lhe são intrínsecas,
carece de cuidados e hidratação extras. Por ser mais espessa, retém a oleosidade
e, por isso, a hidratação não se distribui de maneira uniforme, o que acarreta
pequenas rachaduras. Além do mais, o inverno confere à pele um tom acinzentado e
asperezas. Assim, quando se usa Lux Skincare – cujo próprio nome já carrega um
significado semântico de cuidado com a pele – há o entendimento de que a pele da
consumidora será cuidada por inteiro, de maneira uniforme. A ideia dessa hidratação
uniforme e completa retoma a ideia de que a empresa entende das preocupações
desse público-alvo e, assim, cuida-o por inteiro, não apenas em sua pele, mas em
resolver suas preocupações.
Isso colocado, entendemos que a comunicação verbo-visual da peça
publicitária dá conta do efeito de sentido que pretende passar, ou seja, a valorização
da mulher de pele negra, não tratada de maneira estereotipada e tampouco de
cunho subalterno, mas sim, colocada em papel de destaque, simbolizando uma
pérola negra, ou seja, uma joia rara e preciosa, o que traz o diálogo dessa ideia à
consumidora de pele morena ou negra, e ainda a valorização de seu tom de pele, de
sua identidade, assim como a preocupação de cuidado com suas características
peculiares.
68
Assim, antepõe-se, igualmente, que a palavra é sensível às transformações
ocorridas na estrutura social e registra todas essas mudanças. Dessa maneira, o
negro que antes era tido como produto anunciado, ganha papel de destaque nessa –
e em outras – peças publicitárias. Nesse ínterim, confirmamos que o signo
bakhtiniano é ligado à mutabilidade, uma vez que reflete as condições do meio
social e são tecidas a partir de uma infinidade de fios ideológicos, portanto, figurando
sempre como o indicador mais sensível de todas as transformações sociais.
2.6 Ideologia da Palavra e da Imagem
Segundo Miotello (2006), ideologia é um conceito fundamental nos trabalhos
e no pensamento de Bakhtin e de seu Círculo. Diferentemente de Marx e Engels, os
membros do Círculo aprofundaram questões que aqueles apenas haviam tocado.
Além do mais, o Círculo combateu a perspectiva de como a ideologia era defendida
por estudiosos de então, que entre outras questões, colocavam a ideologia ora na
consciência, ora em um pacote pronto e, ainda, entendida e desenvolvida sob cunho
de um interior individual e, dessa forma, não sendo compreendida como um
acontecimento vivo e dialógico.
Bakhtin e o Círculo conceberam a ideologia inserida no conjunto de todas as
outras discussões filosóficas, tratadas de maneira concreta e dialética, como a
questão da constituição dos signos e da subjetividade. Ainda construíram o conceito
tendo como fundo o movimento, que sugere reação às transformações que se dão
nas esferas produtivas, na organização social e na comunicação interpessoal, tendo
ainda a ideia de que esse sempre ocorre entre a instabilidade, estabilidade e mais,
na concretude do acontecimento. Em outras palavras, ideologia deve ser
considerada um sistema sempre atual de representações da sociedade e do mundo
constituído a partir de interações, suas referências e ainda nas trocas simbólicas
construídas por determinados grupos sociais. Isso significa que há destruição e
reconstrução de concepções nos grupos sociais, seja nos que trazem o discurso
oficial, relativamente estável, seja nos que trazem o discurso da ideologia do
cotidiano, do acontecimento, relativamente instável.
Dessa forma, defrontando-se esses conjuntos ideológicos antagônicos,
Bakhtin e seu Círculo tiveram a oportunidade de estabelecer uma relação dialética
69
entre ambos na concretude e ainda na formação de um contexto ideológico
completo, único, de relação recíproca e que não perde de vista o processo global de
produção e reprodução social. Em texto escrito em 1930 e intitulado Que é a
linguagem, Volochínov definiu ideologia da seguinte maneira: “Por ideologia
entendemos todo o conjunto dos reflexos e das interpretações da realidade social e
natural que tem lugar no cérebro do homem e se expressa por meio de palavras [...]
ou outras formas sígnicas” (VOLOCHÍNOV apud MIOTELLO, 2006, p. 169). Assim,
esse teórico entende que a ideologia não cabe ser tratada como falsa consciência
ou como expressão de uma ideia, mas sim ser concebida como expressão de uma
tomada de posição determinada (VOLOCHÍNOV apud MIOTELLO, 2006, p. 169).
O pensamento de Bakhtin e do Círculo advém da concepção de que para a
constituição da ideologia, a comunicação da vida cotidiana é relevante, pois essa
possui vínculo tanto com os processos de produção material da vida, na
infraestrutura, quanto na superestrutura e suas diversas esferas ideológicas
especializadas e formalizadas. Isso nos endossa a ideia de que mesmo os
encontros casuais e fortuitos do dia a dia, constituem-se como base fundamental
para a ideologia, solo propício para sua instalação, mesmo que não tragam
consequências mais relevantes para o desenvolvimento do pensamento.
Miotello (2006, p. 171) acrescenta ainda que dessa forma é possível outra
acepção e não apenas a ideia de que há uma “ideologia dominante como face da
moeda em que o outro lado é a ideologia dominada, propondo posição
subalternizada e desigual na luta”. Caracteriza ideologia desde a perspectiva
bakhtiniana como a expressão, a organização e a regulação das relações histórico-
materiais dos homens e mais, concebe que a “superestrutura não existe a não ser
em jogo e relação constante com a infraestrutura” e “essa relação é estabelecida e
intermediada pelos signos e por sua capacidade de estar presente em todas as
relações sociais” e mais, “em cada uma delas os signos se revestem de sentidos
próprios, produzidos a serviço dos interesses daquele grupo” (MIOTELLO, 2006, p.
171).
Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Volochínov (2006) afirma
que todo produto ideológico faz parte de uma realidade, seja natural ou social, como
um corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo, porém, ao
70
contrário desses, o produto ideológico também reflete e refrata outra realidade, que
lhe é exterior. Ou seja, tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo
situado fora de si. Em suma, tudo que é ideológico é um signo e sem signos não
existe ideologia. Dessa maneira, entende-se que um corpo, instrumento de produção
ou produto de consumo, pode se revestir de um sentido ideológico, mas dado outro
contexto e circunstância, fazem apenas parte da realidade material, tal como o vinho
que é servido em atividade religiosa cristã, esse representando o sangue de Cristo,
mas que fora desse contexto seria apenas um produto de consumo.
Acrescente-se que todo signo está sujeito aos critérios de avaliação
ideológica, ou seja, se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom etc., e mais, o
domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos e é nesse “lugar” onde o
signo se encontra que se localiza também o ideológico – tudo que é ideológico
possui valor semiótico e isso tudo se dá de maneira determinada sócio-
historicamente, além de ser materializado na comunicação incessante que se dá nos
grupos organizados ao redor de todas as esferas das atividades humanas
(MIOTELLO, 2006, p. 170). Portanto, é na linguagem que ocorre de maneira mais
clara e completa a materialização do fenômeno ideológico. A representação do
mundo é melhor expressa por palavras, pois não precisa de outro meio para ser
produzida a não ser o próprio ser humano em presença de outro ser humano
(MIOTELLO, 2006, p. 171).
Cada palavra funciona como agente, memória social e por sua capacidade de
estar em todos os lugares, em contextos diversamente orientados, é tecida por uma
multidão de fios ideológicos, os quais podem ser contraditórios entre si, dada a
constituição em todos os campos das relações e dos conflitos sociais. Nesse ínterim
há o eco de diversas vozes nos signos que carregam contradições ideológico-sociais
entre o passado e o presente, entre várias épocas do passado, entre grupos do
presente e até entre os “futuros possíveis” e contraditórios. Nesse contexto, o meio
social envolve o indivíduo que é uma função das forças sociais. “O eu
individualizado e biográfico é quebrado pela função do outro social” (MIOTELLO,
2006, p. 175).
No discurso publicitário, o fio ideológico é pautado no poder, na conquista e
na sedução, entretanto, sem se esquecer de que há a manutenção da
71
superestrutura, por meio da representação de que o indivíduo tem de si, do outro e
de representações que incluem ideias, valores, normas e regras construídas entre
as relações sociais, tais signos atribuem características de valor.
Se o Círculo nos aponta que o campo de criatividade ideológica tem seu
próprio modo de orientação para a realidade e a refrata à sua própria maneira,
podemos entender que a área publicitária o faz – ou procura fazê-lo – de forma
eficaz em função de seus próprios interesses, atendendo, assim, à sua função no
conjunto da vida social. Podemos também acrescentar que o discurso publicitário
vale-se muito bem desse conceito, pois a partir do qual é possível refletir e refratar
outra realidade aos olhos do consumidor.
Bakhtin/Volochínov (2006) aponta que todo signo representa um ponto de
vista, pois representa a realidade a partir de um lugar valorativo. Ainda nos é
colocado que tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado
fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos
não existe ideologia (BAKHTIN, 2006, p. 31). Dessa forma, o discurso publicitário
vale-se da construção e constituição de signos e da ideologia, os quais o
consumidor interpreta e se apodera como referência de status, manutenção de bem-
estar ou de sentimento de eficiência.
Se refletirmos sobre a representação do sexo feminino, ao tomarmos
anúncios veiculados para esse público – excluindo-se, neste momento, peças
publicitárias voltadas ao público masculino que, na maioria das vezes, trazem
mulheres relacionadas à sexualidade como objeto –, tradicionalmente essa
representação é pautada em papéis nos quais as mulheres representam mães e
esposas dedicadas, sustentando o ideal feminino de prendas domésticas, como nos
aponta Vestergaard e Schroder (2004), ignorando, por exemplo, que as mulheres já
fazem parte do mercado de trabalho.
Dessa forma, o papel de responsabilidade para a manutenção de uma família
feliz e protegida continua sendo outorgado à mulher, de modo que é essa quem
protagoniza junto a seus filhos e marido propagandas de inseticidas, aromatizadores
de espaços, alimentos – preferencialmente saudáveis, ou ao menos com aparência
de tal –, roupas, medicamentos e, em contraponto a isso, pouco se vê, por exemplo,
72
mulheres vinculadas como potenciais compradoras de carros, principalmente se se
tratarem de automóveis de luxo ou que conotem status, poder ou agressividade.
Quando associadas a esse tipo de produto, tais mulheres vêm com o “pacote
família feliz” e a preocupação feminina nesse caso seria a de que o automóvel
atendesse às necessidades de seus entes queridos e que apresentasse uma “cara
mais família”, assim como remetesse à segurança, estabilidade, economia, entre
outros itens.
Em relação à economia, trata-se de outro quesito solicitado à mulher, pois
além de exímia mãe e dona de casa, deve exercer esse papel com a lisura de uma
ministra da economia. Não obstante a essa ideologia, atualmente a imagem
dominante de feminilidade se dá também nos quesitos de beleza e boa forma. Há,
neste momento, a transição ou moldamento da mulher doméstica para a mulher
fascinante. A fim de cumprir essa proposta, há o apagamento do discurso da “mulher
mãe” e dona de casa para o surgimento de uma imagem voltada para si e para seus
interesses particulares. Salienta-se que ambos os discursos podem caminhar um ao
lado do outro, como já dito, emaranhando-se em seus diversos fios ideológicos.
Esse ideal de beleza e de boa forma transfigurou-se na nova camisa-de-força da feminilidade, exigindo que as mulheres entrem em competição, mediante a aparência, pela atenção do marido, do namorado, do patrão e de todo espécime do sexo masculino que por acaso encontrem (VESTERGAARD; SCHRODER, 2004, p. 122).
Apesar de a mulher tratar de seus interesses particulares, em uma postura
ativa, sua atividade consiste em transformar-se em um objeto passivo, à espera da
iniciativa do homem. Esses autores ainda postulam que, em sua maioria, as
mulheres foram criadas para aceitar a subserviência como algo natural. Dessa
forma, as imagens tradicionais de feminilidade podem adquirir, de modo
subconsciente, a condição de refúgio no qual os papéis estão bem definidos e não
há conflitos de identidade. Para Vestergaard e Schroder (2004, p. 134), tudo leva a
crer que a publicidade explora o anseio nostálgico das mulheres – e dos homens –
pelos tempos em que a vida parecia mais singela.
73
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DO CORPUS
O presente capítulo destina-se à reflexão e análise do corpus, esse
constituído de três peças publicitárias em diferentes épocas. Procurou-se demarcar
os contextos, pois esses influenciaram decisivamente tanto as escolhas
enunciativas, quanto as respostas do público-alvo, tendo em vista a aceitação de
cada produto.
3.1 Lux de Luxo: Campanha Internacional – Estrelas de Cinema (1973)
Ao esboçarmos uma pequena contextualização histórico-social da mulher da
década de 1970, temos as seguintes considerações:
O cenário brasileiro dessa década foi pautado pela consolidação da indústria,
investimento estrangeiro no País e, no ângulo político-administrativo, sob a ditadura
militar. Assim, censura e repressão fizeram parte do cotidiano dessa sociedade.
Quanto ao universo feminino, seu modo de pensar ainda era pautado na
ideologia das décadas anteriores. Portanto, a concepção que se tinha era a de que à
mulher cabia o papel de prestimosa mãe, excelente esposa e eficiente dona de
casa. Acerca das moças solteiras, o discurso vigente da família e da sociedade era
que essa “não deveria se perder”, a fim de que se mantivesse “moça de família”, ou
seja, pura e casta até o casamento. Dessa forma, mesmo tendo dado seus primeiros
passos no mercado de trabalho e conquistado certa autonomia, além de ter
ampliado seu direito e acesso à educação, a mentalidade brasileira até então não
era acostumada com certas “modernidades”.
A mídia, por sua vez e representada em parte por revistas femininas, ao
mesmo tempo em que incentivava atitudes progressistas e transgressoras, sugeria
restrições e punições a quem infringisse as regras sociais. Dessa forma, novos
costumes e ideias de liberdade eram recebidos com curiosidade e desconfiança.
Virgindade, sexualidade e prazer feminino eram vistos como tabus. Muitas mulheres
também tinham o sexo como “obrigação de esposa”, ao lado de cuidar dos filhos ou
fazer compras. Dessa forma, aprenderam que o sexo é vinculado à instituição
74
casamento e condenado fora desse. Pensando nisso, Teixeira e Valério (2008)
apontam que as revistas femininas da época traziam em suas publicações textos
sobre como agradar o marido debaixo dos lençóis como medida para trazer,
revitalizar ou perpetuar o amor. Se o enunciador, ao construir seu dizer, pauta-se em
seu interlocutor, podemos observar que a mulher da década de 1970 continuava nas
“mãos” dos homens e todo seu esforço, seja como mãe, mulher, esposa e/ou dona
de casa sempre era para agradá-los. Foi nesse contexto que surgiu o novo Lux.
Lux de Luxo nasceu em 1973, dez anos após a Unilever obter o direito de
utilizar seu nome internacional – Lux – em seus sabonetes no Brasil, anteriormente
designados como Lever.
Fatores como o período de desenvolvimento pelo qual o País passava, a
introdução das mulheres no mercado de trabalho, mesmo que discretamente, a
explosão de consumo e a franca concorrência com outras empresas, tudo isso
corrobora para que a Unilever traçasse estratégias para prosseguir líder no mercado
desse segmento. Além do mais, a intenção era alcançar não apenas a mulher e seu
núcleo familiar, mas também àquela que estivesse disposta a pagar um pouco mais
por seu pequeno luxo diário e particular.
Dessa maneira, a linha de produção de Lux foi segmentada em duas opções:
a linha básica, denominada como Tradicional e voltada para o uso familiar; e Lux de
Luxo, mais requintado e com maior poder de hidratação, segundo promessa da
empresa à consumidora. Aliás, esse era designado como “Um verdadeiro tratamento
de beleza à sua pele”. Esse slogan dialoga com o momento em que a mulher
passava em relação ao seu ideal de beleza – o mote da vez era a beleza natural,
pele e face limpa. Dessa forma, ao protagonizarem as campanhas de Lux de Luxo,
as estrelas surgiam com o aspecto mais natural possível, longe da ostentação e
holofotes de Hollywood, por exemplo.
Em campanha veiculada para a televisão, a atriz britânica Julie Christie surgiu
no meio de um campo florido, ora andando de bicicleta, ora passeando em um barco
tocado a remo com “seu” cachorro de estimação, como qualquer mortal, tal como
imagens retiradas da página web do Centro de História Unilever – disponível em:
<http://www.unilever.com.br/aboutus/centro_de_historia_unilever/historiadasmarcas/l
ux>.
75
Figuras 8 e 9 – Julie Christie em Lux de Luxo Fonte: Centro de História Unilever
Nessa peça publicitária a atriz usava uma roupa singela e aparentemente
estava sem maquiagem. A intenção era a de criar a perspectiva de que a estrela de
cinema e a mulher comum estavam no mesmo patamar e tal qual a segunda, a
celebridade também vivia situações comuns. Quando o narrador pergunta à atriz
qual é o seu segredo de beleza, essa simplesmente responde, olhando para a tela:
“Eu uso Lux”.
Quanto à apresentação da embalagem, sua construção verbo-visual se
constituía da seguinte maneira:
O sabonete vinha acondicionado em papel especial, brilhante e de aparente
boa qualidade. Apresentava-se também em cores que correspondiam às dos
sabonetes embalados: branco, rosa, azul e verde. Não há informação a respeito de
possíveis diferentes fragrâncias representadas em cada tonalidade de embalagem –
o que ocorreu nas décadas posteriores, por exemplo. Na verdade, não há
informação quanto a qualquer tipo de fragrância. O destaque se dava apenas para a
ação hidratante do produto: Espuma – creme hidratante –, conduzindo a
consumidora na crença de que a espuma do produto, por si, já provoca a ação de
hidratação da pele. Quanto ao restante da construção verbo-visual, há a imagem de
uma atraente mulher, com traços europeus, envolta por uma moldura dourada. Essa
pousa para a câmara com um sorriso levemente esboçado. O logo Lux vem escrito
em traços fortes, negritados e com linhas retas, ao passo de que “de Luxo”,
apresenta-se com rabiscos suaves, cheios de curvas e como que traçados
delicadamente por uma mão feminina. Junto à moldura há duas rosas, com pétalas
em seus galhos, como se tivessem sido colhidas em seu desabrochar.
Desabrocharia Lux também a beleza da mulher? Além do mais, as pétalas podem
76
conferir a ideia de que a pele da consumidora, após a ação do creme hidratante de
Lux, teria o mesmo toque macio e sedoso.
Quanto à peça veiculada na mídia impressa, para esta análise conseguimos
um exemplar retirado de uma edição – n.º 1.088 – da revista Manchete, com data de
circulação em 24 de fevereiro de 1973. tal propaganda está abaixo reproduzida, mas
também ampliada e dividida nos três Anexos que compõem este trabalho.
Figura 10 – Julie Christie em Lux de Luxo Fonte: Manchete, n. 1.088, 24 fev. 1973.
Julie Christie foi a atriz escolhida para protagonizar a campanha de
lançamento de Lux de Luxo, tanto na mídia impressa, quanto na televisiva, como já
mencionamos. Em relação à propaganda impressa, sua constituição se mostra da
seguinte forma:
Propaganda de duas páginas inteiras, veiculada na revista Manchete, com o
rosto da atriz ao lado esquerdo e texto ao lado direito.
O fundo é composto pela cor salmão, a qual contrasta com o negro dos
dizeres e promove destaque especial ao sabonete e sua embalagem branca, assim
como à rosa disposta cuidadosamente ao lado do produto. Essa flor apresenta parte
de seu galho com folhas frescas, espinhos e está como que se fora recém-colhida.
Remete às flores da embalagem e, assim como essas, representa o toque macio e
aveludado. Por se apresentar em fotografia e não desenhada como na embalagem,
imprime o sentido de frescor à pele da consumidora de Lux de Luxo.
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O cabelo da atriz apresenta moldura em volta de si, com contornos em um
tom um pouco mais forte na cor salmão, o que cria difusão junto ao cabelo louro com
mechas douradas e ainda a seu tom de pele e boca. A sensação que se tem ao se
observar a imagem é a de que Julie Christie funde-se ao cenário, como se essa e
sua pele apresentassem unicidade e homogeneidade à cor de fundo, o que vem
promover maior destaque ao sabonete. Assim, toda a força de significado da estrela
integra-se à Lux em um encapsulamento.
Acrescenta-se que as únicas imagens com maior resolução de nitidez são a
da rosa, da embalagem e do sabonete, que aparece de maneira coadjuvante, o que
entende-se proposital, uma vez que a intenção é realmente destacar o produto, dado
o efeito realizado por meio da imagem da atriz. Deve-se ainda acrescentar que,
contrastando com a imagem de Christie, há a modelo da embalagem do sabonete,
essa que traz os cabelos impecavelmente arrumados – possivelmente com o auxílio
de laquê –, ostentando um sorriso ao tipo de Monalisa e emoldurada, ao passo que
a atriz traz os cabelos desalinhados e a pele sem maquiagem, conotando a ideia de
uma mulher natural e comum, mesmo sendo uma atriz famosa. Essa constituição de
imagem aproximam celebridade e consumidora, pela possibilidade de equiparação
às condições de igualdade de quem compra com a estrela.
Quanto à análise linguística, tem-se as seguintes marcas:
AGORA LUX DE LUXO Único com creme hidratante Finalmente um sabonete que protege sua beleza. Lux de Luxo contém agora o que nenhum outro sabonete contém: um creme hidratante que se transforma numa espuma que limpa profundamente, hidrata e conserva a sua pele ainda mais macia. Lux de Luxo é um verdadeiro tratamento de beleza que você faz quando lava o rosto. E seu perfume V. nunca sentiu antes: é envolvente e delicioso. Julie Christie, de pele tão linda, usa o mesmo sabonete que você usará: Lux de Luxo, o único com espuma creme hidratante.
Ao lado esquerdo do sabonete há ainda as seguintes informações: “Novo
formato, em branco, rosa, azul e verde” – escritas em letras menores, mais discretas
e abaixo do sabonete, com letras maiores novamente com destaque: “Lux de Luxo é
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um verdadeiro tratamento de beleza”. Ao lado da atriz, há seu nome, ali posicionado
para identificá-la.
Inicia-se a análise com: “AGORA LUX DE LUXO/ Único com creme hidratante”.
Primeiramente, destaque-se o uso das letras em caixa alta, negritadas e
dispostas no centro da página, como se fosse uma chamada, uma manchete, algo
que fosse necessário chamar a atenção. Posteriormente, o advérbio de tempo agora
confere temporalidade presente ao enunciado. “Agora, neste momento, Lux é Lux de
Luxo”. Ou seja, ganhou status que necessita ser anunciado, pois antes era apenas
Lux. A família cresceu, surgindo um produto que, então, pode ser considerado de
primeira linha, pois seu status é conferido à qualidade singular que lhe é atribuída:
único com creme hidratante. Tal vocábulo expressa semanticamente valor de
exclusividade. Assim, o enunciatário poderá ler: Neste momento, Lux ganhou ares
de um sabonete de Luxo e o único do mercado que tem ação hidratante para a
minha pele, sendo esse seu principal diferencial.
Prosseguindo: “Finalmente um sabonete que protege sua beleza”.
Finalmente, por ser um advérbio de finalidade, além de construir um sentido
de que se chegou ao lugar desejado, indica uma ideia de alívio pela chegada de
algo que era necessário e esperado, mas que levou algum tempo para se
manifestar. Como todos precisam de proteção, há a indicação de que o sabonete
protegerá a beleza da consumidora e, ainda, o uso do pronome possessivo sua,
indicando a pessoa do discurso que traz a enunciatária para dentro do texto, assume
que essa já é bela e que Lux apenas protegerá e preservará algo que já lhe é
intrínseco. Além do mais, está embutida a ideia de acolhimento e preocupação que
Lux tem por sua consumidora, ao se preocupar em preservar sua beleza,
oferecendo-lhe um produto capaz de cumprir essa necessidade.
“Lux de Luxo contém agora o que nenhum outro sabonete contém:”
Agora é outra marca semântica que indica tempo e ainda conota que antes o
sabonete Lux não possuía um creme hidratante, porém, o enunciatário apaga – ou
tenta minimizar – essa informação, dizendo que nenhum outro sabonete a contém.
Se Lux não continha ação hidratante, os outros sabonetes também não, entretanto,
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o fabricante corrige essa falha e agora Lux de Luxo possui essa característica e,
assim, passa à frente de seus concorrentes.
“um creme hidratante que se transforma numa espuma que limpa
profundamente”.
Segundo o enunciado, o creme hidratante se transforma em uma espuma que
higieniza profundamente a pele da consumidora, marcado linguisticamente pela
expressão limpa profundamente, verbo e advérbio intensificador. Isso acrescenta a
ideia de que, ao adquirir o produto, receberá com esse um cuidado extra para a
manutenção de sua beleza, ou também a possibilidade de ser tão bela quanto à
estrela que protagoniza o comercial. Pode-se dizer, ainda, que a ideia de limpeza
profunda, marcada pelo advérbio de intensidade, indica que Lux vai a fundo no
cuidado a que se propõe. Interessante notar as relações dialógicas com as quais
essa ideia articula-se com a propaganda do sabonete Dove, de propriedade também
da empresa Unilever, que veio a ser lançado no País em 1992, ou seja, quase vinte
anos após o sabonete Lux de Luxo, cujo slogan afirma que “Dove é muito mais do
que um sabonete, é um verdadeiro tratamento de beleza”. Dessa maneira, muda-se
o nome, o produto, porém, mantém-se o conceito.
“hidrata e conserva a sua pele ainda mais macia”.
Novamente a ideia de preservação do aspecto físico, no caso, a pele e o uso
das palavras ainda mais, trazendo mais uma vez a informação que, segundo Lux, a
consumidora possui pele macia, de modo que o uso de mais é apenas um
intensificador. O produto, mais uma vez, apenas vem ratificar a beleza natural que a
mulher tem.
“Lux de Luxo é um verdadeiro tratamento de beleza que/ você faz quando
lava o rosto”.
Tratamento de beleza que a consumidora teria à disposição por um preço
módico, no conforto de sua casa, bastando apenas para isso, lavar seu rosto.
Interessante é o fato de que o discurso realmente muda conforme a evolução social
e histórica da sociedade e o enunciador realmente leva em conta seu enunciatário e
constrói seu enunciado baseando-se nesse. Para isso, tomamos um texto para
comparação, produzido para anunciar o sabonete Dove, que é de propriedade da
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Unilever, ou seja, mesma voz enunciadora. O texto – na integra e cujos grifos são do
autor – é retirado da página web da Dove, especificamente na sessão Artigos e
dicas e encontra-se em veiculação à ocasião de redação desta dissertação.
Por que Dove não resseca a pele como os outros sabonetes?
Todos já sentiram na pele o ressecamento que a maioria dos sabonetes causam e sabe que Dove é muito diferente: ao contrário dos outros, ele deixa a pele mais hidratada e macia. Mas você já parou para se perguntar por quê?
Para responder isso, precisamos entender o que acontece quando lavamos a pele: os sabonetes, para limpar, precisam remover as células mortas da pele e suas impurezas, como sujeira e bactérias, e também o excesso dos óleos naturais. Para isso, eles possuem surfactantes, que são substâncias que diminuem a tensão superficial da água e, assim, conseguem dissolver e eliminar as gorduras. O problema é que esses surfactantes acabam penetrando na pele e prejudicam a queratina, um dos seus principais componentes, e também eliminam completamente os lipídeos que formam o seu óleo protetor. Com isso, a pele perde a defesa natural que a ajuda a manter a hidratação e o resultado é uma pele seca, sem brilho, que, em casos mais graves, chega a provocar coceira e sensação de pele esticada.
Já Dove é diferente, pois possui uma tecnologia exclusiva que permite um surfactante menos agressivo: ele consegue eliminar a sujeira e as impurezas, mas não chega a danificar a pele. Além disso, 25% da barra do sabonete é composta por creme hidratante, o que corrige imediatamente qualquer dano que venha a ser causado por ele, deixando a sua pele macia e hidratada. Outra característica importante é que, ao contrário da maioria dos sabonetes, o pH de Dove é neutro e não básico e, por isso, não altera a composição da sua pele.
Mesmo assim, há quem pense que quem tem a pele naturalmente oleosa não pode usar Dove. Isso não é verdade, pois ele é dermatologicamente testado e indicado para todos os tipos de pele. Afinal, justamente pelo fato de ser menos agressivo que os outros sabonetes, ele não causa lesões e nem aumento das acnes e, por isso, pode ser usado até mesmo no rosto. Então aproveite, pois agora você sabe que uma pele macia e hidratada está ao alcance de todos!
Embora a intenção não seja fazer uma análise da propaganda de Dove, e
tampouco essa será realizada, tomou-se apenas alguns elementos para contrastar
com o discurso enunciado pela mesma empresa há quarenta anos.
“Todo mundo já sentiu na pele o ressecamento que a maioria dos sabonetes
causam e sabe que Dove é muito diferente, pois ao contrário dos outros ele deixa a
pele mais hidratada e macia”. Após afirmar isso, passa-se à explicação científica
porque acontece o ressecamento. A pergunta que se faz é: Lux de Luxo não possuía
surfactantes? Se os possuía – e provavelmente sim, uma vez que é esse elemento
que promove a limpeza da pele –, por que o silenciamento da questão? Lux, de fato,
poderia cumprir o que anunciava? Outro questionamento é: se atualmente Dove
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anuncia a quantidade de creme hidratante presente em sua fórmula em 25%, por
que Lux de Luxo não trazia esse tipo de informação em 1973? Pode-se entrever que
para a consumidora de quarenta anos atrás bastava descrever as propriedades do
produto e, assim, essa acreditaria, tendo uma atitude responsiva não crítica ao que
lhe era dito, fato diferente da consumidora atual, quem necessita e exige mais
explicações do que lhe é oferecido. A propaganda de Dove está aí para dizê-lo e
cabe ao consumidor assumir uma postura crítica ao que lhe é afirmado.
“E seu perfume V. nunca sentiu antes: é envolvente e delicioso”.
Dispostas todas as qualidades de Lux de Luxo, por meio da conjunção aditiva
e, o enunciador acrescenta características do perfume como algo inédito ao olfato da
consumidora, disposto pelo uso do advérbio nunca que, ao mesmo tempo em que
nega, marca o tempo: “Você nunca sentiu antes”. Entretanto, é interessante
observar que essa fragrância misteriosa não é nomeada, especificada. Apenas é
descrita como “envolvente e deliciosa”, o que pode ser proposital, a fim de atiçar a
curiosidade da enunciatária.
“Julie Christie, de pele tão linda, usa o mesmo sabonete que você usará:”
Julie Christie, já encapsulada e homogeneizada ao produto, é lembrada e
citada, por ter uma pele linda, intensificada pelo advérbio tão – pele tão linda –,
passível de ser objeto de identificação à consumidora. Inclusive, deve-se lembrar de
que em sua apresentação junto ao produto, na propaganda impressa supracitada, a
cor de fundo em tom pastel funde-se à pele da atriz, conotando-se a ideia de que
propaganda e personagem são constituídas da mesma natureza. Por que Julie
Christie tem a pele tão linda? Porque a conserva – todas são belas e apenas
precisam preservar sua beleza – utilizando Lux de Luxo.
Outro ponto a se destacar é que o enunciador afirma que a atriz usa o mesmo
sabonete que a enunciatária usará. Dispõe uma ordem nessa afirmação, porém a
faz de maneira indireta, empregando o futuro do presente usará e não o modo
imperativo para impor um posicionamento. Essa afirmação proferida é atestada
como algo certo, que acontecerá – “o mesmo sabonete que você usará” –, não
restando à enunciatária opção de escolha, como, por exemplo, se fosse utilizada a
forma verbal no futuro do pretérito – “o mesmo sabonete que você usaria”. Introduzir
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a atriz na peça também faz parte da estratégia de vendas da empresa, no sentido de
aproximar o público comum às, até então distantes, divas do cinema, em situações
cotidianas, corriqueiras.
“Lux de Luxo, o único com espuma creme hidratante”.
O enunciado acima apenas retoma o início do texto, possivelmente com a
intenção de reforçar o que já fora anunciado à consumidora.
Outro detalhe interessante é o fato de que, ao se fazer uma leitura em voz
alta desse anúncio em sua totalidade, tem-se a sensação de que esse é proferido
em um comercial como que da Era do rádio, ou mesmo da televisão em seu início, a
qual era comparada a “um rádio com imagens”. A enunciatária é incluída na
“conversa” por meio do uso de pronomes, como o possessivo, por exemplo, indicado
pela pessoa do discurso e o pronome de tratamento você, que denota intimidade. É
como se o enunciatário fosse íntimo de quem se dirige, reproduzindo, de certa
forma, uma conversa em um tom informal, entre amigas.
Nesse texto publicitário também é destacado o novo formato do produto e a
gama de cores que lhe é conferida e ainda é citado o nome da atriz para, finalmente,
fechar sua construção verbo-visual, dirigindo uma última informação à consumidora:
“Lux de Luxo é um verdadeiro tratamento de beleza”.
Tal afirmação possivelmente procura ratificar tudo o que foi proferido nos
enunciados anteriores e confirmar à leitora o papel que Lux veio desempenhar: tratar
sua beleza, preservá-la, além de hidratar sua pele, protegê-la e mantê-la ainda mais
macia do que é, com o simples ato de se lavar o rosto em casa e isso se dá pelo uso
da palavra verdadeiro, pois confere à consumidora a ideia de autenticidade das
características atribuídas ao produto.
Sendo ainda Lux um verdadeiro tratamento de beleza, a consumidora não
necessitará de mais nada para manter sua forma natural, sem maquiagem ou
excessos, o que dialoga com a constituição da imagem mostrada de Julie Christie.
Por sua vez, essa articulação entre a imagem que a consumidora tem de si e a
projetada pela atriz, dialoga com o contexto histórico no qual ambas estavam
inseridas e onde se procurava expressar liberdade, leveza e simplicidade.
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Há de se salientar, ainda, que as escolhas lexicais para constituir essas ideias
promovem uma progressão que não amplia, pelo contrário, afunila-se no objetivo de
se elaborar uma coerência interna, a qual indica que Lux é um objeto único,
verdadeiro e singular na vida da consumidora. É uma peça rara, preciosa e que lhe
outorga o direito de um verdadeiro tratamento de beleza por um preço módico.
3.2 Lux Fashion Pink (2007)
Se nas antigas e primeiras propagandas do sabonete Lux eram necessários
longos textos explicativos e argumentativos, enumerando-se todas as vantagens de
se utilizar o sabonete, além de adicionar a isso a imagem de belas estrelas do
cinema e o bem que o produto supostamente fazia à pele dessas; atualmente a
dinâmica da sociedade exige que isso não se faça necessário, até mesmo porque,
na sociedade contemporânea, devido ao processo muito rápido de geração de
informações, não é possível oferecer muito tempo para que se produzam escolhas
e, assim, uma leitura contemplativa de um texto publicitário se faz mais difícil.
Dessa maneira, as mensagens publicitárias encolheram e são constituídas
com discursos verbo-visuais, nos quais o visual geralmente dá conta de transmitir a
mensagem por si só, em uma rápida leitura. Isso se dá porque o enunciador
publicitário, ou qualquer profissional, conforme aponta Bakhtin (2011), responde ao
contexto, ao público, à transformação da sociedade e essa advém pelo transcorrer
do tempo, pois cada temporalidade corresponde um novo homem.
Dessa maneira, ao homem atual, devido à própria dinâmica social e histórica,
é possível a leitura e a compreensão de textos a partir de partes, de fragmentos, de
maneira rápida, significa, o que justifica a “economia” de palavras no texto
publicitário e a ampliação de imagens que podem significar por si. Entremeio a isso,
o discurso publicitário de Lux adapta-se a essa nova realidade social e constitui,
dessa forma, novos modelos de apresentação de propagandas.
Quanto a este corpus, sua contextualização se dá primeiramente nos
seguintes termos:
Quando lançado no mercado, em outubro de 2007 e com edição limitada, a
linha de sabonetes Lux Fashion Pink prometia que o momento do banho da
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consumidora ganharia mais feminilidade e atitude. O sabonete foi o primeiro no
mercado brasileiro a ser fabricado na tonalidade pink e, segundo a Unilever,
proporcionava hidratação e perfume à pele, além de uma incrível sensação de
prazer e cuidado com o corpo. A novidade foi disponibilizada ao mercado nas
versões barra e líquido, com quatro tipos de embalagens. À época, Elisson Dias –
gerente de marketing da empresa – declarou:
Sabemos que o banho é o início de qualquer ritual de beleza e que pink não é apenas uma cor, e sim uma atitude, é a suprema expressão de feminilidade. Por isso unimos esses dois universos nos sabonetes Lux Fashion Pink que irão provocar os sentidos das mulheres e levar sofisticação e modernidade ao momento do banho (fonte: <http://propmark.uol.com.br/anunciantes/23294:unilever-destaca-atitude-feminina>. Acesso em: 25 mar. 2015).
Quanto à contextualização histórica e social, a década de 2000 foi a primeira
do século XXI. A economia mundial passou por um dos maiores períodos de
prosperidade e estabilidade da história. Nessa década, a Internet se consolidou
como veículo de comunicação em massa e a armazenagem de informações atingiu
um nível sem precedentes. O acesso à Internet foi gradualmente substituído da
conexão discada à banda larga, o bluetooth fez crescer o conceito de rede sem fio; o
blu-ray sucedeu o Digital Versatile Disc (DVD); o disquete caiu em desuso, sendo
substituído pelo pen-drive e cartões de memória; a Apple lançou o iPod e o iPhone,
revolucionando o mercado de telefonia celular e Mpeg-1/2 Audio Layer 3 (MP3)
players.
Nesse momento também surgiram as primeiras redes sociais, como o
LinkedIn, Orkut, Facebook, MySpace, Hi5 e Twitter. Houve a popularização de
aparatos tecnológicos, como MP3 e MP4 players, desktops, laptops e câmeras
fotográficas digitais. O Google lançou o Google Earth e posteriormente o Google
Maps e o YouTube foi reconhecido como um novo conceito de compartilhamento de
vídeos. Em relação aos tubos de raios catódicos para televisores e computadores,
esses deixaram de ser fabricados, dando lugar às telas de plasma e Liquid Crystal
Display (LCD), enquanto o formato das telas também mudou de quadrado para
retangular. Ocorreu a popularização da televisão por assinatura e a tevê digital foi
implantada no Brasil, apesar de ser facultativa até 2016.
No cenário político brasileiro, 2000 foi marcada como a década em que a
esquerda política teve um representante seu eleito como presidente do País. O
85
primeiro brasileiro operário a alcançar a presidência, Luís Inácio Lula da Silva,
elegeu-se em 2002 e foi reeleito em 2006. O Brasil conseguiu acumular mais
reservas do que a dívida externa, recebendo o status de credor e manteve sua
economia estável.
Quanto à moda, houve simplificação e o estilo passou a ser o casual. As
roupas foram marcadas por cores únicas, geralmente em tons naturais ou terrosos.
Foi lançada a calça Saint-Tropez – de cintura baixa – e as calças com joelho
rasgado imperaram entre o público adolescente. Os vestidos, cada vez mais curtos,
foram outra referência. Ao final dessa década, a moda entrou em um momento retro
com a volta das calças acima do umbigo e as roupas, essas que voltaram a ter cores
mais vivas e alegres.
No que se refere à imagem corporal, a década de 2000 foi marcada pela
busca por um corpo feminino mais malhado e definido, porém, sem deixar de
entrever seus atributos típicos, o que reafirmava a mulher dessa época como
poderosa, atraente e sedutora. Quanto aos cabelos, o liso imperou com a novidade
da escova progressiva.
Em relação ao espaço na sociedade, segundo o sociólogo José Pastore – em
artigo publicado no Jornal da Tarde, em 8 de março de 2000 e disponível em:
<http://www.josepastore.com.br/artigos/mu/mu_007.htm> –, as mulheres da década de
2000 ocuparam posição superior aos homens no quesito escolaridade. Entre as
pessoas que à época tinham mais de onze anos de escolaridade, 30% eram
mulheres contra 20% de homens. No Ensino Médio, essas correspondiam a 60%,
contra 40% dos alunos de sexo masculino; no Ensino Superior acumulavam 56%
contra 44%. Mesmo na Zona Rural, com todas as dificuldades de acesso à
faculdade, o número de moças era 2,5% maior do que o de rapazes. Entre as que
tinham nível universitário, quase 80% trabalhavam fora de casa e, considerando-se
todos os graus de escolaridade, 48% estavam inseridas no mercado de trabalho. Se
nos anos 1980 apenas 20% eram casadas, na década de 2000 esse número passou
para 50%. Fatores como o declínio de salários dos maridos, redução do número de
filhos e melhoria educacional contaram pontos para essa mudança.
Esse sociólogo também aponta que, apesar do cenário positivo em relação à
educação, nem tudo era harmonioso para as mulheres. Essas ainda enfrentavam
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inúmeras barreiras invisíveis criadas pela sociedade e que nada tinham a ver com
sua capacidade e competência. Em relação aos salários, essas ganhavam 25%
menos se comparadas aos homens, mesmo em profissões tipicamente femininas,
cabendo exceção apenas entre professores e costureiros, cujos salários eram os
mesmos entre os dois gêneros. No campo das promoções as mulheres também
eram minoria, sendo que no setor privado a ocorrência de promoção às mulheres
era menor ainda se comparada ao setor público, porém e em contrapartida, nas
pequenas firmas e negócios as mulheres já figuravam como milhares de
empresárias, embora não se possa ignorar que se tratavam de negócios que não
apresentavam grande expressão financeira, por exemplo.
Apesar dessas restrições socialmente impostas, o poder de compra do
público feminino da década de 2000 cresceu e nos últimos cinco anos desse período
as vendas de cosméticos e perfumes aumentaram em 60%, sendo a maior
ocorrência entre as camadas de renda mais baixa. Em relação à compra de
produtos mais caros do que xampus ou cremes, as mulheres os compravam com
recursos próprios, assim como representavam a aquisição de um terço dos
automóveis pequenos e médios do Brasil, o que não deixa de ser uma conquista,
porém esse fato ainda demonstrava significativa desvantagem econômica da mulher
quanto à aquisição de carros mais luxuosos e, consequentemente, mais caros.
Em contrapartida a tais conquistas parciais, a entrada maciça das mulheres
no mercado de trabalho ainda acarretou novos problemas. A jornada de trabalho da
mulher tornou-se muito extensa, uma vez que a maioria dos homens não ajudava
nos trabalhos domésticos. Se ao longo da semana a mulher gastasse trinta horas
para executar as tarefas domésticas, carga horária essa atrelada a uma jornada de
44 horas no trabalho fora de casa, somar-se-iam então quase 75 horas semanais.
Tudo isso acarretava à mulher, além de cansaço físico e mental, o sentimento de
culpa, pois nunca acreditava executar de maneira satisfatória seus papéis. Teixeira e
Valério (2008) apontam que, enquanto as mulheres se voltavam à maternidade e à
casa, os homens se voltavam à esfera pública e à vida social. Ghilardi-Lucena
(2002) afirma que a imagem da mulher tem se modificado com o passar do tempo,
mas o ideal de domesticidade ainda permanece.
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Em relação à conquista e jogo de sedução, se antes a mulher tornava-se
atraente para ser conquistada, nesse momento era essa quem conquistava,
deixando de lado a imagem de “moça comportada” e assumindo o lugar de “mulher
liberada”. Dessa maneira, passou de conquistada a conquistadora.
Isso aponta que a mulher da década de 2000 ainda lutava para garantir seu
espaço na sociedade, ainda sofria discriminação de gênero, tornava-se avançada
em alguns itens, ao passo que em outros se mantinha no mesmo patamar que
décadas anteriores. Em relação à própria sexualidade, tinha uma postura diferente
da mulher da década de 1970, por exemplo. Se aquelas viam no sexo uma
obrigação para satisfazer o marido, a mulher dos anos 2000 não tinha vergonha de
se relacionar com um homem apenas para sentir prazer, sem compromisso. Por
outro lado, ainda era presa e submissa ao homem no sentido de buscar artifícios
para satisfazê-lo e, entre outras características, não era tão liberada quanto
desejava ser ou demonstrar. Além do mais, muitas ainda estavam presas ao
estereótipo de “moça de família” e viviam um dilema entre realmente fazer tudo o
que lhes dessem vontade, ou se resguardarem de julgamentos sociais.
Sob tal contextualização, inicia-se a análise do corpus nesse período.
A apresentação de Fashion Pink se formula da seguinte maneira: os
sabonetes são acondicionados em embalagens em formato de caixas, com um
papel tipo seda envolvendo-os para melhor proteção, ao invés de simplesmente
involucrados em papel comum, como ocorre com sabonetes tidos como mais
populares. Por meio de memória discursiva, sabe-se que antigamente apenas
sabonetes considerados mais finos – e consequentemente mais caros – vinham
embalados em caixas. Esse detalhe cria a sensação de maior prestígio e isso já
aponta a intencionalidade da empresa, mesmo que sutil, em demonstrar oferecer um
produto exclusivo ao mercado ou, pelo menos, com um status mais elevado aos
olhos da potencial consumidora. Quanto às embalagens, são atraentes em si. Sua
constituição verbo-visual se dá da seguinte forma – a cor predominante das caixas é
pink, com fotografias em preto e branco e fundo igualmente branco, o que realça as
imagens e destaca os detalhes dos objetos nessas apresentados, os quais também
vêm na tonalidade pink. A intenção, nesse momento, não era integrar a imagem da
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mulher ou dos objetos à “paisagem”, fazendo uma fusão, mas sim destacá-los
individualmente, ou seja, um por um.
Figuras 11, 12, 13 e 14 – Embalagens de Lux Luxo Fashion Pink Fonte: Centro de História Unilever
Todas trazem o logotipo da marca Lux, esse disposto no centro de cada
embalagem, possuindo especial destaque e tamanho de letra superior às demais.
Em todas também há a palavra Luxo para identificar e especificar a linha do produto.
O destaque edição limitada aparece em três embalagens. Isso aguça o desejo e a
pressa em se adquirir o sabonete, pois a indicação de ser um produto de edição
limitada expressa sua provável efemeridade no mercado, indicando que, sendo a
consumidora única e especial – tal qual o sabonete –, essa necessita adquirir o
produto de maneira praticamente instantânea.
Todas apresentam o substantivo comum sabonete, disposto no canto inferior
esquerdo, grafado de maneira discreta, com tipo de letra que traz linhas finas, quase
apagadas, distintas das demais utilizadas. É como que se houvesse, inclusive, a
intenção de provocar um apagamento do produto de consumo e que a consumidora
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até esquecesse sua função original – produto de higiene –, de modo que o destaque
fosse dado para o substantivo próprio, Lux Luxo Fashion Pink, esse em letras de
formato diferenciado, como que escrito de maneira rabiscada, solta, despretensiosa
e – por que não dizer? – fashion. A simbologia que se deseja criar é a de um signo
referente a glamour. É apresentado no canto inferior direito o peso do produto,
atendendo-se, assim, à legislação. Todas as embalagens em questão apresentam
rostos femininos fragmentados, parcialmente entrevistos, assim dispostos de
maneira proposital. Essas partes, sem identidade definida, criam a ilusão de que
cada rosto estampado pode ser o de qualquer mulher, inclusive o da consumidora.
Isso se torna possível mediante a exotopia. Para Bakhtin (2011, p. 21) um dos
elementos fundamentais da exotopia é o excedente de visão:
Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar – a cabeça, o rosto, e sua expressão –, o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila de nossos olhos.
Bakhtin (2011, p. 22-23) prossegue afirmando que:
O excedente de minha visão, com relação ao outro, condiciona certa esfera do meu ativismo exclusivo, isso é, um conjunto daquelas ações internas ou externas que só eu posso praticar em relação ao outro, a quem elas são inacessíveis no lugar que ele ocupa fora de mim; tais ações completam o outro justamente naqueles elementos em que ele não pode completar-se.
Assim, se no excedente de visão é possível vermos o outro acabado, ao
passo que nos vemos inacabados, nesse jogo de refração e reflexo Lux projeta a
consumidora para a embalagem e, dessa forma, essa se vê, entretanto, como se
deveria imaginar, de maneira também inacabada, fragmentada. A fragmentação da
imagem da mulher dialoga com a fragmentação do discurso ligado ao momento
histórico atual. Dessa forma, estão articuladas tanto a questão cronotópica, que
promove essa transformação; quanto a questão exotópica, da visão que a mulher
tem de si, de seu inacabamento, porém, da necessidade de acabamento. Como o
produto cria a perspectiva que lhe dará o acabamento desejado, serve para qualquer
mulher. A partir do momento em que a embalagem de Lux pode retratar a mulher
considerada comum, há desconstrução do antigo slogan da empresa, de décadas
90
anteriores – “Lux, o sabonete das estrelas” –, o qual em suas propagandas e
embalagens trazia as divas do cinema e da televisão. Mais uma vez nota-se a
articulação de espaço, na qual aponta a transferência de lugar da consumidora,
antes em seu lugar dito comum, para a embalagem do sabonete, espaço
anteriormente ocupado por celebridades televisivas e cinematográficas.
O enunciador ainda reproduz o contexto social e anseios da, então, imagem
que a mulher da década de 2000 busca concretizar – a mulher refletida na
embalagem possui traços bonitos pelo pouco que se consegue ver. Traz lábios
carnudos, que remetem à sensualidade e desejo masculino, dentes alinhados,
brancos, mostra unhas longas, impecavelmente feitas e pintadas. Os cabelos são
longos, escuros, lisos, porém, com balanço. As formas do corpo são
harmoniosamente proporcionais e de estética magra. Essa mulher gosta de se
produzir e de se maquiar. Traja vestidos sensuais, curtos, sendo que o preto traz um
tecido com toque visivelmente acetinado e com um brilho fosco. O vestido
apresenta-se também com alças finas, decotado nos seios e possibilita a visão de
grande parte das costas desnudas.
As embalagens ainda apresentam objetos que evocam o gosto e universo
feminino: joias – tais como a pulseira, o anel, os colares –, bolsa, maquiagem –
representada no batom – e, claro, sapatos, o que, aliás, não passam despercebidos.
Botas de cano longo e salto alto, tipo “agulha”, que demandam mais balanço ao
andar, pois seu equilíbrio exige mais habilidade, isso é recompensado no balançar
dos quadris e, consequentemente, expõe uma expressão de sensualidade. Essa
construção da personagem remete aos objetos de fetiche, meticulosamente
trabalhados na fotografia, na posição do corpo em relação ao espaço, constituindo
partes de sedução. Em propagandas antigas de Lux a sensualidade era apenas
sugerida. Mesmo a embalagem do Lux de Luxo de 1973 traz a imagem de uma
mulher bem diferente da retratada em 2007 com o Fashion Pink. Dessa maneira,
entende-se que o tempo altera o espaço, oferecendo-lhe novas cores e sentidos.
Por estar ligado a uma época, caracteriza o modo de ser do indivíduo naquele
contexto. Esse molda-se à realidade de acordo com o espaço que ocupa em
determinado tempo. Assim, entende-se que há abertura e ajuste ao tempo-espaço.
Portanto, à mulher de 2000 é brindada a possibilidade de mostrar-se mais e não
apenas sugerir sua sensualidade. Entretanto, ainda se vê e se enxerga desde a
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perspectiva masculina, o que corrobora a busca de artifícios para satisfazer o sexo
oposto. Dito de outra forma, essa mulher não é tão liberada quanto desejaria ou
demonstra ser e, assim, a relação dialógica com o discurso de outrora se mantém.
Quanto à cor selecionada, pink, culturalmente é associada ao universo
feminino. Endossamos essa acepção em relação às cores com as palavras de
Bakhtin/Volochínov (2006, p. 33, grifo nosso):
Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideológico, tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer.
Enquanto a tonalidade mais suave do rosa denota pureza, fragilidade,
delicadeza e lembra o universo de princesas, por exemplo, a tonalidade pink, mais
forte, é associada à sensualidade e sedução feminina. Nesse ínterim, a imagem que
Lux deseja transmitir é que sua consumidora cresceu, amadureceu e deixou o tom
rosa da infância de lado, para ser uma mulher sensual, sedutora, de atitude. Dentro
do projeto de dizer do enunciador, essa cor também faz alusão à força que essa
mulher tem, ou pode conquistar.
Dispondo da embalagem, agora em um plano aberto, prossigamos na análise.
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Figura 15 – Lux Luxo Fashion Pink Fonte: Centro de História Unilever
Sob o novo ângulo, vemos que a embalagem traz a imagem do sabonete,
concedendo à consumidora a possibilidade prévia de visualizá-lo sem abrir a caixa.
Isso demonstra uma estratégia, pois uma vez visualizado o produto, há a
possibilidade de se aguçar o desejo da consumidora, afinal, Lux Fashion Pink é o
primeiro sabonete do país e ser fabricado nessa tonalidade.
Quanto às letras, seguem o mesmo padrão da frente da caixa, sendo que a
disposição de cores no enunciado da lateral se dá entre os tons branco e preto, em
linhas alternadas. Acreditamos que o recurso foi utilizado para não cansar a vista e
ainda ampliar a possibilidade de leitura. Além do mais, o tom negro não conflita com
as outras cores utilizadas, pois além de “casar” com a cor do vestido, quebra a
homogenia propiciada pelo branco e pink.
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A embalagem ainda apresenta o código de barras do produto, característica
que o modelo de 1973 não continha, pois tal tecnologia ainda era inexistente no país
àquela época.
Prosseguindo, a caixa estampa os seguintes enunciados:
Ultra-feminina em cada detalhe
Pink não é uma cor... É uma atitude! Lux te convida a ser mais pink todos os dias e entrar para o mundo que celebra os prazeres de sentir-se bela.
Modo de usar: Corra para debaixo do chuveiro e sinta uma explosão pink de perfume e feminilidade com este sabonete pink de beleza. Atenção: Risco de encantar o mundo com excesso de feminilidade e atitude.
A embalagem traz informações quanto ao modo de uso, como qualquer outro
produto se propõe a fazê-lo. As instruções, pautadas na tipologia injuntiva,
entretanto, causam uma novidade e provocam, em um primeiro momento,
estranhamento.
“Corra para debaixo do chuveiro/ e sinta uma explosão pink de perfume e
feminilidade/ com este sabonete pink de beleza.”
Primeiramente, esse estranhamento é rompido pelo vínculo cronotópico
existente entre o contexto da sociedade de consumo e o mundo representado pela
publicidade, no qual a idealização de seu cotidiano vale-se do vínculo dialógico da
rotina da vida real. Segundo Trindade e Barbosa (2007), por valer-se como um não
lugar, atemporal, que funciona como um elo entre o mundo do consumo publicitário
e o mundo do consumo vivido, essa construção é válida no projeto de dizer do
anunciante. Esse vale-se do fato de que o tempo e o espaço no discurso publicitário
remetem a uma realidade mítica, quase mágica e o cronotopo como chave de
conexão entre a realidade do consumidor e o mundo mítico do consumo publicitário
promove a construção de um imaginário perfeito ou quase perfeito, no qual espaço e
tempo – e, ainda, os sujeitos – são idealizados.
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É claro que ao destinatário é dado o direito de analisar, concordar, questionar,
refutar ou aceitar, porém, como colocado, o discurso publicitário pauta-se em uma
realidade utópica. Assim dito, passaremos à análise linguística dos enunciados.
“Ultra-feminina em cada detalhe”.
A escolha lexical do sufixo latino ultra, que carrega o significado semântico de
“posição além do limite”, “excesso”, já demonstra a intencionalidade do enunciador
em afirmar que a consumidora do sabonete Lux Fashion Pink é excessivamente
feminina, em cada detalhe. Observa-se também um paradoxo entre o prefixo ultra e
o substantivo detalhe. Enquanto o primeiro denota excesso, exagero, o segundo
carrega o significado semântico que expressa algo mínimo, pormenor.
Vale recordar, também, que o excesso de feminilidade da consumidora do
Fashion Pink se ratifica por meio da visão exotópica na qual a leitora presumida se
vê projetada na embalagem do sabonete, de modo que todos aqueles objetos
utilizados pela mulher-propaganda são símbolos de sua feminilidade exacerbada em
busca da ratificação de sua sensualidade à flor da pele.
Quanto às instruções de uso, essas se dão da seguinte maneira:
Modo de usar: Corra para debaixo do chuveiro e sinta uma explosão pink de perfume e feminilidade com este sabonete pink de beleza. Atenção: Risco de encantar o mundo com excesso de feminilidade e atitude.
A tipologia utilizada é a injuntiva, com caráter prescritivo, ou seja, que deve
ser seguido à risca, diferente, por exemplo, do texto injuntivo que permite ao
enunciatário escolher entre realizar, ou não, uma ação. Dessa maneira, para
alcançar os efeitos desejados, as ações devem ser realizadas rigorosamente,
entretanto, o texto traz uma advertência: a ressalva de que a consumidora correrá o
risco de encantar o mundo com excesso de feminilidade e atitude.
Dessa forma, qual é a receita que Lux dá à sua consumidora para ser uma
mulher feminina e de atitude? Observe-se:
Para conseguir tal condição, a mulher deverá correr para debaixo do chuveiro.
Vemos que a forma verbal, disposta no modo imperativo, indica que a mulher deve ir
correndo para o banho e não simplesmente se dirigir calmamente. Ao obedecer tal
95
critério, a consumidora sentirá uma explosão pink de perfume e feminilidade. Assim
como no conto de fadas, após o toque da varinha mágica e uma pequena explosão,
a gata borralheira ganha ares de princesa; a mulher que utilizar o sabonete sentirá
uma explosão que lhe acarretará perfume e feminilidade. A fada madrinha é o
sabonete pink de beleza. Dessa forma, por obediência em se realizar a ação, há a
consequência da premiação, a qual é uma transformação.
O uso da preposição de nos indica se tratar de um sabonete que proporciona
beleza. Questões sinestésicas também são evocadas, pois ao citar a palavra
perfume é possível haver a vontade de aspirá-lo, senti-lo; além do mais, apenas a
palavra em si remete a uma sensação agradável, a um bem-estar.
Quanto à seguinte “ressalva” “Atenção: Risco de encantar o mundo com
excesso de feminilidade e atitude”, nota-se no projeto de dizer do enunciatário uma
ironia, pois não seria nada além disso que a consumidora do produto gostaria de
atingir. Além do mais, com as palavras dispostas como se fossem uma advertência,
um cuidado a ser tomado, o enunciador se vale do hibridismo, juntando ao gênero
embalagem, o gênero bula de remédio que, por sua vez, traz em sua composição
indicações tais como modo de usar, riscos e efeitos colaterais, os quais possuem
seu sentido original rompido com o seguinte dizer: “[Risco de] encantar o mundo
com excesso de feminilidade e atitude”.
Assim como no conto de fadas Cinderela encantou a todos no baile por sua
beleza e primor em suas vestes e apresentação, a consumidora encantará o mundo
com sua expressão de feminilidade e atitude. Dessa forma, a utilização do sabonete
não é algo do qual deva se proteger, uma vez que a intenção é realmente encantar.
Quanto ao próximo enunciado,
“Pink não é uma cor.../ É uma atitude!”
O uso das reticências não configura dúvida nesse dizer, mas sim uma
pequena pausa para realçar e criar uma expectativa do que será dito a seguir,
enfatizado pelo uso da exclamação.
96
Logo após, o enunciador convida a consumidora a ser mais pink todos os
dias.
“Lux te convida a ser/ mais pink todos os dias”.
Observa-se o tempo articulado ao espaço, uma vez que a mulher atendendo
ao convite de Lux, poderá vir a ser mais pink todos os dias e entrar para o mundo
que celebra os prazeres de sentir-se bela. Este mundo é um mundo de privilégios,
no qual apenas entram quem tem o passaporte, que no caso é cedido por Lux.
Esta escolha linguística conota a ideia de que a partir do momento que é feito
um convite, Lux respeita sua consumidora e sua opção de usar ou não o produto. É
óbvio que nenhuma empresa pode obrigar o consumidor a adquirir seus produtos,
mas neste “lugar de Lux” à consumidora é concedido o direito de ser mais pink todos
os dias, se assim ela o desejar. Observa-se também, que com o uso do advérbio de
intensidade “mais” Lux dialoga com a ideia de que sua consumidora já é uma mulher
pink, ou seja, uma mulher de atitude – o que reflete o momento social da mulher na
década de 2000. Se naquele momento ela estava inserida no mercado de trabalho,
lutava por uma maior escolarização, mantinha dupla jornada de trabalho e ‘se
atrevia’ a namorar apenas por prazer, ela era sim uma mulher de atitude e dessa
forma o convite é apenas para endossar que ela seja mais e ainda, todos os dias e
não apenas um ou outro dia da semana, dando continuidade de tempo e fluidez
nesta atitude.
Dessa maneira, a empresa também reafirma à mulher que sabe que ela tem
vontade e desejos próprios os quais devem ser respeitados.
Em contrapartida, após o convite para que a consumidora seja mais pink
todos os dias e a afirmação de que pink não era uma cor, mas sim uma atitude, o
discurso retoma o seu tom de sedução ao dizer:
“e entrar para o mundo/ que celebra os prazeres/ de sentir-se bela.”
O uso da conjunção aditiva indica o passaporte à mulher para que essa entre
no mundo – o que sugere lugar – que celebra os prazeres de sentir-se bela. Dessa
maneira, até pode ser uma mulher pink, mas não pertence a esse mundo
maravilhoso de Lux Fashion Pink. Além do mais, nessa realidade há a celebração
97
dos prazeres, destaca-se o uso do plural, que indica mais de uma satisfação, de
sentir-se bela.
Dessa forma, é vendida a ideia de que ao usar o sabonete, a consumidora –
que é uma mulher de atitude – terá mais atitude ainda. Sentirá uma explosão pink de
perfume e feminilidade, ou seja, será uma mulher cheirosa que, ao caminhar por aí,
correrá o risco de encantar o mundo com seu excesso de feminilidade e atitude.
Além do mais, será uma mulher ultrafeminina em cada item, detalhe por detalhe que
utilizar em seu corpo, por meio de seus acessórios, de sua roupa, de sua
maquiagem e sapatos. Isso ainda demanda a ideia de que será mais feminina e
mais mulher do que aquelas que não fazem parte desse mundo. E para ilustrar a
análise, dispomos a propaganda impressa do produto.
Figura 16 – Propaganda impressa de Lux Luxo Fashion Pink Fonte: Centro de História Unilever
É possível observá-la em sua contextualidade e há uma metonímia em
relação à visualidade, pois a mulher está representada apenas por uma parte. Pode-
se afirmar que essa representa todas as mulheres e não uma em específico, além
de estar alinhada com Lux, marcada pela cor de suas botas e do sabonete, ambos
pink.
A seguir, outro momento de análise, agora do produto Lux Fragrâncias Finas.
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3.3 Lux Fragrâncias Finas (2012)
Para contextualizar esta análise, retoma-se que, em 2012, Lux completou
oitenta anos no Brasil. Durante esse tempo de atuação nacional, a empresa
realmente tem motivos para comemorar. Fatos como ser líder de mercado no
segmento, com 2.500 unidades vendidas por minuto, presente em 72% dos
domicílios brasileiros e ocupar o topo em pesquisas como a Top of Mind, realizada
pelo Datafolha desde sua primeira edição, além de representar 28% de um
segmento que movimenta quatro bilhões de reais, segundo estimativa da
Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal (Abihpec), reafirmam essas
conquistas, vindo a demonstrar a solidez e liderança que a empresa conquistou nas
últimas oito décadas em nosso país.
Ao longo dessa trajetória, sempre foram mulheres que estrelaram as
campanhas do sabonete, fossem estrelas internacionais do cinema, atrizes
brasileiras ou mesmo mulheres ditas, comuns. Entretanto, para celebrar o sucesso
de vendas do sabonete no País e ainda lançar a campanha Lux Fragrâncias Finas, a
Unilever resolveu brindar a consumidora com um comercial estrelado, pela primeira
vez, por um homem, quebrando uma tradição de oitenta anos com belas mulheres
em suas propagandas. Nesse momento – e na referida campanha – é uma mulher
“comum” – a modelo Akyria Ougos – que conquista a estrela, o ator e cantor, Daniel
Boaventura, principal voz dos musicais da Broadway nos palcos brasileiros, que na
peça veiculada na televisão transforma a melancólica canção Rosa, de Pixinguinha,
renomado nome na história do samba, em uma melodia com ritmo alegre e a dedica
à sua “amada”. É claro que a “conquista” se dá pelo fato de que anteriormente a
mulher havia tomado um magnífico banho com um sabonete Lux, cujo modelo era o
veiculado na referida campanha.
A linha Fragrâncias Finas apresenta perfumes marcantes e intensos, segundo
a Unilever, elaborados pelas premiadas casas perfumistas europeias Givaudan,
Firmenich e IFF, essas criadoras das fragrâncias mais vendidas no mundo. Na
composição dessas fragrâncias há flores exóticas, preciosas e óleos essenciais.
Quanto à fixação do perfume, a empresa promete a permanência do cheiro na pele
da consumidora por até quatro horas após seu uso.
99
Em relação às estratégias de venda, ao lançar a linha premium, a empresa
dirige sua atenção ao consumidor da classe C. Segundo a vice-presidente de
Cuidados Pessoais da Unilever, Andrea Salgueiro, a ascensão dessa classe é um
momento propício para a marca investir em produtos diferenciados: “Essa ascensão
[...] fez com que a consumidora não só acrescentasse novos produtos em sua cesta,
como se disponibilizasse a pagar por eles”, afirma Salgueiro.
Apresentados ao mercado em embalagens de noventa e 125 gramas e com
respectivas sugestões de preços em R$ 0,99 e R$1,99, a linha prometia mais
espuma na hora do banho, uma preferência das mulheres brasileiras, segundo
pesquisa desenvolvida pela Unilever. Outro item a ser destacado é o novo modelo
da embalagem para reforçar as mudanças promovidas pela marca, além do novo
design do produto.
Dada a contextualização inicial, passa-se à análise.
Atualmente, vive-se em um mundo globalizado, praticamente sem fronteiras.
Seja por meio de negócios, da Internet ou pelo fácil acesso às mercadorias
importadas, a sensação que se tem é a de que o Planeta encolheu. Acontecimentos
são divulgados quase que instantaneamente em nível mundial, podemos nos
comunicar por meio de tecnologias várias, com qualquer pessoa, em qualquer lugar
que essa esteja. Dessa maneira, apreendemos que a interação entre as pessoas
também aumentou, pois não há mais limitação em relação ao tempo e ao espaço.
Nesse ínterim e sendo Lux o produto de uma empresa multinacional, é inerente que
esteja em diversos países e, aliás, o está praticamente desde sua fundação,
marcando presença atualmente em mais de cem nações. Dessa forma, entendemos
também que Lux está conectado à globalização e ao diálogo com diversos públicos.
Isso nos remete à ideia de um cronotopo que indica onipresença e onipotência,
afinal, a empresa marca presença em diversos lugares do Planeta, o que demanda
seu poder de alcance, tanto no tempo, quanto no espaço.
Entremeio a isso, porém, é interessante notar uma peculiaridade de Lux:
apesar de ser uma empresa de origem anglo-holandesa, essa sempre dialoga com o
espaço social de seu público, em cada país que se faz presente, ou seja, sempre
está atenta ao que a consumidora deseja e leva em consideração características e
gostos locais para adequá-los a seus produtos. Dessa maneira, trabalha sempre
100
com o “novo”. Lançamento após lançamento, o discurso publicitário de Lux sempre é
o de estar em sintonia com o tempo e espaço social, adequando-se a esses, como
nos acentua Campos-Toscano (2009, p. 33):
Como o tempo é histórico e o espaço é social, os gêneros representam e refratam a realidade de acordo com as manifestações dos sujeitos da comunicação. Novamente, deparamo-nos com as es/instabilidades, pois a forma pode ser entendida como representação estética de uma determinada cultura contextualizada no tempo-espaço e como produto do processo dialógico entre os sujeitos da enunciação.
Isso ratifica que, ao longo dos anos e em diversos países, o êxito do sabonete
Lux se dá por essa sintonia, reconhecimento e articulação da importância do
espaço, da história, das características e da cultura de cada povo que consome o
produto. Como o gênero publicitário é o recorte de um tempo, momento e espaço,
esse dialoga com os sujeitos da enunciação e refrata a realidade na qual estão
inseridos.
3.3.1 Magical Spell
A apresentação da embalagem e do produto se dá da seguinte maneira:
Figura 17 – Lux Magical Spell Fonte: Centro de História Unilever
A forma composicional da embalagem de Lux Magical Spell é construída
reunindo elementos que remetem ao significado que seu próprio nome deseja
transmitir, que em português pode ser traduzido como feitiço mágico, ou magia
encantada. Seu conteúdo temático é pautado no mistério, na sedução que, por sua
vez, dialoga com o atual gosto da sociedade por tais elementos. Once upon a time,
seriado de tevê norte-americano é um exemplo que remete a esse mundo e dialoga
101
com tal afirmação. Seu cenário com tom sombrio, de contos de fadas, bosque
encantado, príncipe, princesa, rainha má, bruxa e final feliz dialoga com Magical
Spell. É como que se, ao usar o sabonete, a mulher tomasse ares de feiticeira e
“mergulhasse”, como que por encantamento, em uma atmosfera intensa, envolvente,
misteriosa e feérica. Para exemplificar, as figuras 18 e 19 – retiradas de propaganda
que apresenta o sabonete – mostram esse clima:
Figura 18 – Propaganda de Lux Magical Spell para o mercado internacional Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=g9Ym_K6WkUs>. Acesso em 24 out. 2014.
Figura 19 – Propaganda de Lux Magical Spell para o mercado internacional Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=g9Ym_K6WkUs>. Acesso em 24 out. 2014.
102
A escolha de seu ingrediente, essência de orquídea negra, dialoga com a
perspectiva que o enunciador deseja criar, pois esse é o tipo de flor que aprecia a
meia-luz, ou seja, remetendo novamente ao tema.
Em relação à cor do sabonete, lilás, sua escolha não se dá por casualidade.
Contribui também para a construção do significado e do projeto de dizer do
enunciador, pois lilás é uma cor metafísica, uma vez que pende à espiritualidade e à
intuição. É a cor da alquimia e da magia e, mais uma vez, dialoga com o nome do
sabonete. Segundo os místicos, trata-se de um tom excelente para a purificação dos
níveis físico, emocional e mental. Entre outras referências, essa cor simboliza
devoção, espiritualidade, purificação e transformação. Representa ainda o mistério e
a intuição, de modo que identificamos relações dialógicas nesse dizer que, mais
uma vez, podem remeter às palavras de Brait (2013), quem procura explicitar
teoricamente o verbal e o visual casados e articulados em um único enunciado, no
caso de nosso objeto de estudo, no discurso publicitário, o qual possui gradações
que ora pendem mais para o verbal, ora mais para o visual. Entretanto, acreditamos
que há um equilíbrio entre as partes e sua organização situa-se em uma
combinatória de materialidades e em uma expressão material estruturada,
elementos que constituem a embalagem. Brait (2013) recorda, ainda, que há a
possibilidade de se tomar as relações dialógicas como uma categoria fundante para
a análise do verbal, do visual e, como consequência, do verbo-visual.
Quando à caracterização do produto, é descrita:
A encantadora orquídea negra, flor que aprecia a meia-luz, serviu de fonte de inspiração para a fragrância sedutora de Magical Spell. O óleo de zimbro reforça a sensualidade deste mágico e surpreendente aroma. Realce seu charme e abuse de sua feminilidade com uma pele macia, irresistível e perfumada por muito mais tempo.
Quanto à análise linguística, observa-se que as escolhas lexicais são
pautadas no uso de adjetivos que têm por intuito a caracterização do perfume de
Magical Spell com conotação valorativa. A orquídea negra é encantadora, a
fragrância é sedutora e o aroma é mágico e surpreendente – encanto, sedução,
magia e surpresa. Ao óleo de zimbro – fruto de uma planta que se assemelha ao
pinheiro, com a qual também é feito o gim – cumpre apenas reforçar a sensualidade
do aroma, pois nesse caso, a estrela é a orquídea negra.
103
Posteriormente, o enunciador dirige-se à consumidora utilizando a forma
verbal no modo imperativo e o pronome possessivo na terceira pessoa do singular:
“Realce seu charme e abuse de sua feminilidade com uma pele macia,
irresistível e perfumada por muito mais tempo”.
Se a consumidora usar o sabonete, realçará seu charme. Dessa maneira, fica
subentendido que essa já é uma mulher charmosa, que apenas realçará essa
característica que já é sua; dessa forma, feminina como também já é, apenas
abusará mais de sua feminilidade ao desfilar por aí com uma pele macia, irresistível
e perfumada – mais uma vez, nota-se o uso do adjetivo para caracterizar de maneira
valorativa. Observe-se, ainda, o uso do advérbio de intensidade muito que, por sua
vez, modifica o advérbio mais. Assim, a mulher não sairá perfumada por mais tempo,
mas sim por muito mais tempo.
3.3.2 Secret Bliss
A apresentação da embalagem e do produto se dá da seguinte maneira:
Figura 20 – Lux Secret Bliss
Fonte: Centro de História Unilever
De acordo com registros da Unilever, esse sabonete foi inspirado no melhor
da perfumaria internacional, de modo que Lux Secret Bliss é ideal para mulheres
exóticas, ousadas e elegantes. Tem fragrância frutada, com notas de laranja, romã e
caqui, contrasta com a base floral, contribuindo para uma atmosfera de mistério e
sedução.
104
Quanto à sua composição linguística, a apresentação do sabonete Secret
Bliss se inicia com os seguintes dizeres: “ele é ideal para um determinado perfil de
mulheres designadas exóticas, ousadas e elegantes”. Notamos que não é utilizada a
conjunção alternativa ou, mas sim a conjunção aditiva e, produzindo o efeito de
sentido de adição, ou seja, a mulher reúne todas as três características. Dessa
forma, Lux se apresenta como uma sugestão ideal de produto a esse tipo de mulher,
cujos adjetivos remetem, acima de tudo, àquela que possui classe. Pode ser
ousada, mas sem ser vulgar, dado que a palavra elegante neutraliza a possibilidade
dessa interpretação. Já exótico remete a diferente, dessa forma, a mulher que usa
Secret Bliss é única, pois se distingue de todas as outras. Esse seria seu segredo
íntimo.
Quanto aos elementos que compõem a fragrância do sabonete, na
embalagem há a informação de que o perfume contém violeta egípcia e óleos de
elemi. O uso do adjetivo pátrio dado à violeta por si remete a algo exótico e também
sofisticado, talvez raro, precioso, pois traz à memória discursiva reis, faraós e seus
tesouros. Quanto ao óleo de elemi, trata-se de uma resina com toque cítrico extraída
de uma árvore nativa das Filipinas e, segundo descrição da empresa, possui um
perfume envolvente, assim como deve ser a consumidora Lux.
A composição da fórmula do produto também se dá por aromas frutais, a
saber: caqui, laranja e romã. Essas três frutas têm origem no Oriente e todas
possuem tonalidade de cores quentes. Isso pode nos conduzir ao porquê da escolha
da cor da embalagem – vermelho. Além de dialogar com as cores das frutas, essa
tonalidade é associada ao poder, à paixão, à elegância, à conquista, entre outros
signos. Sobre as frutas, romã e laranja são associadas a fatos interessantes:
Romã é considerada de importância milenar. Foi cultivada na Antiguidade
pelos fenícios, gregos e egípcios. Em Roma era considerada, nas cerimônias e nos
cultos, como símbolo de ordem, riqueza e fecundidade. Os gregos a tinham como
símbolo do amor e também da fecundidade, tendo consagrado sua árvore à deusa
Afrodite, pois se acreditava em seus poderes afrodisíacos. Esteve presente nos
jardins do Rei Salomão e é citada na Bíblia como uma das frutas que os espias
hebreus trouxeram quando foram sondar a Terra Prometida por Deus, como
amostras da fertilidade daquele lugar. Para os judeus é um importante símbolo
105
religioso, com profundo significado no ritual do ano novo, pois acreditam na
renovação e de que o ano que chega sempre será melhor do que aquele que se vai.
Na Idade Média foi citada em contos e fábulas de muitos países. Os árabes
salientavam seus poderes medicinais. É uma planta utilizada em residências e
banquetes, dado o efeito decorativo de suas flores e frutos.
Quanto à laranja, provém também da Antiguidade, sendo um fruto híbrido.
Chegou à Europa por meio das Cruzadas. Interessante notar que até a chegada do
fruto ao continente europeu, quem ali vivia não tinha ainda a designação para a cor
de laranja. Na França – um dos primeiros locais europeus onde foi cultivada –
adaptou-se o nome narang para orange. Por conta disso, a laranja veio a ser
associada em algumas culturas à cor do ouro, pelo fato de que a palavra or, em
francês, significa ouro. Em várias culturas seus frutos foram conhecidos como
“maçãs do paraíso”, sendo possível ver em pinturas antigas os frutos da “Árvore da
Ciência” representados por laranjas. A cor de laranja encontra-se ligada ao fruto do
mesmo nome e, outrora, ambos – cor e fruto – eram considerados exóticos.
Assim, podemos entrever que, possivelmente, houve a busca de um
dialogismo constitutivo entre os significados que esses frutos carregaram ao longo
do tempo e a composição da descrição de Secret Bliss. Fiorin (2010, p. 27) lembra
que:
O dialogismo constitutivo que diz respeito ao modo de funcionamento real da linguagem e cujo princípio é que todo enunciado constitui-se a partir de outro. Em dada formação social há enunciados que operam no momento presente, há enunciados legados pelo passado, cuja atualidade é depositária e há o futuro, cujos enunciados discorrem sobre objetivos e utopias dessa contemporaneidade. Assim temos a ideia de uma cadeia de comunicação, com enunciados constituindo-se em relação aos enunciados que os precedem e os que os sucedem e ainda que agem baixo forças centrípetas ou forças centrífugas.
3.3.3 Dream Delight
A apresentação da embalagem e do produto se dá da seguinte maneira:
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Figura 21 – Lux Dream Delight
Fonte: Centro de História Unilever
Dream Delight é uma fragrância marcante e atual. A combinação dos perfumes cítricos, frescos e frutados com uma base de rosas, jasmim e gardênia resultou em um contraste glamoroso. A fragrância foi desenvolvida para provocar a sensação de poder e sensualidade. Sinta-se vibrante e deixe seu perfume no ar!
Dream e delight, palavras inglesas que correspondem em nosso idioma a
sonho, prazer, alegria, encanto, deleite. É com essas conotações que o seu discurso
é construído.
Fiorin (2010, p. 46) aponta que estilo, na perspectiva bakhtiniana, é o conjunto
de procedimentos de acabamento de um enunciado. São, portanto, meios utilizados
para elaborá-los, que resultam a partir de uma seleção de recursos linguísticos à
disposição do enunciador. O sentido de individualidade é construído pela seleção de
traços fônicos, morfológicos, sintáticos, semânticos, lexicais, enunciativos,
discursivos, entre outros. Por outro lado, temos que entender que o estilo define-se
dialogicamente, ou seja, depende dos parceiros da comunicação verbal, dos
discursos do outro e ainda constitui-se em oposição a outros estilos. Assim, “como
mostra Bakhtin, se o estilo é constitutivamente dialógico, ele não é o homem, são
dois homens. Como qualquer enunciado, ele revela o direito e o avesso” (FIORIN,
2010, p. 47).
Assim e tendo como perceptível que o leitor presumido possui grande
importância na construção do discurso, podemos observar que as escolhas lexicais,
107
discursivas, semânticas, entre outras, remetem a um diálogo com uma possível
jovem consumidora. Observe-se:
A fragrância é colocada como marcante e atual, ou seja, remete à
contemporaneidade. Os perfumes cítricos, frescos e frutados também dizem respeito
a um gosto mais jovial. O contraste entre as notas do perfume, dos cítricos aos
florais, evoca a ousadia que é nata também da juventude. “Sinta-se vibrante e deixe
seu perfume no ar!” – em outras palavras, deixe sua marca no mundo, seja vista por
onde passar, outra característica inata ao desejo juvenil. Por outro lado – e seguindo
a proposta do produto –, esse não pode deixar de ter seu glamour e, assim, mesmo
sendo essa consumidora uma mulher mais jovem e, quem sabe, menos experiente,
não lhe foi excluída a possibilidade de sentir-se uma mulher poderosa e sensual.
Fechando a forma composicional do dizer do enunciador, vem a embalagem:
amarela, em tom vibrante e alegre, dialogando com as cores e componentes da
fragrância e sabonete: jasmim árabe e óleos de laranja; com o discurso do
enunciatário, no tom amarelo que simboliza alegria, juventude, leveza,
descontração, otimismo e jovialidade.
Figura 22 – Lux Fragrâncias Finas em suas três variações
Fonte: Centro de História Unilever
Essa imagem apresenta as três embalagens de Lux Fragrâncias Finas,
representando os três tipos de mulheres e seus produtos de preferência, com véus
esvoaçantes, os quais se estendem desde as embalagens, em uma atmosfera de
108
requinte, mistério, sedução e brilho sob os flashes e holofotes de Paris, tendo a
Torre Eiffel ao fundo e a “Cidade Luz” a seus pés.
Essa construção visual atende ao que foi dito no início desta análise: o
conceito de identidade global que Lux busca, passeando pela globalização sem,
entretanto, perder de vista seu consumidor imediato, em cada canto do Planeta em
que esteja presente, promovendo, assim, relações cronotópicas de onipresença,
mas respeitando cada identidade cultural e pessoal.
Ainda ratificando essa ideia de presença globalizada, o lançamento da linha
Fragrâncias Finas fez parte de uma ação mundial da marca, a qual buscou no
Oriente os componentes de odor que agradasse a seu público dessa região. Os tons
de cores vibrantes e alegres advêm daí. A campanha foi criada pela filial da agência
publicitária JWT de Singapura, Ásia e, por sua vez, foi o brasileiro Daniel
Boaventura, com figurantes também brasileiros, que estrelaram a peça veiculada na
televisão e Internet ao som da canção Rosa, de Pixinguinha. Por outro lado, a
mesma peça foi veiculada em outros países com a modelo asiática, Aleksandra W.,
ao som de Elvis Presley com sua Always on my mind, interpretada da mesma forma
por Boaventura. No Brasil, por sua vez, foi a modelo Akyria Ougos que representou
o papel da mulher poderosa, assim como também no mercado latino-hispânico, o
qual retomou a canção Always on my mind e apresentou todas os dizeres no idioma
espanhol.
Quanto à identificação do público feminino em relação às embalagens, essas
não trazem imagens de mulheres, nem as consideradas estrelas, ou as, ditas,
comuns. Dessa forma, o sabonete está ao alcance de identificação de qualquer
mulher do Planeta, até mesmo porque o conceito de beleza pode ser singular,
conforme a comparação entre as diferentes culturas. Além do mais, Lux não quer
vincular-se especificamente a nenhum lugar. Lux é do mundo. Lux é para todas. O
nome dos sabonetes, redigidos no idioma inglês, sugerem tal estratégia, ou seja, de
se fazer entender em todas as partes do mundo, afinal, atualmente esse idioma é
considerado universal.
Os sabonetes dispostos sob Paris também conferem o alcance no país que
tem a boa perfumaria em sua tradição e igualmente marca sua presença no
continente europeu, além de conotar sofisticação e elegância. O estar em Paris
109
também dialoga com o slogan inicial da marca: “Feito como os franceses fazem os
seus melhores perfumes”.
Dessa maneira, se tudo na vida é cíclico, Lux apenas retoma a sua origem e
identidade: glamour, sofisticação e beleza ao alcance de todas as mulheres, de
qualquer parte do Planeta e por um preço que essas podem pagar.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A finalidade desta dissertação foi a de explorar as potencialidades discursivas
do discurso publicitário em propagandas e embalagens do sabonete Lux que, no
início de seu discurso, optou por ser o sabonete das estrelas e, posteriormente, por
meio de mudanças ideológicas, tecnológicas e sociais, perscrutou a conotar o
sabonete como o de uma mulher dita comum. Tal análise foi, ainda, fundamentada
teoricamente por autores do Círculo de Bakhtin e outros pesquisadores brasileiros
que se fundamentam nessa perspectiva teórica, além de observar as ocorrências de
modificações verbais e verbo-visuais a partir de embalagens e propagandas do
produto em três momentos distintos, a saber: 1973, 2007 e 2014.
No primeiro capítulo, para se tratar da prática discursiva publicitária e situar o
leitor na esfera em que este trabalho está inserido, inicialmente teceu-se
considerações entre os conceitos propaganda e publicidade, além da diferença que
teóricos da comunicação empreendem sobre os quais. Por meio das leituras, pode-
se observar que semear é plantar, esperando-se a colheita e não apenas lançar a
semente ao vento. Desde sua origem, a palavra latina propagare indica a realização
de uma ação, desejando-se a colheita de frutos. Assim, desde a propagação da fé
católica ao mundo e, posteriormente às proclamas, o homem busca, por meio de
interações sociais, promover, proclamar ou vender suas ideias e isso se dá por meio
das relações dialógicas, essas que, como aponta Bakhtin (2011, p. 276), apenas são
possíveis entre enunciações de diferentes sujeitos do discurso, pressupondo-se
outros em relação ao falante, seja um enunciatário, seja outro discurso.
Observou-se no presente trabalho que o surgimento da imprensa no século
XV e a superprodução de mercadorias devido à industrialização ao final do século
XIX colaboraram para que houvesse uma mudança no discurso da propaganda,
passando da mera proclamação para um tom persuasivo. Além do mais, esse
cenário de expansão econômica, de acesso à leitura e aos bens industrializados
reforçou a sociedade da época ao desejo de se consumir bens que não apenas
atendessem às necessidades primeiras e materiais, mas também aquelas que
satisfaziam social e emocionalmente. Dessa maneira, acrescentou-se ao discurso
publicitário o tom da sedução. Isso confirma o que foi formulado por Campos-
111
Toscano (2009, p. 33) ao afirmar que o tempo é histórico e o espaço é social, de
modo que os gêneros representam e refratam a realidade de acordo com as
manifestações dos sujeitos da comunicação. Considerando também o que
pontuaram Vestergaard e Schroder (2004, p. 7-8), quando citam Barthes, “os objetos
são semantizados [...] o que permite aos anunciantes explorar a necessidade de
pertencer a associações, de identificação do ego e assim por diante”.
No Brasil, a propaganda passou pela mesma evolução, desde a carta
promocional de Pero Vaz de Caminha à vinda da Família Real; do surgimento da
primeira imprensa no país ao jornal que atualmente folheamos; do envolvimento de
poetas para a criação de textos com rimas à criação de revistas e, por
consequência, ao nascimento das agências publicitárias; da novidade chamada
rádio ao advento da televisão; da criação de novas mídias, como a telefonia móvel à
Internet da atualidade. Todos esses fatos colaboraram para a solidificação e
ampliação do discurso publicitário no Brasil e aqui, como no exterior, o tom da
proclama passou para o tom da persuasão e sedução. Isso ratifica o que Bakhtin
(2011, p. 268) postulou:
Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem. Nenhum fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação e elaboração de gêneros e estilos.
Nas leituras sobre a contextualização histórica do sabonete, constatou-se que
sua saga começou na Inglaterra do século XIX, com William Lever e a ideia de
embalar sabão em caixas, produto esse que era vendido a granel na época. Com
nome inicial de Sunlight Flakes e, posteriormente, Lux, esse advindo da palavra
inglesa luxury, que significa luxo, veio a nascer o sabonete Lux, após a empresa
descobrir, por meio de pesquisas, que as mulheres o utilizavam em seus cuidados
pessoais. Essa foi a oportunidade para a mulher de menor poder aquisitivo desfrutar
de um pequeno luxo diário.
Desde seu início, Lux permeia relações dialógicas ao afirmar em seu slogan
inicial o seguinte enunciado: “Feito como os franceses fazem seus sabonetes mais
finos”, o que conotava à enunciatária que o sabonete tinha a qualidade tal qual um
fino produto francês que, à época, era restrito à elite e, ainda, remetia à ideia de
112
luxo. Dessa maneira, Lux buscava vender o conceito de que outorgava tal direito à
consumidora de menor poder aquisitivo.
Entremeio a esses acontecimentos, a partir de 1930 Lux chegou ao Brasil e,
seguindo a proposta de ouvir o consumidor, atentou-se ao fato de que em nosso
país o produto não alcançou o mesmo êxito de outros mercados. Sua primeira ação
foi então a divulgação do sabonete pelas “Senhorinhas Lever” que, ao longo da
década de 1940, percorreram várias cidades para divulgar o sabonete das estrelas e
convencer as consumidoras a experimentarem suas propriedades cosméticas.
Ao colocar-se no lugar do outro e identificar-se com seus valores, tempo e
posição no espaço, Lux conseguiu, desde o início e por meio da visão excedente,
alcançar o espaço dialógico entre o público consumidor e sujeitos da comunicação
para, dessa maneira, lograr êxito junto a esses.
Lux também inovou ao utilizar programas de rádio para divulgar seus
sabonetes e, assim, disseminar novos hábitos de consumo entre os brasileiros,
contribuindo à publicidade brasileira ao introduzir técnicas científicas para medir o
sucesso das novelas que distribuía às rádios, além de comprovar a eficiência das
campanhas nos programas radiofônicos. Do mais, começou-se a medir a audiência
das emissoras, tudo isso seis anos antes do surgimento do Ibope.
Com o advento da televisão, Lux reforçou ainda mais à consumidora o desejo
de se espelhar nas divas hollywoodianas e, ao retratar atrizes em glamorosos
banhos de espuma, utilizava o seguinte slogan: “Aquela sensação de estrela de
cinema”. Tal afirmação se dava pelo fato de explorarem questões sinestésicas, por
meio da imagem, do áudio e impressões de sensações que o vídeo poderia imprimir
no público consumidor. Isso reforçava ainda mais o desejo da mulher em ser como
as áureas estrelas de cinema.
No decorrer dos anos posteriores, Lux começou a romper o paradigma de
distância das atrizes, ao colocá-las em posição de igualdade com a consumidora.
Assim, especialmente na década de 1970, como o mote da vez era a beleza natural,
Lux procurou demonstrar às enunciatárias que a beleza era uma meta alcançável e
ainda promover junto à mulher comum a ideia de se sentir como uma estrela, pois o
113
foco da imagem de Lux mudou de um produto produzido para estrelas a uma
variedade disponível a qualquer pessoa.
Nas décadas seguintes – 1980 e 1990 – houve a introdução de celebridades
locais para incentivar a plataforma de que a beleza era acessível a todas as
mulheres, em qualquer lugar. Isso aponta relações cronotópicas, pois ao utilizar uma
estrela local, Lux aproxima-se mais de seu público consumidor, aumentando a
identificação da consumidora junto ao produto. Além do mais, ao retratar estrelas em
situações comuns da nova mulher, incluindo rotinas laborais, notava-se o diálogo
com as mudanças pelas quais as brasileiras passavam naquele momento, por
exemplo, da exponencial entrada ao mercado de trabalho. Mais uma vez foi firmada
a consonância de Lux à realidade histórica e contextual que a mulher vivia.
Nos anos 2000 nasceu uma nova celebridade: a consumidora. Com o slogan:
“Descubra a estrela que existe em você”, Lux deu pistas de uma transformação que
se aprofundou nos anos seguintes. Gradualmente, as novas campanhas
convidavam a consumidora à condição de estrela sem que isso significasse menos
glamour. A ideia era sintonizar a comunicação da marca com as aspirações da
mulher moderna e seu estilo de vida, uma vez que a nova mulher era mais segura,
dona de si e possuía elegância e sensualidade assim como as estrelas de cinema.
Foi a Era do slogan: “Somos todas divas” que, por sua vez, dialogava com o:
“Descubra a estrela que existe em você”, chamada publicitária da mesma década.
Além da transformação da consumidora em diva, 2000 também correspondeu
à década dos sabonetes que procuravam aguçar os sentidos e despertar as
sensações das consumidoras, com o intuito, mais uma vez, de fazer do banho um
ritual de beleza. Sabonetes com extrato de vinho, ou com combinação de frutas e
chantilly hidratante eram o mote da vez, além da introdução do sabonete líquido no
mercado, mais a cor exuberante de Lux Fashion Pink, entre tantos outros
lançamentos, todos, porém, evocando sensações olfativas, gustativas e táteis, em
uma demonstração de que a consumidora estava centrada em si, em seu corpo, em
seu prazer, assim como as estrelas de outrora eram retratadas em seus glamorosos
banhos de espuma.
114
Em 2012, Lux Fragrâncias Finas propôs a ideia, entre outras, de que sua
consumidora é uma mulher que entende de perfumaria, estando consoante às
tendências mundiais de fragrâncias finas.
Apesar de não ser objeto de estudo da presente dissertação, em 2014 houve
o lançamento da linha Lux com Óleos Hidraflorais que, segundo a marca, é um
aliado para acender a faísca do relacionamento, contribuindo para o clima de
sedução e com a promessa de hidratação, perfume suave e pele irresistível. Produto
que pode ser analisado em uma futura publicação, observando-se os fundamentos
teóricos aqui desenvolvidos.
No segundo capítulo, a fim de analisar o discurso publicitário e os recursos
pelos quais esse se utiliza para cumprir seu propósito comunicativo, foram
abordados alguns conceitos fundamentados por Bakhtin, o Círculo e, ainda, por
estudiosos que pesquisam e estendem teoricamente tais questões. Dessa maneira,
o conceito de gênero discursivo, sua arquitetônica, reflexões sobre o tempo-espaço,
cronotopo e discurso publicitário, mais as questões sobre verbo-visualidade,
ideologia da palavra e da imagem, além de suas relações dialógicas foram os temas
estudados na presente dissertação.
Entendeu-se, entre outras acepções, que cada enunciado é particular e
individual, apresentando tipos relativamente estáveis de enunciação para cada
campo de atuação. São adquiridos nos processos interativos das atividades
esféricas humanas. São ainda abertos às mudanças e remodelações devido à
própria dinâmica dos sujeitos da enunciação, principalmente por esses estarem
situados em um tempo histórico específico e em determinado espaço social. Isso
demonstra que o texto publicitário moldou-se à sociedade, adaptando-se a essa,
assim como ao seu contexto, necessidades e aspirações.
Quanto ao tempo e espaço, concluiu-se que no discurso publicitário esses
remetem a uma realidade mítica, religiosa, quase mágica. Sendo o cronotopo a
chave de conexão entre o mundo da realidade do consumidor e o mundo mítico do
consumo, esse promove a construção de um imaginário simbólico praticamente
perfeito, com tempo, espaço e sujeitos idealizados. Isso remeteu ao mundo de Lux,
colorido, com lindas mulheres envoltas em seus banhos de espuma, como que
115
anunciando a compra da felicidade à consumidora que viesse a desfrutar de seus
publicados deleites.
Sobre a verbo-visualidade, entendeu-se que o verbal e o visual, uma vez
casados e articulados em um único enunciado, podem apresentar-se na arte ou fora
dessa, dado que possuem gradações que ora pendem mais para o verbal, ora mais
para o visual, Entretanto, continuam organizados em um único plano de expressão.
Tal organização situa-se em uma combinatória de materialidades e em uma
expressão material estruturada. Além do mais, as relações dialógicas podem ser
tomadas como categorias fundantes para se juntar às demais supracitadas à análise
do verbo-visual, dada a sua natureza de teoria do discurso, ou seja, que trabalha
com enunciados sempre em tensão.
Quanto à ideologia da palavra e da imagem, essa foi tratada a partir de
aspectos do universo feminino e seus signos. No discurso publicitário diz respeito ao
fio ideológico pautado no poder, na conquista e na sedução, por meio da
representação que o indivíduo tem de si e do outro, assim como nas representações
que atribuem características de valor e como a publicidade se apropria disso a seu
favor. Por meio do discurso publicitário é possível refratar e refletir outra realidade
aos olhos do consumidor. Dessa forma e por meio da construção/constituição de
signos e de ideologia, o consumidor interpreta e se apodera como referência de
status, manutenção de bem-estar e/ou de sentimento de eficiência.
Na última parte desta dissertação houve a reflexão e análise do corpus, esse
constituído por três peças publicitárias e embalagens do sabonete em diferentes
épocas: Lux de Luxo: campanha internacional – estrelas do cinema, de 1973; Lux
Luxo Fashion Pink, de 2007; e Lux Fragrâncias Finas, de 2012. Nessas análises
foram observadas as marcas linguísticas e ideológicas contextualizadas a cada
momento e espaço social em que tais produtos foram inseridos, assim como
questões de cronotopia, exotopia, ideologia da palavra e da imagem, além das
respectivas verbo-visualidades.
Ao se analisar as embalagens e propagandas em questão, constatou-se que
em 1973 havia apenas um tipo de sabonete para todas as mulheres, não importando
seus gostos ou peculiaridades. Ressaltava-se apenas o poder hidratante do produto,
como um cuidado a mais para a manutenção da beleza natural feminina, de modo
116
que Lux outorgava à mulher o direito de usar o mesmo produto que uma estrela de
cinema usava.
Em 2007, com o lançamento da linha Fashion Pink, o objetivo também era o
de se atingir apenas um tipo de mulher que entendesse se enquadrar nas
qualidades atribuídas pelo produto: independente, moderna, cheia de atitude e que
adorava ser notada por onde passava. Foi a vez de se alcançar uma categoria de
mulher que oscilava entre a menina-moça e a mulher-fatal. Da menina e adolescente
vinha a cor pink, tonalidade que remete a esse universo e ainda a construção de um
cenário que lembrava contos de fadas, pois ao tomar o banho com esse sabonete,
haveria uma explosão pink de perfume e feminilidade. Tal sabonete, empenhando o
papel da “fada madrinha”, transformaria a menina-moça em uma bela mulher, que se
aliando aos seus objetos de sedução e fetiche, seria ultrafeminina e cheia de atitude.
Como nos contos de fadas, há ainda a advertência para o risco de utilização do
produto, pois esse provocaria o “risco” dessa mulher “encantar” o mundo com
excesso de feminilidade e atitude.
Tratar-se-ia de mulher de duas faces, menina, anjo; demônio, ou seja, mulher
que dialogava com o momento pelo qual a mulher Fashion Pink passava na década
de 2000. Se essa já se sentia liberada para ter sexo apenas por prazer, caso esse
fosse seu desejo, por exemplo, sua outra face de moça de família era ainda presa
aos conceitos sociais que controlavam tais ações. Essa dicotomia dialoga com a
ideia do sabonete que reúne o pink, cor da infância, com os objetos de sedução,
próprios da fase adulta. Acrescenta-se ainda que essa mulher de duas
personalidades não mostra sua face na embalagem desse sabonete, pois o jogo
está justamente no fato de a consumidora olhar-se na foto e buscar completar-se.
Em 2012 o cenário mudou em relação às décadas anteriores. Se antes havia
somente um tipo de sabonete Lux, com apenas um tipo de fragrância e que se
propunha a atender a todas as mulheres, nesse ano houve a ampliação desse
público que, com suas características próprias, gostos e peculiaridades, passou a
dispor de três tipos de fragrâncias que procuraram alcançar cada tipo de mulher.
Assim, se a mulher fosse charmosa, feminina e gostasse de exalar sensualidade,
Magical Spell seria adequado para tal. Se, porém, gostasse de encantamento e
sedução com ares de feitiçaria, remetendo a um cenário feérico e de tom lilás, o
117
produto ideal deveria evocar a noite com toda a sua aura de mistério para coroar
essa poderosa mulher. Esse ideário dialoga com o gosto por elementos dessa
natureza e Once upon a time certifica e relembra isso. Daí que a mulher Magical
Spell é esvoaçante, vaporosa, mágica. Traz a cor da roupa da madrasta de Branca
de Neve. Por sua vez, a mulher Secret Bliss, com seu vermelho, remete à
Chapeuzinho que, no conto original, perde a inocência ao ser transformar em
mulher. Lux afirma que essa mulher, por sua vez, é exótica, ousada e elegante.
Finalmente, o sabonete Dream Delight nos conduz às jovens sonhadoras com seu
tom amarelo, que lembra vivacidade e jovialidade. É também a cor do vestido da
princesa Bela que, em sua estória, ao ir morar com a Fera, adentra-se em um
castelo cheio de luxo e magia. Logo, encanto é o que traz o nome desse sabonete.
Dito de outra forma, encantamento é o que esse anuncia que a mulher Dream
Delight transmitirá a quem sentir seu perfume deleitoso.
Entendeu-se também que, assim como a mulher Fashion Pink, essas outras
mulheres de 2012 passaram por transformações em função do encantamento
desses produtos. Da mulher de 1973, presa e encapsulada ao produto, as mulheres
das décadas posteriores foram privilegiadas por tais transformações e se libertam.
Essa “libertação” propiciada pelo uso do sabonete conduz, mais uma vez, à fada
madrinha, à sua magia e encantamentos envoltos em um mundo sensorial, no qual
hidratação, perfume e frescor têm especial destaque. Tais possibilidades remetem
ao que Trindade e Barbosa (2007, p. 14) afirmam:
[...] por meio de peças publicitárias [...] há a idealização de tempos e espaços de consumo que estabelece vínculos dialógicos entre o cotidiano vivido (na realidade) e o cotidiano do mundo da publicidade. Dessa maneira, entende-se que há articulação tempo-espaço no discurso publicitário tal qual no gênero romance, ou seja, como na narrativa romântica, o discurso publicitário tem sua narrativa interna, com seu tempo e seu espaço, em dialogismo com o cotidiano do mundo real.
Dessa forma, conclui-se que o discurso publicitário tem sua narrativa interna,
assim como seu tempo e espaço dialogam com o mundo real, e mais, em alguns
casos, as peças publicitárias podem estabelecer níveis cronotópicos internos em
seus enunciados, nos quais cada produto/marca se torna a chave cronotópica para a
transformação da realidade. São ainda, segundo Trindade e Barbosa (2007), não
lugares, atemporais e que funcionam como elo entre o mundo do consumo
publicitário e o mundo do consumo vivido, sendo o produto/marca elemento
118
conector, cronotopo da condensação de tempo e espaço comum a essas duas
realidades. Reforçando tal ideia, Fiorin (2010, p. 27) lembra que:
O dialogismo constitutivo que diz respeito ao modo de funcionamento real da linguagem e cujo princípio é que todo enunciado constitui-se a partir de outro. Em dada formação social há enunciados que operam no momento presente, há enunciados legados pelo passado, cuja atualidade é depositária e há o futuro, cujos enunciados discorrem sobre objetivos e utopias dessa contemporaneidade. Assim temos a ideia de uma cadeia de comunicação, com enunciados constituindo-se em relação aos enunciados que os precedem e os que os sucedem e ainda que agem baixo forças centrípetas ou forças centrífugas.
Assim, todo enunciado constitui-se a partir de outro, ambos operam no
momento presente e podem vir do passado. Dessa maneira, Lux pode dialogar com
as cores, com os contos de fadas, com as aspirações das mulheres em cada
momento de suas vidas, em uma cadeia de comunicação com enunciados que se
constituem em relação aos enunciados que os precedem e aos que os sucedem.
Entende-se também que há relações dialógicas entre essas “mulheres Lux” e
suas ações, desejos e aspirações. A maneira como se colocam no mundo e o
desejo de transformarem-se para encantar. A busca da eterna beleza e sedução,
projetando-se para o outro. Além do mais, a própria revolução pela qual a mulher
passou – e tem passado – articula-se com essa ideia de transformação. Dessa
forma, entende-se que Lux realmente se firmou entre o público feminino, por ter
entendido seus anseios e aspirações e, principalmente, por ter conseguido
acompanhar isso por meio de seus produtos, procurando atender e satisfazer cada
vez mais a consumidora.
Dado isso, entende-se também a busca eterna do sempre “novo” produto de
Lux, pois há o processo dialógico entre os sujeitos da enunciação. Dessa maneira,
confirma-se uma vez mais as palavras de Campos-Toscano (2009), quem considera
que o tempo é um importante gerador de desejo, pois a cada momento as paixões
renovam-se, modificam-se. Essa teórica ainda aponta que o tempo altera o espaço e
lhe dá novas cores e sentidos, afirmando ainda que isso se dá porque o tempo está
ligado a uma época que vem caracterizar o significado de ser humano, esse que
adapta-se à realidade conforme o espaço que ocupa. Em síntese, trata-se da ideia
de abertura e ajuste ao tempo-espaço.
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Em relação ao nome do sabonete, constatou-se que Lux, em 1973, era Lux
de Luxo, ao passo que na década de 1980 passou a ser Lux Luxo, assim como foi
Lux Luxo Fashion Pink na edição limitada de 2007 e passou a ser apenas Lux em
2012, apresentando uma logomarca mais sofisticada e elegante, com letras
curvilíneas e em tom dourado, o qual remete a algo luxuoso, ou de valor e ainda
retoma o clássico.
Como as palavras ganham ou perdem valor ao passar do tempo, o termo luxo
ficou out, démodé e assim como a mulher passou por transformações, a
apresentação do nome do sabonete igualmente mudou. O uso da caixinha, as letras
douradas, o fato de ser o produto de primeira linha da empresa, tudo isso remete à
nova palavra em voga: premium. Na sociedade atual, chique e elegante é ser
premium, pois denota um universo diferenciado. Mais uma vez, nota-se a
consonância do momento presente junto às embalagens. Ora, se o consumidor
mudou, Lux também altera sua apresentação. Há, mais uma vez, articulação entre
tempo e espaço.
Outro fato a ser salientado é que o atributo premium não precisa vir impresso
no produto, pois o consumidor sabe identificá-lo por meio de fatores verbo-visuais,
cujas pistas indicam tal diferenciação. Além do mais, outro aspecto a ser ponderado
é que, por elegância, algumas características não precisam ser ditas. Bastam ser.
Assim, por Lux ser, não precisa dizer. E o consumidor saberá.
Dessa forma, finaliza-se esta dissertação com a percepção de que, por meio
da transformação, renovação e diversidade, Lux conseguiu sempre retomar sua
última propaganda, com ares de novidade, não deixando que os conceitos cíclicos
estivessem presentes, pois ativavam a memória discursiva com a finalidade de
reforçar a importância da marca para a mulher. Sua reconstrução e retomada
colocam-se em diálogo constante e conduzindo o fio ideológico do que é ser mulher.
Ontem, hoje e amanhã.
120
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ANEXO A – Julie Christie: Lux de Luxo, inteira
124
ANEXO B – Julie Christie: Lux de Luxo, parte 1
125
ANEXO C – Julie Christie: Lux de Luxo, parte 2