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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 1
TÍTULO X
DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA
I – Conceito de Fé Pública
Fé pública é a confiança na autenticidade que a sociedade
deposita em certos documentos, atos, sinais, símbolos, etc, empregados
pelo homem em sua vida cotidiana, em razão do valor probatório que o
direito lhes atribui.
Fé pública, como bem jurídico, tutela a confiança na
autenticidade de documentos que permite a continuidade das relações
jurídicas.
II - Requisitos para os crimes de falso
Os delitos de falso, em todas as modalidades, exigem
quatro requisitos:
a) Alteração da verdade (immutatio veri)
b) Imitação do verdadeiro (imitatio veritatis)
c) Dano real ou potencial
d) Dolo
Ausente qualquer dos requisitos, o crime não se configura.
1) Alteração da Verdade
A falsidade é a mudança da verdade feita dolosamente em
prejuízo de outrem. Assim, referida alteração deve recair sobre fato
juridicamente relevante.
Não caracterizará delito contra a fé pública a mulher que
mente sobre sua idade para parecer mais jovem ao seu namorado (ex.
JUNQUEIRA); também não haverá crime na reprodução ipsis liteiris de
contrato em razão da perda do original (ex. FMB).
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2) Imitação da verdade
O falso deve ser semelhante ao verdadeiro, a ponto de
iludir o homem médio.
A falsidade grosseira, perceptível ictu oculi (a olho nu),
incapaz de enganar o homem médio, não configurará o crime de falso.
Conforme se verá, poderá haver, dependendo da hipótese, o crime de
estelionato.
Súmula 73, STJ: a utilização de papel moeda grosseiramente
falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da
competência da justiça estadual.
3) Dano
Dano é o prejuízo efetivo, que já ocorreu. A potencialidade
de dano trata da probabilidade concreta deste ocorrer.
O dano não é necessariamente econômico. Haverá delito
ainda que o prejuízo seja apenas moral (ex: confissão de adultério em
testamento)
Assim, o prejuízo ou a possibilidade concreta de sua
ocorrência deve ser comprovada, sob pena de não restar tipificado o
crime contra a fé pública.
Daí exigir-se que o falso recaia sobre fato juridicamente
relevante e de que a falsificação seja idônea.
FMB traz exemplos de ausência de dano:
Forjar escritura pública de venda de escravo em pleno século XXI;
Oficial de justiça que certifica ter citado esposa de devedor em
ação de cobrança, uma vez que em ações pessoais a citação do
cônjuge é dispensável;
Silvio do Amaral sustenta que quando se tratar documento
público qualquer falsificação será considerada juridicamente relevante. P.
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ex: escrivão, ao registrar a sentença, substitui ou suprime determinada
palavra, ainda que irrelevante para o contexto.
4) Dolo
Haverá dolo direto quando o agente tiver certeza da
falsidade e eventual quando houver fundada dúvida.
O dolo consubstancia-se na vontade livre e consciente de
efetuar a falsificação, independente da intenção de utilizar o documento.
Na falsidade ideológica haverá o elemento subjetivo
específico relativo à intenção de prejudicar terceiros.
Nenhuma modalidade de falso é punida na forma culposa.
III – Modalidades de Falsidade
A falsidade pode ser material, ideológica ou pessoal:
1) Falsidade material (externa, formal, caligráfica) o agente cria
o documento falso ou então altera o documento verdadeiro,
incluindo novos elementos ou dizeres;
2) Falsidade ideológica (ideal ou expressional) o documento é
formalmente perfeito, a falsidade recai sobre o seu conteúdo;
3) Falsidade pessoal atribuição a si ou a terceiro de falsa
identidade.
Falsidade Material x falsidade ideológica
Na falsidade material o documento emana de pessoa sem
competência para produzi-lo, ao passo que na falsidade ideológica o
documento emana da autoridade competente, no exercício de suas
funções.
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Na falsidade material, o documento será inteiramente
falso; na ideológica, o documento será formalmente válido, incidindo a
falsidade apenas em relação ao seu conteúdo.
A falsidade material exige perícia para sua comprovação;
na falsidade ideológica a perícia se torna inviável, uma vez que o
documento foi produzido pela pessoa competente.
Conceito de Documento
Em sentido amplo, documento é qualquer objeto capaz de
comprovar um fato.
Em sentido restrito, apenas será documento o escrito
com valor probatório.
Para efeitos penais, adota-se o conceito restrito de
documento.
Digna de citação, a definição de Heleno Cláudio Fragoso:
“documento é todo escrito devido a um autor determinado, contendo
exposição de fatos ou declaração de vontade, dotado de significação e
relevância jurídica”.
Assim, são elementos do conceito de documento:
1) Forma escrita representação gráfica do
pensamento. Assim, a falsificação artística de um quadro não se insere
dentro do conceito de falsidade documental.
Prevalece que não há necessidade que seja escrita em
papel, contudo, é indispensável que o documento seja transportável
autonomamente. Ex: declaração pichada em um muro não constitui
documento.
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Nos documentos públicos, exige-se que o escrito seja
indelével. Assim a declaração feita a lápis não poderá configurar um
documento público.
Os documentos particulares, por outro lado, podem ser
escritos por qualquer meio (caneta, lápis, carvão, sangue...).
2) Autor determinado para ser considerado
documento deve ser identificado ou identificável o seu autor.1
Texto apócrifo não pode ser considerado documento para
o direito penal.
A identificação de um texto por meio da impressão digital
não afasta sua característica, desde que a impressão seja acompanhada
pelo nome ou pseudônimo da pessoa.
3) Conteúdo declaração de vontade ou exposição de
fatos.
O escrito ininteligível não será considerado documento.
Também não será documento o papel assinado em
branco.
4) Relevância jurídica apenas será considerado
documento se, por si só, comprovar o fato nele contido.
A fotocópia simples de documento não será considerada
documento. Contudo, se houver autenticação, passa a ter o mesmo valor
probatório do original, de modo que será considerada documento.
1 (...) sendo uma das características do documento a identificação de quem o escreveu, o escrito
anônimo não é documento, constitui a mais clara manifestação da vontade de não documentar. Nesse
contexto, a Turma concedeu a ordem a fim de extinguir a ação penal, visto que o fato, evidentemente,
não constitui crime (art. 386, III, do CPP). Precedente citado: RHC 1.499-RJ, DJ 4/5/1992. HC 67.519-MG,
Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 1º/10/2009.
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O uso de fotocópia não autenticada de documento falso
será fato atípico.
Também não serão considerados documentos:
Requerimentos ou petições, pois não comprovam, por si só, os
fatos narrados, apenas remetendo a documentos. FMB narra
exemplo onde o fato poderia configurar o crime de estelionato:
“uma petição inicial para levantar fundo de garantia de uma pessoa
morta, passando-se por seu único herdeiro”;
Declaração sujeita a verificação – se a declaração contida no
documento depender de verificação pela autoridade competente, o
documento não poderá ser considerado falso. Assim, p.ex., não
haverá falsidade documental na declaração de pobreza não
condizente com a realidade (Contudo, a Lei 1060/50 prevê em seu
art. 4, §1º, comprovada a falsidade da declaração, o requerente
pagará as custas judiciais em “até o décuplo”).
Escrito contendo ato ou negócio jurídico inexistente não traz
consequências jurídicas: ex: petição inicial sem assinatura.
Escrito contendo ato ou negócio jurídico nulo (nulidade absoluta) -
não produz efeitos. Ex: certidão de casamento entre irmãos,
testamento sem testemunhas, certidão de venda da lua.
o Tratando-se de nulidade relativa, configura-se o delito de
falso, uma vez que a nulidade relativa produz efeitos até que
seja declarada pelo Juiz. Ex: contrato assinado por menor
sem assistência.
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Boletim de Ocorrência a finalidade do BO não é comprovar a
autoria do delito, mas sim de levar ao conhecimento da autoridade
policial a notícia de um crime para que seja dado início às
investigações.
Documento Público x Documento Particular
O conceito de documento particular é obtido por exclusão,
ou seja, todos os documentos que não forem públicos serão, via de
consequência, particulares.
Para que o documento seja considerado público, devem
ser atendidas algumas formalidades:
1) Elaboração por funcionário público competente para a
emissão daquele determinado documento. O documento emitido fora das
atribuições legais não será considerado público.
2) Forma legal havendo violação da forma, o
documento será nulo, podendo ser considerado ainda como documento
particular.
A mera autenticação de um documento particular não o torna
público, com exceção à autenticação em si.
Existe ainda o documento público por equiparação: CP,
art. 297, § 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o
emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso,
as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
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CAPÍTULO III
DA FALSIDADE DOCUMENTAL
Falsificação de documento público
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento
público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime
prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento
público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador
ou transmissível por endosso, as ações de sociedade
comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
1) OBJETIVIDADE JURÍDICA Fé Pública. Confiabilidade dos
documentos públicos.
2) TIPO OBJETIVO
a. Verbos núcleo:
o Falsificar – contrafazer o documento por completo ou
parcialmente inserindo informações nos espaços em branco
o Alterar – modificar documento público existente e verdadeiro,
substituindo dizeres.
b. Meio Executório: forma livre.
c. Elementares: Documento Público e Falsidade. Ambas
normativas.
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Documento Público: é aquele elaborado por funcionário público,
no exercício de sua competência funcional, obedecidas as
exigências legais. A doutrina subdivide em:
Documento formal e substancialmente público emanado
de agente público, no exercício das suas funções, com
conteúdo relativo a questões de interesse público
Documento formalmente público e substancialmente
privado emanado de agente público, no exercício de suas
funções, retratando interesse privado.
Documento Público por equiparação (CP, art. 297, §2º):
Emanado de entidade paraestatal – pessoas jurídicas de
direito privado, dispostas paralelamente ao Estado para
execução de atividades de interesse público.
Título ao portador ou transmissível por endosso – cheque,
nota promissória, duplicata.
o O cheque apões o vencimento, passado o prazo de
apresentação, prescrito ou devolvido por falta de fundos não
será mais endossável, de modo que deixa de ser documento
público por equiparação.
Ações de sociedade comercial – sociedades por ações ou
comandita por ações.
Livros mercantis – não importa se obrigatórios ou facultativos
Testamento particular – não abrange os codicilos
Falsidade: o documento falso deve imitar documento verdadeiro,
de forma apta (idônea) a iludir o homem médio.
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o A falsidade grosseira no crime de falsificação de moeda
configura, em tese, crime de estelionato – Súmula 73, STJ
3) TIPO SUBJETIVO Dolo. Consciência e vontade de falsificar
documento público. Não há elemento subjetivo específico.
4) SUJEITOS:
a. Ativo – qualquer pessoa.
Se o agente for funcionário público e prevalecer de sua função,
aumenta-se a pena de 1/6.
b. Passivo – Estado e, secundariamente, a pessoa lesada.
5) CONSUMAÇÃO Crime formal.
Consuma-se com a falsificação ou alteração do documento. O
uso posterior pela mesma pessoa será post factum impunível.
6) TENTATIVA Possível.
7) CONDUTAS EQUIPARADAS
§ 3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:
I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório; II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita; III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado. § 4º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.
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Trata-se, em realidade, de modalidade de falsidade ideológica.
A inserção dentro do crime de falsificação de documento público é fruto
da reforma assistemática realizada pela Lei 9983/2000.
Caso haja sonegação de contribuição previdenciária como
decorrência das condutas descritas, o crime de Apropriação Indébita
Previdenciária absorverá o crime de falso (CP, art. 169-A).
8) COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO
A circunstância do documento falsificado emanar de órgão
federal não implica, necessariamente, na competência da justiça federal.
Súmula 62, STJ: compete à Justiça estadual processar e julgar o
crime de falsa anotação na CTPS, atribuído a empresa privada.
Súmula 104, STJ: Compete à Justiça Estadual o processo e
julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento falso
relativo a estabelecimento particular de ensino.
Súmula 107, STJ: Compete à Justiça Estadual processar e julgar
crime de estelionato praticado mediante falsificação de guias de
recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não
ocorrente lesão à autarquia federal.
Jurisprudência:
Na hipótese, o ora paciente foi condenado a dois anos e seis meses de reclusão e 90
dias-multa por falsificação de documento público e a dois anos e três meses de reclusão
e 80 dias-multa por uso de documento falso, totalizando quatro anos e nove meses de
reclusão no regime semiaberto e 170 dias-multa. Em sede de apelação, o tribunal a quo
manteve a sentença. Ao apreciar o writ, inicialmente, observou o Min. Relator ser
pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o agente que pratica as
condutas de falsificar documento e de usá-lo deve responder por apenas um delito.
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Assim, a questão consistiria em saber em que tipo penal, se falsificação de documento
público ou uso de documento falso, estaria incurso o paciente. Para o Min. Relator,
seguindo entendimento do STF, se o mesmo sujeito falsifica documento e, em seguida,
faz uso dele, responde apenas pela falsificação. Destarte, impõe-se o afastamento da
condenação do ora paciente pelo crime de uso de documento falso, remanescendo a
imputação de falsificação de documento público. Registrou que, apesar de seu
comportamento reprovável, a condenação pelo falso (art. 297 do CP) e pelo uso de
documento falso (art. 304 do CP) traduz ofensa ao princípio que veda o bis in idem, já
que a utilização pelo próprio agente do documento que anteriormente falsificara
constitui fato posterior impunível, principalmente porque o bem jurídico tutelado, ou
seja, a fé pública, foi malferido no momento em que se constituiu a falsificação.
Significa, portanto, que a posterior utilização do documento pelo próprio autor do falso
consubstancia, em si, desdobramento dos efeitos da infração anterior. Diante dessas
considerações, entre outras, a Turma concedeu a ordem para excluir da condenação o
crime de uso de documento falso e reduzir as penas impostas ao paciente a dois anos e
seis meses de reclusão no regime semiaberto e 90 dias-multa, substituída a sanção
corporal por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.
Precedentes citados do STF: HC 84.533-9-MG, DJe 30/6/2004; HC 58.611-2-RJ, DJ
8/5/1981; HC 60.716-RJ, DJ 2/12/1983; do STJ: REsp 166.888-SC, DJ 16/11/1998, e
HC 10.447-MG, DJ 1º/7/2002. HC 107.103-GO, Rel. Min. Og Fernandes, julgado
em 19/10/2010.
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO.
Insurge-se o impetrante contra a classificação jurídico-legal narrada na denúncia, por
entender que o MP expõe um episódio de estelionato em concurso formal e não a
prática de delitos autônomos da maneira pela qual acabou por ser condenado a três anos
de reclusão, com cinqüenta dias-multa, por falsificação de documento público, e um ano
e seis meses de reclusão, com o pagamento de trinta dias-multa por falsidade ideológica,
por falsificação de duas certidões que visaram a obter empréstimos bancários e
movimentar contas-correntes da empresa do seu pai. A Turma, por maioria, não
conheceu do habeas corpus, pois o paciente deverá rever sua pena na revisão criminal.
HC 24.774-GO, Rel. originário Min. Paulo Medina, Rel. para acórdão Min. Fontes
de Alencar, julgado em 16/10/2003.
Falsificação de documento particular
Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento
particular ou alterar documento particular verdadeiro:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Tudo o que foi dito sobre falsificação de documento público se
aplica à falsificação de documento particular, lembrando que o conceito
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de documento particular se obtém por exclusão: os documentos que não
forem púbicos, serão particulares.
Cheque prescrito, após o prazo de apresentação, devolvido por
falta de fundos, ou qualquer outro motivo que impeça o endosso,
será considerado documento particular
O documento público eivado de nulidade poderá, por vezes, ser
considerado documento particular.
Jurisprudência
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR. SONEGAÇÃO DE PAPEL
OU OBJETO DE VALOR PROBATÓRIO. TIPICIDADE.
A conduta de alterar a petição inicial não se subsume aos tipos descritos nos arts. 298 e
356 do CP. No caso, o advogado percebeu que a lista de pedidos da petição
protocolizada estava incompleta. No dia seguinte, retornou ao cartório, trocou a última
folha da peça por outra que continha o pedido que faltava, momento em que foi flagrado
jogando algo no lixo, o que parecia ser uma folha dos autos. Em seguida, foi chamado
um representante da OAB para confirmar a adulteração, acompanhado por um servidor
do tribunal e por um policial. Não foi identificada, na oportunidade, a supressão de parte
dos autos ou outra grave irregularidade, apenas a alteração da última folha da petição
inicial, sendo que a folha constante dos autos continha um pedido a mais. O Min.
Relator registrou que a petição inicial não pode ser considerada documento para
aplicação das sanções dos arts. 298 e 356 do CP, pois não atesta nada, nem certifica a
ocorrência de fatos ou a existência de qualquer direito. Ela tem caráter propositivo e as
afirmações nela contidas poderão ser submetidas ao contraditório para posterior análise
pelo Poder Judiciário, que averiguará a procedência ou não dos pedidos. Precedentes
citados do STF: HC 85.064-SP, DJ 12/5/2006; HC 82.605-GO, DJ 11/4/2003; do STJ:
RHC 11.403-CE, DJ 10/6/2002, e RHC 20.414-RS, DJ 7/2/2008. HC 222.613-TO, Rel.
Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em
24/4/2012.
FALSIDADE IDEOLÓGICA. CPF E CI. CONTA BANCÁRIA.
Trata-se de movimentação de conta bancária por ex-prefeito que teria utilizado cheques
emitidos por “fantasma” até julho de 1989. Toda vez que o paciente, usando CPF e CI
falsos e nome fictício, depositou ou emitiu cheques, praticou um ilícito penal, ocorrendo
a continuidade delitiva. Não procede a afirmação que o cheque é um documento
particular, o art. 297, § 2º, do CP o equipara a documento público para efeitos penais,
por se tratar de um título ao portador. O crime de uso de cheque bancário falso, por
equiparação a documento público, só prescreve, no caso, em 12 anos. Considerando que
o recebimento da denúncia ocorreu em 3/7/2000, a alegação de prescrição restou
afastada. Outrossim a paciente está sendo processada pelos crimes de falsificação e uso
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de papéis falsos como crimes autônomos mas, mesmo chegando à conclusão que o
crime-fim seria a sonegação fiscal e estivesse prescrito, esse fato não alcançaria os
outros crimes. HC 16.927-PE, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 18/9/2001.
Falsidade ideológica
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular,
declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer
inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita,
com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a
verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o
documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se
o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e
comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação
ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a
pena de sexta parte.
1) OBJETIVIDADE JURÍDICA Fé Pública. Confiabilidade no
conteúdo dos documentos.
2) TIPO OBJETIVO
a. Verbos núcleo:
o Omitir – o agente silencia sobre declaração que deveria
constar do documento. Crime omissivo próprio.
o Inserir (falsidade imediata) – o agente, por ato próprio,
introduz uma declaração falsa no documento. Ex:
preenchimento de um formulário com informações falsas;
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oficial de justiça que certifica falsamente não ter encontrado
o réu para citação.
o Fazer inserir (falsidade mediata) – o agente utiliza de um
terceiro para introduzir a declaração falsa. Ex: fornecer
dados falsos ao tabelião.
b. Meio Executório: forma livre.
c. Elementares: declaração falsa ou diversa da que deveria
constar, documento público e documento particular.
declaração falsa ou diversa da que deveria constar: declaração
falsa é aquela que não condiz com a realidade. Declaração diversa
da deveria constar é aquela que, apesar de verdadeira, é inócua
para o caso, ocultando a essencial.
Ex. dado por FMB: sujeito informa que é divorciado de Joana, mas
silencia-se quanto ao fato de ter se casado novamente.
A exemplo da falsidade documental, a falsidade da declaração
deve ser apta a iludir o homem médio. Ex: declarar que é Dom
Pedro reencarnado.
O Caso do Abuso do papel assinado em branco (ex: cheque):
o Se o agente tinha permissão para preenchê-lo, mas abusa
dessa confiança, o crime será de falsidade ideológica;
o Se o agente não tinha a permissão de preencher o
documento, o crime então será de falsificação de
documento.
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3) TIPO SUBJETIVO Dolo. Consciência e vontade de falsificar
documento público. Não há elemento subjetivo específico.
Elemento Subjetivo Específico: fim de prejudicar direito, criar
obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
4) SUJEITOS:
a. Ativo – qualquer pessoa.
Se o agente for funcionário público e prevalecer de sua função,
aumenta-se a pena de 1/6.
b. Passivo – Estado e, secundariamente, a pessoa lesada.
5) CONSUMAÇÃO Crime formal. Dispensa a ocorrência do dano,
sendo suficiente que o documento ideologicamente falso tenha
potencialidade lesiva.
6) TENTATIVA Possível, apenas nas modalidades comissivas.
Jurisprudência:
GRATUIDADE JUDICIÁRIA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. FALSIDADE.
A Turma reiterou o entendimento de que a apresentação de declaração de pobreza com
informações falsas para obtenção da assistência judiciária gratuita não caracteriza os
crimes de falsidade ideológica ou uso de documento falso. Isso porque tal declaração é
passível de comprovação posterior, de ofício ou a requerimento, já que a presunção de
sua veracidade é relativa. Além disso, constatada a falsidade das declarações constantes
no documento, pode o juiz da causa fixar multa de até dez vezes o valor das custas
judiciais como punição (Lei n. 1.060/1950, art. 4º, § 1º). Com esses fundamentos, o
colegiado trancou a ação penal pela prática de falsidade ideológica e uso de documento
falso movida contra acusado. HC 217.657-SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina
(Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em 2/2/2012.
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FALSIDADE IDEOLÓGICA. POLO ESPECÍFICO. NECESSIDADE.
O Ministério Público, na denúncia, assinalou que o paciente teria cometido o delito do
art. 299 do CP (falsidade ideológica) pelo fato de ser procurado pela Justiça. O tribunal
a quo, na apelação, entendeu que o paciente teria inserido sua foto na carteira de
identidade civil de outrem a fim de não ser reconhecido pela Justiça, haja vista existir
mandado de prisão expedido em seu desfavor. Logo, a Turma, por maioria, reiterou o
entendimento de que, uma vez indicado pelas instâncias ordinárias o dolo específico do
paciente, de maneira suficiente a configurar o crime pelo qual foi condenado, não cabe
em habeas corpus analisar profundamente as provas para chegar à conclusão diversa.
Assim, a Turma, por maioria, denegou a ordem. Precedentes citados: HC 139.269-PB,
DJe 15/12/2009; HC 111.355-SP, DJe 8/3/2010, e HC 80.646-RJ, DJe 9/2/2009. HC
132.992-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/10/2010.
LICENCIAMENTO. VEÍCULO. ESTADO DIVERSO.
A Turma reiterou o entendimento de que o licenciamento de veículo em Estado que
possua alíquota do imposto de propriedade de veículo automotor (IPVA) menor que a
alíquota do Estado onde reside o proprietário do veículo não configura crime de
falsidade ideológica, em razão da indicação de endereço falso, mas, sim, supressão ou
redução de tributo. A finalidade da falsidade ideológica é pagar tributo a menor, uma
vez que ela é o crime meio para a consecução do delito fim de sonegação fiscal.
Precedentes citados: CC 96.939-PR, DJe 5/3/2009; HC 70.930-SP, DJe 17/11/2008, e
HC 94.452-SP, DJe 8/9/2008. HC 146.404-SP, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em
19/11/2009.
FALSIDADE IDEOLÓGICA. ADVOGADO. PETIÇÃO.
Mostra-se atípica a conduta do advogado que insere dado incorreto na petição de habeas
corpus (corrigido nas informações da própria autoridade coatora). Esse dado (o número
de um procedimento administrativo fiscal que se mostrou ser o de uma representação
fiscal para fins penais) lastreou-se em informações constantes da própria denúncia, a
evidenciar o equívoco ou a falsa representação a respeito do fato objeto da falsidade.
Anote-se que, a par da ciência ou não do agente acerca do falso, não caracteriza o
crime de falsidade ideológica a declaração que depende de confirmação ou controle
posterior, pois ela não produz efeitos por sua própria força, tal como no caso, em
que o dado inserto na petição foi confrontado pelo juízo com a informação correta
da autoridade coatora, a Receita Federal, quanto mais se a petição judicial não
pode ser tida por documento particular a amoldar-se ao elemento normativo do
tipo penal do art. 299 do CP. Por último, vê-se que um exame mais aprofundado da
prova pré-constituída jungida ao habeas corpus é possível se necessário para a
constatação da existência de justa causa no recebimento da denúncia. Precedente citado
do STF: HC 82.605-9-GO, DJ 11/4/2003. HC 51.613-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, julgado em 25/9/2008.
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Uso de documento falso
Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados
ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.
1) OBJETIVIDADE JURÍDICA Fé Pública.
2) TIPO OBJETIVO
o Verbo núcleo: Fazer Uso – o agente deve utilizar o
documento falso em sua específica destinação probatória
como se fosse verdadeiro.
Portar o documento o mero porte do documento não se
subsume à conduta narrada no tipo. A mera exibição do
documento, entre amigos, não configura o crime. Por outro lado,
há quem defenda que o porte de CNH seria uso de documento
falso, uma vez que o CTB prevê que tal documento é de “porte
obrigatório” e, assim, o agente estaria usando o documento para
sua a finalidade.
A simples alusão ao documento falso ou a exibição para
vangloriar-se não configura o uso.
A apresentação de fotocópia não autenticada do documento falso é
fato atípico, pois esta foge ao conceito de documento.
Espontaneidade da exibição prevalece que a apresentação não
precisa ser espontânea, basta que seja voluntária (por todos,
Nucci). Assim, quando o agente fornece o documento falso a
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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 19
policial que o requisita, consuma-se o crime. Por outro lado,
Delmanto, citando Nelson Hungria, sustenta que o documento
deve sair da esfera de disponibilidade do agente por sua própria
iniciativa.
o Revista Pessoal se o documento falso é encontrado com
o agente durante revista pessoal, não houve apresentação
espontânea nem voluntária, o que afasta a ocorrência do
injusto.
Prevalece hoje que a apresentação de documento falso no
momento do interrogatório policial foge ao âmbito da auto defesa,
configurando o crime de uso de documento falso.
a. Meio Executório: forma livre.
b. Elementares: documento falso, apresentação voluntária e
apresentação dentro da destinação específica do
documento.
3) TIPO SUBJETIVO Dolo. Consciência e vontade de fazer uso de
documento que saber ser falso. Prevalece que a dúvida sobre a
falsidade não afasta o crime, uma vez que o delito admite dolo
eventual. Em sentido contrário: Damásio, que exige o dolo direto.
4) SUJEITOS:
a. Ativo – qualquer pessoa, menos a que falsificou o
documento.
O uso do documento falsificado pelo falsário configura mero
exaurimento do delito de falsificação e será por ele absorvido.
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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 20
Se o falso se exaure no crime de estelionato, por ele será
absorvido.
o Súmula 17, STJ: Quando o falso se exaure no estelionato,
sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.
Haverá punição pelo uso, ainda que a pessoa que falsificou o
documento seja absolvida ou desconhecida.
b. Passivo – Estado e, secundariamente, a pessoa lesada.
5) CONSUMAÇÃO Crime de mera conduta e, em regra,
unissubsistente. Consuma-se no momento em que o agente faz
uso do documento. Dispensa a ocorrência do dano, sendo
suficiente que o documento falso tenha potencialidade lesiva.
6) TENTATIVA Em regra, inadmissível. Flávio Monteiro de Barros
propõe que, se o documento é enviado pelo correio, seria
admissível a tentativa.
Jurisprudência:
USO DE RECIBOS IDEOLOGICAMENTE FALSOS. DECLARAÇÃO DE IRPF.
TIPIFICAÇÃO.
Constitui mero exaurimento do delito de sonegação fiscal a apresentação de recibo
ideologicamente falso à autoridade fazendária, no bojo de ação fiscal, como forma de
comprovar a dedução de despesas para a redução da base de cálculo do imposto de
renda de pessoa física (IRPF), (Lei n. 8.137/1990). Na espécie, o paciente, em
procedimento fiscal instaurado contra terceira pessoa (psicóloga), teria apresentado
recibo referente a tratamento não realizado, para justificar declaração anterior prestada à
Receita Federal por ocasião do recolhimento do seu IRPF. Segundo se afirmou, o falso
teria sido cometido única e exclusivamente com o objetivo de reduzir ou suprimir o
pagamento do imposto de renda. Assim, em consonância com o enunciado da Súm. n.
17 desta Corte, exaurida a potencialidade lesiva do documento para a prática de outros
crimes, a conduta do falso ficaria absorvida pelo crime de sonegação fiscal. Noticiou-se,
por fim, o adimplemento do débito fiscal, oriundo da referida sonegação, na esfera
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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 21
administrativa. Nesse contexto, a Turma determinou o trancamento da ação penal – por
falta de justa causa – instaurada contra o paciente com fulcro nos arts. 299 e 304 ambos
do CP. HC 131.787-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/8/2012.
USO SE DOCUMENTO FALSO: TIPICIDADE DA CONDUTA E PRINCÍPIO
DA AUTODEFESA.
A Turma denegou habeas corpus no qual se postulava o reconhecimento da atipicidade
da conduta praticada pelo paciente – uso de documento falso (art. 304 do CP) – em
razão do princípio constitucional da autodefesa. Alegava-se, na espécie, que o paciente
apresentara à autoridade policial carteira de habilitação e documento de identidade
falsos, com objetivo de evitar sua prisão, visto que foragido do estabelecimento
prisional, conduta plenamente exigível para a garantia de sua liberdade. O Min. Relator
destacou não desconhecer o entendimento desta Corte de que não caracteriza o crime
disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do CP, a conduta do acusado que
apresenta falso documento de identidade à autoridade policial para ocultar antecedentes
criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de
autodefesa, já que atuou amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXII, da
CF. Considerou, contudo, ser necessária a revisão do posicionamento desta Corte para
acolher entendimento recente do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário,
proferido no julgamento do RE 640.139-DF, quando reconhecida a repercussão geral da
matéria. Ponderou-se que, embora a aludida decisão seja desprovida de caráter
vinculante, deve-se atentar para a finalidade do instituto da repercussão geral, qual seja,
uniformizar a interpretação constitucional. Conclui-se, assim, inexistir qualquer
constrangimento ilegal suportado pelo paciente uma vez que é típica a conduta daquele
que à autoridade policial apresenta documentos falsos no intuito de ocultar antecedentes
criminais negativos e preservar sua liberdade. HC 151.866-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi,
julgado em 1º/12/2011.
USO. DOCUMENTO FALSO. AUTODEFESA. IMPOSSIBILIDADE.
A Turma, após recente modificação de seu entendimento, reiterou que a apresentação de
documento de identidade falso no momento da prisão em flagrante caracteriza a conduta
descrita no art. 304 do CP (uso de documento falso) e não constitui um mero exercício
do direito de autodefesa. Precedentes citados STF: HC 103.314-MS, DJe 8/6/2011; HC
92.763-MS, DJe 25/4/2008; do STJ: HC 205.666-SP, DJe 8/9/2011. REsp 1.091.510-
RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 8/11/2011.
FALSIFICAÇÃO. DOCUMENTOS. USO.
No caso, o paciente fora condenado pela prática de três crimes, dois de falsificação de
documentos e um de uso de documento falso. Isso porque teria falsificado duas
certidões de casamento, uma que fora utilizada por ele próprio para obtenção do
passaporte e outra utilizada pelo corréu para o mesmo fim. Assim, apenas a condenação
relativa a um dos três crimes deve ser afastada. Somente com relação à falsificação e
utilização do mesmo documento pelo paciente pode incidir o princípio da consunção.
Como a falsificação e o respectivo uso se encontram teleologicamente ligados, em
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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 22
respeito ao princípio mencionado, tem-se um único delito. Quanto ao delito de
falsificação da outra certidão de casamento, é inviável tal proceder, uma vez que foi
utilizado pelo corréu, pois o bis in idem somente é reconhecido quando o mesmo agente
falsifica e usa o documento. Precedentes citados: HC 107.103-GO, DJe 8/11/2010; HC
146.521-SP, DJe 7/6/2010, e CC 107.100-RJ, DJe 1º/6/2010. HC 150.242-ES, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 31/5/2011.
USO. DOCUMENTO FALSO. FALSIFICAÇÃO. CRIME ÚNICO.
Na hipótese, o ora paciente foi condenado a dois anos e seis meses de reclusão e 90
dias-multa por falsificação de documento público e a dois anos e três meses de reclusão
e 80 dias-multa por uso de documento falso, totalizando quatro anos e nove meses de
reclusão no regime semiaberto e 170 dias-multa. Em sede de apelação, o tribunal a quo
manteve a sentença. Ao apreciar o writ, inicialmente, observou o Min. Relator ser
pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o agente que pratica as
condutas de falsificar documento e de usá-lo deve responder por apenas um delito.
Assim, a questão consistiria em saber em que tipo penal, se falsificação de documento
público ou uso de documento falso, estaria incurso o paciente. Para o Min. Relator,
seguindo entendimento do STF, se o mesmo sujeito falsifica documento e, em seguida,
faz uso dele, responde apenas pela falsificação. Destarte, impõe-se o afastamento da
condenação do ora paciente pelo crime de uso de documento falso, remanescendo a
imputação de falsificação de documento público. Registrou que, apesar de seu
comportamento reprovável, a condenação pelo falso (art. 297 do CP) e pelo uso de
documento falso (art. 304 do CP) traduz ofensa ao princípio que veda o bis in idem, já
que a utilização pelo próprio agente do documento que anteriormente falsificara
constitui fato posterior impunível, principalmente porque o bem jurídico tutelado, ou
seja, a fé pública, foi malferido no momento em que se constituiu a falsificação.
Significa, portanto, que a posterior utilização do documento pelo próprio autor do falso
consubstancia, em si, desdobramento dos efeitos da infração anterior. Diante dessas
considerações, entre outras, a Turma concedeu a ordem para excluir da condenação o
crime de uso de documento falso e reduzir as penas impostas ao paciente a dois anos e
seis meses de reclusão no regime semiaberto e 90 dias-multa, substituída a sanção
corporal por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.
Precedentes citados do STF: HC 84.533-9-MG, DJe 30/6/2004; HC 58.611-2-RJ, DJ
8/5/1981; HC 60.716-RJ, DJ 2/12/1983; do STJ: REsp 166.888-SC, DJ 16/11/1998, e
HC 10.447-MG, DJ 1º/7/2002. HC 107.103-GO, Rel. Min. Og Fernandes, julgado
em 19/10/2010.
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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 23
Falsa identidade
Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade
para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para
causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o
fato não constitui elemento de crime mais grave.
1) OBJETIVIDADE JURÍDICA Fé Pública.
2) TIPO OBJETIVO:
o Verbo núcleo: Atribuir a si – o agente se faz passar por
outra pessoa - ou a terceiro – o agente imputa a terceiro,
falsa identidade.
A doutrina diverge sobre o conceito de identidade, prevalecendo o
conceito amplo:
o Corrente extensiva – abrange a identidade física, civil e
social
o Corrente restritiva – abrange apenas a identidade física.
Silenciar-se diante do erro alheio não se subsume ao tipo.
Troca de Fotografia em RG – prevalece ser falsificação de
documento público, uma vez que a fotografia é parte integrante e
essencial ao documento.
Falsa identidade em Interrogatório prevalece que o agente que
atribui falsa identidade em interrogatório com a intenção de ocultar
seu passado criminoso não pratica o crime. Trata-se de exercício
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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 24
da autodefesa, pois ninguém é obrigado a produzir provas contra si
mesmo.
a. Meio Executório: forma livre.
b. Elementares: Identidade e falsidade.
3) TIPO SUBJETIVO Dolo. Consciência e vontade de atribuir a si
ou a outrem identidade falsa.
Elemento Subjetivo Específico: finalidade de obter vantagem, em
proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
4) SUJEITOS:
a. Ativo – qualquer pessoa.
b. Passivo – Estado e, secundariamente, a pessoa lesada.
5) CONSUMAÇÃO Crime formal.. Consuma-se no momento em
que o agente atribui a si ou a outrem a falsa identidade. Dispensa
a ocorrência do dano, sendo suficiente que a mentira tenha
potencialidade lesiva.
6) TENTATIVA Admite-se, quando realizada por escrito.
Jurisprudência:
RCL. CRIME. FALSA IDENTIDADE.
A reclamação tem por base a Res. n. 12/2009-STJ, visto que a turma recursal dos
juizados especiais estaduais em questão teria proferido acórdão que diverge da
jurisprudência do STJ. Houve a concessão de liminar para determinar a suspensão dos
processos em trâmite nos juizados especiais que tratem de tema semelhante ao da
reclamação. O reclamante foi condenado por ter declarado, diante da autoridade
policial, nome diverso do seu com o fim de ocultar sua vida pregressa (art. 307 do CP).
Contudo, prevalece no STJ o entendimento de que, em regra, essa conduta é atípica,
pois geralmente não se subsume ao tipo constante do referido artigo, visto que se está
buscando não uma vantagem ilícita, mas sim o exercício de possível direito
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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 25
constitucional – a autodefesa. Anote-se, todavia, que essa averiguação faz-se caso a
caso. Quanto ao tema, a Min. Maria Thereza de Assis Moura trouxe ao conhecimento da
Seção recente julgado do STF nesse mesmo sentido. Assim, a Seção julgou procedente
a reclamação para reformar a decisão da turma recursal dos juizados especiais estaduais
e absolver o reclamante por atipicidade, ratificando a liminar concedida apenas quanto a
ele, revogando-a no que diz respeito aos demais processos, que deverão ser analisados
um a um pelos respectivos órgãos julgadores, mas com a observância do entendimento
reiterado pelo STJ. Por último, cogitou-se sobre a remessa do julgamento à Corte
Especial em razão da cláusula de reserva de plenário, diante da aventada
inconstitucionalidade parcial do referido artigo do CP, o que foi descartado. Precedentes
citados do STF: HC 103.314-MS, DJe 7/6/2011; do STJ: HC 171.389-ES, DJe
17/5/2011; HC 99.179-SP, DJe 13/12/2010; HC 46.747-MS, DJ 20/2/2006; HC 21.202-
SP, DJ 13/3/2006; HC 153.264-SP, DJe 6/9/2010; HC 145.261-MG, DJe 28/2/2011, e
REsp 432.029-MG, DJ 16/11/2004. Rcl 4.526-DF, Rel. Min. Gilson Dipp, julgada em
8/6/2011.
“HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR A
CONDIÇÃO DE FORAGIDO. EXERCÍCIO DE AUTODEFESA. ABSOLVIÇÃO.
CRIME DE RECEPTAÇÃO. PENA-BASE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE. REINCIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM.
REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. 1. Consolidou-se nesta Corte o entendimento
de que a atribuição de falsa identidade, visando ocultar antecedentes criminais, constitui
exercício do direito de autodefesa. 2. No caso dos autos, a conduta atribuída ao paciente
foi a de fazer uso de documento falso. É bem verdade que a finalidade era a mesma, ou
seja, ocultar sua verdadeira identidade, por ser "procurado pela Justiça". 3. Embora o
delito previsto no art. 304 do Código Penal seja apenado mais severamente que o
elencado no art. 307 da mesma norma, a orientação já firmada pode se estender ao ora
paciente, pois a conduta por ele praticada se compatibiliza com o exercício da ampla
defesa. 4. Absolvição que se impõe quanto ao crime de uso de documento falso. 5. (...)”
(HC 151470/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 06/12/2010)