1
Produção e circulação de objetos, saberes e sujeitos:
Considerações a partir das experiências da política de patrimônio imaterial junto
aos Mbyá Guarani e Wajãpi1
Damiana Bregalda Jaenisch (UERJ)2
Resumo: O texto trata da produção e circulação de objetos culturais - “cultura”
objetivada no âmbito da política de patrimônio imaterial, saberes materializados em
textos e filmes elaborados por indígenas - que por sua vez estão agenciando a produção
de novos sujeitos. A partir das experiências de formação de pesquisadores e realizadores
Wajãpi e Mbya Guarani, busca evidenciar como eles vem construindo enunciados
acerca de si e apontar para algumas das tensões e efeitos ambíguos gerados na execução
de políticas culturais e mais especificamente de patrimônio imaterial junto aos grupos
indígenas.
Palavras-chave: Patrimônio Imaterial, Mbya Guarani, Wajãpi.
No mundo guarani não tem apenas um jeito certo de adquirir
conhecimento, aprendemos do nosso modo: observando, ouvindo
os conselhos dos xeramoĩ kuery3, praticando as atividades e, na
maioria das vezes, os conhecimentos são transmitidos pelas
divindades (nhanderu kuery), porque são elas que nos ajudam a ter
força e saber (...). Dessa forma, nós percebemos ao longo dessa
pesquisa a importância de conhecer e transmitir os nossos
conhecimentos e de falar deles de um modo que os jurua kuery4
entendam e respeitem nosso modo de viver, nossos conceitos e
jeitos de pensar. (Pesquisadores Guarani, 2013).
A citação acima foi retirada do livro “Xondaro Mbaraete: a força do xondaro”,
elaborado coletivamente por jovens Mbya que participaram da formação de
pesquisadores realizada no âmbito do “Inventário Nacional de Referências Culturais
Mbya Guarani”5. O projeto foi realizado em parceria entre o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e a
1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN. 2 As reflexões aqui apresentadas desdobraram-se da minha experiência de atuação como consultora em
antropologia junto ao Departamento do Patrimônio Imaterial/ IPHAN entre os anos de 2010 e 2013 e
introduzem questões que serão desenvolvidas em minha pesquisa de doutorado em Artes, na UERJ, que
curso com bolsa concedida pela FAPERJ. 3 Avós, mais velhos ou pajés.
4 Jurua é como os Mbya denominam os não-indígenas. Kuery designa plural ou coletivo.
5 O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) é um instrumento ou metodologia proposta pelo
IPHAN/MinC para documentação de referências culturais. O INRC Mbya Guarani vem sendo realizado
em parceria entre o CTI, IPHAN e CGY desde 2009 nos seis estados do Sul e Sudeste do país. Ele é um
dos desdobramentos da realização do INRC Comunidade Mbya Guarani em São Miguel Arcanjo,
realizado em quatro aldeias Mbya localizadas no Rio Grande do Sul, entre os anos de 2004 e 2006 em
parceria entre o IPHAN e a FAURGS (Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul).
2
Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) visando instrumentalizar pesquisadores Mbya a
produzir reflexões e traduções sobre suas práticas e saberes6. A formação dos
pesquisadores foi desenvolvida entre setembro de 2012 e novembro de 2013 e envolveu
diretamente jovens, lideranças, xeramoĩ de cinco aldeias localizadas no estado de São
Paulo7. O projeto buscou atender as demandas dos Mbya de eles mesmos
protagonizarem a pesquisa e documentação sobre o Xondaro, manifestação complexa
que refere desde à dança, como a funções e modos de comportamentos (Pesquisadores
Guarani, 2013:26).
A experiência de formação de pesquisadores, realizadores ou cineastas entre os
Mbya se insere num contexto mais amplo de experiências que vem sendo realizadas no
Brasil, de modo mais vigoroso nas duas últimas décadas. Os coletivos indígenas vem
cada vez mais mostrando interesse em se apropriar dos instrumentos e tecnologias do
“mundo dos brancos” para produção e difusão de seus conhecimentos e enunciação de
suas “culturas”. Os produtos gerados nestas iniciativas (livros, filmes, fotografias) tem
se multiplicado e feito circular seus conhecimentos, reflexões e experiências e levado
maior número de indígenas a ocuparem espaços onde antes suas vozes chegavam
mediadas sobretudo pelas de antropólogos e outros especialistas8.
O interesse indígena no desenvolvimento de “projetos de valorização cultural”,
que posteriormente se desdobram em ações como as de formação de pesquisadores e
cineastas indígenas vêm à tona especialmente a partir da década de 1980, sendo as
organizações não governamentais os principais agentes neste diálogo. Dentre os
projetos mais emblemáticos está o “Vídeo nas Aldeias”, criado em 1986 no âmbito da
ONG Centro de Trabalho Indigenista e desenvolvido até hoje com grande adesão entre
os grupos indígenas. Na última década, projetos culturais voltados aos povos indígenas
6 Do projeto resultou a elaboração de um livro com textos e imagens, a produção de um vídeo e o
preenchimento das fichas que sistematizam as informações da pesquisa do INRC. 7 Aldeias Tenondé Porã, Krukutu, Ribeirão Silveira, Pyau e Peguao-ty. Os pesquisadores Guarani
envolvidos na formação foram: Alexandre Ferreira Benites, Donizete Karai Fernandes Soares da Silva,
Edson Tejekupe dos Santos, Miller Orue Gonçalves, Nilson da Silva, Silvio Aquiles Euzébio, Vilmar
Evaristo da Silva, Vitalino Gomes Euzébio, Vladmir Karai Poty Macena, Kerexu Mirim da Silva, Cristian
da Silva, Osmar Veríssimo, Joraci Taoya Gonçalves. Também estiveram diretamente envolvidos no
projeto Marcos dos Santos Tupã enquanto coordenador indígena do Projeto e o xerãmoi Pedro Vicente
Karai Mirim. Conduziram a formação Joana Cabral de Oliveira e Lucas Keese dos Santos, com apoio de
outros colaboradores do CTI. Por parte do IPHAN, acompanhei os cursos de formação enquanto
consultora, juntamente com a participação de técnicos das Superintendências Estaduais do IPHAN e do
Departamento do Patrimônio Imaterial. 8 Destaca-se a participação e premiação de filmes em festivais nacionais e internacionais de cinema, o
crescimento de festivais e mostras de cinema indígena, participação na produção de exposições,
realização de palestras em escolas e universidades (além do número crescente de indígenas cursando o
ensino superior).
3
passam a ser respaldados também por políticas governamentais, a exemplo da
implementação dos pontos de cultura indígena e do prêmio culturas indígenas pelo
Ministério da Cultura e ainda o Programa de documentação de línguas e culturas
indígenas pelo Museu do Índio/FUNAI.
Também nesta última década, a política de patrimônio imaterial do
IPHAN/MinC vem se configurando como mais um espaço de encontro e diálogo com os
grupos indígenas. Este espaço tem mobilizado os grupos indígenas a elaborarem suas
estratégias de relação com a política de patrimônio imaterial, situando-a em seus
projetos culturais e políticos mais amplos. Dentre os aspectos em pauta está a forma e
qualidade da participação indígena nestes projetos, que vem sendo objeto de negociação
e constante elaboração em cada caso específico. Entre os Mbya Guarani, por exemplo, a
demanda de formação de realizadores indígenas surgiu ao longo da execução do INRC
em São Miguel das Missões, que estava sendo executado por equipe de antropólogos da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e lideranças Guarani. A formação em
audiovisual demandada pelos Mbya foi realizada em parceria entre o IPHAN/RS e a
ONG Vídeo nas Aldeias, da qual resultou o filme “Mokoi Tekoá Petei Jeguatá – Duas
aldeias, uma caminhada” (2008). Já na execução da segunda etapa do INRC Mbya
Guarani em São Paulo, os Mbya junto com o CTI elaboraram projeto de formação de
pesquisadores indígenas, dialogando com a experiência desenvolvida entre os Wajãpi.
A formação de pesquisadores indígenas junto aos Wajãpi foi iniciada em 2002,
no âmbito do Programa Educação Wajãpi desenvolvido pela ONG Iepé (Gallois,
2005:129). Em 2004 as oficinas de formação passaram a ter apoio do IPHAN enquanto
uma das ações que integram o Plano de Salvaguarda elaborado com o Registro9 da
“Arte Kusiwa: pintural corporal e arte gráfica Wajãpi” como bem cultural do Brasil em
2002 e a inscrição das “Expressões gráficas e orais dos Wajãpi” como Obra Prima do
Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela UNESCO em 2003. Mas anterior à
formação de pesquisadores, os Wajãpi já vinham produzindo livros, vídeos e realizando
exposições em parceria com antropólogos e instituições museológicas.
O interesse dos grupos indígenas em estabelecer estes espaços de diálogo com
os não indígenas e com o Estado a partir de projetos culturais parece ser um efeito da
conscientização de que a valorização de seus modos específicos de estar no mundo e o
9 O Registro é o instrumento de reconhecimento do Estado do patrimônio imaterial e foi instituído pelo
Decreto 3.551 em 2000. O Plano de Salvaguarda é o instrumento de apoio e fomento aos bens
Registrados.
4
reconhecimento destes grupos e pessoas enquanto sujeitos de direitos diferenciados
passa em grande medida pela enunciação da sua “cultura” (Gallois, 2005:124). Além
disso, os jovens indígenas estão cada vez mais atraídos pelas “coisas e saberes dos
brancos” em detrimento dos conhecimentos dos mais velhos, e neste contexto, a
realização de pesquisas e a produção audiovisual tem se constituído em novas
possibilidades de aproximação e transmissão de saberes entre gerações, de produção e
circulação de conhecimentos.
Buscarei neste texto tratar da produção e circulação de objetos culturais -
“cultura” objetivada nos projetos de patrimônio imaterial, saberes materializados em
textos e filmes elaborados por indígenas - que por sua vez estão agenciando a produção
de novos sujeitos. A partir das experiências de formação de pesquisadores e realizadores
Wajãpi e Mbya Guarani, buscarei evidenciar como eles vêm construindo enunciados
acerca de si e apontar para algumas das tensões e efeitos ambíguos gerados na execução
de políticas culturais e mais especificamente de patrimônio imaterial junto aos povos
indígenas. Esses efeitos ambíguos e tensões vêm à tona nos fluxos e deslocamentos
tanto dos saberes indígenas para contextos não-indígenas quanto dos saberes não-
indígenas para os contextos indígenas.
Produção e transformação de sujeitos, de enunciados sobre si e de cultura
A definição e garantia de direitos territoriais e culturais a partir da Constituição
de 1988 faz desta um marco na relação dos povos indígenas com o Estado nacional,
instituindo uma série de mudanças em termos de proposição de políticas e da tomada de
posição dos novos sujeitos. Com o novo paradigma jurídico o Estado passa a reconhecer
o país como multicultural, assumindo o dever de garantir direitos específicos aos povos
indígenas, que passam a se constituir em sujeitos de direitos e a ocupar espaços de
enunciação enquanto tais.
Neste cenário, cultura, entendida como dispositivo heurístico à serviço da
produção do conhecimento antropológico, passa a ser apropriada, deslocada e
ressemantizada tanto pelo Estado como pelos grupos indígenas. O direito à diferença
vem pautado neste novo contexto pela definição de identidades particulares
caracterizadas por modos igualmente particulares de criar, saber e viver compartilhados
entre membros de uma coletividade. Paralelo à emergência da indianidade enquanto
condição destes novos sujeitos - que gera direitos expressos em categorias jurídicas
5
como a de “Terra Indígena” - temos o movimento de “etnificação” como idioma
proposto pela política indigenista para gestão das diferenças.
Conforme expõe Carneiro da Cunha (2009), os coletivos indígenas são então
impelidos a agir de modo a corresponder e adequar-se às expectativas e à imaginação
ocidental se quiserem ser ouvidos em suas demandas. São forçados a demonstrar
performaticamente a “sua cultura” e a constituir-se enquanto unidade étnica. Abordando
o uso de etnônimos entre os Wajãpi, por exemplo, Gallois (2007:106) indica que até a
década de 1980 não se ouvia nas aldeias wajãpi referências a coletivos étnicos ou ao
termo “Wajãpi”. Nas palavras da autora:
Dizia-se apenas, “nós” e cabia ao antropólogo captar a rede local de
alianças e inimizades para situar os limites e as fronteiras desse “nós”,
uma rede particular distinta de outros tantos “nós”, no mesmo grupo, na
mesma aldeia. (Gallois, 2007:106).
Gallois (2005) expõe que é a partir da década de 1980 que o termo Wajãpi e a
noção de identidade e unidade étnica passam a ser evocadas. Apresentando as
transformações por que passam as noções wajãpi de “cultura”, Gallois indica que num
primeiro momento a produção de identidade para estabelecimento de diálogo com os
karaikõ (não indígenas), os Wajãpi tenderam a obliterar suas diferenças internas.
Conforme a autora, a noção de unidade étnica é bastante contraditória “para um povo
que se pensa a partir das trajetórias independentes de seus grupos locais e facções
políticas” (Gallois, 2005:114). O mesmo pode ser pensado com relação aos Mbya
Guarani, cuja disposição à segmentaridade e recusa à unidade em favor da
multiplicidade foi definida por Pierre Clastres como “sociedade contra o Estado”
(Macedo, 2010:6,7). Como pensar então, a coexistência de identidades étnicas
produzidas “para fora” ou para a relação com o Estado e a disposição à segmentaridade
destes coletivos? Uma série de trabalhos (dentre eles os de Gallois 2007 e Carneiro da
Cunha 2009) vem mostrando que a constituição de objetos culturais, identidades e
coletividades genéricas vem gerando efeitos diversos entre os coletivos em questão.
Neste sentido, uma identidade constituída para fora não pode (ao menos por muito
tempo) estar completamente deslocada de um modo de operação interno. Como formula
Carneiro da Cunha (2009:313), a produção de “cultura” “para si” gera efeitos na cultura
ou “cultura em si” e sua metacategoria.
Conforme descreve Gallois (2007:106,107), após um período de uso dos
etnônimos apenas para o contexto da relação com os brancos, os Wajãpi, especialmente
os mais jovens, passam a utilizá-lo com mais freqüência em outros contextos. Os
6
classificadores até então utilizados pelos mais velhos para distinção das modalidades de
alteridade vem com isso sendo transformados. Tais mudanças vem atreladas a outras,
que afetaram, por exemplo, as relações de troca entre grupos que habitam a região do
Amapá e norte do Pará. Gallois assim descreve as transformações nas redes de troca
entre aqueles grupos e gerações:
A jovem geração não tem mais a oportunidade de seguir viagem para
trocar cães de caça, louças chinesas, cantos de cura e tipos de tabaco,
como se fazia no passado, no âmbito das relações interpessoais panary
(ou pawana). (...) É notável esse interesse da maior parte dos jovens,
especialmente de líderes, em identificar o que é de cada um, objetos
wayana, objetos tiriyó, wajãpi, como séries distintas. Procuram o ponto
zero da mudança, para dar a César o que é de César. Esta não é a
preocupação dos mais velhos que, ao contrário, possuem em sua memória
detalhadas histórias de encontros, mal ou bem sucedidos, de que se
originaram tal espécie de batata azulada, ou tal canto, ou tal e tal técnica
de trançado. No caso das pessoas mais idosas, o compartilhamento, a
apropriação de elementos de outros não representa problemas, tal a lógica
do sistema tradicional de trocas na região (Gallois, 2007:107,108).
A insistência em atribuir um pertencimento étnico às criações culturais tem
contribuído para efeitos como o de transformar relações de trocas e negociações em
relações de disputas sobre a origem de motivos gráficos, termos lingüísticos entre os
grupos da região (Gallois, 2007:109). Com base em efeitos como estes, que o registro
da Arte Kusiwa junto ao IPHAN pode intensificar, tem sido elaboradas críticas à
priorização do recorte étnico como definidor de unidades no âmbito das políticas de
patrimonialização de bens indígenas. Segundo Grupioni (2010), as trocas entre os
grupos que habitam a região do Amapá e norte do Pará (como os Tiriyó, Kaxuyana,
Wayana, Aparai além dos Wajãpi) desfazem possíveis fronteiras étnicas, lingüísticas
constituindo um “esquema cultural comum” na região em questão10
.
Mas para além destes efeitos da produção das identidades étnicas, Gallois
(2005) também aponta para outro movimento recente, que diz respeito às
transformações nas formas de enunciação de “cultura” pelos Wajãpi. Se num primeiro
momento eles em suas enunciações diluíram as diferenças internas em nome de uma
identidade Wajãpi, no momento atual as diferenças internas passam a ser explicitadas
10
A questão do registro de bens culturais indígenas em nome de um grupo étnico gerou tensões também
no caso do registro da “Cachoeira de Iauaretê”, na região do Rio Negro/AM. Com a manifestação de
outros grupos étnicos reivindicando suas narrativas sobre o lugar, o registro que seria feito em nome dos
Tariano alterou-se ao longo do processo contemplando os “povos indígenas” que habitam a região dos
rios Uaupés e Papuri.
7
(Gallois, 2005:114). No livro “Jane Reko Morasia – Organização Social Wajãpi” os
pesquisadores assim explicitam tais distinções:
Wajãpi não é tudo igual. Cada Wajãpi tem o grupo de origem dele, seu
wanã. Os antepassados de cada wanã são diferentes. Wanã não é a
mesma coisa que aldeia, é um grupo de pessoas que não moram todas
juntas, mas em diferentes aldeias. Mas todas as pessoas de um mesmo
wanã conhecem sua região e seus caminhos. Quando acontece encontro
com outro wanã kõ, a gente se apresenta: “Eu sou Inipuku wanã”; “Eu
sou Kumakary wanã”; “Eu sou Wiririry wanã”; “Eu sou Pypyiny wanã”;
“Eu sou Kamopi wanã”; “Eu sou Pirawiri wanã”; “Eu sou Tawaikupã
wanã”. (...) Reconhecemos as pessoas dos outros wanã kõ porque elas
têm sotaque diferente. Cada wanã tem seus conhecimentos, suas histórias
e seu próprio jeito de fazer festa (Pesquisadores Wajãpi, s/d).
Desafiados a estabelecer um diálogo com os não indígenas que demanda
apropriação de categorias específicas a cada política e ao mesmo tempo buscando se
aproximar dos mais velhos, cujo repertório de práticas, conhecimentos e formas de
enunciação eles também não dominam, os jovens pesquisadores se vem diante de uma
tarefa desafiadora, mas também instigante, sobretudo quando compreendem que o
exercício da tradução cultural lhes permite enunciar as diferenças que lhes fariam mais
sentido (entre subgrupos) que as diferenças culturais propostas pela política indigenista,
das diferenciações étnicas (Gallois, 2005:115). Neste sentido, traduções mais complexas
passam a ser elaboradas tanto para fora, para as quais o diálogo com a geração mais
velha é importante, como também os jovens vem se apropriando de forma mais
complexa dos conhecimentos do mundo dos karaikõ e jurua, sobre os quais tem se
esforçado a traduzir para os demais Wajãpi e Guarani.
Ao produzirem reflexões sobre si e sobre o outro, materializando saberes em
vídeos, livros, cds, de modo a difundí-los por um lado, mas incorporá-los, por outro, os
pesquisadores introduzem novas possibilidades de relações tanto internamente quanto
com os não indígenas. Mais importante que uma ênfase nos produtos que vem sendo
gerados nestes projetos parece ser a forma como, através de pesquisas, da escrita,
realização de filmes e exposições os jovens vem se aproximando das gerações mais
velhas e incorporando novas formas de produção do pensamento e de si nessas relações,
que incluem também os não-indígenas.
A escrita e as imagens produzidas pelos Wajãpi e Guarani além de
possibilitarem um olhar e refletir sobre si e suas relações internas são também potentes
pela possibilidade de narrar seus encontros com os não indígenas e os efeitos destes
encontros de seus próprios pontos de vista. O filme “Mokoi Tekoá Petei Jeguatá” que
8
retrata o cotidiano de duas aldeias no Rio Grande do Sul (localizadas em Porto Alegre e
em São Miguel das Missões) lança um olhar crítico sobre as relações entre os Guarani,
os brancos e seus modos de habitar os territórios, expondo as tensões vividas pelos
Guarani na ausência de espaços para plantar e caçar. Também narra o encontro entre os
Guarani e turistas no sítio Histórico de São Miguel das Missões a partir de cenas que
causam constrangimento ao ver a forma como as pessoas de dirigem a eles durante a
compra de artesanato ou como é ignorada sua presença atual no local em detrimento de
narrativas dos guias turísticos acerca dos feitos históricos do passado, que vão
ganhando, contudo, contrapontos das narrativas Guarani sobre o lugar e histórias.
Como Gallois apontou para os Wajãpi, os Guarani também se propondo a
explicitar e não mais omitir as tensões e diferenças internas em suas produções. No
filme “Bicicletas de Nhanderú” (2011), por exemplo, são trazidos diferentes
posicionamentos (que tem possivelmente uma marca geracional, mas não somente)
acerca da possibilidade de conciliar a vida em meditação nos seus deuses e a entrada de
elementos dos brancos, como as festas realizadas com músicas de branco, bebida, jogos
de baralho. Refletindo sobre a imperfeição da existência humana na terra, a fala de uma
velha liderança no início do filme remete à compatibilidade daquelas práticas. Nas suas
palavras: “por mais que eu beba, não esqueço daqueles que me enviaram”. Ao longo do
filme, porém, outros elementos são trazidos e o enredo se desenvolve de tal forma que
ao final o discurso da liderança se transforma.
Uma das cenas que evoca tensão acerca da realização destas festas é o relato de
Ariel (um dos cineastas) do sonho que teve onde os brancos davam sanduíches para os
Mbya comerem, mas nestes sanduíches tinham facas ao invés de presunto ou queijo.
“Eles davam os pratos para os Guarani brigarem”, narra Ariel. Junto com outros Mbya é
feita tentativa de leitura do sonho, e Ariel ao final o interpreta refletindo sobre as festas
que vem sendo feitas na aldeia e se posicionando contrário à realização daquelas. Para
Ariel, as festas da forma como vem sendo realizadas, é uma “brecha para coisas ruins”.
Tal afirmação, porém, não foi consensual entre os dois Mbya que compartilhavam a
leitura de seu sonho. Mas além do sonho de Ariel, outro vem mobilizar o argumento do
filme: a mesma liderança antes mencionada recebera em sonho o pedido de Nhanderú
de construção de uma opvy (casa de reza). E nas cenas finais ele fala em entrevista aos
cineastas:
Temos que deixar de lado o jogo, a bebida. Vamos falar isso pra todo
mundo. Para ouvir realmente Nhanderú. Temos que parar com essas
9
coisas. Só meditando juntos saberemos como agir. Se poucos meditarem
não ouviremos nada (Karaí Tataenndy no filme “Bicicletas de
Nhanderú”, 2011).
Na cena da “inauguração” da casa de reza uma mulher comenta que: “pode
parecer que fizeram isso só para o filme, mas não é assim”. As reflexões, comentários
acerca da produção do filme aparecem em diversos momentos também. Numa delas,
após uma noite de festa, a avó de um dos cineastas pergunta a ele se referindo à festa
que tinham participado: “Mas aquilo lá vocês não filmam, né? Não são essas coisas que
vocês filmam, né?” Na mesma cena, a avó questiona o neto sobre o retorno financeiro
aos Mbya desses filmes, ao que o cineasta menciona referindo ao último dos filmes
realizados, que o retorno é sobretudo o “reconhecimento”. “É mesmo? Eu não sabia”,
fala a avó. As reflexões sobre a própria produção destes filmes é incorporada ao enredo
e remetem aos efeitos produzidos e às diferentes expectativas com relação a estes
efeitos. São reflexões por parte dos cineastas, mas também dos Mbya que estão sendo
filmados, que assistem as imagens ainda no processo de sua produção e que
acompanham o trabalho que vem sendo feito por seus netos, seus parentes.
A forma como os cineastas - que estão dialogando diretamente com os não
indígenas nas oficinas que antecedem e acompanham a produção dos filmes – estão
gerindo as reflexões certamente não é a mesma de quem participa deles sob outra
perspectiva. A expectativa do retorno com a realização do vídeo no diálogo entre a avó
e o neto cineasta é apenas um dos exemplos. Mas na medida em que os próprios
cineastas dialogam com seus parentes acerca das filmagens e do lugar destas produções
para a vida e luta dos Mbya, desdobrando possivelmente a categoria de
“reconhecimento”, uma nova forma de olhar para esses instrumentos do branco e para si
também se constrói.
Pensar sobre estas novas possibilidades de enunciação, que são também novas
formas de estabelecer relações com os brancos e se produzir enquanto sujeitos, remete a
estudos que tem apontado para transformações pelas quais vem passando as lideranças
Mbya nas últimas décadas e que de alguma forma poderia contribuir para pensar o
contexto de formação desses jovens pesquisadores que hoje tem entre 15 e 20 anos. O
estudo de Macedo (2010), realizado entre os Mbya em São Paulo, marca a tendência
atual de disjunção dos papéis de liderança política e espiritual entre os Mbya, antes
conjugados numa única pessoa. Refletindo acerca dos contrastes entre os tamõi (avós e
pajés) e os xondaro (auxiliares, guerreiros, guardiões ou mensageiros), a autora situa as
10
conjunções e disjunções entre liderança espiritual e política (interna e externa às aldeias)
nas últimas décadas. Nos anos de 1980, por exemplo, os tamõi conjugavam o papel de
liderança política e espiritual no âmbito das aldeias e também articularam junto aos
parceiros não-indígenas uma série de processos de demarcações de terra. Contudo,
como aponta Macedo (2010:13) esta interlocução com os não-indígenas dizia respeito
sobretudo a membros de ONGs, governo e Igreja que em grande medida eram os porta-
vozes dos interesses indígenas e os enunciadores da “cultura guarani”.
Conforme Macedo (2010), boa parte das lideranças atuais nas aldeias em São
Paulo acompanharam na juventude as reuniões das lideranças na década de 1980 e a
maioria teve alguma experiência escolar, “o que ampliou as possibilidades de
agenciamentos no mundo jurua” (Macedo, 2010:14). Desde, então, prossegue a autora,
a condição de líder espiritual vem cada vez mais sendo desvinculada da posição de
cacique (Macedo, 2010:14). Observa-se uma demanda cada vez maior a essas novas
lideranças políticas de manejo de uma discursividade étnica para os contextos de relação
interétnica, onde, ao contrário da geração anterior, passam a atuar mais diretamente.
Entretanto, como propõe Macedo, os dois são lugares de tradução, sendo que
no caso do tamõi se trataria de um tradutor de mundos numa perspectiva vertical11
,
enquanto as lideranças políticas assumem a posição do xondaro, cujas relações e
traduções se dão na esfera horizontal (seja pelo manejo das relações com animais na
floresta, seja das relações com as pessoas que vem “de fora” (indígenas ou não
indígenas)12
. A relação entre tamõi e xondaro, seria pois, segundo Macedo,
complementar e assimétrica, pois mesmo que os tamõi não tomem frente hoje na
enunciação de “cultura”, “eles são os principais portadores do conhecimento a ser
traduzido pelas lideranças mais jovens” (Macedo, 2010:15).
Penso que o formato da equipe de formação de pesquisadores e realizadores
Mbya Guarani refletiu o contexto atual da atuação das lideranças Mbya, mobilizando a
11
Nas palavras de Macedo: “Na cosmopolítica guarani, há uma ênfase acentuada na transmissão de
potencialidades dos ancestrais divinos, nhanderu kuéry, àqueles a quem enviam os nhe’e e,
marcadamente, aos xamãs. Trata-se, portanto, de um caso emblemático de xamanismo vertical (Hugh
Jones 1996), em contraste ao xamanismo predominantemente horizontal de outros ameríndios, em que
cabe aos xamãs se apropriarem de potências animais e de outros agentes (visíveis e invisíveis) que
habitam num mesmo plano de existência, cujo protótipo da relação é a afinidade e não a ancestralidade”
(Macedo, 2010:3). 12
São os xondaro os responsáveis, por exemplo, da recepção na aldeia de outro grupo vindo de fora.
Durante o curso de pesquisadores Mbyá que tinha como tema o xondaro, os pesquisadores foram
convocados para ajudar na organização para recepção dos Mbyá para a Assembleia da Comissão Guarani
Yvyrupa, realizada na Tekoa koenju (Rio Grande do Sul), em abril de 2013. No livro Xondaro Mbaraeté
consta ainda a descrição da recepção dos não indígenas que chegaram para a reunião, relatada pelo
pesquisador que dela participou.
11
relação entre diferentes gerações. Marcos Tupã, coordenador indígena do projeto era
uma das lideranças políticas citadas por Macedo, que teria acompanhado quando jovem
na década de 1980 a atuação dos tamõi como lideranças. Era notável sua habilidade de
interlocução tanto com os velhos e jovens Mbya como com os representantes do CTI e
do IPHAN. Ao lado desta liderança, acompanhou também todos os cursos de formação
de pesquisadores, um xeramõi (avô conhecedor), cuja presença foi fundamental pela
transmissão de seus conhecimentos acerca do xondaro aos pesquisadores, mas também
por conduzir as práticas xondaro junto deles. Além da presença deste xondaro ruvixa13
,
o acesso e conversas com outros velhos conhecedores de xondaro eram incentivados e
foram fundamentais ao processo de pesquisa.
O curso de pesquisadores reverberou também junto às crianças Mbya, que
conforme relato de um dos pesquisadores, passou ele mesmo a conduzir a dança em sua
aldeia14
a partir dos ensinamentos de Pedro Vicente (xondaro ruvixa que acompanhou o
projeto. Então se por um lado os cursos de formação vem produzindo novas formas de
estabelecer relações (seja no contexto das aldeias15
, seja fora delas) e de produzir
enunciados sobre a “cultura guarani” a partir de instrumentos como a escrita e o vídeo,
por outro, também vem ampliando interesse de escuta dos conhecimentos dos mais
velhos por parte dos jovens, enfatizando o esforço dos Mbya em conjugar esses
enunciadores da “cultura” para fora com os xeramoi e estas novas possibilidades de
produção de conhecimentos, de deslocamentos para fora das aldeias com observações,
experiências e práticas junto a seus parentes, no contexto das aldeias.
Patrimônio como propriedade? Quando a alteridade e não a identidade se
apresenta como paradigma da produção de conhecimentos, objetos e pessoas
Os estudos acerca da objetivação da cultura se intensificaram nas últimas
décadas, impulsionados em grande medida pelo debate acerca dos conhecimentos
tradicionais e do patrimônio imaterial. Contribuíram para tal os contextos de
institucionalização de políticas e direitos culturais e de propriedade intelectual em
13
Conforme definição dos pesquisadores Mbyá Xondaro/a ruvixa são aqueles que conduzem a dança e
ensinam aos outros (Pesquisadores Guarani, 2013:14). 14
Tekoá Peguao-ty, município de Sete Barras/SP, onde reside o pesquisador Silvio Aquiles Euzébio. 15
O projeto envolveu a circulação da equipe por pelo menos sete aldeias, sendo cinco em São Paulo, uma
no Espírito Santo e outra no Rio Grande do Sul. Durante os cursos de formação (tiveram cinco cursos,
cada um realizado em uma aldeia em São Paulo), os pesquisadores tiveram a oportunidade de conversar
com diversos xondaro e xondaria ruvixa. Além disso, na Assembleia que participaram na Tekoa Koenju
estavam presentes grupos de xondaro de Guaíra/Paraná, assim como xondaro ruvixa vindos da Argentina.
Durante o curso de formação dois pesquisadores mudaram-se de São Paulo para uma aldeia no Espírito
Santo, onde continuaram desenvolvendo sua pesquisa.
12
diferentes escalas: nacional, regional, internacional. Entretanto, conforme argumenta
Carneiro da Cunha (2009), a “tomada de consciência” da cultura pelos coletivos
indígenas precede o encontro colonial. Conforme exemplificado ao tratar do registro
junto ao IPHAN da “Arte Kusiwa: pintura corporal e arte gráfica Wajãpi”, grafismos e
outros saberes eram passíveis de objetivação e de transação entre os coletivos que
habitam a região que corresponde aos estados do Amapá e Pará muito antes de se falar
em políticas culturais ou em transações com os não-indígenas.
O que parece chamar a atenção ou preocupar os antropólogos atualmente não é,
pois, os processos de objetivação da cultura, mas uma série de tensões e contradições
implicadas na relação entre regimes de direitos e de propriedade dos conhecimentos
definidos como tradicionais e as lógicas ocidentais que orientam as noções de
propriedade e patrimônio. Ao tratar da política de patrimônio imaterial, Coelho de
Souza (2010) alerta que mesmo a tentativa de marcar a categoria “patrimônio” como
“imaterial”, buscando aproximá-la do campo de fenômenos que a antropologia chamou
de cultura, sua construção não deixa de remeter ao sentido literal da categoria
“patrimônio cultural”, que a autora define como “uma noção jurídica concernente ao
direito de propriedade sobre “coisas”, bens, móveis ou imóveis, para o campo da
cultura” (Coelho de Souza 2010:151). Nesta direção, o problema estaria em conformar a
multiplicidade das formas de produção, objetivação e circulação de conhecimentos
indígenas “segundo o modelo do patrimônio que nossa metáfora vem convocar”
(Coelho de Souza, 2010:152).
Se por um lado a política de patrimônio imaterial não se propõe a lidar
expressamente com o problema da propriedade dos conhecimentos e bens culturais por
não gerar direitos de exclusividade de uso, por outro se observa a vinculação dos bens
indígenas registrados na maior parte das vezes a grupos étnicos, refletindo o modelo
constituído a partir das políticas indigenistas16
. As limitações geradas pela atribuição de
vínculo de bens e conhecimentos a um grupo étnico específico, mesmo que não
constituindo direito de propriedade, já foram apontadas anteriormente, mas serão
desdobradas aqui. Além disso, episódios envolvendo a apropriação de bens culturais
registrados por não indígenas tem gerado expectativas nos grupos indígenas com
relação à intervenção por parte do IPHAN.
16
Ou ainda gera desconfortos a definição dos registros como “patrimônio cultural do Brasil” e não dos
grupos aos quais os bens são vinculados.
13
Diante destas questões se coloca o desafio de como se poderia regulamentar,
definir a propriedade dos conhecimentos, objetos, grafismos indígenas se estes são em
grande medida oriundos da alteridade? Neste cenário de tensões em que se opera em
diferentes e contraditórias escalas, cada uma com sua organização (Carneiro da Cunha,
2009), emergem tentativas de conexões e articulações por parte dos indígenas
envolvidos diretamente nestes embates. Buscarei apontar para alguns dos enunciados
produzidos pelos pesquisadores indígenas Wajãpi e Mbya, sinalizando rapidamente
algumas questões que envolvem regimes tão diversos de produção e circulação de
conhecimentos.
As unidades de representação estabelecidas para relações com o Estado (sejam
associações indígenas ou outras tantas conformações), assim como a noção de
representante de um grupo étnico não está dada entre os indígenas, mas é muitas vezes
estabelecida, ora para o tempo curto de um projeto, ora por períodos mais longos.
Mobilizar em enunciados uma unidade mais ou menos ampla para falar de si (que pode
ir desde a noção de povos tradicionais, nas quais se incluiria a categoria indígena em
uma longa gradação até a noção de pessoa entre os ameríndios) dependerá do contexto
da enunciação e da relação, a quem se está dirigindo a fala. Por outro lado, como se vem
mostrando, as diferentes escalas não estão desarticuladas entre si.
Segundo Gallois (2012:19), um dos efeitos do registro da Arte Kusiwa junto ao
IPHAN é a intensa reflexão empreendida por jovens lideranças acerca da apropriação e
circulação de conhecimentos. Estas lideranças se vêem posicionadas em tal lugar que
lhes é demandado dar conta das lógicas e vocabulários que dizem respeito à propriedade
intelectual para diálogo com os não-indígenas, mas também da lógica interna que trata
da produção e circulação de saberes. A necessidade de reflexão e diálogo dos Wajãpi
com os não-indígenas acerca das possibilidades ou impossibilidades de circulação de
seus grafismos vem se intensificando na medida em que empresas vêm buscando
negociar o uso de sua arte gráfica em produtos comerciais e outras o fizeram sem
autorização prévia. No segundo caso, os Wajãpi se manifestaram solicitando que o
produto fosse retirado do mercado e entregue a eles. E solicitou para este caso,
posicionamento do IPHAN para instruir o processo movido contra a empresa.
Segundo Gallois, entre os Wajãpi que se posicionam favoráveis à restrição da
circulação de seus conhecimentos entre os não-indígenas é recorrente o argumento da
“perda de valor” de seus conhecimentos e objetos em decorrência de um uso incorreto.
Tal argumento, descreve a autora, vem sendo elaborado pelos pesquisadores Wajãpi
14
enfatizando de um lado o idioma da propriedade intelectual e o direito coletivo de uso
dos grafismos pelos Wajãpi, mas de outro sustentado pelas lógicas internas de
circulação de saberes. Com relação ao primeiro aspecto, os pesquisadores defendem que
se alguém deveria obter reconhecimento ou retorno financeiro no mundo dos brancos
pelo uso de suas imagens e saberes, estes deveriam ser os próprios Wajãpi e não os
brancos que se apropriam de seu conhecimento. Na tentativa de explicitar seus direitos
sobre os grafismos e ao mesmo tempo situá-los na lógica interna de sua produção e
circulação, onde paradoxalmente eles não se definem como os “verdadeiros donos” dos
grafismos e conhecimentos, os pesquisadores Wajãpi tem empreendido difíceis tarefas
de tradução. Estas resultaram na produção de textos como o que segue abaixo, que
remetem às suas relações com os não humanos, verdadeiros donos dos grafismos e
expõe seus direitos de uso enquanto guardiões desses conhecimentos:
Nós Wajãpi do Amapá conhecemos e transmitimos nossos padrões
gráficos. Essa herança não é de uma só pessoa, é de todos os Wajãpi que
vivem nessa região, na Terra Indígena Wajãpi. Isso não quer dizer que
somos donos dos padrões, mas que pegamos eles para usarmos na pintura
corporal. Pelo nosso conhecimento, desde os tempos da origem e até
hoje, os padrões kusiwarã são as marcas de jibóia, sucuri, borboleta,
surubim, passarinhos e de muitos outros seres. E, por isso, esses desenhos
são deles, nós só imitamos nos nossos corpos. (...) Nós Wajãpi não
queremos que os não-índios peguem nossas imagens (fotos e desenhos)
para divulgar ou vender nas cidades sem a nossa autorização.
(Pesquisadores e professores wajãpi, 2009:76).
Conforme Gallois (2012:25), apesar dos esforços dos pesquisadores em
elaborar restrições para circulação dos Kusiwarã a partir da linguagem da propriedade
intelectual, no cotidiano das aldeias a relação adequada é a de fazer circular os saberes.
A autora ressalta que “sem circulação, não haveria xamãs, nem existiriam padrões
gráficos ou outros saberes interessantes” (Gallois, 2012:25). Contudo, a formulação dos
pesquisadores wajãpi a respeito da “perda da força”, com base na qual propõe restrição
à circulação dos conhecimentos no mundo dos brancos também se sustenta em lógicas
internas. Estas referem aos perigos que o não domínio das técnicas de manutenção das
relações com a alteridade poderia causar aos Wajãpi. A “perda da força” a que se
referem os pesquisadores remete desde a mitos sobre a perda de poderes por pessoas
que não foram capazes de guardar segredos solicitados pelos seres que lhe transmitiram
conhecimentos, como remete à cautela por parte dos xamãs neófitos sobre a circulação
privada de conhecimento entre mestre e aprendiz, sob pena de perder “seu pajé”, ficar
fraco. A imitação dos saberes dos “donos” dos grafismos potencializa a vigilância
15
daqueles, de modo que um uso inadequado exporia os Wajãpi aos efeitos das reações
daqueles seres. Da mesma forma, a circulação de fotografias também demanda cuidado,
pois tais imagens podem dispersar elementos vitais de quem é fotografado ou filmado
(Gallois, 2012:40). As relações com a alteridade são fontes de prestígio e ao mesmo
tempo de perigo entre os Wajãpi que se vêem no desafio de geri-las, sobretudo nesses
novos contextos de circulação de conhecimentos.
Como entre os Wajãpi, a noção de imitação também fundamenta a produção e
circulação de conhecimentos entre os Mbya, colocando em xeque noções de invenção e
propriedade tais quais as concebemos em nossos regimes de propriedade intelectual. Ao
tratar da produção de objetos entre os Mbya, Assis (2010) relata que:
Um dos aspectos importantes sobre a perspectiva que os Mbya possuem
dos objetos que produzem é que eles não são o resultado da criação
humana. Os objetos são imitações de um modelo divino, como já
mencionado ao se enfocar as narrativas míticas. Quem fez com perfeição
e beleza o ajaka foi Ñanderu. Da mesma forma, o petyngua perfeito e
belo foi criado por Jakaira. Assim é a perspectiva para todos os objetos
rituais. Nenhum deles é entendido como resultado da criação exclusiva do
artesão. (...) De fato, o entendimento é de que não se trata de uma
produção, mas de uma reprodução (Assis, 2010:11).
Mas há, todavia, um esforço, tanto da parte dos Wajãpi como dos Mbya de
evidenciar, a exemplo do texto dos pesquisadores Mbya trazido inicialmente e do
Wajãpi mencionado acima, que estas são as suas formas de acessar/produzir
conhecimentos, isto é, as afirmam em oposição aos regimes de produção de
conhecimento dos brancos. Neste sentido, a categoria étnica que emerge refere então
àqueles que detêm o privilégio da relação com os “donos” - jarã (entre os Wajãpi) e as
divindades - Nhanderu kuery (entre os Mbya) e o privilégio de acessar os
conhecimentos destes outros. A ética envolvida nestas relações dá suporte em grande
medida à conduta e à estética destes coletivos.
No texto dos pesquisadores Mbya trazido no inicio deste trabalho são
mencionadas três ou quatro vias de acesso ao conhecimento, que corresponderiam ao
“modo guarani de conhecer”. Retomando as palavras dos pesquisadores, essas formas
seriam: “observando, ouvindo os conselhos dos xeramoĩ kuery, praticando as atividades
e, na maioria das vezes, os conhecimentos são transmitidos pelas divindades (nhanderu
kuery)” (Pesquisadores Guarani, 2013). A elaboração dos pesquisadores sobre a
transmissão de conhecimentos vai ao encontro do que sugere Macedo (2010 apud
Pissolato, 2007) acerca da intersecção entre os eixos horizontais e verticais da existência
16
Mbya. No eixo horizontal estariam “os parentes e as novas possibilidades de
parentesco nas aldeias e nos caminhos, os quais são postos por nhanderu, cuja conexão
é indispensável para a duração da pessoa” e que remete ao eixo das relações verticais
(Macedo, 2010:21). Ainda segundo a autora, o nhe’e (traduzido por alma-palavra) seria
“o ponto articular entre as relações com os nhanderu e com os nhaneretarã (“nossos
parentes”)” (Macedo, 2010:21).
É também a partir da noção de nhe’e que os pesquisadores Mbya formulam
suas traduções, evidenciando a diferença e a multiplicidade que marcam modo de estar
no mundo para os Mbya. Suas reflexões dizem respeito às diferenças entre os xondaro e
são assim expressas no texto que inicia reforçando a idéia da imitação das ações na terra
daquelas realizadas nas moradas dos nhanderu kuery:
Os conhecedores falam que a dança do xondaro é uma forma de mostrar
que estamos em sintonia com os nhanderu kuery (as divindades), porque
os nhe’e kuery que estão nas moradas do nhanderu ete17
estão dançando
no pátio da opy dele. Por isso, nós fazemos o mesmo que os nhanderu
kuery, para mostrar que não esquecemos de onde viemos.
Os nhe’e kuery vêm de várias moradas. Alguns vêm do tupã, tupã
xondaro, karai mbaraete etc. Como dizem, todos viemos com uma
prática para exercer aqui nessa terra, mas cada um tem a sua função de
acordo com a morada de onde vem. Uns vêm com a prática de tocar
mbaraka (violão), outros de tocar rave’i (violino), outros vêm para
praticar a dança como praticavam em sua morada, tem outros que vêm
somente para servir o karai opy regua (pajé, rezador) e assim por diante
(Pesquisadores Guarani, 2013:46).
A noção de nhe’e é importante aqui para compreender a noção de pessoa entre
os Guarani e como ela mobiliza a circulação dos conhecimentos entre os Mbya. Como o
texto acima apresenta, cada pessoa tenderá a realizar na terra conhecimentos e
comportamentos que têm relação com a morada de onde veio seu nhe’e. Tais
concepções também trazem consigo a idéia de que os conhecimentos já estão
potencialmente contidos em cada pessoa (dentro de si ou no coração, como definiram
muitas vezes os pesquisadores), cabendo a cada um realizá-los. Durante um dos cursos
de formação, Kerexu (pesquisadora do grupo) comentou comigo enquanto
observávamos os homens e meninos dançando xondaro no pátio da casa de rezas,
“como podia que crianças tão pequenas, que na sua aldeia nunca tinham dançado
xondaro nem visto alguém dançar já estavam dançando tão bem?” Passou então a
investigar a respeito e assim ela relata no livro elaborado pelos pesquisadores:
17
Aquele que criou a terra .
17
Para tentar esclarecer essa minha curiosidade eu pensei em fazer umas
perguntas para alguns meninos, “Onde eles tinham visto o xondaro?”.
Primeiramente perguntei para o meu irmão Kuaray se ele já tinha visto a
dança do xondaro antes, ele me disse que sim, perguntei onde ele tinha
visto, mas ele não soube me responder, ele apenas disse que já tinha
visto, mas não sabe onde. Isso aumentou mais minha curiosidade, então
eu perguntei para meu tio e ele me disse que todos sabem dançar o
xondaro porque eles já tinham praticado no “nhande amba” de onde
viemos todos. Ele me disse também que todos os meninos sabem que o
xondaro existe, mesmo nunca tendo visto a dança do xondaro na Terra,
eles já tem isso dentro de si, eles apenas precisam relembrar. Então me
dei conta de que não iria adiantar perguntar para as crianças, porque elas
não saberiam responder. Esclareci uma parte da minha curiosidade, pelo
que eu entendi já nascemos com o conhecimento do nosso povo, apenas
praticamos o que sabemos desde sempre. Por isso que o fato de hoje em
dia os índios serem modernos, não quer dizer que perdemos nossa
cultura, nossa cultura estará sempre dentro de nós. (Pesquisadores
Guarani, 2013:49)
A fala final de Kerexu remete ao que Marcos Tupã, coordenador indígena do
projeto de formação de pesquisadores Mbya trouxe no encontro final do projeto: que a
noção de “resgate” muitas vezes empregada no contexto de projetos culturais não faz
sentido a eles. Porque o conhecimento Guarani está neles, especialmente com os velhos
que acumularam a vivência destes conhecimentos, mas também dentro de cada Mbya.
Talvez se pudesse falar de fortalecimento desses saberes e práticas, sugere Marcos
Tupã. E este fortalecimento se dá na intensificação das vivências destes jovens
pesquisadores junto aos parentes e às lideranças políticas e espirituais (tamõi e
xondaro).
A necessidade da prática destes saberes foi constantemente trazida ao longo do
projeto de formação Mbya pelas lideranças, assim como entre os Wajãpi. Mesmo
reconhecendo o lugar que a escrita e os filmes possam assumir entre os indígenas,
Gallois traz a fala dos pesquisadores reconhecendo que “livros não conseguem falar,
fazer festas e contar histórias sozinhos, por isso temos que continuar transmitindo os
conhecimentos na prática e oralmente” (Pesquisadores Wajãpi em Gallois, 2012:29).
Conforme Carneiro da Cunha (2009:365), o conhecimento entre os ameríndios se
fundamenta no peso da experiência direta, está ligado especialmente ao que foi visto,
ouvido e percebido, sendo a repetição minuciosa da experiência a forma de validação do
próprio conhecimento. Por isso, como descreve Gallois (2012), as tentativas de
tradução cultural dos pesquisadores wajãpi foram muitas vezes reprovadas pelos mais
velhos quando não respeitavam a forma discursiva tradicional ou não reproduziam a
experiência tal qual narrada e vivenciada. Reportar a quem viveu e narrou a experiência
18
também é constitutivo dessas formas de conhecimento cuja valoração está antes na
diferença e multiplicidade que cada experiência evoca que na produção de uma verdade
única ou equivalência de versões de uma verdade (uma forma bastante nossa de
produzir conhecimento).
A intenção neste texto foi de apontar para alguns dos desafios com os quais
tem se deparado os pesquisadores indígenas no exercício de fazer circular para dentro e
para fora de suas aldeias os saberes dos Mbya, Wajãpi e dos brancos. Dar conta de gerir
estes fluxos demanda que eles sejam capazes de exercer a “difícil tarefa de operar com
os dois modelos simultaneamente” (Gallois:2012:21) e de lidar com os efeitos gerados
pela coexistência de “cultura em si” e “cultura para si”. Alguns desses efeitos já se
fazem visíveis ao longo de cerca de uma década de atuação da política de patrimônio
imaterial entre estes dois grupo indígenas, mas outros ainda são imprevisíveis.
Com relação aos Wajãpi, Gallois destaca o efeito reflexivo dos pesquisadores
acerca da circulação de conhecimentos e incorporação do debate e conceitos sobre
patrimônio e propriedade intelectual. Entre os Mbya o debate sobre propriedade
intelectual ainda não recebeu a mesma ênfase com que vem sendo pensada entre os
Wajãpi. A partir da fala de Marcos Tupã no último encontro de formação de
pesquisadores, este sinalizou que vê estes projetos culturais como possibilidade de
fortalecimento dos xondaro para as lutas Guarani que ainda tem como foco o
reconhecimento e demarcação de suas terras. Além disso, a liderança entende que a
enunciação da cultura guarani para os brancos pode contribuir diminuir o preconceito
dos não indígenas e a partir da valorização de seus modos de estar no mundo a
efetivação de seus direitos seja uma causa pela qual lutam mais parceiros não-indígenas.
Desde o INRC iniciado em 2004, os Mbya vêm elaborando reflexões e
possivelmente revendo estratégias de relação com o estado e, no que diz respeito ao
IPHAN, propondo condições que norteiem a execução de projetos. Foi neste sentido
que manifestaram em 2012, interesse na formação de pesquisadores Mbya e que durante
a primeira fase do projeto no Rio Grande do Sul propuseram três dimensões que
precisam ser levadas em conta no desenvolvimento de políticas junto aos Mbya:
respeito à dimensão do segredo, matas livres e territorialidade livre. A busca pelo
reconhecimento do Estado da territorialidade Guarani enquanto ampla e sem fronteiras
entre os estados e países que se sobrepuseram ao seu território, da dinâmica de
circulação de núcleos familiares por este território, da importância do acesso a
territórios com matas para continuidade dos saberes e práticas Mbya tem figurado entre
19
as principais motivações para o diálogo com órgãos estatais como o IPHAN por parte
das lideranças Mbya.
Se por um lado as políticas culturais vem ganhando fôlego e os coletivos
indígenas vem de modo criativo se apropriando delas, de outro o cenário político mais
amplo aponta para estagnação se não retrocessos em termos das garantias dos direitos
dos povos indígenas, evidenciados na condição em que vivem os Guarani, mas também
outros tantos povos que aguardam demarcações de suas terras ou vem sendo impactados
por uma série de empreendimentos em seus territórios ou no entorno deles. Tal situação
também tem gerado efeitos na atuação do IPHAN, uma vez que a salvaguarda dos bens
imateriais “depende em larga medida da proteção concreta das matrizes ambientais e
paisagens culturais suportes da materialização de seus Bens Culturais” (Jakubaszko,
2012:2).
Os Wajãpi e os Guarani nos dão a ver que suas formas de produção de
conhecimentos não remetem a um sujeito inventor, criador, mas dizem respeito à
circulação de pessoas e seus saberes incorporados, de objetos providos de agência,
numa rede múltipla de relações que envolvem seres humanos, não humanos,
divindades, conectados por uma ampla noção de territorialidade. Nesta direção, nos
desafiam a pensar nos limites de uma política voltada unicamente à valorização de
objetos culturais ou das pessoas como “detentoras de saberes”, sem levar em conta as
relações e condições que as sustentam. Ao mesmo tempo, as novas lideranças,
pesquisadores e cineastas vem apostando na potência de enunciar nas relações
interétnicas estas diversas possibilidades de relação e de estar no mundo.
20
Referências:
ASSIS, Valéria S. de. Entre a objetificação e a subjetificação: estética e processos de
produção e consumo de petyngua (cachimbo) nos Mbyá-Guarani. Anais 27ª RBA,
Belém, 2010.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. “Cultura” e cultura: conhecimentos
tradicionais e direitos intelectuais. In: Carneiro da Cunha, Manuela. Cultura com
aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify.p.311-373, 2009.
COELHO DE SOUZA, Marcela. A cultura invisível: conhecimento indígena e
patrimônio imaterial. In: Anuário Antropológico/2009 - I, Departamento de
Antropologia, Universidade de Brasília, 149-174, 2010.
COLETIVO MBYA GUARANI DE CINEMA. Bicicletas de Nhanderú. Vídeo nas
Aldeias, 2011.
GALLOIS, Dominique T. Os Wajãpi em frente da sua cultura. In: Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.32 (Patrimônio imaterial e
biodiversidade)p. 110-129, Brasília,2005.
GALLOIS, Dominique. Materializando saberes imateriais: experiências indígenas
na Amazônia oriental. In: Revista de Estudo e Pesquisa, FUNAI, vol. 4, n. 2. 2007.
GALLOIS, Dominique T. Donos, detentores e usuários da arte gráfica kusiwa. In:
Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2012, v.55 Nº 1.
GRUPIONI, Maria Denise F. Dar a César o que é de César: será isso possível no
universo da arte indígena? In: Anais 27ª RBA, Belém, 2010.
JAKUBASZKO, Andrea. Paisagens Culturais e Direitos Territoriais: Desafios para
a Salvaguarda de Bens Imateriais Indígenas. In: Anais 28ª RBA, São Paulo, 2012.
LAGROU, Els. A fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade
amazônica (kaxinawa, Acre). Topbooks Editora. Rio de Janeiro, 2007.
MACEDO, Valéria. Tamõi e xondáro. Vetores diferenciantes na cosmopolítica
guarani. In: Anais do 34º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2010.
PESQUISADORES GUARANI. Xondaro Mbaraete: a força do xondaro (no prelo).
CTI, IPHAN, CGY , São Paulo, 2013.
PESQUISADORES WAJÃPI. Jane Reko Mokasia: Organização Social Wajãpi. Iepé
e Apina, s/d. Disponível em http://www.institutoiepe.org.br.
PESQUISADORES E PROFESSORES WAJÃPI. Kusiwarã. Apina e Iepé, 2009.