PRIMEIRA TURMA
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 888-0 - DF
(Registro n Q 91.0003964-0)
Relator: O Sr. Ministro Gomes de Barros Recorrente: Francisco Carlos de Sá Freitas Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Distrito Federal Impetrado: Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal Advogados: Drs. Jaci Fernandes de Araújo e outros
EMENTA: Incidente de Uniformização de Jurisprudência - Recurso especial - Recurso ordinário - Fungibilidade.
Divergência pretoriana entre acórdãos de três turmas, sendo duas, integrantes de uma mesma Seção.
É necessário, primeiramente, ajustar o entendimento, no âmbito da Seção. Caso persista a divergência com a Turma componente da outra Seção, remeter-se-á o incidente à Corte Especial, para que se componha o descompasso remanescente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, reconhecer a divergência e determinar a remessa do processo à Primeira Seção. Votaram com o Relator os Ministros Milton Pereira e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira.
Brasília, 20 de maio de 1992 (data do julgamento).
Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Presidente. Ministro GOMES DE BARROS, Relator.
Publicado no DJ de 15-06-92.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO GOMES DE BARROS: O Recorrente impetrou Mandado de Segurança contra o Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
O Plenário daquela Corte negou o Amparo.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 77
Contra o acórdão denegatório, o Impetrante (ora recorrente) interpôs recurso extraordinário, recebido como ordinário pelo Presidente daquele Tribunal.
O Ministério Público Federal, em parecer emitido pelo E. Subprocurador-Geral Antônio Fernando Barros e Silva de Souza recomenda não se conheça do recurso, porque inviável na espécie, a fungibilidade de apelos.
O Recorrente, constatando existir, na espécie, divergência entre a jurisprudência da Primeira Turma deste Tribunal e aquela adotada pelas Segunda e Terceira Turmas, suscita incidente de uniformização de jurisprudência.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO GOMES DE BARROS (Relator): A divergência é patente.
De fato, a Primeira Turma entende que:
"Tratando-se de Mandado de Segurança decidido em única instância, o recurso cabível é o ordinário, não o especial.
A eleição do especial, no caso, implica erro grosseiro, não se aplicando o princípio da fungibilidade.
Recurso não conhecido" (fls. 206).
No Recurso Especial n Q 1.507, a Segunda Turma disse:
"Mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso sem efeito suspensivo: desde que ocorrentes os pressupostos constitucionais do mandado de segurança (C.F., art. 153, parág, 21) e desde que tenha sido interposto, a tempo e modo, o recurso próprio sem efeito suspensivo (porque, além do mandamus não ser sucedâneo de recursos processuais, a decisão irrecorrida é apanhada pela preclusão), se do ato judicial resultar a possibilidade de dano irreparável, ou de difícil reparação, admite-se o mandado de segurança para que sejam tolhidas, de pronto, as conseqüências lesivas da decisão impugnada. É que o periculum in mora da prestação jurisdicional faz nascer causa petendi de outro direito da ação, assim do direito ao mandado de segurança, distinto da ação em curso.
Inocorrência, no caso, da possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação.
Recurso Especial conhecido como Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (CF, art. 105, lI, h; RIISTJ, art. 67, parág.lº, V, e art. 247) e improvido" (fls. 230).
A Sexta Turma também examinou a questão, acordando no julgamento do REsp n Q 5.288:
"Mandado de Segurança. Ilegitimidade ativa ad causam. Extinção do processo. Recurso.
Qualquer decisão que não seja concessiva de segurança tem ca-
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ráter denegatório, rendendo ensejo, pois, à interposição de recurso ordinário. Aplicação, no caso, do princípio da fungibilidade recursal, conhecendo-se do recurso especial como recurso ordinário.
Ilegitimidade ativa ad causam dos impetrantes perfeitamente caracterizada.
Recurso improvido" (fls. 244).
Parece-me configurado o dissídio.
Há dissídio entre a Primeira, a Segunda e a Sexta Turmas.
Como esta última compõe a Terceira Seção, a hipótese seria de remessa do incidente à Corte Espe-cial. .
Parece-me, contudo, necessário que se componha, antes, o descompasso entre as duas Turmas integrantes da Primeira Seção.
Caso a Seção decida pela prevalência do entendimento esposado pela Primeira Turma, apresentarse-á o incidente à Corte Especial, para que se supere a divergência remanescente.
Voto, assim, pela apresentação do incidente à Primeira Seção.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 7.313 - RS
(Registro n Q 96.0038038-4)
Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros
Recorrente: Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul -Sindicato dos Trabalhadores em Educação - CPERS / Sindicato
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Impetrado: Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul
Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul
Advogados: Drs. Jorge Santos Buchabqui e outros, e Telmo Candiota da Rosa Filho e outros
EMENTA: Processual e Constitucional- Mandado de segurança - Processo legislativo - Desrespeito ao regimento interno de assembléia legislativa - Conceito de questão interna corporis -Controle judicial - Dispositivo constitucional dependente de regulamentação.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 79
- o princípio due process of law estende-se à gênese da lei. Uma lei mal formada, vítima de defeitos no processo que a gerou, é ineficaz; a ninguém pode obrigar. Qualquer ato praticado à sombra dela, expor-se-á ao controle judicial.
- Não cabe Mandado de Segurança, para desconstituir dispositivo de constituição estadual, cuja eficácia depende de regulamentação.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro José de Jesus Filho.
Brasília, 20 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 05-05-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: A Recorrente impetrou Mandado de Segurança contra ato da Presidência da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
O ato malsinado se traduziu na inserção de projetos de reforma constitucional, entre as matérias a serem apreciadas em convocação extraordinária, pelo Legislativo estadual.
A Segurança foi denegada, porque:
a) "a inobservância de normas do Regimento Interno da Casa Legislativa, no curso da tramitação do processo de emenda à constituição, não gera vício de constitucionalidade, porquanto são regras de âmbito interna corporis."
b) as alterações operadas no texto da Constituição estadual carecem de eficácia imediata, dependendo de regulamentação. Por isto, não podem atingir direito individual. Não existe, pois, direito líquido e certo a ser garantido através Mandado de Segurança.
A lide vem ao STJ, montada em recurso ordinário.
O Ministério Público Federal- em Parecer lançado pelo eminente Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho - manifesta-se pelo desprovimento do apelo.
Este o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): A
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moderna ciência política conceitua a liberdade, como a situação em que os homens estejam subordinados a regras jurídicas de cuja elaboração participaram e para cuja reforma estejam aptos a contribuir. (Cf. Dalmo de Abreu Dallari - O Renascer do Direito - Ed. J. Bushatsky - 1976 - pág. 60)
Ora, somente é possível afirmar que o cidadão atuou na formação de determinado dispositivo legal, quando tal preceito gerou-se, no seio do Poder Legislativo, em obediência ao processo legislativo traçado na Constituição e normas que a regulamentam.
Não é à toa que a Constituição Federal dedica uma Seção inteira ao Processo Legislativo (arts. 59 a 69).
O princípio do due pracess af law estende-se à gênese da lei.
Uma lei mal formada, vítima de defeitos no processo que a gerou, é ineficaz; a ninguém pode obrigar. Qualquer ato praticado à sombra dela, expor-se-á ao controle judicial.
Ajurisprudência do Supremo Tribunal Federal que afasta do controlejudicial os atos interna corporis das casas legislativas deve ser encarada à luz dos esclarecimentos contidos no primoroso voto do eminente Ministro Celso de Mello, no julgamento do MS 21.374:
"Interna corporis são só aquelas questões ou assuntos que entejam direta e imediatamente com a economia interna da corporação legislativa, com seus privi-
légios e com a formação ideológica da lei, que, por sua própria natureza, são reservados à exclusiva apreciação e deliberação de Plenário da Câmara. Tais são os atos de escolha da Mesa (eleições internas), os de verificação de poderes e incompatibilidades de seus membros (cassação de mandatos, concessão de licenças, etc.) e os de utilização de suas prerrogativas institucionais (modo de funcionamento da Câmara, elaboração de Regimento, constituição de Comissões, organização de Serviços Auxiliares, etc.) e a valoração das votações.
Daí não se conclua que tais assuntos afastam, por si só, a revisão judicial. Não é assim. O que a Justiça não pode é substituir a deliberação da Câmara por um pronunciamento judicial sobre o que é da exclusiva competência discricionária do Plenário, da Mesa ou da Presidência. Mas pode confrontar sempre o ato praticado com as prescrições constitucionais, legais ou regimental que estabeleçam condições, forma ou rito para o seu cometimento.
Nesta ordem de idéias concluise que é lícito ao judiciário perquirir da competência das Câmaras e verificar-se se há inconstitucionalidades, ilegalidades e infringências regimentais nos seus alegados interna corporis, detendo-se, entretanto, no vestíbulo das formalidades, sem adentrar o conteúdo de tais atos, em relação aos quais a corporação
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legislativa é ao mesmo tempo destinatária e juiz supremo de sua prática.
Nem se compreenderia que o órgão incumbido de elaborar a lei dispusesse do privilégio de desrespeitá-la impunemente, desde que o fizesse no recesso da corporação. Os interna corporis só são da exclusiva apreciação das Câmaras naquilo que entendem com as regras ou disposições de seu funcionamento e de suas prerrogativas institucionais, atribuídas por lei.
É de registrar - ainda que estas observações sejam inaplicáveis ao caso presente - que a infração à norma do Regimento Interno, que não possua extração constitucional, pode revelar-se passível de controle pelo Judiciário, desde que o exercício abusivo do poder pelo Presidente da Casa legislativa implique a nulificação de direitos conferidos aos parlamentares pelo próprio texto da Lei Fundamental, como o de oferecer emendas às proposições normativas (CF, art. 65, parágrafo único: art. 166, § 3º) ou o de recorrer, ainda que coletivamente, da deliberação das comissões legislativas tomada na forma do art. 58, § 2º, I, da Carta Política.
Os atos interna corporis -não obstante abrangidos pelos círculos de imunidade que excluem a possibilidade de sua revisão judicial - não podem ser invocados, com essa qualidade e sob esse color, para justificar a ofen-
sa ao direito público subjetivo que os congressistas titularizam e que lhes confere a prerrogativa institucional à devida observância, pelo órgão a que pertencem, das normas constitucionais e regimentais pertinentes ao processo de atuação da instituição parlamentar.
É preciso reconhecer neste ponto - consoante advertiu o saudoso Min. Luiz Gallotti em julgamento neste Supremo Tribunal (v. Amoldo Wald, "O Mandado de Segurança e sua Jurisprudência", tomo II/889 - que
"Desde que se recorre ao Judiciário alegando que um direito individual foi lesado por ato de outro poder, cabelhe examinar se esse direito existe e foi lesado. Eximir-se comodamente com a escusa de tratar-se de ato político, seria fugir ao dever que a Constituição lhe impõe, máxime após ter ela inscrito entre as garantias fundamentais, como nenhuma outra antes fizera, o princípio de que nem a lei poderá excluir da apreciação do poder judiciário qualquer lesão de direito individual".
Não obstante o caráter político dos atos interna corporis, é essencial proclamar que a discrição dos corpos legislativos não pode exercer-se - conforme adverte Castro Nunes ("Do Mandado de Segurança", pág. 223, 5ª ed.) - nem " ... fora dos limites constitucionais ou legais", nem
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" ... ultrapassar as raias que condicionem o exercício legítimo do poder".
Lapidar, sob este aspecto, o magistério, erudito e irrepreensível, de Pedro Lessa (Do Poder Judiciário, pág. 65), verbis:
"Numa palavra: a violação das garantias constitucionais, perpetrada à sombra de funções políticas não é imune à ação dos tribunais. A estes sempre cabe verificar se a atribuição política abrange nos seus limites a faculdade exercida. Enquanto não transpõe os limites das suas atribuições, o Congresso elabora medidas e normas, que escapam à competência do poder judiciário. Desde que ultrapassa a circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda eficácia jurídica." (RTJ 144/494)
Como se percebe, ofensas ao processo legislativo não traduzem atos internos do Poder Legislativo. Seu controle pelo Judiciário é possível e imperativo.
Imagine-se uma lei complementar aprovada por maioria simples. Estaria o Judiciário impedido de declarar a nulidade de seus dispositivos? - Evidentemente, não!
Quanto à possibilidade de examinar-se, em processo de Mandado de Segurança, a constitucionalidade de Lei, esta Turma, já se pronunciou, nestes termos:
"I - Na ação de Mandado de Segurança, o Judiciário aprecia, diretamente, a qualidade jurídica do ato que agride a pretensão do Impetrante. A legalidade ou constitucionalidade da norma em que este se fomenta, pode ser objeto de declaração incidente.
II - É defeso condicionar-se o conhecimento de recurso administrativo ao pagamento da multa contra a qual se recorre. Recolhida a multa, o socorro à autoridade superior perde o caráter de recurso, para ganhar contornos de ação rescisória."(RMS 4.780-6/SE)
Tenho, assim, como improcedente o primeiro fundamento do Acórdão.
O Apelo, contudo, não merece provimento.
É que - como se registrou no Acórdão - as alterações operadas no texto da Constituição estadual criaram normas sem eficácia imediata, a reclamarem regulamentação. Por isto, não podem atingir direito individual. Não existe, pois, direito líquido e certo a ser garantido através Mandado de Segurança.
N ego provimento ao recurso.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 83
RECURSO ESPECIAL NQ 81.574 - GO
(Registro n Q 95.0064147-0)
Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira
Recorrentes: José Fidelis Soares e cônjuge
Recorrida: Furnas Centrais Elétricas S.A.
Advogados: Drs. Rômulo Gonçalves e Lycurgo Leite Neto
EMENTA: Administrativo. Civil e Processual Civil. Desapropriação. Demora no pagamento do preço fixado. Legítimo o socorro da ação ordinária objetivando o ressarcimento. Danos e perdas. Título sentencial transitado em julgado na desapropriatória.
1. Afastada a coisa julgada, legitima-se o socorro da ação ordinária objetivando o ressarcimento dos prejuízos causados pelo retardamento no pagamento de valor decorrente do título sentencial transitado em julgado na desapropriatória.
2. O pagamento tardio, durante período toldado por notória espiral inflacionária, derruindo a expressão econômica da moeda, davante, espelhando indenização de valor simbólico, favorece pleitear ressarcimento. Desconhecer-se a obrigação de repará-los seria a consagração de flagrante injustiça, com manifesta ofensa ao princípio da prévia e justa recomposição do patrimônio desfalcado pela desapropriação.
3. Acolhimento do pedido, na execução, estabelecendo-se o valor da reparação, observando-se o valor fixado pelo título sentencial transitado em julgado e o encontrado na ação ordinária de indenização, com a incidência dos consectários legais.
4. Recurso Provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Par-
ticiparam do julgamento os Senhores Ministros José Delgado, José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.
Custas, como de lei.
Brasília, 20 de março de 1997 (data do julgamento).
84 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.
Ministro MILTON LUIZ PEREI- gião, ao prosseguir o julgamento, ne-RA, Presidente e Relator. gou provimento à apelação. O v.
aresto está sumariado nestes termos: Publicado no DJ de 28-04-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: O egrégio Superior Tribunal de Justiça constituiu acórdão, abreviado na ementa in verbis:
"Desapropriação - Fixação do justo preço e demora no pagamento - Ação ordinária com a pretensão de indenização por danos e perdas pelo retardamento (art. 159, Código Civil) - Extinção do processo face à coisa julgada-Artigos 267, V, 301, §§ 1Q
,
2Q e 3Q, 467 e 469, CPC.
1. Sendo a causa de pedir e pedido na ação ordinária, objetivando a indenização por danos e perdas (art. 159, C. Civil), alheios à lide no antecedente processo expropriatório, inocorre eadem ~~usa petendi, davante, descogitando-se de coisa Julgada.
2. Arredada a coisa julgada, limitando-se o v. acórdão hostilizado a confirmar a extinção do processo, apenas reafirmando aquela exceção, o egrégio Tribunal a quo deve prosseguir no julgamento apreciando as questões subjacentes do direito ou não à pleiteada indenização.
3. Recurso provido." (fi. 333).
Afastada a coisa julgada, o e. Tribunal Regional Federal da 111 Re-
"CiviL Ação de ressarcimento de perdas e danos. Ação de desapropriação. Nova avaliação. Juros compensatórios. Retardamento do processo judicial de desapropriação.
1. É inadmissível a realização de nova perícia para determinar o valor do bem expropriado, apesar de a avaliação ter sido realizada em outubro de 1973, porque o valor apurado é corrigido monetariamente. Não se pode pretender que, ao valor estimado agora, aplique-se correção monetária a partir de 1973. O valor do bem expropriado para efeitos de indenização deve ser contemporâneo à data da avaliação.
2. Concessão de juros de mora como se fossem juros compensatórios, pois mandado contar nos mesmos termos dos juros compensatórios, desde a imissão na posse" (fi. 348).
Manifestados Embargos de Declaração foram rejeitados por acórdão assim ementado:
"Processo Civil. Embargos de declaração. Análise de acórdãos. Omissão. Inexistência.
Não está o acórdão obrigado a analisar jurisprudência citada pela parte, se decidiu a questão fundamentadamente, com apoio, inclusive, em vários arestos." (fi. 357).
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 85
Com amparo nas alíneas a e c, do inciso lII, do artigo 105, da Constituição Federal, a parte interessada interpôs Recurso Especial, alegando negativa de vigência aos artigos 159, do Código Civil, 29, do Decreto-lei de nº 3.365/41 e 5º, XXII e XXIV, da Constituição Federal, além de dissenso jurisprudencial.
A recorrida, em suas contra-razões, alega, preliminarmente, a ausência dos pressupostos de admissibilidade.
No mérito, aduz que o v. aresto "está consoante com as disposições legais e constitucionais aplicáveis à matéria debatida nos presentes autos, bem como representa o melhor entendimento dos mesmos dispositivos legais e constitucionais, face à unânime doutrina pátria e as decisões de inúmeros Tribunais."
O ínclito Presidente do Tribunal de origem admitiu a via especial em decisão assim circunstanciada:
"No tocante à alegada contrariedade à lei federal, estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, eis que foram indicados os dispositivos tidos por contrariados e expostas as razões pelas quais tais dispositivos, em tese, foram vulnerados. Por outro lado, as normas invocadas foram examinadas pelo acórdão recorrido, estando a matéria, portanto, devidamente prequestionada.
No que concerne à divergência jurisprudencial, encontra-se ela devidamente comprovada, uma vez que enquanto o venerando
acórdão recorrido decidiu que é incabível a indenização por atraso na conclusão da desapropriação com sentença já transitada em julgado, em sentido contrário orientaram-se os arestos trazidos a confronto. À vista do exposto, admito o recurso" (fi. 384).
É o relatório.
VOTO
o SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Conseqüente de expropriação de imóvel destinado à construção de sub-estação de Furnas Centrais Elétricas S.A., defronta-se com ação ordinária, objetivando o ressarcimento de pagamento de prejuízos causados pelo retardamento no pagamento devido desde a imissão provisória na posse, resolvida na instância a quo, conforme sintetizado na ementa do julgado:
"Processo Civil. Administrativo. Ação de indenização. Demora no pagamento do valor da desapropriação. Pedido de nova avaliação. Juros compensatórios. Pedidos já apreciados e decididos na ação de desapropriação. Coisajulgada.
2. Se o pedido de nova avaliação e a de juros compensatórios foram apreciados e rejeitados, na ação de desapropriação, tendo a decisão transitado em julgado, não podem os autores, mediante ação autônoma de indenização, pleitear essas parcelas, que já
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foram ocorrência de coisa julgada.
3. Apelação denegada" (fi. 285).
Essa composição provocou manifestação irresignatória da parte autora, na via Especial, anteriormente propiciando reexame por esta Turma, assim estadeado:
"Desapropriação - Fixação do justo preço e demora no pagamento - Ação ordinária com a pretensão de indenização por danos e perdas pelo retardamento (art. 159, Código Civil) - Extinção do processo face à coisa julgada -Artigos 267, V, 301, §§ 1Q,
2Q e 3Q, 467 e 469, CPC.
1. Sendo a causa de pedir e pedido na ação ordinária, objetivando a indenização por danos e perdas (art. 159, C. Civil), alheios à lide no antecedente processo expropriatório, inocorre eadem causa petendi, davante, descogitando-se de coisa julgada.
2. Arredada a coisa julgada, limitando-se o v. acórdão hostilizado a confirmar a extinção do processo, apenas reafirmando aquela exceção, o egrégio Tribunal a quo deve prosseguir no julgamento apreciando as questões subjacentes do direito ou não à pleiteada indenização.
3. Recurso provido." (fl. 333).
Sucedeu que, afastada a coisa julgada, o egrégio Tribunal a quo examinando o direito, ou não, à indenização pedida por danos e perdas, desacolheu o pedido feito na
ação ordinária, segundo compreensão assim resumida:
"Civil. Ação de ressarcimento de perdas e danos. Ação de desapropriação. Nova avaliação. Juros compensatórios. Retardamento do processo judicial de desapropriação.
1. É inadmissível a realização de nova perícia para determinar o valor do bem expropriado, apesar de a avalização ter sido realizada em outubro de 1973, porque o valor apurado é corrigido monetariamente. Não se pode pretender que, ao valor estimado agora, aplique-se correção monetária a partir de 1973. O valor do bem expropriado para efeitos de indenização deve ser contemporâneo à data da avaliação.
2. Concessão de juros de mora como se fossem juros compensatórios, pois mandado contar nos mesmos termos dos juros compensatórios, desde a imissão na posse." (fl. 348).
Daí o surgimento do recurso sob exame, de riste, sublinhando a insignificância da indenização recebida (2,662% do valor fixado - fl. 368), plasmando a parte recorrente:
"J amais se pleiteou que o valor apurado nesta ação de perdas e danos fosse reajustado a partir do longínquo ano de 1973, senão a partir da data da realização da perícia de fls. 164, ou seja, 13.06.1986" (fl. 365).
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Bem se coloca, pois, que se pleiteia o ressarcimento de danos pelo tardio pagamento (art. 259, Código Civil). Logo, convém comentar a respeito da adequação da ação, depois de encerrado o processo expropriatório, transitada em julgado a respectiva sentença e cumprida a execução.
Desse modo, à mão de alertamento para o convencimento, levantase que a ação de ressarcimento de danos é posterior àquela da expropriação, por isso mesmo ficando arredada a coisa julgada material (art. 467, CPC). Constituídas razões jurídicas suficientes, extraindo-se, que os efeitos do antecedente julgado restringiram-se aos fatos contemporâneos à ocasião da sentença, apenas alcançando a situação jurídica resolvida, sem influência sobre os fatos supervenientes (James Goldschimidt - in Derecho Processual Civil, pág. 390 - trad. espanhola - 1936 - in RTJ 108/887).
Em assim sendo, aponta-se:
"Desapropriação.
Legítimo é o socorro à ação ordinária com o objetivo de atualizar o preço fixado para a indenização, quando o poder público retarda o devido pagamento" (RE 67.987-GB - ReI. Min. Djaci Falcão - in RTJ 54/50).
É certo que, argumentando, o valor indenizatório poderia ser atualizado monetariamente. Contudo, timbrado pela demora, encerradas as fases de conhecimento e da execução, a final, realizado o pagamen-
to, verificado que o valor indenizatório perdeu significado econômico, vulnerando o "justo preço", compatibiliza-se a ação de danos e perdas, via contingencial para superar indenização meramente simbólica, cuj a perenidade constituiria flagrante injustiça.
Por esse diapasão, diante de contínua desvalorização da Moeda, em louvor ao princípio da prévia e justa indenização, em relação à possibilidade de ser reparado o preço fixado na sentença transitada emjulgado, em reforço, objetivamente, aviva-se a oportunidade da ação intentada. Pois, na verdade, não se revisionará o valor anterior estabelecido, mas, isto sim, por fato superveniente ao julgado - despropositada demora no pagamento: mais de um decênio -, assegura-se com a ação ordinária a recomposição dos danos e perdas, como posto pelo eminente Ministro Djaci Falcão, relatando o RE 67.987/GB, verbis:
" ... Se o pagamento se atrasou por muitos anos, e foi feito com base em preço que, por efeito da inflação superveniente, só representava então uma pequena parte do valor do imóvel desapropriado, claro é que o preceito constitucional não foi obedecido e cabe ação ordinária de ressarcimento." (in RTJ 54, pág. 51).
Dessa forma, decorrente da impontualidade, com o fito de suplantar-se o ilusório pagamento, revigorando a garantia individual da justa indenização, pela via eleita, deve ser acolhido o pedido, para o ressar-
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cimento dos prejuízos sofridos, em face dos efeitos que alteraram os pressupostos de fatos orientadores da sentença fixadora de valor toldado pela inflação (Pontes de Miranda- CPC, voI. VI, págs.117 e sgts. - ed. 1939). Enfim, não satisfeita integralmente a obrigação de pagamento em dinheiro, o dano provado deve ser reparado.
Por todos esses motivos, ficando esmaecidas as considerações, afeiçoando-se à simples reavaliação da dívida, uma vez que o pedido prendeu-se ao "ressarcimento dos prejuízos causados pelo abusivo retardamento" com que a expropriante requerida impulsionou o processo expropriatório (decorridos mais de doze anos da imissão de posse -1Q.03.72 - doc. 5 - e quase onze (11) anos da perícia avaliatória -5.10.73, nada receberam os expro-
priados) - item 17 (fI. 9), entendo que a parte ré deve indenizar os prejuízos causados aos autores.
Insculpida a fundamentação, convencido de que, no caso, não se resolve a controvérsia com a aplicação da correção monetária e sim com a reparação ou ressarcimento dos prejuízos causados, portanto, consentânea a ação ordinária, voto provendo o recurso, a fim de que, em execução, sejam apurados os danos e perdas, levando-se à consideração o valor fixado no título sentencial transitado em julgado e o encontrado na ação de indenização, considerados os elementos informativos de fls. 164 - in fine, e 191 a 193, obviando-se a dedução do quantum levantado (fl. 187). Pela inversão dos ônus da sucumbência, incidirão os juros e consectários legais.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 95.650 - MG
(Registro n Q 96.0030620-6)
Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira
Relator para o Acórdão: O Sr. Ministro José Delgado
Recorrentes: Empresa Venda Nova Ltda. e outros
Recorrida: Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais
Advogados: Drs. José Otávio de Vianna Vaz e outros, e Paula Abranches de Lima e outros
EMENTA: Tributário. Processual Civil. ICMS. Derivado de petróleo.
1. Legitimidade ativa ad causam para a impetração da segurança.
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2. Impossibilidade jurídica de se apreciar a questão de fundo relativa à legalidade ou ilegalidade da substituição tributária enfocada no curso da demanda, já que nenhum pronunciamento a respeito foi proferido pelas instâncias inferiores.
3. Devolução dos autos ao primeiro grau para a decisão sobre o mérito.
4. Recurso provido parcialmente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira e Humberto Gomes de Barros, dar parcial provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros José Delgado, José de Jesus Filho, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros.
Brasília, 08 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator p/Acórdão.
Publicado no D.] de 02-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON L UIZ PEREIRA: Em Mandado de Segurança, o colendo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assentou o entendimento, consubstanciado no voto condutor assim fundamentado:
"Cuida-se de inconformismo contra sentença que, desprezando umas preliminares, mas acolhendo a de ilegitimidade ativa, extinguiu Mandado de segurança preventivo, aviado pela Empresa de Transporte Venda Nova Ltda., e outras, contra o Diretor da Superintendência da Receita Estadual de Minas Gerais, pretendendo obter a supressão da exigência tributária nas operações interestaduais com combustíveis derivados de petróleo, em virtude de Convênio ICMS, impondo a sistemática da substituição tributária pelas distribuidoras" (fi. 176).
omissis
"Caracterizar-se-ia a caducidade da impetração, se o mandamus buscasse, prioritariamente, a declaração da ilegalidade dos Convênios, bem como a da implantação do sistema de substituição tributária. No caso em tela, porém, buscou-se inibir a exigência tributária do ICMS nas compras futuras. Portanto, a impetração se opõe a imposições continuadas, contra as quais o direito à oposição renasce a cada ato.
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E, se alegada a inconstitucionalidade da Lei, o writ não terá o condão de obter tal declaração, mas, tão-só, o da suspensão dos seus efeitos, o que é sempre possível. Foi o que se pretendeu" (fl. 177).
omissis
"Logo, não se caracteriza a decadência, acertadamente afastada.
Mantenho, pois, afastada esta preliminar.
1.2. A segurança normativa, por atacar lei em tese, isto é, que não produz efeitos de imediato, mas pende de atos administrativos para a sua eficácia, por isso inatacável por mandado de segurança, não se caracteriza, pois, no caso em exame, as normas conveniais, repelidas pelas Impetrantes, impõem a obrigação tributária renovável a cada ato, e são de cumprimento obrigatório pelas Autoridades Fazendárias. (fl. 178)"
omissis
"Mantenho a rejeição também a esta preliminar.
1.3. Da ilegitimidade passiva.
Também não há de ser acolhida esta prejudicial, pois o destinatário do tributo recolhido pela Distribuidora é o Fisco do Estado de Minas Gerais, como mencionado pelo Convênio normativo nº 112/93. Daí, a legitimidade passiva da Autoridade apontada coatora, responsável pelos reiterados atos exatoriais.
Mantenho, ainda, afastada esta preliminar.
1.4. Da ilegitimidade ativa.
Acolhida pela r. sentença deve ser confirmada" (fl. 180).
omissis
"Efetivamente, sendo a obrigação imposta às Distribuidoras, eleitas contribuintes substitutas, toca a estas a legitimação ativa, mesmo que as destinatárias sofram a repercussão jurídica do tributo, pelo direito de reembolso, em relação jurídica de naturezaprivada-negocial, não fiscal.
Não sendo, pois, as impetrantes, titulares da pretensão deduzida em juízo, são elas carecedoras da ação proposta." (fl. 181).
omissis
"Doutro lado, patente é a legalidade do sistema da substituição tributária, pois está previsto na legislação mineira, nos arts. 673, VI, da Lei nº 32.535/91 e 22 da Lei nº 6.763/7 5, na redação da Lei nº 9.758/89, editadas com suporte no art. 6º, § 4º, do DL nº 406/ 68 e art. 128 do CTN, normas legais recepcionadas pela CF/88." (fl. 183).
omissis
"Assim, nego provimento à apelação, mantendo a r. sentença, por seus próprios e jurídicos fundamentos." (fls. 186).
Manifestados Embargos de Declaração foram rejeitados.
Atacando o v. aresto, as Recorrentes interpuseram este Recurso Es-
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pecial (art. 105, III, a e c, C. F. ), alegando contrariedade ao artigo 39 ,
do Código de Processo Civil, bem como dissenso jurisprudencial com julgados desta Corte. Entendem que os Convênios ICMS 105/92, 111193 e 112/93 ferem os princípios legais e constitucionais.
O Recorrido aduz:
omissis "Com efeito, num primeiro
plano é de se ver que o acórdão recorrido deu a devida interpretação ao disposto no art. 39 do CPC, sendo certo que são as recorrentes quem teimam em darlhe a interpretação que melhor lhes convém. Na verdade, nenhum reparo merece o acórdão recorrido, ao acolher a preliminar relativa à ilegitimidade ativa ad causam, vindo a confirmar, assim, a sentença de primeiro grau.
Isso porque as ora recorrentes não têm, realmente, legitimidade ativa para discutir relação jurídica da qual não são partes, mas sim, terceiros em relação à obrigação de recolher o ICMS em questão, obrigação esta que compete à distribuidora, eleita contribuinte substituta, o que exclui a responsabilidade das impetrantes, ora recorrentes.
Pela substituição tributária aqui tratada, a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS é atribuída à distribuidora. Portanto, a relação jurídico-tributária decorrente do regime legal da substituição tributária questionada se
instaura entre o Estado (credor) e a distribuidora (devedora por substituição). As recorrentes são estranhas a tal relação jurídica." (fl.277).
omissis
"Como se vê, na espeCle dos autos, a discussão só pode (no máximo) se limitar, em grau de recurso especial, a que se decida se houve ou não houve a ilegitimidade ativa ad causam. Na (remota) eventualidade de se concluir pela segunda hipótese, os autos deverão retornar ao Juízo originário, de primeira instância, para que venha a examinar o mérito do mandado de segurança." (fl. 282).
omissis
"Mesmo que se pudesse adentrar no mérito do recurso interposto o que, mais uma vez, apenas se admite em homenagem ao princípio da eventualidade -ainda assim não haveria como se dar guarida a qualquer das pretensões da recorrente: na verdade, não há como se vislumbrar no acórdão recorrido, qualquer afronta à lei.
No caso dos autos, o que se discute é sobre se a imunidade versada no art. 155, X, b, da CF/88 abrange as operações que destinem petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados a consumidores finais localizados em outros Estados da Federação.
A recorrida sustentou - e continua a sustentar - que a imu-
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nidade ao ICMS prevista no artigo supra referido, com relação às operações que destinam petróleo a outros Estados só se aplica àquelas hipóteses nas quais o destinatário é contribuinte do imposto, não alcançando, via de conseqüência, as hipóteses em que o adquirente é consumidor final." (fl. 283).
omissis
"Sendo assim, com o advento do Convênio ICM 105/92, bem como o Convênio 112/93 (este de caráter interpretativo, relativamente ao primeiro), tais aquisições passaram a ser tributadas pelo ICMS à alíquota interna, sendo que, a nível estadual, a matéria é regulada pelo art. 673 do Decreto n Q
32.535/91 (RICMS/91).
Por tais convênios, os Estados ficaram autorizados a atribuir aos remetentes de combustíveis a condição de substitutos tributários, assegurado o recolhimento do ICMS ao Estado onde estiver localizado o adquirente, não havendo aí, ao contrário do que alegam as recorrentes, qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade" (fi. 284).
omissis
"Espera, pois, em preliminar, a inadmissão do recurso especial. N a hipótese de chegar a ser apreciado o mérito pela instância superior, seja o mesmo desprovido, no que toca à questão relativa à ilegitimidade ativa ad causam, com a conseqüente manutenção do v. acórdão recorrido.
E, ainda na ordem de eventualidades, caso seja ultrapassada a questão relativa à preliminar de carência de ação, não se adentre no mérito propriamente dito da impetração, de vez que a matéria não foi julgada pela instância originária, motivo pelo qual deverá a mesma retornar, para que não se suprima a primeira instância.
Por fim, apenas como argumentação, mesmo na (remota) hipótese de se entender que o conhecimento e o julgamento, por esse Eg. Superior Tribunal de Justiça, da matéria adstrita ao mérito propriamente dito não significaria supressão de instância, seja negado provimento ao recurso especial, com a conseqüente denegação da segurança, à vista dos fundamentos jurídicos esposados no tópico anterior destas contrarazões." (fls. 285/286 - grifos originais).
Simultaneamente foi interposto Recurso Extraordinário, inadmitido na origem. O nobre Primeiro VicePresidente do Tribunal de origem admitiu o processamento do Especial em decisão assim fundamentada:
"Com efeito, deve ele prosseguir, pois a divergênciajurisprudencial apontada restou suficientemente configurada, e está a merecer o exame do Superior Tribunal de Justiça que, em hipótese de situação fática assemelhada, decidiu pela legitimidade ativa do substituído para questionar, via mandamus, a obrigação tributária.
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Quanto à alegação de "ofensa à Constituição Federal", seu exame não está autorizado em sede de recurso especial.
E uma vez que a admissão do recurso especial por apenas um dos fundamentos invocados amplia o conhecimento para as demais questões, conforme entendimento adotado pelo ST J no Recurso Especial n Q 6.963-PR, a análise do cabimento pelos demais fundamentos invocados fazse desnecessária.
Admito, pois, o recurso." (fi. 306).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Espiolhadas as peças informativas, colhe-se que, em Mandado de Segurança preventivo, as Impetrantes insurgiram-se contra a cobrança antecipada do ICMS, incidente nas operações realizadas concernentes à aquisição de produtos derivados do petróleo, em outros Estados-membros (art. 155, lI, § 2Q
,
b, C.F.).
Manifestando inconformismo na via Especial, foi imposto recurso, além da divergência jurisprudencial, sob a alegação de que o julgado contrariou o art. 3Q, CPC.
Nesse contexto, presentes os requisitos de admissibilidade, o recur-
so merece ser conhecido (art. 105, IlI, a, c, C.F.).
Liberado o exame, no circunlóquio da "ilegitimidade ativa ad causam", a controvérsia já objeto de julgados anteriores, assentando-se compreensão favorável à legitimação. Deveras, no caso, colocar-se que as Impetrantes só poderão exercer a sua atividade comercial, ou seja, adquirir os derivados de petróleo, se o ICMS incidente na respectiva operação for antecipadamente recolhido, recaindo sobre elas os ônus da exação fiscal. É o bastante para demonstrar a pertinência subjetiva, consubstanciando pretensão juridicamente razoável, quando as partes interessadas sustentarem que a antecipação do pagamento, pelo menos em tese, ofende o seu direito de somente efetivarem o pagamento depois de concluída a operação.
Por essa linha de pensar, à mão de reforço, versando o núcleo do raciocínio, ganha significância rememorar observações feitas pelo eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, como relator, votando no REsp 38.357-9-SP, registrando:
" ... a impetrante, na qualidade de substituída na relação jurídica tributária, não é estranha à lide e tem legítimo interesse de insurgir-se contra a pretensão do fisco, porquanto é ela que desembolsa, por antecipação, o dinheiro destinado ao pagamento do imposto. O substituto tributário posiciona-se como mero repassa-
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dor da quantia retida e, é claro, que, nessa confortável situação, nunca irá decidir-se a discutir a questão. Impedir o substituído de discuti-la, no caso, ele que, na verdade, é o titular do direito material em litígio, implica atentar contra o princípio do livre acesso ao Judiciário.
Note-se que, a respeito, o art. 128 do Código Tributário N acionaI há de ser interpretado em harmonia com os textos que regem a substituição tributária para frente e, especialmente, a E.C. n Q 3/93. A admitir-se o instituto, não há como afastar-se a legitimação para a causa do substituído ... " (julgado em 15.8.96).
Desse modo, patenteia-se que, na verdade, o tributo objeto de antecipado recolhimento será pago pelas Impetrantes, ora recorrentes, e, portanto, na moldura do contribuinte em substituição, afigura-se a pertinência subjetiva para a pretensão deduzida.
Em assim sendo, seja porque foi contrariado o art. 3Q
, CPC, ou por divórcio do julgado com a prevalecente compreensão jurisprudencial, referentemente à debatida legitimação ad causam, procede a irresignação.
No mérito, em que pese o v. Acórdão ter-se ancorado na comentada legitimidade ad causam, davante, arvorou razões versando a legalidade da exigência fiscal combatida, concluindo pela sua afirmação (fls. 181 a 186). Houve, pois, julgamen-
to. Logo, sem a quebra do duplo grau de jurisdição, também considerado e resolvido o mérito, abrese ocasião para o reexame, todavia, circunscrito à alegada divergência jurisprudencial, ficando à deriva o conteúdo de natureza constitucional.
Nessa perspectiva, apesar de ter convicção aviando a ilegalidade (p. ex.: REsp 81.640-MG), atualmente, a questão tem sido resolvida contrariamente à pretensão recursal deduzida, conforme sintetizado no REsp 35.547-8-SP, Relator Ministro Garcia Vieira, assim fundamentando o seu prestigiado voto:
C .. ) "O regime de substituição tri
butária é previsto pela própria Constituição Federal vigente (art. 155, inciso XII, letra b), nas leis e convênios firmados pelos Estados, com base no artigo 34, parágrafos 3Q e 8Q do ADCT. No Estado de São Paulo, regime de sujeição passiva, de pagamento antecipado é previsto pelo artigo 8Q
, item XII, segundo o qual, são sujeitos passivos por substituição:
'O industrial, o comerciante ou o prestador do serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subseqüentes saídas de mercadorias ou prestações de serviço, promovidas por quaisquer outros contribuintes.'
Já o Convênio n Q 66/88, artigo 25, item I, estabelece que a lei
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poderá atribuir a condição de substituto tributário a: 'industrial, comerciante ou outra categoria de contribuintes, pelo pagamento do imposto devido na operação ou operações anteriores.'
Este Convênio, com força de lei complementar (ADCT, artigo 34, parágrafo 8º), autorizou os Estados a 'exigir o pagamento antecipado do imposto, com a fixação, se for o caso, do valor da operação ou da prestação subseqüente a ser efetuada pelo próprio contribuinte' (artigo 2º, parágrafo 3º).
A lei estadual e o convênio citados não contrariam os artigos 121 e 128 do CTN e com eles se harmonizam, na instituição desta substituição tributária, sendo legítima a exigência fiscal, com base na lei estadual editada com suporte no citado Convênio nº 661 88. Neste sentido o Recurso Especial nº 9.587-SP, Relator Eminente Ministro lImar Galvão, hoje membro do STF, DJ de 101 06/91. A Excelsa Corte, nos Recursos Extraordinários n~ 108.104, DJ de 14/08/87 e 107.104-0-ES, DJ de 14/08/84, Relator Eminente Ministro Célio Borja, em casos de mercadorias destinadas a outros Estados, entendeu legítimo o pagamento antecipado do rCM, previsto na legislação estadual.
Com o pagamento antecipado, não ocorre o recolhimento do imposto antes da ocorrência do fato gerador. Não se pode confundir momento da incidência do tributo com a sua cobrança. Ocorre o
fato gerador do rCM na saída da mercadoria do estabelecimento contribuinte. No caso, quando são vendidos os veículos automotores ou suas peças. A sua cobrança é a última fase concreta. Nos termos da Lei Estadual nº 6.374/89, artigo 2º, inciso r e o do Convênio 66/88, artigo 2º, inciso V, ocorre o fato gerador do imposto na saída da mercadoria do estabelecimento contribuinte. É claro que esta substituição e antecipação, acolhida pela doutrina e por nossos Tribunais, tem de ser autorizada por lei (artigo 121, inciso II do CTN) e a terceira pessoa deve ser vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação (artigo 128 do CTN), mas, no caso em exame estas condições estão amplamente satisfeitas."
Por essa linha de pensar, uniformizando a jurisprudência, a egrégia Primeira Seção, de vez, fincou a aura da legalidade na exação fiscal (EDREsp 30.269-0-SP, ReI. Min. Hélio Mosimann - in DJU de 9.10.95; EDREsp 50.884-SP).
Comemorados esses registros, no pertencente à distribuidora de bebidas, alinhados àquela diretriz básica, existem julgados desta Corte, conseqüentemente, contrários às prédicas feitas no recurso, inter alia, como ficou estadeado no REsp. 86.465-RJ, ReI. Min. Ari Pargendler, assim:
"A controvérsia só pode ser dirimida à base de um conceito preciso de substituição tributária.
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o sujeito passivo da relação jurídica tributária, - escreveu Alfredo Augusto Becker -'normalmente, deveria ser aquela determinada pessoa de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Entretanto, freqüentemente, colocar esta pessoa no pólo negativo da relação jurídica tributária é impraticável ou simplesmente criará maiores ou menores dificuldades para o nascimento, vida e extinção destas relações. Por isso, nestas oportunidades, o legislador como solução emprega uma outra pessoa em lugar daquela e, toda a vez que utiliza esta outra pessoa, cria o substituto legal tributário' (Teoria Geral do Direito Tributário, Edição Saraiva, São Paulo, 2ª edição, 1972, pág. 504).
'Acrescente multiplicidade de relações sócio-econômicas; a complexidade e a variedade cada vez maior de negócios são os principais fatores que estão tornando impraticável aquela solução do legislador' ... de escolher 'para sujeito passivo da relação jurídico-tributária aquele determinado indivíduo de cuja verdadeira renda ou capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Até há alguns decênios atrás, este indivíduo era, quase sempre, aquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência tributária é fato-signo presuntivo. Entretanto, os fatores que acabaram de ser apontados estão induzindo
o legislador a escolher um outro indivíduo para a posição de sujeito passivo da relação jurídico-tributária. E este outro indivíduo consiste precisamente no substituto legal tributário cuja utilização, na época atual, já é freqüentíssima, de tal modo que, dentro de alguns anos, o uso do substituto legal pelo legislador será a regra geral (op. cito 5011502).
A expressão substituição tributária não é uma boa expressão para definir esse instituto. Juridicamente, o substituto tributário não substitui ninguém. 'O fenômeno da substituição' - ainda nas palavras de Becker -'opera-se no momento político em que o legislador cria a regrajurídica. E a substituição que ocorre neste momento consiste na escolha pelo legislador de qualquer outro indivíduo em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo' (ibid., págs. 505/506). Quando essa escolha do legislador se torna regra jurídica, e ela incide criando a obrigação tributária, essa obrigação tributária já nasce contra o substituto legal tributário. 'Entre o Estado e o substituído não existe qualquer relação jurídica' (ibid., pág. 507).
A primeira dificuldade a vencer, em termos de direito positivo, é a de que o Código Tributário Nacional não refere a expressão substituto legal tributário,
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nem mesmo a expressão substituição tributária, que no âmbito federal só veio a ser utilizada pela Constituição Federal de 1988. O Código Tributário Nacional fala em responsável, mas com a impropriedade de empregar esse vocábulo com, pelo menos, duas conotações diferentes; o responsável do artigo 121, parágrafo único, inciso lI, que é o substituto legal tributário; o responsável do artigo 128 e seguintes que é o responsável tributário no sentido próprio.
O artigo 121 do Código Tributário Nacional trata da sujeição passiva originária ou direta, aquela que resulta da incidência da norma jurídica tributária; é a sujeição passiva descrita na regra legal. Se o legislador optar por imputá-la à pessoa 'cuja renda ou capital a hipótese de inci- . dência é fato-signo presuntivo', estar-se-á diante da figura do contribuinte, aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador (artigo 121, parágrafo único, inciso 1). Se a opção for por terceira pessoa, não vinculada ao fato gerador, cuja obrigação decorra de disposição expressa de lei, estar-se-á diante do substituto legal tributário (artigo 121, parágrafo único, inciso lI).
A obrigação tributária, portanto, nasce, por efeito da incidência da norma jurídica, originária e diretamente, contra o contribuinte ou contra o substituto legal
tributário; a sujeição passiva é de um ou de outro, e, quando escolhido o substituto legal tributário, só ele, ninguém mais, está obrigado a pagar o tributo.
A sujeição passiva originária, nas modalidades de contribuinte e de substituto legal tributário, pode não ser suficiente para o cumprimento da obrigação tributária principal, a de pagar o tributo (CTN, artigo 113, § 1 Q). Para garantir a efetividade da obrigação tributária, a lei criou a responsabilidade tributária, que é sempre derivada do inadimplemento da obrigação tributária originária (ou, como querem outros, sujeição passiva indireta, por oposição à sujeição passiva direta).
Quer dizer, em linha de princípio, o contribuinte ou o substituto legal tributário estão obrigados a pagar o tributo, mas o inadimplemento da obrigação tributária originária ou direta dá causa à obrigação derivada ou indireta, positivamente prevista como responsabilidade tributária (CTN, artigos 128 e seguintes).
A responsabilidade tributária é uma obrigação de segundo grau, alheia ao fato gerador da obrigação tributária. Quando a norma jurídica incide, sabe-se que ela obriga o contribuinte ou o substituto legal tributário. Apenas se eles descumprirem essa obrigação tributária, é que entra em cena o responsável tributário.
Nada mais é preciso dizer para acentuar a diferença ontológica
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existente entre o substituto legal tributário e o responsável tributário; aquele é a pessoa, não vinculada ao fato gerador, obrigada originariamente a pagar o tributo; este é a pessoa, vinculada ao fato gerador, obrigada a pagar o tributo, se este não for adimplido pelo contribuinte ou pelo substituto legal tributário, conforme o caso.
À vista do exposto, não se pode dizer que o "substituído" recolhe antecipadamente o ICMS; ele não recolhe nem antes nem nunca, porque é alheio à relação jurídico-tributária. Ainda no magistério de Alfredo Augusto Becker, 'não existe qualquer relação jurídica entre substituído e o Estado' (ibid., pág. 513).
É preciso que isso fique claro: na substituição legal tributária há só uma obrigação tributária, e não várias, porque seu efeito é, exatamente, o de suprimir obrigações tributárias que corresponderiam às etapas do ciclo de comercialização anteriores ou posteriores, conforme a substituição se processe 'para trás' ou 'para frente'; o que esse fato gerador tem de especial é a base de cálculo, a qual considera valores agregados em outras etapas do ciclo de comercialização.
A questão de saber quem suporta esse encargo é de natureza econômica, nada tendo a ver com o fenômeno jurídico. Fora de toda dúvida, é um custo de quem adquire o produto para revendê-lo. Mas, como está embutido no preço, é repassado ao consumidor.
Nessa linha, o substituto tributário, na espécie, é o fabricante das bebidas, não o distribuidor.
A ilegitimidade ad causam da Recorrente é o corolário lógico dessas razões. Superada que fosse, ainda assim, a substituição tributária, em hipóteses desse jaez, está autorizada desde a Lei Complementar n Q 44, de 1986" (in DJU de 7.10.96).
Com a sua reconhecida objetividade, no mesmo julgamento, destacou o eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, textualmente:
A substituição tributária inclui-se no que se costuma denominar sujeição passiva indireta. De fato, ao lado do contribuinte, ou seja, daquele que tem relação pessoal direta com o fato gerador, existe o responsável, isto é, outra pessoa que não o contribuinte a que a lei impõe o cumprimento da prestação tributária (CTN, art. 121, parágrafo único, I e II).
Diz o art. 128 do CTN que 'sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a esta em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.'
É, nesse contexto, que deve ser examinada a 'substituição tributária para frente', que se apóia na
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figura do 'fato gerador presumido', hoje expressamente referido no § 79 do art. 150 da EC n 9 3, de 17-03-93, nestes termos:
'A lei poderá atribuir a sujeito passivo da obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deve ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.'
Consiste a substituição tributária para frente em obrigar alguém a pagar, não apenas o imposto atinente à operação por ele praticada, mas, também, o relativo a operação ou operações posteriores.
O instituto não é novo no nosso direito, mas, a partir da sua 'constitucionalização', passou a receber acerbos ataques de alguns eminentes tributaristas (Geraldo Ataliba, Aires F. Barreto, Hamilton Dias de Souza, Ives Gandra da Silva Martins, dentre outros). Sustentam esses juristas que viola, praticamente, todos os princípios constitucionais basilares relativos aos tributos (tipicidade tributária, nãocumulatividade, capacidade contributiva). Alegam, ainda, que vulnera o princípio atributivo de competência tributária aos Estados-membros e, até mesmo, que configura autêntico empréstimo compulsório, só previsto nas hipóteses do art. 148 da Constitui-
ção. Não cabe, nos limites deste recurso, rebater essa argumentação de natureza constitucional, o que já fiz, contudo, em palestra que fiz sobre o assunto e que, em breve, será publicada.
Creio, pois, que, dos citados defeitos, não padece o instituto, que tem a defendê-lo juristas, igualmente, respeitados (Sacha Calmon Navarro Coelho, Arthur José Favaret Cavalcanti, Heron Arzua, dentre outros). N a verdade, sob o prisma radical ortodoxo, não é possível visualizar o instituto, fundamental para tornar efetivo, no atual estágio da civilização, o princípio da praticabilidade da tributação, algo parecido, no campo do processo, com o princípio da economia processual, segundo lembra Sacha Calmon. Acrescento mais: da mesma forma que o direito processual passa por verdadeira revolução visando a concretizar o princípio da efetividade da jurisdição, com a criação de diversos institutos novos (ampliação das cautelares e antecipação de tutela, dentre outros), o direito tributário não pode passar imune a essa evolução da sociedade, deixando de acolher a figura da substituição tributária para frente, que, numa visão analógica, apresenta certo caráter cautelar: objetiva tornar efetiva a responsabilidade tributária. Note-se que o destinatário legal tributário, como o substituto, tem sempre assegurada a possibilidade de recuperar o que dispender para pagamento do tributo gerado por outrem.
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A 'substituição tributária para frente' tem sido adotada e aplicada, entre outros casos, nos seguintes, relativos à cobrança do ICMS com inclusão do seu valor no preço devido pelos revendedores nas suas futuras operações de revenda: companhias distribuidoras quanto as empresas que, no varejo, negociam com produtos derivados do petróleo e álcool etílico hidratado carburante; montadoras de automóveis no que se refere às suas concessionárias; fábricas de cigarros e bebidas quanto aos atacadistas das respectivas redes de comercialização.
A introdução do instituto no nosso direito positivo ocorreu por meio do Código Tributário N acionaI (Lei n 9 5.172, de 25-10-66), consoante se depreende do art. 58, § 29, II, na sua redação originária, segundo a qual 'a lei pode atribuir a condição de responsável': 'II - ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a ele remetida, de percentagem não excedente de 30% (trinta por cento) que a lei estadual fixar.'
O Ato Complementar n 9 34, de 30-01-67, substituiu o inciso II do § 29 pelo seguinte:
'II - ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido por comerciante varejista, mediante acréscimo:
a) da margem de lucro atribuída ao revendedor, no caso de mercadoria com preço máximo de venda no varejo marcado pelo fabricante ou fixado pela autoridade competente.
b) de percentagem de 30% (trinta por cento) calculada sobre o preço total cobrado pelo vendedor, neste incluído, se incidente na operação, o imposto a que se refere o art. 46, nos demais casos.'
O Decreto-Lei n 9 406, de 31-12-68, revogou expressamente os referidos dispositivos (art. 13).
A Lei Complementar n 9 44, de 07-12-83, acrescentou parágrafos aos arts. 29, 39 e 69 do Decreto-lei n 9 406, de 31-12-68, dispondo, novamente, sobre a denominada 'substituição tributária para frente'.
Eis os textos novos:
'Art. 29 ................................. .
§ 99 . Quando for atribuída a condição de responsável ao industrial, ao comerciante atacadista ou ao produtor, relativamente ao imposto devido pelo comerciante varejista, a base de cálculo do imposto será:
a) o valor da operação promovida pelo responsável, acrescido da margem estimada de lucro do comerciante varejista obtida mediante aplicação de percentual fixado em lei sobre aquele valor;
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b) o valor da operação promovida pelo responsável, acrescido da margem de lucro atribuída ao revendedor, no caso de mercadorias com preço de venda, máximo ou único, marcado pelo fabricante ou fixado pela autoridade competente.
§ 10. Caso a margem de lucro efetiva seja normalmente superior à estimada na forma da alínea a do parágrafo anterior, o percentual ali estabelecido será substituído pelo que for determinado em convênio celebrado na forma do disposto no § 6º do artigo 23 da Constituição Federal.
Art.3º ................................ .
§ 7Q• A lei estadual poderá
estabelecer que o montante devido pelo contribuinte, em determinado período, seja calculado com base em valor fixado por estimativa, garantida, ao final do período, a complementação ou a restituição em moeda ou sob a forma de utilização como crédito fiscal, em relação, respectivamente, às quantias pagas com insuficiência ou em excesso.
Art. 6Q ••••••••••••••••••••••••••••••••
§ 3Q• A lei estadual poderá
atribuir a condição de responsável:
a) ao industrial, comerciante ou outra categoria de con-
tribuinte, quanto ao imposto devido na operação ou operações anteriores promovidas com a mercadoria ou seus insumos;
b) ao produtor, industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista;
c) ao produtor ou industrial, quanto ao imposto devido pelo comerciante atacadista e pelo comerciante varejista;
d) aos transportadores, depositários e demais encarregados da guarda ou comercialização de mercadorias.
§ 4Q• Caso o responsável e o
contribuinte substituído estej am estabelecidos em Estados diversos, a substituição dependerá de convênio entre os Estados interessados."
Finalmente, a Constituição em vigor encampou o instituto (art. 155, § 2Q
, XII, b), tendo o Convênio n Q 66/88 (com força de lei complementar, à vista do art. 34, § 8Q
, do ADCT) incluído no seu texto, praticamente, as normas da Lei Complementar n Q 44, de 1983. Sobreveio, a final, a Emenda Constitucional nº 3, de 17-03-93, que acrescentou o § 7Q ao art. 150 da Lei Maior, a cujo teor, antes, me referi.
Quanto às operações relativas a veículos automotores, a elas se refere expressamente o Convênio ICMS n Q 107, de 24.10.89.
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Fiz essa rememoração legislativa para mostrar que o instituto não constitui novidade, tendo, a partir da vigência da atual Constituição, assumido conotação constitucional.
A propósito, bem lembrou HeronArzua:
'desde o início de vigência do ICMS (1967), a substituição tributária foi adotada para certas mercadorias, tais como, cigarros e bebidas. À época não houve qualquer contestação quanto à constitucionalidade desse método de arrecadação. A alegação de que haveria cobrança do tributo antes da ocorrência do fato gerador, demonstrava-se que praticamente todo o sistema normativo tributário brasileiro assim era concebido. Inúmeros impostos e taxas estabelecidos nas leis federais, estaduais e municipais eram cobrados antes do fato imponível respectivo. O imposto de transmissão inter vivos deve ser pago antes da lavratura da escritura pública de compra-evenda, a qual há de ser levada ao registro imobiliário, este sim o fato gerador do imposto já pago. O imposto de exportação é exigido antecedentemente à saída do bem exportado, saída essa que é o suporte de incidência do tributo. O imposto de renda das empresas é normalmente cobrado antes da configuração da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou proventos. A taxaju-
diciária e as custas judiciais devem ser pagas, na maioria dos casos, previamente ao ajuizamento da petição inicial de qualquer ação, antes, portanto, da prestação do serviço público que lhes dá causa. As taxas de polícia, em geral, também são cobradas anteriormente ao efetivo exercício do poder de fiscalização. E assim por diante.'
Assinale-se, com atinência ao tema, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Representação nº 848, do Ceará, na vigência do art. 58 do CTN, na sua redação originária, concluiu pela constitucionalidade do instituto. Ao julgar o RE 7.462-MG cingiuse a declarar que o dispositivo codificado, a ele referente, fora revogado. É o que se depreende deste trecho da ementa do julgado (RTJ 73/507):
'O art. 128 do CTN, ainda vigente, só a permite se houver vinculação do terceiro ao fato gerador, pelo que já não é possível, em conseqüência da revogação do art. 58, § 2º, II do mesmo Código, pelo Dec.Lei 406/68, atribuir ao industrial ou comerciante atacadista, a responsabilidade pelo tributo devido pelo comerciante varejista.'
Faço esse retrospecto para deixar claro que o instituto era constitucional sob a égide da Constituição anterior e constitucional
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continuou a ser na vigência da atual Lei Maior, em que passou a expressamente constar das suas normas, após ser restabelecido pela legislação infraconstitucional antes citada" (REsp 38.357-9-SP).
No estuário do exposto, ficando afastada a preliminar da ilegitimidade ativa ad causam, no mérito, submetendo-me à jurisprudência da Corte, voto improvendo o recurso.
É o voto.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: No recurso especial em debate, embora a matéria de fundo tratada seja substituição tributária para o pagamento do ICMS em operações realizadas concernentes à aquisição de produtos derivados de petróleo, em outros Estados-membros, examina-se, apenas, ao meu entender, tema relativo à legitimidade das recorrentes para propositura da ação. Essa limitação decorre dos termos constantes na petição recursal, em seu final, do teor seguinte:
"Por todo o exposto, faz-se necessária a reforma do acórdão proferido pela E. li! Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça, relativo à Apelação Cível n. 34.903-5, declarando as Recorrentes partes legítimas para estar em Juízo. Destarte, as Recorrentes requerem e esperam o conhecimento e provimento do presente Recurso
Especial, com a conseqüente reforma do acórdão recorrido no tocante ao interesse processual e à legitimidade da parte, devolvendo o processo para o julgamento do mérito da questão ou o julgamento do mérito pelo próprio Superior Tribunal de Justiça."
N a verdade, a sentença de primeiro grau não atacou o mérito da demanda, conforme registro feito na sua parte dispositiva, a conferir:
"Ante o exposto e considerando tudo o mais que dos autos consta, não tendo as impetrantes legitimidade ativa para o manejo do writ acolho a preliminar do Impetrado de ilegitimidade ativa das Impetrantes, via de conseqüência, extingo o processo sem julgamento de mérito, e o faço com espeque no artigo 267, inciso VI, do CPC."
O acórdão guerreado, no trato do assunto, assim posicionou-se:
"1.4 Da ilegitimidade ativa. Acolhida pela r. sentença, deve ser confirmada.
Com efeito, as impetrantes argumentam que a operação citada é imune à incidência do ICMS, por força do previsto no art. 155, lI, § 2Q
, X, b, da CF, sendo inconstitucionais os Convênios ICMS n!la 105/92, 112 e 113/93, por obrigarem a Distribuidora a reter e recolher o imposto.
Buscam a segurança para os remetentes dos combustíveis não
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reterem as alíquotas referentes ao ICMS, bem como para as Suplicantes e as distribuidoras não serem autuadas pela fiscalização.
Daí resulta a responsabilidade pela retenção e recolhimento do tributo é tão-só da distribuidora, por força da substituição tributária, tornando-se, as substituídas, infensas à obrigação e à autuação. Como exposto no mencionado parecer, "A relação jurídica entre consumidor e distribuidora é irrelevante do ponto de vista tributário. O fato de a distribuidora repassar para os preços o imposto recolhido não enseja ao consumidor a legitimidade para postular direito de terceiro, como autêntico substituto processual' (fls. 102).
Efetivamente, sendo a obrigação imposta às Distribuidoras, eleitas contribuintes substitutas, toca a estas a legitimação ativa, mesmo que as destinatárias sofram a repercussão jurídica do tributo, pelo direito de reembolso, em relação jurídica de natureza privada-negociaI, não fiscal.
Não sendo, pois, as impetrantes titulares da pretensão deduzida emjuízo, são elas carecedoras da ação proposta."
O eminente relator deu provimento ao recurso quanto a esse aspecto, isto é, reconhecendo as impetrantes como partes legítimas para a propositura do mandado de segurança, com os fundamentos seguintes:
"Liberado o exame, no circunlóquio da 'ilegitimidade ativa ad causam', a controvérsia já objeto de julgados anteriores, assentando-se compreensão favorável à legitimação. Deveras, no caso, coloca-se que as impetrantes só poderão exercer a sua atividade comercial, ou seja, adquirir os derivados de petróleo, se o ICMS incidente na respectiva operação for antecipadamente recolhido, recaindo sobre elas os ônus da exação fiscal. É o bastante para demonstrar a pertinência subjetiva, consubstanciando pretensão juridicamente razoável, quando as partes interessadas sustentarem que a antecipação do pagamento, pelo menos em tese, ofende o seu direito de somente efetivarem o pagamento depois de concluída a operação.
Por essa linha de pensar, à mão de reforço, versando o núcleo do raciocínio, ganha significância rememorar observações feitas pelo eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, como Relator, votando no REsp 38.357-9-SP, registrando:
" ....... a impetrante, na quali-dade de substituída na relação jurídico-tributária, não é estranha à lide e tem legítimo interesse de insurgir-se contra a pretensão do fisco, porquanto é ela que desembolsa, por antecipação, o dinheiro destinado ao pagamento do imposto. O substituto tributário posiciona-se como mero repassador da quantia retida e, é claro,
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que, nessa confortável situação, nunca irá decidir-se a discutir a questão. Impedir o substituído de discuti-la, no caso, ele que, na verdade é o titular do direito material em litígio, implica atentar contra o princípio do livre acesso ao Judiciário.
Note-se que, a respeito, o art. 128 do Código Tributário N acionaI há de ser interpretado em harmonia com os textos que regem a substituição tributária para frente e, especialmente, a E. C. n. 3/93. A admitir-se o instituto, não há como afastar-se a legitimidade para a causa do substituído .. .' (julgado em 15.8.96).
Desse modo, patenteia-se que, na verdade, o tributo objeto de antecipado recolhimento será pago pelas Impetrantes, ora recorrentes, e, portanto, na moldura do contribuinte em substituição, afigura-se a pertinência subjetiva para a pretensão deduzida.
Em assim sendo, seja porque foi contrariado o art. 32, CP, ou por divórcio do julgado com a prevalecente compreensão jurisprudencial, referentemente à debatida ad causam, procede a irresignação.'
Nenhum argumento tenho a acrescentar na posição assumida pelo eminente Relator, pelo que acompanho o judicioso voto que apresentou, em todos os seus termos.
Peço mil vênias, contudo, ao eminente Relator, para não acompa-
nhá-Io quanto à expansão que deu ao julgado, apreciando a matéria de mérito. Estou convencido de que, de acordo com os limites impostos pelas decisões de primeiro e segundo graus, não há qualquer possibilidade jurídica de se apreciar a questão de fundo relativa à legalidade ou ilegalidade da substituição tributária enfocada no curso da demanda, tendo em vista que nenhum pronunciamento a respeito foi proferido pelas instâncias inferiores.
O fato, por si só, do acórdão guerreado ter, como mencionou, como mera digressão, tocado no núcleo da relação jurídica litigiosa posta nos autos, não autoriza a sua análise em recurso especial. Tenha-se em consideração que, a uma, os recorrentes se limitaram, tão-somente, a reivindicar o reconhecimento de sua legitimação ativa e a devolução dos autos para o exame do mérito pelo primeiro grau; a duas, que o extrapolamento do acórdão guerreado não deve ser levado em consideração, de ofício; a três, que o pedido final dos recorrentes no sentido de que o STJ, se achar conveniente, julgue o mérito, não tem qualquer base jurídica; a quatro, deve ser lembrado que as impetrantes buscam o reconhecimento da inconstitucionalidade dos Convênios que cita, para o que o recurso especial é inadequado.
Pelo exposto, o meu voto é no sentido único de reconhecer as impetrantes como parte legítima e determinar que os autos voltem ao primeiro grau para a decisão sobre o mérito. Dou, para tais limites, parcial provimento ao recurso.
É como voto.
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VOTO - VENCIDO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Presidente):
Srs. Ministros, peço vênia à maioria - até porque já manifestei a minha opinião a propósito - para acompanhar o eminente Ministro Milton Luiz Pereira.
RECURSO ESPECIAL NQ 99.124 - PR
(Registro n Q 96.0040023-7)
Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo
Recorrentes: Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná - DER / PR; Ministério Público do Estado do Paraná
Recorridos: Maniti Kiara e outros
Advogados: Márcia Dieguez Leuzinger e outro, e Antônio Clarides Modena
EMENTA: Administrativo e Processual Civil. Desapropriação. Honorários advocatícios. Critérios de eqüidade (§§ 3 52 e 4 52 do art. 20 do CPC). Fixação. Reexame. Via recursal inadequada (Súmula 7-STJ). Ministério Público. Intervenção desnecessária.
I - Os honorários advocatícios, quando fixados com base em critérios de eqüidade (§§ 39 e 49 do artigo 20 do CPC) não cabem ser reapreciados na via estreita do recurso especial, porque dizentes aos aspectos fáticos, insuscetíveis de reexame no âmbito do apelo extremo (Súmula 7-STJ). Precedentes.
II - O interesse a justificar a intervenção do Ministério Público (art. 82, IH, do CPC) não se identifica com o da Fazenda Pública e das Autarquias, que são representadas pelos seus Procuradores. Por isso, figurando na relação processual pessoa pública ou entidade da administração indireta, que já gozam de várias regalias, no processo, excepcionadoras da igualdade de tratamento das partes, não se faz necessária tal intervenção.
IH - Em ação de desapropriação não é obrigatória a intervenção do Ministério Público. Precedentes.
IV - Recurso do DER-PR não conhecido e do Ministério Público improvido. Decisão unânime.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 107
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso do DER e negar provimento ao recurso do Ministério Público, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro José de Jesus Filho. Custas, como de lei.
Brasília, 06 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.
Publicado no DJ de 22-04-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Nos autos de ação ordinária de indenização, decorrente de expropriação indireta, em sede de apelação civil, a egrégia Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Paraná não proveu o apelo do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná, deixou de acolher o recurso apelatório dos autores da ação e o do Ministério Público Local, ficando determinada a cumulatividade dos juros
compensatórios e moratórias, mantida a condenação da autarquia no pagamento de honorários advocatícios no percentual de 15% sobre o valor da condenação, consoante disposto no § 3Q do artigo 20 do Código de Processo Civil, bem como reconhecido que "muito embora o órgão ministerial, atuando custos legis tenha legitimidade para recorrer, só pode fazê-lo tratando-se de questão de ordem pública, que não é o caso dos autos, não cabendo ao Ministério Público, como fiscal da lei, suprir as omissões das partes, além de não se identificar o interesse público com o da autarquia estadual" (folhas 397/404).
Opostos e rejeitados tempestivos embargos de declaração (folhas 423/ 426), contra os mencionados aspectos da decisão da egrégia Câmara a quo, insurgem-se agora o D.E.R. do Estado e o Ministério Público, pela via dos recursos especiais interpostos, com arrimo nas letras a e c do permissivo constitucional, o primeiro deles, sob a alegação de contrariedade ao artigo 20, § 4Q do Código de Processo Civil, e divergência com julgados de outros tribunais (folhas 429/437), e o segundo, ao argumento de que o v. acórdão recorrido negou vigência aos artigos 82, III, 246 e 499 do CPC, e 25 da Lei 8.625/93 (folhas 440/461).
Ofertadas as contra-razões (folhas 469/473, folhas 475/479 e folhas 482/486), o recurso foi admitido na origem (folhas 490/494), subindo os autos a esta instância.
É o relatório.
108 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Consoante foi ressaltado no relatório, o D.E.R. do Estado do Paraná e o Ministério Público Local insurgem-se, via recursos especiais, contra decisão da egrégia Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça daquele Estado, que, nos autos de ação indenizatória, por desapropriação indireta, entendeu que:
1 Q) - era cabível a condenação da autarquia no pagamento de honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação, conforme o disposto no § 3Q do artigo 20 do CPC;
2Q) - o recurso apelatório do
Parquet Estadual não podia ser conhecido, por isso que "muito embora o órgão ministerial, atuando custos legis tenha legitimidade para recorrer, só pode fazê-lo tratando-se de questão de ordem pública, que não é o caso dos autos, não cabendo ao Ministério Público, como fiscal da lei, suprir as omissões das partes, além de não se identificar o interesse público com o da autarquia estadual" (Acórdão folhas 397/ 404).
O primeiro dos recorrentes, alega violação ao § 4Q do artigo 20 do CPC, além de divergênciajurisprudencial, enquanto o segundo sustenta negativa de vigência aos artigos 82, UI, 246 e 499 da Lei Processual Civil, e artigo 25 da Lei 8.625/93.
Ao examinar, preliminarmente, o inconformismo recursal manifestado pelo D.E.R., verifico, de logo, ser descabido o conhecimento do recurso, se considerada a jurisprudência pacífica deste Tribunal acerca do tema posto em discussão.
É que, de acordo com a 'jurisprudência mansa e pacífica deste egrégio Tribunal, os honorários advocatícios fixados com base em critérios de eqüidade (§§ 3Q e 4Q do artigo 20 do CPC) não cabem ser apreciados na via estreita do recurso especial" (REsp n Q 74.983IMG, da minha lavra, D.J. 4.12.95).
De acordo com o disposto no § 4Q
do artigo 20 da Lei Processual Civil, portanto, nas causas em que for vencida a Fazenda Pública, devem os honorários ser fixados consoante a apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as condições previstas nas alíneas a e c do anterior § 3Q
,
nelas compreendidas o grau de zelo do profissional, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.
Em casos como o da espécie, a iterativa jurisprudência deste egrégio STJ tem assentado o entendimento, segundo o qual a via excepcional mostra-se inadequada para avaliar os critérios concernentes a atuação do profissional, porque dizente tal apreciação aos aspectos fáticos, insuscetíveis de reexame em sede de recurso especial (Súmula 07-STJ). Nesse sentido, entre os inúmeros precedentes, à guisa de exemplos, podem ser citados os acórdãos encimados das seguintes ementas:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 109
"Carente de elementos de exame na atuação do procurador na causa, incabe apreciar-se a matéria na via especial" (REsp 35.831/SP, ReI. Min. José Dantas, D.J.01.08.94).
"Arbitrados honorários advocatícios segundo critérios de eqüidade, não podem os mesmos ser apreciados no âmbito do recurso especial, uma vez que referido critério calça-se em matéria fática. Precedentes" (REsp nº 3.886/SP, ReI. Min. Américo Luz, D.J. 12.09.94).
"O valor dos honorários advocatícios, fixados por critério de eqüidade pelo juiz, não pode ser reapreciado na via do recurso especial" (REsp nº 66.480/SP, ReI. Min. Assis Toledo, D.J. 25.09.95).
"Administrativo e Processual Civil. Haveres de funcionários públicos. Natureza alimentar. Correção monetária. Honorários advocatícios devidos. CPC, art. 20, §§ 3 Q e 4~ CPC. Lei 6.899/81.
1. À vista do crédito com a natureza alimentar impõe-se a atualização monetária em cada parcela devida, a contar da data do pagamento periodicamente feito.
2. Em homenagem ao princípio da sucumbência, pelas instâncias ordinárias, com base no art. 20, § 4º, CPC, fixado percentual dos honorários advocatícios devidos, descabe reapreciação, sob pena de investigação no campo fático, procedimento avesso à finalidade da via especial e, conseqüentemente, escapando da competência da Corte Superior.
3. Precedentes dajurisprudência.
4. Recurso parcialmente conhecido e improvido, dele não se tomando conhecimento quanto aos critérios de fixação dos honorários advocatícios" (REsp 22.298/ RJ, ReI. Min. Milton Luiz Pereira, D.J. 19.09.94).
Sobre o segundo tema, ou mais precisamente, a questão relativa à legitimidade do Ministério Público para, no caso, poder recorrer, ou não, afigura-se-me incensurável a decisão recorrida, além de consonante com a jurisprudência predominante nesta Corte.
Com efeito, a questão jurídica é bem conhecida no âmbito deste Tribunal, inclusive já discutida e dirimida com respaldo em acórdãos da minha lavra.
Discute-se, na espécie, se na ação expropriatória, é obrigatória a intervenção do Ministério Público, com base no artigo 82, III, do CPC. Todavia, a jurisprudência que se pacificou, no STJ, através de ambas as Turmas de Direito Público, foi no sentido de que, "não é necessária a intervenção do M. Público em execução fiscal, porquanto o interesse público que a justifica não se identifica com o da Fazenda Pública, que é representada por Procurador e se beneficia do duplo grau obrigatório" (DJU de 05.12.94).
São inúmeros os julgados desta Corte no mesmo sentido bastando citar, dentre outros, os proferidos nos REsps n.!!E 48.771-0/RS (ReI. Min. Milton Pereira), 63.529-2/PR
110 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.
(ReI. Min. Gomes de Barros), 25.700-5/SP (ReI. Min. Vicente Cernicchiaro) 52.318-4/RS (ReI. Min. Pádua Ribeiro).
Ao enfrentar a questão em votovista proferido no REsp n Q 48.771-4, assim me posicionei:
"Estou em que são judiciosos os argumentos do eminente Relator. Em verdade, ajurisprudência tanto desta, como da Suprema Corte, como se observa dos acórdãos colacionados no judicioso voto, se inclinou no sentido de que, "o interesse a justificar a intervenção do Parquet (art. 82, IlI) não se identifica com o da Fazenda Pública, que é representada por Procurador e se beneficia do duplo grau, necessariamente (art. 475, lII, do CPC). Embora o preceito legal tenha gerado perplexidade na doutrina e na jurisprudência, acerca de sua compreensão, prevaleceu o entendimento de que, figurando na relação processual pessoa pública ou entidade da administração indireta, que já gozam, no processo, de várias regalias, excepcionadoras da igualdade de tratamento das partes, não se faz necessária a intervenção do M. Público". A pura e simples qualidade da parte (União, Estado e Município) não é de molde a justificar a oitiva do custus legis".
Em outra oportunidade, ao proferir meu voto no julgamento do REsp n Q 80.5811SP, assim me posicionei:
"Não me parece assistir razão à recorrente. É que, na sistemática processual vigente, o interesse público justificador da presença do Parquet há de ser imediato e não remoto, inexistindo identidade entre este e o interesse da Fazenda Pública, que possui procuradores para defendê-la em juízo e beneficia-se do reexame compulsório das decisões que lhe são desfavoráveis.
Este é o entendimento prevalecente em ambas as Turmas de Direito Público desta e. Corte, a exemplo dos acórdãos proferidos nos REsp's nll..a 52.318/RS, reI. Min. Antônio de Pádua Ribeiro (DJ. de 5.12.94, pág. 33.551< 63.529/PR, reI. Min. Humberto Gomes de Barros (DJ. de 7.8.95, pág. 23.023) e 48.77l1RS, reI. Min. Milton Luiz Pereira (DJ. de 6.11.95, pág. 37.541), portando este último ementa do seguinte teor:
"Processual Civil - Execução fiscal - Embargos - Ministério Público - Intervenção desnecessária - Código Processual Civil, arts. 82, III, e 566 -Lei 6.830/80 (art. 1 Q
).
1. O sistema processual civil vigente revela dúplice atuação do Ministério Público - parte e fiscal da lei (art. 499, parágrafo 2Q
, CPC) - A qualificação custus legis tem merecido reprimenda doutrinária.
2. Os interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF) são pressupostos asseguradores da legitimidade para
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 111
112
integração do Ministério Público na relação processual, exercitando as suas funções e influindo no acertamento do direito objeto de contradição, com os ônus, faculdades e sujeições inerentes à sua participação influente no julgamento do mérito. Esses pressupostos não são divisados na execução fiscal.
3. O interesse ou participação de pessoa jurídica de direito público na lide, por si, não alcança definido e relevante interesse público, faltante expressa disposição legal, de modo a tornar obrigatória a intervenção do Ministério Público na relação processual. Não é a qualificação da parte nem o seu interesse patrimonial que evidenciam o "interesse público", timbrado pela relevância e transcendência dos seus reflexos no desenvolvimento da atividade administrativa. N essa linha, só a natureza da lide (no caso, execução fiscal) não impõe a participação do Ministério Público. O interesse na execução fiscal é de ordem patrimonial.
4. De regra, a obrigatória participação do Ministério Público está expressamente estabelecida na lei.
5. À palma, fica derriscada a intervenção do Ministério Público, acertado que o interesse público justificador (art. 82, IlI, CPC), na execução fiscal, não se identifica com o da Fazenda Pública, representada judicialmente pela sua procuradoria.
6. Precedentes jurisprudenCIaIS.
7. Recurso provido".
Mais especificamente ainda, vale invocar o precedente trazido à colação pelo recorrido às folhas 484, in verbis:
"Desapropriação.
Ministério Público - Intervenção - Desnecessidade -CPC, arts. 82, III e 247, § 2º.
I - Não é obrigatória a intervenção do Ministério Público em ação expropriatória, não se aplicando à hipótese o art. 82, IlI, do C.P.C.
II - No caso, mesmo que se entendesse necessária a intervenção do Parquet, por ser a parte autora uma sucessão, ainda assim cumpre dispensá-la, porquanto, no mérito, é possível decidir-se a lide em seu favor. C.P.C., art. 247, § 2º. Aplicação.
III - .. .
IV- .. .
v - Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp nº 33.247 -7 /RS, relator Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, in DJU de 20/02/95, pág. nº 3.171).
Em abono da tese sustentada nos citados acórdãos desta Corte, vem se manifestando a melhor doutrina, conforme é possível exemplificar com a abalizada opinião de Celso Agrícola Barbi, ao considerar as grandes dificuldades encontradas
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.
na interpretação do art. 82, inciso lU, do CPC, concluindo com muita propriedade:
"A dificuldade se acentua se for formulada a pergunta: Qual o interesse público que exige a intervenção do Ministério Público?
Não podem ser os da organização familiar, os de zelo pelos incapazes, ausentes e testadores já falecidos, porque a eles há norma expressa nos itens I e U. Não podem ser os interesses patrimoniais da Fazenda e suas autar-
quias, porque elas têm seus procuradores judiciais, habilitados a bem defendê-las em juízo" (in Comentários ao Código de Processo Civil, I vol., arts. 1 Q a 153, pág.380).
Ratificando, pois, a posição que adotei em casos precedentes, e na linha da firme orientação jurisprudencial desta Corte, não conheço do recurso do D.E.R. do Estado do Paraná e nego provimento ao do Ministério Público.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 100.390 - SC
(Registro n Q 96.0042427-6)
Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo
Recorrentes: Abílio de Almeida e cônjuge
Recorrido: Estado de Santa Catarina
Advogados: Eduardo A. L. Ferrão e outros, e João dos Passos Martins Neto e outros
Sustentação Oral: Dr. Eduardo Ferrão, pelos recorrentes, e a Dra. Edith Gondin, pelo recorrido
EMENTA: Processual Civil. Ação discriminatória. Preferência em relação às demais ações. Suspensão do processo. Prazo.
O processo discriminatório judicial, segundo a dicção da lei de regência, tem caráter preferencial em relação às ações que envolvem o domínio ou a posse de imóveis situados na área discriminada.
Estando o processo suspenso por decisão motivada, a retomada do andamento respectivo, antes de expirado o prazo consignado na lei, exige provimento jurisdicional fundamentado. A suspensão deve sempre ter duração determinada, evitando a eternização do processo.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 113
Enquanto perdurar a suspensão, é defeso às partes, como ao juiz, a prática de qualquer ato processual.
Comparecendo, o réu, em juízo, apenas para argüir a nulidade da citação e, sendo esta decretada, considerar-se-á chamado o réu para integrar a relação processual, na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão.
Recurso parcialmente provido. Decisão unânime.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira, José Delgado e José de Jesus Filho. Custas, como de lei.
Brasília, 13 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.
Publicado no DJ de 22-04-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Trata-se de agravo de instrumento interposto no âmbito de ação indenizatória, porfiando pela determinação do prosseguimento do feito, já que se encontra suspenso por determinação do Juiz, tendo em vista o disposto no art. 23 da Lei n Q 6.383/76.
O Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo, tendo os agravantes interposto recurso especial com base na letra a, do admissivo constitucional. Alegam ofensa aos arts. 214, § 1 Q, 265, § 5Q e 319 do Código de Processo Civil.
Admitido na origem, vieram os autos a esta instância.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Senhores Ministros:
Abílio de Almeida e sua mulher promoveram, no juízo competente, ação de indenização (desapropriação indireta) contra o Estado de Santa Catarina, cuja Inicial foi recebida pelo Juiz em 1 Q de agosto de 1977. Ocorre que em 9 de dezembro daquele ano, o Estado, representado pelo M. Público, juntou, aos autos, petição, requerendo a suspensão da ação até o julgamento final da Ação Discriminatória de n Q 464/ 77, tendo em vista que o imóvel objeto da desapropriação indireta está compreendido no pedido da discriminatória. No mesmo dia - 9 de dezembro - o Juiz da causa defe-
114 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.
riu a suspensão do processo (art. 23 da Lei n Q 6.383/76).
Decorridos, apenas, sete (7) meses e (15) quinze dias, o Juiz, sem atentar para o disposto na lei (art. 265, § 5Q
, do CPC) determinou a citação do réu (Estado de Santa Catarina), todavia, sem revogar, expressamente e de forma justificada, a decisão em que deliberou sobre a suspensão do processo. Citado (em 4/6/79), o Estado, sem contestar a ação, requereu: a) a suspensão do processo da ação indenizatória até o julgamento final da discriminatória; b) a renovação da citação. O juiz, em 07 de junho de 1979, proferiu o despacho do teor seguinte:
"O Estado de Santa Catarina requer a suspensão da presente ação até o julgamento final da Ação Discriminatória n Q 464/77. Tal pedido já tinha sido formulado e deferido à folha 23. A ação está assim suspensa" (folha 09).
Inconformados, os autores manifestaram agravo de instrumento, em que requereram que se torne insubsistente a decisão agravada e se reconheça a revelia do Estado e se ordene ao Juiz que julgue antecipadamente a lide.
O Tribunal negou provimento ao agravo.
É contra esta decisão que se insurgem os autores, pela via do Especial e sob o pálio da letra a. Aduzem que o acórdão malsinado afrontou, a um só tempo, os arts. 214, § P, 265, § 5Q e 319 do Código de Processo Civil.
Quanto à violação aos arts. 214 e 319, não justifica o conhecimento do especial. Com efeito, o acórdão recorrido limitou-se à aplicação e interpretação dos arts. 265, § 5Q e 266 do Código de Processo Civil, sem expender qualquer decisão sobre os efeitos do comparecimento espontâneo, do réu, em juízo, nem os da revelia (art. 214, § P e art. 319 do CPC). É manifesta a ausência de prequestionamen to.
Todavia, no pertinente à suspensão (indeferida) do processo da ação indenizatória (art. 265, § 5Q do CPC), o recurso merece conhecido e parcialmente provido.
Inexiste, todavia, qualquer dúvida de que a ação discriminatória, uma vez ajuizada, importa na suspensão de ações pertinentes ao domínio e à posse que estejam, nela (discriminatória), compreendidos. É a dicção do art. 23 da Lei 6.383/76, in verbis:
"Art. 23. "O processo discriminatório judicial tem caráter preferencial e prejudicial em relação às ações em andamento, referentes ao domínio e posse de imóveis situados, no todo ou em parte, na área discriminada".
A lei, como se observa, vem em prol dos Estados, na defesa dos domínios de terras devolutas, quando são objeto de pedidos indeferitórios. E a ação de desapropriação indireta é ação real - na definição da jurisprudência desta Corte, condiz, efetivamente, com o domínio e a posse de terras nela envolvidas,
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 115
estando abrangidas pela dicção da regra contida no art. 23 da Lei nº 6.383/76, citada.
De conseguinte, estando o processo da ação indenizatória (desapropriação indireta) suspensa, por determinação expressa do Juiz, em decisão com trânsito em julgado, essa suspensão não poderia ser levantada, pelo magistrado, mediante o despacho citatório, antes que decorrido o prazo consignado na lei (CPC, art. 265, § 5º). E o despacho do Juiz que determinou a citação do réu se distanciou, apenas, daquele outro que suspendeu o processo, de sete (7) meses e quinze (15) dias. É evidente, pois, a nulidade do ato (citatório) , em face do disposto ao art. 266 do Código de Processo Civil, assim concebido:
Art. 266 - "Durante a suspensão é defeso praticar qualquer ato processual" .
Destarte, a citação que se determinou no processo da ação indenizatória é nulo, por determinação legal. Não se afirme que, o despacho que ordenou a citação do réu revogou, implicitamente, a suspensão do processo. Em primeiro lugar,
não poderia, o Juiz, revogar a decisão anterior, porquanto o prazo de um (1) ano ainda não havia expirado (CPC, art. 265, § 5º); ao depois, o Juiz só poderia revogar o despacho, no curso do prazo, justificadamente (art. 458 do CPC e art. 93, IX da CF) ,já que, em face do ordenamento jurídico constitucional, inexiste decisão judicial implícita.
Por outro lado, não andou bem o Juiz, quando deferiu a suspensão, por prazo indefinido, eternizando o processo indenizatório. Se a suspensão teve respaldo no disposto no art. 265, IV, a, do CPC, somente poderia perdurar por um ano (CPC, art. 265, § 5º). Com esse entendimento, todas as vezes que se promovesse ação indenizatória contra o Estado, este poderia inviabilizá-la, por largo espaço de tempo, com a discriminatória.
Com estas considerações, conheço do recurso pela letra a e dou-lhe provimento parcial, para determinar que o Juiz prossiga no andamento do feito (ação de desapropriação indireta), concedendo ao réu, prazo para a defesa, de acordo com o artigo 214, § 2º do CPC.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 101.582 - MG
(Registro nº 96.0045418-3)
Relator: O Sr. Ministro José Delgado
Recorrente: Frigorífico Irmãos Nogueira S/A
116 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.
Recorrida: Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais
Advogados: Drs. João Fabiano Maia e outros, e Álvaro Cangado Rocha
EMENTA: Tributário. ICMS. Pauta fiscal.
1 - A jurisprudência da Corte está assentada no sentido de não prestigiar a cobrança do ICMS com base no valor da mercadoria apurado em pauta fiscal.
2 - O princípio da legalidade tributária há de atuar, de modo cogente, sem qualquer distorção, no relacionamento fisco-contribuinte.
3 - Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados a discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros José de Jesus Filho, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.
Brasília, 10 de outubro de 1996 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no DJ de 28-04-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O Frigorífico Irmãos Nogueira S/A interpõe o presente recurso especial (fls. 209/214), com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas a
e c, da Constituição Federal, contra acórdão (fls. 199/205) proferido pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o qual decidiu que a pauta de valores mínimos para cálculo do ICMS que decorre de pesquisa junto ao mercado, "é simples expediente para orientar o Fisco, para servir de parâmetro na quantificação do tributo devido".
Aduz a recorrente ser inviável a cobrança do ICMS com base em valor arbitrado mediante a chamada "pauta de valores" com desprezo do critério do efetivo valor da operação.
Alega que o art. 148 do CTN e o art. 2g
, I do DL 406/68 foram contrariados, bem como a decisão contrarioujulgados favoráveis à tese da recorrente, demonstrando assim o dissídio jurisprudencial.
Sem contra-razões.
No juízo de prelibação (fls. 229/ 231), o Desembargador Primeiro Vice-Presidente do TJ/MG asseverou que: "a argumentação posta no inconformismo conta com o abono de autorizada correntejurispruden-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 117
cial", determinando assim a subida dos autos.
Tramita recurso extraordinário.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Conheço do recurso pelas letras b e c. Os pressupostos de sua admissibilidade, com base em tais dispositivos constitucionais, estão presentes.
Afigura-se, de modo incontroverso, que o acórdão recorrido prestigiou a técnica de adoção de pauta de valores mínimos para a apuração, pelo Fisco, do ICMS devido pelo contribuinte.
Para tanto demonstrar, confira-se o seguinte trecho do voto que compõe o acórdão recorrido:
"No caso, aponta-se à embargante a autoria de consignar, "ardilosamente" em seus documentos fiscais valor de venda inferior ao de mercado, e, assim, praticando subfaturamento, com descumprimento parcial de suas obrigações fiscais, procedimento este notório no comércio, segundo a apelada: "ora não emite nota fiscal registrando a venda, ora a emite pondo valor aquém do efetivamente recebido" (fl. 110).
Já decidiu a E. 5ª Câmara Cível deste E. Tribunal, em v. Acórdão trazido à colação pelo Em. Procurador de Justiça, Dr. João Francisco Rona (fls. 171/ 173), que: "Se os valores da ven-
da, escriturados pelo contribuinte não correspondem aos vigorantes na região, tem o Fisco, com base no art. 148 do CTN, c/c o art. 2Q
, inciso II, do DL n Q 406/68, e arts. 27 e 29 do Decreto-Estadual n Q 22.836/82, o direito de desconsiderar a documentação apresentada e adotar os valores mínimos de sua pauta, estabelecida segundo os preços correntes observados no mercado contemporâneo à operação, para aferir o montante do ICM devido, cabendo ao sujeito passivo a obrigação de provar, convincentemente, não corresponder o indício à realidade" (fl. 36, TJ-AC n Q 76.830/2 - cf. fl. 171).
O equívoco de interpretação da apelante, ao sustentar a inconstitucionalidade e ilegalidade da "pauta de valores", está em que não observou a sua finalidade, que é exatamente, como ressalta a apelada (fl. 110), de evitar sonegação fiscal, relativamente a não emissão de nota fiscal registrando a venda, ou sua emissão nela colocando valor inferior ao efetivamente praticado.
Não está o Fisco, como óbvio - porque esta é função da lei -a estipular que a base de cálculo do ICM seja aquela previamente em "Pauta de Valores".
A função do Fisco, neste quadro, limita-se a pesquisar o mercado, e, com base nos preços aí praticados, expedir uma pauta de valores mínimos para cálculo do ICM nas operações com os produtos que especifica.
118 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.
o valor fixado pelo Fisco nesta pauta de valores, sendo o mínimo, em nada prejudica o contribuinte, como óbvio, pois que se a operação for tributada em pauta, e posteriormente constatar-se que o valor da mercadoria foi diverso do praticado, resta claro à luz meridiana que a lei resguarda ao contribuinte o direito de promover o devido acerto, mediante os procedimentos administrativos previstos em lei, como assinalado à fi. l1l.
Ora, a dívida tributária objeto da execução veio a lume exatamente em função do não recolhimento de ICM e multa relativa ao fato gerador descrito na certidão de dívida ativa (fi. 3, apenso), consignado nas notas fiscais "valor unitário inferior à pauta a partir de 16.11.87 ... ".
A respeito do tema enfocado no presente recurso a jurisprudência tem se posicionado, com larga maioria, a favor da tese desenvolvida pela recorrente. É o que demonstram os acórdãos seguintes:
((Tributário. Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Base de cálculo. Fixação através de pautas de preços ou valores. Inadmissibilidade.
Quer se entendam as pautas fiscais como presunção legal ou ficção legal da base de cálculo do ICMS, é inadmissível sua utilização apriorística para esse fim. A lei de regência do tributo (Decre-
to-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968) determina que a base de cálculo é "o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria" (artigo 2º, n. Mesmo que tomada como presunção relativa, a pauta de valores só se admite nos casos do artigo 148 do Código Tributário N acionaI, em que, mediante processo regular, se arbitre a base de cálculo, se inidôneos os documentos e declarações prestadas pelo contribuinte. Os incisos II e III do artigo 2º do Decreto-Lei nº 406/ 68 prevêem a utilização do valor de mercado dos bens apenas na falta do valor real da operação.
Precedentes do Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucional essas pautas." (REsp nº 23.313-0/GO - ReI. Min. Demócrito Reinaldo, in DJU de 15.2.93)
((Tributário. Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICM). Entrada de cana-de-açúcar. Diferimento. Fixação da base de cálculo através das chamadas pautas fiscais ou pauta de valores mínimos. Inadmissibilidade.
I - O arbitramento fiscal (art. 148, CTN), de forma casuística e mediante processo regular, é condicionado à omissão ou infidelidade do contribuinte.
II -A adoção do preço de mercado dos bens somente é prevista na falta do valor real da operação (artigo 2º, Decreto-lei nº 406/ 68).
III - Recurso improvido." (REsp
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 119
12.250-0/SP, ReI. Min. Cesar Asfor, in DJU de 24.5.93)
"Tributário. Cana-de-açúcar. ICM. Diferimento. Pauta fiscal.
É ilegal a predeterminação de valores, em pauta fiscal, para cobrança do ICM relativo ao fornecimento de cana-de-açúcar." (REsp 49.907-0/SP, ReI. Min. Humberto Gomes de Barros, in DJU de 22.8.94)
"Tributário. ICM. Entrada e saída de cana-de-açúcar adquirida em caule para a fabricação de álcool carburante. Diferimento e pauta fiscal. CTN, arts. 97, § 1 Q e 148. Decreto-Lei n Q 4061 68 (art. 2 Q
, I e lI). Art. 21, VIII, CF.
1. Pretendida ofensa a convênio refoge do âmbito do recurso especial (REsp 25.775-SP, ReI. Min. Pádua Ribeiro).
2. Constitui ilegalidade a cobrança do ICM baseada em pauta fiscal, com manifesto desprezo do critério natural do valor da operação (Decreto-Lei 406/68, art. 68). A predeterminação de valores nas pautas pode causar vedada majoração do tributo (art. 97, § 1Q
, CTN).
3. Recurso improvido." (REsp 7.449-0/SP, ReI. Min. Milton Pereira, in DJU de 16.08.93)
Por tais fundamentos, dou provimento ao recurso.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 111.843 - PR
(Registro n Q 96.0068066-3)
Relator: O Sr. Ministro José Delgado
Recorrente: Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER
Recorridos: Norma Good Furutani e outros
Advogados: Drs. Ricardo Borda Lucchin e outros, e Carla Fleischfresser e outros
EMENTA: Responsabilidade civil do Estado. Teoria objetiva. Ação praticada por policial rodoviário, na presumida defesa de terceiro. Resultante de morte de terceiro estranho ao evento.
1. Se o agente público, no exercício de suas funções, pratica dano a terceiro não provocador do evento, há do Estado ser responsabilizado pelos prejuízos causados, em face dos princípios regedores da teoria objetiva.
120 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.
2. O art. 107, da CF de 1969, em vigor na época dos fatos, hoje reproduzido com redação aperfeiçoada pelo art. 37, § 62 da CF de 1988, adotou a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado, sob a modalidade do risco administrativo temperado.
3. A absolvição de policial rodoviário, no juízo criminal, em decorrência da morte causada por ocasião de ação praticada em legítima defesa de terceiro, não afasta a responsabilidade civil do Estado, se não provar que o acidente ocorreu por culpa da vítima.
4. Passageiro atingido por disparo de arma de fogo em decorrência de ação policial contra motorista de veículo.
5. Independência da responsabilidade civil do Estado em confronto com a criminal, salvo quando no juízo penal se reconhece, via decisão trânsita em julgado, ausência de autoria e de materialidade do delito.
6. A absolvição no juízo criminal não impede a propositura da ação civil, quando pessoa que não concorreu para o evento sobre dano, não tiver culpa.
7. Indenização fixada de acordo com as regras do art. 1.537, do Código Civil, considerando-se os ganhos médios da vítima reduzidos de um terço.
8. Indenização por danos morais cumulada com a relativa aos danos materiais. Possibilidade.
9. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro José de Jesus Filho.
Brasília, 24 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no D.J de 09-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER -interpõe o presente Recurso Especial (fls. 1941198), com fulcro no art. 105, inciso In, alíneas a e c, da
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997. 121
Constituição Federal, contra acórdão (fls. 192) proferido pela 5ª turma do TRF da 4ª região, assim ementado:
"Responsabilidade civil. Morte causada por policial rodoviário no exercício de suas funções policiais. Absolvição no juízo criminal por legítima defesa de terceiro. Indenização por danos materiais e morais. Critérios para fixação.
1. Mesmo que o agente tenha praticado o ato em legítima defesa, subsiste a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiro, que em nada contribuiu para a ocorrência do evento.
2. A indenização prevista no art. 1.537, II, do Código Civil, é devida tomando-se por base os ganhos médios da vítima, reduzidos de 1/3, que, presumidamente, seriam gastos com sua própria mantença. O termo inicial da pensão é o da data do fato. O termo final, em relação à viúva, é a data em que seu marido completaria 65 anos ou o da morte dela, o que ocorrer primeiro. Em relação aos filhos da vítima, o termo final é o da data em que completarem 24 anos de idade, quando presumivelmente, terão concluído sua formação.
3. É cabível a indenização por danos morais à viúva e aos filhos, em caso de morte causada sem qualquer culpa da vítima. É indenização cumulável com a de danos materiais (Súmula 37 do STJ), fixada a prudente critério
do juiz, a título compensatório, pela trágica perda do marido e pai, que tinha 29 anos de idade. Fixa-se tal indenização em cinqüenta salários mínimos para a viúva e para cada um dos filhos (todos menores).
4. Considerando que a pretensão é endereçada não ao agente causador da morte, mas ao Estado (responsabilidade objetiva), os honorários advocatícios devem ter como base de cálculo o montante das parcelas vencidas, inclusive pelo dano moral, e mais doze parcelas vincendas.
5. Sentença reformada, em parte".
Sustenta o recorrente contrariedade aos artigos 65 do D.L. n 2 3.689/ 41 (Código de Proces~o Penal); e 15, 1.523 e 1.537 da Lein2 3.071/16 (Código Civil), além de suscitar dissídio jurisprudencial.
Não há contra-razões.
Conta dos autos a interposição de recurso extraordinário (fls. 199/203) por parte do ora recorrente.
Admitido o processamento do especial e do extraordinário por despachos (fls. 207/208) da Exma. Sra. Vice-Presidente do TRF da 4ª Região, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): O presente recurso
122 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (98): 75-132, outubro 1997.
especial não merece provimento. Inexiste qualquer violação aos artigos de lei apontados pela autarquia recorrente.
A certeza dessa afirmação está no exame do inteiro teor do acórdão atacado em confronto com os fundamentos do recurso especial.
Além do mais, não foi ventilada, no acórdão recorrido, a questão suscitada em relação aos arts. 15 e 1.523 da Lei n Q 3.071/16 (Código Civil).
Alega o recorrente que o acórdão contraria o art. 1.537 do mesmo diploma legal, ao conceder a indenização extra por "dano moral", acrescida das permitidas. Contudo, não lhe assiste razão, pois o acórdão encontra respaldo na Súmula 37 do ego Superior Tribunal de Justiça:
"São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundas do mesmo fato."
Esta linha de raciocínio veio a predominar no STJ, conforme os julgados REsp 3.604-SP (2ª T - 19-09-90 - DJU 22.10.90); REsp 4.236-RJ (3ª T - 04-06-91 - DJU 01.07.91); REsp 3.229-RJ (3ª T -10.06.91 - DJU 05.08.91); REsp 10.536-RJ (3ª T - 21.06.91 - DJU 19.08.91); REsp 11.177-SP (4ª T-01-10-91 - DJU 04.11.91); REsp 1.604-SP (4ª T - 09.10.91 - DJU 11.11.91) e Corte Especial, em 12/03/ 92, DJU 19.03.92, pág. 3.201.
N este sentido, registro o seguinte pronunciamento do Ministro Dias Trindade, no REsp 4.236-RJ:
"A propósito da indenização de dano moral em caso de homicídio tenho que, realmente, a disposição do art. 1.537 há de ser entendida como cuidando dos casos de indenização de dano material. A norma genérica do art. 159 abrange qualquer tipo de dano e não apenas o dano material.
Quanto à inacumulabilidade dessas indenizações, também nunca entendi a razão por que, reconhecendo a existência de mais de um dano, só se indenize um deles. Se há o reconhecimento de que houve danos material e moral, não vejo razão nenhuma por que só se indenize o dano material". (in Lima, Jesus Costa: Comentários às Súmulas do STJ, 2ª ed., Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1992, pág. 252)".
Não há dissonância do acórdão recorrido com o art. 65 do D.L. n Q
3.689/41 (Código de Processo Penal), visto que o alcance desse dispositivo é o de atestar a inexistência da antijuridicidade, não afastando, por si só, a responsabilidade por danos. O próprio art. 66 do Código de Processo Penal confirma isso:
"Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato."
N o presente caso, a absolvição criminal em face de existir causa de exclusão de antijuridicidade (art. 386, inciso V, do CPP: legítima de-
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fesa de terceiro) não exclui a actio civilis ex delicto, pois foi reconhecida a existência material do fato.
Em relação ao dissídio jurisprudencial, não apresenta o recorrente de maneira implícita e explícita a divergência entre os Tribunais, limitando-se a indicar os julgados. Cita, inclusive, jurisprudência que contraria suas alegações, como o RE n 9 74.554/SP, 1'! Turma, ReI. Min. Rodrigues Alckimin (DJ 20.09.74), cuja ementa completa, transcrevo:
"Responsabilidade civil do Estado. Teorias do risco administrativo e do risco integral. Provado que o fato decorreu de culpa ou dolo do lesado, não cabe ao Estado indenizar. Acórdão que julga improcedente ação de indenização porque a morte da vítima decorreu de ato praticado por agente policial em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever legal. Recurso Extraordinário não conhecido."
Conforme o parecer do ilustre Procurador Regional da República da 4ª Região, às fls. 179/182, "adotou-se no direito brasileiro a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado, resultante do preceito constitucional do art. 107 da CF de 1969, em vigor à época dos fatos, e hoje reproduzido no art. 37, § 69 , da CF de 1988, sob a modalidade do risco administrativo. Esta linha teórica, conforme a lição de Yussef Said Cahali, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima, para excluir ou ate-
nuar a indenização. A questão está centrada na investigação da causa do evento danoso, objetivamente considerada, mas sem se perder de vista a regularidade da atividade pública, a anormalidade da conduta do ofendido, a eventual fortuidade do acontecimento, na determinação do que seja o dano injusto, pois só este merece reparação. E deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja a qualificação atribuída ao risco - risco integral, risco administrativo, risco proveito - aos Tribunais se permite a exclusão ou atenuação daquela responsabilidade do Estado quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido ou concorrido como causa na verificação do dano injusto, como por exemplo, se tem como causa exclusiva o fato da natureza ou do próprio prejudicado (in Responsabilidàde Civil, São Paulo: Saraiva, 1984, págs. 364-366)".
Acresço aos fundamentos supra os desenvolvidos pelo eminente e culto juiz Teori Albino Zarascki, no voto condutor do acórdão recorrido, pela excelência do seu conteúdo e firmezajurídica de suas conclusões (fls. 187/190):
"Tenho como inquestionável o direito a indenização no presente caso. O marido e pai dos autores foi atingido mortalmente por disparo de arma de fogo, desferido por policial rodoviário, a serviço do réu. O depoimento de um dos policiais presentes ao fato descreve o que se passou: "que o depoente encontrava-se com o colega Edson em serviço, no KM
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108, no Bairro do Pinheirinho, na BR 116, em Curitiba, em plena madrugada, em data que não se recorda, quando viu um veículo, na ocasião com aparência de chevette, constatando-se depois que era um corcel, saindo da mão para entrar na contra-mão, tentando atingir a outra pista, a fim de ficar em termos de trânsito correto. O depoente desceu do veículo oficial, no qual se encontrava com o colega Edson, a fim de abordar o motorista do veículo que estava trafegando na contra-mão. Quando o depoente abordou o veículo, praticamente este já estava entrando na pista da mão. O tempo era de neblina e o depoente acha que o motorista, olhando de lado para ver se vinha carro, não lhe tenha visto. Daí ter o veículo continuado a trafegar, dando a entender que o motorista o tinha colocado por cima do depoente, que foi obrigado a cair na tentativa de se livrar do carro. Neste exato momento, ou seja, no momento em que o depoente cai e o carro passa à sua direita, o colega Edson atira, acertando no passageiro do carro" (fls. 78/9). Como se percebe, a vítima era mero acompanhante do automóvel, não praticara qualquer ato ilícito e nem, por qualquer outra forma, deu causa ao evento.
Noticia-se, pela certidão de fls. 129, que no juízo criminal o autor do disparo foi absolvido por "legítima defesa de terceiro". Não há nos autos mais que essa lacônica informação a respeito do re-
ferido julgamento. De qualquer modo, tal absolvição certamente não elimina a responsabilidade civil. Reza, com efeito, o artigo 1.525 do Código Civil o seguinte: "A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime". Há, é certo, o Código de Processo Penal, a proclamar, em seu artigo 65 que "Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito". Mas o alcance desse dispositivo é o de, simplesmente, atestar a inexistência de antijuridicidade mas não afasta, por si só a responsabilidade por danos. O próprio artigo 66 do CPP confirma isso: "Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato". O fato de ter agido em legítima defesa não pode isentar o responsável pelos danos que tenha causado a terceiro, como no presente caso, em que o de cujus foi figura absolutamente passiva em todo o episódio. Esta, aliás, a lição da doutrina, como a de Caio Mário da Silva Pereira: "responde pela reparação aquele que, procedendo em legítima defesa no exercício regular do direito, danificar a coisa alheia; igual-
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mente sujeito está a reparar o dano causado o que é levado a danificar a coisa alheia em estado de necessidade, isto é, para remover perigo iminente. Segundo a noção mais exata, e já tantas vezes repetida, pressupõe o ato ilícito uma conduta contrária à ordem jurídica e é claro que o procedimento daquele que se defende ou do que exercia um direito seu, como de quem pretende impedir que se consume o perigo, não se pode tachar de contraveniente à norma social de conduta. Não obstante, a obrigação de ressarcir o dano causado existe, sob fundamento de que, no conflito de dois direitos, o titular daquele socialmente mais valioso poderá sacrificar o outro, desde que se detenha no limite do razoável, mas nem por isto se exime de reparar o dano causado. Não há culpa no que se defende, ou no que necessita de remover perigo iminente. Mas há reparação, e, portanto, responsabilidade sem culpa." (Instituições de Direito Civil, Forense, g5! ed., voI. lU, pág. 399). No mesmo sentido Silvio Rodrigues, em passagem extremamente apropriada à hipótese em exame: "Cumpre observar que, se no exercício do seu direito de defesa, a pessoa causa dano a terceiro, o qual não é o autor da agressão injusta, seu dever de reparar o prejuízo se configura. Assim, se o agredido reagiu contra o agressor, e atirando contra ele feriu terceiro, atrás de quem aquele se abrigava, deve reparar o dano causado" (Direito Civil, Saraiva, 25! e .. 1989, voI. IV, pág. 257).
3. A observar, ademais, que, aqui, o fundamento da pretensão é a responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, que só é elidida se demonstrada a culpa da vítima, culpa que, a toda evidência, não está nem remotamente configurada.
4. Finalmente, o próprio recorrente de certo modo admite a responsabilidade, pois, embora tenha a ela se oposto - ainda que laconicamente - nas razões recursais, ao formular o pedido de reforma da sentença pede apenas a redução do valor indenizatório, não sua eliminação. É o que se constata do pedido transcrito no relatório.
5. Definida a obrigação de reparar o dano, examine-se o seu quantum. Segundo a petição inicial, "o rendimento médio mensal do de cujus à época do falecimento" era de seis salários mínimos (fls. 415). Não houve contestação específica a respeito. Tratava-se de trabalhador autônomo, que desenvolvia atividade de estofador e vidraceiro de automóveis. Segundo o testemunho de pessoas que com ele conviviam no trabalho ou que trabalhavam em oficinas vizinhas, o de cujus auferia rendimentos até mais elevados do que os noticiados na inicial. É o que se pode constatar dos depoimentos de fls. 57/62. Portanto, é bem verossímil a afirmação de que era de seis salários mínimos mensais a média dos rendimentos do falecido. Considerando que, conforme construção pretoriana, é de se presumir que um
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terço dos rendimentos seria despendido em gastos com a própria vítima, a base de cálculo, para efeito da indenização, é dos restantes dois terços, vale dizer, quatro salários mínimos.
6. A indenização prevista no artigo 1.537, n, do Código Civil, que incide na espécie, tem por finalidade a prestação de alimentos a quem a vítima os devia. O termo inicial da pensão, para esse efeito, outro não pode ser senão a data da morte, a partir de quando a assistência material deixou de ser prestada pelo falecido. Quanto ao termo final, há de se distinguir a situação da viúva da dos filhos. A viúva faz jus a indenização enquanto viver, ou até o ano em que o seu falecido marido completaria 65 anos, o que acorrer primeiro (a idade de 65 anos foi fixada na sentença e a esse respeito nada se objetou em recurso). Já em relação aos filhos, os alimentos serão devidos até atingirem a idade em que, presumivelmente, terão condições de alcançar meios para sua própria sobrevivência. Em caso análogo, o STJ adotou para tal efeito a idade de 24 anos, que parece bem razoável. Diz-se na ementa deste presente: "Responsabilidade civil. Morte, pensão devida aos filhos. Limite de idade. Tratando-se de ressarcimento de dano material, a pensão será devida enquanto, razoável admitir-se, segundo o que comumente acontece, subsistisse vínculo de dependência. Fixação do limite em 24 anos de idade, quando, pre-
sumivelmente, os beneficiários da pensão poderão ter completado sua formação, inclusive curso superior" (REsp 61.001, 3ª Turma, Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 24.04.95, pág. 10.405). Considerando que são quatro os autores (a viúva e três filhos), penso adequado fixar em um salário mínimo para cada um deles a pensão devida, com o que se completam os quatro salários mínimos a que antes se fez referência, com termo inicial na data da morte, e termo final segundo os critérios acima expostos. Quanto aos juros incidentes sobre as parcelas em atraso, a inicial limitou-se a pleitear juros de mora, razão pela qual, neste aspecto, a sentença deve ser mantida.
7. Postula-se indenização por dano moral. É fácil compreender, à luz do que ordinariamente ocorre, que a perda precoce do marido e pai - com apenas 29 anos de idade e nas circunstâncias em que a morte ocorreu - trouxe aos autores danos extrapatrimonias, e não apenas os decorrentes da dor profunda e da emoção da primeira hora, senão que também pela dor e pela ausência que se prolonga na viuvez e, sobretudo, na orfandade. É evidente, em casos tais, o dano moral, como aliás reconhece a doutrina (Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., pág. 401). Esse é o caminho também trilhado pela jurisprudência do STJ, como se pode ver, entre outros, dos precedentes publicados em RSTJ 23/260,27/268,33/ 542 e 62/429, onde ficou afirma-
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da não apenas a responsabilidade pelo dano moral em caso de morte, como também sua cumulatividade com a indenização por danos materiais. Aliás, a possibilidade da cumulação é matéria sumulada pelo ST J, no verbete 37: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato".
8. A dificuldade de quantificar, materialmente, o dano moral em casos como o presente, certamente não pode servir de empecilho à condenação. A reparação do dano moral, com efeito, jamais tem por parâmetro uma eventual equivalência entre a lesão moral e a quantia em dinheiro. Tal equivalência não pode existir, pois não se pode quantificar materialmente a dor do espírito, nem a tristeza, nem a viuvez, nem a orfandade. É por isso que, como observa Clayton Reis, "todos os autores brasileiros, como de resto os alienígenas, são unânimes em admitir o caráter meramente compensatório dos danos morais, ao contrário do caráter indenizatório dos danos patrimoniais. A idéia de reparar pecuniariamente os danos extrapatrimonias funda-se na gama de possibilidade que o recurso financeiro possibilita às pessoas para aplacar suas mágoas ou aflições" (Dano Moral, Forense, 3!! ed., 1994, pág. 88). Aliás, é exatamente em razão dessa sua natureza peculiar que a indenização pelo dano moral é independente e autônoma em relação à dos danos materiais. Por outro lado, sendo materialmente im-
possível estabelecer parâmetros naturais de reparação de danos morais, e inexistindo, de um modo geral, a fixação legal de qualquer parâmetro, "o melhor critério", ainda segundo a doutrina de Clayton Reis, "é o de confiar no arbítrio dos juízes para a fixação do quantum indenizatório. Afinal", diz ele, "o magistrado, no seu mister diário de julgar e valer-se dos elementos aleatórios que o processo lhe oferece e, ainda, valendo-se de seu bom senso e sentido de eqüidade, é quem determina o cumprimento da lei, procurando sempre restabelecer o equilíbrio social, rompido pela ação de agentes, na prática de ilícitos" (op. cito pág. 103). Pois bem, considero razoável, dadas as modestas condições materiais dos autores, que a indenização de valor equivalente a cinqüenta salários mínimos para cada um deles (portanto, duzentos salários mínimos no total), é adequada à compensação do dano moral sofrido. 9. No que se refere a honorários advocatícios, a jurisprudência tem entendido que o § 5Q art. 20 do CPC não se aplica aos casos em que a indenização tem por fundamento a responsabilidade objetiva, hipótese em que a base de cálculo são as prestações vencidas e doze parcelas vincendas (Theotonio Negrão, Código de Processo Civil, Saraiva, 26!! edição, pág. 97). Adoto tal orientação para o caso concreto, deixando esclarecido que o percentual de 10% há de incidir também
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sobre o valor da indenização por danos morais. Em suma, voto no sentido de prover parcialmente a ambos os recursos, para reformar a sentença e fixar a condenação segundo os critérios e valores acima referidos. É o voto".
o substancioso pronunciamento do acórdão recorrido homenageia a teoria objetiva da responsabilidade civil, que é aplicada ao Estado. Face aos seus princípios, exige-se da parte promovente, apenas, que faça a demonstração inequívoca do nexo etiológico entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) imputável à Administração Pública, e o dano de que se queixe. Evidenciado o liame causal, não há necessidade de ser provada a culpa do agente da entidade pública, que de resto ou se presume, ou mesmo se apresenta como irrelevante quando se cuida de dano injusto. (Yussef Said Cahali, in Responsabilidade Civil do Estado, Edit. RT, SP, 1982, pág. 112).
Vinculado a esse pressuposto oriundo da teoria objetiva, o ônus da prova de que o evento danoso ocorreu por parte da vítima passa para o Estado. A exclusão da responsabilidade civil só ocorrerá, em tais situações, se a pessoa jurídica de direito público demonstrar que a vítima foi quem concorreu com culpa ou dolo para o acontecimento provocador do prejuízo.
Como já bem demonstrado, no caso em julgamento, o ato do agente público (patrulheiro rodoviário em serviço), embora lícito, resultou
na morte da vítima sem que esta tenha concorrido com culpa ou dolo, em qualquer grau, para o evento, conforme reconheceu soberanamente o acórdão recorrido. Estabilizada, de modo definitivo, está tal situação, sem condição de ser reexaminada em sede de recurso especial.
Acrescento, ainda, aos fundamentosjá expostos, que ojulgamento penal invocado pelo recorrente não exerce qualquer influência na presente ação de responsabilidade civil. Essa influência só seria agressiva, ao ponto de excluir a responsabilidade civil do Estado, se a sentença penal, com trânsito em julgado, afirmasse a ausência de autoria por parte do agente público e a inexistência do fato.
No caso da absolvição penal por ausência de culpa do agente público, predomina em nosso sistemajurídico o assinalado por Yussef Said Cahali, ob. cit., pág. 114, de teor seguinte:
"As duas últimas hipóteses do esquema comportam tratamento unificado, e quanto a eles, assiste razão a Hely Lopes Meirelles: tanto a absolvição por ausência de culpa penal do funcionário, como a absolvição por insuficiência de provas ou por outros motivos, não produz efeito algum no juízo civil: o ilícito penal é mais que o ilícito civil, não se pondo aquele como condição da ação indenizatória; é insuficiente a prova colhida na ação penal, nada impede que se demonstre, por outras provas, a culpa civil
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(Direito Administrativo Brasileiro, pág. 615)".
É de relevo, também, na aplicação da teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado, o fato de que a Administração Pública, ao atuar, pode, mesmo no exercício de uma atividade lícita, gerar dano ao particular. O importante para que o Estado se isente de indenizar esse prejuízo, é que prove o atuar culposo ou danoso da vítima. Caso contrário, em decorrência, tão-somente, do seu atuar, não pode ser excluído da responsabilidade de indenizar.
Embora desnecessário, cumpreme renovar preciosa citação de Washington de Barros Monteiro, in Curso de Direito Civil, voI. I, 30ª ed., Saraiva, 1991, pág. 108:
"A Constituição Federal alargou, pois, consideravelmente, o conceito de responsabilidade civil, de modo a abranger aspectos concretos que o direito anterior não conhecia, ou não levava em conta para conceder indenização. Presentemente, para que o Estado responda civilmente, basta a existência do dano e do nexo causal com o ato do funcionário, ainda que lícito, ainda que regular. A idéia da causalidade do ato veio substituir a da culpabilidade do agente. Por outras palavras, é o acolhimento da teoria do risco integral, iterativamente consagrada pela jurisprudência.
Entretanto, para empenhar a responsabilidade do Estado por
ato de seu servidor, é essencial se ache este em serviço por ocasião do evento danoso.
Preciso é que o representante pratique o ato nessa qualidade, isto é, no exercício da função pública, e não individualmente, no caráter de pessoa privada. Mas, provado que o funcionário agiu nessa qualidade, a Fazenda paga, ainda que aquele tenha excedido os limites legais de suas funções, transgredido seus deveres ou praticado abuso de poder".
O sistema jurídico da responsabilidade civil do Estado não foi modificado com a promulgação da Constituição Federal de 1988. O art. 37, § 6Q
, desse Diploma Maior, determina que as pessoas jurídicas de direito público "responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
Os intérpretes da Carta Magna são unânimes no afirmar que adotou-se a teoria da responsabilidade objetiva em seu conceito integral. Em face dos seus efeitos, há responsabilidade civil do Estado por danos produzidos por seus agentes, mesmo que inexista culpa ou dolo dos mesmos ao praticar o ato lesivo. A responsabilidade, em tal patamar, não está vinculada diretamente ao pressuposto subjetivo da culpa.
Por último, há de se esclarecer que o presente recurso especial não está sendo decidido à luz do art. 37,
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§ 6Q, da CF. Os princípios que o re
gem foram invocados, apenas, para demonstrar os limites que ao tema devem ser expostos.
Define-se, com base nos fundamentos acima desenvolvidos, no recurso em apreço, com carga decisória em resumo, apenas:
a) não ter havido violação ao art. 65, do Código de Processo Penal, como apregoado pela autarquia recorrente;
b) não merecer conhecimento a alegada negação de vigência do art. 1.523, do Código Civil, por ausência absoluta de prequestionamento;
c) o art. 1.537, lI, do Código Civil, foi bem aplicado pelo acórdão recorrido, por ter lhe emprestado interpretação consentânea com o nosso ordenamento jurídico;
d) não há o dissídio jurisprudencial invocado, haja vista os acórdãos apontados como divergentes terem cuidado de litígio não assemelhado com o decidido;
e) o art. 15, do Código Civil, por, em seu conteúdo, tratar de matéria constitucional, haja vista reproduzir a mensagem do art. 37, § 6Q
, da CF, só merecer apreciação no âmbito do recurso extraordinário.
Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
VOTO DE VISTA
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Senhores Ministros:
Cuida-se, no caso, de ação indenizatória promovida contra o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER, por familiares de vítima, morta por um Policial Rodoviário, absolvido no Juízo Criminal por ter praticado o ato em legítima defesa e cuja sentença transitou em julgado.
O Recurso Especial é do DNER, ao qual o eminente Ministro José Delgado, Relator, negou provimento. Pedi vista dos autos por ter dúvidas sobre a repercussão da sentença absolutória, no Juízo Criminal, em face da legítima defesa, no julgamento da causa. E, examinando os autos, as dúvidas que me assaltaram não eram sem razão, embora, por outras circunstâncias, eu esteja obrigado a acompanhar o Relator, no caso presente.
Em verdade, aquele que pratica o fato em legítima defesa age em consonância com a lei. Acaso o Policial tivesse matado o próprio autor da agressão e não se haveria de falar em indenização, se, no juízo criminal, fosse considerada legítima (em legítima defesa) a sua ação. É que, como bem salientou o nobre Relator, em seu voto, o direito brasileiro, em matéria de responsabilidade civil do Estado, adotou a teoria do risco. E, conforme lição de Cretella Júnior e YussefCahali, "embora se dispense a prova da culpa da administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da
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vítima, para excluir ou atenuar a indenização. A questão está centrada na investigação da causa do evento danoso, sem se perder de vista a regularidade da atividade pública, a anormalidade da conduta do ofendido e a eventual fortuidade do acontecimento para a determinação do que será dano injusto, pois, só este merece reparação". Ora, a indenização exige que o dano seja injusto. Se o agente público defendese de agressão injusta da vítima, sendo a culpa pelo evento danoso do próprio ofendido e é reconhecida a legítima defesa, não há que se cogitar de dano injusto. Ao contrário, o ato do funcionário agredido é lícito e justo, porque praticado na defesa de direito seu - a própria vida. É assim que entende o STF, como se vê do acórdão proferido no julgamento do RE n Q 74.554, assim ementado:
"Responsabilidade Civil do Estado. Teorias do Risco Administrativo e do Risco Integral. Provado que o fato decorreu de culpa ou dolo do lesado (vítima), não cabe ao Estado indenizar. Acórdão que julga improcedente ação de indenização porque a morte da vítima decorreu de ato praticado por agente policial em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever legal. Recurso extraordinário não conhecido".
No julgamento do RE n Q 68.107, o STF repetiu o escólio, assentando que, "embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objetiva, aceitando a teoria do risco admi-
nistrativo, fê-lo com temperamentos para prevenir os excessos e a própria injustiça. Não exigiu da vítima e seus beneficiários, em caso de morte, a prova da culpa ou do dolo do funcionário, para alcançar a indenização, mas não afastou o Estado de eximir-se da reparação, se o dano defluíra do comportamento doloso ou culposo da vítima". No mesmo sentido os Recursos Extraordinários nl!tl93.376, 78.569, 74.292 (RTJ, voI. 131/417 e RDA, voI. 179/ 180).
Fosse, no caso, a própria vítima o agressor e tivesse sido abatida pelo Policial, o DNER estaria forro à indenização. O ato injusto teria sido da vítima, e teria agido com dolo.
Todavia, no caso em tela, a versão é diferente. Trata-se de legítima defesa de terceiro. Um Policial que defende outro colega (legítima defesa de terceiro), da agressão injusta do motorista de um auto caminhão e, ao efetuar o disparo, atinge a vítima, que era um terceiro (viajando na cabine do auto) e inteiramente indiferente aos acontecimentos. A vítima não deu causa ao evento e dele não participou de qualquer forma. Em relação ao ofendido (que veio a falecer), o dano foi injusto, carecendo de reparação, em face do disposto no art. 1.519 do Código Civil.
Com estas considerações, acompanho o voto do eminente Relator, negando provimento ao recurso.
É como voto.
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