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8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)
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O SERMO DA MONTANHA
SEGUNDO O VEDANTA
SWAMI PRABHAVANANDA
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SUMARIO
PREFCIO, De Henry James Forman
Agradecimentos
Introduo
Captulos I. As Bem-aventuranas
II. Sal da Terra
III. No Resistais ao Mal
IV. Sede, pois, Perfeitos
V. A orao do Senhor
VI. Deus e o Dinheiro
VII. Estreita a Porta
PREFCIO
No deveria ser novidade, no seio de uma comunidade crist, um livro sobre
o Sermo da Montanha, que o prprio cerne do ensinamento cristo. Mas, sendo este
livro escrito por um swami hindu, adepto do Vedanta e do evangelho de Sri
Ramakrishna, livro que, ademais, no apenas interpreta, mas tambm enaltece o
Sermo, como se fora do prprio Ramakrishna ento, certamente, o menos que se
pode dizer dele que incomum.
Por mais bonita que seja em si mesma essa interpretao, Swami
Prabhavananda no a mostra como um ideal distante, dificilmente atingvel que a
forma de v-lo da maior parte dos ocidentais , mas como um programa prtico de
vida e conduta cotidianas. To clara a interpretao que o Swami faz desse grandetexto, que muitos cristos havero de descobrir atravs dela uma abordagem mais
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simples ao ensino de seu Mestre, e mais objetiva do que qualquer outra que encontraram
at hoje.
O Vedanta ensina que a verdadeira natureza do homem divina, e que o
mais importante e real objetivo da vida humana expor e revelar essa Divindade. Parans, o Sermo um desgnio de perfeio. Ao vedantista, cuja nica meta a
manifestao de Deus, nada h de estranho nisso. O sannyasin da Ordem Ramakrishna,
qual pertence o Swami Prabhavananda, procura seguir o caminho da perfeio em
cada dia da sua vida. Ele ora diariamente, em sua meditao, para que consiga superar o
egosmo (= sentido do ego), para que possa abster-se da crtica e da busca de erros
alheios e para que alcance o amor e a simpatia para com todos. O vedantista no pode se
sentar para meditar enquanto no tiver limpado a mente de todos os dios eressentimentos. A literatura da Ordem Ramakrishna como, por exemplo, o
Evangelho de Sri Ramakrishna, os escritos do Swami Vivekananda e o inestimvel
livrinho de Swami Prabhavananda, O companheiro eterno est toda ela carregada de
ensinamentos semelhantes aos do Sermo da Montanha e de outras passagens da Bblia.
Lemos no livro do xodo que, ao descer da montanha, ''Moiss no sabia
que a pele de seu rosto brilhava". Swami Prabhavananda conta-nos neste volume que
viu um de seus antepassados um discpulo direto de Sri Ramakrishna assim
transfigurado. Uma luz emanava de todo o seu corpo. No s o Swami a viu mas,
numa passagem do templo onde isso ocorreu, uma multido espantou-se e abriu
caminho, enquanto o homem iluminado passava completamente absorvido na meditao
em Deus.
Fenmenos dessa espcie no se limitam s escrituras que datam de
centenas de milhares de anos atrs. Podem ocorrer, e de fato ocorrem ainda hoje. A
religio uma ocorrncia permanente na vida humana. Os preceitos do Sermo da
Montanha podem estar e esto vivos ainda hoje; depende apenas do esprito com que
so acolhidos. Swami Prabhavananda e seus confrades vedantistas aceitam-nos
realisticamente. Talvez seja por isso que pessoas de diferentes crenas e seitas cristas,
freqentando palestras sobre o Vedanta, comeam de repente a enxergar mais
claramente E com mais brilho sua prpria crena, e a compreenso que dela tm atinge
uma penetrao mais profunda. Em suma, o Vedanta chega ao Ocidente, no para
suplantar qualquer religio, e sim para trazer uma espiritualidade mais tangvel aos que
o buscam. Ele no visa ao proselitismo, mas a ajudar o homem a perceber a divindade
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dentro de si. Nesse, sentido ele afirma ser a mais prtica das filosofias religiosas. esta
prtica que o Swami Prabhavananda transmite com xito atravs da sua interpretao,
notavelmente lcida e bela, do Sermo da Montanha.
Henry James Forman
AGRADECIMENTOS
Merecidos agradecimentos cabem a inmeros editores pela permisso de
reproduzir selees de seus livros: a Advaita Ashrama, Mayavati, ndia, pelas passagensde The Complete Works of Swami Vivekananda [Obras completas de Swami
Vivekananda], a Methuen & Company Ltd., Londres, pela passagem de The
Confessions of Jacob Boehme, compilado e editado por W. Scott Palmer; Society for
Promoting Christian Knowledge, Londres, pelos trechos de The Way of a Pilgrim [O
caminho de um peregrino] e The Pilgrim Continues His Way [peregrino continua o seu
caminho], traduzidos do russo por R.M.French; e Vedanta Society of Southern
Califrnia pelas passagens das seguintes obras: How to Know God, the Yoga
Aphorisms of Patanjali [Como conhecer Deus, os aforismos iogues de Patanjali],
traduzida com novos comentrios pelo Swami Prabhavananda e Christopher Isherwood;
The Song of God: Bhagavad-Gita [A cano de Deus: Bhagavad-Gta], traduzida por
Prabhavananda e Isherwood; The Upanishads [Os Upanishads], traduzida por
Prabhavananda e Frederick Manchester; The Wisdom of God (Srimad Bhagavatam) [A
sabedoria de Deus (Srimad Bhagavatam)], traduzida por Prabhavananda.
As selees da vida e dos ensinamentos de Sri Ramakrishna soprincipalmente de Sri Ramakrishna Lilapra-sanga, de Swami Saradananda, e Sri
Ramakrishna Kathamritaf de M.
As palestras nas quais se baseia este livro foram proferidas pelo autor nos
templos de Hollywood e Santa Brbara, da Sociedade Vedanta do Sul da Califrnia.
Partes do material apareceram na revista Vedanta and the West [O Vedanta e o
ocidente], e numa antologia, Vedanta para o mundo ocidental, editada por Christopher
Isherwood.
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Gostaria de agradecer a Henry James Forman por escrever o prefcio. Sou
devedor da Pravrajika Anandaprana por editar o manuscrito e dar ao livro sua forma
atual e a Benjamin Saltman pela assistncia editorial.
S.P.
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INTRODUO
Este livro baseia-se em palestras que proferi sobre o Sermo da Montanha.
Essas palestras foram revistas e ampliadas a fim de inclurem ensinamentos no
comentados anteriormente. Para mim, o Sermo da Montanha representa a essncia do
Evangelho de Cristo; e aqui ele vem reproduzido em sua inteireza, conforme foi
registrado, para que as palavras de Cristo possam ser lidas seqencialmente, e a unidade
de sua mensagem possa ser vista com clareza.
No sou cristo, no sou telogo, no li as interpretaes da Bblia feitaspelos grandes eruditos cristos. Estudei o Novo Testamento da mesma forma como
estudei as escrituras da minha prpria religio, o Vedanta. O Vedanta, que surgiu dos
Vedas, as mais antigas das escrituras hindus, ensina que todas as religies so
verdadeiras, porquanto levam a um e ao mesmo objetivo a manifestao de Deus.
Minha religio, portanto, aceita e reverencia todos os grandes profetas, os mestres
espirituais e as expresses da Divindade venerados em diferentes crenas,
considerando-os como manifestaes de uma verdade subjacente.
Jovem monge viveu bem prximo da maioria dos discpulos de Sri
Ramakrishna, fundador da ordem qual perteno. Esses homens santos viviam
conscientes de Deus e ensinavam-nos os mtodos pelos quais se pode atingir o estado
final e abenoado da unio mstica samadhi, como se diz no Vedanta. A partir do que
vi nesses homens santos e de todo o ensinamento que absorvi, sentado aos ps deles,
procurei abordar a doutrina de Cristo. Da por que retorno com freqncia s palavras
de Sri Ramakrishna e de seus discpulos, buscando apoio na explicao das verdades do
Sermo da Montanha.
Um desses discpulos de Sri Ramakrishna foi meu mestre: Swami
Brahmananda. Embora no fosse ele um estudioso da Bblia, com base em sua prpria
experincia espiritual, ensinava de modo bem semelhante ao empregado por Cristo, e
no raro usava quase as mesmas palavras. Meu mestre vira Cristo numa viso espiritual
e comemorava todos os anos o Natal, oferecendo reverncia especial a Jesus costume
esse que tem sido observado em todos os mosteiros da Ordem Ramakrishna at hoje.
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Nessas ocasies, oferecem-se frutas, po e bolo, a modo hindu. Com freqncia faz-se
uma conferncia sobre Cristo, ou ento se l a histria da Natividade ou o Sermo da
Montanha.
Uma dessas celebraes crists, a primeira a que assisti, teve muito a vercom o que Cristo significa para mim. Isso aconteceu em, em Belur Math, perto de
Calcut, onde ficava a sede da nossa ordem. Eu ingressara no mosteiro poucos dias
antes. Na vspera do Natal, reunimo-nos diante de um altar sobre o qual fora colocada
uma imagem de Nossa Senhora com o Menino. Um dos monges mais velhos prestava
reverncia, ofertando flores, incenso e alimento. Muitos dos discpulos de Sri
Ramakrishna assistiam cerimnia: entre eles achava-se o meu mestre, prior da nossa
ordem. Enquanto estvamos sentados em silncio, meu mestre disse: "Meditem noCristo interior e sintam sua presena viva. Intensa atmosfera espiritual invadiu o recinto
do culto. Nossas mentes se elevaram e sentimo-nos transportados para outra
conscientizao. Percebi, pela primeira vez, que Cristo era to nosso quanto Krishna,
Buda e outros grandes mestres iluminados que reverencivamos. Como hindu,
ensinaram-me desde criana a respeitar todos os ideais religiosos, a reconhecer a mesma
inspirao divina em todas as diferentes crenas. Por isso, como expresso manifesta da
divindade, eu jamais poderia considerar Cristo um estranho. Mas, para uma experinciapessoal e viva Dele, precisei da conscientizao resultante da venerao naquela
memorvel vspera de Natal.
Perdura h muitos anos uma ntima conexo espiritual entre Cristo e a
minha ordem monstica, iniciada pelo fundador, Sri Ramakrishna, que mereceu
venerao divina durante a vida, e desde que faleceu, em, tem recebido reconhecimento
crescente na ndia, como uma encarnao de Deus. Dos muitos santos e iluminados
mestres na histria do Vedanta, Sri Ramakrishna manifestou em vida, em grau maiselevado do que qualquer outro, a idia da harmonia e da universalidade religiosas.
Submeteu-se no apenas s disciplinas de seitas divergentes dentro do Hindusmo,
como tambm s do Islamismo e do Cristianismo. Ele descobria em cada caminho
religioso a suprema manifestao de Deus, credenciando-se assim a proclamar com a
autoridade da experincia pessoal: "Muitas religies, muitos caminhos para alcanar um
nico e mesmo objetivo.
Foi por volta de que Sri Ramakrishna comeou a se interessar pelo
Cristianismo. Um devoto que costumava visitar o Mestre no jardim do templo de
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Dakshineswar, prximo de Calcut, explicava-lhe a Bblia em bengali. Certo dia,
sentado na sala de visitas da casa de outro devoto, Sri Ramakrishna viu um quadro de
Nossa Senhora com o Menino. Absorvido em contempl-lo, viu-o de repente tomar-se
vivo e resplendente. Um amor ardente por Cristo invadiu seu corao, sobrevindo-lhe a
viso de uma igreja crist, onde devotos queimavam incenso e acendiam velas diante de
Jesus. Durante trs dias, Sri Ramakrishna viveu sob o apelo dessa experincia. No
quarto dia, enquanto caminhava por um bosque de Dakshineswar, viu aproximar-se uma
pessoa de semblante sereno, cujo olhar o fixava. Do recesso mais profundo do corao
adveio-lhe a manifestao: "Este Jesus, que derramou o sangue de seu corao pela
redeno da humanidade. Este no outro seno a personificao do amor/' O Filho do
Homem abraou ento Sri Ramakrishna e entrou dentro dele: Sri Ramakrishna
atingiu o samadhi, o estado de conscincia transcendental. Foi assim que Sri
Ramakrishna se convenceu da divindade de Cristo.
Pouco depois de sua morte, nove de seus jovens discpulos reuniram-se
numa noite diante de um fogo sagrado, a fim de pronunciarem os votos de renncia
formal - da em diante haveriam de servir a Deus como monges. Seu lder, o futuro
Swami Vivekananda, contou aos irmos a histria da vida de Jesus, pedindo-lhes que
eles prprios se tornassem outros Cristos, empenhando-se na ajuda da redeno domundo e negando-se a si mesmos, como o fizera Jesus. Mais tarde, os monges
descobriram que aquela noite fora a da vspera do Natal ocasio realmente propcia
para o pronunciamento de seus votos.
Desse modo, desde os primeiros dias da nossa ordem, Cristo tem sido
honrado e reverenciado por nossos swamis como um dos maiores mestres iluminados.
Muitos de nossos monges citam as palavras de Cristo para explicar e ilustrar as
verdades espirituais, percebendo uma unidade essencial entre a mensagem dele e a dosnossos sbios e videntes hindus. Como Krishna e Buda, no prega Cristo um mero
evangelho tico ou social, mas sim um evangelho incondicionalmente espiritual. Ele
afirmou que Deus pode ser visto, que a perfeio divina pode ser alcanada. Para que os
homens atinjam o objetivo supremo da existncia ensinou a renncia ao mundanismo, a
contemplao de Deus e a purificao do corao atravs do amor de Deus. Estas
verdades simples e profundas, declaradas reiteradamente no Sermo da Montanha,
constituem-lhe o tema subjacente, como tentarei demonstrar nas pginas que se seguem.
Julho, Swami Prabhavananda
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CAPTULOI
ASBEMAVENTURANAS
Antes de chegada a hora de pronunciar o Sermo da Montanha, Jesus
pregou por toda a Galilia. "Sua fama alcanou a Sria inteira", como disse So Mateus.
As novas revelavam um mestre extraordinrio, e multides afluam para v-lo como
haviam feito h milhares de anos no Oriente, e ainda o fazem, aproximao de um
homem-Deus. Elas vinham "da Galilia e da Decpolis, de Jerusalm e da Judia, e de
alm do Jordo". E Jesus ensinava as multides de acordo com a capacidade delas; mas
o Sermo que contm seus ensinamentos mais elevados reservou-o ele para os seus
discpulos, para aqueles que estavam espiritualmente preparados. Levou-os encosta de
uma colina, onde no seriam interrompidos pelos que no estivessem preocupados com
sua verdade suprema.
Vendo a multido, subiu ao monte. Ao sentar-se, aproximaram-se dele os
seus discpulos:
E abrindo a boca, ensinava-os, dizendo...
Todo mestre espiritual, seja uma encarnao divina ou uma alma iluminada,
tem dois conjuntos de ensinamentos um para a multido, outro para os discpulos. O
elefante possui dois conjuntos de dentes: as presas com que se defende das dificuldades
exteriores e os dentes com os quais come. O mestre espiritual prepara o caminho de sua
mensagem com lies genricas seriam suas presas. A verdade profunda da religio
ele a revela apenas aos discpulos ntimos. Porque a religio algo que pode de fato ser
transmitido. Um mestre verdadeiramente iluminado pode transmitir-nos o poder que
revela a conscincia divina, latente em ns. Mas preciso que o campo seja frtil e o
solo esteja pronto antes que a semente possa ser semeada.
Quando multides vinham aos domingos visitar Sri Ramakrishna, o mstico
da ndia moderna mais amplamente reverenciado, ele lhes falava de um modo vago, quelhes fazia benefcio. Mas quando os discpulos ntimos se reuniam sua volta
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conforme me contou um deles ele procurava certificar-se de que ningum mais o
ouvia, enquanto lhes ministrava as verdades sagradas da religio. No que as verdades
em si sejam secretas elas esto registradas e qualquer um pode l-las. O que, porm,
ele dava queles discpulos era mais do que ensinamentos verbais; de um jeito divino,
ele lhes despertava a conscincia.
Cristo ensinava desse mesmo modo. Ele no pronunciou o Sermo da
Montanha para as multides, e sim para os discpulos, cujos coraes estavam prontos
para receb-lo. As multides ainda no esto aptas para entender a verdade de Deus. De
fato, nem a desejam. Meu mestre, Swami Brahmananda, costumava dizer: "Quantos
esto prontos? Sim, muita gente vem at ns. Temos o tesouro a dar-lhes. Mas eles
querem apenas batatas, cebolas e berinjelas.
Qualquer um de ns que deseje sinceramente o tesouro, que busque a
verdade, pode beneficiar-se da mensagem dada no Sermo da Montanha e pode tornar-
se um discpulo. Cristo, como veremos em nosso estudo do Sermo, fala das condies
que temos de possuir para sermos discpulos e para as quais precisamos preparar-nos.
Ele ensina os caminhos e os meios para atingirmos a purificao de nossos coraes, de
modo que a verdade de Deus possa revelar-se por inteiro dentro de ns.
Bem-aventurados os pobres em esprito, porque deles o reino dos cus.
Nesta primeira bem-aventurana, Cristo fala da principal caracterstica que o
discpulo precisa possuir, antes que esteja pronto para receber o que o mestre iluminado
tem para lhe dar. Ele precisa ser pobre em esprito: noutras palavras, precisa ser
humilde. Se uma pessoa orgulha-se do que sabe, da riqueza, da beleza ou da linhagem;
se tem idias preconcebidas do que seja a vida espiritual e de como deveria ser ensinada
ento sua mente no est receptiva aos ensinamentos mais elevados. Lemos noBhagavad-Git, o evangelho dos hindus:
"As almas iluminadas que perceberam a verdade ho de instruir-te no
conhecimento de Brahma (o aspecto transcendental de Deus), se tu te prostrares diante
delas, as inter-rogares e as servires como um discpulo.
Segundo um conto indiano, certo homem procurou um mestre e pediu-lhe
para ser seu discpulo. Com intuio espiritual, percebeu o mestre que o homem noestava ainda preparado para ser instrudo. Por isso lhe perguntou:
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Voc sabe o que precisa fazer para ser meu discpulo?
O homem respondeu que no e pediu ao mestre que lho dissesse.
Bem, disse o mestre, voc precisa ir buscar gua, apanhar lenha,
cozinhar e trabalhar muitas horas em servios pesados. Precisa tambm estudar. Est
disposto a fazer tudo isto?
O homem respondeu:
Sei agora o que o discpulo precisa fazer. Diga-me, por favor: e o mestre,
o que ele faz?
Ah, o mestre fica sentado, e em sua maneira recolhida d as instruesespirituais.
Entendi, disse o homem. Nesse caso, no quero ser discpulo. Por que
voc no faz de mim um mestre?
Todos ns desejamos ser mestres, preciso, porm, que antes de nos
tornarmos mestres, aprendamos a ser discpulos. Precisamos aprender a humildade.
Bem-aventurados os que choram: porque sero consolados.
Enquanto nos julgarmos ricos de bens terrenos ou de conhecimentos, no
poderemos progredir espiritualmente. Quando sentirmos que somos pobres em esprito,
quando nos afligirmos por no termos percebido a verdade de Deus somente ento
seremos consolados. Sem dvida que todos ns choramos mas por qu? Pela perda
de prazeres e de posses terrenos. Mas, no desse tipo de lamento que Cristo fala. O
lamento que Cristo chama de "abenoado" bastante raro, porquanto nasce de um
sentimento de perda espiritual, de solido espiritual. um lamento que surge
necessariamente antes que Deus nos console. A maioria de ns est inteiramente
satisfeita com a vida superficial que leva. No fundo de ns, talvez tenhamos conscincia
de que nos falta algo, mas agarramo-nos ainda na esperana de que essa falta possa ser
preenchida pelos objetos sensveis deste mundo.
Sri Ramakrishna costumava dizer: "As pessoas derramam rios de lgrimas
porque um filho no nasceu ou porque no conseguiram ficar ricas. Quem, entretanto,verte sequer uma lgrima por no ter visto Deus?" Este falso sentido de valores
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resultado da nossa ignorncia. No tocante natureza dessa ignorncia, o filsofo
indiano Sankara dizia que o sujeito, o cognocente (o Eu ou o Esprito), ope-se tanto ao
objeto, o conhecido (no-Eu ou matria), como a luz se ope s trevas. No entanto, por
influncia de maya o poder inexplicvel da ignorncia sujeito e objeto misturam-
se a tal ponto que, em geral, o homem identifica o Eu com o no-Eu. muito fcil
entender intelectualmente que o Eu verdadeiro diferente do corpo, da mesma forma
que somos diferentes da roupa que vestimos. Todavia, quando o corpo adoece, dizemos:
"Estou doente." Intelectualmente, podemos entender que o verdadeiro Eu diferente da
mente. Mas, se temos uma alegria ou um sofrimento, dizemos: "Estou feliz", ou "Sou
um miservel." Alm disso, identificamo-nos com os nossos parentes e amigos: algo
que aconteceu a eles parece estar acontecendo a ns. Identificamo-nos com as nossas
posses. Se perdemos nossas riquezas, sentimo-nos como se perdssemos a ns mesmos.
Essa ignorncia comum a toda a humanidade. Somente o conhecimento direto de Deus
pode remov-la. Quando comeamos a sentir uma ausncia espiritual dentro de ns,
quando comeamos a lamentar como o Cristo queria que lamentssemos, quando
vertemos pelo menos uma lgrima por Deus ento estamos preparando o caminho
para o consolo daquele conhecimento divino.
A espcie de lamento que Cristo chamava de bem-aventurado vem expressona imitao de Cristo:
" meu Deus, quando poderei ser um contigo e fundir-me em teu amor, a
ponto de me esquecer por inteiro de mim mesmo? S tu em mim, e eu em ti; e concede
que possamos permanecer assim, sempre juntos num s.
preciso que atinjamos esse estgio, quando sentirmos que nada mais nos
d paz, a no ser a viso de Deus. Ento Deus atrai a mente do homem para si como um
m atrai a agulha e o consolo chega.
Bem-aventurados os mansos, porque eles herdaro a terra.
A ignorncia e a iluso so caractersticas da mente degenerada. Tal
ignorncia confirmada e suportada pelo nosso sentimento de ego a nossa idia de
que estamos separados uns dos outros e de Deus. Importa superar o egosmo para que a
mente se livre da iluso. Portanto, bem-aventurados os mansos. Mas, por que diz Cristo
que eles herdaro a terra? primeira vista isso parece de difcil compreenso. Entre os
aforismos iogues de Patanjali (ioga significa unio com Deus, bem como o caminho
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para essa unio) h um que corresponde a essa bem-aventurana: "O homem que toma a
resoluo de no roubar torna-se o mestre de todos os ricos." Que quer dizer "no
roubar"? Quer dizer que precisamos desistir da iluso egosta de que podemos possuir
coisas, de que algo pode pertencer-nos de modo exclusivo, como indivduos. Podemos
pensar: "Mas somos pessoas boas. Nada roubamos! Tudo quanto possumos fruto do
nosso trabalho e merecimento. Pertence-nos por direito!" A verdade, porm, que nada
nos pertence. Tudo pertence a Deus. Quando olhamos qualquer coisa deste universo
como nossa, estamos apropriando-nos de coisas de Deus.
O que ento a mansido? viver em auto-sujeio a Deus, livre do
sentimento de "eu" e de "meu". Isso no significa que devamos fugir da riqueza, da
famlia e dos amigos; devemos, porm, fugir da idia de que eles nos pertencem. Elespertencem a Deus. Devemos olhar-nos como servos de Deus, aos quais ele confia suas
criaturas e bens. To logo assimilemos essa verdade e desistamos de nossas pretenses
ilusrias e individuais, descobriremos que, em seu sentido mais genuno, tudo nos
pertence, no final das contas.
Os conquistadores que se empenham em serem senhores do mundo pela
fora e pelas armas jamais herdam outra coisa alm de ansiedades, aborrecimentos e
dores de cabea. Os avarentos, que acumulam riquezas enormes, no fazem mais do que
acorrentarem-se ao ouro jamais o possuem realmente. Mas o homem que abandona o
sentimento de apego prova as vantagens que os bens proporcionam, sem a angstia que
a posse acarreta.
Muita gente se desagrada desta palavra de Cristo, por julgar que o manso
nunca pode conseguir nada. Julgam que no h felicidade na vida, a menos que se use
de agressividade. Quando lhes dizem para porem de lado o ego, para serem mansos
temem que perdero tudo. Erro deles, porm. Nas palavras de Swami Brahmananda:
"As pessoas que vivem pelos sentidos pensam que esto gozando a vida.
Que sabem elas do prazer? S aqueles que esto plenos da felicidade divina gozam de
fato a vida.
Todavia, argumentos no provam esta verdade: preciso vivenci-la a,
ento, fica-se convencido.
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Se um candidato espiritualidade segue sinceramente o ensinamento de
Cristo quanto mansido, acabar por ach-lo muito prtico. Descobrir que a clera e
o ressentimento podem ser conquistados pela doura e pelo amor. O mstico chins Lao-
Tzu expressa esta verdade ao dizer:
"Das coisas macias e fracas deste mundo, nenhuma mais frgil do que a
gua. Mas, para vencer o que firme e forte, ningum pode igual-la. que macio
conquista o duro. A rigidez e a dureza so companheiras da morte. A maciez e a ternura
so companheiras da vida' Abandonando sinceramente o ego a Deus tornando-nos
mansos alcanaremos tudo: herdaremos a terra.
Bem-aventurados os que tm fome e sede de justia, porque eles sero
saciados.
Qual a justia da qual o Cristo nos quer sedentos e famintos? Trata-se da
justia que em inmeras passagens do Antigo Testamento praticamente sinnimo de
salvao noutras palavras, libertao do mal e unio com Deus. Esta justia,
portanto, nada tem a ver com o que comumente pensamos como virtudes morais ou
boas qualidades, no se relaciona com o bem em oposio ao mal, nem com a virtude
em oposio ao vcio; trata-se da justia absoluta, da bondade absoluta. O faminto e
sedento de justia de que fala o Cristo o faminto e sedento do prprio Deus.
J se salientou que a maioria de ns no quer de fato Deus. Se nos
analisarmos, descobriremos que nossos interesses relativos a Deus quase nada tm da
fora do nosso interesse por todo tipo de objetos materiais. Mas at mesmo um ligeiro
desejo de conhecer a realidade divina um comeo que nos pode levar mais acima.
Precisamos comear com um esforo prprio. Precisamos batalhar para desenvolver o
amor ao Senhor, praticando a relembrana dele, rezando, adorando e meditando. medida que praticarmos essas disciplinas espirituais, o nosso frgil desejo de
compreend-lo h de intensificar-se, at se converter em fome violenta, em sede
ardente.
queles que lhe perguntavam como compreender Deus, Sri Ramakrishna
dizia:
''Gritem-lhe com um corao anelante, e ento vocs o vero. Aps a luzrsea da aurora, surge o Sol; do mesmo modo, ao anelo segue-se a viso de Deus. Ele se
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revelar a vocs se vocs o amarem com a fora combinada destes trs apegos: o apego
do avaro sua riqueza, o da me criana recm-nascida e o da esposa virtuosa a seu
marido. O anelo intenso o caminho mais seguro para a viso de Deus.
Precisamos aprender a direcionar todos os nossos pensamentos e toda anossa energia, de forma consciente, para Deus. preciso que se erga em nossa mente
uma onda gigantesca de pensamento, envolvendo todos os desejos e paixes que nos
desviam da meta espiritual. Quando a mente se torna focalizada e concentrada em Deus,
ento seremos locupletados de justia.
Conta-se a histria de um discpulo que perguntou ao mestre:
Senhor como pode ter a percepo de Deus?
Venha disse o mestre , vou lhe mostrar.
O mestre levou o discpulo a um lago e ambos mergulharam. De repente, o
mestre chega ao discpulo a afunda-lhe a cabea na gua. Momentos depois, o solta e
pergunta-lhe:
Ento, como se sentiu?
Oh, eu quase morri de falta de ar disse ofegante o discpulo.
Ento o mestre retrucou:
Quando voc tiver essa mesma sensao intensa por Deus, no precisar
mais esperar muito pela viso dele.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcanaro misericrdia.
Um dos aforismos de Patanjali, o pai da psicologia hindu, corresponde a
esta bem-aventurana:
"A calma imperturbvel da mente alcanada atravs da amizade para com
aquele que feliz, da misericrdia e compaixo para com o infeliz, da satisfao na
virtude e da indiferena pelo mal/' Ser misericordioso condio necessria para que
possamos receber a verdade de Deus. A inveja, o cime, o dio eis algumas das
fraquezas universais inatas no homem. Esto ligadas ao nosso sentimento do eu que
provm da ignorncia. Como faremos para super-las? Erguendo uma onda oposta de
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pensamento. Quando algum feliz, no devemos invej-lo; devemos procurar
concretizar nossa amizade e unio e sermos felizes com ele. Quando algum infeliz,
no devemos ficar alegres com isso: devemos sentir simpatia e ser misericordiosos.
Quando uma pessoa boa, no devemos invej-la. Se for m, no a odiemos. Sejamos
indiferentes ao malvado. Qualquer pensamento de dio, mesmo o assim chamado "dio
justo" ao mal, despertar uma onda de dio e de maldade em nossas prprias mentes,
aumentando nossa ignorncia e inquietao. No podemos pensar no Senhor, ou am-lo,
enquanto subsistir essa onda de pensamento. Se desejarmos encontrar Deus precisamos
assemelhar-nos a Deus na misericrdia.
Meu mestre costumava dizer: "Qual a diferena entre o homem e Deus? O
homem, se voc o ferir apenas uma vez, esquecer toda a bondade anterior que voc lhefez e se lembrar sempre da nica vez em que voc falhou. Mas, se voc se esquecer de
Deus e pecar contra ele centenas de vezes, ainda assim ele olvidar todas as faltas e se
lembrar das poucas vezes em que voc rezou a ele com sinceridade. O pecado existe
apenas nos olhos do homem; Deus no olha para os pecados do homem.
Bem-aventurados os puros de corao, porque eles vero a Deus.
Encontramos em qualquer religio dois princpios bsicos: o ideal de
realizao e o mtodo para realizar-se. Qualquer escritura do mundo tem proclamado a
verdade de que Deus existe e de que a finalidade da vida do homem conhec-Lo. Todo
grande mestre espiritual tem ensinado que o homem precisa conhecer Deus e renascer
em esprito. No Sermo da Montanha, a realizao desse objetivo vem expressa como a
perfeio em Deus: "Sede perfeitos como vosso Pai que est nos cus perfeito." E o
mtodo de realizao que Cristo ensina a purificao do corao que leva a essa
perfeio.
Qual essa pureza que precisamos ter antes que Deus se revele a ns: Todos
ns conhecemos pessoas que poderamos descrever como puras no sentido tico
mas que no tm visto Deus. Por qu? A vida tica, a prtica decidida das virtudes
morais, se faz necessria como preparao para uma vida espiritual, sendo, portanto,
ensinamento fundamental de qualquer religio. Todavia, isso no nos habilita a que
vejamos a Deus. como o alicerce de uma casa; no a estrutura superior.
Como testar a pureza? Procure pensarem Deus, exatamente neste momento.
O que voc encontra? O pensamento da presena dele passa por nossa mente, talvez
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como um relmpago. Seguem-se depois muitas distraes. Voc acaba pensando em
tudo o mais que h no universo, menos em Deus. Tais distraes evidenciam que a
mente ainda impura e que no est preparada para receber a viso de Deus. As
impurezas consistem em diferentes impresses que a mente foi acumulando atravs de
sucessivos nascimentos. As impresses foram criadas e armazenadas no inconsciente da
mente, como conseqncia de aes e pensamentos individuais, representando em sua
totalidade o carter da mente. Importa dissolver por completo essas impresses antes
que se possa considerar a mente purificada. So Paulo refere-se a essa reviso mental
em sua Epstola aos Romanos, ao dizer: "... busquem transformar-se atravs da
renovao da mente".
De acordo com a psicologia iogue, cinco so as causas originais dasimpresses existentes na mente. A primeira a ignorncia, num sentido amplo, da nossa
natureza divina. Deus habita dentro de ns e nossa volta; todavia, no guardamos
conscincia dessa verdade. Em vez de ver Deus, vemos o universo de muitos nomes e
formas, que julgamos real exatamente como o homem que, vendo uma corda
esticada em meio poeira do cho, no escuro de sua ignorncia pode pensar que uma
cobra. Em segundo lugar vem o sentimento do eu, projetado por essa ignorncia, que
nos faz pensar em ns mesmos como separados de Deus e separados uns dos outros.Alm do sentimento do eu, desenvolvemos o apego e tambm a averso: somos atrados
por umas coisas e repelidos por outras. Tanto o desejo como o dio so empecilhos no
caminho para Deus. A quinta causa das impresses mentais impuras a nsia de viver,
que Buda chama de tanha, e qual o Cristo se refere quando diz: "Quem quiser salvar
sua vida, que a perca." Este apego vida, ou medo da morte, natural em todos, tanto
nos bons como nos maus. Somente as almas iluminadas esto imunes ignorncia, ao
sentimento do eu, ao apego, averso e ao medo da morte; para elas, as impresses
todas se esvaram.
Mesmo que Deus nos oferecesse, neste exato momento, o esclarecimento
espiritual ns o recusaramos. Mesmo que estivssemos procurando Deus,
momentaneamente recuaramos de pnico se estivssemos prestes a ter uma viso dele.
Agarramo-nos instintivamente nossa vida superficial e conscientizao, temerosos
de abandon-las, muito embora, ao agir assim, estejamos passando para uma
conscientizao infinita, comparada qual nossas percepes normais so, nas palavrasdo Bhagavad-Gita, "como uma noite espessa e um adormecer".
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Swami Vivekananda, o apstolo de Sri Ramakrishna, foi desde a mocidade
uma alma pura que anelava por Deus. No entanto, ele provou desse mesmo medo.
Quando esteve pela primeira vez com seu futuro mestre, Sri Ramakrishna tocou-o e sua
viso espiritual comeou a abrir-se. Ento Vivekananda exclamou: "O que ests fazendo
comigo? Tenho meus pais em casa!" Respondeu Sri Ramakrishna: "Ah, at voc!/;
Ele viu que mesmo aquela alma grandiosa estava sujeita ao apego universal da
conscincia superficial.
Existem muitos caminhos de purificao do corao. Como haveremos de
ver, Cristo procurava mostr-los ao longo do seu Sermo. Qualquer que seja o mtodo,
o princpio essencial o devotamento a Deus. Quanto mais pensarmos em Deus e nele
nos refugiarmos, tanto mais o amaremos e mais puros se tornaro nossos coraes.
O princpio de centralizar nosso corao em Deus igualmente afirmado
pelos homens santos, quer sejam das tradies judaicas, crists ou hindus. "O Senhor
minha fora e meu escudo", diz o Salmista. Na Imitao de Cristo, lemos: 'Tu s minha
esperana, minha verdade e meu consolo... Vejo que tudo fraco e inconstante fora de
ti.
Swami Brahmananda ensinava essa mesma verdade a seus discpulos:
"Agarre-se ao pilar de Deus!" Na ndia, as crianas primeiro se agarram a um pilar,
depois giram ao seu redor sem perigo de cair. De igual modo, enquanto nos
agarrarmos a Deus, perceberemos que a experincia do prazer e da dor so inconstantes
em sua natureza profunda. E quanto mais nos apegarmos ao pilar de Deus e a ele nos
devotarmos, nossas paixes e desejos, que atrapalham a viso de Deus, perdem a sua
fora.
Um modo de aplacar a mente e aumentar a pureza tentar sentir que jsomos puros e divinos. No se trata de uma iluso. Deus nos criou sua imagem;
portanto, a pureza e a divindade so, no fundo, a nossa natureza. Se gritarmos a vida
toda que somos pecadores, apenas nos enfraqueceremos. Sri Ramakrishna costumava
dizer que, repetindo continuamente, "Sou um pecador", a gente acaba virando de fato
pecador. Deve-se ter tanta f, a ponto de dizer: "Cantei o santo nome do Senhor. Como
pode haver algum pecado em mim?
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"Reconhece teus pecados perante o Senhor ensinava Sri Ramakrishna
e jura no repeti-los. Purifica o corpo, a mente e a lngua, cantando o nome dele. Quanto
mais te moveres rumo luz, mais te afastars da escurido.
Bem-aventurados os pacficos, porque sero chamados filhos de Deus.
Somente quando estivermos iluminados pelo conhecimento unificador de
Deus que nos tornaremos seus filhos e produtores da paz. Claro que somos filhos
permanentes de Deus, mesmo em nossa ignorncia. Mas, em sua ignorncia, nosso ego
"imaturo": arrogante e se esquece de Deus. No podemos trazer paz enquanto no
tivermos completado nossa unio com Deus e com todos os seres. No estado de
conscincia transcendental (a unio divina perfeita, que os hindus chamam samadhi) a
alma iluminada no tem ego; seu ego est imerso na mente de Deus. Ao retornar a um
nvel mais baixo de conscincia, mostra-se ela novamente segura da sua
individualidade; agora, porm, tem um sentimento "maduro" do ego, que no cria
nenhuma escravido para si mesmo ou para os outros. Para ilustrar esse ego
amadurecido, as escrituras hindus falam de uma corda queimada: tem o aspecto de uma
corda, mas no pode prender nada. Sem esse tipo de ego, no seria possvel para um
Deus-homem viver sob a forma humana e ensinar. Quando eu era ainda um jovem
monge, um discpulo de Sri Ramakrishna disse certa vez:
"Por vezes -me impossvel ensinar. Para onde quer que olhe, vejo apenas
Deus, usando diferentes mscaras, assumindo inmeras formas. Quem o mestre ento?
Quem deve ser ensinado? Mas, quando minha mente desce de nvel, passo a ver as tuas
faltas e fraquezas e procuro remov-las.
H uma passagem no Bhagavata, escritura devota e popular dos hindus, que
reza: "Aquele em cujo corao Deus se manifestou leva a paz, a alegria e o encantoaonde quer que v." o promotor de paz de que fala Cristo nas Bem-aventuranas.
Recordo-me de uma vida que vi vida de meu mestre, Swami Brahmananda. Todos os
que vinham sua presena sentiam uma alegria espiritual. E aonde quer que fosse
levava consigo uma atmosfera de festividade.
Num de nossos mosteiros havia certo nmero de jovens postulantes, ainda
no preparados, recm-vindos da escola. Aps ficarem juntos algum tempo, suas velhas
tendncias comeavam a afirmar-se e os rapazes formavam grupinhos e discutiam. Um
veterano swami de nossa ordem investigou a situao; interrogou cada um e logo
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descobriu os lderes. Depois, escreveu para o Swami Brahmananda, principal da nossa
ordem, dizendo que eles no se adequavam vida monstica e deviam ser expulsos.
Meu mestre respondeu: "No faam nada a respeito; vou a pessoalmente." Ao chegar
no mosteiro, no perguntou nada a ningum. Apenas ficou vivendo ali. S num ponto
insistia que todos os jovens meditassem regularmente todos os dias na sua presena.
Logo, os jovens esqueceram suas discusses. A atmosfera geral do lugar tornou-se
elevada. Quando Swami Brahmananda partiu, dois ou trs meses mais tarde,
estabelecera-se uma harmonia perfeita no mosteiro. Ningum fora expulso. As mentes e
os coraes dos postulantes transformaram-se. Assim que entrei em nosso mosteiro de
Belur, dois jovens discutiram e pegaram-se aos tapas. Swami Premananda, ento abade,
viu isso e pediu a Brahmananda, seu discpulo-irmo, que os mandasse embora.
Respondeu-lhe meu mestre: "Irmo, eles no vieram para c como almas perfeitas;
vieram a ns para atingir a perfeio. Faa algo por eles!" Swami Premananda disse:
"Voc tem razo!" Reuniu-nos a todos e levou-nos a Swami Brahmananda. Cruzando as
mos, pediu a meu mestre que nos abenoasse. Swami Brahmananda ergueu a mo
sobre nossas cabeas e, um a um, prostramo-nos diante dele. Falando de minha prpria
experincia, o que posso dizer que aquela bno foi como uma ducha fria num corpo
febril. Produziu uma exaltao interior que podia ser sentida, mas no descrita.
Esquecemo-nos de todas as preocupaes e nossos coraes encheram-se de amor. Essa
a maneira como um verdadeiro promotor da paz nos afeta. Ao serem nossos coraes
elevados pela presena dele, no temos vontade de discutir, porque mergulhamos no
amor de Deus.
Bem-aventurados os que so perseguidos por causa da justia, porque deles
o reino dos cus.
Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e,mentindo, disserem todo o mal contra vs por causa de mim.
Alegrai-vos e regozijai-vos, porque ser grande a vossa recompensa nos
cus, pois foi assim que perseguiram os profetas, que vieram antes de vs.
As pessoas profanas no compreendem o valor da vida espiritual.
Freqentemente, caoam do aspirante espiritualidade e s vezes, o ultrajam, tentando
fazer-lhe injrias. Mas, o religioso no reage a isso. Sua mente est fixada em Deus;
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portanto, sente a unidade, enxerga a ignorncia e misericordioso. No importa que seja
criticado ou injuriado; no lhe interessa agradar s pessoas profanas.
Conta-se a histria de um monge em viagem que, cansado, repousou sob
uma rvore. No tendo travesseiro, arrumou alguns tijolos e neles descansou a cabea.Algumas mulheres transitavam pelo caminho, indo apanhar gua no rio. Vendo o
monge em repouso, disseram entre si: "Esse jovem tornou-se monge e ainda no
consegue passar sem um travesseiro; usa tijolos em seu lugar!" Prosseguiram em seu
caminho e o monge pensou: 'Tm razo de criticar-me." Pondo de lado os tijolos,
descansou a cabea na terra. Logo depois, as mulheres voltaram e viram que tijolos
haviam sido postos de lado. Ento exclamaram com desdm:
Que belo tipo de monge! Ofendeu-se quando dissemos que usava
travesseiro. Veja, agora ps fora o travesseiro!
O monge refletiu: "Se uso travesseiro, criticam-me. Se deixo de us-lo,
tambm no lhes agrado. Impossvel satisfaz-las. Deixe-me, pois, agradar apenas a
Deus.
Nenhum homem verdadeiramente espiritual age tendo em vista causar boa
impresso aos outros ou buscando prestgio para si. s vezes sente exatamente o oposto,
ou seja, se por amor de Deus for preciso ficar contra o mundo inteiro, ele ficar e
ficar sozinho. Ele no se preocupa com o que os outros pensem dele.
Em geral, quando algum fala mal de ns ou tenta ofender-nos, somos
instintivamente levados a aplacar nosso ego, e no a agradar a Deus; e sentimos vontade
de revidar. Mas, se nos entregarmos a esse desejo de revide a ningum mais
causaremos danos a no ser a ns prprios; porque, quando irritados ou ressentidos,
interrompemos nosso pensamento em Deus. Por isso, todos os grandes mestres
espirituais tm ensinado como Cristo, a no revidar, a no resistir ao mal mas sim, a
rezar por aqueles que nos insultam e perseguem.
Naturalmente, nem todos podem conseguir a no-resistncia. Para o homem
que no vive em estado de conscincia de Deus, que v o mal seu dever combat-
lo. Para ele, a no-resistncia seria uma desculpa para a hipocrisia ou para a covardia, e
no uma virtude. Antes que um indivduo esteja pronto para oferecera outra face, preciso que esteja espiritualmente amadurecido; preciso que tenha atingido a pureza
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de corao. (Isto se discutir mais detalhadamente no Captulo.) Somente a alma
iluminada, que v Deus em todos os seres, pode conservar a pacincia, a tolerncia e a
tranqilidade perfeitas, em meio aos conflitos e s contradies da vida.
Ao longo da histria da religio, encontramos essas almas iluminadas santos e encarnaes divinas que vivem o ideal da no-resistncia e do perdo. Ao
implorar na Cruz: "Pai, perdoai-lhes, pois no sabem o que fazem", Cristo se torna o
maior e mais famoso dos exemplos. Em nosso prprio tempo, Sri Ramakrishna tipificou
o mesmo ideal, conforme ilustram as passagens a seguir.
Um padre no jardim do templo de Dakshineswar, onde vivia Sri
Ramakrishna, enciumou-se porque Mathur Babu, o administrador dos bens do templo,
preocupava-se com Sri Ramakrishna, e estava sempre presente menor perturbao, a
fim de garantir-lhe o bem-estar. Esse padre comeou a pensar que Sri Ramakrishna
lanara palavras mgicas sobre Mathur, para conserv-lo sob controle. Insistentemente
implorava, pois, a Sri Ramakrishna que lhe revelasse a frmula secreta desse sucesso. E
todas s vezes, repetia-lhe o Mestre que no empregara poderes ocultos. Mas o padre
no acreditava nele. Certo dia, estando Sri Ramakrishna em seu quarto, absorto na
conscientizao de Deus, o padre entrou sorrateiramente chutando-o e batendo-lhe at
deix-lo sangrando. Sri Ramakrishna no relatou o ocorrido a ningum, a no ser muito
mais tarde, depois que o padre pedira para deixar o templo por outra razo qualquer.
Quando falou disso a Mathur, este exclamou: "Ah, pai, por que no me contou antes! Eu
teria arrancado a cabea dele!" Retrucou Sri Ramakrishna: "Justamente por isso no lhe
contei... Ele no tinha culpa: estava sinceramente convencido de que eu dominava voc
por meios mgicos. Censuro-me por no o ter convencido de que eu dizia a verdade!
Diz-nos Cristo que o cu a recompensa daqueles que so perseguidos por
causa de Deus. De igual modo, imediata a recompensa da alma iluminada que no
revida s injrias recebidas, pois sabe que o cu est sempre presente, em seu interior
como fora dele, mesmo nesta vida. Ele v Deus sob a forma de Atman habitando em seu
corao. V Deus sob a forma de Brahma penetrando todo o universo. Venera a Deus
em cada criatura. As pessoas talvez pensem que o santo perseguido um sofredor. No
percebem que a mente dele, absorta em Deus, transcende a conscincia fsica, e que o
santo superou as tribulaes deste mundo, apesar de ainda viver na terra. Nas palavras
do Bhagavad-Gta:
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Sua mente est morta Para o apeio das coisas exteriores:
Mas vive para A bem-aventurana de Atman.
E porque seu corao conhece Brahma, Sua felicidade perene!
CAPITULOII
OSALDATERRA
Vs sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que se h desalgar? Para nada mais serve, sendo para ser lanado fora e pisado pelos homens.
Na ndia, quando um discpulo busca um mestre, este, antes de mais nada,
procura infundir-lhe confiana em si prprio, e o sentimento de que a fraqueza, a
covardia e o fracasso no fazem parte da sua verdadeira natureza. No segundo livro do
Bhagavad-Gita, quase s primeiras palavras de Sri Krishna a encarnao divina a
Arjuna, lemos: "Que fraqueza essa? Ela est abaixo de voc... Livre-se dessa
covardia!
Assim como voc v o contedo de um armrio de loua atravs de suas
portas de vidro, assim um grande mestre v o ntimo do seu corao. Entretanto, ele no
o condena por suas faltas e fraquezas. Ele conhece a natureza humana. E porque sabe
que, ao sentir-se fraco e deprimido, voc no consegue realizar nada, no pode crescer
espiritualmente ele lhe transmite confiana em si mesmo.
O mestre no enxerga apenas o que voc agora, mas tambm ascapacidades que voc pode desenvolver. H QO alguns anos, um jovem swami,
deixando a ndia para ir pregar na Amrica, procurou o Swami Turiyananda. Quando
este grande discpulo de Sri Ramakrishna se ps a elogiar com nfase o jovem monge,
este protestou: "Senhor, no tenho nenhuma das qualidades com que ests me
elogiando!" Replicou-lhe Turiyananda: "Que sabes sobre ti mesmo? Vejo o que ests
para revelar!" Temos todos o poder de revelar a divindade latente em ns; o mestre,
porm, d-nos confiana em nossa capacidade de faz-lo.
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Ao mesmo tempo, impe-se lembrar a bem-aventurana: "Bem-aventurados
os mansos..." A mansido e a confiana em si mesmo precisam estar juntas. A f que
Cristo incutia em seus discpulos, chamando-os de "sal da terra", no era a f no Eu
inferior, no ego, mas a f no Eu superior, a f no Deus dentro de ns. Com essa f, vem
a auto-submisso, a libertao de todo sentimento do ego.
Sri Ramakrishna ilustrava esta verdade com uma passagem da mitologia
hindu. Contava ele como Radha, a mais ilustre das pastoras, preferida de Sri Krishna,
tornou-se aparentemente assaz egosta. Quando as outras pastoras se queixaram dela,
aconselhou-as Krishna que a interpelassem.
Claro que possuo um ego, disse Radha. Mas, de quem esse ego?
Meu que no , pois tudo o que tenho de Krishna!
Aquele que entrega tudo a Deus, no possui um ego, no sentido comum.
Nem consegue ser vaidoso ou orgulhoso. Tem profunda f no Eu verdadeiro de seu
interior, o qual se torna um com Deus.
As palavras de Jesus: "Sois o sal da terra..." relembra-me outras que meu
mestre costumava citar-nos:
"Vocs tm a graa de Deus, tm a graa do guru (mestre espiritual), e tm
a graa dos devotos; mas, pela falta de uma nica graa, vocs podem perder-se.
Qual essa graa nica? a graa da prpria mente, o desejo de lutar em
prol da perfeio. Se, a despeito de todas aquelas graas que nos tornariam "o sal da
terra", falta-nos a qraa da nossa prpria mente, podemos "ser pisados pelos homens".
Precisamos empenhar-nos arduamente para entregar-nos por inteiro a Deus a fim de
que a divindade que est dentro de ns possa manifestar-se.
Vs sois a luz do mundo. No se pode esconder uma cidade situada sobre
um monte.
Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no
candelabro, e assim ela brilha para todos os que esto na casa.
Um grande mestre espiritual concentra as almas puras sua volta e as
ensina, no apenas por palavras, mas tambm atravs da transmisso efetiva de
espiritualidade. No lhes d simplesmente autoconfiana; ilumina de fato os coraes de
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seus discpulos e converte-os em luz do mundo. Somente aqueles que alcanaram a
iluminao, atravs da unio com a luz que mora no corao de todos, podem tornar-se
a luz do mundo. Somente esses iluminados tm condio de ensinar a humanidade;
somente eles podem dar continuidade mensagem da encarnao divina. Quando Sri
Ramakrishna encontrava algum que desejava pregar a palavra de Deus, perguntava-
lhe: "Voc tem autorizao divina?" Somente quem j viu Deus pode receber sua
autorizao, sua ordem direta para ensinar. A religio se perverte quando ensinada por
pessoas no iluminadas. No bom fiar-se num diploma obtido em escolas de teologia:
os livros no podem dar a iluminao. Pode-se estudar as escrituras, filosofia, histria
pode-se ser versado em teologia, dogmas e doutrinas, e fazer sermes maravilhosos
e, no entanto, permanecer ainda como crianas no que tange vida espiritual. A fim
de transformar a vida das pessoas, preciso primeiro acender a sua prpria candeia.
De acordo com o Vedanta, h dois tipos de conhecimento. O primeiro,
inferior, consiste no conhecimento acadmico, como o das cincias e da filosofia.
Mesmo o conhecimento das escrituras considerado um conhecimento inferior. O
segundo, o conhecimento superior, a percepo imediata de Deus. A pessoa iluminada
por esse conhecimento superior no precisa de informaes enciclopdicas a fim de
discorrer sobre as escrituras: ela ensina a partir da sua experincia interior.
Swami Adbhutananda, discpulo de Ramakrishna, era um desses
iluminados. Entre seus irmos monges, era o nico que no tivera nenhuma educao
formal. Veio at Ramakrishna como um menino de servios, que nem sequer sabia
escrever o prprio nome. Sri Ramakrishna tentou ensinar-lhe o alfabeto bengali, mas
Adbhutananda no conseguia ler corretamente nem a primeira vogai. Entretanto,
estivemos entre os privilegiados que mais tarde o encontraram e viram a sabedoria desse
homem iletrado. Certa feita, alguns jovens monges depararam-se com uma passagemdifcil dos Upanishads, as antigas escrituras dos hindus. Apesar de recorrerem a
inmeros comentrios, no conseguiam captar-lhe o sentido. Por fim, pediram a
Adbhutananda uma explicao. Como o Swami no soubesse snscrito, os jovens
parafrasearam a passagem na lngua verncula. Adbhutananda refletiu um instante,
depois disse: "Entendi!" E usando de um exemplo simples, explanou-lhes a passagem
e eles acharam um sentido maravilhoso nela.
A pessoa que viu Deus no carece de conhecimento acadmico para ensinar
religio. Seu corao foi purificado e iluminado e sua luz se irradia e conforta a todos.
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Ele no precisa sair cata de discpulos. Sri Ramakrishna costumava dizer que, quando
a flor de ltus desabrocha, as abelhas
afluem de toda parte, espontaneamente, em busca do mel. "Faam a ltus
florir!" repetia ele aos discpulos.
Quando um iluminado desse tipo aparece e os aspirantes espirituais se lhe
agrupam em torno, eles no podem deixar de pensar em Deus e de am-lo. Na presena
dessa alma, eles sentem que a manifestao de Deus fcil. Essa foi a minha
experincia aos ps dos discpulos de Sri Ramakrishna. No difcil de entend-lo: no
h mistrio nisso. Quando se visita um advogado, que espcie de pensamentos nos
ocorre? Pensamentos de natureza jurdica. Junto de um mdico, pensamos sobre
doenas e remdios. Tais pensamentos nos vm porque a pessoa com quem estamos
vive nessa atmosfera particular. Assim tambm com o homem santo. Voc pode no
saber nada a respeito dele, mas a prova ser esta: quando se chega sua presena, o
pensamento de Deus nos advm, ainda que a pessoa santa possa estar falando de algo
absolutamente diferente.
Na verdade, preciso ser um buscador da verdade de Deus para que se
tenha essa susceptibilidade atmosfera espiritual. Se no estivermos interessados na
manifestao de Deus, pode o prprio Cristo pr-se a nossa frente para ensinar-nos e
ns no lhe daremos valor nem reconheceremos sua grandeza. Dar-lhe-emos as costas,
como o fez a maioria das pessoas h dois mil anos passados. Mas, se formos aspirantes
da espiritualidade e nos virmos diante de uma alma iluminada, no saberemos fazer
outra coisa seno glorificar a Deus, porque em sua presena sentiremos a presena do
Pai. Era disso que falava Jesus quando disse aos discpulos:
Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que, vendo asvossas boas obras, glorifiquem vosso Pai que est nos cus.
Depois acrescentou:
No penseis que vim revogar a lei ou os profetas, no vim revog-los, mas
dar-lhes pleno cumprimento.
Porque em verdade vos digo que, at que passem o cu e a terra, no ser
omitido um s iota, uma s vrgula da Lei, sem que tudo seja realizado.
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Aquele, portanto, que violar um s destes menores mandamentos e ensinar
os homens a fazerem o mesmo, ser chamado o menor no reino dos cus; aquele,
porm, que os praticar e os ensinar, esse ser chamado grande no reino dos cus.
Jesus fala aqui da misso da encarnao divina, chamada de avatar peloshindus e de Filho de Deus pelos cristos.
O conceito de avatar evoluiu da teoria do Logos, tanto na filosofia ocidental
como na oriental. No Ocidente, os gregos foram os primeiros a desenvolver a teoria do
Logos, lanando uma ponte entre a distncia que separa o homem de Deus, o conhecido
do desconhecido. Nos primrdios, o Logo identifica-se com um ou outro dos elementos
fsicos. Plato definiu o Logos como a finalidade csmica, o Bem supremo ao qual se
submetem todas as idias menores isto , os arqutipos eternos das coisas, das
relaes, das qualidades e dos valores. Mais tarde, os esticos negaram a validade dos
arqutipos platnicos que se situavam alm dos sentidos. Para eles, o princpio da razo
era imanente e atuante no universo. Filo, judeu alexandrino contemporneo de Jesus,
combinou a razo estica com o transcendentalismo de Plato e ligou-os com o
hebrasmo. Afirmou ele que o Logos no s era imanente no universo, como ainda o
transcendia, formando uma unidade com Deus. Autor do quarto Evangelho empregou
depois a teoria do Logos de Filo como base para sua interpretao da vida de Cristo,
dando lhe, porm, nova viso, adequada s necessidades do Cristianismo. Alm de
atribuir personalidade real ao Logos, ele enfatizou no o seu aspecto criador, mas a sua
funo redentora, a sua transmisso de espiritualidade aos homens. Alm disso,
salientou a concepo do Logos como Palavra (Verbo), mais do que razo,
interpretando-o como expresso da vontade divina, efuso da bondade, poder, luz e
amor de Deus. Citando So Joo:
"No princpio era a Palavra e a Palavra estava com Deus e a Palavra era
Deus. No princpio ela estava com Deus... E a Palavra se fez carne, e habitou entre
ns; e ns vimos a sua glria, como a glria do unignito do Pai, cheio de graa e de
verdade.
O Logos, "o unignito do Pai", "se fez carne" em Jesus Cristo.
Nos Vedas (as escrituras mais antigas do mundo), encontramos passagens
quase idnticas sentena de abertura do Evangelho segundo So Joo: "No princpio
era o Senhor das Criaturas: depois dele vinha a Palavra." "A Palavra era na verdade
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Brahma." Segundo os hindus, Brahma, induzido por maya, seu poder criador (base da
mente e da matria), manifesta-se inicialmente como a Palavra eterna no-distinguvel,
a partir da qual se origina depois o mundo concreto e sensvel. Para os hindus, portanto,
a Palavra encarna-se em todos QS seres, cada um dos quais pode manifestar Deus
atravs do poder divino da Palavra. Mas, como So Joo, acreditam os hindus que, num
sentido especial, o Logos se faz carne no avatar sendo este um descendente de Deus,
enquanto o homem comum ascende para Deus.
Entre os conceitos da encarnao divina dos hindus e os dos cristos existe
esta diferena importante: os cristos crem num acontecimento histrico nico, que
Deus se fez carne apenas uma vez e para todo o sempre, na pessoa de
Jesus de Nazar. Mas os hindus acreditam que Deus manifesta-se como
homem muitas vezes, em diferentes tempos e formas.
Em apoio ao seu ponto de vista de que Jesus foi o nico representante de
Deus na terra, os cristos citam com freqncia suas palavras: "Sou o caminho, a
verdade e a vida: ningum chega ao Pai, a no ser por mim." Todavia, quando
estudamos as palavras de outros mestres universais, descobrimos que eles fizeram
afirmaes quase idnticas, declarando-se igualmente como encarnaes da divindade.
Por exemplo, diz Sri Krishna:
"Sou a meta do homem sbio e sou o caminho." "Sou o fim da estrada, a
testemunha, o Senhor, o Sustentculo. Sou o lugar de residncia, o comeo, o amigo e o
refgio." "Os idiotas passam sem ver pelo lugar de minha moradia, aqui sob a forma
humana: e nada sabem de minha grandiosidade que sou o Senhor, a alma deles."
"Enchei vossos coraes de mim, adorai-me, fazei de todos os vossos atos uma oferenda
a mim, curvai-vos a mim em auto-sujeio, Se dessa forma descansardes em mimvossos coraes, e me tomardes por vosso ideal, acima de todos os outros, converter-
vos-eis em meu Ser.
Similarmente, Buda revela-se como o caminho: "Sois meus filhos, sou
vosso pai; atravs de mim vs vos libertastes de vossos sofrimentos. Tendo eu prprio
alcanado a outra margem, ajudo os demais a cruzarem a correnteza; tendo obtido a
salvao, sou um salvador para os outros; tendo sido confortado, conforto os demais e
conduzo-os a lugar seguro." "Meus pensamentos esto sempre na verdade. Vejam! Meu
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eu converteu-se na verdade. Todos quantos compreendem a verdade vero o
Abenoado!
Que devemos fazer? De quem aceitaremos a palavra? De Jesus, de
Krishna ou de Buda? A questo a seguinte: Se tomarmos o "Eu" desses mestres comose referindo a uma mera pessoa histrica, jamais entenderemos suas afirmaes.
preciso saber que quando Jesus, Krishna ou Buda dizem: "Eu", no esto afirmando o
ego, o eu inferior, como as almas ordinariamente corporificadas o fazem. Eles esto
afirmando sua divindade, sua identidade com o Eu universal. Esto nos dizendo que o
Pai, a Divindade, alcanada pela graa do Filho, a encarnao. Para o hindu, as
afirmaes destes avatares no so contraditrias trazem igual verdade, evocadas que
so pela mesma inspirao divina. Por isso o hindu aceita todos os grandes filhos deDeus que so venerados pelas diversas religies.
Evidentemente, a validade dos avatares no se prova pela pretenso deles de
serem a via da iluminao ou salvao. Em primeiro lugar, ela se revela pelo poder que
eles tm de transmitir espiritualidade e de transformar a vida dos homens pelo contato,
pelo olhar ou pela simples vontade. Jesus manifestou esse poder quando soprou sobre os
discpulos e lhes disse: "Recebam o Esprito Santo." Sri Krishna manifestou o mesmo
poder ao dar a Arjuna a viso divina, de tal sorte que o discpulo podia ver a forma
universal de Deus. Em segundo lugar, a validade dos avatares mostra-se pela revelao
de sua divindade na transfigurao. Jesus transfigurou-se diante de Pedro, Tiago e Joo.
Sri Krishna transfigurou-se diante de Arjuna, conforme vem descrito no captulo XI do
Gita. A vida e o Evangelho de Sri Ramakrishna registram exemplos em que o mestre
concretizou a manifestao de Deus aos discpulos pelo toque, e apareceu transfigurado
a vrios devotos, segundo a forma em que concebiam a aparncia de Deus.
Mas, pode-se perguntar: Por que Deus se manifestaria mais de uma vez?
Qual a finalidade disso? A resposta pode ser encontrada na teoria hindu, confirmada
pelai histria, de que a cultura espiritual caminha por ondas, por sucessivos altos e
baixos. Aps a queda da vida espiritual de uma nao, quando a verdade e a justia so
desprezadas e esquecidas, nasce um avatar para reavivar a chama dai religio nos
coraes. Diz Sri Krishna:
Quando a bondade fraqueja,
Quando cresce o mal,
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Torno-me um corpo.
Retorno a cada poca
Para libertar o sagrado,
Para destruir o pecado e o pecador,
Para restabelecer a justia.
Como se fosse para cumprir a promessa de {Sri Krishna, surgiu Buda.
poca do nascimento de Buda, a cultura espiritual na ndia estava em mar baixa; ela
consistia unicamente no cumprimento de rituais e sacrifcios, pois o povo esquecera o
simples fato de que religio antes de tudo uma questo de experincia pessoal.Analogamente, no tempo do advento de Jesus, as exteriorizaes dia f judaica
usurpavam sua verdade interior: ele veio para purificar e reavivar a religio dos judeus.
Assim, de tempos em tempos, impe-se a i encarnao divina, a fim de
restaurar o esprito eterno da religio. Por seu exemplo vivo, a encarnao mostra
humanidade como ela pode ser perfeita, semelhana do Pai no cu. O avatar torna-se
ento o caminho, a verdade e a vida. Entretanto, sempre o mesmo Esprito supremo
que se corporifica no avatar. Deus o nico sem duplicidade. Ele, que veio comoKrishna e Buda, ressurgiu como Cristo e outros avatares: apenas escolhe diferentes
vestes. Para respondei s necessidades particulares de cada poca, a cada nova vinda,
revela Deus uma manifestao caracterstica e renovada da verdade eterna da religio.
Quando um avatar nasce na terra, ele assume o corpo humano com algumas
conseqentes limitaes e privaes, como fome e sede, doena e morte. Mas, seu
advento difere radicalmente do nascimento das almas comuns corporificadas. Nas
palavras de Jesus: "Vs vindes de baixo, eu sou dcima!" Do ponto de vista hindu, as
almas comuns nascem em decorrncia do seu karma (resultado de seus pensamentos e
aes passados). Elas nascem num determinado ambiente, com aptides especficas
ditadas pelos desejos e tendncias por elas criados numa vida anterior. So produtos da
evoluo; esto presas pelos grilhes da ignorncia e vivem sob o fascnio de maya, o
poder oculto de Brahma, que faz a realidade absoluta aparecer como o universo de
mltiplos nomes e formas. So escravos do Prakriti, da natureza primitiva.
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O nascimento de um Krishna, de um Buda ou de um Jesus, entretanto,
resultado de uma escolha livre: no possui ele karmas, nem desejos, nem tendncias
passadas; no est sujeito dominao de maya, mas submete maya sujeio; aparece
sob a forma humana apenas com o fito de fazer o bem, condodo pela humanidade. Diz
Krishna:
Sou o no-nascido,
o que no morre,
Senhor de tudo o que respira.
Parece que nasci:
apenas aparncia,
Apenas o meu maya.
Sou ainda o mestre
De meu Prakriti,
O poder que me faz.
Aquele que conhece
A natureza de minha obra e de meu nascimento
No renasce
Ao deixar este corpo:
Vem para mim.
Comparem-se estas linhas com as palavras da Bblia: "Mas, a todos que o
receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus, mesmo queles que acreditam
em seu nome.
Adorar um Cristo ou um Krishna adorar a Deus. No , porm, adorar um
homem como Deus, adorar uma pessoa. adorar o prprio Deus, a Existncia
impessoal-pessoal na encarnao e atravs dela; ador-la como una com o Esprito
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eterno, transcendente como o Pai e imanente em nossos coraes. Neste contexto, o
testemunho de So Paulo sobre Cristo de importncia relevante. Diz ele:
"Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. E nele
fostes levados plenitude, Ele que a cabea de todo principado e poder.
De igual peso a afirmao de So Joo de que a mesma Palavra que era
"no princpio" e "era Deus" se fez carne em Cristo. Nesta passagem, o autor do quarto
Evangelho relembra-nos que seu mestre no era um mero homem histrico, mas que o
Cristo eterno, um com Deus desde os tempos sem princpio. Este ponto de vista parece
validado por Jesus, ao dizer: "Antes que Abrao existisse, eu sou.
Um hindu, pois, acharia fcil aceitar Cristo como uma encarnao divina eador-lo sem reservas, exatamente como adora Sri Krishna ou outro avatar de sua
escolha. Mas no pode aceitar Cristo como o nico filho de Deus. Os que insistem em
encarar a vida e os ensinamentos de Jesus como nicos, certamente tero grande
dificuldade para compreend-los. Qualquer avatar pode ser muito mais bem entendido
luz de outras grandes vidas e doutrinas. Nenhuma encarnao divina jamais veio para
refutar a religio e a doutrina de outro, e sim para cumprir todas as religies, porque a
verdade de Deus uma verdade eterna. Disse Santo Agostinho:
"Aquilo a que chamamos religio crist existia entre os antigos, e nunca
deixou de existir desde o comeo da raa humana, at que Cristo se fez carne, quando
ento a religio verdadeira, que j existia, comeou a ser chamada de Cristianismo.
Se Jesus, na histria do mundo, tivesse sido a nica fonte geradora da
verdade de Deus, ela no seria a verdade; porque a verdade no pode ser gerada: ela
existe. Mas se Jesus simplesmente revelou e interpretou essa verdade, ento podemos
olhar para os outros que fizeram o mesmo antes dele e da mesma forma o faro depois
dele. E, de fato, medida que lemos os ensinamentos de Jesus, descobrimos que ele
deseja de ns todos que descubramos a verdade: "E conhecereis a verdade, e a verdade
vos libertar." Ele veio como declara no para destruir a verdade eternamente
existente, mas para cumpri-la. Isto ele fez, reafirmando-a, dando-lhe vida nova atravs
de uma apresentao renovada.
Reiteradamente, esquecem os homens que essas apresentaes dasencarnaes divinas visam a revelar-se em suas prprias vidas. Agarram-se por demais
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s palavras, aparncia externa da mensagem do avatar e perdem de vista o esprito
subjacente a ela. Tais so os escribas e os fariseus; os guardies ciumentos de uma
tradio que se tornou obsoleta. Da dizer Cristo:
Com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justia no exceder a dosescribas e a dos fariseus, no entrareis no reino dos cus.
Os escribas e os fariseus esquecem o primeiro mandamento: "Ama o
Senhor teu Deus com todo o teu corao, com toda a tua alma e com toda a tua mente."
So pessoas muito ticas, corretas em seu modo de vida; prendem-se, porm, s formas
e observncias exteriores, o que os leva intolerncia, estreiteza e ao dogmatismo. A
justia que ultrapassa a dos escribas e dos fariseus exatamente o oposto disso. uma
tica que encara a observncia das formas e dos rituais no como um fim em si mesmo,
mas como meios para entrar no reino dos cus.
Deus est alm do bem e do mal relativos. Ele o Bem absoluto. Quando
nos unimos a ele em nossa conscincia, vamos alm da justia relativa. Essa verdade
com freqncia mal compreendida: no significa que devamos desculpar a imoralidade,
pois a tica o fundamento real da espiritualidade. Ao nos iniciarmos na vida espiritual,
preciso que nos abstenhamos conscientemente de fazer mal aos outros; que nos
abstenhamos da mentira, do roubo, do desregramento e da avidez; impe-se que
observemos a pureza fsica e mental, o contentamento, o autocontrole e a lembrana
contnua de Deus.
Mas o desejo de viver uma vida verdadeiramente tica e de praticar as
disciplinas espirituais vem-nos apenas se decidirmos viver o primeiro mandamento
se aprendermos a amar a Deus e a lutar por manifest-lo. Sem este ideal, a moralidade
degenera para o decoro exterior dos escribas e dos fariseus. Se, porm, o primeiromandamento observado, ento o segundo se segue como decorrncia natural. Quando
amamos Deus, precisamos amar nosso prximo como a ns mesmos porque nosso
prximo o nosso prprio eu.
Pela prtica do autocontrole, pela conteno interior das paixes, desenvolvemo-nos
espiritualmente na direo da unio com o Deus absoluto. A pessoa que atinge este
estgio supremo no precisa fazer distino consciente entre o certo e o errado, nem
praticar o autodomnio. A santidade e a pureza tornam-se sua verdadeira natureza. Ela
transcende a justia relativa e entra no reino dos cus.
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Ouvistes o que foi dito aos antigos: No matars. Aquele que matar ser
ru de juzo.
Eu, porm, vos digo: todo aquele que, sem motivo, se encolerizar contra seu
irmo, ser ru de juzo. Aquele que chamar a seu irmo: Raa ser ru do Sindrio.E qualquer que lhe disser: Louco! ser ru do fogo do inferno.
No basta observar o mandamento: "No matars!" Mesmo o pensamento
de matar, de odiar, to mortal quanto o prprio ato. Podemos achar que no importa o
que pensemos desde que ajamos corretamente. Mas, quando chega a hora da provao,
acabamos por trair-nos, porque os pensamentos controlam os atos. Na hora da provao,
se nossas mentes esto cheias de dio, esse dio se traduzir em atos de violncia, de
destruio, de morte. Postar-nos no plpito e falarmos sobre o amor no nos ajudar;
no acabar com a guerra e com a crueldade se faltar amor em nossos coraes. O
amor no vir a ns simplesmente porque dizemos que o possumos, ou porque
procuramos impressionar os outros com a doura aparente de nossas naturezas. Ele
ocorrer somente quando tivermos controlado interiormente nossas paixes e tivermos
dominado nosso ego. Ento o amor divino crescer em ns e, com ele, o amor aos
nossos semelhantes. Mas o amor de Deus conquista-se com a autodisciplina, que
deixamos de pr em prtica. Esquecemo-nos da finalidade da vida: a percepo e a
viso de Deus. Esta a nossa real dificuldade e por isso que, quando Jesus nos pede
que amemos nossos inimigos, somos incapazes de obedecer-lhe, mesmo que o
queiramos. No sabemos como fazer.
No podemos amar a Deus e odiar nosso prximo. Se, de fato, amamos a
Deus, ns o encontraremos em todos; assim, como podemos odiar algum? Se
prejudicamos algum, prejudicamos a ns prprios; se ajudamos algum, ajudamos a
ns prprios. Todos os sentimentos de separao, de exclusivismo e de dio no so
apenas moralmente errados so tambm ignorncia, porque negam a existncia da
Divindade onipotente.
Portanto, se estiveres para trazer a tua oferta ao altar e ali te lembrar de
que o teu irmo tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta diante do altar e vai
primeiro reconciliar-te com o teu irmo; e depois vem e apresenta a tua oferta.
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Concilia-te depressa com o teu adversrio, enquanto ests com ele no
caminho, para no acontecer que o adversrio te entregue ao juiz, e o juiz te entregue
ao oficial e, assim, te encerrem na priso.
Em verdade te digo que de maneira alguma sairs dali enquanto nopagares o ltimo ceitil.
At que alcancemos efetivamente a unio com Deus, claro que
absolutamente natural a ocorrncia de disputas e desentendimentos entre ns e os
outros. preciso, porm, que no deixemos o ressentimento permanecer em ns; caso
contrrio, ele nos corroer os coraes como um cncer. Cristo que, como todos os
mestres verdadeiramente espirituais, era grande psiclogo, ensinou que devemos
reconciliar-nos o mais cedo possvel com nosso irmo, antes de oferecermos nossa
oferenda a Deus. Todos quantos tenham praticado a meditao compreendero
imediatamente quo profundo este ensinamento.
Suponha que algum o tenha ofendido e que voc se irritou. Ao comear a
meditar, o que acontece? A orao e a meditao concentram a mente e intensificam as
emoes. Conseqentemente, o montculo de irritao converte-se numa montanha de
raiva. Voc comea a imaginar coisas terrveis sobre a pessoa que o ofendeu. Voc
acaba por sentir-se incapaz de meditar e de rezar, incapaz de achegar-se de Deus,
enquanto no se reconciliar sinceramente com seu irmo. S h um meio de sentir-se
sinceramente reconciliado: procurar ver Deus em todos os seres e am-lo neles todos. Se
voc se irritou com seu irmo, reze por ele como voc o faz por voc mesmo; reze para
que ambos possam crescer no entendimento e na devoo a Deus. Logo voc alcanar
a espiritualidade. Mas, se guardar a raiva no corao, voc ferir tanto a si mesmo
quanto a seu Irmo.
Ensina-se no Budismo e no Vedanta que dever do homem rezar pelos
outros antes de rezar por si mesmo. Pede-se que mandemos um pensamento de boa-
vontade a todos os seres antes de nos oferecermos a Deus. Semelhante prtica um
estgio significativo na conquista do amor ao nosso prximo e a Deus.
"Concilia-te depressa com o teu adversrio, enquanto ests com ele no
caminho..." Cristo est nos ensinando que no podemos perder tempo e energia em
discusses e ressentimentos, mas que devemos refazer-nos to rapidamente quanto
possvel no pensamento de Deus. Perceber Deus eis o nosso propsito de vida;
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portanto, preciso que procuremos manter-nos conscientes dele com poucas
interrupes e que elas sejam as menores possveis. "Joga fora todas as conversaes
inteis" dizem-nos os Upanishads. "Conhece apenas a Atman. O desejo de discutir
e de brigar um sinal do ego. Se desejarmos encontrar Deus, precisaremos eliminar o
ego e humilhar-nos no diante de nosso adversrio, mas diante do Deus que est
dentro dele. No te submetas jamais a um adversrio poderoso por temeres a
conseqncia de desagrad-lo; isso seria covardia. Faze distino, porm, entre
princpios e opinies. Diz um ditado hindu: "Dize, 'sim, sim' para todos, mas conserva
firme a tua posio!" No te comprometas com ideais e princpios. Mas, em se tratando
de opinies, aprecia pontos de vista diferentes dos teus, e aceita-os quando valerem a
pena. Swami Turiyananda dizia:
'Teimosia no fora. A teimosia apenas mascara a prpria fraqueza.
Forte quem flexvel como o ao e no quebra. Forte quem pode viver em harmonia
com muitas pessoas e pode dar ateno a opinies que no sejam as suas.
Se fores intolerante com as opinies alheias e insistires teimosamente em
teres teu prprio jeito de ser, sofrers as conseqncias at que "tenhas pago o ltimo
ceitil".
Ouvistes o que foi dito aos antigos: No cometers adultrio.
Eu, porm, vos digo: Todo aquele que atentar numa mulher para a cobiar
j cometeu adultrio com ela em seu corao.
Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e lana-o para
longe de ti, pois prefervel que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu
corpo lanado no inferno.
E se a tua mo direita te escandalizar, corta-a e lana-a para longe de ti,
pois prefervel que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo
lanado no inferno.
Foi dito: Qualquer que deixar a sua mulher, d-lhe uma carta de divrcio.
Eu, porm, vos digo: Todo aquele que repudia a sua mulher, a no ser por
motivo de fornicao, faz que ela cometa adultrio; e qualquer que casar com arepudiada comete adultrio.
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Neste ponto, Jesus est falando da necessidade do autodomnio, do
controle mental das paixes, particularmente da luxria. Apenas abster-se das aes
lascivas no basta; os pensamentos lascivos tambm precisam ser contidos.
Existem, por certo, muitos mestres que diriam: "Sim, concordamos; umrefreamento interior das paixes , sem dvida, necessrio. Nossos jovens precisam
empregar o autocontrole." Entretanto, pouqussimos dentre estes mestres saberiam
responder por que o autocontrole necessrio. por isso que os jovens de hoje os
questionam, e chegam mesmo a supor que os mestres odeiam o prazer pelo prprio
prazer, porque so velhos demais para dele participarem. que importa o que fazemos",
diz o jovem, "se no ofendemos ningum mais?" Quanto a isto esto sendo
perfeitamente honestos e sinceros.
De nada adianta dizer-lhes que os prazeres so maus, ou que errado ser
feliz, porque eles jamais acreditaro: o instinto lhes diz que estamos mentindo. Quando
falamos sobre o pecado, eles se mostram indiferentes. Mas, se pararmos de cham-los
de pecadores, e comearmos a falar-lhes que Deus est dentro de cada um deles; se
sustentarmos o ideal da percepo de Deus, mostrando-lhes que a batalha pela
autodisciplina dura, mas estimulante, como o treino para os atletas; se lhes
mostrarmos que, dissipando-se, privam-se a si mesmos da maior alegria da vida, alegria
muitssimo maior do que todos os seus prazeres mundanos estaremos ento falando
uma linguagem que eles podem entender. Talvez sejam cticos, mas alguns deles pelo
menos desejaro tentar a vida espiritual por conta prpria.
O ideal da continncia tem sido to mal-apresentado nos Estados Unidos
que quase todos o encaram como algo negativo, como um "no seja". No seja
incontinente, dizem as igrejas: isso pecado! Dessa forma, para a grande maioria, que
instintivamente odeia os "no", a idia de continncia tornou-se um desestmulo,
associando-se represso, tristeza e covardia; ao passo que o conceito de
incontinncia torna-se cada vez mais atraente, associando-se liberdade, alegria e
coragem. Esse mal-entendido terrvel e destrutivo, se no for corrigido, acabar por
envenenar a vida de toda a sociedade. A menos que os rapazes e as moas aprendam a
ligao existente entre a continncia e a vida espiritual, gastaro gradualmente suas
foras, perdero a possibilidade de crescimento espiritual e, com ela, toda a criatividade
genuna, toda a conscincia efetiva.
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Continncia no represso; ela acumula energia e dirige essa energia para
melhores usos. No um fim em si, mas um meio indispensvel para conter a mente
contra paixes dispersivas e mant-la na conscientizao de Deus. A energia sexual
controlada converte-se em energia espiritual. Para aquele que se mantm continente, o
crescimento espiritual vem de forma rpida e fcil.
Muita gente pensa que, sendo continente, perde o maior prazer que o mundo
pode oferecer; mas um fato curioso que, na realidade, no perde coisa alguma.
medida que a energia sexual conservada e se transforma, as pessoas encontram um
prazer novo e muito mais intenso, que cresce dentro delas; e esta a alegria de se
alcanar cada vez mais intimamente a unio com Deus.
No Bhagavad-Gta, o estado da mente do homem autocontrolado vem
descrito da seguinte forma:
A gua corre continuamente para o oceano.
Mas o oceano jamais se descontrola:
O desejo aflui na mente do vidente, Mas ele jamais se descontrola.
O vidente conhece a paz:
O homem que incita a prpria concupiscncia Jamais conhecer a paz.
S conhece a paz quem esqueceu o desejo.
Este vive sem avidez:
Livre do ego, livre do orgulho.
A pessoa mundana pode pensar que a paz do vidente como a quietude da
sepultura. Ao contrrio trata-se de uma experincia de alegria suprema e permanente,
comparada qual as satisfaes passageiras, provadas na vida sensvel, parecem
inspidas e sem importncia. Se desejamos encontrar felicidade e paz duradouras,
precisamos voltar-nos para Deus. Quanto mais nos devotarmos a ele, mais o desejo da
satisfao dos sentidos nos abandonar e a castidade e as outras virtudes
desabrocharo naturalmente em nossas vidas.
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A continncia completa e perptua para aqueles que tm uma dedicao
especial a Deus, como o fizeram os discpulos do Cristo. Eram monges e seu mestre
treinava-os a fim de que se convertessem em doutrinadores de homens. Portanto, ele
empregava palavras incisivas para recordar-lhes que deviam preservar a continncia do
pensamento, da palavra e da ao. Para eles, era importante arrancar todos os desejos da
mente e renunciar a todos os motivos de tentao. Mas, porque Cristo sabia que seu
ensinamento de renncia total no podia ser observado universalmente, ele acrescentou:
"Nem todos so capazes de compreender essa palavra, mas s aqueles a
quem concedido. Com efeito, h eunucos que nasceram assim, desde o ventre
materno. E h eunucos que foram feitos eunucos pelos homens. E h eunucos que se
fizeram eunucos por causa do reino dos cus. Quem tiver capacidade paracompreender, compreenda.
A luxria est na mente e carece de ser vencida pelo controle da mente, no,
porm, de forma negativa. Alimentar pensamentos lascivos, enquanto se observa uma
continncia no exterior isso no autocontrole. Isso no passa de represso. E no
estimular a pessoa a purificar a mente; apenas enfraquece o corpo. O verdadeiro
autodomnio ou controle interior alcanado somente quando as pessoas se
transformam em eunucos, "por causa do reino dos cus"; se praticam a continncia
porque sabem que os prazeres mundanos so inspidos e vazios, comparados alegria
de Deus.
Ouvistes tambm que foi dito aos antigos: No perjurars, mas cumprirs
os teus juramentos para com o Senhor.
Eu, porm, vos digo: No jureis em hiptese alguma: nem pelo cu, porque
o trono de Deus; nem pela terra, porque o escabelo dos seus ps; nem porJerusalm, porque a cidade do grande Rei.
Nem jurars pela tua cabea, porque no tens o poder de tornar um cabelo
branco ou preto.
Seja, porm, o vosso falar: Sim, sim; No, no; porque o que passa disso
vem do maligno.
Sri Ramakrishna costumava dizer que Deus sorri em duas ocasies. Sorri,
quando dois irmos repartem a terra entre si, dizendo: "Este lado pertence a mim, e
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aquele a voc Ele sorri, dizendo a si mesmo: "Este universo todo meu; e eles dizem a
respeito de um pedacinho da terra este lado me pertence, e aquele te pertence'." Deus
volta a sorrir quando o mdico diz me que chora, face doena grave de sua criana:
"No se preocupe. Vou curar sua criana." mdico no se d conta de que ningum pode
salvar a criana, se Deus desejar que ela morra.
Na passagem acima, Cristo nos diz a mesma coisa. Apesar de no poder
tornar "um fio de cabelo branco ou preto", em sua ignorncia o homem pensa que pode
faz-lo.
Afirma seu eg