O projeto, construção e desempenho de
barragens de aterro com geossintéticos
João Diogo de Sousa Figueira
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Civil
Orientadores: Doutora Laura Maria Mello Saraiva Caldeira
Doutor Emanuel José Leandro Maranha das Neves
Júri
Presidente: Doutor Jaime Alberto dos Santos
Orientador: Doutor Emanuel José Leandro Maranha das Neves
Vogal: Doutora Maria da Graça Dias Alfaro Lopes
Outubro de 2014
Agradecimentos
A elaboração desta dissertação, e todo o trabalho que lhe foi inerente, não foi feito apenas e só pelo autor. Houve
toda uma série de circunstâncias em que a cooperação, união e suporte foram cruciais no seu processo. Como tal, é de
enfatizar que o autor não é só um, mas sim um grupo de pessoas e entidades que foram muito importantes para a sua
realização e permitiram manter o autor num caminho de prosperidade e sucesso. A esse grupo o autor sente-se na
obrigação de demonstrar e expressar o seu profundo agradecimento.
À Doutora Laura Caldeira, professora orientadora, pela sua mestria, compreensão e suporte nas várias reuniões
de última hora e pela sua incansável maneira de trabalhar. Foi responsável pela revisão exaustiva do presente trabalho e
permitiu ao autor a obtenção de várias capacidades, não só ao nível do desenvolvimento do tema da tese como também a
nível laboral e profissional.
Ao Doutor Emanuel Maranha das Neves, professor coorientador, pela sua simpatia e contribuição na orientação
da dissertação. Obrigado pelos seus ensinamentos, incentivo e partilha.
Ao Instituto Superior Técnico e ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil por terem proporcionado esta
experiência. Especialmente ao LNEC pela possibilidade de ter trabalhado num projeto específico e com aplicabilidade.
O autor deseja ainda enfatizar a colaboração indireta de um conjunto de pessoas que, apesar de indiretamente,
fizeram toda a diferença.
Á minha família por todo o suporte e incentivo, por toda a compreensão e dedicação à causa que demonstraram.
Aos Enygmatic Crew pela exuberância de sentimentos que fazem explodir no autor que permitiu descomprimir e
continuar o seu percurso. Pela união da segunda família que fez esquecer todas as pedras ultrapassadas.
À Letícia Abreu por todo percurso percorrido em conjunto...
À Margarida Costa pelos inúmeros telefonemas e conversas de horas, cheias de palavras de admiração e
incentivo que fizeram toda a diferença.
Á Maria José Peixoto pelo companheirismo no gabinete, a entreajuda e persistência que sem dúvida tiveram
influência no desenvolvimento do presente trabalho.
Por fim, ao André Mariano pela companhia e confiança nas capacidades do autor.
Resumo
Este projeto final de curso tem como cerne principal as soluções de impermeabilização de
barragens de aterro recorrendo a geossintéticos. É percorrido um caminho marcado pela evolução do
conhecimento e pelo aprofundamento das questões envolvidas com as soluções em questão,
acabando com um efetivo dimensionamento aplicado a um caso real.
Foram estudados variados aspetos gerais sobre barragens e os seus vários tipos, conceitos
base dos geossintéticos e as suas várias aplicações. Conhecimentos estes obtidos ao longo da história
da humanidade, maioritariamente, no último século e enfatizado nos últimos anos devido a pressões de
variadas origens: a explosão demográfica e as suas crescentes necessidades, questões ambientais,
novas regulamentações e novas tecnologias, entre outras. É de extrema necessidade uma
dinamização concisa e clara desta área e uma educação eficaz dos projetistas de barragens.
O que é um sistema de impermeabilização de barragens com geossintéticos? Esta e outras
inúmeras questões são desmistificadas, esclarecendo conceitos e procedimentos.
Todo o conhecimento abordado será posto em prática num caso real de uma barragem na ilha
da Madeira, Portugal. Será feito o seu pré-dimensionamento pelo método do equilíbrio limite e,
posteriormente, será feita uma análise recorrendo ao método dos elementos finitos. Esta última análise
servirá para corroborar o pré-dimensionamento, analisar o estado de tensão-deformação da barragem
ao longo da sua construção e durante o seu primeiro enchimento e, ainda, tirar elações sobre as
consequências de eventuais defeitos na geomembrana.
Pela informação reunida e pelas análises elaboradas pode-se concluir que os GSS constituem
soluções válidas e tecnicamente adequadas para a impermeabilização de barragens. No entanto, estas
soluções pintam-se de uma relutância em relação ao seu uso devido à falta de informação e de
experiência. Apresentam-se como ótimas soluções alternativas quando equacionadas.
Palavras-chave: barragem de aterro, geossintéticos, geomembranas, impermeabilização, projeto de
barragem.
Abstract
The principal theme of this final project is the geomembrane sealing systems on embankment
dams. It’s taken a path where we can see the evolution of the knowledge and it’s marked by the
continuously deepening of the questions of these systems, finishing the present work with an effective
design of a real case of an embankment dam.
It’s analyzed general considerations on dams and their different types, basic concepts of
geosynthetics and their different applications, these knowledge has been obtained mostly on the last
century with a certain emphasis in these last decades due to pressures from various origins: the
demographic explosion and its needs, environmental matters, new laws and regulations and, even, new
technologies. An effective dynamization of this solutions is needed and a correct formation of the dam
designers.
What is a geomembrane sealing system? This and other questions are demystified on this
project as well as new concepts and procedures.
All this accumulated knowledge is put into practice in a real case of an embankment dam in
Madeira Island, Portugal. The preliminary design is done using the limit equilibrium method and then it’s
made an analysis with finite elements method (FEM). This last analysis consists in obtaining the stress-
deformation state of the structure of all the construction phases and during the first filling of the
reservoir, to ensure that the preliminary design is right. The FEM is also used to study the
consequences of defects on the geomembrane.
By all the information reunited and analysis made, we can conclude that GSS solutions are valid
and technically suitable to grant imperviousness to a dam. On the other hand, these solutions are
impregnated with lack of information and experience. They consist in very good alternative solutions
when considered.
Key-words: embankment dams, geosynthetics, geomembranes, waterproofing, leakage control, dam
project
I
Índice
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................................... 1
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................................................................................... 1
1.2 OBJETIVO DA DISSERTAÇÃO ................................................................................................................................................... 1
1.3 METODOLOGIA E ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO .................................................................................................................. 2
2. ESTADO DA ARTE ............................................................................................................................................................... 4
2.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ........................................................................................................................................... 4
2.2 BARRAGENS DE ATERRO ........................................................................................................................................................ 4
2.2.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS _________________________________________________________________ 4
2.2.2 ESTRUTURA DA BARRAGEM ______________________________________________________________________ 5
2.2.3 ESCOLHA DA SOLUÇÃO__________________________________________________________________________ 8
2.2.4 ACIDENTES __________________________________________________________________________________ 8
2.3 GEOSSINTÉTICOS ................................................................................................................................................................... 9
2.3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS _________________________________________________________________ 9
2.3.2 SITUAÇÃO ATUAL ______________________________________________________________________________ 9
2.3.3 GEOTÊXTEIS ________________________________________________________________________________ 10
2.3.4 GEOMEMBRANAS _____________________________________________________________________________ 11
2.3.5 GEOREDE __________________________________________________________________________________ 12
2.4 BARRAGENS DE ATERRO COM GEOSSINTÉTICOS ..................................................................................................................... 13
2.4.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ________________________________________________________________ 13
2.4.2 RESUMO HISTÓRICO __________________________________________________________________________ 13
2.4.3 VANTAGENS DE UM GSS _______________________________________________________________________ 15
2.4.4 CRITÉRIOS DE PROJETO DE NOVAS BARRAGENS_______________________________________________________ 16
2.4.4.1 Tipos de sistemas em barragens de aterro ____________________________________________________ 16
2.4.4.2 Sistema exposto na face de montante ________________________________________________________ 17
2.4.4.3 Sistema coberto na face de montante ________________________________________________________ 22
2.4.4.4 Sistema interno __________________________________________________________________________ 24
2.4.5 CRITÉRIOS DE PROJETO PARA REABILITAÇÃO DE BARRAGENS _____________________________________________ 26
2.5 CRITÉRIOS DE PROJETO DE UM GSS ...................................................................................................................................... 27
2.5.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ________________________________________________________________ 27
2.5.2 CRITÉRIOS DE DESEMPENHO DE GEOSSINTÉTICOS DE IMPERMEABILIZAÇÃO ___________________________________ 27
2.5.3 DIMENSIONAMENTO ___________________________________________________________________________ 28
2.5.3.1 Escolha da geomembrana _________________________________________________________________ 29
2.5.3.2 Escolha do sistema _______________________________________________________________________ 32
II
2.5.3.3 Análise de estabilidade do sistema ___________________________________________________________ 33
2.5.3.4 Vala de ancoragem _______________________________________________________________________ 37
2.5.3.5 Conceito de segurança ____________________________________________________________________ 40
2.5.4 PORMENORES CONSTRUTIVOS ___________________________________________________________________ 41
3. BARRAGEM DO PICO DA URZE: CARATERÍSTICAS E PRÉ-DIMENSIONAMENTO .................................................... 44
3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ......................................................................................................................................... 44
3.2 DESCRIÇÃO DO PROJETO ...................................................................................................................................................... 44
3.2.1 INFORMAÇÃO GERAL __________________________________________________________________________ 44
3.2.2 ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO-GEOTÉCNICO ________________________________________________________ 46
3.2.3 CARATERIZAÇÃO DOS SOLOS E ENROCAMENTOS ______________________________________________________ 49
3.3 PRÉ-DIMENSIONAMENTO ....................................................................................................................................................... 51
3.3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ________________________________________________________________ 51
3.3.2 COBERTURA ________________________________________________________________________________ 52
3.3.3 ESCOLHA DO GSS ____________________________________________________________________________ 57
3.3.4 ESTUDO DE ESTABILIDADE DO SISTEMA NO PARAMENTO _________________________________________________ 57
3.3.5 ESTUDO DA ESTABILIDADE DO SISTEMA NO FUNDO DA ALBUFEIRA __________________________________________ 64
3.3.6 ESTUDO DE ESTABILIDADE DOS PARAMENTOS DO RESERVATÓRIO __________________________________________ 65
3.3.7 PERFIL TRANSVERSAL TIPO DA BARRAGEM PRÉ-DIMENSIONADO ___________________________________________ 67
4. ESTUDO DO DIMENSIONAMENTO DO GSS .................................................................................................................... 69
4.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ......................................................................................................................................... 69
4.2 ANÁLISE TENSÃO-DEFORMAÇÃO ........................................................................................................................................... 69
4.2.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ________________________________________________________________ 69
4.2.2 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA ______________________________________________________________________ 69
4.2.3 CÁLCULOS EFETUADOS ________________________________________________________________________ 71
4.2.3.1 Análise da fase de construção ______________________________________________________________ 71
4.2.3.2 Análise do primeiro enchimento _____________________________________________________________ 72
4.2.4 RESULTADOS _______________________________________________________________________________ 72
4.2.4.1 Resultados da fase de construção ___________________________________________________________ 72
4.2.4.2 Resultados do primeiro enchimento __________________________________________________________ 74
4.3 ESTUDO DE PERCOLAÇÃO ..................................................................................................................................................... 76
4.3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ________________________________________________________________ 76
4.3.2 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA ______________________________________________________________________ 77
4.3.3 ANÁLISE DE PERCOLAÇÃO ______________________________________________________________________ 78
4.3.4 RESULTADOS _______________________________________________________________________________ 79
5. CONCLUSÕES FINAIS E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS .......................................................................................... 83
III
5.1 CONCLUSÕES FINAIS ............................................................................................................................................................. 83
5.2 DESENVOLVIMENTOS FUTUROS.............................................................................................................................................. 85
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................................................... 86
ANEXOS .................................................................................................................................................................................. 88
ANEXO I – PERFIL TRANSVERSAL TIPO DA BARRAGEM DO PICO DA URZE ...................................................................................... 88
ANEXO II – PORMENOR DA ANCORAGEM DO GSS ........................................................................................................................ 88
I
Índice de Figuras
Figura 1: Barragem de Nurek, Tajiquistão, 1980 (Bussiness Insider, s/d). ................................................................................ 4
Figura 2: Barragem de Santa Clara, Portugal (adaptado de CNPGB, s/d). ............................................................................... 6
Figura 3: Barragem de Alijó, Portugal (adaptado de CNPGB, s/d). ........................................................................................... 6
Figura 4: Barragem de Paradela, Portugal (adaptado de CNPGB, s/d). .................................................................................... 6
Figura 5: Barragem de Beliche, Portugal (adaptado de CNPGB, s/d). ...................................................................................... 7
Figura 6: Geotêxtil tecido (G&S del Perú, s/d). ........................................................................................................................ 10
Figura 7: Geomembrana de PVC (Lagos & Cia, s/d). .............................................................................................................. 11
Figura 8: Georede em conjunto com um geotêxtil (SG borracha, s/d). .................................................................................... 12
Figura 9: Sistema externo exposto com galeria de drenagem e impermeabilização (adaptado de ICOLD, 2010). ................ 18
Figura 10: Sistema externo exposto com geomembrana a montante (adaptado de ICOLD, 2010). ....................................... 18
Figura 11: Sistema externo exposto com incorporação da ensecadeira (adaptado de ICOLD, 2010). ................................... 18
Figura 12: Sistema externo exposto num alteamento de uma barragem (adaptado de ICOLD, 2010). .................................. 19
Figura 13: Sistema GSS exposto (adaptado de ICOLD, 2010). ............................................................................................... 19
Figura 14: Ancoragem superficial em linha (adaptado de ICOLD, 2010). ................................................................................ 20
Figura 15: Exemplo de ancoragem periférica do tipo inserção (adaptado de ICOLD, 2010). .................................................. 21
Figura 16: Ancoragem periférica com contrapeso (adaptado de ICOLD, 2010). ..................................................................... 21
Figura 17: Sistema exposto parcialmente coberto (adaptado de ICOLD, 2010). ..................................................................... 22
Figura 18: Sistema exposto totalmente coberto (adaptado de ICOLD, 2010). ........................................................................ 22
Figura 19: GSS coberto (adaptado de ICOLD, 2010). ............................................................................................................. 23
Figura 20: Sistema interno inclinado (adaptado de ICOLD, 2010). .......................................................................................... 24
Figura 21: Sistema interno vertical (adaptado de ICOLD, 2010). ............................................................................................ 24
Figura 22: Sistema interno quasi-vertical (adaptado de ICOLD, 2010). ................................................................................... 25
Figura 23: Sistema interno quasi-vertical com zig zag de menores dimensões (adaptado de ICOLD, 2010). ........................ 25
Figura 24: GSS na reabilitação de uma barragem de enrocamento com cortina a montante (adaptado de ICOLD, 2010). ... 26
Figura 25: Comportamento tensão-deformação de geomembranas de diferentes materiais poliméricos (adaptado de Cazzuffi
& Rigo, 1991) ........................................................................................................................................................................... 30
Figura 26: Modelo de dimensionamento da espessura de geomembranas (adaptado de Koerner, 2005). ............................ 31
Figura 27: Dimensionamento da espessura da camada de drenagem no tardoz do GSS. ..................................................... 33
Figura 28: Problemas de estabilidade de GSS (adaptado de Gourc et al., 2004). .................................................................. 34
Figura 29: Análise das forças intervenientes no mecanismo de deslizamento (adaptado de ICOLD, 2010) .......................... 35
Figura 30: Dimensionamento da ancoragem por prolongamento da geomembrana (adaptado de Koerner, 2005). ............... 38
Figura 31: Dimensionamento da vala de ancoragem (adaptado de Koerner, 2005). .............................................................. 39
Figura 32: Tipos de ligações: a) por extrusão; b) por fusão; c) por fusão química e d) por adesivos químicos (adaptado de
Koerner, 2005). ........................................................................................................................................................................ 43
Figura 33: Área de estudo na ilha da Madeira (MECASOLOS, 2014) ..................................................................................... 44
Figura 34: Localização específica da barragem do Pico da Urze (MECASOLOS, 2014). ....................................................... 45
Figura 35: Fusos granulométricos dos materiais da barragem e da sua fundação (MECASOLOS, 2014). ............................ 46
Figura 36: Blocos rochosos encontrados na zona da albufeira (MECASOLOS, 2014). .......................................................... 48
II
Figura 37: Afloramento basáltico encontrado na zona de escavação da albufeira (MECASOLOS, 2014). ............................. 48
Figura 38: Afloramento de rocha na Bica da Cana (MECASOLOS, 2014). ............................................................................. 49
Figura 39: Ensaio triaxial vs. tensão deviatórica a uma tensão de confinamento de 300 kPa (MECASOLOS, 2014). ........... 51
Figura 40: Envolvente da transformada da Mohr (MECASOLOS, 2014). ................................................................................ 51
Figura 41: Cálculo geométrico do fetch efetivo (Fell et al., 2005). ........................................................................................... 53
Figura 42: Cálculo geométrico do fetch efetivo ........................................................................................................................ 53
Figura 43: Altura significativa da onda, Hs (Fell et al., 2005). .................................................................................................. 55
Figura 44: Período da onda, T (Fell et al., 2005). .................................................................................................................... 55
Figura 45: Correção do comprimento horizontal da ancoragem. ............................................................................................. 63
Figura 46: Sistemas de ancoragens possíveis em sistemas expostos (Giroud et al., 1999). .................................................. 65
Figura 47: Análise de estabilidade pelo método de equilíbrio limite com superfície de escorregamento circular (Guerra,
2008). ....................................................................................................................................................................................... 66
Figura 48: Análise realizada em Geostudios para inclinação de 1:1,2 do paramento de jusante da barragem. ..................... 66
Figura 49: Análise realizada em Geostudios para inclinação de 1:3 do talude em escavação da albufeira. ........................... 67
Figura 50: Perfil tipo da barragem com o pré-dimensionamento realizado. ............................................................................. 68
Figura 51: Pormenor da ancoragem do sistema de geossintéticos. ........................................................................................ 68
Figura 52: Geometria do modelo numérico em análise. .......................................................................................................... 70
Figura 53: Malha de elementos finitos. .................................................................................................................................... 71
Figura 54: Diagrama de assentamentos incrementais da fase 8 da construção do aterro. ..................................................... 73
Figura 55: Diagrama de assentamentos incrementais na fase final da construção do aterro. ................................................ 73
Figura 56: Assentamentos totais ao longo do perfil vertical considerado. ............................................................................... 74
Figura 57: Diagrama de assentamentos verticais verificados no final do primeiro enchimento do reservatório. ..................... 74
Figura 58: Diagrama de assentamentos horizontais verificados no final do primeiro enchimento do reservatório.................. 75
Figura 59: Assentamentos verticais do coroamento na fase de primeiro enchimento. ............................................................ 76
Figura 60: Deslocamentos totais no GSS na fase de primeiro enchimento. ............................................................................ 76
Figura 61: Influência da sucção matricial no coeficiente de permeabilidade do enrocamento. ............................................... 77
Figura 62: Malha de elementos finitos para o estudo de percolação. ...................................................................................... 78
Figura 63: Condições de fronteira da análise de percolação. .................................................................................................. 78
Figura 64: Redes de fluxo com os defeitos por ordem crescente de profundidade. ................................................................ 80
Figura 65: Redes de fluxo no estudo de dispersão dos defeitos. ............................................................................................ 82
III
Índice de Tabelas
Tabela 1: Recomendações para a inclinação do paramento de montante com GSS (Adaptado de ICOLD, 1991). ............... 27
Tabela 2: Algumas vantagens e desvantagens de geomembranas de PEAD e de PVC (adaptado de Lavoie, 2006). .......... 29
Tabela 3: Estudos do ângulo de atrito em interfaces geomembrana de PVC – solo (Williams & Houlihan,1987). ................. 36
Tabela 4: Estudos do ângulo de atrito solo arenoso - geossintético (Koerner, 2005). ............................................................. 36
Tabela 5: Estudos do ângulo de atrito geotêxtil – geomembrana (Koerner, 2005). ................................................................. 37
Tabela 6: Coeficientes parciais de segurança para majoração de ações (LNEC, 2010). ........................................................ 41
Tabela 7: Coeficientes parciais de segurança para a minoração das propriedades dos materiais (LNEC, 2010). ................. 41
Tabela 8: Coeficientes parciais de segurança para a minoração das resistências (LNEC, 2010). .......................................... 41
Tabela 9: Zonamento geotécnico da fundação da barragem do Pico da Urze (MECASOLOS, 2014). ................................... 47
Tabela 10: Síntese dos resultados obtidos nas sondagens da fundação da barragem (MECASOLOS, 2014). ..................... 47
Tabela 11: Cálculo do Fetch efetivo. ........................................................................................................................................ 54
Tabela 12: Coeficiente de correção da velocidade do vento (Fell et al., 2005). ...................................................................... 54
Tabela 13: Valores corrigidos da velocidade do vento. ............................................................................................................ 54
Tabela 14: Valores caraterizadores da onda. .......................................................................................................................... 55
Tabela 15: Resultados finais do dimensionamento da cobertura. ........................................................................................... 56
Tabela 16: Cálculo da folga. ..................................................................................................................................................... 56
Tabela 17: Dados para a análise de estabilidade do GSS. ...................................................................................................... 58
Tabela 18: Análise preliminar de estabilidade do sistema no paramento da barragem. .......................................................... 58
Tabela 19: Cálculo da tensão nos geossintéticos na solução A. ............................................................................................. 59
Tabela 20: Cálculo da tensão nos geossintéticos na solução B. ............................................................................................. 59
Tabela 21: Comprimento de ancoragem para a solução A com as três espessuras diferentes da cobertura de ancoragem. 60
Tabela 22: Comprimento da vala de ancoragem para a solução A com as três espessuras diferentes da cobertura. ........... 61
Tabela 23: Quadro resumo dos valores obtidos para a inclinação de 1:1,5. ........................................................................... 61
Tabela 24: Quadro resumo dos valores obtidos para a inclinação de 1:1,75. ......................................................................... 62
Tabela 25 Quadro resumo dos valores obtidos para a inclinação de 1:2. ............................................................................... 62
Tabela 26: Análise preliminar da estabilidade do sistema no fundo da albufeira. ................................................................... 65
Tabela 27: Caraterísticas dos materiais para a análise de estabilidade dos taludes. .............................................................. 66
Tabela 28: Definição das caraterísticas dos materiais. ............................................................................................................ 69
Tabela 29: Assentamentos incrementais verticais registados em cada etapa de construção ................................................. 72
Tabela 30: Coeficientes de permeabilidade dos materiais. ...................................................................................................... 78
Tabela 31: Caudais resultantes dos vários defeitos considerados na geomembrana. ............................................................ 80
Tabela 32: Caudais resultantes da análise de dispersão dos defeitos. ................................................................................... 81
IV
Lista de Acrónimos
& E
° Graus
Ʃ Somatório
% Percentagem
“ Polegadas
Ângulo da geomembrana (método de dimensionamento da espessura da geomembrana)
Ângulo do talude da barragem
Ângulo de atrito de interface
ΔH Assentamento generalizado
CL/GTX Ângulo de atrito da interface entre a cobertura e o geotêxtil
’CL/GTX Ângulo de cálculo de atrito da interface entre a cobertura e o geotêxtil
GTX/GMB Ângulo de atrito da interface entre o geotêxtil e a geomembrana
’GTX/GMB Ângulo de cálculo de atrito da interface entre o geotêxtil e a geomembrana
’GTX/FUNDAÇÃO Ângulo de cálculo de atrito da interface entre o geotêxtil e a fundação
GMB/SL Ângulo de atrito da interface entre a geomembrana e o subleito
’GMB/SL Ângulo de cálculo de atrito da interface entre a geomembrana e o subleito
L Ângulo de atrito da interface inferior do geossintético
U Ângulo de atrito da interface superior do geossintético
Deformação
’ Ângulo de atrito interno do material
’k Ângulo caraterístico de atrito interno do material
’d Ângulo de cálculo de atrito interno do material
AT Peso volúmico do aterro
CS Peso volúmico da camada de cobertura
r Peso volúmico do riprap
w Peso volúmico da água
Número Pi
Resistência à tração
Tensão normal
max Tensão máxima de tração da geomembrana
n Tensão normal
Coeficiente de poisson
ai Ângulo do segmento de reta (Cálculo do Fetch)
c Coesão
cm Centímetros
V
cos Cosseno
dAT Profundidade da vala de ancoragem
dcs Espessura da camada de cobertura
D Altura média da barragem
D50 Diâmetro médio
D100 Diâmetro máximo
et al. Designação de dois ou mais autores
Eoed Módulo edométrico
F1 Força devido ao atrito de interface
F2 Força devido ao atrito de interface
F3 Força devido ao atrito de interface
F4 Força devido ao atrito de interface
F5 Força devido ao atrito de interface
Fe Fetch efetivo
FL Força de atrito da parte inferior da interface devido ao peso da cobertura
FLT Força de atrito da parte inferior da interface devido à tensão na geomembrana
FU Força de atrito da parte superior da interface
Fx Força horizontal
g/m2 Gramas por metro quadrado
hm3 Hectómetros cúbicos
H Altura de cálculo da onda
Hs Altura significativa da onda
k Coeficiente de condutividade hidráulica
k Coeficiente de permeabilidade da camada de cobertura
kg Quilogramas
kg/m2 Quilogramas por metro quadrado
kg/m3 Quilogramas por metro cúbico
kN Quilonewtons
kN/m Quilonewtons por metro
km Quilómetros
km/h Quilómetros por metro
kPa Quilopascal
K Coeficiente de forma
KA Coeficiente de impulso ativo
KP Coeficiente de impulso passivo
KRR Coeficiente de estabilidade
l/s Litros por segundo
L Comprimento de onda
LRO Comprimento horizontal de ancoragem
LP Espessura da camada de drenagem
VI
n Número de subcamadas da cobertura
N Força normal
m Metros
m2 Metros quadrados
m3 Metros cúbicos
m/s Metros por segundo
m3/s Metros cúbicos por segundo
milhas/h Milhas por segundo
mm Milímetros
mm2 Milímetros quadrados
MPa Megapascais
q Caudal por metro de desenvolvimento do paramento
Q Caudal
PA Impulso ativo
PP Impulso passivo
r Espessura da camada da cobertura
R Espraiamento da ondulação gerada pelo vento
Rd Resistência de cálculo
s Segundos
s/d Sem data
sen Seno
sen2 Seno ao quadrado
sin Seno
S Sobrelevação do nível da albufeira devido à maré de vento
Sd Ação de cálculo
Sr Rácio entre pesos volúmicos
Tensão de corte
t Espessura da geomembrana
T Tensão de tração na geomembrana
T Período da onda
Tx Componente horizontal da tensão da geomembrana
tg Tangente
u Pressão da água
Velocidade máxima do fluxo de água
V:H Inclinação dada pela medida na vertical e depois na horizontal
x Distância de mobilização da resistência
xi Comprimento do segmento de reta (cálculo do fetch)
W Peso
VII
Lista de Abreviaturas
AC1 Abordagem de Cálculo 1
AC2 Abordagem de Cálculo 2
AC3 Abordagem de Cálculo 3
CFRD Concrete Face Rockfill Dam
CL Cobertura
CNPGB Comissão Nacional Portuguesa de Grandes Barragens
CU Consolidado não drenado
EC7 Eurocódigo 7
EQU Estado limite de Equilíbrio
EUA Estados Unidos da América
FST Stress Cracking
GEO Estado limite Geológico
GMB Geomembrana
GSS Geomembrane Sealing System
GTX Geotêxtil
HYD Estado limite Hidráulico
ICOLD International Commission Of Large Dams
INAG Instituto Nacional da Água
IST Instituto Superior Técnico
LNEC Laboratório Nacional de Engenharia Civil
LREC Laboratório Regional de Engenharia Civil
NMC Nível de Máximo Cheia
NME Nível Máximo de Exploração
NMN Nível Máximo Normal
NPA Nível de Pleno Armazenamento
PE Polietileno
PEAD Polietileno de Alta Densidade
PEBD Polietileno de Baixa Densidade
PEC Polietileno Clorado
PECS Polietileno Clorossulfonado
PP Polipropileno
PVC Polivinil de Cloro
REC Percentagem de recuperação
RQD Rock Quality Designation
S.A Sociedade Anónima
SPT Standard Penetration Test
STR Estado limite último Estrutural
UL Universidade de Lisboa
VIII
UPL Estado limite de perda de equilíbrio por subpressão
W Grau de alteração
ZG Zona geotécnica
1
1. Introdução
1.1 Considerações Iniciais
A presente dissertação tem como área de incidência a engenharia de barragens sendo particularizada para os
sistemas de impermeabilização de barragens recorrendo a geossintéticos. O tema foi escolhido e guiado pela motivação e
profundo interesse na simbiose entre duas grandes áreas da engenharia, a hidráulica e a geotecnia. O fascínio pelo mundo
dos geossintéticos foi crescendo e sido desenvolvido ao longo do presente trabalho. A descoberta desta área trouxe
inúmeras informações e possibilidades novas. A interligação de todas estas grandes áreas é espelhada e analisada neste
projeto.
Os conhecimentos adquiridos são aplicados ao projeto da barragem do Pico da Urze. A barragem de enrocamento
em questão está projetada com uma cortina de geossintéticos para a sua impermeabilização. O projeto suscitou o interesse
de um estudo mais detalhado da sua cortina devido às suas especificidades. Como tal, os dados do projeto servirão de
base para o dimensionamento que será feito nesta dissertação.
1.2 Objetivo da Dissertação
Esta dissertação surge da necessidade de uma dinamização e divulgação das soluções de geossintéticos para a
impermeabilização de barragens. Esta tecnologia já não é recente e tem sido muito utilizada pelo mundo fora. Tem havido
grandes avanços na investigação desta área, principalmente, nos últimos 50 anos. O recurso a soluções deste tipo tem sido
cada vez mais frequente e enfatizado pelo sucesso demonstrado em obras em fase de exploração. Começa a haver
informação importante disponível e projetos de todo o tipo, desde novas barragens de aterro, como reabilitações em
barragens aterro ou de betão.
De acordo com dados da Comissão Internacional de Grandes Barragens (ICOLD, 2008), desde 2000 existem
cerca de 50 mil grandes barragens em exploração, sendo a sua maioria barragens de aterro (43,7%). Estes números
permitem concluir ser grande a necessidade de novas tecnologias de otimização da funcionalidade de barragens. Apesar
desta tecnologia não ser recente, ainda existem algumas reservas que, por vezes, impedem o recurso a soluções
diferentes. É urgente uma divulgação cuidada e concisa aos projetistas de barragens para que se consiga desmistificar as
várias questões envolvidas com o uso de geossintéticos.
Esta dissertação vai de encontro a essa necessidade e tem como objetivo a revisão crítica e divulgação técnica
deste tipo de soluções, apresentando soluções de dimensionamento e comparando-as com as soluções usadas
tradicionalmente.
O segundo objetivo do presente trabalho é o de servir de ponte entre a teoria e a prática, envolvendo a conceção
de um projeto real com o recurso a estas soluções de geossintéticos para a impermeabilização da barragem, fazendo-se
assim a aplicação dos métodos de dimensionamento aprendidos e analisados.
2
1.3 Metodologia e Organização da Dissertação
A dissertação apresenta o percurso de aprendizagem e de investigação que foi realizado. Começa por uma
exaustiva pesquisa de informação relevante para o tema com o objetivo de adquirir uma base sólida de conhecimento
referente às soluções de geossintéticos aplicadas em barragens, pretendendo-se, entender os conceitos base das
barragens de aterro e dos geossintéticos. Seguidamente, analisa-se e estuda-se as soluções de geossintéticos em
barragens de aterro, os seus conceitos e problemas. Comparam-se as soluções e desenvolvem-se procedimentos para a
sua seleção e o seu dimensionamento, tendo em conta critérios de desempenho.
Após a base teórica inicia-se a componente prática da dissertação. Procedeu-se à descrição do projeto a
desenvolver e aplicou-se os métodos de pré-dimensionamento descritos na base teórica exposta. Por fim, aplicou-se o
método de elementos finitos para validar o pré-dimensionamento e para poder tirar algumas conclusões sobre o
dimensionamento deste tipo de sistemas. Juntamente com as conclusões, são propostos temas para investigações futuras
que incidam no tema.
A dissertação está organizada por vários capítulos, sendo estes diferenciados em função do tema que abordam e
do objetivo que apresentam:
O primeiro capítulo, intitulado Introdução, consiste na apresentação da dissertação, situando-a, dando-lhe um
propósito e descrevendo a metodologia usada e a sua organização.
O capítulo 2 compreende toda a revisão bibliográfica realizada para a correta execução da dissertação, tendo
como título Estado da Arte. Este serve o propósito de fazer a introdução à problemática, apresentando todos os
conhecimentos base que são necessários para o seguimento lógico do projeto. É dividido em 5 grandes
subcapítulos, sendo o primeiro, Considerações introdutórias, uma introdução ao próprio capítulo, fazendo um
pequeno resumo do que vai ser tratado. No segundo, com o título Barragens de aterro, é feita uma descrição geral
sobre barragens, em que se indicam os diferentes tipos de estrutura e os acidentes mais críticos na sua fase de
exploração. O terceiro subcapítulo apresenta uma descrição geral sobre os geossintéticos e, em especial, os
geossintéticos mais utilizados em barragens de aterro, tendo portanto o título Geossintéticos. Barragens com
geossintéticos é o título do quarto subcapítulo, fazendo a junção das áreas apresentadas nos dois subcapítulos
antecedentes. É nesta parte da dissertação que se introduz a problemática que serve de propósito à realização
desta dissertação, fazendo uma introdução histórica do uso destas soluções. São seguidamente apresentadas as
soluções possíveis e faz-se a sua comparação com as soluções convencionais. Esta parte da dissertação culmina
com o quinto subcapítulo, Critérios de projeto de um GSS, em que se discute os critérios de desempenho, a sua
escolha e o dimensionamento dos vários geossintéticos tendo em conta a segurança ao deslizamento. No final,
são analisados vários pormenores construtivos, desde o fabrico das geomembranas até à fase de exploração.
É no capítulo 3 que se começa a introduzir o projeto da barragem do Pico da Urze, sendo chamado de Barragem
do Pico da Urze: caraterísticas e pré-dimensionamento. É feita a descrição do projeto com todas as suas
especificidades e a caraterização dos solos e enrocamento envolvidos. É também realizado o pré-
3
dimensionamento da cortina de geossintéticos a incorporar na barragem. Conclui-se com a apresentação do perfil
transversal tipo, já pré-dimensionado, e pronto para servir de base ao estudo final a ser realizado no capítulo 4.
É no quarto capítulo que é culminado o estudo realizado à barragem do Pico da Urze, com a designação Estudo
do dimensionamento do GSS. Recorre-se ao método de elementos finitos para se proceder à análise de tensão-
deformação da barragem, na fase de construção e na fase de primeiro enchimento. Procede-se ainda a uma
análise de sensibilidade da percolação resultante de um defeito na geomembrana. Este capítulo serve para se
poder retirar conclusões mais concisas em relação ao dimensionamento da cortina de geossintéticos.
Por fim, Conclusões finais e desenvolvimentos futuros é o quinto e último capítulo da presente dissertação. Como
o próprio nome indica, neste capítulo são resumidas as conclusões retiradas da dissertação e formuladas algumas
questões ainda por resolver, deixando caminho para futuras investigações.
4
2. Estado da Arte
2.1 Considerações introdutórias
O recurso a estruturas de retenção de água é frequente, ao longo da história da humanidade, e não é um
fenómeno recente. Estas estruturas foram e são consideradas fundamentais no processo de adaptação da civilização
humana ao meio ambiente e no aumento da sua qualidade de vida. Recentemente o recurso a barragens tem sido
aumentado, especialmente pela crescente procura de água, tendo havido grandes avanços tecnológicos nos últimos 50
anos (Caldeira & Ramos, 2001). Estas estruturas comportam muitas questões ambientais, decisões políticas, vantagens e
inconvenientes, tanto sociais como económicos. O risco da sua rotura é, atualmente, uma grande preocupação para a
sociedade. Como tal, é necessário e deveras justificado todo o investimento no desenvolvimento tecnológico e no controlo
de segurança dado que as consequências de rotura são incomportáveis.
Muitos esforços têm sido feitos no sentido de otimizar o projeto e o desempenho das barragens. Especialmente no
caso das de aterro, estas soluções têm passado também pela otimização do seu sistema de impermeabilização. Uma
solução muito utilizada recentemente e com grandes repercussões nesta área é o uso de geossintéticos. Descreve-se, ao
longo deste capítulo, o que é uma barragem de aterro, o que são os geossintéticos e a sua conjugação.
2.2 Barragens de Aterro
2.2.1 Considerações introdutórias
Uma barragem consiste numa estrutura antropogénica, num curso natural de água, com o intuito essencial de a
reter e armazenar. Limita a albufeira criada pela estrutura em si, chamada de corpo da barragem e sua fundação, e é
constituída ainda por um conjunto de órgãos hidráulicos que garantem a sua segurança, permitindo a transposição de um
caudal controlado. Na Figura 1 pode-se conferir a grande dimensão destas estruturas, a qual apresenta a barragem de
Nurek, contruída em 1980, que é hoje a barragem mais alta do mundo, com 300 m.
Figura 1: Barragem de Nurek, Tajiquistão, 1980 (Bussiness Insider, s/d).
5
As barragens são construídas com o objetivo de regular o caudal do curso de água e de armazenar água. Muitas
vezes recorre-se a estas estruturas para o controlo de cheias. O armazenamento tem muitos usos, como o de garantir
caudal suficiente para a produção de energia, a captação de água, e o armazenamento de rejeitados, entre outros.
Os vários tipos de barragens surgem quando se pensa na sua estrutura e nos seus materiais constituintes.
Existem essencialmente dois tipos de barragens quanto ao material constituinte: as de betão e alvenaria e as de aterro,
podendo existir barragens mistas, que têm uma parte em betão e parte em aterro, e ainda barragens não convencionais,
como as de madeira e as de muro de gabiões.
As barragens de aterro, abordadas em detalhe nesta dissertação, detêm uma relevância bastante grande.
Segundo dados da ICOLD, estas representam, aproximadamente, 75% de todas as barragens existentes. São constituídas
essencialmente por solo e por enrocamento, podendo ser classificadas como: barragens de terra, de enrocamento ou de
terra enrocamento. Estas podem recorrer a uma diversidade enorme de solos naturais. Devido aos materiais que as
constituem, são conferidas à sua estrutura características de grande ductilidade, podendo sofrer grandes deformações sem
ocorrer rotura. Por outro lado, possuem uma grande relação base/altura quando comparadas com os outros tipos de
barragens, conferindo-lhes uma maior estabilidade relativamente ao deslizamento. Estes dois motivos fazem com que este
tipo de estruturas seja o mais recomendado no caso dos terrenos de fundação de características brandas, permeáveis ou
compressíveis. Isto deve-se ao facto de que pela sua grande base, as tensões transmitidas às fundações são menores e o
trajeto de percolação nos terrenos de fundação é necessariamente mais longo. As barragens de aterro são as
recomendadas também quando os vales são mais abertos ou largos e quando o custo de materiais como o betão é muito
mais elevado (Caldeira & Ramos, 2001).
A otimização destas estruturas passa pelo uso de materiais, de diferentes granulometrias, tornando o seu
comportamento muito complexo. Por estes motivos, o estudo da interação da estrutura da barragem e suas fundações com
a água é de grande importância. Designadamente, as barragens construídas por materiais permeáveis têm que ser
complementadas com um dispositivo que assegure a estanquidade. Outra questão muito relevante é o fenómeno de erosão
interna (descrito mais à frente na secção 2.2.4), muitas vezes verificado nestas estruturas, mais relevante no caso de
barragens de terra, de terra e enrocamento ou nas respetivas fundações. Estes problemas têm que ser resolvidos na fase
de projeto, nomeadamente, no estudo da estrutura da própria barragem e das suas fundações.
2.2.2 Estrutura da Barragem
O perfil da estrutura depende de muitos aspetos como as características da fundação, a altura da barragem, os
seus materiais constituintes, a utilização da própria barragem, entre outros. O projeto da estrutura de uma barragem de
aterro tem que ter em conta o controlo da percolação de modo a garantir a sua estabilidade, com a verificação dos critérios
de filtros para que não ocorra erosão interna. As barragens de aterro podem apresentar diversos perfis, satisfazendo todos
os requisitos para que apresente um comportamento adequado. As de terra podem ser de perfil homogéneo ou de perfil
zonado. As de enrocamento tanto podem apresentar os seus dispositivos de estanquidade na face de montante como no
seu interior. Por último, as barragens de terra e enrocamento apresentam dois maciços diferenciados, um de terra e outro
de enrocamento. As quatro figuras seguintes retratam as estruturas referidas em Portugal. A Figura 2 apresenta no perfil da
barragem de terra homogénea de Santa Clara. A Figura 3 refere-se à estrutura da barragem zonada de Alijó. A Figura 4
evidencia a estrutura de enrocamento com uma cortina impermeável na face de montante da barragem de Paradela. Por
6
último, a estrutura da barragem de terra e enrocamento portuguesa de Beliche (núcleo argiloso e maciços estabilizadores de
enrocamento) está representada na Figura 5.
Figura 2: Barragem de Santa Clara, Portugal (adaptado de CNPGB, s/d).
Figura 3: Barragem de Alijó, Portugal (adaptado de CNPGB, s/d).
Figura 4: Barragem de Paradela, Portugal (adaptado de CNPGB, s/d).
1 2
1
2
1 2
1 – Corpo da barragem
2 – Dreno de pé de jusante
1 – Núcleo Argiloso
2 – Maciços estabilizadores
3 – Filtro
4 – Tapete drenante
5 – Dreno de pé de jusante
1 – Enrocamento
2 – Cortina a montante
3
4
5
7
Figura 5: Barragem de Beliche, Portugal (adaptado de CNPGB, s/d).
As barragens de perfil homogéneo são constituídas, essencialmente, por um material, geralmente, argilas,
misturas de argilas, areias argilosas, argilas arenosas ou até solos mais permeáveis. Neste tipo de perfil de barragem, toda
a sua estrutura serve para controlar a percolação. Com a experiência, foram-se introduzindo dispositivos especiais para o
controlo de percolação, como os drenos de pé de jusante (como se viu na Figura 2), os tapetes drenantes e os drenos
verticais, ou seja, zonas de maior permeabilidade para encaminhar o escoamento. Este tipo de estrutura é pouco
recomendado para grandes barragens, excetuando os casos em que já se incorporam drenos verticais ou inclinados.
O perfil zonado nas estruturas das barragens surgiu devido à indisponibilidade de materiais com caraterísticas
essencialmente homogéneas, uma vez que na construção destes órgãos de retenção de água é envolvido um enorme
volume de aterro. É feita a distinção entre o núcleo que é constituído por solos de caraterísticas adequadas de
permeabilidade, e os maciços estabilizadores de materiais que apresentam boas caraterísticas de resistência. Esta
diferença de comportamento requerido é conseguida, muitas vezes, a partir de diferentes teores em água e energias de
compactação.
Já no caso das barragens de enrocamento, como o seu material constituinte é grosseiro e com uma quantidade
diminuta de finos, a barragem tem uma grande capacidade drenante o que faz com que não haja qualquer desenvolvimento
de pressões intersticiais. Pelas suas caraterísticas drenantes, este tipo de barragens tem que possuir um órgão
complementar de estanquidade. Podem diferir pelo tipo de cortina impermeável usada ou pelo local onde esta se encontra.
No exemplo dado na Figura 4, na construção da barragem de Paradela recorreu-se a uma cortina a montante de betão
armado (CFRD – concrete face rockfill dam). Esta solução também pode ser obtida com uma cortina estanque de betão no
interior da barragem, servindo de núcleo. A cortina pode ser constituída por diversos materiais para além do betão
convencional, como o betão betuminoso, lâminas de aço ou ainda por geomembranas.
Na Figura 5 pode-se verificar um último tipo de estrutura, as barragens de terra enrocamento. Neste tipo de
estruturas, a barreira impermeável é o núcleo em solo, constituído pelos mesmos materiais de que são feitas as barragens
de terra homogénea. De modo a controlar a erosão interna, são colocados filtros adjacentes ao núcleo. Uma variante a esta
solução aparece quando se coloca o núcleo numa posição inclinada, próximo à face de montante. Esta solução faz com que
diminua a quantidade necessária de solo para o núcleo e permite uma construção faseada.
1 – Núcleo argiloso
2 – Enrocamento nos maciços
estabilizadores
3 – Filtros
4 – Dreno horizontal
5 – Ensecadeira
1 2
3
4
5
8
2.2.3 Escolha da solução
A decisão relativa à escolha da solução a adotar envolve muitos fatores. A construção de uma barragem envolve
estudos económicos, sociais e ambientais. A escolha do tipo de barragem e a sua estrutura está intrinsecamente ligada
com, essencialmente, questões económicas, técnicas e ambientais. Vai ser muito afetada pelos condicionantes de natureza
física presentes no local escolhido para a sua construção. A morfologia do vale na zona selecionada para a sua construção
pode ter um efeito decisivo aquando da tomada de decisão. Por exemplo, em vales com declives muito acentuados, por
falta de espaço de circulação de equipamentos, é preferível uma solução com um zonamento simples. A localização das
zonas de empréstimo também pode condicionar tanto a escolha do local de construção como a escolha do tipo de barragem
(Caldeira & Ramos, 2001).
Em relação à escolha específica do tipo de barragem a construir, a forma como o gradiente hidráulico é controlado
é de extrema importância. As questões de impermeabilização e de drenagem do corpo da barragem e da respetiva
fundação são determinantes. Deve-se ter especial atenção a casos em que a fundação é demasiado permeável, podendo
provocar erosão interna. Os materiais a utilizar na construção têm que estar perto. Por exemplo, quando não se dispõe da
quantidade suficiente de solos adequados para uma barragem de terra, optar-se-ia por uma de enrocamento com um
sistema de impermeabilização apropriado, se houvesse material disponível suficiente.
As barragens de aterro são as mais usadas nos casos em que os vales apresentam uma topografia menos
acentuada, vales mais largos e/ou com fundações de características menos nobres. O seu perfil-tipo pode ser afetado pela
heterogeneidade da fundação, determinando a posição do núcleo ou do sistema de impermeabilização e as respetivas
dimensões.
2.2.4 Acidentes
Apesar da probabilidade de rotura ter vindo a sofrer uma acentuada diminuição ao longo do tempo, é necessário
analisar os erros anteriores para os evitar. As principais causas de rotura das barragens de aterro são: galgamento, erosão
interna e percolação excessiva, tanto no corpo da barragem como na fundação, e, por último, perda de estabilidade de
taludes (Caldeira & Ramos 2001).
O galgamento é preocupante neste tipo de barragens porque, quando persistente, provoca a erosão do paramento
de jusante, podendo levar à formação de uma brecha, através da qual a barragem rompe. O fenómeno de galgamento
deve-se, essencialmente, a problemas no descarregador ou a folga insuficiente provocada por assentamentos não
expetáveis do coroamento.
A erosão tubular consiste num fenómeno, em que através do escoamento da água, se dá o arrastamento de finos,
com a formação de pequenos tubos, que vão progredindo no sentido de montante e aumentando de dimensões.
Posteriormente, é formada uma brecha e ocorre a inevitável rotura. Esta ocorrência não é de fácil deteção, até mesmo num
estado já avançado. Este fenómeno e a percolação excessiva podem ser causados, principalmente, pelo recurso a
procedimentos inadequados aquando do seu projeto e sua construção, pela dificuldade de compactação em zonas de
interface com estruturas rígidas, por exemplo, com descarregadores, e, podem ser originados por deficiência do sistema de
impermeabilização. Um bom exemplo foi o que aconteceu na barragem de Tunbridge, na Austrália, em 2005.
9
A perda de estabilidade de taludes de barragens ocorre, essencialmente, devido a erros no seu projeto ou ao
desrespeito pelo mesmo. Deve-se, essencialmente ao aumento da solicitação nos taludes da barragem ou à redução da
sua resistência. O aumento da solicitação pode ser provocado por acumulação de neve e de materiais sólidos provenientes
do curso de água, atividade sísmica, pela construção de taludes mais íngremes, entre outros. Já a redução de resistência
pode ser consequência da alteração dos materiais presentes no corpo e na fundação da barragem devido ao intemperismo:
redução da coesão ou do ângulo de atrito (Rezende, 2013). A rotura provocada pela ação sísmica foi, até hoje, verificada
apenas nas de aterros hidráulicos (tecnologia não usada atualmente). Verifica-se um bom comportamento aos sismos nas
que são projetadas e construídas segundo os métodos e critérios atuais.
Especial atenção deve ser dada ao dimensionamento de filtros e de drenos e também nos fenómenos de
liquefação verificados, principalmente, em barragens construídas sobre fundações de materiais arenosos.
2.3 Geossintéticos
2.3.1 Considerações introdutórias
A experiência vem já sendo bastante vasta na utilização de geossintéticos em aplicações na Geotecnia.
Geossintético consiste, essencialmente, num produto, sintético, produzido a partir de materiais poliméricos. É muito usado,
atualmente, em aeroportos, rodovias, ferrovias, estruturas de contenção, aterros, barragens e reservatórios. Este recente
material da engenharia tem sofrido uma grande explosão na sua utilização nas mais variadas aplicações devido: às suas
caraterísticas geomecânicas, ao facto de ser manufaturado (controlo de qualidade assegurado) e à sua forte expansão ao
nível do mercado e indústria (Koerner, 2005).
O presente texto pretende explicar e analisar o papel deste material em barragens de aterro, especificando as
suas aplicações, a forma como é produzido e de que material é constituído, entre outras caraterísticas.
2.3.2 Situação Atual
A tentativa de melhoramento dos solos e do seu comportamento nas suas variadas utilizações em estruturas
antropogénicas vem já de há muitos séculos atrás. Muitos esforços foram sendo feitos para que esse melhoramento seja
executado da melhor maneira possível e de uma forma económica. A construção de barragens envolve, geralmente,
volumes apreciáveis de solo, fazendo com que os aspetos económicos pesem bastante, enfatizando a necessidade de
exploração de alternativas mais económicas, seguras e ambientalmente aceitáveis. O material polimérico em questão
começou a ser utilizado e desenvolvido no início do século XX, nos anos 20 e 30 com o desenvolvimento de um processo
aceitável para o fabrico de policloreto de vinil (PVC) e sua comercialização iniciou-se em 1927. Num estado, a que devido
ao atual conhecimento pode-se chamar de bastante embrionário, foram-se dando os primeiros passos e conhecendo o seu
comportamento nas suas várias vertentes de aplicação. Com tempo foram-se descobrindo outros polímeros, novas funções
e vários campos de aplicação.
Este material materializa-se de várias formas e com vários propósitos. Hoje são produzidos geotêxteis,
geomembranas, georedes, geogrelhas, geoespumas e geocompósitos, entre outros. Estes produtos têm como principais
funções, nas suas aplicações, as de: separador, reforço, dreno, filtro e elemento de contenção. São utilizados
10
principalmente com dois objetivos: o de melhorar o desempenho da estrutura em que estão a ser utilizados e o de
constituírem soluções mais económicas quando comparadas com as soluções tradicionais. O crescimento do mercado
deste tipo material é considerável, tomando valores como 10% de crescimento no setor da Geotecnia e 15% no setor de
Hidráulica (Koerner, 2005).
No caso específico das barragens são, essencialmente, utilizados geotêxteis, geomembranas e por vezes também
georedes. Havendo sempre a possibilidade de se usar um geocompósito em que se trata de um conjunto de dois ou mais
geossintéticos com determinadas caraterísticas de aderência entre eles.
2.3.3 Geotêxteis
Os geotêxteis são o grupo de geossintéticos que mais evoluiu e cresceu, juntamente com as geomembranas.
Consistem num material têxtil não composto por materiais convencionais, como o algodão ou a seda, constituído por um
material polimérico, podendo provir de várias fontes. As suas características são muito apreciáveis, sem grandes problemas
de biodegradação e consequente de alta durabilidade, o que não se verifica no caso dos têxteis convencionais. As suas
fibras podem ser trabalhadas para produzir um geotêxtil tecido (Figura 6) com um caráter flexível e com um determinado
grau de abertura de poros, ou podem ser emaranhadas e juntas de uma maneira aleatória, constituindo assim um geotêxtil
não tecido. Estes produtos são os que mais aplicações têm dentro dos geossintéticos, mas acabam sempre por
desempenhar um dos papéis seguintes: separação, reforço ou proteção, filtragem e drenagem. Há conhecimento da sua
utilização nos Estados Unidos da América (EUA) no fim dos anos 50, no tardoz de paredões costeiros, isto é, em soluções
de controlo de erosão interna. Nos anos 60, em França, foram utilizados geotêxteis não tecidos noutras aplicações, em ruas
não pavimentadas, em aterros e em barragens de aterro, entre outros.
Figura 6: Geotêxtil tecido (G&S del Perú, s/d).
Devido à sua grande importância neste mercado, muitos tipos de materiais poliméricos, tipos de fibras e tipos de
fabrico foram desenvolvidos para aplicações específicas ou versáteis quanto à sua utilização. Estima-se que no ano de
2000 o volume de vendas de geotêxteis nos EUA e na Europa tenha sido por volta dos 440 milhões de m2 (Koerner, 2005).
O tipo de polímero mais utilizado é o polipropileno (PP - 92%), mas também pode ser utilizado o polyester (5%), o polietileno
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(PE - 3%) e o nylon (2%). As suas diferenças residem, essencialmente, no seu comportamento à água, no seu peso
volúmico e no seu ponto de ebulição.
No caso específico das barragens, este tipo de geossintético tem muitas aplicações entre as quais de:
separação: entre camadas de diferentes características num aterro rodoviário, entre outros;
proteção/reforço: para prevenir o punçoamento de geomembranas, para conter os solos da barragem suportando
as forças horizontais que se geram nos taludes, entre outros;
fltragem: na substituição de filtros convencionais de solos granulares, usado em conjunto com geocompósitos
para impedir a intrusão de finos, entre outros;
drenagem: como dreno no tardoz de uma geomembrana, entre outros;
2.3.4 Geomembranas
Este produto é o geossintético mais importante na área das barragens. Consiste numa camada impermeável de
material polimérico anisotrópico, de espessura relativamente pequena (Figura 7) com o objetivo primário de servir de
elemento de retenção de líquidos ou de gases. As primeiras geomembranas eram constituídas por borracha butílica ou
outros polímeros de borracha termofixos. Com o desenvolvimento do mercado e do conhecimento, começou-se a usar os
termoplásticos, que por definição, quando aquecidos, tornam-se maleáveis, altamente viscosos, voltando às suas
caraterísticas iniciais quando o aquecimento cessa. Este facto faz com que este produto seja facilmente ligado entre si se
aquecido, formando assim um plano contínuo (Koerner, 2005).
As geomembranas são feitas a partir de muitos polímeros. O mais utilizado nas suas várias aplicações é o PE, em
segundo vem o PVC (o mais utilizado no que toca a barragens de aterro) e ainda outros menos utilizados, como o PP,
polímeros elastoméricos, entre outros. Podem também ser utilizadas geomembranas betuminosas prefabricadas ou
moldadas “in loco”. A produção de uma geomembrana tem ainda a adição de alguns aditivos, como, por exemplo,
antioxidantes, lubrificantes e plastificantes. O seu fabrico pode ser feito por três métodos distintos: por extrusão, por
calandragem e ainda pelo processo chamado de revestimento por espalhamento (spread coating).
Figura 7: Geomembrana de PVC (Lagos & Cia, s/d).
12
Este produto geossintético é utilizado, essencialmente, pela sua grande impermeabilidade. As geomembranas
também podem ser usadas como separador entre materiais diferentes. No caso específico das barragens, podem ser
usadas como:
sistemas de impermeabilização em barragens de aterro;
revestimento em descarregadores de emergência;
controladores de caudais em obras de contenção temporária como ensecadeiras;
As geomembranas são utilizadas em inúmeras situações. Estão presentes tanto em projetos de alta tecnologia,
em túneis sob pressão e canais com água a alta velocidade, como em projetos mais simples, como reservatórios (Koerner,
2005).
2.3.5 Georede
As geogrede consistem num produto produzido a partir do material polimérico. São formadas pela extrusão
contínua de séries paralelas de polímeros, sobrepostas e cruzadas em ângulos agudos e/ou retos, formando uma estrutura
em grelha (como se pode verificar na Figura 8). As georedes são quase sempre usadas apenas em camadas de drenagem.
O primeiro caso em que se usou este material foi, em 1984, num sistema de revestimento duplo de um reservatório de
resíduos líquidos perigosos. As georedes são utilizadas sempre em conjunto com geotêxteis ou geomembranas para não
permitir a intrusão do solo no seu interior, o que faz com que diminua a sua capacidade drenante. Isto é, é utilizado sempre
como se fosse um geocompósito. Quase todas as georedes são feitas de PE (Koerner, 2005). No caso específico das
barragens, estes produtos podem ser utilizados para:
drenar a água que conseguiu passar através de uma geomembrana, evitando o seu aprisionamento, de forma a
diminuir o risco de levantamento do sistema (uplifting);
detetar vazamentos/escoamentos em sistemas duplos de revestimento.
Figura 8: Georede em conjunto com um geotêxtil (SG borracha, s/d).
13
2.4 Barragens de aterro com geossintéticos
2.4.1 Considerações introdutórias
Uma solução de uma barragem de aterro com o recurso a geossintéticos passa pela adoção deste tipo de material
num sistema de selagem (Geomembrane Sealing System - GSS). Trata-se de um sistema, pois não inclui apenas a
geomembrana (elemento cuja função é a de impermeabilização), inclui também outros geossintéticos que garantem o seu
bom funcionamento e que asseguram uma drenagem adequada e uma proteção eficaz, entre outros.
Em barragens de aterro, a sua impermeabilização é, em geral, garantida por materiais muito pouco permeáveis
como os núcleos de argila, as cortinas de betão armado e de betão betuminoso ou ainda as lâminas de chapas de aço
(Caldeira & Ramos, 2001). As soluções alternativas de cortina de impermeabilização com geossintéticos são relativamente
recentes. São soluções viáveis quando não existe material impermeável convencional apropriado ou quando é muito
oneroso ou difícil a sua obtenção e instalação.
Neste subcapítulo, começa-se por fazer uma revisão histórica sobre o uso de geossintéticos em barragens de
aterro e uma revisão das suas vantagens. De seguida são discutidos vários critérios de projeto, pormenores na sua
construção e na sua exploração. São analisados os vários parâmetros, tanto na construção de novas barragens, como na
reabilitação/reparação de existentes.
2.4.2 Resumo histórico
O recurso a geossintéticos para a otimização das soluções de impermeabilização já é feito há mais de meio
século. Durante a segunda guerra mundial, o aprovisionamento de borracha natural vinda da Ásia era muito problemático.
Como resposta, a investigação, o fabrico e a comercialização de materiais poliméricos foram significativamente
impulsionados. Estes produtos ficaram, portanto, disponíveis ao longo desta década. Foi também nesta altura que novos
polímeros foram desenvolvidos, como, por exemplo, o polietileno de alta densidade (PEAD - 1941), o polietileno de baixa
densidade (PEBD - 1956) e o PP (1957), entre outros (Koerner, 2005).
O uso de sistemas com geomembranas e outros geossintéticos começou por ser feito, logo após a segunda
guerra mundial, em estruturas hidráulicas, principalmente, canais de drenagem e reservatórios. Os primeiros materiais
utilizados para fabricar as geomembranas, de muito pequena espessura, foram o PEBD, o PVC e a borracha butílica, já
mais desenvolvida e disponível em espessuras maiores. A experiência que se obteve pelo uso destes sistemas em
reservatórios e canais e o sucesso de tais projetos permitiu ganhar confiança nestas soluções. Outro facto significativo foi o
sucesso no uso de elementos impermeáveis de PVC (waterstops) em juntas de barragens de betão, com o objetivo de
impedir a passagem de água (Cazzuffi, 2010).
As primeiras aplicações de GSS em barragens foram em barragens de aterro. A primeira instalação de um
sistema de geossintéticos numa barragem de aterro, como único sistema de impermeabilização, foi em 1959, na barragem
de Contrada Sabetta, em Itália, um sistema coberto de geomembrana dupla de poliisobutileno de 2,0mm. Logo no ano
seguinte, foi construída a barragem de Dobsina, na Eslováquia, com uma membrana coberta de PVC com 0,9mm de
14
espessura. Só após mais 7 anos, em 1967, é que foi utilizada mais uma vez esta tecnologia, em França, na Barragem de
Miel, com uma geomembrana coberta de borracha butílica com 1,0mm de espessura. Ao longo da história foi havendo
outros marcos importantes no desenvolvimento do conhecimento destes sistemas, tais como:
A primeira vez que se construiu uma barragem com um sistema de impermeabilização interno de geossintéticos
foi em 1970 na barragem de Odiel, em Espanha, recorrendo a uma membrana de polietileno cloro-sulfonado
(PECS).
A primeira reparação de uma barragem com um GSS, de 0,9 mm em PVC, foi na República Checa, na barragem
de Obenice, em 1971.
O primeiro GSS exposto na face de montante foi uma membrana betuminosa, de 4 mm de espessura, na
barragem de Banegon, em França (1973).
A primeira vez que foi necessária a substituição de uma geomembrana foi na barragem de Bitburg, na Alemanha.
Construída em 1972 com uma membrana coberta de PVC, verificou-se que o GSS se tinha tornado quebradiço e
com punçoamento nalgumas zonas. A substituição foi feita, em 1978, por uma membrana de PEAD.
A análise de projetos anteriores é muito importante porque permite aprender tanto com os sucessos como com as
falhas. Pode-se ainda tirar algumas conclusões sobre vários aspetos, como a escolha do material polimérico para as
geomembranas, a sua espessura e durabilidade, alguns detalhes de projeto e sobre os mecanismos de rotura do sistema,
entre outros.
A escolha do tipo de membrana e a sua espessura é feita com base na disponibilidade, nas oportunidades de
mercado, na experiência pessoal e na informação disponível (Scuero & Vaschetti, 2004). Acredita-se que exista uma
influência regional muito grande. Verifica-se, por exemplo, um uso mais acentuado de membranas betuminosas em França.
Com o passar dos anos e o aumento do conhecimento, também foi havendo uma seleção mais criteriosa, excluindo os
materiais que não apresentavam um comportamento aceitável. Por exemplo, as membranas de PEAD estão a deixar de ser
utilizadas porque se percebeu que a sua moderada rigidez não permitia a sua adaptação a grandes deformações. Outro
exemplo é o caso das membranas feitas de elastómeros, que deixaram de ser utilizadas, embora de muito boas
caraterísticas, porque são difíceis de serem ligadas umas às outras.
Os problemas de barragens com GSS registados derivam de muitas causas, entre as quais estão as seguintes:
ligações inadequadas, deterioração devido à ação do vento, punçoamento devido à queda de materiais, deformação
localizada do solo de suporte e ainda o envelhecimento. A durabilidade de um sistema destes pode variar de poucos anos a
200 anos ou até mais (valores estimados para sistemas cobertos) (Koerner, 2005). O tempo de vida útil considerado no
projeto de barragens é de 100 anos, pelo que uma solução de geossintéticos consegue satisfazer esse requisito.
É de extrema importância a correta seleção do tipo e da espessura da geomembrana. Para tal é necessário
identificar e avaliar adequadamente os vários elementos do sistema. Por muito boas soluções que possam ser, quando mal
projetadas, as geomembranas não irão apresentar um bom desempenho. Geomembranas bem escolhidas não
comprometem a durabilidade da solução quando comparadas com materiais convencionais. Dados indicam que a etapa da
instalação é crucial para a obtenção de vidas úteis longas.
Pelos excelentes resultados obtidos em barragens de aterro, os GSS foram sendo adotados noutros tipos de
barragens. Primeiramente, nos anos 70, foram adotadas soluções com geomembranas na reabilitação de barragens de
15
betão. No início dos anos 80, o uso foi estendido a barragens de betão compactado com cilindros, mas foi só no ano 2000
que se usou GSS na reabilitação deste tipo de estruturas.
Outro marco muito importante nesta tecnologia aconteceu em 1997. Foi a primeira vez que foi feita a instalação de
um GSS em condições submersas, na barragem de Lost Creek, nos EUA.
Os GSS são, atualmente, uma técnica bem aceite em todo o mundo, sendo adotada para impermeabilizar todo o
tipo de barragens, tanto em novas construções como em reabilitações. De acordo com dados da ICOLD em mais de 270
barragens, as geomembranas são o principal sistema de impermeabilização, das quais mais de 183 são barragens de aterro
(ICOLD, 2010).
2.4.3 Vantagens de um GSS
O recurso a estes sistemas, tanto em construções novas como em reabilitações, tem sofrido um aumento muito
justificado devido às inúmeras vantagens que apresentam em comparação com os sistemas convencionais (Cazzuffi, 2010).
A vantagem que sobressai logo à primeira vista é o custo. Estes sistemas apresentam soluções bem mais
económicas do que os sistemas tradicionais de cortina. O seu aprovisionamento, transporte, armazenamento e instalação
podem ser otimizados para constituir uma proposta bastante viável.
A reduzida permeabilidade apresentada pelas geomembranas é mais acentuada que nos materiais usados
tradicionalmente nas cortinas de impermeabilização. Esta propriedade é fundamental em aplicações em que a retenção do
líquido é a prioridade, como em reservatórios de águas contaminadas, por exemplo. No caso de barragens, esta
caraterística não é tão enfatizada, uma vez que a prioridade é a segurança estrutural e hidráulica e a funcionalidade da
barragem. A permeabilidade das geomembranas permite soluções de cortinas de impermeabilização mais delgadas, sem
comprometer a capacidade de retenção.
Outra caraterística bastante favorável ao seu uso é a sua capacidade de permitir elevadas deformações sem
romper. A sua grande capacidade de alongar mantendo as suas caraterísticas de impermeabilização, faz com que estes
sistemas sejam os indicados em casos que se prevejam grandes deslocamentos, em detrimento do uso de cortinas de
betão armado ou de betão betuminoso.
Os GSS proporcionam imensas vantagens na construção de barragens em detrimento das soluções
convencionais. Os núcleos de argila são muito dependentes da qualidade da sua construção, fazendo com que a sua
reduzida permeabilidade e durabilidade sejam muito dependentes da experiência e competência dos intervenientes. As
soluções tradicionais estão dependentes da presença e da disponibilidade de argilas de caraterísticas adequadas perto do
local da construção, podendo variar os seus parâmetros geomecânicos dos considerados no projeto e ao longo da
exploração da zona de empréstimo. As cortinas com geossintéticos, pelo contrário, possuem um controlo mais rigoroso dos
seus parâmetros de fabrico, simplificam muito a construção, apresentam boas capacidades de ligação, evitando juntas e os
respetivos elementos de impermeabilização (waterstops), entre outros. Exigem, no entanto, mão-de-obra especializada e
cuidados especiais de instalação.
16
O tempo total de construção das barragens e as suas condicionantes podem ser reduzidos com estes sistemas.
Isto deve-se à possibilidade da instalação ser executada em função do planeamento da construção, As condicionantes são
bem menores do que na construção de núcleos de argila ou cortinas de betão, uma vez que a sua instalação é muito pouco
afetada pelas condições climatéricas.
2.4.4 Critérios de projeto de novas barragens
As duas questões principais num projeto de um GSS de uma barragem de aterro são, essencialmente, o tipo de
sistema a utilizar e a sua disposição na barragem. Começa-se por detalhar os vários tipos de sistemas que existem. De
seguida, trata-se da questão da localização da geomembrana no perfil transversal da barragem.
2.4.4.1 Tipos de sistemas em barragens de aterro
O projeto e a constituição do geossintético têm que ser tais que não comprometam a segurança e que o
escoamento resultante de uma possível fenda não cause nem rotura nem grandes alterações do estado de
tensão/deformação da barragem.
As geomembranas, devido à sua natureza, podem ser danificadas facilmente. Como tal, tem que se ter isso em
conta no projeto, tanto em questões de proteção da geomembrana, como em questões de minimizar os efeitos de um
possível rasgamento. Este tipo de sistemas tem que ser concebido respeitando os critérios de filtro, para que não ocorra
erosão interna. O tipo de sistema que for selecionado tem ainda que garantir uma boa ligação da cortina à fundação e com
quaisquer subestruturas de betão da barragem. Tem que apresentar elasticidade suficiente para acomodar as deformações
que a estrutura poderá vir a sofrer. Por último, tem que ser verificada a segurança do sistema ao deslizamento. Se as forças
de atrito geradas entre os vários materiais não forem suficientes para garantir a sua estabilidade, é necessário projetar um
sistema de ancoragens.
Existem três tipos de GSS possíveis para a minimização da percolação: a cortina simples (apenas a
geomembrana), a cortina dupla e, ainda, a composta (Cazzuffi, 2010). Existem muitos exemplos de sistemas de cortina
simples - a barragem de Miel, em França, construída em 1968, por exemplo, que usa uma geomembrana de borracha
butílica de 1 mm de espessura, ou ainda a barragem de Jibiya, na Nigéria, de 1989, com um geocompósito constituído por
uma geomembrana de PVC reforçada com um material têxtil, não urdido de PP. A cortina composta, geralmente, refere-se
ao conjunto de uma componente sintética com uma componente mineral. Frequentemente é utilizada uma geomembrana
com uma camada de solo compactado de reduzida permeabilidade, podendo ser argila. A cortina composta foi desenvolvida
com o objetivo de minimizar as consequências de uma possível fuga ou defeito na geomembrana, reduzindo assim o
escoamento que se gera. Neste tipo de cortina é necessário ter muito cuidado, no caso do revestimento se situar no
paramento de montante, pois a água que consegue atravessar a geomembrana fica na componente mineral, saturando-a,
podendo causar a perda de estabilidade da barragem num possível rebaixamento rápido do nível de água na albufeira.
Atualmente, recorre-se a uma camada de drenagem no tardoz da cortina (possivelmente uma georede) e válvulas
de descarga no pé de montante da barragem. Esta camada de drenagem também serve para aliviar as pressões de gases,
provenientes de fenómenos de aquecimento/expansão. Quando este tipo de revestimento está permanentemente e
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suficientemente carregado (como quando é coberto ou se localiza no interior da barragem), tal não constitui um problema.
Isto aplica-se a qualquer situação em que duas camadas de reduzida permeabilidade estejam sobrepostas, havendo o
eventual aprisionamento de água na sua interface.
O revestimento duplo refere-se ao tipo de revestimento que recorre a duas camadas de revestimento sintético, por
exemplo, duas geomembranas. Possui o problema descrito para o revestimento composto, sendo, geralmente, interposta
uma camada de drenagem entre as duas geomembranas. Uma cortina dupla é muito útil em casos onde o objetivo é
prevenir ao máximo o escoamento.
Estes dois últimos tipos de revestimento garantem uma redundância no sistema, tornando-os mais fiáveis.
2.4.4.2 Sistema exposto na face de montante
O sistema na face de montante é o mais utilizado, correspondendo a quase 90% dos sistemas usados em
barragens de aterro. Na face de montante acaba por ter algumas vantagens quando comparado com o sistema interno.
Podem indicar-se as seguintes vantagens:
a componente vertical da resultante da pressão da água contribui para a estabilidade da estrutura;
permite reduzir os tempos de construção, uma vez que a instalação da geomembrana é apenas ligeiramente
influenciada pelas condições climatéricas;
a construção do aterro pode ser feito apenas numa fase quando comparado com a solução interna em zig-zag;
na fase de exploração da barragem, este tipo de sistema permite a respetiva inspeção visual da parte emersa ou
a inspeção subaquática da parte imersa e sua manutenção;
sendo um sistema superficial, a sua eventual reparação ou substituição é prática e pouco onerosa em
comparação com uma reabilitação de sistema interno.
Este tipo de solução pode ser deixado exposto ou ser parcialmente ou totalmente coberto. A solução em que o
sistema se encontra exposto representa 30% dos casos (ICOLD, 2010). Na Figura 9 apresenta-se uma solução em que é
usado um GSS na face de montante exposto, com uma galeria de drenagem no pé de montante, a partir da qual foi
executada uma cortina de injeções na fundação. No tardoz do sistema pode-se colocar uma camada de drenagem e um
tapete drenante, como apresentado na figura.
Na Figura 10 é apresentada uma solução em que é feito o prolongamento do GSS no pé de montante da
barragem, para o interior da albufeira, de modo a diminuir a percolação pela fundação.
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Figura 9: Sistema externo exposto com galeria de drenagem e impermeabilização (adaptado de ICOLD, 2010).
Figura 10: Sistema externo exposto com geomembrana a montante (adaptado de ICOLD, 2010).
Na Figura 11 pode-se verificar um outro tipo de disposição, em que se utiliza o sistema externo exposto. Pode-se fazer o
seu prolongamento para intercetar a percolação da fundação, construindo-se uma cortina impermeabilizante no interior da
fundação. Outro elemento nesta figura é a ensecadeira, que pode, ou não, ser incorporada na estrutura final da barragem.
Pode ser utilizado um GSS já na obra preliminar e, após essa etapa, fazer um prolongamento do sistema. Aliás, em
alteamentos de barragens, esta solução pode ser usada também tanto num prolongamento do sistema como numa
aplicação apenas na parte nova, como se pode ver na Figura 12.
Figura 11: Sistema externo exposto com incorporação da ensecadeira (adaptado de ICOLD, 2010).
1 – GSS
2 – Camada drenante
3 – Galeria de drenagem
e de injeções
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3
1 – GSS
2 – Camada drenante
3 – Ensecadeira
4 – Cortina de impermeabilização
da fundação
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3
4
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Figura 12: Sistema externo exposto num alteamento de uma barragem (adaptado de ICOLD, 2010).
O sistema exposto apenas começou a ser utilizado a partir dos anos 70, por falta de confiança neste tipo de
solução por estar exposta à radiação ultravioleta, ao choque de detritos, à ação do vento, do gelo, das ondas da albufeira e
de vandalismo, entre outros. Existem muitos cuidados a ter neste tipo de GSS. Se não for bem selecionado e projetado,
pode vir a ter uma vida útil muito curta. Atualmente, a solução de geomembrana exposta é credível e muito utilizada.
As soluções, com a passar dos anos, foram desenvolvidas, tornando-se mais práticas e apresentando um melhor
desempenho. Foram incluídos aditivos na constituição da geomembrana para aumentar a sua resistência à radiação solar.
Algumas outras questões como a degradação química e a degradação por microrganismos foram resolvidas com uma
composição cuidada e estudada do sistema.
Hoje em dia, o sistema é constituído pela (s) geomembrana (s) e por mais elementos. É indispensável dispor de
uma camada de suporte sob a geomembrana, com uma permeabilidade suficientemente baixa para o caso de um eventual
vazamento, oferecendo proteção contra o punçoamento, possivelmente, materializada por um geotêxtil de espessura
razoável. Em muitos casos também é necessário a instalação de uma camada protetora sobre a geomembrana, geralmente,
em sistemas cobertos. Por último, é colocada uma zona de transição, de elevada permeabilidade, servindo de camada de
drenagem, que impede a perda de estabilidade do sistema devido à pressão proveniente da água aprisionada entre a
geomembrana e a camada de suporte. Todo o sistema tem que estar otimizado em termos de permeabilidade e dimensão
dos poros para que não ocorra o seu levantamento e erosão interna. O projeto do sistema depende muito da sua aplicação.
Um exemplo genérico com uma camada de suporte é materializado na Figura 13.
Figura 13: Sistema GSS exposto (adaptado de ICOLD, 2010).
Outra questão importante na otimização deste tipo de sistemas, em faces de grande inclinação, prende-se com o
deslizamento das camadas que os compõem. O atrito entre as várias camadas e o aterro poderá não ser suficiente para as
manter no lugar correto. Excetuando casos em que o GSS está constantemente submerso (incluindo na sua instalação),
1 – GSS
2 – Camada drenante
3 – Nível inicial do coroamento
4 – Nível do coroamento após
alteamento
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4
1 – Geomembrana
2 – Camada de suporte
3 – Camada de drenagem ou
zona de transição
2 1
3
20
mesmo com inclinações aceitáveis, não é recomendável contar apenas com o atrito. Como tal, é necessário projetar
sistemas de ancoragens e/ou contrapesos.
Esta necessidade advém também de outros fatores, como: a ação do vento, a ação das ondas da albufeira, e
evitar a formação de dobras e de folgas. No seu dimensionamento há que ter em conta a situação de projeto
correspondente à albufeira vazia, devendo todo o tipo de ancoragem suportar as deformações da barragem sem tensionar a
geomembrana em demasia.
A ancoragem, em barragens de pequena dimensão, pode ser feita apenas com a sua inserção na fundação a
montante e no coroamento da barragem, mas a prática comum é ser projetado um sistema de ancoragens para toda a face
de montante, com várias configurações e recorrendo a vários materiais. As ancoragens ao longo da face de montante da
barragem podem ser:
Mecânicas: numa rede de pontos ao longo da superfície, com um espaçamento dependente das solicitações
(normalmente muito pequeno e menor na parte superior do que na inferior, devido à intensidade da ação do
vento) ou em linhas paralelas com o coroamento (recomendado). As ancoragens de aço em pontos específicos
têm que ser fixadas na camada de suporte, o que implica uma camada de suporte com resistência suficiente para
suportar as forças das ancoragens. As ancoragens em linha podem ser feitas com o embutimento de GSS no
corpo da barragem, sendo posteriormente soldadas (Figura 14). Existem outras opções de ancoragens em linha
feitas de geomembrana presas a faixas de aço inoxidável em valas verticais, posteriormente soldadas com o
sistema final (soluções existentes patenteadas).
Por carregamento: um plano de cargas sobre o sistema pode ser utilizado como ancoragem permanente em
pequenas barragens, complementando as que são realizadas na periferia e no coroamento. Podem ser colocados
em linhas de nível se houver bermas, feitos de vigas de betão pré-fabricado ou outro material que sirva para
lastrar o GSS. Podem ainda ser embebidos em valas verticais.
Quimicamente: usado apenas em reabilitação de barragens de aterro, com cortina de betão a montante. É
possível colar o GSS à face de betão, com resina epoxídica. Não é recomendada a colagem em toda a superfície
por motivos de drenagem. Esta não é uma prática comum e não é recomendada devido à sua durabilidade
questionável e ao difícil controlo de qualidade.
Figura 14: Ancoragem superficial em linha (adaptado de ICOLD, 2010).
1 – Ancoragem embutida
2 – Geomembrana
3 – Material de transição
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As ancoragens na periferia e no coroamento são necessárias para garantir uma ligação impermeável com o
terreno de fundação, os encontros e com os órgãos de segurança e exploração da barragem de betão e para fixar a
geomembrana no lugar correto. Podem ser mecanicamente fixadas, quimicamente inseridas ou estabilizadas com lastros
(ICOLD, 2010). São mecanicamente fixadas, principalmente, no contacto com estruturas de betão, em que o GSS é
comprimido com um material muito deformável (neoprene ou juntas de borracha) entre a estrutura de betão e uma viga de
aço inoxidável aparafusada ou chumbada no betão (com espaçamentos de 0,15 m). É necessário muito cuidado na
impermeabilização deste detalhe, é importante aplicar uma compressão adequada, sem deixar buracos, e que a
geomembrana se adapte perfeitamente ao material deformável e ao betão. O método de inserção do GSS é, normalmente,
adotado no pé de montante da barragem. Consiste na escavação de uma vala na fundação onde o GSS é inserido, que é
preenchida com resina e mástique, formando uma selagem com alta capacidade de deformação. Trata-se de um método
difícil porque depende da zona de inserção e das condições climatéricas na altura da instalação, mas é eficaz mesmo em
materiais que não tenham alta resistência, não passíveis de ancoragem mecânica. Na
Figura 15 pode-se ver um exemplo de inserção executado na barragem de Moravka na República Checa. Por
último, o sistema pode ser estabilizado com uma ancoragem com contrapeso, utilizada no coroamento e nos encontros. A
geomembrana é ancorada no terreno numa vala, posteriormente, preenchida com argila para obter a maior
impermeabilização possível nesta zona de transição. Pode ser feita apenas por prolongamento da geomembrana para a
zona adjacente à barragem ou, mais complexo, por ancoragem com várias geometrias. Na Figura 16 pode-se analisar uma
forma de ancoragem deste tipo. É fundamental o cuidado a ter para não existir material em contacto com o sistema que o
possa danificar.
Figura 15: Exemplo de ancoragem periférica do tipo inserção (adaptado de ICOLD, 2010).
Figura 16: Ancoragem periférica com contrapeso (adaptado de ICOLD, 2010).
1 – Geomembrana
2 – Resina impermeabilizante
3 – Betão betuminoso
4 – Camada de drenagem
5 – Ligação
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2.4.4.3 Sistema coberto na face de montante
Este tipo de GSS na face de montante é escolhido quando as solicitações previstas são demasiado grandes,
causando danos, e quando o aumento da sua vida útil é justificado. Representa uma percentagem de 70% das barragens
que possuem um GSS na face de montante. A solução externa coberta possui algumas vantagens quando comparado com
o sistema exposto: não tem tantos problemas com as solicitações, nomeadamente de danificação por choque de detritos, de
degradação pela radiação e de levantamento pela ação do vento. Geralmente e com os devidos cuidados, a geomembrana
fica na posição correta, de uma forma uniforme, sem necessitar de um sistema de ancoragens adicional, sendo a sua
estabilidade muito beneficiada com o peso da cobertura. Por outro lado, o seu recobrimento impossibilita a inspeção visual e
dificulta a sua manutenção, tornando-se também mais problemática a sua reabilitação e substituição. Trata-se de uma
proposta mais cara, por causa da sua cobertura, com a desvantagem adicional de esta poder danificar o GSS na sua
instalação. Trata-se de uma escolha muito importante, a decisão de colocar, ou não, um recobrimento.
Os sistemas podem ser parcialmente cobertos (apenas em zonas críticas), como se pode ver na Figura 17, ou
totalmente cobertos, como representado na Figura 18.
Figura 17: Sistema exposto parcialmente coberto (adaptado de ICOLD, 2010).
Figura 18: Sistema exposto totalmente coberto (adaptado de ICOLD, 2010).
O sistema tem que garantir que a cobertura e o GSS sejam independentes e que se consigam deformar
livremente. Com tal objetivo o sistema abrange uma camada de separação entre as suas duas partes, podendo ser
1 – Geomembrana
2 – Cobertura parcial
3 – Camada de drenagem
4 – Galeria de drenagem e cortina de
injeções
1 – Geomembrana
2 – Cobertura total
3 – Camada de drenagem
4 – Plinto e cortina de injeções
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constituída por um geotêxtil, servindo ainda como camada de proteção e de drenagem (para evitar o levantamento). Na
Figura 19 é materializado um exemplo de um GSS com uma cobertura de lajes de betão.
Figura 19: GSS coberto (adaptado de ICOLD, 2010).
Neste tipo de sistemas a cobertura pode ser feita de vários materiais, tais como:
Enrocamento ou riprap: solução pesada, favorável em termos de deformabilidade, porque pode acompanhar a
estrutura em si. É necessária uma zona de transição com geotêxtil, areia e/ou cascalho. Apresenta graves
problemas de estabilidade em faces muito inclinadas.
Lajes de betão: esta solução tem alguns problemas de durabilidade e de rigidez. Podem ser pré-fabricadas ou
executadas “in situ”. Para evitar água aprisionada no tardoz da cobertura, é necessária a implementação de uma
camada de drenagem e pontos de descarga para que não ocorra a fissuração da camada de betão. É
recomendado o uso de betão simples ou reforçado por fibras de polipropileno, com juntas que permitam tornar
mais flexível a solução, a saída de água no caso de rebaixamento do nível da albufeira e minimizar a fissuração.
Este tipo de cobertura pode ser mais pesada ou mais leve.
Colchões reno: estrutura flexível, com uma rede de fios de aço galvanizado, em dupla torção, preenchidos por
enrocamento. Apresenta alguns problemas na sua instalação para que não danifique o GSS.
Blocos de betão pré-fabricados: solução muito utilizada em estruturas hidráulicas e em estradas, podendo ser
travados entre si ou articulados. A sua implementação está a cair em desuso porque apresenta demasiados
movimentos relativos e, posteriormente, o seu destacamento.
Betão projetado: cobertura leve feita por uma camada contínua de betão projetado de 4 a 8 cm de espessura.
Pode ainda ser reforçado com geotêxtil, geogrelha ou fibras de aço. Trata-se de uma boa solução flexível, sendo o
betão projetado suscetível à fissuração, mas não perde as suas propriedades de proteção.
Camada betuminosa: uma camada de granulometria extensa com agregados de espessura suficiente para resistir
às solicitações da cobertura. Há que ter em conta se esta camada é compatível, ou não, com o GSS. Se não for,
será necessária uma camada de separação.
Geocélulas ou geocolchões: soluções leves com a incorporação de betão ou argamassa.
Cobertura: C2 – Lajes de betão C1 – Geotêxtil GSS: G – Geomembrana S2 – Geotêxtil (opcional) S1 – Betão betuminoso (opcional) B1,B2 – Camadas granulares de transição
D – Corpo da barragem
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No sistema coberto é necessário ter em conta uma preocupação adicional, a de garantir a estabilidade da
cobertura em relação ao deslizamento. O deslizamento pode ocorrer dentro da camada de cobertura ou na sua interface
com o GSS. Esta estabilidade depende muito da inclinação do talude e pode ser garantida pelo atrito da cobertura com a
camada de tardoz ou então, por ancoragem no coroamento.
2.4.4.4 Sistema interno
Para além do sistema na face de montante da barragem, também existe o interno. Este tipo é raramente utilizado,
representa apenas, aproximadamente, 10% das utilizações destes sistemas em barragens de aterro. Quase exclusivamente
utilizado em construções novas de barragens, pode tomar várias formas: pode ser inclinado, vertical ou quasi-vertical em
formato zig-zag. As próximas figuras ilustram essas diferentes formas de materializar o GSS. A Figura 20 representa a
forma inclinada complementada com um dreno chaminé e um tapete drenante com uma cortina de injeções na fundação.
Figura 20: Sistema interno inclinado (adaptado de ICOLD, 2010).
A Figura 21 materializa uma possível solução com um sistema interno vertical similar ao exemplo anterior, com
dreno vertical, tapete drenante e cortina de injeções.
Figura 21: Sistema interno vertical (adaptado de ICOLD, 2010).
1 – GSS
2 – Dreno chaminé
3 – Cortina de injeções
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2
3
1 – GSS
2 – Dreno vertical
3 – Cortina de injeções
1
2
3
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Por fim, a Figura 22 e a Figura 23 mostram bons exemplos de sistemas de geomembranas em formato zig-zag,
com um dreno a acompanhar o sistema.
Figura 22: Sistema interno quasi-vertical (adaptado de ICOLD, 2010).
Figura 23: Sistema interno quasi-vertical com zig zag de menores dimensões (adaptado de ICOLD, 2010).
Os sistemas descritos têm as seguintes vantagens em comparação com os executados na face de montante da
barragem (ICOLD, 2010):
o sistema pode ser associado a uma camada de argila, constituindo um revestimento composto, sem problemas
de instabilização pela água que fica aprisionada entre os dois elementos;
a geomembrana encontra-se bem protegida contra as ações mecânicas externas, a degradação por exposição às
radiações solares, os organismos biológicos e químicos agressivos, entre outros. É preciso apenas ter cuidado na
colocação dos materiais adjacentes ao GSS;
a quantidade de geomembrana colocada é menor nos casos de geomembranas internas verticais ou inclinadas;
o levantamento da geomembrana por ação do vento é, obviamente, prevenida;
pela posição da geomembrana na barragem, esta é mantida sempre no lugar, não sendo necessário qualquer tipo
de ancoragem;
é muito menos sensível a assentamentos diferenciais nos encontros da barragem;
em zig-zag, o sistema é muito pouco sensível aos assentamentos.
1 – GSS
2 – Dreno
3 – Cortina de injeções
1
2
3
1 – GSS
2 – Dreno
3 – Cortina de injeções
1 2
3
26
Mas este sistema possui algumas desvantagens importantes, tais como: existem problemas construtivos na
construção do corpo da barragem em relação à integridade do GSS; o sistema interno implica um zonamento da barragem
mais complexo; estes tipos de perfis implicam uma coordenação apertada entre a instalação do sistema e a construção do
aterro; devido à sua posição interna, a sua reabilitação é problemática e a monitorização são bastante difíceis, fazendo com
que, por questões de segurança, se usem maiores espessuras de geomembrana; em zig-zag, existem algumas dificuldades
na sua conexão com a cortina de injeções e é necessário evitar tensões excessivas nas dobras das geomembranas; por
último, não existe experiência na instrumentação das poucas barragens de aterro em que utilizaram este tipo de sistema.
2.4.5 Critérios de projeto para reabilitação de barragens
Os GSS têm sido muito utilizados em reabilitação de várias barragens de aterro. Os critérios de projeto são
essencialmente os mesmos, dependendo muito de cada caso específico. Cada reabilitação é um caso de estudo diferente,
devido às patologias encontradas, às especificidades da barragem, aos detalhes de morfologia e de ancoragem, à
disponibilidade de materiais, entre outros. Um sistema de geossintéticos pode ser utilizado no paramento de montante, no
revestimento da albufeira ou, ainda, na fundação como cortina impermeabilizante da fundação. As soluções podem passar
por executar juntas com elementos de impermeabilização de geossintéticos ou por colocar um GSS, em toda a face de
montante ou apenas nos locais mais degradados. Quando a solução que necessita de reparação é um GSS, pode-se optar
por colocar um GSS sobre ou pela substituição do já existente, podendo ser integral ou apenas local. O GSS a colocar
sobre o sistema existente necessita da interposição de uma camada de drenagem de espessura dependente do grau de
deterioração da face existente. Esta camada de drenagem deve ser constituída por uma georede, que apresenta uma maior
capacidade de drenagem, mesmo quando carregada, do que um geotêxtil. Na Figura 24 apresenta-se um bom exemplo de
reabilitação de uma barragem de aterro com cortina de betão a montante.
Figura 24: GSS na reabilitação de uma barragem de enrocamento com cortina a montante (adaptado de ICOLD, 2010).
Cobertura: C2 – Betão C1 – Geotêxtil GSS: G – Geomembrana S2 – Geotêxtil S1 – Geogrede D2 – Cortina de betão existente D1 – Aterro
27
2.5 Critérios de projeto de um GSS
2.5.1 Considerações introdutórias
Como já referido, a impermeabilização de barragens pode ser feita por materiais naturais ou por materiais
sintéticos/manufaturados. A solução com materiais naturais é muito pouco económica, quando não se existem solos muito
próximos do local da obra, apresentando também problemas ambientais na exploração das respetivas jazidas. O uso de
materiais manufaturados pelas suas caraterísticas de reduzida condutividade hidráulica consegue soluções mais
económicas, de pequena espessura, com menor volume e peso, e soluções com menos problemas ambientais. Estes
sistemas trazem algumas implicações em termos de projeto que devem de ser tidas em conta. Em ICOLD (1991) são feitas
recomendações gerais quanto à inclinação do paramento de montante com um GSS instalado a montante em função do
material que constitui o corpo da barragem. As recomendações são apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1: Recomendações para a inclinação do paramento de montante com GSS (Adaptado de ICOLD, 1991).
Aterro Inclinação do paramento
de montante (V:H)
Argila 1: 2,5 a 3,5
Argila arenosa e silte 1: 2,0 a 3,0
Areia e cascalho 1: 2,0 a 2,5
Enrocamento 1: 1,5 a 2,0
Mas porque é que existem estas recomendações? Quais são as implicações associadas a um GSS? Como são
avaliados, escolhidos e dimensionados estes sistemas de geossintéticos para constituírem perfeitas soluções alternativas
às convencionais? Este subcapítulo servirá para analisar estas questões e comentar alguns pormenores construtivos
importantes.
2.5.2 Critérios de desempenho de geossintéticos de impermeabilização
Um GSS deve ser avaliado pelas suas capacidades de impermeabilização, pela sua resistência e pela sua
durabilidade. Tendo em conta estas caraterísticas consegue-se identificar e selecionar o tipo de sistema que se pretende,
tendo em conta a localização final do sistema e se irá ter proteção, ou não.
Os valores de permeabilidade das cortinas de impermeabilização tradicionais constituídas por argila são da ordem
dos 10-9 m/s. Já com os materiais poliméricos manufaturados conseguem-se coeficientes de permeabilidade bem inferiores,
da ordem dos 10-13 a 10-15 m/s (Koerner, 2005). Isto permite projetar e viabilizar soluções de impermeabilização bem mais
delgadas, tanto em barragens como em reservatórios ou, até mesmo, nas albufeiras. Esta questão da condutividade
hidráulica não é a caraterística mais preponderante em barragens, mas torna-se essencial no caso de reservatórios e
aterros com a necessidade de estanquidade total.
28
Em barragens de retenção de água, não é necessário grandes preocupações com a resistência química do GSS
relativamente à água, mas noutros casos é preciso estudar a sua compatibilidade para que a vida útil do sistema não seja
comprometida e não cause problemas inesperados. Por exemplo, sistemas feitos de PVC, geralmente, não apresentam boa
resistência química quando em contacto com solventes clorados, oxigenados e de petróleo (Koerner, 2005). Mas a
resistência química é importante relativamente aos terrenos que estão em contacto com o sistema, por exemplo, os
encontros da barragem, a fundação e o aterro no tardoz do sistema.
Um dos fatores mais importantes aquando da decisão do tipo de GSS é a sua resistência mecânica. As soluções
devem ser projetadas tendo em conta as várias solicitações que irão atuar tanto na sua instalação como na sua exploração,
esforços estes de grande amplitude que podem comprometer a estanquidade da barragem e a integridade do sistema.
Interessa a resistência à tração, ao punçoamento, ao rasgamento e à abrasão. Geralmente, é usado um geotêxtil no
sistema como proteção da geomembrana em si, conferindo uma elevada resistência mecânica.
Outro fator que interfere na escolha do GSS é a sua durabilidade, ou seja, a sua capacidade de manter as suas
caraterísticas ao longo da sua vida. A durabilidade de uma geomembrana, basicamente, é avaliada através de três
mecanismos: a remoção de partículas do sistema (por ataque químico, volatilização e abrasão); as alterações na sua
estrutura (delaminação, fracturação e dilatação, entre outros); e os efeitos causados por outras ações (vegetação, animais e
vandalismo) (Giroud et al., 1992). Os agentes que podem prejudicar o funcionamento e a integridade do sistema são
variados, principalmente, agentes naturais, tais como o solo, a água, o vento e o clima. Para melhorar a resposta do sistema
a este tipo de ações, é usual adicionar termoestabilizantes, antioxidantes e outros aditivos. A geomembrana não sofre
grandes efeitos por parte destes agentes, excetuando a exposição aos raios ultravioleta que pode diminuir em muito a vida
útil do sistema. Isto faz com que, quando a solução escolhida é a exposta, seja necessário que se tenha uma especial
atenção a este facto. Costumam-se fazer ensaios acelerados em laboratório para simular esta ação em geomembranas
para depois correlacionar com a situação de campo e deduzir a vida útil teórica do sistema. A sua vida útil toma valores
estimados de 200 anos, ou até mais, para condições favoráveis de temperatura e numa solução coberta. A integridade da
geomembrana é posta em risco em todo o processo de produção, transporte, armazenamento, instalação e colocação de
cobertura (se aplicável). Na subsecção 2.5.4 indicar-se-á alguns cuidados a adotar para garantir a integridade do sistema.
2.5.3 Dimensionamento
As vantagens económicas e técnicas deste tipo de soluções apenas são realidade se o seu desempenho final na
barragem for o desejado. Os problemas no desempenho de geossintéticos acabam por cair em três categorias: limitações
do sistema; ambientes agressivos para a solução preconizada e, por último, casos de aplicações de alto-risco. Através de
um dimensionamento correto da solução, aliado à investigação no local e à experiência, consegue-se minimizar os
problemas do seu desempenho (através do uso de coeficientes de segurança das propriedades dos materiais e na
consideração de solicitações, da análise dos efeitos da radiação solar, do controlo da qualidade na instalação e no fabrico,
entre outros). O sistema tem que ser tal que reduza a percolação. O dimensionamento do GSS passa, essencialmente,
numa primeira fase, pela seleção do tipo de sistema e respetiva espessura, tendo em conta o objetivo da sua aplicação e a
sua estabilidade. Posteriormente, será necessário dimensionar outros elementos complementares, como as ancoragens, as
29
suas ligações com os órgãos de segurança e de exploração da barragem, a camada de proteção (se aplicável), a cortina
impermeabilização da fundação, entre outros.
2.5.3.1 Escolha da geomembrana
Existem algumas caraterísticas diferenciadoras muito importantes que fazem com que se opte por um ou por outro
sistema. Os vários tipos de material polimérico apresentam diferentes caraterísticas, sendo necessário ter isso em conta no
seu dimensionamento. As geomembranas são, essencialmente, identificadas a partir da sua massa volúmica (kg/m3), que
irá depender do material polimérico e da proporção e densidade dos aditivos. Uma vez selecionada a espessura requerida,
passa a ser identificada pela massa por unidade de área (kg/m2). O peso volúmico é importante para analisar a
possibilidade de levantamento do sistema devido à ação da água retida no tardoz do mesmo. Por exemplo, as
geomembranas de PE são menos densas que a água, o que se pode tornar um problema se não for tido em conta (Giroud
et al., 1992). Como referido na secção 2.4.2, a escolha do material polimérico é feita consoante a sua disponibilidade, pela
experiência que se tem e pela informação disponível, fazendo com que num dada região se use, geralmente, o mesmo tipo
de material. A partir de dados da ICOLD (2010) as duas geomembranas mais utilizadas são as de PEAD e de PVC. Na
Tabela 2 compararam-se os dois tipos de geomembranas.
Tabela 2: Algumas vantagens e desvantagens de geomembranas de PEAD e de PVC (adaptado de Lavoie, 2006).
Tipo de Geomembrana Caraterísticas
PEAD
Boa resistência química e mecânica
Bom desempenho a baixas temperaturas
Baixa resistência ao punçoamento
Ângulo de atrito de interface reduzido
Difícil adaptabilidade ao subleito
Sofre de FST (stress cracking)
PVC
Boa trabalhabilidade e facilidade de soldagem
Boa resistência mecânica
Bom atrito de interface
Baixa resistência aos raios ultravioleta e a alguns
elementos químicos
Baixo desempenho a altas e baixas temperaturas
Atualmente, o uso de PEAD tem caído em desuso. A experiência te mostrado que as geomembranas deste
material apresentam uma rigidez que não permite o acompanhamento da deformação da barragem, sensibilidade ao
fendilhamento quando sob pressão devido à sua alta cristalinidade e baixo ângulo de atrito na interface com outros
materiais. Na Figura 25 pode-se também verificar as diferenças do seu comportamento.
30
As geomembranas de PVC apresentam um comportamento aproximadamente, elástico linear enquanto que as
geomembranas de PEAD, um comportamento elastoplástico. Este facto faz com que não seja muito favorável o seu uso
devido à possibilidade de ocorrência de deformações não recuperáveis. Espera-se que a geomembrana consiga
acompanhar todos os movimentos do corpo da barragem incluindo, num possível rebaixamento do nível da albufeira,
alguma recuperação da deformação.
Já a seleção da espessura é um problema diferente. Existem três espessuras a ter em conta: a espessura da
geomembrana lisa e, em geomembranas texturadas, a espessura do núcleo e a espessura das saliências da face. A
influência da espessura na permeabilidade da geomembrana não é significativa devido à ordem de grandeza do seu
coeficiente de permeabilidade e porque a gama de valores de espessura disponíveis é pequeno. No entanto, tem uma
grande influência nas caraterísticas de resistência da geomembrana. A espessura vai afetar muito a resistência ao
punçoamento, à tração e ao impacto e afeta também a sua capacidade de alongamento, a sua durabilidade e a perda de
plastificantes (principalmente em geomembranas de PVC), entre outros. A relação da espessura com as resistências
mecânicas referidas é em alguns casos exponencial. Por este motivo, nalguns países é exigida uma espessura mínima,
dependendo da aplicação. Por exemplo, em revestimentos de canais, nos EUA, está regulamentada uma espessura mínima
de 0,50mm (Koerner, 2005). Na aplicação específica em barragens, os valores recomendados são superiores. Também
existe uma espessura mínima necessária para que se consiga garantir uma correta ligação entre geomembranas (Giroud et
al., 1992). A escolha da espessura é muito influenciada também pela experiência do projetista.
A determinação da espessura desejável para um caso em específico pode ser obtida de várias maneiras. Koerner
(2005) fornece um método de obtenção deste parâmetro geométrico através de um modelo de deformação localizada
provocada por qualquer mecanismo de assentamento para uma geomembrana num reservatório. Na Figura 26 apresenta-
se o modelo de dimensionamento discutido.
Figura 25: Comportamento tensão-deformação de geomembranas de diferentes materiais poliméricos (adaptado de
Cazzuffi & Rigo, 1991)
1 – Polietileno Clorossulfonado (PECS) 2 – Borracha Butílica 3 – Polietileno clorado (PEC) 4 – Policloreto de Vinil (PVC) 5 – Polipropileno (PP) 6 – Polietileno de alta densidade (PEAD) 7 – Betuminosa reforçada com poliéster
31
Figura 26: Modelo de dimensionamento da espessura de geomembranas (adaptado de Koerner, 2005).
Devido ao assentamento, ΔH, admite-se a formação de um talude com a inclinação com um ângulo que induzirá
uma tensão de tração T na geomembrana. Essa tensão toma o valor máximo quando se mobiliza toda a resistência à tração
da geomembrana, max, multiplicada pela espessura da geomembrana, t:
𝑻 = 𝝈𝒎𝒂𝒙. 𝒕 (1)
Por equilíbrio, esta tensão é resistida pela parte indeformada, ao longo de uma distância de mobilização da
resistência, x. As tensões normais aplicadas, n, e as provenientes do subleito mobilizam forças de atrito na interface. FU
consiste na força de atrito provocada pela tensão aplicada na sua interface superior com a geomembrana. FL representa a
força de atrito inferior provocada pela tensão de resistência do subleito para contrariar a tensão n aplicada. Por último, a
força FLT representa a força de atrito inferior provocada pela tensão resultante do equilíbrio vertical da componente vertical
da tensão T. Estas duas últimas forças têm em conta as condições de atrito da interface entre o subleito e a geomembrana.
Por fim, por equilíbrio horizontal das forças referidas obtém-se a espessura da geomembrana que verifica a
segurança neste mecanismo.
∑ 𝐹𝑥 = 0 <=> 𝑇𝑥 = 𝐹𝑈𝜎 + 𝐹𝐿𝜎 + 𝐹𝐿𝑇 (2)
𝑇. cos 𝛽 = 𝜎𝑛𝑥 tg 𝛿𝑈 + 𝜎𝑛𝑥 tg 𝛿𝐿 + 0,5 (2𝑇 sen 𝛽
𝑥) 𝑥 tg 𝛿𝐿 (3)
𝑇 =𝜎𝑛𝑥(tg 𝛿𝑈+tg 𝛿𝐿)
cos 𝛽−sen 𝛽 tg 𝛿𝐿 (4)
A espessura final da geomembrana é obtida igualando (1) a (4), desta forma:
𝑡 =𝜎𝑛𝑥(tg 𝛿𝑈+tg 𝛿𝐿)
𝜎𝑚𝑎𝑥(cos 𝛽−sen 𝛽 tg 𝛿𝐿) (5)
32
Este é um método que não deve ser usado cegamente. Tal como discutido anteriormente, a espessura tem muitas
outras implicações e esta pode ser determinada de muitas outras formas. Por exemplo, durante a construção, a
geomembrana pode vir a sofrer um estado de tensão-deformação maior que o que está a ser considerado neste modelo,
fazendo com que, possivelmente, seja necessária uma espessura maior.
Este procedimento será apenas utilizado depois de se ter obtido o estado de tensão-deformação da barragem com
o método dos elementos finitos. Não será para dimensionar a espessura da geomembrana mas sim para estudar os efeitos
da deformação da barragem no estado de tensão do sistema de geossintéticos. Pode-se concluir pelo método descrito que
com assentamentos localizados do corpo da barragem, o sistema será sujeite a uma tensão de tração adicional.
2.5.3.2 Escolha do sistema
Para melhorar o desempenho, os sistemas costumam ser complementados com uma segunda camada de
impermeabilização (geomembranas), com camadas de drenagem (georedes) ou com camadas de proteção, de suporte ou
de reforço (geotêxteis).
No dimensionamento destes sistemas há que ter em conta os critérios de desempenho explicitados na subsecção
antecedente e que admitir que possam haver alguns defeitos. É prática comum considerar-se uma situação desfavorável na
avaliação do escoamento através da cortina impermeável. É aconselhável admitir-se a existência de um orifício na
geomembrana de 10 mm2 ou de 100 mm2 (usado muitas vezes para o dimensionamento da camada de drenagem no tardoz
do sistema) a cada 4000 m2 de GSS instalado e avalia-se a aceitabilidade dos resultados (Giroud et al., 1992). O controlo
do escoamento será maior, obviamente, se a geomembrana estiver disposta entre materiais de reduzida permeabilidade,
fazendo com que a percolação seja muito reduzida. Isto pode ser obtido através de uma cortina composta ou dupla de
geomembrana. Esta é a solução recomendada por ser mais fiável.
Estes sistemas são também muito influenciados pela sua resistência. Estas resistências aumentam com o
aumento da espessura da geomembrana. É necessário analisar os vários mecanismos de solicitação possíveis para
compreender por completo que tipo de resistência é que será crucial no seu projeto. Por exemplo, quando a geomembrana
é colocada sobre o aterro, existem vazios no material. Esses vazios com o tempo vão provocar uma deflexão da
geomembrana, causando esforços de tração e o seu alongamento. Em casos em que os vazios são em grande número e
profundos, podem implicar o uso de uma geomembrana especial, que consiga um bom desempenho. Em muitos casos, a
geomembrana é posta em contacto com um geotêxtil que aumenta muito a resistência total do sistema. Pela experiência
obtida, conclui-se que a resistência ao punçoamento de um geocompósito de geomembrana e geotêxtil (GMB+GTX) é
significativamente maior que apenas a da geomembrana. Pode-se afirmar também que em termos da resistência ao
punçoamento, é indiferente se o geotêxtil se encontra sobre ou sob a geomembrana. Mas noutros mecanismos, essa
posição do geotêxtil tem outras implicações. Alega-se ainda que em casos em que se colocam dois geotêxteis, uma em
cima e outro no tardoz, a resistência do sistema ainda é maior. A utilização de um sistema com geotêxtil sob a
geomembrana também é recomendável, por motivos construtivos, porque proporciona um ambiente limpo para que se
façam as ligações da geomembrana (Giroud et al,, 1992). Geralmente, é recomendada a utilização de um sistema triplo de
Geotêxtil-Geomembrana-Geotêxtil (GTX+GMB+GTX). Estes sistemas conseguem ser produzidos já acoplados, com uma
determinada aderência sem um possível deslizamento entre os geossintéticos.
33
As camadas de drenagem são utilizadas para detetar e coletar o escoamento que passa pela cortina de modo a
conduzir a água para um local que não seja prejudicial. Estas camadas são dimensionadas de maneira a terem uma
capacidade de escoamento suficiente, tendo em conta o que se prevê que passe pelo sistema. Na Figura 27 apresenta-se o
problema em questão.
Figura 27: Dimensionamento da espessura da camada de drenagem no tardoz do GSS.
Como tal, a sua espessura é obtida, para que consiga coletar e conduzir o escoamento que passa na
geomembrana.
𝐿𝐷 =𝑞
𝑘.sen 𝛽 (6)
onde LD é a espessura da camada de drenagem, que depende do caudal previsto por metro de desenvolvimento do
paramento, q, do coeficiente de condutividade hidráulica em questão, k, e ainda do ângulo de inclinação do talude, . Note-
se que a espessura da camada drenagem apenas tem que obedecer à condição de ser maior que LD, tal como se pode ver
na figura, pode ser adotada uma espessura maior.
Em suma, a escolha do material polimérico é feita de acordo com a influência regional, sendo afetada com as
condições esperadas no campo. A espessura da geomembrana é definida, essencialmente, pela sua resistência à tração. A
escolha é feita analisando se a capacidade de suportar os esforços e as ações do meio ambiente é suficiente, ou não. Em
caso negativo, é elevada a sua espessura ou adicionado um elemento de reforço ao sistema.
2.5.3.3 Análise de estabilidade do sistema
A estabilidade do sistema de geossintéticos prende-se com o estudo da sua estabilidade ao deslizamento na face
inclinada da barragem e da sua resistência ao arrancamento na vala de ancoragem (subsecção 2.5.3.4). A Figura 28
demonstra os problemas de estabilidade que devem ser tidos em conta.
A estabilidade deve ser verificada em várias situações: quando o reservatório está vazio, no seu enchimento,
quando se encontra a funcionar no nível pleno de armazenamento e no caso de um eventual rebaixamento rápido do nível
do reservatório. Quanto à verificação da estabilidade ao deslizamento, as situações mais críticas são o caso de reservatório
vazio e o caso em que ocorre um rebaixamento rápido com a possibilidade de instabilizar a cobertura.
1 – Aterro
2 – Escoamento resultante na camada de drenagem
3 – GSS
34
Figura 28: Problemas de estabilidade de GSS (adaptado de Gourc et al., 2004).
Quando se recorre a uma solução de geossintéticos em barragens, constituída por um ou mais geossintéticos, é
criado um ou mais planos de deslizamento potenciais de rotura do sistema. É então necessário fazer uma análise cuidada
dos movimentos possíveis entre a camada de solo e o geossintético, entre dois geossintéticos e, ainda, na interface do GSS
com uma possível cobertura. A estabilidade ao deslizamento tem que ser verificada em todas as interfaces. Em aplicações
como em barragens de aterro, estes sistemas estão sujeites a uma importante solicitação por gravidade devido ao seu
subleito inclinado. Obviamente que este problema apenas é discutido e analisado em sistemas no paramento de montante
da barragem, já que os sistemas internos não apresentam mecanismos de deslizamento.
A resistência essencial para a estabilidade contra o deslizamento advém das propriedades de atrito de cada
interface. Preferencialmente a interface crítica ao deslizamento deve ser a interface superior. Esta recomendação deve-se à
necessidade de esforçar o menos possível a geomembrana, uma vez que é o produto com menos resistência à tração e
pode comprometer o projeto. Como tal, é recomendado que a geomembrana seja instalada de forma a que a sua face com
menor atrito seja a superior (ICOLD, 2010).
Como resposta a esta problemática estão disponíveis alguns métodos de análise de equilíbrio limite. Mas
resultados mais detalhados, obtidos pelo método dos elementos finitos em Villard et al. (1999), permitem concluir que
algumas considerações sobre as propriedades das interfaces e as condições de fronteira são questionáveis, pelo que os
métodos de equilíbrio limite devam ser utilizados com muito cuidado e apenas para pré-dimensionamento. É apresentado na
Figura 29 o método mais simples baseado no equilíbrio limite, para uma barragem com sistema coberto no paramento de
montante, onde são representadas todas as interfaces passíveis de deslizamento. As forças representadas consistem nas
forças de atrito da interface que se geram pelo seu contacto, que dependem essencialmente dos ângulos de atrito das
respetivas interfaces, , valor este que para garantir a estabilidade tem de ser sempre superior ao ângulo do talude, . Na
figura o termo CL/GTX corresponde ao ângulo de atrito da interface entre a cobertura e o geotêxtil. O valor do ângulo de atrito
da interface entre o geotêxtil e a geomembrana é representado por GTX/GMB e, por último, o da interface entre o subleito e a
geomembrana é o GMB/SL. As forças F2 e F3 são opostas de igual valor e o mesmo acontece com as forças F4 e F5,
considerando que o sistema está em equilíbrio. Estas forças poderão induzir tensões de tração nos geossintéticos. A tensão
na geomembrana é calculada pela diferença entre a força F3 e F4 e o mesmo acontece para a tensão no geotêxtil, sendo
calculado pela diferença entre F1 e F2. Para casos em que o valor de F4 é superior ao de F3, a geomembrana não é
tensionada por este mecanismo, corroborando assim o que foi indicado anteriormente.
35
Figura 29: Análise das forças intervenientes no mecanismo de deslizamento (adaptado de ICOLD, 2010)
As tensões de corte são obtidas pela seguinte expressão:
𝜏 = (𝜎 − 𝑢) tg 𝛿 (7)
- tensão de corte
- tensão normal
𝑢 - pressão da água
- ângulo de atrito da interface
O cálculo da estabilidade ao deslizamento é garantido através do equilíbrio de forças tangenciais no sentido do
movimento. Sabendo que:
𝐹1 = 𝑁 tg 𝛿𝐶𝐿/𝐺𝑇𝑋 (8)
𝐹2 = 𝐹3 = 𝑁 tg 𝛿𝐺𝑇𝑋/𝐺𝑀𝐵 (9)
𝐹4 = 𝐹5 = 𝑁 tg 𝛿𝐺𝑀𝐵/𝑆𝐿 (10)
A estabilidade é verificada quando o equilíbrio é verificado, sabendo que a solicitação é o peso da cobertura por
unidade de comprimento (W):
𝐹𝑜𝑟ç𝑎 𝑆𝑜𝑙𝑖𝑐𝑖𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒 = 𝐹𝑜𝑟ç𝑎 𝑅𝑒𝑠𝑖𝑠𝑡𝑒𝑛𝑡𝑒 <=> 𝑊. sen 𝛽 = 𝑊. cos 𝛽 . tg 𝛿 <=> tg 𝛽 = tg 𝛿 (11)
Recomenda-se um cuidado elevado nesta verificação uma vez que não se teve em atenção qualquer tipo de
deformação e/ou de assentamento e também pelo que foi afirmado em Villard et al. (1999), exposto anteriormente. Assim
como não se tem geralmente em conta a pressão da água e se admite um modelo de talude infinito.
Admitindo que a geomembrana está selecionada, as variáveis a definir são o tipo e qualidade do material da
cobertura e a possibilidade de escolher geomembranas texturadas e/ou geocompósitos (Gmb+Gtx). Se o atrito não for o
suficiente para assegurar a estabilidade, pode-se optar por instalar um sistema de ancoragens. Existem dois casos
1 – Aterro
2 – Geomembrana (GMB)
3 – Geotêxtil (GTX)
4 – Cobertura (CL)
36
diferentes: um em que a cobertura desliza sobre o GSS e outro em que a interface instável é mais a baixo. Neste segundo
caso, a estabilidade vai depender do sistema de ancoragem, isto é, existe a perda de estabilidade se a interface em questão
estiver sujeite a uma tensão solicitante maior do que a tensão que a ancoragem poderá absorver. Obviamente, também
existe a perda de estabilidade se a tensão máxima de tração do geossintético for atingida.
Mas existem outros métodos, por exemplo, em Koerner (2005) é apresentado outro método formulado para um
talude finito e, ainda, outro em que se admite uma cobertura de espessura variável. Nestes métodos é tido em conta o efeito
da estrutura do pé do talude montante, ao contrário do que é feito no método com o talude infinito.
Os ângulos de atrito nas interfaces geossintético-solo ou geossintético-geossintético são muito dependentes do
processo de manufaturação, dos solos que se pretendem usar e das condições específicas da obra. Mesmo assim, vários
autores analisaram esta problemática e obtiveram alguns valores de ângulos de atrito. Os métodos de ensaio para esta
avaliação são os ensaios de corte direto e os ensaios de plano inclinado (Colmanetti, 2006). Nas tabelas 3, 4 e 5 são
apresentados alguns dos valores da bibliografia. Estes valores possuem uma grande especificidade. Em projeto de
barragens é de elevada importância a realização de ensaios específicos de determinação destes valores.
Tabela 3: Estudos do ângulo de atrito em interfaces geomembrana de PVC – solo (Williams & Houlihan,1987).
Tipo de solo 𝜹 (°)
Areia de Ottawa 26
Areia 33
Areia com 5% de argila 19
Areia com 10% de argila 19
Saprólito 28
Argila 23
Depósito glaciar 25
Tabela 4: Estudos do ângulo de atrito solo arenoso - geossintético (Koerner, 2005).
Tipo de geossintético Tipo de solo
Areia (=30°) Areia de Ottawa (=28°) Areia xistosa (=26°)
Gmb PEAD texturada 30° 26° 22°
Gmb PEAD lisa 18° 18° 17°
Gmb PVC texturada 27° - 25°
Gmb PVC lisa 25° - 21°
Gtx não tecido 26 - 30° 25° 25°
Gtx tecido 24 - 26° 25° 25°
37
Tabela 5: Estudos do ângulo de atrito geotêxtil – geomembrana (Koerner, 2005).
Tipo de geotêxtil Tipo de geomembrana
PEAD texturada PEAD lisa PVC texturada PVC lisa
Não tecido 28 - 32° 8 - 11° 20 - 23° 18 - 21°
Tecido 19 - 32° 6 - 10° 11 - 28° 10 - 24°
Por fim, analisa-se a perda de estabilidade dentro da própria cobertura, se esta for constituída por solo. Isto pode
acontecer em casos em que ocorra um rebaixamento rápido do nível da albufeira, podendo instabilizar a camada mais
exterior da barragem. Considera-se que a água presente na camada da cobertura se movimenta na direção paralela ao
talude e que a velocidade máxima do fluxo de água, que nesta situação está no sentido inverso ao natural, seja dada pela
seguinte expressão:
𝑣 = 𝑘 sen2 𝛿 (12)
onde o k é o coeficiente de permeabilidade da camada de cobertura em solo (m/s) e o ângulo 𝛿 é a inclinação da camada
em questão.
Se o rebaixamento se der com uma velocidade maior à velocidade máxima definida em (12), a camada de
cobertura poderá instabilizar devido a um excesso de poropressão. Esta perda de estabilidade poderá também ocorrer
localmente devido ao efeito das ondas da albufeira no talude (Colmanetti, 2006).
2.5.3.4 Vala de ancoragem
As ancoragens são um elemento muito importante no projeto de uma solução com geossintéticos em taludes
inclinados. Como já referido, as ancoragens servem para fixar o sistema, melhorar as condições de estabilidade ao
deslizamento e impedir o levantamento pela ação do vento ou pela ação das ondas da albufeira. As ancoragens também
têm outras vantagens sob o ponto de vista construtivo como a de evitar dobras ou folgas indesejáveis.
As ancoragens são geralmente feitas através do prolongamento da geomembrana para o interior do aterro,
geralmente, muito utilizado no coroamento. Ainda se podem fazer valas de ancoragem, em que esse prolongamento da
geomembrana acaba num segmento vertical, aumentando a superfície de interface com o solo do aterro. O sistema de
ancoragem é, geralmente, executado através da escavação de uma vala, a qual depois do sistema ser inserido é
preenchida com o solo do aterro devidamente compactado, com betão ou argila.
Em Koerner (2005) é disponibilizado um método de dimensionamento, para um e outro tipo de ancoragem. Na
Figura 30 apresenta-se o método de dimensionamento do primeiro tipo de ancoragem.
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Figura 30: Dimensionamento da ancoragem por prolongamento da geomembrana (adaptado de Koerner, 2005).
A filosofia de cálculo é similar à apresentada na Figura 26, notando apenas que, neste caso, a cobertura continua
a gerar a tensão normal, mas não contribui para a força de atrito sobre a geomembrana. Isto deve-se ao facto de que o solo
da cobertura movimenta-se em conjunto com a geomembrana. O dimensionamento do prolongamento da geomembrana é
feito obtendo o valor necessário de comprimento de ancoragem (LRO). Tendo em mente a equação (2) proveniente do
equilíbrio estático de forças horizontais, pode-se escrever a seguinte expressão:
𝑇 cos 𝛽 = 𝜎𝑛𝐿𝑅𝑂 tg 𝛿𝑈 + 𝜎𝑛𝐿𝑅𝑂 tg 𝛿𝐿 + 0,5 (2𝑇 sen 𝛽
𝐿𝑅𝑂) 𝐿𝑅𝑂 tg 𝛿𝐿 (13)
A tensão T é definida como sendo a força aplicada no GSS devido ao peso das camadas de cobertura no
desenvolvimento do talude entre ancoragens, ou seja, corresponde ao valor definido em (11) como sendo força solicitante.
Note-se que esta expressão é similar à descrita em (3) tendo como únicas diferenças a substituição do valor de x pela
incógnita do nosso problema e o valor de 𝛿𝑈 toma o valor nulo pelo que se explicou que a cobertura não entra no
mecanismo de resistência. Resolvendo (12) em função à incógnita, resulta a seguinte expressão:
𝐿𝑅𝑂 =𝑇(cos 𝛽−sen 𝛽 tg 𝛿𝐿)
𝜎𝑛 tg 𝛿𝐿 (14)
É de salientar que este valor é muito dependente do valor de tensão de tração que se gera na geomembrana
considerado para a análise. Para mobilizar a tensão máxima definida em (1) pela resistência máxima à tração da
geomembrana, seria necessário um LRO grande. Mas este cenário não é o melhor a considerar. É recomendável considerar
uma tensão inferior à tensão máxima de modo a produzir-se o arrancamento da geomembrana sem ocorrer a rotura desta.
Esta é uma questão deixada ao critério do projetista tendo em conta as especificações do projeto em questão.
No caso de construção de uma vala de ancoragem, o processo é descrito na Figura 31.
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Figura 31: Dimensionamento da vala de ancoragem (adaptado de Koerner, 2005).
Neste processo o mecanismo resistente é mais complexo. Para que se aumente a resistência ao arrancamento da
geomembrana são concebidas forças laterais no segmento vertical da ancoragem. São gerados assim impulsos: um do lado
interior do aterro na ancoragem, cuja resultante é representada por PA; do outro lado um impulso passivo, com a resultante
dada pelo valor de PP. Estas resultantes das pressões geradas devem-se ao impulso do peso das terras e ao impulso
proveniente da sobrecarga do solo acima da geomembrana. São calculadas da seguinte maneira:
𝑃∗ =1
2(𝛾𝐴𝑇𝑑𝐴𝑇)𝐾∗𝑑𝐴𝑇 + 𝜎𝑛𝐾∗𝑑𝐴𝑇 (15)
Sendo que a primeira parcela é o impulso de terras, em que tem em conta o peso volúmico do aterro, 𝛾𝐴𝑇 , e a
profundidade de ancoragem na vala, 𝑑𝐴𝑇 . A segunda parcela provém do impulso produzido pela sobrecarga, 𝜎𝑛. Ambas as
parcelas são afetadas pelo coeficiente de impulso que pode ser ativo, 𝐾𝐴, ou passivo, 𝐾𝑃. Estes coeficientes são calculados
pela teoria de Rankine:
𝐾𝐴 = tg(45° −𝜑
2⁄ )2 (16)
𝐾𝑃 = tg(45° +𝜑
2⁄ )2 (17)
onde 𝜑 representa o ângulo de atrito interno do aterro. Particularizando a equação (15) obtêm-se as duas expressões
seguintes:
𝑃𝐴 = (1
2(𝛾𝐴𝑇𝑑𝐴𝑇) + 𝜎𝑛) 𝐾𝐴𝑑𝐴𝑇 (18)
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𝑃𝑃 = (1
2(𝛾𝐴𝑇𝑑𝐴𝑇) + 𝜎𝑛) 𝐾𝑃𝑑𝐴𝑇 (19)
Definido o complemento de forças no sistema, o processo de dimensionamento passa, mais uma vez, pelo cálculo
do equilíbrio de forças horizontais:
∑ 𝐹𝑥 = 0 <=> 𝑇𝑥 = 𝐹𝑈𝜎 + 𝐹𝐿𝜎 + 𝐹𝐿𝑇 − 𝑃𝐴 + 𝑃𝑝 (20)
Este equilíbrio acaba por ter duas incógnitas de dimensionamento, o comprimento de ancoragem de
prolongamento, LRO, e a profundidade de ancoragem na vala, dAT. É prática comum admitir-se um LRO aceitável e calcular-se
o dAT, concluindo posteriormente se o valor calculado é aceitável/comportável.
2.5.3.5 Conceito de segurança
É necessário introduzir-se uma filosofia de segurança que garanta a integridade da estrutura e o seu bom
funcionamento. A verificação da segurança implica, obviamente, que as forças solicitantes sejam inferiores às forças
resistentes da estrutura. Esta comparação tem que ser feita de forma a garantir a segurança. Como tal e por haver
incertezas e variabilidade em relação às ações e resistências é essencial considerar uma margem adequada.
Tradicionalmente, esta margem tem sido considerada adotando a filosofia dos coeficientes globais de segurança.
Atualmente, adota-se um conceito introduzido pelos Eurocódigos que recorre a coeficientes parciais. Esta metodologia
consiste em minorar os parâmetros de resistências da estrutura e as propriedades dos materiais e majorar as ações
solicitantes, afetados por coeficientes parciais (pela multiplicação destes no caso de majoração e divisão para o caso de
minoração), fazendo com que na verificação da segurança esteja já incluída a margem adotada. Desta forma obtém-se uma
resistência de cálculo Rd e uma ação de cálculo Sd, sendo a verificação da segurança é feita da seguinte maneira:
𝑆𝑑 ≤ 𝑅𝑑 (21)
No projeto geotécnico existe uma norma específica apresentada no Eurocódigo 7 (EC7 – EN1997-1, 2010) que
inclui 5 estados limite: o de perda de equilíbrio estrutural ou do terreno (EQU), rotura ou deformação excessiva por parte de
elementos estruturais (STR), ou do terreno (GEO), a perda de equilíbrio provocada por subpressões (UPL) e, por último, o
levantamento (HYD). O EC7 indica valores adequados de coeficientes parciais para cada estado limite. Para o caso
presente, os estados limite que são analisados são o STR e o GEO, sendo previsto pelo EC7 três abordagens de cálculo,
isto é, três maneiras de proceder à verificação da segurança combinando diferentes valores de coeficientes:
Abordagem de cálculo 1 (AC1) com duas combinações possíveis:
o Combinação 1: usa os coeficientes de segurança referentes a A1, M1 e R1;
o Combinação 2: usa os referentes a A2, M2 e R1.
Abordagem de cálculo 2 (AC2) com os coeficientes referentes a A1, M1 e R2.
Abordagem de cálculo 3 (AC3) que recorre a A1 ou A2, M2 e R3.
em que as letras com os índices 1, 2 ou 3 correspondente a grupos diferentes de coeficientes parciais para a majoração das
ações (A) e para a minoração das propriedades dos materiais (M) e das resistências (R).
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A abordagem selecionada em Portugal para o projeto geotécnico é a abordagem de cálculo 1, pelo que será esta
a utilizada. Na Tabela 6 são apresentados os coeficientes aplicados às ações permanentes, com índice G, e às ações
variáveis, com índice Q.
Tabela 6: Coeficientes parciais de segurança para majoração de ações (LNEC, 2010).
Na Tabela 7 poderão ser consultados os coeficientes para a minoração das propriedades dos materiais.
Tabela 7: Coeficientes parciais de segurança para a minoração das propriedades dos materiais (LNEC, 2010).
Por último, o EC7 também inclui coeficientes de segurança que minoram as resistências e estes são definidos
consoante o tipo de estrutura e verificação em questão, poderão ser consultados na Tabela 8.
Tabela 8: Coeficientes parciais de segurança para a minoração das resistências (LNEC, 2010).
Tendo em conta esta regulamentação, o pré-dimensionamento e todos os cálculos que serão realizados no âmbito
desta dissertação vão ter em conta estes coeficientes parciais de segurança, recorrendo à AC1, combinação 2, e alterando
assim os métodos de dimensionamento acima descritos.
2.5.4 Pormenores construtivos
Os pormenores e métodos construtivos são muito dependentes da aplicação específica do GSS e das condições
da obra. A produção de geomembranas pode ser feita de duas maneiras: uma em fábrica e, posteriormente, fornecidas em
rolo ou em painel (no caso das geomembranas mais flexíveis como em PVC, por exemplo); ou então pode ser feita “in situ”,
por impregnação por spray de um material de reduzida permeabilidade. Este último tem a vantagem de não ter a
necessidade de se executar ligações para fazer uma geomembrana contínua e a sua ligação com estruturas de betão,
condutas, entre outras, é muito mais fácil. No entanto, o controlo de qualidade é mais difícil (principalmente em paramentos
inclinados devido ao escoamento do material de impregnação), a gama de produtos a impregnar ainda é muito limitada e
muitos podem causar problemas devido a toxicidade e a temperatura, entre outros. Nas duas maneiras existe a
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possibilidade de reforçar a geomembrana com materiais têxteis e de dotar as suas faces de rugosidade e textura
adequadas, por forma a aumentar o seu ângulo de atrito na interface (Giroud et al., 1992).
As geomembranas em painel são produzidas em fábrica por ligação de rolos de geomembrana para ir de encontro
às condições específicas em campo. Este tipo de preparação só pode ser feita em geomembranas flexíveis e delgadas. Em
membranas de PE, por apresentarem uma moderada rigidez, apenas são disponibilizadas em rolo. O transporte destes
elementos tem que ser feito com cuidado, para evitar a sua danificação, e corretamente etiquetado, com as suas
dimensões, o material polimérico, o fabricante e o código de referência de obra. O seu armazenamento em obra também
tem que ser feito de forma a evitar quaisquer danos no material e ainda a proteger as geomembranas de degradação, por
exemplo, pela ação da radiação solar. As necessidades de armazenamento poderão ser minimizadas se a instalação for
feita logo de seguida à sua receção.
Antes da instalação, são realizados dois procedimentos. O primeiro trata-se da inspeção da camada de suporte do
GSS, devendo garantir-se que a camada superficial seja firme, o mais lisa possível e sem elementos que possam danificar o
sistema. É importante garantir que o subleito seja o mais plano possível de modo a que o sistema esteja sempre contacto
com o terreno e sem trações. Caso contrário, as depressões ou as saliências no terreno pode causar a concentração e o
aumento de tensões na geomembrana. Estas depressões poderão aparecer na fase de exploração da barragem, por
compactação deficiente e pela ação da água. O segundo procedimento será a preparação da instalação, devendo garantir-
se que as ancoragens estejam prontas para serem realizadas e que se dispõe dos diferentes materiais a instalar de acordo
com as suas especificidades. Pela forma do paramento de montante da barragem é usual produzirem-se rolos com
tamanhos diferentes e painéis de geometrias diferenciadas, sendo necessário fazer essa distinção e garantir que os
materiais são instalados tal como preconizado em projeto.
A instalação é realizada na horizontal, essencialmente, quando existem banquetas no paramento da barragem ou,
mais usual, dispostas verticalmente ao longo do paramento. O rolo ou o painel é desenrolado ao longo do seu comprimento
e só depois desenrolado ao longo da sua largura (se aplicável). De seguida a geomembrana é colocada na sua posição
correta de modo a garantir uma suficiente sobreposição para a sua ligação. Assim que as ligações são feitas, é usado um
sistema de contrapeso (geralmente sacos de areia) para manter a posição do sistema.
As condições ideais para a instalação de geomembranas são em clima seco e moderadamente ameno. Em
condições mais adversas é necessário estudar os seus efeitos na integridade do sistema. Na instalação das
geomembranas, é usual recorrer-se a altas temperaturas para a sua ligação, o que produz a contração da geomembrana
quando a temperatura volta a ser a ambiental. Tipos de geomembranas diferentes apresentam valores de coeficientes de
expansão térmica diferentes. Na sua instalação é necessário ter isso em conta e deixar uma folga para que não se gerem
esforços excessivos de tração na geomembrana. Poderão ser adotados métodos mais cuidadosos, como, por exemplo, a
instalação noturna. Em relação à ação do vento, o levantamento do sistema torna-se mais difícil de ocorrer se todo sistema
for ligado logo após a instalação. Isto é, a ligação do sistema deve acompanhar os avanços da sua instalação.
A ligação das geomembranas é muito importante e pode determinar o sucesso ou o insucesso de um sistema
deste tipo, tanto a curto prazo como a longo prazo. Sem ligações adequadas o projeto de uma cortina de geossintéticos
perde o sentido uma vez que deixa de cumprir as suas funções. Existem várias formas de execução de ligações. A escolha
vai depender do tipo e caraterísticas da geomembrana e ainda de condições específicas de campo. Pode ser feita
recorrendo a processos térmicos (por extrusão ou fusão) ou a processos químicos (fusão química ou através de adesivos
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químicos) (Koerner, 2005). São feitas, essencialmente, recorrendo a uma sobreposição de geomembranas de 0,10 a 0,30 m
por forma a formar uma película contínua. Na Figura 32 apresentam-se esquematicamente os vários tipos de métodos
usados para efetuar a ligação de geomembranas.
Figura 32: Tipos de ligações: a) por extrusão; b) por fusão; c) por fusão química e d) por adesivos químicos (adaptado de
Koerner, 2005).
O método tem que ser escolhido tendo em conta a temperatura, a pressão e a sua rapidez de execução. A
temperatura e a pressão podem alterar as caraterísticas finais da geomembrana contínua. Por exemplo, ao fazer-se a
ligação por fusão térmica é necessário chegar ao derretimento das geomembranas. Se for feito com temperatura
demasiadamente elevada irá enfraquecer o produto final, se a temperatura for insuficiente para causar o seu derretimento, a
ligação fica mal executada. Em relação ao tipo de geomembranas mais utilizadas, com base na experiência obtida, conclui-
se que para as de PEAD podem-se usar apenas os métodos térmicos e que para as de PVC apenas os métodos de
extrusão é que não são aplicáveis (Koerner, 2005).
No caso da solução escolhida ser um sistema no paramento de montante coberto, é necessário ter muito cuidado
com a colocação do material de cobertura para que não danifique a integridade do sistema. Quando se colocam soluções
pesadas de cobertura, usualmente, recorre-se à instalação de um geotêxtil sobre a geomembrana por proteção. O geotêxtil
também irá servir para melhorar as condições de estabilidade da cobertura, por exemplo, em betão projetado. No caso da
cobertura ser feita de material granular, é estabelecido um diâmetro máximo do grão de 12 mm por motivos de proteção do
sistema. Não é aconselhado que o material granular seja empurrado porque pode solicitar o sistema e rasgá-lo.
44
3. Barragem do Pico da Urze: caraterísticas e pré-dimensionamento
3.1 Considerações introdutórias
Nesta segunda parte da dissertação, parte primeira do desenvolvimento da mesma, é feita uma introdução geral
ao projeto em estudo, o da barragem do Pico da Urze. Consiste num projeto recente, na ilha da Madeira, que se encontra,
neste momento, em concurso público para a sua construção. Será feita uma análise detalhada das condições específicas
locais, nomeadamente, as condições geológicas e geotécnicas. Falar-se-á do projeto da barragem que recorre a um GSS
no paramento de montante, explicitando o seu perfil-tipo, a sua constituição e as técnicas construtivas que irão ser
utilizadas, entre outros.
Serve como objetivo deste capítulo o de aplicar a problemática da presente dissertação, especificamente, o
dimensionamento e estudos de estabilidade do GSS selecionado. Será feito um pré-dimensionamento da barragem e uma
pré-seleção do GSS de modo a definir a geometria final da mesma. Será feito um juízo sobre o tipo de ancoragem a instalar
no sistema, a sua geometria e a sua frequência ao longo do perfil transversal.
3.2 Descrição do projeto
3.2.1 Informação geral
A barragem do Pico da Urze consiste numa barragem de aterro localizada na região autónoma da ilha da Madeira,
mais concretamente, no concelho da Calheta no Paul da Serra, com uma capacidade de armazenamento de 1,021 hm3. Na
Figura 33 mostra-se a área em estudo na ilha da Madeira e na Figura 34 apresenta-se a sua localização específica. Este
projeto está integrado num conjunto de projetos de construção de várias infraestruturas com o objetivo de ampliar a
capacidade de produção de energia do sistema de aproveitamento hidroelétrico da Calheta. Iniciativa da Empresa de
Eletricidade da Madeira, S.A., o presente projeto da barragem serve também o propósito de aumentar a capacidade de
armazenamento e, consequentemente, a otimização da exploração dos recursos hídricos existentes. Especialmente nesta
área de Portugal, existem muitos esforços para a regularização dos caudais de cursos naturais de água, fazendo com que
este projeto em si também tenha um caráter regulador inerente.
Figura 33: Área de estudo na ilha da Madeira (MECASOLOS, 2014)
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Figura 34: Localização específica da barragem do Pico da Urze (MECASOLOS, 2014).
Tratando-se de uma obra pública de envergadura e de elevada exigência técnica, são tomadas muitas precauções
de modo a garantir a segurança e o seu bom e correto funcionamento. Além da barragem em si, estão previstos em projeto
vários edifícios de apoio, assim como, a introdução de um açude a montante, um sistema de restituição e, ainda, o
revestimento de uma levada para maximizar afluências à barragem. O açude de montante servirá o propósito de conter
detritos e partículas de maiores dimensões que poderão afetar e diminuir o volume útil de armazenamento da barragem.
Este facto faz com que as limpezas da albufeira possam ser feitas com uma frequência menor. A jusante encontra-se a
central da Calheta III, local onde os caudais são turbinados. Esta central contempla um sistema de restituição por
bombagem, recorrendo a energia eólica. O sistema funcionará no período noturno, elevando água de volta para a barragem
do Pico da Urze.
A barragem, com uma altura máxima de 31 m acima da fundação, é constituída por um corpo côncavo de aterro
de enrocamento de granulometria extensa, apresentando um volume de 223 475 m3. O coroamento encontra-se à cota
1354,00 m e possui um desenvolvimento de 620 m em rodovia, com 8 m de largura, dos quais 6 são para as faixas de
rodagem. A sua alimentação é feita por dois cursos naturais de água, a Ribeira do Alecrim e a Levada Velha do Paul, em
regime sob pressão, sendo feita através de dois túneis diretamente para o fundo da albufeira. De modo a aumentar o
volume útil de armazenamento, vai ser feita uma escavação na área da albufeira até à cota de projeto de 1329,00 m. O
nível de pleno armazenamento, NPA, é igual a 1352,00 m (com uma folga de 2,0 m), e o nível de máxima cheia, NMC, a
1352,60 m. A barragem irá possuir um descarregador de cheia e uma descarga de fundo à cota de 1330,45 m. A barragem
compreende ainda uma cortina no paramento de montante composta por um GSS que garante a sua estanqueidade. Possui
também uma camada de material de transição de granulometria extensa entre o GSS e o corpo da barragem. Na Figura 35
apresentam-se os fusos granulométricos dos materiais constituintes da barragem e da respetiva fundação. O sistema de
geossintéticos é prolongado revestindo toda a zona da albufeira. No pé de montante da estrutura irá apresentar uma
banqueta estabilizadora horizontal a cota variável, feita de material de transição. A sua extremidade de montante marcará o
início das escavações de afundamento da albufeira.
46
3.2.2 Enquadramento Geológico-geotécnico
De modo a conhecer o enquadramento geológico-geotécnico da zona da barragem do Pico da Urze foi executada
uma campanha de sondagens. Foi feito um estudo de caraterização dos materiais encontrados à superfície e em
profundidade, concluindo com valores de condutividade hidráulica e caraterísticas de resistência e deformabilidade do
terreno fundação da barragem. As 12 sondagens foram feitas com recurso a um equipamento de rotação e foram realizados
ensaios de penetração dinâmica (SPT) e ensaios de permeabilidade Lefranc, permitindo conhecer os materiais presentes no
maciço rochoso e caraterizar o terreno em profundidade.
Sequencialmente à obtenção dos resultados das sondagens mecânicas, fizeram-se as respetivas análises e
concluiu-se com um consequente zonamento geotécnico da fundação da barragem. O zonamento obtido teve como base,
não só a descrição obtida com as sondagens, mas também a interpretação da distribuição esperada dos materiais
vulcânicos presentes na zona. Devido à natureza vulcânica apresentada pelas litologias encontradas, teve-se em conta a
grande variabilidade das propriedades e a sua distribuição irregular, tendo sido consideradas cinco zonas geotécnicas
diferentes. A Tabela 9 resume as informações obtidas das cinco zonas geotécnicas consideradas.
As condições encontradas no local da barragem permitiram concluir que, dada a grande heterogeneidade das
formações, estas não são muito favoráveis para servir de fundação. Aparecem formações muito deformáveis com alguma
frequência, tanto em superfície como em profundidade. Por esta razão, foi selecionado o tipo da barragem de aterro.
Considerou-se também que, excluindo a camada de terra vegetal e de depósitos de cobertura (ZG5), as propriedades e as
condições geológicas e geotécnicas não melhoram significativamente com a profundidade.
Figura 35: Fusos granulométricos dos materiais da barragem e da sua fundação (MECASOLOS, 2014).
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Tabela 9: Zonamento geotécnico da fundação da barragem do Pico da Urze (MECASOLOS, 2014).
No Tabela 10 pode-se verificar que ocorrem, essencialmente, as brechas (ZG2) e os tufos brechoides (ZG3) e, em
menor expressão, os basaltos (ZG1) e os tufos (ZG4), dependendo da litologia e não da profundidade. Por estes motivos,
executou-se uma escavação geral apenas de forma a excluir a ZG5. Considerou-se suficiente uma escavação geral de 1,5
m a 2,0 m. O volume de escavação estimado é de 53,020 m3. Fica desde já sublinhada a necessidade de serem
confrontadas as condições encontradas durante a construção com as que foram consideradas em projeto de modo a validar
os pressupostos considerados.
Tabela 10: Síntese dos resultados obtidos nas sondagens da fundação da barragem (MECASOLOS, 2014).
Em relação à permeabilidade dos terrenos de fundação da barragem, os ensaios de permeabilidade Lefranc foram
feitos a partir de 3,0 m de profundidade, a cada 1,5 m de perfuração, confirmando uma permeabilidade considerável do
terreno. Por este facto, é totalmente justificada a impermeabilização integral da albufeira e da barragem, recorrendo a um
sistema de geossintéticos.
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Foi realizado um levantamento de possíveis afloramentos de enrocamento para, posteriormente, servir de local de
extração de material para a construção do corpo da barragem. Estimou-se um volume de enrocamento necessário de
177,291 m3 e de material de transição de 46,184 m3. Junto ao local da futura barragem foram identificados alguns blocos
rochosos (Figura 36) e pequenos afloramentos basálticos (Figura 37), mas em quantidade insuficiente para constituir todo o
corpo da barragem. Apresentam a grande vantagem de se localizarem no volume de escavação da albufeira para a
ampliação do seu volume útil, ficando assim ao critério do adjudicatário a questão da sua utilização. Outra questão
analisada foi a da utilização do material rochoso proveniente das obras de restituição da Central da Calheta III com
caraterísticas adequadas para a sua reutilização e incorporação na barragem do Pico da Urze. Estima-se que o material
destes dois locais seja o suficiente para construir a barragem. Com essa antevisão, foi feita uma campanha para a extração
de amostras de fragmentos dos blocos rochosos na zona da albufeira, cujos resultados serão apresentados no subcapítulo
seguinte. Estudaram-se ainda duas alternativas possíveis de obtenção de material rochoso. A primeira alternativa viável é a
extração e o transporte do material proveniente de uma pedreira em exploração, a Pedreira da Malhadinha, situada a 7 km
do local da barragem. Outra hipótese é a extração do material de um afloramento situado na Bica da Cana, apresentado na
Figura 38, a uma distância similar do local.
Figura 36: Blocos rochosos encontrados na zona da albufeira (MECASOLOS, 2014).
Figura 37: Afloramento basáltico encontrado na zona de escavação da albufeira (MECASOLOS, 2014).
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Figura 38: Afloramento de rocha na Bica da Cana (MECASOLOS, 2014).
3.2.3 Caraterização dos solos e enrocamentos
Numa visita em 2011 foram recolhidas amostras de solos e fragmentos rochosos para materiais de enrocamento
(MECASOLOS, 2014).
As amostras de solos foram obtidas junto aos poços abertos na fase de prospeção geotécnica. Segundo
resultados obtidos de análises realizadas às amostras colhidas no LNEC e no Laboratório Regional de Engenharia Civil
(LREC), os solos encontrados no local da barragem não eram apropriados para constituírem a zona impermeável da
barragem. Os solos apresentavam uma quantidade significativa de silte e argila, com limites de consistência de
determinação impossível. Exibiam valores de teores em água naturais e ótimos bastante elevados e pesos volúmicos secos
muito baixos, não sendo aconselhável o seu uso neste tipo de aplicações, dado que iriam apresentar dificuldades de
espalhamento e de compactação. Outra razão para a sua não utilização é o facto de apresentarem média a elevada
permeabilidade.
Por forma a estudar a viabilidade da utilização de enrocamentos para a construção da barragem, também foram
recolhidas amostras de materiais de enrocamento junto ao local da barragem. Colheram-se amostras de basalto compacto
(E1) e amostras de basalto com uma estrutura vacuolar (E2) encontradas no local. As amostras foram colhidas para serem
sujeitas a uma série de ensaios de modo a serem determinadas as suas caraterísticas físicas e mecânicas. Para além de
boas caraterísticas de resistência e deformabilidade, o enrocamento deverá também apresentar uma granulometria bem
extensa. Para a sua caraterização físico-mecânica foram determinadas as seguintes propriedades:
Porosidade, pelo método do paquímetro e o das pesagens hidrostáticas, absorção e peso volúmico, resultando em
valores bastante reduzidos de porosidade e de teor em água de absorção, no caso do E1, ao contrário da amostra E2,
apresentando ambos elevados valores de peso volúmico;
Resistência à compressão uniaxial, que permitiu concluir valores médios de 254 MPa, para a amostra E1, e 32
MPa para a E2, apresentando uma maior variabilidade este último valor;
Resistência à carga pontual, que corroborou os valores anteriores, resultando em valores maiores, no caso do E1,
da ordem do triplo dos valores para a amostra E2;
Resistência ao esmagamento, superior no basalto compacto;
50
Desgaste pelo ensaio de desgaste Los Angeles, em que se obteve 11% e 33% para as amostras E1 e E2,
respetivamente;
Degrabilidade em que resultou um coeficiente de degrabilidade de 1,5 para ambos os materiais;
Fragmentabilidade, de acordo com a norma francesa, em que se obteve 1,5 e 1,6 para os coeficientes de
fragmentabilidade das amostras, respetivamente;
De acordo com os resultados obtidos, foram classificadas as amostras de acordo com a classificação do LNEC,
resultando a classe 1 para a amostra de basalto compacto, caraterística de um material de alta resistência. Já o basalto
vacuolar foi classificado como sendo a classe 2 ou 3, isto é, de média a baixa resistência. Ainda foi utilizada outra
classificação própria para enrocamentos, a de Marsal e Resendiz (1975). A partir desta, o basalto compacto ficou
classificado como sendo de elevada resistência, enquanto que o basalto vacuolar foi considerado como um material de
baixa resistência. Com esta classificação é possível obter-se os parâmetros finais de resistência ao corte e o módulo
edométrico com base em ábacos produzidos pelos referidos autores. Considerando uma altura máxima de aterro de 25 m,
aproximadamente, e um peso volúmico do enrocamento de 19 kN/m3, o ângulo de atrito interno obtido foi de 52° e um
módulo edométrico de 120 a 140 MPa. Pela natureza do material de enrocamento considera-se um coeficiente de poisson
de 0,23. Utilizando o valor mais conservativo de módulo edométrico, 120 MPa, o valor para o módulo de Young é de 139
MPa. Por último, deve-se sublinhar que as amostras foram colhidas à superfície o que quer dizer que com a escavação da
albufeira poder-se-á encontrar materiais rochosos de melhores caraterísticas. De ter em conta também que é de se esperar
que o material proveniente da pedreira supracitada seja de melhores caraterísticas mecânicas pela sua menor solicitação
aos agentes atmosféricos.
Para os solos de fundação também foram colhidas 3 amostras em valas de profundidades entre os 2,6 m e os 3,0
m. Os materiais recolhidos detinham um aspeto de tufo desagregado e eram caraterizados por um teor de água natural
elevado, entre 57,3 % e 59,2 %. Foram realizados ensaios de deformabilidade (ensaios edométricos) e ensaios de
resistência ao corte (ensaios triaxiais do tipo consolidado não drenado – CU). Considerou-se um valor para o coeficiente de
Poisson de 0,30, habitual para solos argilosos. A partir dos ensaios edométricos em amostras de tufos desagregados,
chegou-se a uma valor médio do módulo de deformabilidade de 4,3 MPa. No entanto, considerada uma profundidade de 20
m para a determinação dos assentamentos da fundação, as sondagens permitem afirmar que na fundação existem terrenos
em profundidade menos deformáveis (Tabela 10). Deste modo, o módulo de deformabilidade equivalente considerado é de
10 MPa. Os ensaios triaxiais permitiram representar as transformadas da envolvente de Mohr com o critério de rotura da
inversão da pressão intersticial. Na Figura 39 pode-se ver os resultados da variação da tensão deviatórica com a extensão
axial obtida no ensaio triaxial realizado a uma dada amostra de solo de fundação com uma tensão de confinamento de 300
kPa. Na Figura 40 é representada uma envolvente da transformada de Mohr de uma amostra com o critério especificado.
Os parâmetros de resistência ao corte do solo de fundação foram obtidos pelas transformadas da envolvente de
Mohr de todas as amostras. Adotando a média dos resultados chegou-se a um valor de ângulo de atrito interno de 35°
(’=35°) e a um peso volúmico médio dos solos de 16 kN/m3 (yt=16 kN/m3).
Em relação ao material de transição pode-se inferir algumas propriedades a partir do seu fuso granulométrico
apresentado na Figura 35. Consiste num solo de granulometria não muito extensa, apresentando grandes percentagens de
areia e de cascalho. Um solo sem finos deste calibre pode ser considerado um cascalho arenoso com um ângulo de atrito
interno não inferior a é 38° (’=38°) e um peso volúmico de 18 kN/m3 (yt=18 kN/m3).
51
Figura 39: Ensaio triaxial vs. tensão deviatórica a uma tensão de confinamento de 300 kPa (MECASOLOS, 2014).
Figura 40: Envolvente da transformada da Mohr (MECASOLOS, 2014).
3.3 Pré-dimensionamento
3.3.1 Considerações introdutórias
No pré-dimensionamento desta barragem, neste subcapítulo, pretende-se obter o seu perfil-tipo a partir de
estudos preliminares de estabilidade. Começar-se-á com a definição da cobertura e com o efetivo dimensionamento. Será
selecionado o sistema de geossintéticos a instalar e será feita a respetiva análise de estabilidade. Dimensionar-se-á o seu
sistema de ancoragem ao longo do corpo da barragem e também no interior da albufeira. Por fim, serão feitos estudos de
estabilidade global dos taludes de montante e jusante da barragem. Note-se que as inclinações do paramento de montante
da barragem consideradas serão 1:1,5, 1:1,75 e 1:2 (V:H) devido às recomendações da ICOLD apresentadas na Tabela 1
e, por motivos de rentabilidade da obra, não convirá diminuir muito a inclinação em questão.
Como conclusão desta parte da dissertação espera-se a definição do perfil-tipo da barragem com todos os
elementos referentes ao sistema de geossintéticos pré-dimensionados, bem como os que são influenciados por este. O
perfil tipo garantirá a segurança da secção transversal mais condicionante da barragem, ou seja, a secção que possui um
52
maior volume e maior altura de aterro, assegurando desta forma que o pré-dimensionamento irá satisfazer as necessidades
de segurança de todas as secções transversais da barragem.
3.3.2 Cobertura
Tendo em conta que o sistema a dimensionar será localizado no paramento de montante da barragem, opta-se
por um sistema coberto por um riprap convencional. Apesar da existência de estruturas de retenção de caudais sólidos, a
cobertura permitirá uma proteção eficaz do GSS contra eventuais detritos, flutuantes ou não. Evitará também a solicitação
de vários agentes atmosféricos no sistema de geossintéticos, como o vento e as ondas da albufeira, entre outros. Por
último, evitará também atos de vandalismo que possam romper ou danificar a estrutura. Desta forma, consegue-se garantir
uma vida útil maior para o GSS.
O riprap consiste numa camada de enrocamento disposta aleatoriamente em cima do talude da barragem. Esta
deve ser dimensionada para ser (Fell et al., 2005):
Suficientemente espessa para conseguir dissipar a energia proveniente das ondas da albufeira;
Suficientemente forte para absorver o impacto das ondas da albufeira, sem que estas o deformem,
partam ou provoquem a sua abrasão;
Suficientemente durável para aguentar com a exposição aos agentes atmosféricos e diferentes níveis do
reservatório sem se desintegrar, nem se tornar mais fraco.
Para o seu dimensionamento recorreu-se a um método apresentado em Fell et al. (2005), baseado em US Corps
of Engineers (USACE, 1976) e Saville et al. (1962), que preconiza um dano na camada de cobertura de 0 a 5% se as ondas
não ultrapassarem a altura de cálculo estimada. O método disponibiliza a seguinte expressão para o cálculo da espessura
da camada de cobertura de riprap (r) em metros:
𝑟 = 𝑛 𝐾∆ (𝑊𝛾𝑟
⁄ )0,33
(22)
onde n é o número de subcamadas da cobertura (considera-se uma camada única), 𝐾∆ um coeficiente de forma (considera-
se de valor unitário para enrocamento angular e disposto aleatoriamente), W o peso do enrocamento em kN e, por fim, 𝛾𝑟 é
o peso volúmico do riprap, em kN/m3. Considerar-se-á um valor de peso volúmico de 22 kN/m3.
O peso do enrocamento é dado pela expressão (23):
𝑊 =𝛾𝑟 𝐻3
𝐾𝑅𝑅(𝑆𝑟−1)3cot 𝛽 (23)
onde H é a altura de cálculo da onda da albufeira provocada pela ação do vento em metros, 𝐾𝑅𝑅 é um coeficiente de
estabilidade (considera-se de valor igual a 2,5), 𝑆𝑟 é igual ao rácio entre o peso volúmico 𝛾𝑟 e o da água (𝛾𝑤) e, por fim, 𝛽
é o ângulo do talude de montante.
Para dimensionar a espessura da camada de riprap começa-se por definir a altura de cálculo da onda da albufeira
provocada pela ação do vento. Primeiramente, calcula-se o fetch efetivo da barragem, como descrito na Figura 41:
53
Figura 41: Cálculo geométrico do fetch efetivo (Fell et al., 2005).
O fetch efetivo recorre ao conceito de fetch máximo, que é definido pela reta de maior comprimento que se
consegue traçar desde o coroamento da barragem até aos limites da albufeira. A partir do fetch máximo e mais 14
segmentos afastados entre si de 6° (sendo 7 para cada lado do segmento máximo a partir do coroamento da barragem), o
fetch efetivo consiste na média aritmética dos 15 comprimentos, tendo assim em conta a forma da albufeira, que se calcula
da seguinte maneira:
𝐹𝑒 = ∑ 𝑥𝑖 cos 𝑎𝑖
15𝑖=1
∑ cos 𝑎𝑖15𝑖=1
(24)
onde Fe é o fetch efetivo da barragem, em km, 𝑥𝑖 os comprimentos dos segmentos de recta e 𝑎𝑖 os seus ângulos
respetivos.
Os cálculos e resultados obtidos podem ser consultados na Figura 42 e na Tabela 11.
Figura 42: Cálculo geométrico do fetch efetivo
54
Tabela 11: Cálculo do Fetch efetivo.
ai (°) xi desenho xi real (km) cos(ai) xi cos(ai)
-42 6 0,126 0,743 0,094
-36 7,2 0,152 0,809 0,123
-30 8,4 0,177 0,866 0,153
-24 9,9 0,208 0,914 0,190
-18 12,3 0,259 0,951 0,246
-12 15,1 0,318 0,978 0,311
-6 16,2 0,341 0,995 0,339
0 21,7 0,457 1,000 0,457
6 18,6 0,392 0,995 0,389
12 14,6 0,307 0,978 0,301
18 12,6 0,265 0,951 0,252
24 12 0,253 0,914 0,231
30 12,1 0,255 0,866 0,221
36 13 0,274 0,809 0,221
42 13,1 0,276 0,743 0,205
Total: 13,511 3,733
Fetch (km) 0,276
Fetch
(milhas) 0,173
Seguidamente é necessário definir-se a velocidade máxima do vento. Por falta de informação optou-se por utilizar
os dados disponíveis e a velocidade máxima medida nos últimos 20 anos corresponde ao temporal de 31 de Janeiro de
1998 em que se registou uma velocidade de 80 km/h (Sepúlveda, 2011). De acordo com o método que se está a seguir, é
necessário fazer uma correção para se obter o valor de cálculo da velocidade do vento na água em vez do valor em terra,
que é menor. A correção faz-se pela inclusão de um coeficiente dependente do valor do fetch de acordo com a Tabela 12.
Tabela 12: Coeficiente de correção da velocidade do vento (Fell et al., 2005).
fetch efetivo (km) Fe 0,8 1,6 3,2 4,8 6,4 >8
Rácio de velocidade do vento
Uágua/Uterra 1,08 1,13 1,21 1,26 1,28 1,3
Tendo em conta que o valor calculado para o fetch é menor que o mínimo apresentado, considera-se o valor
correspondente desse valor de fetch, a favor da segurança. Os valores obtidos são apresentados na Tabela 13.
Tabela 13: Valores corrigidos da velocidade do vento.
Uterra (km/h) 80
Coeficiente 1,08
Uágua (km/h) 86,4
U (milhas/h) 54
Prosseguindo com o processo, recorre-se a dois ábacos disponibilizados na bibliografia em questão. No primeiro
ábaco calcula-se a altura significativa da onda (Hs), em pés, a partir do fetch efetivo, em milhas, e da velocidade do vento,
em milhas por hora. A altura significativa da onda define-se como sendo a média das alturas do terço superior das ondas
55
analisadas durante o período de observação. Pode-se consultar na Figura 43. No segundo calcula-se o período da onda (T),
em segundos, a partir dos mesmos valores usados no ábaco anterior. Pode-se consultar na Figura 44.
Figura 43: Altura significativa da onda, Hs (Fell et al., 2005).
Figura 44: Período da onda, T (Fell et al., 2005).
Com a obtenção deste último valor calcula-se o comprimento de onda (L) em metros a partir da seguinte
expressão:
𝐿 = 1,56 𝑇2 (25)
Os valores obtidos encontram-se resumidos na Tabela 14.
Tabela 14: Valores caraterizadores da onda.
Hs (pés) 1
Hs (m) 0,3
T (s) 1,7
L (m) 4,5084
56
Por fim, a altura de cálculo da onda (H) é dada pela média das alturas do décimo superior das ondas analisadas
durante o período de observação. Esta variável pode ser obtida a partir do Hs calculado, sendo que este tem de ser
multiplicado por um coeficiente de majoração igual a 1,27, o que resulta em 0,381 m. Com o valor de H definido, procede-se
ao cálculo efetivo da espessura da camada de cobertura de acordo com as expressões (22) e (23). Os resultados obtidos
encontram-se resumidos na Tabela 15, para as inclinações do talude definidas anteriormente.
Tabela 15: Resultados finais do dimensionamento da cobertura.
Inclinação
1:1,5 1:1,75 1:2
W (kN) 0,188 0,161 0,141
r (m) 0,212 0,201 0,193
A espessura média da camada de cobertura de riprap a adotar tem que proteger eficazmente o sistema e para tal
é necessária uma espessura de, aproximadamente, 0,25m. Mas o procedimento utilizado contem incertezas, como, por
exemplo, o valor de extremo climatológico da velocidade do vento, entre outras. Tendo em conta que o material de
cobertura é grosseiro, anguloso e disposto aleatoriamente, por questões construtivas convém adotar uma espessura maior,
além do facto de que se está do lado da segurança. Pela altura de cálculo da onda, pode-se estimar o diâmetro médio (D50)
e o diâmetro máximo (D100) do rip rap a partir de dados apresentados em Fell et al. (2005). O D50 é igual a 0,21m e o D100
igual a 0,30m, aproximadamente. Isto faz com que, obrigatoriamente, a camada seja de espessura superior ao valor de
D100, no mínimo. Como tal, adotar-se-á uma espessura média de 0,35m.
Para a estimativa da folga a adotar, é necessário calcular o espraiamento da ondulação gerada pelo vento (R) e a
sobrelevação do nível da albufeira devido à maré de vento (S). Em Fell et al. (2005) é dito que a folga mínima acima do
NMC tem que ser o valor maior entre 0,9 m e a soma de R com S para o vento habitual esperado. O R pode ser calculado
pela expressão (25) e o S pela expressão (26):
𝑅 =𝐻
0,4+(𝐻 𝐿)0,5cot 𝛽⁄ (26)
𝑆 =𝑈2𝐹𝑒
62000𝐷 (27)
Onde U é a velocidade do vento em m/s e D a altura média considerada para a barragem (21 m).
Considerando uma velocidade do vento de 80 m/s, como nos cálculos anteriores, como sendo o vento habitual e
que o ângulo é a inclinação do talude, os resultados são os que se encontram expostos na Tabela 16.
Tabela 16: Cálculo da folga.
Inclinação
1:1,5 1:1,75 1:2
R (m) 0,484 0,447 0,416
S (m) 0,000 0,000 0,000
R+S 0,484 0,448 0,416
Pelos resultados obtidos, pode-se concluir que a folga mínima acima do NMC terá de ser de 0,9m.
Consequentemente, a cota de coroamento da barragem terá que ser, no mínimo, 1353,5m. O projeto arrancou com uma
cota de 1354,0m, como anteriormente apresentado. A decisão final sobre a folga a adotar apenas poderá ser tomada
57
quando estiverem disponíveis os resultados do sistema de ancoragem. De salientar que em barragens em que o GSS se
encontre exposto, o espraiamento da ondulação gerada pelo vento é muito maior, resultando em folgas maiores.
3.3.3 Escolha do GSS
O GSS tem que ser selecionado tendo em conta diversos fatores como exposto anteriormente. Tem que ser
escolhido interpretando um conjunto de fatores interligados, como, por exemplo, a existência de revestimento que implica a
incorporação de um geotêxtil sobre a geomembrana, o que, por sua vez, vai influenciar a estabilidade do conjunto, havendo
mais uma ou duas superfícies de deslizamento. Portanto uma decisão tem que ser bem ponderada e revista por diversos
pontos de vista.
Pela opção de um sistema coberto, consequentemente, o GSS tratar-se-á de um sistema triplo composto por uma
geomembrana lisa de PVC e dois geotêxteis de proteção tanto sob como sobre esta (GTX+GMB+GTX). Por forma a evitar a
criação de várias superfícies possíveis de deslizamento, consideraram-se possíveis duas soluções: uma com um
geocompósito duplo de geomembrana de PVC com um geotêxtil não tecido acoplado no seu tardoz e, adicionalmente, um
geotêxtil sobre o geocompósito (solução A); a outra com um geocompósito triplo com a geomembrana de PVC acoplada a
dois geotêxteis não tecidos, um sob e outro sobre esta (solução B).
Admitiu-se que os elementos ligados previamente em fábrica têm um controlo adequado de produção e
apresentam perfeitas condições de aderência. Desta maneira, combinam-se as capacidades de impermeabilização da
geomembrana com as capacidades de resistência mecânica dos geotêxteis. Por outro lado, ainda se aproveita o facto de
que os geotêxteis conseguem apresentar ângulos de atrito maiores.
Optou-se por uma geomembrana de PVC devido ao que já foi, previamente, exposto na subsecção 2.5.3.1, em
que se diz que esta apresenta um comportamento, aproximadamente, elástico linear sendo muito favorável para este tipo
de aplicação, permitindo a sua completa adaptação aos movimentos do corpo da barragem. Em relação aos geotêxteis é
aconselhável a utilização de geotêxteis não tecidos de baixa a média resistência.
Existem geocompósitos que combinam geomembranas de PVC de espessuras normais entre 0,75 a 2,0 mm com
geotêxteis não urdidos de 100 a 300 g/m2. A escolha da combinação será feita a partir da tensão de tração a que o
geocompósito ficará sujeite no talude de montante da barragem. Consequentemente, esta escolha também vai depender de
uma série de variáveis que fazem variar essa tensão, como a inclinação do talude e a possibilidade de ancoragens a meio
de paramento, entre outras. A escolha vai ser feita consoante a análise de estabilidade ao deslizamento feita no seguinte
subcapítulo.
3.3.4 Estudo de estabilidade do sistema no paramento
Foram utilizados os métodos de análise de estabilidade contra o deslizamento explicitados no subcapítulo 2.5.3.3.
Antes de começar o efetivo cálculo, é necessário definir os ângulos de atrito das interfaces, os dados da cobertura e os do
aterro. Os dados considerados estão resumidos na seguinte Tabela 17.
58
Tabela 17: Dados para a análise de estabilidade do GSS.
Ângulos de interface: '
Cobertura:
Aterro:
GTX/SL (°) 25 20
ϒr (kN/m3) 22
AT (kN/m3) 18
GTX/GMB (°) 21 16,8
r (m) 0,35
AT (°) 38 Ka 0,328
CL/GTX (°) 30 24
W (kN/m2) 7,7
'AT (°) 30,4 Kp 3,049
Os valores considerados para os ângulos de atrito das interfaces tiveram em conta a grande variabilidade de
resultados existentes na bibliografia consultada. Foram adotados os valores médios consultados, não se privando da
necessidade posterior do estudo destes mesmos ângulos, especificamente, para este projeto. Note-se que o ângulo de
atrito da interface entre o lado do geocompósito com a geomembrana e o geotêxtil de proteção, GTX/GMB, apenas é utilizado
na solução A.
Os dados da cobertura derivaram das conclusões do subcapítulo anterior. O aterro, tratando-se do material de
transição (cascalho arenoso) em contato direto com o GSS, possui um peso volúmico de 18 kN/m3 (AT = 18 kN/m3) e um
ângulo de atrito interno de 38° (AT = 38°). Os valores dos coeficientes de impulso ativo e passivo foram calculados
segundo as expressões (16) e (17), respetivamente. De acordo com a combinação 2 da abordagem de cálculo 1 do EC7, os
ângulos de atrito de interface e o ângulo de atrito interno do solo são minorados pelo coeficiente parcial 1,25 e são esses os
valores que são dotados de uma apóstrofe (‘) para simbolizar que são os valores de cálculo.
Começa-se, primeiramente, com a análise da possibilidade do sistema ser estável em relação ao seu
deslizamento ao longo de qualquer interface no sistema. De acordo com a expressão (11) fez-se esse mesmo estudo,
analisando se o ângulo de atrito da interface é maior do que o ângulo do talude do paramento de montante da barragem, só
assim seria estável. Note-se que apenas se tiveram em conta as inclinações 1:1,5, 1:1,75 e 1:2 como referido em 3.3.1. Na
Tabela 18 pode-se consultar os resultados.
Tabela 18: Análise preliminar de estabilidade do sistema no paramento da barragem.
Inclinação do paramento (V:H)
Ângulo
° < ’GTX/SL < 'GTX/GMB < 'CL/GTX
1:1,5 33,69 Não Não Não
1:1,75 29,74 Não Não Não
1:2 26,57 Não Não Não
Pela tabela pode-se concluir que o sistema não é estável apenas pelo atrito. Será necessário, obrigatoriamente,
um sistema de ancoragens que consiga absorver a tensão de tração que se gera nos geossintéticos para garantir a
estabilidade. Como tal, começa-se por definir essa tensão de tração. Para tal é necessário calcular o comprimento do talude
da barragem no qual será instalado o GSS.
O desenvolvimento do paramento, isto é, o comprimento deste, é calculado a partir do ângulo de inclinação do
talude e da diferença de cotas entre o ancoramento do sistema na parte mais em cima e o pé do talude. Foi considerado
que o ancoramento de coroamento do sistema estaria à cota do NMC, ou seja, a 1352,60 m, e o pé do talude à cota de
59
1335 m, o que corresponde ao valor lido no perfil transversal da barragem mais condicionante, cota esta em que se
encontra a banqueta estabilizadora. Como tal, a diferença resulta em 17,6 m, o que dividido pelo seno do ângulo dá o
valor do desenvolvimento inclinado do paramento.
Nas tabelas seguintes, Tabela 19 e Tabela 20, pode-se consultar os resultados calculados para as várias
inclinações do paramento de montante da barragem. Os valores das várias forças F advêm das expressões apresentadas
anteriormente, (8), (9) e (10). Com o valor dessas forças calculam-se as tensões por metro de desenvolvimento do
paramento nos geossintéticos e, por fim, obtém-se as tensões multiplicando-se pelos valores dos comprimentos inclinados
do talude.
Tabela 19: Cálculo da tensão nos geossintéticos na solução A.
F1-F2
F3-F4
Inclinação do paramento
(V:H)
Ângulo
°
Desenvolvimento do paramento (m)
F1 F2=F3 F4=F5 TGTX
(kN/m) TGTX (kN)
Tgeocompósito (kN/m)
Tgeocompósito (kN)
1:1,5 33,69 31,73 2,85 1,93 2,33 0,92 29,13 -0,40 -12,61
1:1,75 29,74 35,47 2,98 2,02 2,43 0,96 33,99 -0,41 -14,72
1:2 26,57 39,35 3,07 2,08 2,51 0,99 38,84 -0,43 -16,82
Tabela 20: Cálculo da tensão nos geossintéticos na solução B.
F1-F2
Inclinação do paramento (V:H)
Ângulo
°
Desenvolvimento do paramento (m)
F1 F2=F3 Tgeocompósito
(kN/m) Tgeocompósito
(kN)
1:1,5 33,69 31,73 2,85 2,33 0,52 16,52
1:1,75 29,74 35,47 2,98 2,43 0,54 19,27
1:2 26,57 39,35 3,07 2,51 0,56 22,02
Note-se que o geocompósito da solução A não se encontra à tração, não sendo por isso solicitado. Explicite-se
que também não fica sujeite a tensões de compressão, acontece que a força de atrito não é totalmente mobilizada na
interface de tardoz, sendo igual à força mobilizada na interface que está sobre esta. Sendo por isso dispensada a análise de
ancoragem para o geocompósito, focando os esforços apenas no geotêxtil. A nível construtivo tem que ser em conta que o
geocompósito pode não ficar totalmente esticado, ao contrário do geotêxtil que deve ser colocado totalmente esticado para
mobilizar completamente as forças de atrito de interface. Este facto obviamente não acontece na solução B.
Para o dimensionamento do sistema de ancoragem recorre-se às expressões descritas na subsecção 2.5.3.3,
nomeadamente, o equilíbrio de forças em (13) e a definição do comprimento de ancoragem horizontal em (14). Para a
análise é preciso constatar que a camada que se encontra sobre a ancoragem do coroamento é o material de transição. A
espessura vertical da camada de material de transição pode ser variável. É possível adotar-se uma espessura maior para
que o comprimento de ancoragem tome valores menores. Estudaram-se as possibilidades de espessura de 0,5, 1 e 1,4 m.
Estudar-se-á para o caso de 1,4 m porque é a diferença entre o NMC e a cota de coroamento definida inicialmente. Os
valores menores são para fazer um estudo de sensibilidade e para analisar a hipótese de instalar o sistema acima do NMC.
60
Para a solução A, para as diferentes inclinações do paramento consideradas e para as tensões calculadas do geotêxtil, a
Tabela 21 demonstra os resultados obtidos.
Tabela 21: Comprimento de ancoragem para a solução A com as três espessuras diferentes da cobertura de ancoragem.
cobertura 0,5m
Inclinação do paramento (V:H) Ângulo ° TGTX (kN) n (kN/m) LRO (m) Fu FL FLt
1:1,5 33,69 29,13 9,00 7,125 0 19,361 4,879
1:1,75 29,74 33,99 9,00 8,986 0 24,418 5,091
1:2 26,57 38,84 9,00 10,856 0 29,498 5,245
cobertura 1m
Inclinação do paramento (V:H) Ângulo ° TGTX (kN) n (kN/m) LRO (m) Fu FL FLt
1:1,5 33,69 29,13 18,00 3,563 0 19,361 4,879
1:1,75 29,74 33,99 18,00 4,493 0 24,418 5,091
1:2 26,57 38,84 18,00 5,428 0 29,498 5,245
cobertura 1,4m
Inclinação do paramento (V:H) Ângulo ° TGTX (kN) n (kN/m) LRO (m) Fu FL FLt
1:1,5 33,69 29,13 25,20 2,545 0 19,361 4,879
1:1,75 29,74 33,99 25,20 3,209 0 24,418 5,091
1:2 26,57 38,84 25,20 3,877 0 29,498 5,245
Considerando agora a possibilidade de se executar uma vala de ancoragem, isto é, um comprimento de
ancoragem LRO e uma profundidade da vala de ancoragem de dAT, analisam-se os comprimentos necessários para absorver
a tensão gerada nos geossintéticos. Nesta fase admite-se um valor preliminar para o LRO (valor aconselhável tendo em
conta o resultado da avaliação preliminar na Tabela 21) e calcula-se o dAT correspondente, de modo a que o seu conjunto
seja aceitável e mais proveitoso do que apenas o comprimento horizontal de ancoragem. Este cálculo teve em conta o
equilíbrio de forças expresso em (20) e resolvido, com a equação resolvente de 2º grau, em função do dAT.
Considera-se um LRO aceitável de 0,5 a 4 m devido à espessura da camada de material de transição presente na
barragem (4 m). O dAT já é mais complicado, uma vez que a sua construção implica uma escavação no aterro já feito, a
instalação do sistema e um posterior reaterro com compactação adicional. Os valores da profundidade da vala dependem
do processo de compactação, nomeadamente, da espessura das camadas de compactação que, normalmente, são por
volta dos 30 a 40 cm. Valores aceitáveis são aqueles que são múltiplos dos valores de espessura das camadas de
compactação, como, por exemplo, 30 ou 60 cm. O panorama mais desejado seria uma situação em que o comprimento
horizontal de ancoragem fosse o suficiente, mas existem situações em que o recurso à construção de uma vala de
ancoragem e mais vantajosa, uma vez que esta é bem mais eficaz na absorção da tensão de ancoragem.
Na Tabela 22 pode-se consultar os valores de vala de ancoragem obtidos para a solução A e para as três
espessuras da camada de cobertura consideradas.
61
Tabela 22: Comprimento da vala de ancoragem para a solução A com as três espessuras diferentes da cobertura.
cobertura 0,5m
Inclinação do paramento (V:H)
Ângulo
°
TGTX (kN)
n
(kN/m) LRO
(m) Fu FL FLt c b a dAT (m)
1:1,5 33,69 29,13 9,00 4 0 10,869 4,879 -8,492 24,488 24,488 0,273
1:1,75 29,74 33,99 9,00 4 0 10,869 5,091 -13,549 24,488 24,488 0,396
1:2 26,57 38,84 9,00 4 0 10,869 5,245 -18,629 24,488 24,488 0,505
cobertura 1m
Inclinação do paramento (V:H)
Ângulo
°
TGTX (kN)
n
(kN/m)
LRO
(m) Fu FL FLt c b a dAT (m)
1:1,5 33,69 29,13 18,00 3 0 16,304 4,879 -3,057 48,976 24,488 0,061
1:1,75 29,74 33,99 18,00 4 0 21,738 5,091 -2,680 48,976 24,488 0,053
1:2 26,57 38,84 18,00 4 0 21,738 5,245 -7,759 48,976 24,488 0,148
cobertura 1,4m
Inclinação do paramento (V:H)
Ângulo
°
TGTX (kN)
n
(kN/m)
LRO
(m) Fu FL FLt c b a dAT (m)
1:1,5 33,69 29,13 25,20 1 0 7,608 4,879 -11,752 68,566 24,488 0,162
1:1,75 29,74 33,99 25,20 2 0 15,217 5,091 -9,202 68,566 24,488 0,128
1:2 26,57 38,84 25,20 2 0 15,217 5,245 -14,281 68,566 24,488 0,195
A mesma análise foi feita para a solução de B com o valor de tensão já calculado na Tabela 20 e para as três
espessuras da camada de cobertura de ancoragem já consideradas. Também se estudou a possibilidade de se fazer uma
ancoragem a meio do paramento de montante da barragem, fazendo a análise com metade das tensões calculadas. Os
valores foram obtidos da mesma maneira que foi executada na Tabela 22.
As seguintes tabelas, Tabela 23, Tabela 24 e Tabela 25, resumem os valores obtidos, sabendo que LROA e LROA2
são o comprimento de ancoragem horizontal para a solução A, em que o índice 2 corresponde à análise feita com duas
ancoragens, uma no coroamento e outra a meio do paramento. O índice B foi colocado nos resultados para a solução B,
assim como, o índice 2 para o caso correspondente das duas ancoragens ao longo do paramento. O termo dAT também
apresenta o mesmo sistema de índices.
Tabela 23: Quadro resumo dos valores obtidos para a inclinação de 1:1,5.
Espessura da cobertura (m)
LROA (m) LROA2 (m) LROB (m) LROB2 (m)
0,5 7,125 3,563 3,178 1,589
1 3,563 1,781 1,589 0,794
1,4 2,545 1,272 1,135 0,567
LROA (m) dATA (m) LROA2 (m) dATA2 (m) LROB (m) dATB (m) LROB2 (m) dATB2 (m)
0,5 1 0,464 1 0,231 1 0,236 1 0,073
1 1 0,252 1 0,083 1 0,076 0,5 0,039
1,4 1 0,162 0,5 0,083 0,5 0,082 0,5 0,009
62
Tabela 24: Quadro resumo dos valores obtidos para a inclinação de 1:1,75.
Espessura da cobertura (m)
LROA (m) LROA2 (m) LROB (m) LROB2 (m)
0,5 8,986 4,493 4,046 2,023
1 4,493 2,247 2,023 1,011
1,4 3,209 1,605 1,445 0,722
LROA (m) dATA (m) LROA2 (m) dATA2 (m) LROB (m) dATB (m) LROB2 (m) dATB2 (m)
0,5 1 0,566 1 0,299 1 0,311 1 0,122
1 1 0,332 1 0,130 1 0,129 1 0,002
1,4 1 0,227 1 0,066 0,5 0,121 0,5 0,029
Tabela 25 Quadro resumo dos valores obtidos para a inclinação de 1:2.
Espessura da cobertura (m)
LROA (m) LROA2 (m) LROB (m) LROB2 (m)
0,5 10,856 5,428 4,919 2,460
1 5,428 2,714 2,460 1,230
1,4 3,877 1,939 1,757 0,878
LROA (m) dATA (m) LROA2 (m) dATA2 (m) LROB (m) dATB (m) LROB2 (m) dATB2 (m)
0,5 1 0,659 1 0,361 1 0,380 1 0,167
1 1 0,408 1 0,175 1 0,179 0,5 0,093
1,4 1 0,289 1 0,101 0,5 0,159 0,5 0,050
Pelos resultados obtidos pode-se concluir que os valores de comprimento de ancoragem na solução A são,
aproximadamente, 2,2 vezes maiores que os comprimentos da solução B. No cálculo dos comprimentos de ancoragem,
apenas de considerou necessária a construção da vala para um comprimento justificável, como tal adotou-se um valor
mínimo de 0,6 m para o dAT. Como seria de esperar e os resultados corroboram, ao duplicar a espessura da camada de
cobertura na ancoragem, esta fica reduzida a metade. A ancoragem também fica reduzida a metade quando se considera
uma ancoragem adicional a meio do paramento, reduzindo para metade a tensão solicitante no geossintético. Os
comprimentos de ancoragem vão aumentando com a diminuição da inclinação do talude. Isto deve-se ao facto de que ao
reduzir-se a inclinação do paramento, a componente vertical do peso da cobertura aumenta, aumentando assim as forças
de atrito que se geram nas várias interfaces do sistema. Que por sua vez, e consequentemente, aumenta a tensão
solicitante do geossintético que a ancoragem vai ter que absorver.
A tomada de decisão é complicada porque não existe uma solução certa e outra errada. Depende de uma vasta
gama de fatores, alguns analisados aqui, outros dependentes das especificações da obra e detalhes construtivos e outros
ainda devido ao fornecimento, transporte e custo dos geossintéticos. Como tal, não será selecionado apenas uma solução,
mas sim indicadas algumas soluções plausíveis. No entanto, na continuação desta dissertação será adotada a solução mais
apropriada, mantendo algumas reservas em relação à sua utilização em detrimento das outras.
Devido à estabilidade da camada de material de transição não se selecionará nenhuma solução com a inclinação
1:1,5 do paramento de montante da barragem. Esta inclinação de 33,7° é maior do que o ângulo de atrito interno do
material em questão o que pela expressão (11) pode-se concluir que poderão haver problemas de estabilidade contra o
63
escorregamento. Facto esse que já não acontece se for adotada uma inclinação menor que 30,4°. Como tal, as inclinações
de 1:1,75 e 1:2 (V:H) podem ser as escolhidas sem problemas de estabilidade.
Uma vez que a estabilidade está garantida com a inclinação de 1:1,75, então é esta que vai ser selecionada. A
outra opção apresenta comprimentos de ancoragem maiores (1,2 vezes maior), maior volume de aterro e menor volume útil
da barragem. Consultando a Tabela 24, rapidamente se chega à conclusão que a solução com duas ancoragens não é
necessária. É possível ter apenas uma ancoragem com comprimentos de ancoragem aceitáveis. Consegue-se descartar
também as soluções que recorrem a uma vala de ancoragem. Por facilidade construtiva e para não interferir no aterro já
construído, é preferível adotar soluções apenas com o comprimento horizontal de ancoragem.
Por fim, resta a seleção da espessura da cobertura de ancoragem e, com isto, a definição da cota de coroamento.
As soluções mais plausíveis são as que combinam as seguintes caraterísticas:
Solução A com um comprimento horizontal de ancoragem de 3,25 m num paramento com a inclinação 1:1,75,
instalada à cota do NMC com uma espessura de cobertura de ancoragem de 1,4 m (cota de coroamento de
1354,0 m);
Solução B num paramento de 1:1,75 de inclinação, com um LRO de 2,1 m e com 1 m de material de transição
sobre esta (cota de coroamento de 1353,6 m);
Solução B numa barragem com uma cota de coroamento de 1354,0 m (1,4 m de espessura de cobertura de
ancoragem) com 1:1,75 de inclinação do paramento de montante em que se encontra ancorada à cota do NMC
com um comprimento horizontal de 1,5 m.
Por fim, há que fazer uma correção devido à espessura da cobertura, uma vez que sobre a ancoragem horizontal
a espessura da cobertura não é constante. Existe, na parte inicial, uma variação crescente da espessura que vai desde o
valor nulo ao valor considerado no cálculo. A Figura 45 demonstra a correção que se deve fazer ao comprimento de
ancoragem.
Figura 45: Correção do comprimento horizontal da ancoragem.
Este triângulo pode ser tido em conta considerando uma espessura equivalente nessa parte inicial de metade da
espessura considerada no cálculo ou desconsiderando a primeira metade do comprimento de ancoragem. Por facilidade de
cálculo, a correção vai ser feita de acordo com o segundo procedimento, desconsiderando a primeira metade do
comprimento de ancoragem na parte inicial. Para manter os resultados obtidos pelos cálculos obtidos anteriormente,
adiciona-se um comprimento extra de ancoragem de valor igual à metade desconsiderada. Desta forma, quando a
64
espessura é de 1 m, adicionar-se-á aos resultados metade da base do triângulo supracitado que, neste caso, a sua metade
é 0,875m (para a inclinação de 1:1,75). Para as soluções com a cobertura de 1,4 m, a metade do triângulo é 1,23 m. Os
valores corrigidos das soluções selecionadas são de 4,48, 2,975 e 2,73 m, respetivamente. Note-se que neste procedimento
desprezou-se também a presença do riprap acima do nível de ancoragem.
Ao corrigir os valores, os comprimentos podem ultrapassar o máximo estipulado de 4 m. Como tal, para a primeira
solução selecionada é necessário adotar-se uma vala de ancoragem. O cálculo anterior foi feito para 1 m de LRO, o que
resultava numa vala de 0,227 m. Pelo processo construtivo do aterro, a vala de ancoragem vai ficar com uma profundidade
de 0,6 m, o correspondente a duas camadas de compactação, e o LRO adotado será 2 m.
Todas as soluções destacadas são plausíveis, mas selecionar-se-á a primeira para prosseguir com a análise. Esta
escolha deve-se à questão da disponibilidade de sistemas triplos com geomembranas de PVC acopladas a dois geotêxteis
não tecidos. As soluções do tipo A são bem mais comuns e de maior facilidade de fornecimento.
Como se calculou, o GSS terá apenas que garantir que possui uma resistência à tração superior à que está a ser
sujeita. Devido ao nível de tensões de tração calculadas, não será problemática a escolha dos geossintéticos uma vez que
o nível de tensões a que estarão sujeitos não é elevado. Como obtido, o geotêxtil adicional na solução A terá que aguentar
com 0,96 kN/m, ou seja, 34 kN, e o geocompósito duplamente acoplado da solução B terá que conseguir absorver com 0,54
kN/m ou 19,3 kN. De acordo com dados técnicos da empresa chinesa Hongxiang, é possível fabricar geossintéticos como
os requeridos pelo nível de tensões, podendo ser utilizados os de baixo ou médio desempenho. Poder-se-á adotar um
geocompósito de geomembrana de PVC com 1,0 mm com geotêxteis de 200g/m2 (aproximadamente 2,0 mm de
espessura). O geotêxtil adicional na solução A também poderá ser um do mesmo tipo, uma vez que apresenta uma
resistência à tração muito superior à requerida.
3.3.5 Estudo da estabilidade do sistema no fundo da albufeira
Após a definição do GSS pode-se analisar a estabilidade do mesmo na impermeabilização do fundo da albufeira.
Não se teve em conta esta análise na seleção do sistema de geossintéticos uma vez que não é a mais condicionante. Como
se trata de uma escavação, e não de um aterro, a economia funciona ao contrário. Isto é, no paramento da barragem o
raciocínio era que, ao adotar um paramento mais íngreme, o volume de aterro diminuiria e o volume útil da albufeira
aumentaria. Neste caso, ao adotar-se uma inclinação maior, o volume de escavação também vai ser maior e a estabilidade
poderá ser um problema. O volume útil da albufeira também aumenta com a inclinação do talude de escavação do fundo da
albufeira.
A inclinação considerada adequada para os taludes do fundo da albufeira é de 1:3 (V:H) e para este valor foi
repetido o processo realizado no subcapítulo anterior. Note-se que o sistema no fundo da albufeira não vai ser solicitado da
mesma maneira. Existe a possibilidade de deixar o sistema exposto no fundo da albufeira e de dispensar o geotêxtil de
cima. Um reservatório escavado, como o do presente caso, apresenta uma morfologia que permite desprezar os efeitos do
vento e das ondas na zona da escavação, permitindo assim deixar o sistema de geossintéticos exposto.
Considera-se que o ângulo de interface entre o geotêxtil e o solo de fundação apresenta um valor igual ao do
ângulo de atrito entre o geotêxtil e o material de transição na barragem, isto é, 25°. Tendo em conta a inclinação dos taludes
65
do fundo da albufeira considerada, analisa-se a estabilidade do sistema de geossintéticos pela expressão (11). A Tabela 26
resume os resultados.
Tabela 26: Análise preliminar da estabilidade do sistema no fundo da albufeira.
Ângulo de interface: '
Inclinação do paramento (V:H) Ângulo ° < 'GTX/FUNDAÇÃO
gtx-fundação (°) 25 20
1:3 18,43 Sim
Pela comparação do ângulo de cálculo de atrito da interface com o ângulo dos taludes de escavação do fundo da
albufeira, conclui-se que o sistema é estável, não havendo nenhuma solicitação adicional nos geossintéticos. Como tal não
existe nenhuma necessidade de adotar um sistema de ancoragens. No entanto, é de boa prática fazê-lo. As ancoragens em
sistemas expostos podem apresentar as morfologias apresentadas na Figura 46, em que as duas primeiras são valas de
ancoragem e a última recorre a aterros dispostos sobre o sistema.
Figura 46: Sistemas de ancoragens possíveis em sistemas expostos (Giroud et al., 1999).
Optou-se por adotar uma ancoragem do terceiro tipo apresentado, em que se usa o aterro estabilizador, local
onde o geotêxtil sobrejacente à geomembrana da solução A é prolongado e só depois é dispensado. Para fazer um remate
em boas condições e garantir boas condições de construção, adotou-se também uma ancoragem no pé do talude, esta do
segundo tipo de ancoragem apresentado.
3.3.6 Estudo de estabilidade dos paramentos do reservatório
Para completar o pré-dimensionamento e com o intuito de obter o perfil transversal tipo da barragem, analisa-se a
estabilidade dos taludes da barragem. Para tal análise recorre-se aos métodos de equilíbrio limite, com superfícies de
escorregamento circulares. A Figura 47 ilustra o problema.
66
Figura 47: Análise de estabilidade pelo método de equilíbrio limite com superfície de escorregamento circular (Guerra, 2008).
Dependendo de algumas simplificações que se adotam nesta análise, existem diferentes métodos. Recorrer-se-á
ao método de Bishop que considera que as forças de interação entre fatias têm apenas componente horizontal.
Para o presente estudo recorreu-se ao programa computacional de cálculo automático GEOSTUDIOS com o tipo
de análise GEOSLOPE/W. Definiu-se a geometria da barragem e definiram-se os materiais intervenientes na Tabela 27.
Tabela 27: Caraterísticas dos materiais para a análise de estabilidade dos taludes.
Materiais: ’k (°) 'd (°) (kN/m3)
Enrocamento 52 41,6 19
Material de Transição 38 30,4 18
Fundação 35 28 16
O programa calcula a menor relação entre os momentos resistentes e os momentos solicitantes, correspondendo
à situação/superfície de escorregamento mais condicionante. Para que o sistema seja estável basta que essa relação seja
maior que o valor unitário para a superfície mais condicionante. Iniciou-se a análise com uma inclinação do talude de
jusante de 1:1 (V:H), sendo incrementado 0,1 na direção horizontal até que a condição indicada seja verificada. Esta foi
satisfeita apenas para a inclinação de 1:1,2 (V:H), tal como se pode ver na
Figura 48, cuja menor relação entre os momentos resistentes e os solicitantes é de 1,077.
Figura 48: Análise realizada em Geostudios para inclinação de 1:1,2 do paramento de jusante da barragem.
67
Em relação ao paramento de montante da barragem, considerou-se que o estudo de estabilidade ao deslizamento
do sistema de geossintéticos é mais condicionante e que a inclinação adotada será a inclinação final do talude de montante.
No entanto, existe outra verificação que tem que ser tida em conta. Para outro perfil transversal da barragem, a
banqueta estabilizadora encontra-se a uma cota bem superior, pelo que existem zonas em que a altura da barragem é bem
menor, mas o talude de escavação apresenta alturas maiores. Como tal, é necessário analisar a sua estabilidade ao
escorregamento da mesma maneira que se analisou para os paramentos da barragem. A
Figura 49 apresenta a análise realizada nesse âmbito.
Figura 49: Análise realizada em Geostudios para inclinação de 1:3 do talude em escavação da albufeira.
Pela análise de estabilidade realizada conclui-se que a condição de estabilidade foi satisfeita e que a menor
relação entre os momentos resistentes e os momentos solicitantes é de 1,598, garantindo assim a segurança ao
escorregamento por superfícies circulares dos taludes em questão.
3.3.7 Perfil Transversal Tipo da Barragem pré-dimensionado
Como objeto de conclusão do presente capítulo 3 apresenta-se o perfil transversal tipo da barragem tendo em
conta a morfologia do terreno. A Figura 50 apresenta o perfil transversal tipo com os dados que se obtiveram no pré-
68
dimensionamento feito ao longo deste capítulo. A Figura 51 apresenta o pormenor da vala de ancoragem. Estas figuras
encontram-se dotadas de maiores dimensões nos anexos I e II, respetivamente.
Figura 50: Perfil tipo da barragem com o pré-dimensionamento realizado.
Figura 51: Pormenor da ancoragem do sistema de geossintéticos.
69
4. Estudo do dimensionamento do GSS
4.1 Considerações introdutórias
Como final do desenvolvimento do presente trabalho, este capítulo terá como objetivo o dimensionamento efetivo
do GSS. Realizar-se-á um cálculo numérico de acordo com o método de elementos finitos recorrendo a um programa de
cálculo automático para obter a análise de tensão-deformação da barragem em fase de construção e em fase de
exploração. Pretende-se retirar conclusões a partir das tensões e das deformações e confirmar o que foi pré-dimensionado
no capítulo anterior com o método de equilíbrio limite. Ainda se realizará um estudo de percolação resultante de um possível
defeito no GSS e analisar-se-á a influência da sua localização na percolação da barragem.
4.2 Análise Tensão-Deformação
4.2.1 Considerações introdutórias
Com o objetivo de completar a análise realizada, efetuou-se o cálculo numérico do seu estado de tensão-
deformação. O cálculo foi feito para a fase de construção e para a fase de exploração, nomeadamente, na etapa de primeiro
enchimento do reservatório. Para o efeito recorreu-se ao programa de computador PLAXIS, usando o método dos
elementos finitos. A partir dos seus resultados será feita uma análise crítica.
4.2.2 Definição do problema
Começou-se por definir todos os materiais com influência direta no estado de tendão-deformação da estrutura.
Como tal, definiram-se os parâmetros do enrocamento, da fundação, do material de transição e do riprap. Admitiu-se um
critério de rotura de Mohr-Coulomb para todos os materiais, de acordo com o que se admitiu na análise de estabilidade de
equilíbrio limite realizada no capítulo anterior. Considerou-se também que os vários materiais apresentam um
comportamento drenado. Os vários parâmetros do modelo do material foram obtidos a partir dos ensaios apresentados
também no capítulo anterior e já tidos em conta na análise de estabilidade. A Tabela 28 resume a caraterização dos
materiais.
Tabela 28: Definição das caraterísticas dos materiais.
Parâmetro Nome Enrocamento Fundação Material de transição Riprap Unidade
Modelo do material Modelo Mohr-Coulomb Mohr-Coulomb Mohr-Coulomb Mohr-Coulomb -
Tipo de comportamento Tipo Drenado Drenado Drenado Drenado -
Peso volúmico 19 16 18 22 kN/m3
Módulo edométrico Eoed 120 000 10 000 90 000 90 000 kN/m2
Coeficiente de poisson 0,23 0,3 0,3 0,3 -
Ângulo de atrito interno 52 35 38 35 °
70
Por fim, resta definir o GSS. No Plaxis apenas é necessário colocar o valor da sua rigidez axial. Geralmente, o
valor do módulo de Young para geomembranas de PVC toma valores de 7 MPa (Solmax, s/d). Para uma espessura de 1
mm, a rigidez axial resulta em 7 kN/m.
A geometria é apresentada na Figura 520 do capítulo anterior e a correspondente do programa PLAXIS na Figura
52.
Os elementos extra da figura foram adicionados de modo a simular as diferentes fases de construção da estrutura,
nomeadamente, a cota de terreno inicial, o saneamento da fundação da barragem e as várias fases de construção do
aterro. Foi considerada uma profundidade de terreno de fundação aproximadamente igual à altura da barragem. Ainda se
definiram as condições de fronteira, impedindo os deslocamentos na fronteira inferior e anulando apenas o deslocamento
horizontal nas fronteiras laterais.
Figura 52: Geometria do modelo numérico em análise.
Por fim, a modelação numérica do problema é feita recorrendo ao método dos elementos finitos. Este método
divide o domínio do problema em inúmeros elementos que permitem simular o comportamento dos materiais através da
utilização de leis constitutivas de acordo com o modelo aplicado, neste caso o Mohr-Coulomb. Os cálculos foram realizados
considerando um estado plano de deformação devido à relação entre o comprimento e altura apresentada pela barragem
ser superior a 10. Admite-se que é capaz de reproduzir o estado de tensão da barragem de forma bastante aproximada.
A modelação matemática do domínio foi feita a partir de uma malha fina de elementos triangulares com 15 nós.
Para refinar a análise procurou-se adotar uma malha ainda mais fina junto à geomembrana e à interface entre o
enrocamento e a sua fundação. Resultou numa malha caraterizada por 920 elementos com 7711 nós. A malha gerada é
apresentada na Figura 53.
71
Figura 53: Malha de elementos finitos.
4.2.3 Cálculos efetuados
4.2.3.1 Análise da fase de construção
Para o controlo dos assentamentos construtivos durante a fase de construção da barragem, recorreu-se à técnica
incremental de aplicação das cargas para o processo e sequência de construção do aterro. O aterro é construído por
camadas horizontais limitadas pelo equipamento de compactação. Para a simulação da construção consideraram-se fases
de construção de 2,0 m, resultando assim em 17 etapas. O número de etapas de construção é diretamente proporcional à
precisão de cálculo, como tal, consideraram-se 17 etapas o suficiente para se conseguir uma boa representatividade.
Numa primeira fase da análise é necessário estabelecer-se as condições iniciais presentes no terreno. Como tal, a
primeira fase de cálculo consiste na obtenção do estado de tensão in situ da fundação. Com esse objetivo, recorre-se ao
método de gravity loading do Plaxis, em que se ativa o peso dos materiais.
A segunda fase de cálculo consiste no saneamento da fundação e escavação do terreno. Como exposto
anteriormente, o saneamento da fundação é de 2,0 m. A escavação do terreno consiste na escavação da futura albufeira,
atingindo a cota de 1329,00 m. Esta etapa é modelada desativando o peso da fundação correspondente às áreas de
saneamento da fundação e de escavação da albufeira.
De seguida, efetuam-se as 17 etapas de construção de aterro de 2 m de espessura. São modeladas ativando o
peso das áreas de enrocamento e de material de transição abaixo da cota de aterro caraterizadora da etapa em questão.
Note-se que se consideraram compensados os assentamentos imediatos das várias camadas pela ação do seu peso
próprio. Como tal, usou-se a opção do Plaxis reset displacements to zero. Este facto, realmente, acontece em obra, uma
vez que têm que ser cumpridas as cotas de projeto. É de notar que esta opção anula todos os deslocamentos em cada
fase, não apenas na fase incremental como no sistema inteiro. Tal facto faz com que os resultados lidos diretamente não
sejam realistas, apenas a anulação dos deslocamentos da camada incremental da fase em questão é que torna toda a
análise mais realista. Como tal, faz-se o artifício de medir os deslocamentos em todas as interfaces das etapas de
construção e apenas se desconsidera a correspondente à etapa em estudo, somando todos os deslocamentos incrementais
restantes nas outras interfaces.
Foram efetuadas duas fases de cálculo adicionais após a construção do aterro. A primeira consiste na construção
de uma camada intermédia de aterro até se atingir a cota do NMC, 1352,6 m. A segunda consiste na instalação do GSS e
72
na construção da vala de ancoragem de 0,60 m. Na modelação desta segunda etapa adicional apenas se ativou o elemento
correspondente ao sistema de geossintéticos.
Por fim, a última etapa de cálculo consiste na colocação do riprap para a cobertura do sistema de geossintéticos.
Nesta fase, ativa-se, portanto, o peso da camada de cobertura de montante riprap.
4.2.3.2 Análise do primeiro enchimento
Para simular a fase de exploração do reservatório, fez-se a análise do estado de tensão-deformação da barragem
na fase de primeiro enchimento da albufeira. Do lado da segurança, simulou-se o primeiro enchimento em apenas uma
etapa, até à cota correspondente ao NPA, 1352,0 m. Considerou-se apenas a aplicação das pressões hidrostáticas no
talude de montante e na albufeira. Na realidade, o primeiro enchimento não ocorre repentinamente. Este deve ser feito de
forma lenta, sempre que possível, de modo a controlar o comportamento do aterro e do GSS.
Pelas caraterísticas de impermeabilização da albufeira e da barragem, com um sistema integral de geossintéticos,
não se admite qualquer percolação. Como tal, não se prevê a ocorrência de fenómenos complexos devido à saturação dos
materiais como, por exemplo, assentamentos de colapso por molhagem.
4.2.4 Resultados
4.2.4.1 Resultados da fase de construção
De acordo com a análise faseada exposta, analisaram-se, essencialmente, os deslocamentos verticais
construtivos correspondentes a cada fase. A Tabela 29 resume esses resultados, permitindo assim a sua comparação com
valores aceitáveis de assentamentos construtivos.
Tabela 29: Assentamentos incrementais verticais registados em cada etapa de construção
Fases de construção Assentamento incremental (m) Fases de construção Assentamento incremental (m)
Saneamento -0,583 Etapa 11 do aterro 0,111
Etapa 1 do aterro 0,028 Etapa 12 do aterro 0,104
Etapa 2 do aterro 0,037 Etapa 13 do aterro 0,101
Etapa 3 do aterro 0,046 Etapa 14 do aterro 0,100
Etapa 4 do aterro 0,064 Etapa 15 do aterro 0,087
Etapa 5 do aterro 0,092 Etapa 16 do aterro 0,053
Etapa 6 do aterro 0,110 Aterro de 0,6m 0,042
Etapa 7 do aterro 0,120 Instalação do GSS 0,012
Etapa 8 do aterro 0,127 Etapa 17 do aterro 0,019
Etapa 9 do aterro 0,123 Instalação do riprap 0,015
Etapa 10 do aterro 0,119
Pela análise destes valores, pode-se concluir que o valor negativo obtido na primeira fase de construção,
correspondente ao saneamento da fundação e escavação da albufeira, retrata um empolamento, o que já seria de esperar.
No restante, obtiveram-se assentamentos entre 1 a 13 cm, valores completamente aceitáveis e, como exposto,
compensados durante a construção do aterro. O máximo que se estimou corresponde à fase 8 da construção do aterro,
73
fase esta que envolve o maior volume de material e que aciona a maior área em planta. Esta é uma conclusão pertinente
porque o material mais deformável é o da fundação, sendo então de esperar que nesta fase o assentamento vertical fosse
máximo, mas de valor aceitável.
Apresentam-se seguidamente duas figuras para análise da localização dos máximos deslocamentos verificados. A
Figura 54 corresponde ao final da fase 8 de construção do aterro e a Figura 55 à fase final da construção do aterro.
Figura 54: Diagrama de assentamentos incrementais da fase 8 da construção do aterro.
Figura 55: Diagrama de assentamentos incrementais na fase final da construção do aterro.
Para obter os assentamentos totais, analisaram-se os pontos das interfaces de construção ao longo do eixo
vertical da barragem correspondente à maior altura de aterro (eixo vertical que interseta o limite de jusante do coroamento).
Estudaram-se também outros pontos do eixo em questão da fundação até à fronteira do problema em estudo. Em cada
etapa da construção, leram-se os assentamentos incrementais de cada um dos pontos, desconsiderando apenas o
assentamento do ponto da etapa em questão. Depois de somados, os assentamentos verticais totais são apresentados no
gráfico apresentado em seguida. A Figura 56 apresenta os assentamentos totais obtidos ao longo do perfil vertical
considerado para o estudo e as suas cotas.
74
Consegue-se concluir que muito dos assentamentos verificados se devem à alta deformabilidade da fundação
quando comparada com o corpo do aterro. Os incrementos verificados nos assentamentos ao longo das várias fases de
construção do aterro corroboram a conclusão retirada. O assentamento máximo é verificado na interface entre o
enrocamento e a fundação apresentando um assentamento total de 1,048 m.
Figura 56: Assentamentos totais ao longo do perfil vertical considerado.
4.2.4.2 Resultados do primeiro enchimento
Na final da fase do primeiro enchimento, como análise na fase de exploração do reservatório, interessa analisar os
deslocamentos da barragem, tanto horizontais como verticais. A Figura 57 apresenta os deslocamentos verticais e na Figura
58 podem-se consultar os horizontais.
Figura 57: Diagrama de assentamentos verticais verificados no final do primeiro enchimento do reservatório.
1290
1300
1310
1320
1330
1340
1350
1360
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 1,2
Assentamentos totais da barragem
75
Verifica-se uma rotação dos vetores de deslocamento, no sentido de jusante, relativamente aos obtidos para a
fase de construção. Obviamente que isto acontece devido às pressões hidrostáticas impostas para simular a ação do
primeiro enchimento na barragem. O deslocamento vertical máximo na fase de primeiro enchimento é, aproximadamente,
0,73 m e o deslocamento horizontal máximo é de, aproximadamente, 0,51 m, ambos ocorrem no fundo da albufeira. Estas
duas figuras permitem retirar a mesma ilação que se conseguiu obter na fase de construção, que as deformações máximas
são devidas à alta deformabilidade da fundação.
Figura 58: Diagrama de assentamentos horizontais verificados no final do primeiro enchimento do reservatório.
Estudaram-se ainda em pormenor o coroamento da barragem e o GSS. A Figura 59 representa o corte feito no
coroamento da barragem para analisar o seu assentamento vertical, o qual resultou em 0,12 m o que está dentro dos
valores aceitáveis. A
Figura 60 representa o corte feito na zona do sistema de geossintéticos ao longo do paramento da barragem, apresentando
uma deformada que acompanha o aumento das tensões hidrostáticas impostas. A deformada não é linear, apresentando
uma variação maior na parte mais inferior devido à influência da alta deformabilidade da fundação. O valor máximo de
deslocamento do sistema é de, aproximadamente, 0,60 m apresentando uma variação suave, ao longo do paramento, de
um deslocamento diferencial de 0,30 m, aproximadamente. A variação suave faz com que não seja necessário proceder-se
ao cálculo adicional do acréscimo de tensão de tração na geomembrana pelo método descrito em 2.5.3.1. Tal valor pode
ser consultado no programa para corroborar a conclusão retirada. Ao longo do paramento, o geocompósito sofre um
aumento de 0,010 kN/m na tensão axial, deixando claro que pela sua grandeza, o GSS continua bem dimensionado.
76
Figura 59: Assentamentos verticais do coroamento na fase de primeiro enchimento.
Figura 60: Deslocamentos totais no GSS na fase de primeiro enchimento.
4.3 Estudo de percolação
4.3.1 Considerações introdutórias
Em contexto de análise de sensibilidade, é realizada uma análise adicional de percolação. Este estudo tem como
objetivo tirar ilações sobre as repercussões de um possível defeito na geomembrana. Analisar-se-á também o fenómeno de
percolação tendo em conta várias localizações do defeito na geomembrana. Retirar-se-á ainda ilações sobre os defeitos na
geomembrana, se estes estiverem concentrados ou não. Para o efeito recorreu-se ao programa de computador Geostudios,
usando a análise SEEP/w. A partir dos seus resultados, será feita uma análise crítica.
77
4.3.2 Definição do problema
Esta análise possui um processo bastante similar ao realizado para a obtenção do estado de tensão-deformação,
que engloba a caraterização dos materiais, a geometria da estrutura e a modelação numérica do problema.
Em relação aos materiais utilizados, consideraram-se os mesmos que se utilizaram no Plaxis, tendo apenas que
definir, nesta análise, os seus coeficientes de permeabilidade. Os coeficientes de permeabilidade dos vários materiais foram
estimados com base na sua composição granulométrica (de acordo com a Figura 35) e nos resultados dos ensaios
realizados. Para o GSS adotou-se um coeficiente de acordo com o apresentado em 2.5.2. Apesar destas considerações,
reserva-se a necessidade de obtenção de valores mais concretos destes parâmetros para que a análise seja o mais realista
possível.
A permeabilidade da fundação tem que ser muito baixa pelo seu elevado teor de finos, pois contém bastante
argila. Como tal, estimou-se um valor para o seu coeficiente de permeabilidade à volta dos 10-7 m/s. Para o riprap adotou-se
um coeficiente de 10-4 m/s. Para o material de transição, por ser um cascalho arenoso sem finos, estimou-se um coeficiente
de 10-3 m/s. O enrocamento que constitui maioritariamente o corpo da barragem pode apresentar um comportamento
diferente. Este material, pelas suas dimensões maioritariamente grosseiras, vai apresentar um comportamento real peculiar.
A sucção matricial do enrocamento vai influenciar significativamente o seu comportamento hidráulico. O modelo que se vai
usar para a caraterização do comportamento hidráulico do enrocamento advém de um estudo feito por Chen & Chang
(2011). A Figura 61 apresenta a variação do coeficiente de permeabilidade considerado para o enrocamento. A Tabela 30
resume os valores adotados para os coeficientes de permeabilidade dos vários materiais.
Figura 61: Influência da sucção matricial no coeficiente de permeabilidade do enrocamento.
78
Tabela 30: Coeficientes de permeabilidade dos materiais.
Material Coeficiente de permeabilidade
(m/s)
Enrocamento Em função da sucção matricial
Fundação 10-7
Material de transição 10-3
RipRap 10-4
GSS 10-13
A geometria também é igual à análise anterior. A modelação numérica é feita com o método dos elementos finitos
criando-se uma malha fina de elementos quadrangulares e triangulares com lados de 50 cm, aproximadamente. A Figura 62
mostra a malha fina gerada com 18435 elementos. Procurou-se refinar a malha na zona da geomembrana para tornar a
análise mais fiável possível, justificando assim o número elevado de elementos.
Figura 62: Malha de elementos finitos para o estudo de percolação.
4.3.3 Análise de percolação
A análise foi realizada com recurso à definição de condições de fronteira. Foram definidas três condições de
fronteira, a Figura 63 apresenta as localizações das condições tidas em conta. A condição da zona de montante em que se
encontra sujeita ao NPA, considerando assim uma carga total de 1352,00 m (condição a azul escuro na figura). As outras
condições são as pré-definidas pelo programa: a condição de pressão nula, que se impôs no pé do paramento de jusante
da barragem (ponto a vermelho na figura); e a condição na face de jusante em que pode haver uma potencial infiltração de
água (condição a azul claro na figura). Definiu-se também uma secção no eixo da barragem em que se vai ler o caudal.
Figura 63: Condições de fronteira da análise de percolação.
79
Para analisar a influência que a localização do defeito na geomembrana tem na percolação da estrutura, modelou-
se o orifício na geomembrana como um defeito normalizado de 0,30 m. Tratando-se de uma análise plana, o defeito terá,
portanto, uma área de 0,3 m2. Embora seja proposto em Giroud et al. (1992) um orifício na geomembrana de 10 mm2 (ou
um de 100 mm2 para motivos de dimensionamento de camada de drenagem), em cada 4000 m2 de sistema para a análise
do escoamento resultante, nesta análise adotaram-se orifícios maiores para aumentar a magnitude das suas repercussões.
O estudo da localização do orifício foi materializado a partir de 4 análises diferentes. Uma em que foi colocado o orifício um
pouco abaixo do NPA (defeito A), outra em que se materializou o defeito a meio do paramento (defeito B), a terceira
consiste no estudo das consequências de se ter o defeito no pé do talude montante da barragem (defeito C) e, por fim, para
o caso em que o orifício se encontra no fundo da albufeira (defeito D). A sua comparação será feita a partir do caudal que
passa no eixo da barragem.
Tenciona-se ainda analisar as diferenças no caudal passante entre dois casos de dispersão dos defeitos da
geomembrana. Pretende-se responder se é preferível possuir um sistema com defeitos dispersos pela cortina ou
concentrados num só local. Analisar-se-á o caudal resultante dos vários defeitos em simultâneo e, para simular a
concentração dos defeitos, analisar-se-ão os caudais de cada defeito em separado, mas com a área correspondente à
soma das áreas dos defeitos todos.
4.3.4 Resultados
De acordo com a metodologia de cálculo exposta, analisaram-se as condições de percolação para os quatro
defeitos da geomembrana. A Figura 64 apresenta os diagramas da evolução da carga total no fenómeno de percolação na
barragem e respetiva fundação, por ordem crescente de profundidade dos defeitos.
80
Figura 64: Redes de fluxo com os defeitos por ordem crescente de profundidade.
Os resultados do caudal passante no eixo da barragem podem ser consultados na Tabela 31.
Tabela 31: Caudais resultantes dos vários defeitos considerados na geomembrana.
Defeito Referência Cota média (m) Caudal (m3/s) Caudal (l/s)
Abaixo do NPA A 1351,4 0,001695 1,6953
Meio do paramento B 1343,875 0,001692 1,6916
Pé do paramento C 1335,22 0,001298 1,2983
Albufeira D 1329 1,67E-07 0,000167
Para se poder analisar a relação do caudal com os outros parâmetros aqui presentes, relembra-se a lei de
Torricelli. Esta lei diz que o caudal de um orifício é diretamente proporcional à área deste e à raiz quadrada da sua
profundidade média. Apesar do aumento da pressão da água no orifício se verificar com o aumento da profundidade, os
resultados não corroboram a teoria, uma vez que as condições de percolação não dependem apenas da área do orifício e
da sua localização.
Outros fatores a ter em conta nesta análise que podem explicar os resultados são: as diferenças nos coeficientes
de permeabilidade dos materiais e também o percurso da água. Pelos resultados obtidos pode-se concluir que a influência
da baixa permeabilidade da fundação aumenta com a profundidade e, como tal, seria de esperar que o caudal resultante de
cada defeito diminuísse com o aumento da profundidade. Pela análise da geometria do problema, chega-se facilmente à
conclusão que a distância que a água tem que percorrer dentro da estrutura é menor para o defeito abaixo do NPA e muito
maior quando este está no fundo da albufeira. O maior caudal registado é 1,695 l/s para o defeito A, apresentando um
percurso menor e com grande componente vertical de acordo com a aceleração gravítica. Para os restantes defeitos, os
caudais vão diminuindo com o aumento do percurso e a rotação da direção da velocidade. O defeito D apresenta um caudal
81
bem menor, essencialmente pelo seu grande percurso e pelo coeficiente de permeabilidade diminuto da fundação,
influência esta já registada para o defeito C. Entre os defeitos A e B a diferença é bastante pequena.
Resta referir que a linha de saturação não sofre alterações para os defeitos A e B, mas para os restantes já
apresenta uma subida, refletindo a influência da grande impermeabilidade da fundação nos resultados.
Para avaliar as consequências da dispersão dos defeitos, consideraram-se apenas os defeitos A, B e C. A Figura
65, faz o resumo dos resultados obtidos. São apresentados os diagramas das equipotenciais ao longo da estrutura. A
primeira imagem corresponde ao caso em que temos os três defeitos ativos (A+B+C). As restantes correspondem aos
defeitos com área triplicada simulados em separado. O defeito A2 corresponde ao defeito A com uma área equivalente à
soma das áreas dos três defeitos, ou seja, 0,9 m2. Os restantes são os defeitos B2 no meio do paramento e o defeito C2 no
pé do talude.
Apresenta-se o quadro resumo com os resultados dos caudais passantes medidos no eixo da barragem na Tabela
32.
Tabela 32: Caudais resultantes da análise de dispersão dos defeitos.
Defeito Referência Cota média (m) Caudal (m3/s) Caudal (l/s)
Conjunto A B C A+B+C - 0,004681 4,6813
Abaixo do NPA A2 1351,4 0,003019 3,0192
Meio do paramento B2 1343,875 0,003034 3,0342
Pé do paramento C2 1335,22 0,002348 2,3481
82
Figura 65: Redes de fluxo no estudo de dispersão dos defeitos.
Pelos resultados conclui-se que as diferenças têm alguma expressão. O maior caudal obtido foi para o caso em
que os defeitos estavam dispersos, apresentando redundância no encaminhamento de águas. Por este facto, este cenário
corresponde ao pior cenário possível. É preferível que os defeitos estejam concentrados num só orifício de dimensões
equivalentes. Outra razão pela qual um cenário de defeitos na geomembrana concentrados é preferível é o facto de que a
reabilitação de sistemas de geossintéticos pode ser feita localmente. A reparação apenas dessa zona é possível e deveras
mais vantajosa do que a reparação integral do GSS.
Apesar da diferença ser pequena, os caudais resultantes dos defeitos A2 e B2 inverteram a sua posição, isto é,
nesta análise, o caudal que resulta do defeito B2 é maior do que o que resulta do defeito A2, ao contrário do que se obteve
na análise anterior para os defeitos correspondentes. Possivelmente, esta inversão pode advir do aumento da pressão da
água quando se passa do defeito A2 para o B2.
Por fim, pelo resultado obtido para o caudal do defeito C2, nota-se ainda a influência da alta impermeabilidade da
fundação. Comparando com os caudais dos outros defeitos, a sua relação é menor, isto é, a proporção entre o caudal do C
e os caudais do A e B, na primeira análise, e entre o do C2 com os caudais A2 e B2, nesta última análise, diminuiu. Conclui-
se que o cenário mais favorável será o de possuir os defeitos todos concentrados numa zona.
Estas conclusões servem apenas para a barragem em questão. Deve-se preservar algumas reservas no que toca
a usar estas conclusões em estruturas com outras caraterísticas.
83
5. Conclusões finais e desenvolvimentos futuros
5.1 Conclusões finais
A presente dissertação pretende elaborar uma revisão crítica dos conhecimentos que se foram obtendo e dos
avanços tecnológicos que foram sofrendo toda a área de geossintéticos em barragens de aterro, com especial enfoque nas
geomembranas que dotam a sua estrutura de uma impermeabilidade inquestionável quando sem defeitos.
Apesar da utilização de geomembranas como cortinas de impermeabilização em barragens, tanto novas como em
reabilitação de antigas, já não ser recente, têm sido recolhidos novos dados. É urgente que se continue a avançar e a obter
mais e melhor informação sobre a sua utilização, sendo de desmistificar o facto de que um geossintético de poucos
milímetros conseguir substituir o núcleo central duma barragem zonada de terra. É necessário a dinamização destas
soluções e a sua implementação e contínua monitorização.
A verdade é que estas soluções constituem soluções vantajosas. O seu aprovisionamento, transporte,
armazenamento e instalação podem ser otimizados para constituir uma proposta bastante viável a nível económico. O seu
diminuto coeficiente de permeabilidade permite soluções tecnicamente viáveis com cortinas muito delgadas. Outra
vantagem de enorme peso na análise é a sua capacidade de permitir elevadas deformações sem romper. A sua grande
capacidade de alongar mantendo as suas caraterísticas de impermeabilização, torna estas soluções bastante versáteis. O
tempo total de construção das barragens e as suas condicionantes podem ser reduzidos. Os GSS proporcionam imensas
vantagens na construção de barragens quando comparadas com as soluções convencionais. As cortinas com
geossintéticos possuem um controlo mais rigoroso dos seus parâmetros de fabrico, simplificam muito a construção,
apresentam boas capacidades de ligação, entre outras.
As cortinas de geossintéticos podem ser constituídas apenas por uma geomembrana. No entanto, para melhorar o
desempenho, os sistemas podem ainda ser complementados com uma segunda camada de impermeabilização (outra
geomembrana), com camadas de drenagem (georedes) ou com camadas de proteção, de suporte ou de reforço
(geotêxteis). A constituição de novas soluções de geossintéticos mais versáteis e fiáveis está constantemente a acontecer.
Esta área tecnológica encontra-se em constante mutação. Os projetistas precisam de conseguir acompanhar a sua
evolução e constituir projetos inovadores e pioneiros, garantindo a segurança.
Os sistemas podem ser colocados no paramento de montante da barragem, tanto expostos como cobertos, e
ainda internamente. Têm sido utilizados de muitas maneiras: verticais, inclinados, em zig-zag, com vários tipos de
coberturas e vários tipos de ancoragens, em novas barragens e na reabilitação de barragens existentes. Estas soluções são
de facto muito versáteis, mas requerem um conhecimento profundo sobre as caraterísticas específicas dos materiais, os
critérios de projeto e as suas necessidades construtivas.
As geomembranas exigem um cuidado especial no seu transporte, armazenamento, manuseamento, instalação e
serviço. Devido às suas caraterísticas possuem uma sensibilidade a danos físicos significativa. Como tal, o seu uso exige
uma série de procedimentos e pormenores construtivos muito importantes: o cuidado para não a danificar, evitar a sua
exposição aos raios ultravioleta (quando aplicável), ter em conta que a temperatura altera o seu comportamento, a atenção
às condições do nivelamento do subleito na fase da sua instalação e a verificação da conformidade das ligações entre
84
geomembranas, entre outros. De facto a sua vida útil e o sucesso do projeto é muito dependente dos pormenores
construtivos e, geralmente, o seu insucesso é rapidamente evidenciado nos primeiros anos de exploração. Os problemas no
desempenho de geossintéticos acabam por cair em três categorias: limitações do sistema; ambientes mais agressivos do
que o previsto e, por último, casos de aplicações de alto-risco. Através de um dimensionamento correto da solução, aliado à
investigação no local e à experiência, consegue-se minimizar os problemas e garantir a sua durabilidade.
O seu dimensionamento específico envolve muitas fases. Começa pela escolha do sistema, tendo em conta toda
a informação exposta. Seguidamente, é necessária uma análise de estabilidade do sistema, analisar os ângulos de atrito
das suas interfaces e avaliar a tração que se vai desenvolver na geomembrana. A necessidade de um sistema de
ancoragens advém da falta de estabilidade do sistema por si só, ou seja, o atrito de interface não consegue perfazer as
necessidades de estabilidade.
Da necessidade de divulgação do tema e de desenvolvimento da informação reunida, surge a pertinência do
presente trabalho, o qual foi aplicado a um projeto de obra específico, o projeto da barragem do Pico da Urze. Com toda a
sua especificidade, o sistema foi pré-dimensionado e definido o perfil transversal tipo da barragem. Por fim, validou-se o
projeto com uma análise do seu estado de tensão-deformação na fase de construção e de exploração, recorrendo ao
método dos elementos finitos.
Ainda foi feita uma análise do fenómeno da percolação na barragem considerando defeitos normalizados na
cortina de geossintéticos. O objetivo foi qualificar as consequências de um eventual defeito na geomembrana e relacioná-lo
com o caudal resultante previsto. Neste processo foram envolvidos alguns fatores muito importantes, como a pressão
hidrostática, o percurso da água ao longo da estrutura da barragem, os contrastes de permeabilidade e a área do efetivo
defeito. Perceber as consequências de uma falta de cuidado nos pormenores e processos construtivos foi o mote desta
investigação em específico e permitiu perceber que o que rege a magnitude das suas consequências são os vários fatores
envolvidos. Tendo em consideração os resultados obtidos e a sua especificidade, pode-se concluir que os fatores mais
importantes são: a sua localização em função do tamanho do percurso, a pressão a que o defeito está sujeito, os
coeficientes de permeabilidade dos materiais que constituem a estrutura da barragem e respetiva fundação e a área do
defeito.
Todo o processo de projeto é feito com a consideração de alguns parâmetros que não são controláveis ou que
não foram devidamente ensaiados. A tomada de decisão não deve ser tomada precipitadamente e é necessária uma
ponderação clara e concisa sobre todos os fatores que a afetam. É nesta fase que a experiência e toda a informação
reunida tomam forma e, diretamente, influenciam a escolha.
Por fim e dando enfoque ao dimensionamento efetivo que foi realizado para o caso específico da Barragem do
Pico da Urze, pode-se concluir que consiste num projeto pouco comum e com vários detalhes que tornam o processo
desenvolvido muito específico. O facto da impermeabilização total da albufeira e a questão da alimentação do reservatório
ser feita em regime afogado, entre outras, faz com que esta obra seja única. Em relação ao desenvolvimento da
dissertação, serviu o seu propósito de pôr em prática o que foi aprendido, mas cada caso é um caso específico e este
dimensionamento não pode ser utilizado noutro projeto. Por exemplo, tem que se dar especial atenção ao elevado gradiente
hidráulico que se gera no pé do talude nestes sistemas de impermeabilização. Este problema não foi exposto no âmbito da
barragem do Pico da Urze uma vez que o sistema é prolongado ao longo da albufeira toda. Cada projeto tem que ser
dotado de um dimensionamento especializado e tecnicamente adequado ao caso em questão.
85
5.2 Desenvolvimentos futuros
Como referido nas considerações finais, este é um mundo em constante mudança e cheio de oportunidades de
avanços da sua tecnologia. Apresenta-se em seguida algumas áreas específicas que o autor gostaria de ver colmatadas.
Tendo em conta os critérios de projeto dos GSS em barragens, o seu recurso em cortinas internas de
impermeabilização ainda é muito raro e com muito pouca informação. É todo um campo com imensas questões por
responder. Seria muito proveitoso e pioneiro realmente executar o mesmo projeto com dois sistemas diferentes, um interno
e outro no paramento de montante, de modo a entender, as diferenças dos seus critérios de projeto. A sua comparação
permitiria uma melhor compreensão para a escolha da localização da cortina. Os sistemas internos também possuem muito
pouca informação porque não permitem a sua inspeção visual. Mas se esse é o problema, porque não executar uma obra
com sistema interno e dotá-la com um sistema de monitoramento automático para compreender melhor o seu
comportamento, a sua durabilidade e como se dá o seu processo de envelhecimento.
Outra área muito intrigante é efetivamente a análise de estabilidade dos sistemas. É necessário um estudo prático
exaustivo sobre os ângulos de atrito de interface que inclua uma série de ensaios com materiais normalizados. Esta é uma
lacuna muito importante no dimensionamento destes sistemas que deve ser analisada com uma estratégia muito bem
delineada. Os ângulos de interface podem depender de imensos fatores e tendo em conta os inúmeros geossintéticos
presentes no mercado, não são uma lacuna muito fácil de colmatar.
Ao processo de dimensionamento pode-se ainda referir que se teve em conta que a estrutura podia ser vista como
uma estrutura plana, admitindo-se um estado plano de deformação. Esta consideração tem alguns desvios importantes em
relação à realidade. É interessante também a colmatação desta análise, ou seja, a análise dos efeitos tridimensionais no
dimensionamento de sistemas de impermeabilização de geossintéticos.
Em termos de produtos geossintéticos, existe muita falta de informação e definição de caraterísticas no caso de
geocompósitos de geomembranas. Seria imensamente desafiante resolver estas questões. Como se pode concluir do
presente trabalho, os geocompósitos constituem soluções com um desempenho otimizado, usufruindo dos pontos fortes de
vários tipos de geossintéticos. Uma análise cuidada das suas caraterísticas e comportamento permitiria ganhar uma
sensibilidade importante em relação ao seu uso. Entender as suas limitações de resistência e de permeabilidade podia
otimizar o processo de dimensionamento e enquadrar as suas áreas de aplicação.
Em relação à investigação, procurou-se retirar algumas conclusões sobre os efeitos de eventuais defeitos na
cortina impermeabilizante de geossintéticos. Tentou-se tirar elações sobre a relação entre o caudal passante e as
caraterísticas e localização do defeito. Este é todo um campo que oferece inúmeras possibilidades de continuar a avançar
no conhecimento destas soluções. Analisar os contrastes de permeabilidade dos vários materiais intervenientes no
fenómeno da percolação, relacionar o nível da pressão hidrostática com o caudal e com a área do defeito são alguns dos
tópicos a desenvolver. A ideia de poder prever e quantificar as consequências dos eventuais defeitos no sistema
impermeabilizante de geossintéticos constitui um avanço notável para a sua otimização.
86
6. Referências bibliográficas
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88
Anexos
Anexo I – Perfil transversal tipo da barragem
do Pico da Urze
Anexo II – Pormenor da ancoragem do GSS
1
1,2
1
1,75
1
3
1354,00
N.P.A. 1352,00
Cota variável
1329,00
Enrocamento
Material de Transição
Rip Rap
GSS
8,35
N.M.C. 1352,60
10,00
autor:
João Figueira 67427
Escala 1:400
10-10-2014
Desenho A
Perfil Tranversal Tipo da Barragem
Barragem do
Pico da Urze
Legenda:
Geomembrane sealing system
Cota do terreno
Fundação
Enrocamento
Riprap
Material de transição
Nível de reservatório
Inclinação V:H
0,35
2
0,6
N.P.A. 1352,00
autor:
João Figueira 67427
Escala 1:50
10-10-2014
Desenho B
Pormenor da Ancoragem do GSS
Barragem do
Pico da Urze
Localização (Esc. 1:1500)
Legenda:
Geomembrane sealing system
Cota do terreno
Fundação
Enrocamento
Riprap
Material de transição
Nível do reservatório
Inclinação V:H