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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAFACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAO
CAMPUS DE BAURU
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO
Maria Cristina Fernandes
O PODER DISCURSIVO DO ROCK BRASILEIRO NA MDIAEM PAIS E FILHOS
BAURU2005
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Maria Cristina Fernandes
O PODER DISCURSIVO DO ROCK BRASILEIRO NA MDIAEM PAIS E FILHOS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao emComunicao da rea de Concentrao em ComunicaoMiditica, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao daUNESP/Campus de Bauru, como requisito obteno do ttulo deMestre em Comunicao, sob a orientao da Profa. Dra. Ncia
Ribas Dvila.
Bauru2005
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Maria Cristina Fernandes
O PODER DISCURSIVO DO ROCK BRASILEIRO NA MDIAEM PAIS E FILHOS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao, da Faculdade deArquitetura, Artes e Comunicao, da UniversidadeEstadual Paulista, Campus de Bauru, para a obtenodo ttulo de Mestre em Comunicao.
Banca Examinadora:
Presidente: Profa. Dra. Ncia Ribas DvilaInstituio: UNESP
Titular: Prof. Dr. Slvio de Santana JniorInstituio: UNESP
Titular: Profa. Dra. Jussara Rezende de Arajo
Instituio: UNIMAR
Bauru, 10 de maio de 2005.
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Aos desvendadores de palavras, sons e homens...A todos os que curtem a vida e um bom rock brasileiro,
em especial, Legio Urbana e Renato Russo.
AGRADECIMENTOS
Antes de qualquer Homem, quero agradecer o nico Ser que repousou os olhos nas
minhas noites sem dormir, no cansao da minha mente e do meu corpo, mesmo quando parte
dele estava machucado e precisava permanecer horas em frente ao computador. Ao Ser que
transcende todas as falhas dessa moderna mquina ou a falta dela. Ao que compreendeu o
incompreensvel de mim mesma e me deu sabedoria e alegria para escrever o trabalho com
dedicao e amor, mesmo com minhas tantas limitaes; que me deu a felicidade de transpor
essa linha de chegada. A Ele que ouso chamar de Pai. OBRIGADA.
graas a esse Pai que o sentido da vida de Greimas entrou no meu caminho, por
intermdio de uma de suas discpulas, a Profa. Dra. Ncia Ribas Dvila, a Professora Ncia,
como carinhosamente gosto de cham-la. Por sua enorme pacincia e carinho durante esses
quase trs anos, pela completa abnegao e amor dedicados Semitica e Arte, pela maneira
sbia de como transmiti-las e incorpor-las em nossas vidas de forma bonita, simples e eficaz.
Sua Teoria Semitica Musical respondeu s minhas indagaes e certamente responder s de
outros pesquisadores. Seu incentivo ser inesquecvel, Mestra! OBRIGADA.
Pessoas imprescindveis: meus pais, Sr. Milton e D. Cida, base de tudo, Gabi e
Grazi, pela pureza e brincadeiras durante os momentos mais estressantes, tio Osmar e tia Ana,
pela fora de sempre e pelo computador. OBRIGADA.
Aos amigos que estiveram do meu lado e cooperaram, de alguma forma, para a
realizao do trabalho: Aninha, Ins, Vera, Lu (Festa), Lu (Professora), Michele (Ps), Breno e
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Thiago (computador), Profa. Solange (Secr. de Educao), Adriano (Prof. de Francs), Edvaldo,
Alessandro, Lgia. A todos que me ajudaram. OBRIGADA.
Aos Professores-amigos que incentivaram e colaboraram muito para meu
aprendizado: Prof. Dr. Slvio Santana Jnior, grande conhecedor e Mestre da Teoria da
Significao, Profs. Alexandre, Csar e Daniel que, com simplicidade e pacincia, souberam me
fazer compreender a Linguagem da Msica, para alm da prtica. OBRIGADA.
Agradecimentos especiais a Dado Villa-Lobos, que gentilmente doou parte de seu
tempo e trabalho para a inesquecvel entrevista a mim cedida em 01 de agosto de 2003, a
Arthur Dapieve, bigrafo e amigo de Renato Russo, que sempre deu ateno a todos os meus e-
mails e ligaes, tornando-se tambm meu amigo e parte fundamental dessa dissertao.
OBRIGADA.
Aos amigos virtuais, amveis e atenciosos nos e-mails e grandes colaboradores da
dissertao: Adriana Amaral e suas pesquisas sobrerock, Eduardo Toledo e osoprododrago,
site mais completo da Legio Urbana na Net, Paulo Henrique Dantas e seu trabalho sobre a
Legio no contexto cultural brasileiro. OBRIGADA.
Aos amigos da UNESP: a todos os Professores do Curso, em especial ao Professor
Adenil, pelo contato e incentivo inicial. Ao pessoal da biblioteca: Diva, Marlene, Glria e
Aline, pela ateno e apoio. Ao Secretrio Slvio, sempre atencioso e dedicado, que
acompanhou, na torcida, toda minha trajetria para chegar at aqui. Tambm ao Secretrio
Helder, pelo timo trabalho. OBRIGADA.
Legio Urbana e Renato Russo, vivos no tempo e no espao de nossas memrias
e coraes. OBRIGADA.
A mim mesma, pela persistncia, determinao e coragem. OBRIGADA.
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No princpio era o Verbo,
e o Verbo estava junto de Deus
e o Verbo era Deus.(...)
O Verbo era a verdadeira Luz que,
vindo ao mundo, ilumina todo homem.
(Joo, 1, 1-9)
Sons secretos
De almas secretas
Sons sem nexo
Sentimentos cticos
Sei sem saber
Do sim e dos nos
Ouo zumbidos
De cada corao
Alo vos
Desenho asas
Contorno canes
Silencio meu ser
Ssssssssssssssssssssssssssssssss...
(Maria Cristina Fernandes)
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FERNANDES, M. C. O poder discursivo do rock brasileiro na mdia em Pais e Filhos.
2005. 177p. Dissertao (Mestrado em Comunicao). Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicao, UNESP, Bauru, 2005.
Resumo:
Este trabalho visa demonstrar o poder que o rock brasileiro exerce no enunciatrio-ouvinte
atravs da mdia. Para que nosso objetivo fosse alcanado, escolhemos como ferramenta de
trabalho a teoria semitica greimasiana, para a anlise do componente verbal; para o musical e
sincrtico, a teoria semitica da Profa. Dra. Ncia Ribas Dvila. Pretendemos explanar, assim,
como o Percurso Gerativo do Sentido realiza-se em composies populares contemporneas nos
seus aspectos, tanto verbal, quanto rtmico-meldico-harmnico-musical. Nosso objeto de
estudo o texto verbal musicalizado Pais e Filhos da Legio Urbana, consagrada banda pop
rock brasileira dos anos 80 at os dias atuais.
Palavras-chave:semitica verbal, semitica musical, semitica sincrtica, mdia, Pais e Filhos,
Renato Russo.
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FERNANDES, M. C. Brazilian rock discoursive power in the media in the song Pais e
Filhos. 2005. 177 p. Dissertation (Master in Communication). College of Architecture, Arts
and Communication, UNESP, Bauru, 2005.
Abstract:
This work wants to demonstrate the power that Brazilian rock exerts in enunciatee-listenerthrough the media. For our purpose had a successful conclusion we chose as the tool ofwork the Greimas Semiotics theory, for the verbal analysis; for the musical and syncreticthe Semiotics theory of PhD Professor Nicia Ribas Dvila. So, we intend to explain how theGenerative Process of Meaning works in pop contemporary compositions, as in their verbalaspects as in musical-rhythmical-melodic-harmonical points. Our subject of studying is themusicalized verbal text Pais e Filhos by Legio Urbana, an important Brazilian pop rockband since the 80 s until nowadays.
Key words: verbal semiotics, musical semiotics, syncretic semiotics, media, Pais e Filhos,
Renato Russo.
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SUMRIO1 INTRODUO 9Consideraes Preliminares 9
2 CONCEITUALIZAO HISTRICA 122.1 O rock brasileiro dos anos 80 122.2 Marcas da contemporaneidade: o rockbrasileiro e a mdia 182.3 A Legio Urbana 232.4 Renato Manfredini Jnior, o Renato Russo 272.5 O papel da mdia como mediadora entre a Legio e o pblico jovem 352.6 As Quatro Estaes 402.6.1 Pais e Filhos em As Quatro Estaes 42
3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS 463.1 Descrio do mtodo e tcnicas empregados na anlise semitica 47
3.2 A Semitica de A .-J. Greimas e o texto verbal 493.2.1 O Percurso Gerativo do Sentido (recodificado) 503.3 A Semitica de N. Dvila e o discurso musical 543.3.1 O Percurso Gerativo da Significao Musical 56
4 ANLISE SEMITICA DA LINGUAGEM SINCRTICA EM PAIS E FILHOS 584.1 O texto / discurso verbal: Corpus Verbal. 604.1.1 O texto verbal em disposio lgico-semntica 624.1.2 Anlise das Estruturas Discursivas 634.1.2.1 Levantamento dos Campos Semnticos 654.1.3 Estruturas smio-narrativas 71
4.1.3.1 Os Programas Narrativos 724.1.3.2 Estrutura Elementar O Quadrado Semitico 964.2 O Discurso Musical 994.2.1 Termos designativos da Semitica musical daviliana 1004.2.2 O corpusmusical de Pais e Filhos 1034.2.3 Anlise Semitica do Corpus Musical 1074.3 O Discurso Sincrtico 1274.3.1 O corpus sincrtico (verbo-musical) de Pais e Filhos 1294.3.2 Apreciaes sobre o corpussincrtico de Pais e Filhos 133
5 VARIANTES DO PROCESSO 148
5.1 Outras melodias de sucesso: identidade isotpica 148
6 CONCLUSO 157REFERNCIAS 160DISCOGRAFIA 167ANEXOS 169Entrevista com Dado Villa-Lobos 169
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1 INTRODUO
1.1Consideraes Preliminares
Tendo em vista a repercusso rpida e poderosa da msica popular contempornea
em todas as ramificaes miditicas e sua conseqente influncia na mente e no comportamento
das pessoas, no podemos interpretar o signo musical e sincrtico apenas como um mero
despejar de emoes ou uma biografia do autor.
preciso estudar sua forma de organizao interna, tanto verbal quanto musical,
seus sistemas de significao rtmico-meldicos e o poder da narrativa musicalizada nos meios
de comunicao de massa para descobrirmos at que ponto o discurso sincrtico na mdia
influencia o comportamento do enunciatrio e, conseqentemente, suas atitudes perante a
sociedade em que est inserido.
Atravs da prpria experincia, lecionando Portugus na E.E. Ernesto Monte, em
Bauru (2000 e 2001), para alunos de 5 a 8 sries do 1 grau, e trabalhando figuras de
linguagem por meio de msicas atuais veiculadas na mdia, verificamos que o uso de
determinadas palavras, frases ou expresses, alm de todos os sistemas sonoros presentes nas
canes apresentadas, influenciavam o comportamento do discente e de seu grupo social
levando-o, muitas vezes, a querer comprar o CD e (ou) produtos relativos (s) msica(s)
apreciada(s).
Alm dos aspectos semnticos e cognitivos trabalhados nas letras das msicas, da
disposio dos versos e palavras e do discurso poltico-social presentes nas canes, pudemos
perceber tambm todo fascnio sentido pelos alunos diante do carter sonoro, quando, por
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inmeras vezes, ainda sem que tivessem retido o elemento frstico-verbal que servia de suporte
ao desencadeamento da linha meldica, cantarolavam-na com entusiasmo.
Observamos, a seguir, que os alunos permaneciam bastante atentos e participantes
diante das letras das msicas, cuja tarefa era a identificao de figuras de linguagem.
Para um dos trabalhos propostos para os alunos, exploramos a msica de estilo pop
rock brasileiro da consagrada banda Legio Urbana, Pais e Filhos, objeto de nossas
investigaes na presente dissertao.
Tendo - para a linguagem verbal - como base de estudo a Semitica de Algirdas
Julien Greimas, seu percurso gerativo do sentido e esquemas narrativos, que nos foi dada a
oportunidade de abordar, embora no exaustivamente, foram tambm analisados os aspectos
narrativo-discursivos de sua manifestao musical.
Desta forma, alm de Greimas, aprofundamos o trabalho com as pesquisas em
Semitica Musical e Sincrtica de Nicia Ribas Dvila, concernentes s manifestaes rtmico-
sonoras, percussivo-musicais, meldico-harmnicas e inseres figurativas diversas, existentes
no universo musical, responsveis pelo aglomerado de tenses advindas do instante em que so
acopladas letra e melodia.
Nessa teorizao, as junes sonoras valorizadas, a ao tensiva do motivo, das
frases, dos perodos e dos incisos, o poder manipulador da sncopa - fato tambm observado
nas linguagens verbal, musical e visual, conforme Dvila (1999a e 2003c), entre outras
contribuies - permitiram-nos demonstrar atravs de nosso objeto de anlise, como o
enunciado sincrtico, acrescido da contribuio enunciativa dos atores da enunciao, pode
persuadir sobremaneira o enunciatrio (ouvinte), principalmente o de faixa etria jovem,
incitando-o a participar desse processo altamente comunicativo.
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Autores consagrados da Comunicao como De Fleur e sua preocupao com a
mudana dos processos scio-culturais do indivduo atravs dos meios de comunicao, o atual
filsofo da nova era comunicacional, Pierre Lvy, e suas Cibercultura e Ciberarte, e o enfoque
cultural-miditico de Edgar Morin, sero alguns dos nomes e assuntos abordados na presente
dissertao.
Outrossim, tornou-se necessrio um enfoque especial ao pop rockbrasileiro e a um
de seus maiores representantes, a Legio Urbana, assim como ao compositor, cantor, baixista e
letrista da banda, Renato Russo, j que se tornaram cones dos anos 80 at os dias atuais e
exerceram importante papel para a cultura miditica contempornea no pas.
A composio Pais e Filhos, faixa original do disco As Quatro Estaes,
simboliza toda uma gerao que, h quase 20 anos, canta seus versos e, principalmente, seu
refro: preciso amar as pessoas como se no houvesse amanh, porque se voc parar pra
pensar na verdade no h. Por isso tivemos um carinho especial ao escolh-la como objeto de
pesquisa.
Dessa forma, ao observarmos os aspectos miditicos e histrico-sociais de Pais e
Filhos, assim como as estruturas profundas da significao musical, identificaremos seu poder
persuasivo enquanto processo sincrtico /verbal + no-verbal/, desvendando, assim, o como
do sentido, ou seja, a FORMA do contedo no fato sincrtico, na outorga de um PODER
referida composio, mostrando ainda como o mesmo foi exercido sobre o pblico destinatrio,
desencadeando aceitao coletiva.
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2 CONCEITUALIZAO HISTRICA
2.1ORock Brasileiro dos anos 80
Sexo verbal no faz meu estilo, palavras so erros e os erros so seus.
(Eu sei, Que pas este 1978/1987)
Antes de enfocarmos o rockbrasileiro, faremos um rpido retrospecto das origens do
rocknroll.
Assim como o blues, o samba e o hip hop, o rock carrega em sua origem o ritmo e o
sangue escravo dos povos africanos. Conforme informaes da Revista Superinteressante
(out.2004, p.78),os escravos dos Estados Unidos cantavam nas colheitas de algodo melodias
espirituais e msicas que traduziam o sofrimento da escravido.
Comeava a a misso primordial do rocknroll: ser a ponte entre o ser humano e
sua realidade social.
A origem do nome rockteria sido em 1952 quando o radialista Alan Freed batizara
seu programa deMoondogs Rock and Roll Party.
Chuck Berry, Bill Halley e Little Richard j tocavam rock, mas a partir de Elvis
(1954), um branco que cantava e danava como os negros, houve um boom dos novos ritmo e
estilo, nos quais viriam a perpetuar por dcadas por todo mundo.
Mesmo em poca de preconceito feroz e da temvel organizao racista Ku Klux
Klan, os brancos queriam e exigiam ouvir o ritmo negro nas rdios e nos clubes.
Antes do rock a relao entre msica e pblico tinha um cunho de sofisticao.
Cantores como Frank Sinatra dificilmente aceitariam o novo estilo danante e contagiante. Certa
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ocasio ele soltou: Rocknroll a coisa mais brutal, feia e degenerada que eu j tive o
desprazer de ouvir (SUPERINTERESSANTE, out.2004, p. 82).
Inicialmente o rock e a rebeldia latente de seus seguidores estiveram margem do
seio da indstria cultural. No entanto, com o advento e amplo desenvolvimento dos mass-media,
o estilo rocknrollde ser conquistou espao permanente em todos os pases do mundo.
Segundo Morin:
A particularidade de todo sistema de cultura de massa, da indstria cultural, e aquimais especificamente das gravadoras, empresrios, enfim, o comrcio da cano, aparticularidade de todo esse sistema limitar a tendncia dionisaca, mas sem destru-la, - a qual se limitar a certos recitais trepidantes e quebra-quebra -, a caracterstica
do sistema sufocar a rebeldia latente ou afund-la em uma latncia ainda maisprofunda -, eliminar de qualquer maneira todas as manifestaes explosivas, masintegrar e explorar as contribuies musicais rebeldes. Em suma, o sistema da culturade massa esforou-se para integrar a genialidade musical do movimento em benefciode seu dinamismo, desarmando o explosivo social. (1973, p. 153).
Dessa maneira, o sistema comercial que envolve toda indstria cultural da msica,
por sua prpria necessidade de constante desenvolvimento, captou e trouxe para si toda a
renovao do novo ritmo, satisfazendo no apenas o pblico adolescente e jovem, mas o adulto
tambm.
De repente houve uma democracia musical por causa do rock. E ele se popularizou e
foi palco de vrias transformaes sociais.
Nenhum outro ritmo criaria um estilo to singular, influenciando modas, culturas e
geraes inteiras, promovendo uma sintonia to grande entre o jovem e a sociedade, sendo uma
espcie de espelho de sua rebeldia e conflitos.
De forma concisa, demonstraremos no quadro abaixo as razes do rocknrolle suas
ramificaes at o ano de 1992.
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No Brasil, o rock foi interpretado pela primeira vez (em Ingls) pela cantora Nora
Ney com Ronda das Horas/Rock Around the Clock, lanado em novembro de 1955 pelo selo
Continental, ocupando o primeiro lugar na parada da Revista do Rdio.
Dessa poca tambm se destacam os irmos Tony Campello e Celly Campello, que
abriram espao para o rock em programas de rdio e televiso atravs de seus hits Estpido
Cpido e Banho de Lua, dentre outros.
Outro precedente importante do rockn roll brasileiro foi o tropicalismo dos
universitrios baianos dos anos 60, seguido da verso abrasileirada do rockeuropeu dos Beatles,
atravs do i i i de Roberto Carlos e da Jovem Guarda, alm de algumas variantes do ritmo
agitado, tido como nova linguagem universal da juventude rebelde.
Interessante observarmos os aspectos scio-culturais dessa poca e de que forma os
jovens se inseriam nela.
Segundo Dapieve:
Curiosamente, quem primeiro viu orock como inimigo no foram os generais, mas osuniversitrios. Num mundo estreitado pelo maniquesmo esquerda/direita, no havialugar para uma msica que desse conta da complexidade do Brasil: quem no estavaengajado em canes de protesto ou pesquisas de raiz estava alienado, estavajogando contra. Gil e Caetano Veloso frente, o Tropicalismo foi agrupando poetas(Capinam e Torquato Neto), outros msicos (Tom Z, Gal Costa, Nara Leo e OsMutantes) e um maestro (Rogrio Duprat) afinados tanto com a guitarra eltricaquanto o berimbau. Foram exatamente esses nomes que posaram na capa de LP-manifesto Tropiclia ou Panis et circencis (1968). Mesmo que nele a linguagempredominante no fosse o rock havia samba e bolero -, a postura grupal era roqueira,sem dvida. (2000, p. 15)
Porm, esgotadas as tentativas de competir com a qualidade do rock internacional de
Beatles e Rolling Stones, a Jovem Guarda assiste sua decadncia diante daquela gerao.
Mesmo assim, muitos msicos brasileiros se esforavam em combinar o rock
estrangeiro musicalidade tpica brasileira.
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Na dcada de 1970 vemos a fuso rock-baio por Raul Seixas, Novos Baianos,
Alceu Valena e outros. Conforme a Enciclopdia da Msica Brasileira:
Msicas de povos diferentes podem ter pontos em comum, embora se diferenciemjustamente por caractersticas prprias; um bom exemplo o fato de o rock e o baioterem pulsao rtmica muito semelhante o rock tem muita influncia rtmica dobaio, em razo do sucesso mundial deste ritmo desde 1948. (1998, p. 685)
Ainda neste contexto surgem Os Mutantes. Sem fugir da linha roqueira dos
Beatles e j assimilando os estilos musicais j existentes no pas, o rock brasileiro estava
prestes a tomar forma.
Segundo Dapieve,
os trs discos gravados por Rita-Arnaldo-Srgio-Liminha-Dinho, A divina comdiaou Ando meio desligado (1970), Jardim eltrico (1971) e Mutantes e seus cometasno pas do Baurets (1972), confirmariam o grupo como primeiro de rockbrasileiro nosentido exato da expresso. (2000, p.16)
No entanto, somente na dcada de 80 que opop rockbrasileiro comeou a tomar
corpo com sua cadncia frentica e suas letras crticas ou sensuais, procurando no mais seguir
os modelos vindos de fora, mas assinalar a presena do genuno rocknacional.
Importante citar neste cenrio musical brasileiro, o movimento que daria os
contornos reacionrios aoBRock, oPunk.
Seguindo o lema do-it-yourself (faa voc mesmo) dos Sex Pistols e The Clash, as
primeiras bandaspunksbrasileiras, AI-5 e Condutores de Cadver, j ocupavam espao, se no
na mdia, em sales onde tambm roqueiros costumavam se reunir.
Por sua vez, o rock brasileiro passeava facilmente por esse estilo, aproveitando o
jeito despojado de serpunk, as letras crticas e s vezes violentas, o ritmo acelerado.
A fonte do rock nrollgenuinamente nacional despontava nos crebros poticos de
Cazuza, Lulu Santos, Raul Seixas, Arnaldo Antunes e Renato Russo, dentre outros.
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Assim, o dilema de uma poca marcada pelo constante sentimento de decepo com
o futuro do pas e pela insegurana emocional de alguns membros da nova Gerao Coca-
Cola, retratado por grandes poetas e cantores que, muitas vezes, inseriam-se em bandas como
Baro Vermelho, Tits, RPM, Ira, Plebe Rude, Paralamas do Sucesso.
Dentre os notveis representantes do genuno rock nacional, destacamos um dos
grupos que mais traduziu e ainda traduz o sentimento e o pensamento de grande parte daquela
gerao e da atual: a Legio Urbana.
Partimos do pressuposto (hiptese), porm, fundamentados em dados pelos quais nos
permitem algumas dedues, que o rock repleto de elementos persuasivos e participa
diretamente da psique humana, observada nas formas comportamentais.
Nosso trabalho observa a potncia manipuladora inserida no pop rock brasileiro
motivada por uma das composies mais importantes da Legio: Pais e Filhos.
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2.2 Marcas da contemporaneidade: o rock brasileiro e a mdia
No falo como voc fala, mas vejo bem o que voc me diz.
(Eu Era um Lobisomem Juvenil, As Quatro Estaes)
Quando especificamos que o rockbrasileiro contm marcas da contemporaneidade e
que, mesmo assim, no nos permite defini-lo como msica contempornea, mostramos a
dimenso da contemporaneidade in totum enquanto natureza, contrapondo-se ao carter
especfico (sem totalidade) e subsumido quanto a seu aspecto particularizante de popularidade.
J a interpretao do termo, enfocando a Msica Contempornea, fruto de uma
aquisio cognitiva mais refinada no que tange s definies classificatrias de um gnero
musical universalizado, que designa patamares para a sua classificao, incluindo da Ars
Anticqua(Arte musical antiga) Msica Contempornea ou de avant-garde, passando por fases
que caminham da erudio do classicismo, da msica de cmara msica concreta, hoje com
programaes digitalizadas, ditas analogamente, msica de Vanguarda ou Contempornea.
Seguindo a linha do universal sem totalidade encontra-se a msica contempornea
popularizada.
Conforme Pierre Lvy (2001, p. 137), universal pela difuso e de uma audio
planetria, sem totalidade, j que os estilos mundiais so mltiplos, em via de transformao e
de renovao constantes.
Santaella (2003, p.31) enfatiza o importante papel dos artistas diante das inmeras
transformaes que as novas tecnologias da comunicao tm trazido vida humana.
O mundo contemporneo musical est para o mundo contemporneo globalizado,
como este ltimo est para o primeiro.
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A modernidade requer a ubiqidade. A mdia tende a estar em todos os lugares, sem
limites de espaos e tempos. A msica inseriu-se nesse contexto com enorme facilidade, pois
possui o mesmo carter globalizante e transcultural.
Conforme Edgar Morin,
quando se trata de arte, msica, literatura, pensamento, a mundializao cultural no homogeneizante. Constituem-se grandes ondas transculturais que favorecem aexpresso das originalidades nacionais em seu seio. Mestiagens, hibridaes,personalidades cosmopolitas ou biculturais (Rushdie, Arjun Appadura) enriquecemsem cessar esta vida transcultural. Assim, muitas vezes para pior, mas tambm comfreqncia para melhor e isso sem se perder -, as culturas do mundo inteiroentrefecundam-se, sem saber, no entanto, que fazem filhotes planetrios. (2003,p.352)
Podemos fazer um recorte dessa mundializao cultural, enfocando o rock, em
especial o estilo pop rock brasileiro, em recorte territorial, como forte marca de nossa
civilizao miditica brasileira, ps-moderna.
Como produto de uma gerao advinda do mundo tecno-industrial onde capitalismo
e consumismo se misturam com arte, o rock exerceu transformaes na cultura do homem,
inserindo-se tambm como cultura miditica. Isso sem falar dos novos elementos tecnolgicos
que o rock adquiriu neste novo contexto cultural: seqenciadores, samplers, sintetizadores
geram novos sons e cores para suas canes.
Segundo Adriana Amaral:
O fator de socializao que a msica apresenta possibilitou a constituio do rocknroll como uma forma de manifestao cultural que transcende limites sociais,culturais e geogrficos, ganhando a mente dos jovens a partir da dcada de 50,
pipocando sua sonoridade nos mais variados cruzamentos do mundo. O mundoparadoxal, ambguo e mundializado do rock o torna a msica da contemporaneidade,fazendo-o facilmente passvel de identificao, bem como servindo de totem deadorao a grupos de indivduos. (2002, p.39)
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Facilmente podemos traar uma analogia entre a nova era miditica e o rock
brasileiro, j que ambos se apresentam a partir de transformaes e rupturas de paradigmas
scio-econmico-culturais.
Alm disso, no h dvidas de que o rock brasileiro contribuiu sobremaneira para
uma mdia mais voltada aos interesses dos jovens.
Desde 1957, quando o primeiro rock made in Brazil apareceu, Rock and roll em
Copacabana, de Miguel Gustavo, as rdios brasileiras se aperceberam do que isso significaria
em termos de receptividade e audincia do pblico ouvinte.
Pouco a pouco, alis, as rdios foram acordando para o mulatinho americano. No finalda dcada de 50, at mesmo a Nacional de So Paulo reservava um espao para orocknroll e demais excentricidades: o programa Ritmos para a juventude,apresentado por Antnio Aguillar. Outro proto-DJ, Carlos Imperial, pilotava Clubedo rock (na Tupi) e Os brotos comandam (na Guanabara). (DAPIEVE, 2000, p.13)
Contudo, mesmo no auge de seu aparecimento no pas, beirando os anos 80, ainda
existia perante as pessoas um certo ar de marginalidade em relao ao BRock . O movimento
punk, com seu jeito agressivo de usar os cabelos e se vestir, tambm contribua para essa viso.Mas a imprensa brasileira foi generosa. Em 1982, o SESC Pompia lanou o Festival
Punkde So Paulo, conhecido como O Comeo do Fim do Mundo, show com as bandas Olho
Seco, Ulster, Clera, Extermnio, Anarkolatras e Inocentes. Aps o espetculo, o pblico era
convidado a assistir vdeos e prestigiar o lanamento do livro O que punk, do jornalista
Antnio Bivar, editado dentro da coleo Primeiros Passos, da Brasiliense.
E assim, fomentava-se a divulgao de muitas bandas de rockbrasileiro. Entre elas,
o Aborto Eltrico (mais tarde dividida em Legio Urbana e Capital Inicial), Blitz, Baro
Vermelho, Plebe Rude, Paralamas do Sucesso, dentre as que mais se destacaram.
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Evidentemente a participao da mdia como elemento-chave de comunicao dessa
nova vertente musical foi primordial para que a tendncia pop rock brasileirase firmasse como
estilo e moda, prprios do nosso pas.
Segundo Dapieve (2000, p. 32) a presena de pessoas influentes na mdia
colaboraram para a difuso do BRock. Dentre elas, o jornalista destaca: Ana Maria Bahiana, do
jornal O Globo e da revista Pipoca Moderna, Jamari Frana, do Jornal do Brasil e
Maurcio Kubrusly, da revista Som Trs e da rdio Excelsior FM, de So Paulo.
Os eventos e shows do Brazilian Rockencaixam-se perfeitamente na nova vertente
miditica. O aniversrio de 50 anos do rock, comemorado dia 13 de maio de 2004 e amplamente
divulgado pelas mais diversas formas de comunicao miditicas, comprovam o espao que o
rock nrollconquistou e qual sua representatividade hoje para o Brasil e para o globo.
Assim, o estilopop rockbrasileiro encontrou e encontra na mdia, seja ela escrita ou
falada, espao propcio para sua difuso, mesmo sendo produto de uma sociedade que carregou
e carrega consigo o esplio deixado por anos de ditadura militar, tempos nos quais a arte,
principalmente a msica, no melhor estilo rocknroll nacional, no era bem recebida pelo poder
poltico da poca.
O hibridismo mdia-msica e seu poder manipulador de massas ratificam ainda mais
o que tericos da comunicao j diziam h mais de 30 anos. O modelo scio-cultural do
processo de persuaso decorre da idia de que os efeitos dos veculos em geral so influenciados
pelas interaes sociais que um membro do grupo mantm com seus companheiros. (DE
FLEUR, 1971, p.184).
No caso do rockbrasileiro e da mdia essa interao ocorre de forma a conquistar o
pblico-alvo: jovens sedentos por mudanas, tanto pessoais quanto polticas. E o rock nacional
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transformou-se na traduo mais poderosa para a juventude que estava escrevendo a histria do
pas naquele momento.
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2.3A Legio Urbana
Queramos chocar e chocamos. Nesse momento, comeamos a virar lenda em Braslia.
(Renato Russo)
Parece que a frase do estadista romano Jlio Csar Urbana Legio Omnia Vincit
(Legio Urbana a Tudo Vence), escolhida por Renato Russo para compor a Legio Urbana,j
previa o futuro de um dos mais significantes smbolos da geraopop rockbrasileira da dcada
de 80 at os nossos dias.
Formada inicialmente em 1982 por Marcelo Bonf (bateria), Renato Russo (baixo),
Paulo Paulista (guitarra) e Eduardo Paran (teclado), a Legio Urbana surge no cenrio
brasiliense como uma das bandas mais amadas e, ao mesmo tempo, mais odiadas de Braslia.
Amada pelo excesso e odiada pelo mesmo motivo.
Excesso inspirado nas bandas de ritmo pesado e letras crticas dopunk-rock deSex
Pistols, Ramones e Richard Hell and The Voidoids, a Legio ganhava espao, tempo e voz
numa poca em que o pas entrava numa fase conturbadora, tanto politicamente quanto
musicalmente. Principalmente neste sentido comea a existir uma transformao nos estilos
musicais brasileiros. O rock nacional no cabia dentro da to elitista MPB.
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Sobre o jovem rock brasileiro, Renato Russo, aqui como jornalista, fez um press
release certeiro para a imprensa sobre o festival de rock ocorrido no auditrio da ABO
(Associao Brasiliense de Odontologia).
(...) Um movimento original e anrquico que pretende acabar com os falsosmodismos. a moda levada ao extremo: antimoda, antiesttica, antitudo. Mas aqui bem mais fcil controlar a juventude oferecendo a vlvula de escape ideal e no umamsica que faa todos pensarem e questionarem as hipocrisias construtivas de umasociedade falsa, beira da autodestruio atmica. H-h. Msica discoteca no faladesse feito. E a msica popular brasileira parece estar mais preocupada com cama emesa e a sensao das cordilheiras. E o pessoal que faz letras espertas no gosta detocar rock no Brasil. O que fazer? Ser que esto todos satisfeitos? Rock umaatitude, no moda. msica da frica. No msica americana. Tem no mundointeiro. (DAPIEVE, 2000, p. 57)
Neste momento, a banda j havia se reestruturado. Paulo Paulista e Eduardo Paran
deixariam o grupo naquele mesmo ano (1982) e entraria o guitarrista Ico Ouro Preto, que em
maro de 1983 deixaria o grupo, tomando seu lugar, o at ento f da banda, Dado Villa-Lobos.
Em 1984 Bonf convida Renato Rocha para tocar baixo na Legio Urbana,
formando, assim, um quarteto.
A partir do primeiro disco Legio Urbana, em janeiro de 1985, a banda explode
como porta-voz da juventude e do new style rockbrasileiro da conturbada gerao anos 80.
Em dezembro de 1988 Renato Rocha deixa a banda e Renato Russo assume
novamente o baixo. Assim a Legio permaneceria at a morte deste ltimo.
Conforme entrevista realizada com Dado Villa-Lobos, especialmente para esta
dissertao:
na verdade a idia da Legio Urbana, a idia do Renato e do Bonf, seria que elesfossem um ncleo, os dois, no qual eles chamariam vrias pessoas para interagirmusicalmente com elas, as mais diversas possveis. Era deixar o projeto mais amplo,no s uma banda de rock fechada, naquela estrutura de banda de rock, mas deixar aidia musical mais ampla e aberta, entende? S que no d muito certo isso, n...Dentro do que se conhece como a msica pop hoje, no assim que funciona...(VILLA LOBOS, 2003)
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Aglutinadores de multides, a Legio Urbana fez histria desde seu primeiro show
em 1982, na cidade de Patos de Minas (MG). No final do show, a banda foi parar nos braos da
polcia local.
Plebe Rude, outro grupo brasiliense, tambm estava presente no evento. Ambas as
bandas foram muito bem recebidas pelos roqueiros do lugar, mas nem tanto pelos polticos do
mesmo.
poca do governo Figueiredo e ainda com muitos resqucios da ditadura militar, a
represso ainda vigente no agentaria ouvir a irnica Que pas este? (Nas favelas, no
Senado, sujeira pra todo lado/ Ningum respeita a Constituio, mas todos acreditam no futuro
da Nao), da Legio Urbana ou Vote em branco (Imagine uma eleio onde ningum fosse
eleito/ J estou vendo a cara do futuro prefeito/Vamos l, cara, seja franco/ Use o poder de seu
voto/ Vote em branco), da Plebe Rude.
Ao descerem do palco havia uma fila de policiais esperando os msicos rebeldes de
Braslia.
Aps este, outros tantos episdios estranhos e violentos aconteceriam com a banda.
Dentre eles, o de Braslia, em 1986, no estdio Man Garrincha, onde 60 pessoas foram detidas,
ocorrendo 385 atendimentos mdicos e 64 nibus depredados, e o da Ilha Porchat na cidade de
So Vicente, em 1995, no ltimo show da banda, quando Renato cantou durante 45 minutos
deitado, em protesto contra algumas pessoas que tinham jogado latas de cerveja no palco.Alm desses fatos, a banda suspendeu por diversas vezes suas apresentaes em
shows e gravaes devido a problemas relacionados com o Renato: o corte dos pulsos, as
drogas, o tratamento delas e a fatal AIDS.
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O fato que, entre tantas harmonias e contrastes, quedas e levantes na vida da
Legio Urbana, a banda conseguiu atingir em cheio a mente, o corao e por que no, o
comportamento do jovem brasileiro.
A banda no se assemelhava a nenhum outro grupo de rockda poca.
Na opinio do empresrio Rafael Borges, que assumiu a funo a partir do lbum
lanado em 1987, Que pas Este 1978/1987,definitivamente, no era entretenimento. Havia
uma proposta artstica, de comportamento e de tica que no obrigava a banda a se submeter
prtica comercial do trabalho no show bizzbrasileiro. (BIZZ, 2001, p.21)
Enfocando desde temas universais como amor, esperana, famlia, at temas
relacionados realidade pessoal do jovem como drogas, discriminao e o prprio momento
histrico do Brasil, a Legio Urbana conquistou uma parcela significativa da juventude da
poca.
Questionado sobre o modo de composio do grupo, Dado responde:
ns fazamos as msicas primeiro e discutamos sobre o que podia falar isso, sobreisso ou aquilo, o que est acontecendo a. A gente sempre conversava muito dentro doestdio (...) A verdade que ele (Renato) encaixava as palavras com perfeio namelodia, na msica, o que no fcil de fazer. (VILLA LOBOS, 2003)
Sem dvida nenhuma, a histria da Legio Urbana se confunde com a prpria
histria dorock nacional.
Diariamente a mdia entoa os sucessos da banda, ressuscitando atravs de suas
msicas, os ideais de uma poca e de uma gerao ainda presente.
Devendo parte deste sucesso fora abrangente da mdia e ao poder persuasivo de
suas letras e de todo aspecto rtmico-meldico das msicas, caminhamos sem Renato, mas com
a certeza de que vive atravs de suas composies.
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2.4Renato Manfredini Jnior, o Renato Russo
Consegui meu equilbrio cortejando a insanidade.
(Serenssima, V)
Resultado dos sobrenomes do filsofo Jean-Jacques Rousseau, do pintor Henri
Rousseau (ambos franceses) e do pensador ingls Bertrand Russel, Renato Manfredini Jr., o
Renato Russo, parecia saber de sua vocao, onde experincia pessoal, filosofia e arte
provocavam fascnio, admirao e arrebatamento nos milhares de jovens brasileiros em relao
quele que seria um dos principais cones do pop rockdeste pas na dcada de 80 at o atual
milnio.
Segundo Dapieve:
Na verdade, Renato Russo seria mais que um sobrenome artstico. Se aproximaria deum personagem, de um heternimo. Tanto que, no comeo da carreira da LegioUrbana, Renato Manfredini Jr. era quatro anos mais velho que Renato Russo. Para a42th Street Band de Eric Russell, Renato Manfredini Jr. escreveu a biografia, pensouna obra, bolou capas para os discos. Parecia uma banda de verdade. Era um ensaio.Quando, em 1977, aos 17 anos, ele simultaneamente ficou curado da epifisilise,passou no vestibular para jornalismo no Centro de Ensino Universitrio de Braslia(Ceub) pelo qual se formou mas nunca foi pegar o diploma e tomou conhecimentodo movimentopunk, passou da teoria prtica. Com louvor. (2000, p.25-26)
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Compositor, cantor, baixista e letrista da Legio Urbana, o Jnior de seu pai
Renato e de sua me Maria do Carmo, no seguiria a carreira de jornalista, mas seria notcia de
muitos jornais daquela dcada e das vindouras.
Renato, que j tinha morado em Nova York com a famlia durante sua infncia,
lecionaria Ingls na Cultura Inglesa em sua juventude. O domnio da lngua aguou ainda mais
seu gosto pelo rock.
Seus primeiros dolos musicais foram Beatles, Elvis Presley e Bob Dylan. Depois,
numa fase maispunk-rock, Renato seguiu inspirao com Sex Pistols, The Clash e Ramones.
Foi nesta poca, no final da dcada de 70, que Renato conheceu o guitarrista Andr
Pretorius e o baterista Felipe Lemos. Juntos eles formariam o Aborto Eltrico, embrio da
Legio Urbana e do Capital Inicial, outro significativo grupo do rock verdadeiramente nacional.
Conforme a explicao de Renato Russo Aborto Eltrico era uma referncia a um
cassetete usado pela polcia do Distrito Federal que, posto em ao para dissolver uma
manifestao em 1968, induzira uma jovem grvida ao aborto. (DAPIEVE, 2000, p. 40).
Algumas msicas do Aborto Eltrico foram posteriormente gravadas pela Legio.
Dentre elas Gerao Coca-cola e Conexo Amaznica
Quando o Aborto Eltrico se desfez, entre 1981 e 1982, Renato, ainda estudante de
jornalismo, transformou-se no Trovador Solitrio.
Sozinho, acompanhado apenas do violo, cantava suas prprias canes, como
Eduardo e Mnica, Qumica e 18 e 21 (futura Eu Sei), abrindo shows de bandas.
Mesmo apresentando-se para uma platia de punks, Renato era muito respeitado.
Ainda que com um estilofolk-urbanode Eduardo e Mnica como em Quem um dia ir dizer/
que existe razo/ nas coisas feitas pelo corao/ e quem ir dizer/ que no existe razo, ou nas
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palavras certeiras de Eu sei, Sexo verbal no faz meu estilo/ Palavras so erros e os erros so
seus/ No quero lembrar que eu erro tambm/ Um dia pretendo tentar descobrir/ Porque mais
forte quem sabe mentir/ No quero lembrar que eu minto tambm/ Eu sei, ele conseguia
impressionar o pblico jovem presente.
Com linguagem simples, ao mesmo tempo cotidiana, sem deixar de ser trabalhada
com e como arte, Renato Russo comeava a sedimentar seu estilo e sua consagrao diante do
pblico jovem brasileiro.
O Trovador Solitrio permaneceu no estado solitrio apenas por alguns meses. Em
1982, Renato chamou o baterista Marcelo Bonf. Posteriormente, ambos chamariam o
guitarrista Eduardo Paran. (As diversas formaes do grupo esto explanadas no captulo
anterior).
De fato, Renato Russo era considerado o irmo mais velho daquela irmandade de
jovens, um tanto quanto perdidos, participantes de um contexto scio-histrico bastante
perturbador, onde a democracia estava tentando firmar os ps e os pais, vindos de uma gerao
de ditadores e repressores, no compreendiam os jovens da dcada de 80 e no sabiam como
lidar com a liberdade, j diferente da Paz e Amor pregada pelos hippiesna dcada de 70.
Conforme declaraes de Eduardo Villa-Lobos a respeito de Renato:
ele ao mesmo tempo, junto turma de Braslia, era aquele cara mais velho, tratadocomo tal, muito inteligente, informado, perspicaz e tudo e tratado como assim ah, oirmo mais velho, ele vai indicar o lder, ele vai indicar o caminho, entendeu. Achoque isso, o respeito vinha da, de ele ser a pessoa mais velha e ser uma pessoa deconfiana e confiante. (VILLA LOBOS, 2003)
A pergunta que se faz : por que Renato tornar-se-ia um aglutinador de multides?
Ele no era considerado bonito pelos padres sociais de beleza e raramente aparecia na mdia,
at ento. A resposta para esta questo no to simples, mas tentamos encontr-la, no apenas
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observando sua personalidade e o que ela representou para a juventude brasileira, mas
perscrutando a maneira pela qual essa mesma personalidade exerceu e exerce fascnio, tanto no
pblico jovem quanto adulto, at os dias atuais mediante suas composies.
notrio de todo o pblico brasileiro, fs ou no da Legio Urbana, que Renato
Russo teve uma vida bastante conturbada. Usou drogas, teve muitas crises de bebedeira e
chegou at a cortar os pulsos em 1984.
Embora tivesse talento e a admirao de todos que o cercavam, Renato era um caradepressivo. Eu s fui feliz na infncia, disse ele a sua me, momentos antes demorrer. Um dos motivos disso era que Renato se achava o feio no meio de um grupoformado, na sua maioria, por jovens bonitos. Franzino e meio desengonado, ele no
aceitava sua aparncia. Era uma situao bem difcil. Todo mundo gostava dele, masele tinha esse complexo. Se achava o patinho feio da turma, revela Ico. (SHOWBIZZESPECIAL, out. 1997, p. 4-5)
Suas crises de depresso constantes ecoavam diretamente em cima do palco. No
raro Renato se atrasava para o incio dos shows ou ocorria alguma coisa com o pblico ou entre
o pblico e ele, ou entre a banda e ele ou entre ele e ele mesmo. Haja vista os eventos ocorridos
no estdio Man Garrincha e no show da Ilha Porchat.
Quanto questo de sua sexualidade, Renato foi bastante discreto. Confessou para a
me aos 18 anos ser homossexual, mas publicamente apenas aos 29.
Numa entrevista concedida a Jos Augusto Lemos, Renato declarou:
Eu precisava me assumir h muito tempo...Mas fica aquela coisa, filho de catlico,voc doente etc., etc. (...) P, eu sou um cara legal, eu no posso ser doente... Eusou assim desde que eu me lembro, desde os 3, 4 anos. Eu sempre gostei de meninos.(SHOWBIZZ ESPECIAL, out. 1997, p. 5).
Aps a insistncia de amigos e da famlia, em 1990 Renato Russo ficaria internado
numa clnica de desintoxicao, onde s sairia aps ter colocado fogo na mesma. O motivo foi a
proibio da clnica em permitir que Renato tocasse para outros pacientes na festa de fim de
ano.
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Ainda nessa mesma clnica Renato viria a descobrir a realidade que mudaria para
sempre o rumo de sua histria e da Legio: o vrus HIV.
Renato confidenciou o fato apenas s pessoas mais ntimas. Apenas sabiam de sua
doena o pai, o empresrio Rafael, sua amiga Denise Bandeira e os companheiros de banda,
Dado e Marcelo. O segredo seria mantido at sua morte.
Seis meses antes deste episdio, em 4 de julho de 1990, o Brasil perdera outro poeta:
Cazuza. Nesse dia a Legio Urbana apresentou-se no Hipdromo da Gvea para a turn As
quatro estaes. Quando Renato subiu no palco cerca de 60 mil pessoas o assistiam.
E foram com essas palavras que ele homenageou outro dolo do rockbrasileiro:
Oi, eu sou o Renato. Signo de ries, mais ou menos 30 anos. Gosto de Billie Holidaye Rolling Stones. Gosto de beber pra caramba. De vez em quando um milkshake.Gosto de meninas, mas tambm gosto de meninos. Todos dizem que sou meio louco.Sou roqueiro, um letrista, mas alguns dizem que sou poeta. (...) Ele, signo de ries,mais ou menos 30 anos. Ele gosta de Billie Holiday e Rolling Stones. Ele meiolouco, gosta de beber pra caramba. Cantor e um grande letrista. Eu digo: ele umpoeta. Todos da Legio gostariam de dedicar o show ao Cazuza. (DAPIEVE, 2000, p.118)
E assim a Legio comeou com H tempos, parece cocana, mas s tristeza,
talvez tua cidade, muitos temores nascem do cansao e da solido....
No entanto, neste mesmo show, outro problema com a platia. Houve um tumulto
entre turmas e na confuso muita areia foi jogada no palco. Nos bastidores Renato gritava aos
presentes que no tinha ido dar show para animais.
Ainda na divulgao de As quatro estaes, outro triste episdio ocorreu em Poos
de Caldas quando Renato, aps ter utilizado uma dose exagerada de cocana, passou mal e foi
obrigado a deixar o palco. A reao da platia foi de depredar o ginsio.
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Enfim essa relao amor-dio entre Renato e o palco e entre Renato e a platia
pareciam estar intrinsecamente ligados e naquela fase da vida do cantor, os maus
acontecimentos tendiam a piorar ainda mais seu estado emocional.
Conforme relatos de seu companheiro de palco, Dado Villa-Lobos, Era muito triste
ver que apesar da doena diagnosticada ele continuava a se autodestruir, bebendo, se drogando.
Isso era chocante, fazia muito mal a todos ns. (...) Ns conversvamos sobre isso, mas ele
estava ou completamente alucinado ou completamente de ressaca. (DAPIEVE, 2000, p. 134).
Rafael Borges, empresrio do grupo a partir do lbum Que pas este 1978/1987,
declarou que
Renato fazia shows belssimos, apesar do Cointreau, apesar do Lexotan (...) Ele sepreocupava no s com sua sade, mas com seu estado de esprito porque identificavanele um comportamento comum aos grandes astros, no s os do rock, como ElvisPresley e Janis Joplin: Milhes me querem, mas eu estou sozinho em meu quarto.Era uma nova verso, negativa, do Trovador Solitrio (DAPIEVE, 2000, p. 135).
Em sua carreira solo Renato Russo apresentou-se tambm como intrprete. Em 1994
gravou The Stonewall Celebration Concert, um CD com um repertrio bem selecionado de
msicas em Ingls, que trouxe nas ltimas pginas do encarte nomes e endereos de vrias
organizaes, movimentos e entidades com os mais variados fins, tendo como ttulo Para
ajudar ou pedir ajuda. Parte dos royaltiesobtidos com a venda deste CD foram doados para a
campanha do socilogo Betinho: Ao da Cidadania Contra a Fome e a Misria.
Em 1995 foi a vez do CD Equilbrio Distante onde, tambm sozinho, interpretou
belas canes italianas. Na ltima pgina do encarte o trecho de um poema de Michelangelo
Buonarroti (1532) parecia traduzir os ltimos momentos de Renato em vida: Vivo della mia
morte e, se bem guardo,/ Felice vivo dinfelice sorte (Vivo da minha morte, e se olho bem,
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feliz vivo de infeliz sorte). O CD repercutiu de maneira surpreendente, proporcionando msica
italiana uma nova valorizao no Brasil.
Outras obras, O ltimo solo, em 1997, Renato Russo, em 2000 e a mais recente
Renato Russo Presente, em 2003, todas pstumas, mostram o intrprete Renato passeando por
diferentes letras, lnguas e estilos musicais que vo desde a tradicional Gente Humilde
(Garoto, Chico Buarque, Vinicius de Moraes) at o sucesso da Jovem Guarda, A Carta (Benil
Santos, Raul Sampaio), gravada em 1992 em parceria com o tremendo Erasmo Carlos a
convite deste ltimo.
Apesar de sua popularidade e de seu poder de persuaso diante da gerao da poca,
Renato no gostava da idia messinica que algumas pessoas lhe insinuavam. Um belo dia, o
pblico vai descobrir que o seu dolo tem ps de barro, e uma coisa muito dolorosa porque
messias no existem. (...) Se eu realmente estivesse num caminho messinico, teria controlado
aquele show. (DAPIEVE, 2000, p. 100 e101).
Em 11 de outubro de 1996 o rock brasileiro perde, alm do criador de msicas
atemporais, o catalisador e aglutinador de milhes de jovens que vivenciaram a dcada de 80 e
as posteriores.
O moo vindo de Braslia, carregando o sonho de ter uma banda, cantou o retrato do
pas (Nas favelas, no senado, sujeira pra todo lado... Que pas esse?), o amor ( preciso
amar as pessoas como se no houvesse o amanh), a falta de amor (Sempre precisei de um
pouco de ateno), a dor (Tudo dor e toda dor vem do desejo de no sentirmos dor) e foi
capaz de provocar uma catarse coletiva em cada show que fazia. Mas dessa vez seu ser pedia
silncio. Estou em paz, me. (...) Tudo o que eu fiz de certo ou errado na minha vida j
conversei com Deus. (DAPIEVE, 2000, p. 166)
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Renato Russo deixou, sem dvida, um precioso legado que ultrapassa o tempo e o
espao e transpe geraes. Alm de suas letras arrebatadoras, resta-nos a mensagem, sempre
escrita em seus autgrafos: Fora sempre!.
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2.5 O papel da mdia como mediadora entre a Legio e o pblico jovem
No deixaremos que se esquea que somos ns mesmos desde 78, rtulos ou no-rtulos; new-
wave, punk ou no-wave. O que acontece? A quem estamos enganando? Qual o verdadeiro papel
do artista, numa cidade como Braslia, a nossa cidade? Qual o papel da imprensa, do pblico?
(Renato Russo)
Quando as pessoas ouvem msicas atravs do rdio, h uma espcie de humanizao
deste objeto, muitas vezes levada s raias do fetichismo, dando-lhe um carter de feitiaria
tecnolgica. (TINHORO, 1981, p.106).
Como j foi dito anteriormente, a mdia influenciou sobremaneira a difuso do rock
brasileiro, principalmente entre os jovens da dcada de 80. Com a Legio Urbana no podia ser
diferente. Detentora de um poder persuasivo perante seu pblico, ela conseguiu abocanhar boa
parte da mdia, mesmo sem se render aos seus caprichos de mercado.
As msicas da banda, tocadas em todas as rdios a partir do primeiro disco Legio
Urbana (1985) at os dias atuais, exerceram e exercem tamanha influncia na juventude
brasileira que nos perguntamos qual seria o ponto de equilbrio entre a mdia provocadora desse
sucesso, atravs das sucessivas apresentaes musicais em sua programao, e o poder
discursivo presente nas harmoniosasletras e melodias da banda.
O porta-voz da Legio Urbana perante a mdia era Renato, que concedeu diversas
entrevistas, dentre elas ao Jornal do Brasil, ao Jornal da Tarde, ao Correio Braziliense e s
Revistas Bizz e Showbizz. Destacamos estas como referncias do rocknacional a partir de 1985
at o incio dos anos 90.
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nasceria e se prolongaria por muitos anos, alm de Marcelo Fres, Maurcio Valladares e o
autor de sua biografia e de vrios trabalhos sobre o rockbrasileiro, Arthur Dapieve.
A mdia radiofnica foi a mais ativa e influente do sucesso legionrio, a que mais
apostou na influncia que um grupo de rock brasileiro podia exercer numa gerao toda e nas
vindouras.
Seguindo a nova onda do rocknrollbrasileiro, j no mesmo ano de lanamento do
primeiro disco Legio Urbana (1985), a Rdio Fluminense FM tocou suas msicas que,
posteriormente, iriam ser sucesso nacional como Gerao Coca-Cola e Ainda cedo.Renato
tambm concedeu vrias entrevistas para a Transamrica FM sobre a banda.
Quanto televiso, o grupo definitivamente no se enquadrava nos programas de
entretenimento, fator importante em suas programaes, cuja principal finalidade era (e ainda )
a audincia.
Tambm no se submetia aos apelos comerciais decorrentes do novo modelo
capitalista e neoliberal que estava sendo criado pelos meios de comunicao da poca.
A Legio Urbana, de uma certa forma, representava, no apenas uma crtica
maneira como a televiso retratava a msica brasileira, mas tambm a toda sua forma de
apresentao perante o pblico.
Na faixa multimdia interativa presente no CD Renato Russo O ltimo solo,
Renato descreve a funo de seu trabalho dentro da mdia televisiva:
Eu acredito que mesmo a Xuxa, por exemplo, por ela falar determinadas coisas deuma determinada maneira, no a mesma coisa que eu ou o Cazuza ou mesmo oChico Buarque... A cobrana vai ser diferente. Ento, eu sinto que eu tenho que tomarcuidado com isso. Se o meu trabalho fosse uma pouco mais leve, se fosse uma coisamais de entretenimento e no de informao como eu gosto de acreditar que ,talvez... mas na verdade as pessoas se identificam com o que eu falo porque eu falo do
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universo interior das pessoas, o meu universo interior. A isso realmente pode embolaro meio de campo. Mas at agora tem dado certo. (RUSSO, 1994)
A Legio participou poucas vezes em programas da TV. Dentre eles podemos citar o
Programa do Chacrinha, em 1990 (alis o Velho Guerreiro achava que a voz de Renato
parecia com a de Jerry Adriani); o Programa Livre do SBT em 1994, por ocasio do lanamento
do 6 lbum O descobrimento do Brasil; o Programa Acstico MTV, com o CD Legio
Urbana Acstico MTV, em 1992, cujo lanamento sairia apenas em 1999.
Nesse mesmo CD, no final da faixa 5 (Hoje a noite no tem luar) Renato Russo,
apesar de tentar manter-se longe das tentaes mercadolgicas, convoca os fs legionrios aajud-lo, comprando o novo disco V. Em certa ocasio ele diz: assim, enquanto o disco
no chegar a 250, 300 mil a gente no vai fazer show. Seno vai ficar um bando de gente l:
Toca Ainda cedo!!. A gente no, a gente quer tocar as msicas novas. A se j for platina
duplo e ningum gostar do disco, a tudo bem. (RUSSO, 1992).
Na mdia escrita foram destacadas especialmente as notcias sobre os quebra-quebras
dos shows, a irreverncia de Renato e tudo que permeava sua vida ou sua personalidade. Exceto
as revistas especializadas, como a Bizz e a Showbizz, por exemplo, os jornais no tiveram a
preocupao em explorar as msicas da Legio Urbana.
No atual contexto scio-cultural-miditico, com o desenvolvimento do ciberespao
e seus homepages e blogs, assim como a inveno de variados meios que facilitam cada vez
mais a comunicao entre indivduos, o rock brasileiro, aqui representado pela banda Legio
Urbana, ganhou um novo enfoque e amoldou-se tranqilamente s exigncias dos fs, tanto dos
novos quanto de geraes anteriores.
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A identidade Cibercultura Legio talvez possa ser justificada pela relao de
inmeras controvrsias que ambos carregam.
Segundo Pierre Lvy:
Um dos melhores sinais da proximidade entre esse mundo da cultura e os coletivosinteligentes seu compromisso (de princpio) de colocar o poder entre parnteses. Oideal da inteligncia coletiva no evidentemente difundir a cincia e as artes noconjunto da sociedade, desqualificando ao mesmo tempo outros tipos deconhecimento ou de sensibilidade. reconhecer que a diversidade das atividadeshumanas, sem nenhuma excluso, pode e deve ser considerada, tratada, vivida comocultura (...). Em conseqncia, cada ser humano poderia, deveria ser respeitadocomo um artista ou um pesquisador numa repblica de espritos. (LVY, 1996,p.120)
Existem milhares de sites na Internet que trazem em seu contedo histrias,
biografias, msicas, entrevistas, curiosidades dentre outros itens elinks, cujo objetivo principal
satisfazer os visitantes, legionrios ou no, fornecendo todas (ou quase todas) as informaes
sobre seus dolos, inclusive produtos mercadolgicos.
O osoprododrago, um dos sites oficiais da Legio Urbana, com 18 mil fs
cadastrados, recebe diariamente cerca de 800 visitas, mais ou menos 25 mil visitas por ms e,
segundo o organizador dosite, Eduardo Toledo (2004), a maioria tem menos de 18 anos.
De fato, a presena miditica fator importante para a divulgao das bandas
nacionais. De qualquer maneira, a Legio Urbana, seguiu sua trilha, sem necessariamente ter
seu constante apoio, principalmente na fase inicial.
Hoje em dia, a incessante apresentao das msicas, com suas letras e melodias
atemporais, em todas as rdios brasileiras, e o contnuo lanamento de CDs, DVDs, revistas,
camisetas e tantos produtos de mercado, confirmam a Legio como uma das maiores bandas de
rockbrasileiro de todos os tempos.
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2.6 As Quatro Estaes
preciso amar as pessoas como se no houvesse amanh,
porque se voc parar pra pensar na verdade no h.
(Pais e Filhos, As Quatro Estaes)
Antes de As Quatro Estaes (porque demorou exatamente um ano para ser
finalizado), ser lanado, em novembro de 1989, ningum poderia imaginar que um ano de
trabalho rduo fosse valer tanto a pena.
Produzido por Mayrton Bahia, o disco teve 450.000 cpias vendidas por antecipao.
Hoje mais de 2 milhes de cpias esto distribudas entre os fs da banda.
A dificuldade de Renato em compor naquele ano deve-se s suas ms lembranas do
fatdico show em Braslia um ano antes. Conforme o prprio Renato, as letras do disco
demoraram a sair porque eu tinha que tirar Braslia do meu sistema. (DAPIEVE, 2000, p.
101)
Sem dvida, As Quatro Estaes tinha um ar excepcionalmente potico, mais
ainda do que os trs trabalhos anteriores. O disco era o preferido de Dado, apesar de no ser o
de Renato e Bonf, que gostavam mais do V (DAPIEVE, 2000).
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Destacamos aqui alguns dos versos de cada uma das 11 faixas do disco: Disciplina
liberdade, compaixo fortaleza, ter bondade ter coragem (H tempos); Tudo dor e toda
dor vem do desejo de no sentirmos dor (Quando o sol bater na janela do teu quarto); the
scented taste that still my tongue is wrong that is set but not undone (Feedback for a dying
friend); E voc estava esperando voar, mas como chegar at as nuvens com os ps no cho
(Eu era um lobisomem juvenil); o bem contra o mal e voc de que lado est? (1965 Duas
tribos); J no sei dizer se ainda sei sentir, o meu corao j no me pertence. (Maurcio); Eu
canto em Portugus errado, acho que o imperfeito no participa do passado (Meninos e
meninas); Quando no est aqui, tenho medo de mim mesmo (Sete Cidades); E fiquei tanto
tempo duvidando de mim por fazer amor fazer sentido. (Se fiquei esperando meu amor passar);
e o refro atemporal preciso amar as pessoas como se no houvesse amanh, porque se voc
parar pra pensar na verdade no h. (Pais e Filhos).
Milhares de pessoas assistiram turn nacional de As Quatro Estaes. Dentre os
shows destaca-se um, ocorrido do Rio de Janeiro, onde foram vendidos 40 mil ingressos. Os
organizadores, no conseguindo conter a multido do lado de fora, abriram os portes para mais
20 mil legionrios, ansiosos por ouvirem e verem a Legio Urbana.
Nessas estaes, Renato soube como ningum escrever versos de cunho espiritual,
sem parecer pregador religioso, traduzir poesias que lia e as musicalizava, sem ferir as obras
originais, e resumiu sua biografia em vrios trechos musicais, sem precisar escrever um livro.
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2.6.1 Pais e Filhos em As Quatro Estaes
Escrita em 1988, faixa 2 do disco As Quatro Estaes, Pais e Filhos foi
composta numa poca de transio da banda. Renato Rocha (ou Negreti) havia sado h pouco
do grupo e os trs integrantes, Renato, Dado e Bonf, acabavam de se tornar pais.
O filho de Renato tinha nascido em maro daquele ano. O cantor no falava muito
sobre o assunto. Conforme a revista Flashback (out. 2004, p.44), Giuliano teria sido fruto de um
relacionamento dele com uma f que morrera pouco tempo depois do nascimento do filho.
Em declarao publicada no JB de 4 de novembro de 1989, Renato afirma: Eles
(seus pais) sempre me deram fora e olha que eu sou uma pessoa difcil... No sou exatamente
normal, bebo muito, fao rocknroll, sou pansexual. E eles me respeitam numa boa.
(DAPIEVE, 2000, p. 138).
Na entrevista concedida a esta pesquisadora, em pergunta se os membros do grupo
tinham alguma inteno aos escreverem Pais e Filhos, Dado respondeu:
Sim. Falar desse novo momento, essa nova etapa da vida de cada um. Onde, aomesmo tempo, que voc um filho, voc tambm passou a ser um pai. Ento, isso.Todos tinham acabado de ter filhos.Pais e Filhos... e o nome tambm da revista degestantes, Pais e Filhos. No para levar to a srio o negcio, porque a gente estfalando tambm, ao mesmo tempo, do mundo popePais e Filhos aquela revista queest na banca de jornal do Brasil inteiro, e voc passa na frente e sempre v Pais eFilhos,Pais e Filhos ... (VILLA-LOBOS, 2003).
Em 1994, a Legio Urbana esteve no Programa Livre (SBT) para a divulgao do
disco O Descobrimento do Brasil. No final do programa a platia pediu euforicamente que o
grupo cantasse Pais e Filhos. Renato confessou, ento, que a msica o desgastava muito e que
as pessoas sempre a pediam nos shows como se a mesma fosse alegre, mas na realidade no
percebiam a tristeza presente em seus versos iniciais, referindo-se a ela se jogou da janela do
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quinto andar, nada fcil de entender. Na continuao da entrevista, Renato tambm faz
referncia a Curt Kobain, vocalista do Nirvana que se suicidara naquele mesmo ano.
Em seguida, a Legio atende aos fs ensandecidos e comea a tocar a msica to
requisitada.
Ainda em relao a esse trecho da msica, Georgia Manfredeni afirma: Em Pais e
Filhos, ele menciona uma prima nossa que se suicidou. Ela se jogou do quinto andar quando
descobriu que era filha adotiva (FLASHBACK, out. 2004, p. 44).
A respeito do assunto, em entrevista concedida para essa dissertao, Dado Villa-
Lobos (ago. 2003) disse desconhecer o fato.
De que maneira a msica teria sido concebida, uma pergunta que muitos fs tm
curiosidade em saber. Segundo Marcelo Bereh:
Renato tinha uma mania de bloquinhos, onde anotava um monte de frases que ouviana rua, nas conversas, na TV. Um dia, ele me disse: Bereh, vou te mostrar como eucomponho. Pegou um monte de pginas desses bloquinhos, todas escritas, rabiscadas,desenhadas, e montou em cima da mesa, como num passe de mgica, Pais e Filhos.(FLASHBACK, out. 2004, p. 44).
Hipteses parte, em Pais e Filhos do CD 1, lbum Legio Urbana As Quatro
Estaes ao Vivo, gravado de um show realizado no Parque Antrtica em So Paulo, Renato
faz um desabafo, enquanto a introduo da msica executada:
Agora... a gente vai tocar uma msica que foi feita no banheiro, porque no banheiro agente coloca duas funes vitais do ser humano. Eu no me envergonho de cagar, euno me envergonho de mijar, porque eu no me incomodo de comer, no tenhoproblema em dormir e tambm no tenho medo de sonhar. Eu no tenho vergonha do
que eu fao no banheiro, minha gente... Ok... E essa msica dedicada a todas apessoas que acham que barata mais importante que a pessoa que a gente ama, ok...Eu no disse nada, hein... Quem que j trocou fralda de beb? Quem que j foibeb? Quem que j foi uma criana pequenininha? (RUSSO, 1990).
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A comparao da barata com a famlia refere-se declarao do vocalista da banda
Inimigos do Rei num de seus shows a respeito do hitUma barata chamada Kafka, quando
afirmou que essa msica era to ou mais importante do que Pais e Filhos. (TOLEDO, 2003)
Ainda em relao Pais e Filhos desse CD, lanado em 2004, Renato acrescenta
msica o clssico Stand by me 1(When the night has come/ And the land is dark/No I wont feel
afraid/ No I wont feel afraid/ Just as long as you stand/ Oh, darling, darlingstand by me/ Stand
by me/ Stand by me), antes de finalizar com Sou uma gota dgua/ Sou um gro de areia/ Voc
me diz que seus pais no entendem/Mas voc no entende seus pais. Sabiamente, Renato soube
encaixar o trecho da msica em Ingls, j interpretada por grandes nomes como Lennon e
Beatles, sem que o final de Pais e Filhos perdesse seu significado original. Pelo contrrio, at
enfatizou o aspecto afetivo presente na letra, como podemos observar na traduo dos versos:
Quando a noite chegar/ E a terra ficar escura/ No, eu no sentirei medo/ no, eu no sentirei
medo/ Enquanto voc ficar/ Ficar comigo/ Oh, querida, querida fique comigo/ Fique comigo/
Fique comigo.
Comentando sobre o poder que Pais e Filhos exerce no pblico, Dado cita uma
entrevista da revista New Yorker a um produtor de discos quando este cita a interessante
expresso money notes para justificar o sucesso de discos e msicas de um modo geral. E
explica:
ah, por que essa msica tal deu to certo? Ah, porque ela tem o money notes!. S
para voc ter idia. Money notes aquela nota que entra e bate de um jeito na cabeado cara que ouviu, que ele vai ter vontade de imediatamente comprar aquele disco eter aquilo para ele. Para ele poder ouvir a hora que ele quiser, quantas vezes elequiser...no o caso aqui, mas eu acho que essa msica uma cano pop rock, nosei, com caractersticas universais e que toca as pessoas de uma forma incontestvel.Fala o qu? De uma relao entre pais e filhos, que basicamente fala sobre a sua vida,a minha vida, da forma que eu imagino. (VILLA LOBOS, 2003)
1Msica de Jerry Leiber, Mike Stoller e Ben King
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Conforme informaes de Dado V. Lobos, assim como a maioria das composies
da banda, a msica Pais e Filhos foi estruturada da seguinte forma: primeiro criou-se a base,
por Dado e Bonf, depois Renato acrescentou a letra..
A gente gravava aquilo, depois o Renato, meses depois... ele aparecia com a letra eencaixava. Sendo que, s vezes, a msica vinha como a msica e uma idia, um ttuloque sugeria alguma coisa (...) Eu adoro essa msica, uma das minhas msicaspreferidas. (VILLA LOBOS, 2003)
Alm de estar presente em As Quatro Estaes, a msica foi gravada nos seguintes
discos: Mais do Mesmo (1998, faixa 10); Legio Urbana Acstico MTV (1999, faixa 4);
Como Que Se Diz Eu Te Amo (2001, faixa 2, disco 2); Legio Urbana As Quatro
Estaes Ao Vivo (2004, faixa 6, disco 1)
Pais e Filhos no uma das favoritas apenas de Dado Villa Lobos, participante de
todo processo de composio musical. Ela comeou a fazer parte do acervo memorial de
milhares de brasileiros pertencentes a diferentes classes sociais e variadas geraes, desde que
foi gerada. Com uma melodia contagiante e uma letra atemporal, pode-se arriscar a dizer que ela
se transformou num cone juventude brasileira, influenciando tambm uma boa parcela do
pblico adulto da nossa sociedade.
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3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
Aliando estudos semiticos s teorias de comunicao de massa, com o apoio
metodolgico-cientfico de Lakatos e Marconi do livro Tcnicas de Pesquisa (1996),
averiguamos as diversas influncias que a cultura miditica sofre na utilizao da msica como
recurso persuasivo e modificador do indivduo e da sociedade.
Para alcanarmos os objetivos propostos, realizamos nos 1 e 2 semestres de 2003 um
levantamento bibliogrfico acerca dos estudos semiticos da linguagem verbal e no-verbal, alm
das teorias comunicacionais contemporneas e dados histrico-sociais relacionados msica de
estilopop rockbrasileiro, mais especificamente a Pais e Filhos da banda Legio Urbana.
Concomitantemente a esses estudos, cursamos as disciplinas: Teorias da Comunicao,
Metodologia da Pesquisa em Comunicao, Semitica e Comunicao, Semitica Sincrtica: do
Texto (verbal), do Som e da Imagem e Linguagens Miditicas como Discursopara o bom
desenvolvimento do projeto final de dissertao.
Dedicamo-nos, ainda, ao aprendizado da lngua francesa, em funo de melhor aceder
aos originais das obras de Greimas, e a estudos musicais tericos - uma vez que nossos
conhecimentos musicais eram dirigidos a procedimentos prticos - como complementos necessrios
ao bom andamento de nossas pesquisas.
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3.1 Descrio do mtodo e tcnicas empregados na anlise semitica
Coletado o material para pesquisa, sob o mtodo hipottico-dedutivo e com
embasamento na metodologia proposta pela Teoria Semitica da Escola de Paris, desenvolvemos
duas anlises isoladas, uma envolvendo elementos verbais e outra no-verbais da composio
citada, culminando com a exposio do carter entonativo e intonativo no texto sincrtico,
salientando ser este ltimo o piv narrativo do dinamismo do discurso, ao redor do qual gira todo
um sistema de valores capaz de engendrar a significao pela manipulao. (DVILA, 1999b,
p.470b).
Para completar e enriquecer nossa pesquisa, analisamos o papel manipulador da
mdia para com o jovem, atravs da transmisso da mensagem persuasiva presente na linguagem
musical de estilo pop rock nacional, cujas propriedades so capazes de alterar a forma
comportamental do indivduo, de tal modo que ele reaja francamente em direo resposta
direcionada e condicionada ao produto que o objeto da persuaso.
Na anlise semitica proposta neste trabalho, tivemos como base a metodologia
utilizada pelas teorias semiticas greimasiana (verbal) e de Dvila (musical e sincrtica).
Houve uma pesquisa bibliogrfico-analtica, atravs da abordagem do processo
comunicacional inserido nas linguagens, assim como estudos da comunicao miditica
contempornea e sua influncia no destinatrio das mensagens, no nosso caso, a linguagem
sincrtica - verbo-musical -, que colaboraram para o enriquecimento de nossas reflexes e da
produo deste trabalho.
Dessa forma, o corpus verbal e o musical do texto sincrtico Pais e Filhos
apresentado sob as formas: a) em textos isolados, demonstrando, tanto atravs da letra, como da
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partitura musical, as possibilidades de desconstruo do sentido nas duas linguagens e a
rearticulao de seus segmentos, reconstruindo o universo sincrtico; b) em texto sincrtico.
Finalizando nossa anlise sob a apreciao do carter sincrtico, como clotre,
intentamos fazer entender por que a msica possui um poder por meio do qual ultrapassa os
nveis de escuta e oralidade, demonstrando que a linguagem musical, especialmente na atual era
comunicacional, no s participa das emoes e sentimentos do ser humano, mas insere-se num
sistema universal de significao.
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3.2 A Semitica de A .-J. Greimas e o texto verbal
Todo parecer imperfeito: oculta o ser; a partir dele que se constroem um querer-ser e um
dever-ser, o que j um desvio do sentido.
Somente o parecer, enquanto o que pode ser a possibilidade -, vivvel.
(Algirdas Julien Greimas, Da Imperfeio)
Neste trabalho, pretendemos nos ater aos elementos indiciais que propiciaro definir
a existncia de um poder persuasivo que o rockbrasileiro, representado aqui pela banda Legio
Urbana, evoca no pblico receptor.
Desta maneira, demonstraremos atravs da composio Pais e Filhos como o
enunciado sincrtico acrescido da contribuio enunciativa dos actantes pode persuadir o
enunciatrio.
Por tratar-se da teoria da significao, a semitica greimasiana foi a escolhida para
auxiliar-nos neste trabalho, no que concerne ao carter verbal. Atravs dela, considera-se o
Percurso Gerativo do Sentido e os esquemas narrativos (GREIMAS; COURTES, p. 209) e
pode-se analisar com mais profundidade os aspectos narrativo-discursivos da manifestao
verbal.
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3.2.1 O Percurso Gerativo do Sentido (recodificado)
O Significado = Contedo, em Substncia e FORMA. (Recodificado: N.Dvila)2
Sintaxe Semntica
Fundamental Fundamental
Relao entre (Paradigmtico)Semas. Inventrio de
Estruturas categorias smicas.Smio-narrativasPROFUNDAS
Quadrado Axiologia. Valores
Semitico morais, polticos,articulado religiosos e sociais.F O R M A
Do CONTEDO Sememas antes deRelao entre sememas combinarem-se entre si
/ Sintaxe / / Morfologia /
Estruturas Sintaxe narrativa Semntica narrativaSmio-narrativas de superfcie = Permanente busca deSUPERFICIAIS actantes (destinador,objeto, valores,
Sujeito, PN=Prog. Narrat.) a ideologia, esuas atualizaes
* M C P S (Nvel sintagmtico)
Substncia do ContedoESTRUTURAS DISCURSIVAS
Sintaxe discursiva Semntica discursiva
DISCURSIVIZACOO ATOR (papel temtico + papel actancial) FIGURA E TEMA
no TEMPO e no ESPAO
O SIGNIFICANTE ( = EXPRESSO )/ SUBSTNCIA / + / FORMA /
Fsico-sonora e grfica + Sistemas lingstico e musical
2 Recodificado por Ncia Dvila facilitando a compreenso dos alunos. Pesquisas de 1995 a 2005.
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Floch esclarece percurso da seguinte maneira: a disposio ordenada das etapas
sucessivas pelas quais passa a significao para se enriquecer e, de simples e abstrata, tornar-se
complexa e concreta; e gerativo porque todo objeto significante, para a semitica, pode e
deve ser definido segundo seu modo de produo, e no segundo a histria de sua criao:
gerativo se ope assim gentico. (2001, p. 15).
Seguindo os conceitos primordiais da Lingstica de Saussure para, em seguida,
continuar os passos com o dinamarqus L. Hjelmslev, a Semitica de Algirdas J. Greimas
caracteriza-se, especialmente, por tratar profundamente suas duas grandezas: expresso e
contedo.
Para explicar a funo da semitica e a indissolubilidade dos dois planos
(expresso/contedo), Hjelmslev prescreve:
A funo semitica , em si mesma, uma solidariedade: expresso e contedo sosolidrios e um pressupe necessariamente o outro. Uma expresso s expressoporque a expresso de um contedo, e um contedo s contedo porque contedo de uma expresso. Do mesmo modo, impossvel existir (a menos quesejam isolados artificialmente) um contedo sem expresso e uma expresso sem
contedo. (2003, p.54)
Benveniste tambm nos oferece seus conhecimentos sobre a linguagem. Segundo ele
quanto mais penetrarmos no mecanismo da significao, melhor veremos que as coisas no
significam em razo do seu serem-isso substancial, mas em virtude de traos formais que as
distinguem das outras coisas da mesma classe (1995, p.45).
Greimas, sem dvida, um dos maiores nomes que enriqueceu os estudos anteriores,
desenvolvendo, juntamente com o Percurso Gerativo do Sentido e todas as suas implicaes,
ampla abertura a outras linguagens e no to somente verbal.
Num sentido mais amplo, sero consideradas como sincrticas as semiticas que como a pera ou o cinema acionam vrias linguagens de manifestao; da mesmaforma, a comunicao verbal no somente de tipo lingstico: inclui igualmente
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elementos paralingsticos (como a gestualidade ou a proxmica), scio-lingsticosetc. (GREIMAS; COURTS, s.d., p. 426)
Para tanto, em nossa anlise, desvinculamos o texto verbal da manifestao
meldico-harmnica, para que o exame de cada uma das duas linguagens tenha total
objetividade pelo distanciamento passional que as une no sincretismo.
A grande dificuldade em desenvolver uma anlise com o objetivo de apreender o
carter simblico existente em cada uma das linguagens, onde a semiose s consolidada na
juno do plano da expresso (em substncia e forma) com o plano do contedo (em substncia
e forma), foi recompensada com os resultados obtidos, embora sempre parciais, uma vez que
lidamos com meios, estratgias e dados finitos, diante da significao que infinita.
Por isso, valemo-nos do Percurso Gerativo do Sentido na anlise das estuturas
discursivas e smio-narrativas encontradas na produo verbal.
Nas estruturas discursivas, observamos as embreagens e debreagens envolvendo
atores em tempo e espao, assim como figuras e temas.
Nas estruturas smio-narrativas superficiais, - na sintaxe narrativa -, observamos o
algoritmo narrativo cannico, com suas quatro fases: *manipulao, competncia, performance
e sano; na semntica narrativa, os valores (ideologias) e a relao entre sememas.
Nas estruturas smio-narrativas profundas, enquanto sintaxe fundamental, define-se
o quadrado semitico (estrutura elementar da significao), na relao e articulao dos semas.
Na semntica fundamental, a apreenso de valores axiologizados no inventrio de categorias
smicas (semas opositivos).
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Quando seguimos a linha do fazer manipulador de Greimas inferimos a idia de que
o discurso carrega o verbal embasado num/fazer-crer/nas transformaes individuais e sociais
atravs dos mais variados tipos de cultura miditica.
Dessa forma compreendemos a teoria de Greimas que entende o entrar no mundo
dos sentidos como efeito de sentido. Situado na instncia da recepo, o efeito de sentido
corresponde semiose, ato situado no nvel da enunciao e sua manifestao que o
enunciado-discurso. (GREIMAS; COURTES, s.d., p. 137).
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3.3A Semitica de N. Dvila e o discurso musical
Essa nota deve soar azul!
(Renato Russo num dos shows em orientao aos msicos)
Discpula de Greimas e de Coquet, Dvila defendeu tese de doutorado em
semiticas verbal e musical sob a orientao desses renomados mestres. Colaborando, a partir de
ento, com a estruturao das bases de uma semitica musical fundamentada nos moldes terico-
metodolgicos preconizados por seus mestres, comprovou a existncia do carter simblico da
linguagem musical, a semiose em si.
Propiciou, com sua tese, uma abordagem das instncias ab quo (profundas) ou
estruturas smio-narrativas, s ad quem, ou estruturas discursivas, as mais superficiais do
percurso do sentido musical, conforme tese de doutorado (1987), culminando com a
manifestao textual, valendo-se da expresso.
Dando continuidade aos seus estudos a respeito da manipulao atravs da sncopa
nas linguagens verbal, musical e sincrtica, Dvila (1998, 1999a, 1999b, 2003c) oferece-nos
uma clara explicao a respeito do poder persuasivo da msica que, agindo por meio de seus
elementos tensivos, transforma atitudes e comportamentos de receptores pretendidos e no
pretendidos da mensagem musical ou verbo-musical (sincrtica).
Enfatizando os desejos de Greimas de que as manifestaes no-verbais pudessem
vir a ser analisadas por uma metodologia que se distanciasse cada vez mais da linguagem
verbal para a designao e determinao da natureza dos contedos nelas investidos, no nosso
corpus definimos duas anlises produzidas de conformidade com suas estruturas e grandezas
semiticas independentes.
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Foi-nos uma tarefa inundada por inmeras dificuldades, pois, quando buscvamos a
grande influncia da melodia - comprovada no procedimento dos jovens que acantarolavam o
tempo todo em sala de aula, inicialmente com o desconhecimento da letra - , deparvamo-nos
com o carter semi-simblico da mesma.
Alm disso, tivemos necessidade inicialmente de compreender a teoria de Greimas
para a anlise isolada da letra. A seguir, de melhorar os conhecimentos musicais para a
comprovao do carter simblico da melodia. Finalmente, de conhecer a teoria de Dvila
para poder empreg-la na anlise encetada em semitica musical, cumprindo o que propusemos
como tema de pesquisa.
O grfico exposto permitir demonstrar como a anlise nessa teoria poder
desenvolver-se, proporcionando o acompanhamento da desconstruo/reconstruo do sentido
no fato musical, meldico-harmnico.
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3.3.1 O Percurso Gerativo da Significao Musical Ncia Ribas Dvila
NVEL do CONTEDO ( = SIGNIFICADO) NO TEXTO MUSICALSubstncia do Contedo (Varivel) + Forma do Contedo (nvel profundo = Invarivel)
SUBSTNCIADO CONTEDO
FORMA (nvel superficial)DO CONTEDO
FORMA (nvel profundo)DO CONTEDO
Simblica (DENOTAO)Formema total /ft/da Presentificao
Fatos musicais: percussivos,meldicos; msica concreta;
erudita; orquestraes percussivasou meldico-harmnicas com a
ausncia total de ancoragemverbal, salvo como
metalinguagem.
*********Semi-simblica
da Representao.(CONOTAO/denotao)
O que o fato musical estrepresentando com ancoragem no
verbal. Duas anlises (musical everbal) podero ser realizadas deforma isolada, fiis s respectivas
estruturas, denotativas esimblicas. Quando acopladas
indicaro os recursos estratgicosimplicados no sincretismo, o
simbolismo verbal e o semi-simbolismo musical, e o comodo sentido musical alterando a
significao verbal.**********
Semi-simblica (Conotao)da Re-representao
O fato sincrtico (musical / verbal/viso-gestual/ digital) com
subjetividade interpretativa . Osacrscimos fundam-se no
repertrio prtico, na fico e nacriatividade do autor.
Zona IntermediriaTonalidade G (sol maior)
Formema Total (ft)a) Ritmo da temporalidadeespacializada englobante e
englobadaperidico, aperidico, misto.
(Binrio, ternrio, quaternrio).b)Ritmo na espacialidade
temporalizada
Espaos do ritmo:e1, e2; e2, e2:
ttico, acfalo e anacrsico.Sonema numrico (tempos)
Numerador = da unidade detempo (nmero de figuras por
cada tempo), compassos, frases.Planos : sons de ao e de fundo,
questes x respostas (fugas)Sonema DIAT = qualificativos do
som manifestado, quantitativo.Formemas Parciais /fp/ e /fpi/. /fpi/ = figuremas: dos sinais
(positivos e negativos) e dossonemas: inciso, motivo,contraponto, sncopas, cadncia,seqncia, mordente, trinado, etc.
Sonemas tensivos: dasobreposio (acordes) e da
Superposio sonoras = cadnciasSeqncias meldico-harmnicas.Sintagmatizao (melodizao).
Isotopias da Horizontalidade(melodizao=encadeamentosmeldicos) e da verticalidade
(harmonizao = encadeamentosharmnicos).
Denotao : SoemasModo Maior ou menor-
Tonal ou Atonal Gnero/espcie.
Soema UV = denominadorda Unidade de Valor:
espacialidade englobantetemporalizada subjugandoespacialidade englobada
temporalizada.
Dinmica = Intensitema rtmicoexteriorizado na /espacialidade temporalizada/ (pp, ff, etc.)+ Andamento (duratemas do/Dever-fazer/ ) = densirema.Soemas denominativos (si3)
Soema qualitativo/quantitativoDos valores positivos/negativos:
/duratema/ intensitema//alturema e timbrema/.
Soemas da proporcionalidade:Tensiva (qualidade/quantidade):
Projetemas: soemas da
projectividade= Sincopema,Projees paradigmticas porextrapolao sonora.
Prosodemas=supra-segmentaomeldicos segmentados x saltos
intervalares;Sonoremas= texturas sonoras
por sobreposio de vozes ou deinstrumento, acordes, etc.
Isotopias temticas.Consonantal/dissonantal/
Quadrado Semitico das formasrtmico-musicais
contnuas/descontnuas/no-contnuas/no-descontnuas.
ESTRUTURA DISCURSIVA : FIGURAL I NUCLEAR (implicando a substncia do contedo)(ncleo smico do discurso) TONAL / ATONAL / MISTO
NVEL da EXPRESSO (Significante) no Texto Musical.Substncia (Varivel) os sons Forma (Invarivel) o sistema musical executadoFsico-sonora e grfica (instrumental), grafad