UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
CURSO DE PS-GRADUAO EM DIREITO
PATRCIA LOUREIRO ABREU ALVES BARBOSA
NOME DE DOMNIO COMO SINAL DISTINTIVO
EMPRESARIAL: anlise das decises dos Centros de Soluo de Controvrsias
credenciados pelo Comit Gestor da Internet no Brasil
Florianpolis (SC)
2015
Patrcia Loureiro Abreu Alves Barbosa
NOME DE DOMNIO COMO SINAL DISTINTIVO
EMPRESARIAL: anlise das decises dos Centros de Soluo de Controvrsias
credenciados pelo Comit Gestor da Internet no Brasil
Tese submetida ao Curso de Doutorado
da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito para obteno
do ttulo de Doutora em Direito
Orientador: Professor Doutor Luiz
Otvio Pimentel
Florianpolis (SC)
2015
Ficha de identificao da obra elaborada pelo autor, atravs do Programa de Gerao Automtica da Biblioteca Universitria da UFSC.
Barbosa, Patricia Loureiro Abreu Alves Nome de domnio como sinal distintivo empresarial :anlise das decises dos Centros de Soluo deControvrsias credenciados pelo Comit Gestor da Internetno Brasil / Patricia Loureiro Abreu Alves Barbosa ;orientador, Luiz Otvio Pimentel - Florianpolis, SC, 2015. 222 p.
Tese (doutorado) - Universidade Federal de SantaCatarina, Centro de Cincias Jurdicas. Programa de Ps-Graduao em Direito.
Inclui referncias
1. Direito. 2. nomes de domnio . 3. sinais distintivos.4. concorrncia parasitria. I. Pimentel, Luiz Otvio. II.Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Ps-Graduao em Direito. III. Ttulo.
Nome de domnio como sinal distintivo empresarial: anlise das decises dos centros de soluo de controvrsias credenciados pelo
Comit Gestor de Internet no Brasil
PATRCIA LOUREIRO ABREU ALVES BARBOSA
Esta tese foi julgada e aprovada em sua forma final pelo Orientador e pelos demais membros da
Banca Examinadora, composta pelos seguintes membros:
. Orlando Celso da Silva UFSC - Membro
1
Ao Eduardo
AGRADECIMENTOS
Agradeo inicialmente ao Programa de Ps Graduao em Direito
da Universidade Federal de Santa Catarina, nas pessoas de seus
professores e funcionrios, em especial, Prof. Dr. Luiz Otvio Pimentel,
meu orientador que me guiou nesta pesquisa.
Agradecimento especial Dra. Liliana Locatelli, Dr. Cludio
Eduardo Rgis de Figueiredo e Silva, Dr. Araken Alves de Lima e Dr.
Humberto Pereira Vecchio, pela avaliao do projeto e anlise prvia da
tese. Suas consideraes, durante todo o prazo de elaborao deste
trabalho, foram fundamentais para que eu pudesse conclu-lo de maneira
satisfatria.
Com o doutorado tive a oportunidade de reencontrar pessoas de
grande importncia para mim, desde o incio de minha formao
acadmica, que merecem ser lembradas aqui: Prof. Dr. Nrio Amboni,
que to bem me recebeu na Escola Superior de Administrao e
Gerncia ESAG/UDESC depois de tantos anos e Prof. Dr. Orlando
Celso da Silva Neto, por sua anlise precisa da situao e pela
possibilidade de, mais uma vez, aprender com voc.
A todos do escritrio Botelho de Mesquita Advogados e
Associados, por entenderem os perodos de ausncia, pelas discusses,
pelos livros e pela ajuda expressa de tantas outras formas. Ana Rita
Souza, Francisco Marques e Marcelo Botelho de Mesquita, vocs foram
timos durante todo esse tempo.
A toda a minha famlia que sempre acreditou em mim, aos meus
pais, Aguinaldo e Judite Loureiro, que muito e de diversas formas me
ajudaram. Ao meu marido, Eduardo Abreu Alves Barbosa, por aceitar a
ausncia e possibilitar a realizao deste trabalho. E ao meu filho,
Eduardo Loureiro Abreu Alves Barbosa, que durante muitas
oportunidades solicitou a minha presena, e sem que fosse possvel
preterir os livros sua companhia, reclamou e venceu a batalha por
ateno.
A competio desperta o que h de melhor
nos produtos e o que h de pior nas pessoas.
David Sarnoff
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo primordial determinar a natureza
jurdica dos nomes de domnio. Inicialmente realizada a anlise, a
partir de um estudo histrico evolutivo, da concorrncia desleal, bem
como de sua vertente parasitria, identificando-se e avaliando-se as
prticas voltadas aos nomes de domnio. Na sequencia, realizada a
apresentao e anlise dos sinais distintivos do comrcio pertinentes ao
estudo dos nomes de domnio, quais sejam: marcas, nomes comerciais e
ttulos de estabelecimento. Desta forma, apontando-se as principais
caractersticas de cada um deles, possvel determinar a natureza
jurdica dos nomes de domnio. Por fim, so indicadas as formas
alternativas de resoluo de conflitos para nomes de domnio,
vinculadas tanto Poltica Uniforme para Nomes de Domnio, prevista
pela ICANN, quanto ao Sistema Administrativo de Conflitos de
Internet, implantado pelo Comit Gestor da Internet no Brasil, bem
como os principais conflitos verificados entre nomes de domnio e os
demais sinais distintivos. Por meio da anlise das decises proferidas
por tais centros possvel verificar que nomes de domnio possuem o
mesmo tratamento conferido aos demais sinais identificadores do
comrcio, comprovando-se a hiptese deste trabalho de que estes
caracterizam um novo sinal distintivo, prprio do ambiente virtual.
PALAVRAS-CHAVES: nomes de domnio; sinais distintivos;
concorrncia parasitria
ABSTRACT
This work aims to determine the legal nature of domain names. Initially,
is performed an evolutionary historical study of the unfair competition,
as well as its parasitic component, identifying and evaluating the
practices related to domain names. In sequence, the presentation and
analysis of distinctive commercial signs relevant to the study of domain
names is performed, as follows: trademarks, trade names and titles of
establishment. Thus identifying the main features of each of them, it is
possible determine the legal nature of domain names. Finally, alternative
forms of dispute resolution for domain names are indicated, both the
Policy Uniform Domain Name provided by ICANN as the Sistema
Administrativo de Conflitos da Internet, established by the Comit
Gestor da Internet no Brazil and its major conflicts recorded between
domain names and other distinctive signs. By analyzing the decisions of
such centers it is possible to verify that domain names have the same
treatment given to other trade identifying signs, confirming the
hypothesis of this study that these feature a new distinctive emblem,
own the virtual environment.
KEYWORDS: domain names; distinctive commercial signs; parasitic
competition
RSUM
Le prsent travail a pour objectif primordial de dterminer la nature
juridique des noms de domaine. Dans un premier temps est realize
partir de l tude du profil historique lanalyse de la concurrence
dloyale est ralise, ainsi que son aspect parasitaire, tout en y
identifiant et en valuant les pratiques adaptes aux noms de domain.
Ensuite lanalyse des signes distinctifs du commerce, pertinents pour
ltude des noms de domaine, savoir les marques, les noms
commerciaux et les titres dtablissement. De cette manire, aprs avoir
identifi les principales caractristiques de chacun deux, la nature
juridique des noms de domaine prend forme. lie la fois la politique
uniforme de nom de domaine fourni par l'ICANN que les conflits
Internet System administrative, tablie par le Comit de pilotage de
l'Internet au Brsil et que des conflits majeurs enregistrs entre noms de
domaine et autres signes distinctifs. Enfin, la prsentation des modes
alternatifs de rglement de conflits relatifs aux noms de domaine, modes
naissant avec la cration de la Politique Uniforme pour les Noms de
Domaine, prvue par lICANN, soutenus par le Systme Administratif
de Conflits sur Internet, implant par le Comit de Gestion dInternet au
Brsil, et la vrification des principaux conflits entre les noms de
domaine et autres signes distinctifs. En analysant dles dcisions par ces
centres, il est possible de vrifier que les noms de domaine possdentle
mme traitement que dautres signes didentification du commerce,
confirmant l'hypothse de cette tude que ces disposent d'un nouvel
emblme distinctif, possdent l'environnement virtuel.
MOTS-CLS: noms de domaine; signes distinctifs; concurrence
parasitaire
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS
ABPI Associao Brasileira de Propriedade Intelectual
ACPA Anticybersquatting Consumer Protection Act (Lei de
Proteo ao Consumidor contra Cybersquatting)
ADR Alternative Dispute Resolution (Resoluo Alternativa de Controvrsias)
CASD-ND Cmara de Disputas relativas a Nomes de Domnio
ccTLD Country Code Top Level Domain (Domnio de Primeiro
Nvel com Cdigo de Pas)
CCRD Comit de Controvrsias sobre Registro de Domnio.
CGi.br Comit Gestor da Internet
CDC Cdigo de Defesa do Consumidor Lei n 8.078/90
CUP Conveno da Unio de Paris
CRFB Constituio da Repblica Federativa Brasileira
DREI Departamento de Registro Empresarial e da Integrao
DNS Domain Name System (Sistema de Nomes de Domnio)
FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
GATT General Agreement on Tariffs and Tarde (Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio)
gTLD Generic Top Level Domain (Domnio genrico de 1)
IANA Internet Assigned Numbers Association
ICANN Internet Corporation for Assigned Names and Numbers
IN Instruo Normativa
INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial
LPI Lei de Propriedade Industrial Lei n 92.79/96
NIC.br Ncleo de Informao e Coordenao do Ponto BR
OMC Organizao Mundial do Comrcio
OMPI Organizao Mundial de Propriedade Intelectual
SACI-Adm Sistema Administrativo de Conflitos de Internet Relativos
a Nomes de domnios sob o .br
SLD Secondary Level Domain (Domnio de Segundo Nvel)
STJ Superior Tribunal de Justia
TDL Top Level Domain (Domnio de Primeiro Nvel) TRIPS Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual
Property Rights (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual relacionados ao Comrcio)
UDRP Uniform Domain-Name Dispute Resolution Policy
(Poltica Uniforme para Resoluo de Conflitos sobre
Nomes de Domnio)
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0CCMQFjAAahUKEwi6ldebv4PHAhVKND4KHZl7CJk&url=https%3A%2F%2Fen.wikipedia.org%2Fwiki%2FAnticybersquatting_Consumer_Protection_Act&ei=KW66VfrcMsro-AGZ96HICQ&usg=AFQjCNGndm7sjLuzUZplsS3_mUVP58zkrQ&bvm=bv.99028883,d.cWw
SUMRIO
1 INTRODUO 25
2 PROTEO AOS DIREITOS DE
PROPRIEDADE INTELECTUAL
31
2.1 CONCORRNCIA DESLEAL 31
2.1.1 Evoluo histrica 31
2.1.2 Livre iniciativa e livre concorrncia 43
2.1.3 Mercado concorrencial 46
2.1.4 Atos desleais e concorrncia desleal 49
2.1.5 Direitos exclusivos e concorrncia desleal 53
2.1.6 Concorrncia interdita 57
2.2 CONCORRNCIA PARASITRIA 59
2.2.1 Caractersticas 59
2.2.2 Concorrncia parasitria e aproveitamento
parasitrio
61
2.2.3 Prticas parasitrias 66
2.2.4 Concorrncia parasitria e sinais no protegidos 72
3 SINAIS DISTINTIVOS 75
3.1 MARCAS 79
3.1.1 Funes das marcas 79
3.1.2 Proteo das marcas no Brasil 83
3.1.3 Princpios aplicveis s marcas 85
3.1.3.1 Distintividade 85
3.1.3.2 Veracidade 86
3.1.3.3 Novidade 87
3.1.3.4 Disponibilidade 89
3.1.3.5 Especialidade e Marcas de Alto Renome 89
3.1.3.6 Territorialidade e Marcas Notoriamente Conhecidas 93
3.2 NOME EMPRESARIAL 95
3.2.1 Vertente objetiva e subjetiva 96
3.2.2 Princpios aplicveis aos nomes empresariais 97
3.3 TTULO DE ESTABELECIMENTO E INSGNIA 100
4 NOMES DE DOMNIO 103
4.1 CARACTERSTICAS 103
4.1.1 Sistema de Nomes de Domnio Domain Name
System (DNS)
103
4.1.2 A apropriao dos nomes de domnio pelo
comrcio
107
4.1.3 Regulamentao dos Nomes de Domnio 109
4.1.4 Registro dos Nomes de Domnio 112
4.2 NATUREZA JURDICA 116
4.2.1 Marcas e Nomes de Domnio 118
4.2.2 Nomes Empresariais e Nomes de Domnio 121
4.2.3 Ttulos de estabelecimento e Nomes de Domnio 122
5 CONFLITOS SOBRE NOMES DE DOMNIO 127
5.1 POLTICA PARA RESOLUO UNIFORME DE
LITGIOS SOBRE NOMES DE DOMNIO
133
UNIFORM DOMAIN NAME DISPUTE
RESOLUTION POLICY (UDRP)
5.1.1 Relatrio Final sobre o Processo da OMPI relativo
aos Nomes de Domnio de Internet
133
5.1.2 Procedimento Administrativo 138
5.1.3 Caractersticas principais 140
5.1.4 Acesso ao Judicirio 143
5.1.5 Inclinao da UDRP s marcas 145
5.2 SISTEMA ADMINISTRATIVO DE CONFLITOS
DA INTERNET SACI-Adm
147
5.2.1 Procedimento compulsrio 148
5.2.2 Competncia das instituies credenciadas 149
5.2.3 Inspirao e avanos em relao UDRP 152
5.2.4 Procedimento administrativo 161
5.2.5 Reclamao perante o SACI-Adm 163
5.2.6 Inclinao s marcas 169
5.3 TIPOS DE CONFLITOS 170
5.3.1 Cybersquatting 171
5.3.2 Typosquatting 177
4.3.3 Direitos Legtimos Mltiplos 181
5.3.4 Profit Grabbing 186
5.4 NOME DE DOMNIO COMO SINAL DISTINTIVO
DO COMRCIO
191
6 CONCLUSES 197
REFERNCIAS 201
25
1. INTRODUO
O presente trabalho aborda o tratamento concedido aos nomes de
domnio, tanto pela doutrina quanto pelos rgos julgadores no Brasil,
de forma a identificar sua natureza jurdica, com o objetivo de obteno
do grau de doutoramento junto ao Programa de Ps-Graduao em
Direita da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGD/UFSC). Este
tema faz parte da rea de concentrao de Direito, Estado e Sociedade,
sendo sua linha de pesquisa a de Direito da Sociedade de Informao e
Propriedade Intelectual.
Os direitos da Propriedade Intelectual so formados por dois
grandes ramos: de um lado os direitos autorais (obras de criao
literria, artstica e cientfica) e, de outro, os direitos de Propriedade
Industrial, com as marcas, patentes, desenhos industriais e indicaes
geogrficas. Ainda que o foco deste trabalho seja exclusivamente os
direitos de Propriedade Industrial, a expresso Propriedade Intelectual
tambm utilizada, ainda que no abranja os direitos de autor.
O Direito, de modo geral, mas tambm os direitos de propriedade
industrial e os sinais distintivos, uma cincia que est em constante
evoluo, desenvolvendo-se de acordo com as demandas da sociedade
na qual est inserido. Assim, com a dinmica da sociedade e da
economia, em especial das relaes comerciais advindas da internet e
decorrente alterao do comrcio, imprescindvel que os novos
fenmenos observados no ambiente virtual sejam analisados e colocados
sob a gide do direito. Ainda que inexista legislao especfica sobre tais
fatos, necessrio que se identifiquem as formas de aplicao das normas
j existentes para que os alcancem, da mesma forma como aconteceu
com os demais sinais distintivos, sendo o exemplo mais facilmente
perceptvel, os ttulos de estabelecimento, surgidos na primeira metade
do sculo passado e, a partir da sua utilizao no comrcio decorreu no
somente a legislao a eles relacionada, mas tambm a definio de sua
natureza jurdica como sinal distintivo. E, mesmo que de grande
relevncia poca, hoje se encontram ultrapassados, sendo a discusso
substituda pelos nomes de domnio.
Embora esta pesquisa trate de um assunto atual, vez que o surgimento da Internet ocorreu na dcada de 1980 e sua popularizao
no contar com vinte anos, optou-se por apresentar os conceitos
jurdicos aplicveis de forma evolutiva, permitindo que seu
desenvolvimento e evoluo sejam observados no decorrer da leitura,
26
culminando com a determinao de forma conclusiva, da natureza
jurdica dos nomes de domnio.
Ressalta-se que o tema aqui abordado no foi tratado, at o
momento, no mbito acadmico no sentido de reconhecer o nome de
domnio como um sinal distintivo que integra o patrimnio intangvel do
empresrio, ainda no protegido por lei. Algumas decises, tanto do
poder judicirio, quanto dos centros de soluo de disputas sobre nomes
de domnio, conferem tal caractersticas aos nomes de domnio. No
entanto, em virtude da ausncia de legislao e consenso doutrinrio,
possvel encontrar decises que concedem tratamento diverso e, at
mesmo, contraditrio quanto colocao dos nomes de domnio no
mbito jurdico.
Nesse sentido a tese analisa as 128 (cento e vinte e oito) decises
proferidas pelos 3 (trs) centros de soluo de disputas credenciados
pelo Ncleo Gestor da Internet no Brasil, NIC.br, os quais so
vinculados Cmara de Comrcio Brasil Canad, Organizao Mundial
de Propriedade Intelectual e Associao Brasileira de Propriedade
Intelectual. Destas decises, foram escolhidas 45 (quarenta e cinco) para
utilizao neste trabalho, por trazerem os elementos capazes de
apresentar a soluo para o problema de pesquisa aqui trabalhado, qual
seja, a necessidade de determinao da natureza jurdica dos nomes de
domnios.
Partindo da hiptese de que possvel identificar uma transio
na concepo de nome de domnio como sinal distintivo, procura-se
apontar sua natureza jurdica por meio das decises relacionadas, em
especial, concorrncia parasitria, vez que, nesta modalidade de
concorrncia desleal, a tentativa de obteno de vantagens econmicas
ocorre por meio, principalmente, da imitao de sinais distintivos. Ou
seja, estes so os instrumentos utilizados para a prtica de atos desleais e
diante disto, o conflito entre nomes de domnio e os demais sinais
distintivos j reconhecidos pelo ordenamento jurdico: marcas, nomes
empresariais, ttulos de estabelecimento e insgnias. Nota-se que o
tratamento concedido aos nomes de domnio similar aos demais sinais
distintivos protegidos pelos direitos de propriedade industrial,
verificando-se, inclusive, a possibilidade de conflito entre um nome de
domnio e outro registrado anteriormente.
Para tanto, ser utilizado o mtodo dedutivo, partindo-se da
conceituao da concorrncia parasitria e da natureza jurdica dos
nomes de domnio, para apresentao e anlise das decises relativas
aos nomes de domnio, indicando as principais inclinaes destes
centros alternativos de soluo de controvrsias para o assunto, e
27
verificando a possibilidade de ampliao do alcance das normas de
Propriedade Intelectual para o tema.
realizada a pesquisa bibliogrfica e jurisprudencial, alm de
fontes primrias, como leis e tratados internacionais. Os tratados so
utilizados como forma de contextualizar o tema no cenrio
internacional, pois em se tratando de um tema com alcance mundial,
indispensvel que se faa dessa forma.
Quanto s decises utilizadas neste trabalho, foram utilizadas
tanto as judiciais, de tribunais estaduais e do Superior Tribunal de
Justia, em especial quando abordado o tema da concorrncia desleal e
concorrncia parasitria. Quanto aos nomes de domnio
especificamente, a preferncia pela anlise das decises oriundas de
mtodos alternativos de soluo de controvrsias em detrimento ao
Poder Judicirio se deve tanto s vantagens deste meio, como a
celeridade, economia e o julgamento realizado por especialistas em
propriedade intelectual, quanto escassa, porm necessria, bibliografia
sobre o tema. Todas as decises citadas neste trabalho encontram-se
indicadas nas referncias bibliogrficas, separadas por rgo julgador e,
em cada um deles, em ordem cronolgica.
Neste ponto, em particular quando da apresentao da Internet
Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), organizao
responsvel pela administrao do sistema de Nomes de Domnios, em
mbito mundial, e de sua Poltica para Resoluo Uniforme de Nomes
de Domnio Uniform Domain Name Dispute Resolution Policy (UDRP), so utilizados textos atuais, originalmente em lngua inglesa.
Todos estes textos, bem como os demais cujo original apresentado em
lngua estrangeira, foram traduzidos pelo autor de modo a facilitar a
leitura continua do trabalho.
Da mesma forma que as tradues, todas as tabelas e figuras
constantes deste trabalho so de autoria prpria, utilizadas para
visualizao dos conceitos expostos no decorrer do texto.
Como objetivos especficos da pesquisa apresentam-se: (i)
avaliar, na doutrina nacional e internacional, o conceito de concorrncia
desleal e concorrncia parasitria; (ii) examinar o tratamento jurdico
dos demais signos distintivos; (iii) identificar as caractersticas dos
nomes de domnio;(iii) analisar as decises dos centros de soluo de
disputa no Brasil a fim de identificar, quando da ocorrncia de
concorrncia parasitria, o entendimento a respeito da natureza jurdica
dos nomes de domnio. Tais objetivos constituem o ncleo de cada um
dos captulos deste trabalho.
28
O primeiro captulo inicia com um estudo histrico-evolutivo do
direito de Propriedade Industrial, sendo destacada de seu contexto a
concorrncia desleal, apresentando-se o modo como tal assunto foi
tratado, tanto em nossa legislao quanto na doutrina, desde o perodo
imperial do Brasil at o momento atual, culminando com breve anlise
da proposta do novo Cdigo Comercial. Para tanto so apresentados
conceitos e definies de clssicos da doutrina do direito comercial
como J. X. Carvalho de Mendona, Gama Cerqueira, mas tambm so
utilizados os preceitos de Rui Barbosa, Pontes de Miranda e Hermano
Duval e, atualmente, Denis Barbosa e Luiz Otvio Pimentel.
Quanto s propostas do novo Cdigo Comercial, so apresentadas
tanto a que est em trmite na Cmara dos Deputados quanto a do
Senado Federal, sempre de modo transversal, com a indicao de
alterao legislativa em cada um dos temas analisados sempre que a
proposta legislativa atinja cada um deles.
Aps a identificao das caractersticas da concorrncia desleal,
inclusive por meio de decises judiciais a respeito, apresentada a
concorrncia parasitria, espcie do gnero concorrncia desleal. Sobre
esta preocupa-se no s em apresentar suas peculiaridades, em relao
concorrncia desleal, mas tambm as suas consequncias, tanto para os
consumidores quanto para s empresas parasitadas. Tambm neste ponto
utiliza-se do recurso de exemplificao por meio de decises, no s
judiciais, como tambm dos centros de soluo de conflitos sobre nomes
de domnio, vez que tal prtica recorrente por meio destes.
O captulo seguinte trata dos sinais distintivos do comrcio com a
apresentao daqueles relacionados ao assunto, quais sejam: marcas,
nomes empresariais e ttulos de estabelecimento, sendo o objetivo
principal apontar as caractersticas de cada um deles, em especial,
aquelas relacionadas a procedimentos para registro, mbito e prazo de
proteo, para posteriormente compar-las com os nomes de domnio.
realizado um estudo detalhado das marcas, no somente por se
tratar do sinal distintivo de maior destaque no comrcio, mas
especialmente por serem com estas as principais controvrsias ligadas
aos domnios. Assim, so indicados os princpios a elas aplicveis,
incluindo mas no se limitando ao da especificidade e territorialidade,
fundamentais para entendimento dos conflitos atuais, em virtude da
verificao das marcas de alto renome e marcas notoriamente
conhecidas, respectivamente, sendo estas o principal alvo das prticas de
concorrncia parasitria.
Tambm so apresentadas as caractersticas dos nomes
empresariais e dos ttulos de estabelecimento, apresentando suas funes
29
e princpios a eles aplicveis e tambm destacando a natureza evolutiva
dos sinais distintivos no tempo, com a sua adequao s necessidades da
sociedade.
Na sequencia, no terceiro captulo, so apresentadas as
particularidades dos nomes de domnio, desde a sua criao, para que
fossem indicados os endereos eletrnicos utilizados na Internet,
substituindo os nmeros IP de difcil memorizao, passando pela
transformao ocorrida na sua utilizao diante da sua apropriao pelo
comrcio. Destaca-se a ausncia de legislao especfica para o assunto
e a possibilidade de utilizao dos conceitos jurdicos j existentes para
o seu tratamento.
Como forma de caracterizar os nomes de domnio como um dos
sinais distintivos do comrcio so resgatadas as principais caractersticas
apontadas para cada um deles no captulo anterior de forma que o leitor
possa visualizar as convergncias e divergncias entre estes.
Com tais informaes possvel a determinao da sua natureza
jurdica.
No quarto e derradeiro captulo so retratados os conflitos
relacionados aos nomes de domnio, destacando-se as causas de sua
ocorrncia e possibilidades para sua soluo.
Assim, apresentada a Poltica para Resoluo Uniforme de
Litgios sobre Nomes de Domnio, implantada pela Internet Assigned
Numbers Association, para domnios genricos de primeiro nvel (os
domnios .com, por exemplo), bem como o Sistema Administrativo de
Conflitos de Internet Relativos a Nomes de domnios sob o .br (SACI-
Adm), aplicvel aos domnios de primeiro nvel com cdigo de pas
(ccTLD) registrveis no Brasil.
A anlise do SACI-Adm realizada por meio das decises
proferidas pelos centros a ele credenciados, ilustrando com as palavras
dos especialistas cada um dos pontos verificados deste Sistema. Desta
feita, ao se tratar de competncia do SACI-Adm, legitimidade ativa,
caracterizao da m-f na utilizao dos nomes de domnio, bem como
o interesse legitimo de seu titular, so apresentadas decises dos centros
relacionadas ao tema.
Da mesma maneira realizada a anlise dos conflitos verificados
entre nomes de domnio e os demais sinais distintivos para fundamentar
a caracterizao dos nomes de domnio como sinais distintivos. Na
apresentao das decises procura-se destacar os pontos relacionados
concorrncia parasitria e o tratamento concedido pelos centros de
soluo tanto aos sinais distintivos, j legalmente reconhecidos como
tal, como tambm aos nomes de domnio.
30
A compilao das decises envolvendo nomes de domnio e
concorrncia parasitria permite verificar o tratamento concedido ao
assunto nos centros alternativos de soluo de conflitos no Brasil,
fundamentando a ideia da natureza jurdica dos nomes de domnio.
31
2. PROTEO AOS DIREITOS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL
2.1 CONCORRNCIA DESLEAL
Neste Captulo ser abordada a proteo aos direitos de
propriedade intelectual, com vistas a destacar a evoluo deste
mecanismo, tanto no plano internacional, quanto por meio da legislao
ptria, destacando a evoluo dos preceitos relacionados represso
concorrncia desleal. O trabalho prossegue com a conceituao e
apresentao das caractersticas da concorrncia desleal, bem como da
concorrncia parasitria, espcie do gnero concorrncia desleal, que
possui particularidades, em funo das quais vem sendo utilizada com
bastante frequncia no ambiente virtual.
2.1.1 Evoluo histrica
Os direitos de Propriedade Industrial possuem aplicao direta ao
comrcio, vez que seu alcance recai sobre assuntos sempre relacionados
a estes, sendo a propriedade intelectual o fio condutor estratgico para
negociaes comerciais. O que se busca proteger a criao intelectual,
no o objeto material no qual esta materializada ou aposta, mas o seu
aspecto intelectual, ou seja, a prpria criao, pensada, desenvolvida e
elaborada para que, na sequncia, seja corporificada ou utilizada para
apresentao de um produto ou servio.
Esta proteo possui trs propsitos principais: encorajar a
criao, recompensar o inventor e garantir que a inveno seja difundida
socialmente. A concesso de propriedade exclusiva criao, ainda que
temporria, e a possibilidade de auferir lucros em virtude de sua criao
so responsveis pelo cumprimento das suas duas primeiras finalidades,
enquanto o terceiro objetivo representa a necessidade de explorao do
direito, a fim de garantir a divulgao de sua criao. (LOPES; SOUZA,
2008)
Estas criaes compem o patrimnio intangvel das empresas
(ou de pessoas fsicas, conforme o caso), possuindo valor econmico,
com inegvel importncia no comrcio, demonstrando a transformao
do conceito de propriedade vivenciada na atualidade, com o
deslocamento da importncia da propriedade dos bens materiais em
direo aos intangveis, os quais passam a possuir maior valor que os
primeiros em nossa sociedade atual. (SILVA, 2015, p. 7)
32
Acredita-se que a proteo propriedade intelectual
responsvel por um incremento no comrcio e atrao de investimentos
e, que tais fatores levam, necessariamente, ao crescimento econmico e
bem estar social.
Com a vinda da famlia real portuguesa ao Brasil e a necessidade
de desenvolvimento da colnia, o comrcio e a indstria passam a
ocupar destaque no cenrio econmico, buscando-se ento a proteo
propriedade intelectual. Diante disto, em 1808 surge a primeira
legislao a tratar de proteo a inventos ou inventores no Brasil, a qual
pretendia promover e adiantar a riqueza nacional e garantir aos
inventores de mquinas e de artes privilgio exclusivo por 14 (quatorze)
anos de sua obra.
Com a Constituio Poltica do Imprio do Brasil, de 1824 os
direitos de propriedade intelectual so tratados como matria
constitucional j na primeira Carta Magna do pas. Nas constituies
vigentes no pas a partir de ento, apenas na Constituio dos Estados
Unidos do Brasil de 1937 estes no foram apresentados expressamente
como parte dos direitos de propriedade.1
Outras leis surgiram neste perodo2 sendo que, em 1875, por meio
do decreto n 2.682, assegurado aos fabricantes e negociantes o direito
de marcar os seus produtos com sinais distintivos que os diferenciem
dos demais, evitando a imitao destes por seus concorrentes e
garantindo aos prejudicados justa satisfao do damno, que ser
effectivo, nos termos da legislao actualmente em vigor.
Destaca-se que esta lei, considerada a base dos crimes de
usurpao e imitao fraudulenta (SOARES, 1980, p. 26), surge como
consequncia do caso Rap Areia Preta, no qual a empresa Moreira &
Cia. imita tanto a marca quanto as imagens constantes do invlucro dos
produtos produzidos por Meuron & Cia., representada por Rui Barbosa
como seu advogado, comercializando-os como se fossem da
1 Na Constituio outorgada em 1937, na verdade, preteriu-se a especificidade
da propriedade intelectual em prol da proteo genrica propriedade.
(BARROS, 2007. p 64.) 2Lei de 11 de agosto de 1827 cria os cursos de Direito de So Paulo e Olinda,
garantindo o direito de exclusividade aos autores das obras.
Lei de 28 de agosto de 1830: Concede privilegio ao que descobrir, inventar ou
melhorar uma indstria til e um prmio que introduzir uma indstria
estrangeira, e regula sua concesso.
Lei criminal de 1830 Cdigo Criminal do Imprio do Brasil - estabelece
sanes penais aos infratores de contrafao.
33
concorrente, que possua mais fama e reconhecimento. Esta foi
considerada a primeira ao no Brasil relacionada concorrncia
desleal, como afirma Rui Barbosa (1874, v II, t. I, p. 32): com efeito
um crime novo entre ns: porque no nos consta que, neste pas, nesta
provncia, pelo menos, a justia j fosse provocada a sentenciar em caso
igual..
Sobre a imitao realizada por Moreira & Cia., Rui Barbosa
(1874, v II, t. I, p. 90) foi enftico: Imitando o invlucro, nomes,
emblemas e sinais adotados por Meuron & Cia., praticaram Moreira &
Cia. concorrncia desleal.
Ainda que a parte autora tenha sido vitoriosa em primeira
instncia, comprovando os prejuzos advindos da utilizao de sua
marca pela r, por no haver na legislao punio para tal conduta, o
processo foi anulado na fase recursal. No entanto, devido repercusso
do caso, em seguida por promulgada lei regulamentando a matria.
Posteriormente, em continuidade regulamentao dos direitos
de propriedade intelectual no pas, foi promulgada a lei concedendo
patentes aos autores de inveno ou descoberta industrial (BRASIL,
1882), a que define e garante os direitos autorais (BRASIL, 1898) e, em
1916, o Cdigo Civil, que concedia ao autor de obra literria, cientfica,
ou artstica o direito exclusivo de reproduzi-la.
Com as leis acima indicadas, o Brasil seguia o padro
internacional do chamado perodo territorial, como ficou conhecido o
Sculo XIX, caracterizado pela expanso de regimes nacionais e
ausncia de proteo internacional, sendo os direitos de propriedade
intelectual protegidos to-somente dentro do Estado soberano que os
havia reconhecido. (ARDISSONE, 2014, p. 123)
No entanto, com a Revoluo Industrial em seu auge, atingindo
outros pases da Europa, alm da Inglaterra, na segunda metade do
sculo XIX, e o consequente aumento das trocas comerciais, inclusive
por meio da participao dos inventores em feiras internacionais, a
imitao das ideias apresentadas, com a explorao comercial em outros
pases, aumenta3, destacando a necessidade de cooperao internacional
para possibilitar a proteo dos direitos de propriedade intelectual em
outros Estados.
Neste ambiente so celebrados dois tratados internacionais que
marcam a estreia do perodo internacional de proteo da propriedade
3 Pimentel (1999) exemplifica com a recusa dos expositores estrangeiros em
participar da feira Exposio Internacional de Invenes de Viena, em 1873,
preocupados que as ideias apresentadas fossem copiadas por outras pessoas.
34
intelectual: a Conveno da Unio de Paris (CUP) para a proteo da
propriedade industrial, em 1883, e a Conveno de Berna para a
proteo de obras Literrias e Artsticas, em 1886.
A CUP entrou em vigor em 1884 com 14 (quatorze) Estados
membros e uma secretaria administrativa para sua organizao. Em
1896 as secretarias dos dois tratados (Paris e Berna) so unificadas,
sendo substitudas pela Organizao Mundial de Propriedade Intelectual
(OMPI), em 1970, com a sua criao. Atualmente a CUP conta com 176
(cento e setenta e seis) Estados membros, sendo o Brasil um de seus
signatrios originais.4 O texto da CUP passou por 7 (sete) revises at o
momento, sendo a verso de Estocolmo, de 1967, a vigente. Conforme
Jos Carlos Tinoco Soares (1980, p. 4), as revises ao texto da
Conveno tm como objetivo solidificar seus princpios e introduzir
outros, que se mostraram necessrios. Ou seja, atualizar o seu texto.
O objetivo da CUP no era o de padronizar as normas relativas
propriedade intelectual em cada um de seus membros, mas oferecer
garantias mnimas aos inventores quando divulgassem suas ideias. Os
trs princpios fundamentais da CUP, e que at hoje regem a proteo
internacional da propriedade intelectual, so: o tratamento nacional, a
independncia e a prioridade.
Em virtude do princpio do tratamento nacional (artigo 2. CUP)
estrangeiros e nacionais gozam dos mesmos direitos em todos os
Estados membros da CUP, no que se refere proteo da propriedade
industrial e vantagens concedidas aos nacionais pelas leis de seus
respectivos pases.
O princpio da independncia (artigo 4. bis CUP) prev que
patentes requeridas em um dos estados membros seja analisada de forma
independente da anlise realizada nos demais pases. Ou seja, a
concesso ou recusa de uma patente em um Estado no vincula os
demais pedidos.
O princpio da prioridade unionista (artigo 4 CUP), por sua vez,
estabelece que o primeiro pedido de patente depositado em um dos
pases da Unio, serve de base para novos depsitos subsequentes
relacionados mesma matria, em outros pases, efetuados pelo mesmo
depositante ou seus sucessores legais, criando um direito de prioridade,
pelo perodo de 12 (doze) meses para inveno e modelo de utilidade e 6
(seis) meses para desenho industrial, a contar do depsito inicial.
4 Por meio do Decreto n 1.263, de 10 de outubro de 1994, o Brasil ratifica a
adeso Conveno da Unio de Paris.
35
O instituto da concorrncia desleal, objeto de estudo deste
Captulo, passou a ser regulado por meio de sua reviso de Haia, em
1925, quando foi acrescida ao texto da Conveno a represso
concorrncia desleal como um dos objetivos da custdia conferida
Propriedade Industrial e a obrigao dos pases membros assegurarem
proteo efetiva contra esta prtica.5
Alm disso, a Conveno apresenta a definio de concorrncia
desleal como sendo todo ato de concorrncia contrrio s prticas
honestas em matria industrial ou comercial. (BRASIL, 1929)
Comentando este item, Pontes de Miranda (1983, v. XVII) afirma que
usos honestos so os usos de meio industrial ou comercial em que
prepondere o sentimento de probidade.
Em 1887, como decorrncia da CUP, aprovado no Brasil o
Decreto n 3.346, cuja essncia vigora at a atualidade, vez que
orientado pelos princpios e doutrinas mais adiantadas poca
(VARELLA, 1996, p. 34). Alm de dispor sobre marcas de indstria e
comrcio e nomes comerciais, previa a criao de um depsito central
das marcas estrangeiras e dos registros no pas.
tambm aps a CUP que surge no Brasil a primeira legislao a
tratar especificamente de concorrncia, o Decreto n 24.507, de 29 de
junho de 1934, no qual estabelecida a punio criminal como corretivo
s condutas de concorrncia desleal. (DELMANTO, 1975, p. 9)
Na sequncia, o Cdigo de Propriedade Industrial de 1945, como
muitas das legislaes estrangeiras, no apresentava um conceito,
apenas tipificava as condutas consideradas crime de concorrncia
desleal, seguindo tendncia mundial, poca, de criminalizar as prticas
reconhecidas como tal, como ocorria na Frana, Itlia e Estados Unidos.
A opo pela exemplificao dos atos, na opinio de Hermano
Duval (1976, p. 3), se deve a dificuldade de configurar ilicitude em um
52. Constitui ato de concorrncia desleal qualquer ato de concorrncia contrria
aos usos honestos em matria industrial ou comercial. 3. Devero proibir-se,
particularmente:1. Todos os atos suscetveis de, por qualquer meio, estabelecer
confuso com o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou
comercial de um concorrente; [] III emprega meio fraudulento, para
desviar, em proveito prprio ou alheio, clientela de outrem; IV usa expresso
ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confuso entre os
produtos ou estabelecimentos; V usa, indevidamente, nome comercial, ttulo
de estabelecimento ou insgnia alheios ou vende, expe ou oferece venda ou
tem em estoque produto com essas referncias;
36
ambiente regido pela livre iniciativa.6 Dessa forma, a adoo do critrio
da tipicidade na represso dos atos de concorrncia desleal, como
tambm foi feito em Portugal, em 1894, e na Alemanha, em 1896.
Alm disso, tanto a legislao quanto a doutrina, apresentam
recorrentemente termos vagos e imprecisos, citando sempre lealdade,
honestidade e boa f, os quais so insuficientes para definir a
concorrncia desleal, e tambm porque a realidade excede os conceitos,
surgindo sempre novas formas de concorrncia, antes insuspeitadas, que
no se enquadram nas definies propostas, superando as suas
previses. (GAMA CERQUEIRA, 1956, v. II. t. II, parte III, p. 366)
Desta feita, na noo do ato ilcito que se funda a teoria da
concorrncia desleal. (CARVALHO DE MENDONA, 2003, v. III, t.
I, p. 486)
poca, Pontes de Miranda (1983, v. XVII, p. 208) apresentava
a concorrncia desleal como aquela que consiste em atos tendentes a
prejudicar a reputao ou os negcios alheios, a criar confuso entre
estabelecimentos comerciais ou industriais ou entre os produtos e artigos
postos no comrcio.
Francisco Campos (1957, p. 46), por sua vez, ressaltava a
necessidade de impedir a apropriao do trabalho alheio mediante
prticas de concorrncia desleal, o que ocorreria com a apropriao dos
bens comerciais ou industriais imateriais, citando: No existe um
verdadeiro e prprio direito ao nome considerado em si mesmo, e contra
o usurpador s se pode agir quando ele atenta contra a fama do titular do
nome, procurando enganar quanto identidade da pessoa, ou quando
assumindo o nome, pretende passar pelo que no .
Os Cdigos de Propriedade Industrial seguintes - Decreto-Lei n
1005, de 21 de outubro de 1969 e a Lei n 5.772, de 21 de dezembro de
1971 - mantiveram a mesma orientao da legislao antecedente, indicando ser a represso concorrncia desleal como uma das formas
de proteo aos direitos de propriedade industrial. As prticas
consideradas concorrncia desleal, no entanto, encontravam-se
disciplinadas por meio do Cdigo Penal de 1969, que inclua como
crime de concorrncia desleal o desvio de clientela, por meio de atos
fraudulentos e a oferta de mercadorias com falsa indicao de
procedncia. (BRASIL, 1969)
6 Para Gama Cerqueira (1956,v. II. t. II. parte III, p. 364), no entanto, no
haveria necessidade de caracterizar tal instituto: Como a maioria das leis
estrangeiras, o Cdigo no define a concorrncia desleal, cujo conceito supor
conhecido.
37
Neste momento, Hermano Duval (1976, p. 126) afirmava ser a
concorrncia desleal a agresso atividade do concorrente em violao
aos preceitos ticos da correo profissional e Celso Delmanto (1975,
p. 10), de modo simples, como ressaltado pelo prprio autor, a
competio que no deve ser feita. Enquanto as primeiras constituies
(1824 e 1891) focavam a represso aos atos de concorrncia individual,
a partir de 1934 este tema visto dentro de um contexto coletivo, contra
o abuso do poder econmico, de forma a equacionar a livre iniciativa e a
presena dos oligoplios, por meio do controle vertical pelo Estado.
(DUVAL, 1976, p. 7)
Em nossa Constituio atual, os direitos de propriedade
intelectual encontram-se dentre aqueles relacionados no artigo 5, os
direitos e garantias constitucionais. Mais uma vez, estes so
apresentados dentre os direitos de propriedade, destacando a proteo s
obras artsticas, s criaes industriais e aos sinais distintivos.7
Importa destacar que a atual Constituio tambm apresenta a
livre iniciativa como um dos fundamentos do estado democrtico de
direito, observando, entretanto, os princpios da livre concorrncia e
defesa do consumidor (artigo 170, iv e v), como ser tratado a seguir.
Destarte, observa-se que, enquanto as constituies apresentam
os princpios relativos concorrncia desleal e tratam da represso ao
abuso econmico, na legislao infraconstitucional, seja civil ou penal,
que ocorre a represso competio desleal. (PIMENTEL, 1994, p. 83)
Nas dcadas de 1970 e 1980 surge a iniciativa de levar a
discusso da propriedade intelectual Rodada Uruguai do Acordo Geral
de Tarifas e Comrcio (GATT General Agreement on Tariffs and
Trade). Em virtude da redefinio da propriedade intelectual como
7Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988: Art. 5 Todos so
iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito
vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos
seguintes: [...] XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilizao,
publicao ou reproduo de suas obras, transmissvel aos herdeiros pelo tempo
que a lei fixar; XXVIII - so assegurados, nos termos da lei: a) a proteo s
participaes individuais em obras coletivas e reproduo da imagem e voz
humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalizao do
aproveitamento econmico das obras que criarem ou de que participarem aos
criadores, aos intrpretes e s respectivas representaes sindicais e
associativas; XXIX - a lei assegurar aos autores de inventos industriais
privilgio temporrio para sua utilizao, bem como proteo s criaes
industriais, propriedade.
38
questo comercial (ARDISSONE, 2014, p. 134) e do interesse dos
pases protegerem suas criaes da pirataria, o assunto foi includo na
pauta de discusses da Rodada Uruguai que, com o seu trmino, em
1994 culminou com a criao da Organizao Mundial de Comrcio
(OMC) e a aprovao do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual relacionados ao Comrcio (Agreement on Trade-
Related Aspects of Intellectual Property Rights - TRIPS), incorporado ao ordenamento jurdico brasileiro por meio do Decreto n 1.355, de 30 de dezembro de 1994.
Ressaltando a importncia da propriedade intelectual para o
comrcio, Pimentel declara:
A propriedade intelectual um dos temas mais
proeminentes do marco regulatrio do comrcio
global e da economia do conhecimento. Tanto
que, entre os trs tratados internacionais mais
amplos que regem o comrcio multilateral no
universo da Organizao Mundial do Comrcio
(OMC), de 1994, um deles o acordo que trata
dos direitos de propriedade intelectual relacionada
ao comrcio (TRIPS); os outros dois acordos
regulam o comrcio de mercadorias e de
servios.8
Ardissone (2014, p. 136) defende a ideia de que, ao contrrio dos
acordos anteriores caracterizados pelas variaes e flexibilidades das
legislaes nacionais, com o TRIPS consagrada a universalidade, em
detrimento da diversidade na proteo propriedade intelectual,
propiciando um ambiente de segurana ao comrcio e aos investimentos
de empresas com grandes portflios em propriedade intelectual, em
meio a um cenrio de competitividade, favorecendo-as.
O fato que o Acordo TRIPS obriga os Estados a nivelar suas
normas internas relativas ao tema, de acordo com os princpios, normas
e disciplinas dispostas em seu texto, de forma que tais medidas no se
transformem em barreiras ao comrcio. Como afirmam Pimentel e Del
Nero (2003, p. 48): Deve ser mencionado, ainda que de forma genrica,
8
No mesmo sentido: O ADPIC foi includo no GATT para suprir as deficincias do esquema de proteo propriedade intelectual da OMPI. Esse
fato no invalida a relevncia dessa organizao, mas apenas ressalta a
importncia da propriedade intelectual no cenrio do comrcio intelectual.
(BARROS, 2007, p. 86.)
39
que o objetivo implcito do Acordo TRIPS uniformizar as normas
referentes propriedade intelectual, de sorte que, ao fixar princpios e
regras gerais, os membros devam realinhar ou repactuar suas normas
internas.
Como previsto em seu artigo 1, os Estados esto livres para
implementar uma proteo mais ampla do que a exigida no Acordo,
desde que tal proteo no contrarie as suas disposies.
Neste sentido, pode-se afirmar que o Acordo TRIPS um tratado
em evoluo, ao estabelecer um mnimo e exigir um esforo por parte
dos seus membros para que, jurdica e institucionalmente, este seja
alcanado. (THORSTENSEN, 2001, p. 232)
Destaca-se que se mantm vlidas as obrigaes assumidas pelos
Estados no mbito da CUP e demais tratados relativos Propriedade
Intelectual, como a Conveno de Berna, da Conveno de Roma e o
Tratado sobre a Propriedade Intelectual em Matria de Circuitos
Integrados. 9
De especial relevncia a obrigao dos membros assegurarem
que os procedimentos de proteo estejam previstos em sua legislao,
de modo a permitir ao efetiva contra qualquer ato de infrao aos
direitos de propriedade intelectual cobertos por esse Acordo.
(THORSTENSEN, 2001, p. 228) Com isto, verifica-se, pela primeira
vez, uma clusula especfica para cumprimento de suas normas
(enforcement) em um tratado desta matria, consistindo em um avano
neste setor.
Assim, muitas condutas tidas como legais em muitos pases
membros da CUP foram transformadas em ilegais com o advento da
TRIPS, sendo necessria a criao de normas penais e civis tipificando
tais prticas, as patentes foram estendidas a todos os campos de
tecnologia reconhecidos por um perodo de 20 (vinte) anos.
(ARDISSONE, 2014, p. 136)
Este Acordo dispe que os membros da OMC devem estabelecer
meios legais para impedir qualquer uso que constitua um ato de
concorrncia desleal e assegurar proteo efetiva contra tal prtica,
remetendo ao artigo 10 bis da CUP para sua definio.
Continuamente ao TRIPS, e na tentativa de adaptar as normas de
Propriedade Industrial ao novo contexto internacional e suas exigncias,
foi promulgada a Lei n 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula os
direitos e obrigaes relativas propriedade industrial, revogando o
Cdigo de Propriedade Industrial at ento vigente.
9 Acordo TRIPS, artigo 2, item 2.
40
A LPI pode ser considerada um verdadeiro Cdigo de
Propriedade Industrial, ainda que no seja classificada como tal:
A lei se peja de chamar-se Cdigo, embora o
seja. Desde 1945, quando a primeira lei geral
brasileira sobre Propriedade Industrial foi
promulgada atravs do Decreto Lei 7.903, a
denominao sempre correspondeu realidade:
tivemos o Cdigo de Propriedade Industrial de
1945, o de 1967, o de 1969 e finalmente o de
1971. Nunca se lhes contestou a natureza de
Cdigo. Fazem-no agora, e no difcil perceber a
razo. Diz o Art. 64 p. 4, da Carta da Repblica
que no sero sujeitos a prazo de urgncia os
projetos de Cdigo. Ao Poder Executivo, porm,
convinha fazer voar o projeto, sem o trmite que a
Carta impe. Da rebatizar o Cdigo tentando
frustrar o espao de participao e debate que o
povo brasileiro e, em particular, o setor industrial,
tinha um interesse, constitucionalmente
reconhecido, de exigir. (BARBOSA, 1997, p. 13)
Tal norma utiliza a represso concorrncia desleal como forma
de proteo aos direitos de propriedade industrial (art. 2, v) e, em seu
artigo 195, define os crimes de concorrncia desleal, incluindo o
emprego de meio fraudulento para desvio de clientela e a utilizao, ou
imitao, de expresso ou sinal de propaganda alheios de modo a criar
confuso entre os produtos ou estabelecimento e, no artigo 209 garante
o direito de haver perdas e danos ao prejudicado, por atos de violao
propriedade intelectual e atos de concorrncia desleal que possam criar
confuso no mercado.
A partir dos citados artigos acima, Pimentel (2012, p. 17)
apresenta sua definio de concorrncia desleal:
A concorrncia desleal o emprego de meio
fraudulento para desviar, em proveito prprio ou
alheio, clientela de outrem; tambm, a prtica de
atos tendentes a prejudicar a reputao ou os
negcios alheios, a criar confuso entre
estabelecimentos comerciais, industriais ou
prestadores de servio, ou entre os produtos e
servios postos no comrcio.
41
Atualmente, esto em discusso dois projetos de Cdigo
Comercial que, por meio de seus textos, alteram a proteo
Propriedade Intelectual, um na Cmara de Deputados - PLC 1572/2011,
de autoria do Deputado Vicente Cndido, de So Paulo, apresentado em
14 de junho de 2011,10
e o outro no Senado Federal PLS 487/201311
,
apresentado em 22 de novembro de 2013 pelo Senador Renan Calheiros,
de Alagoas.
Ambos os projetos12
diferem das demais normativas quanto ao
tratamento da concorrncia desleal. Alm de apresentarem um conceito,
trazem poucos exemplos de condutas desonestas, porm incluem a
concorrncia parasitria, ampliando a aplicao do conceito de
concorrncia desleal. Nota-se que o texto constante nos dois projetos
expresso ao indicar que as condutas descritas so exemplificativas, ou
10
A ltima ao legislativa, de 18 de junho de 2015, com a emisso de parecer, pelo Relator Parcial, Deputado Alexandre Baldy, pela aprovao integral do
Livro III do Cdigo Comercial Das obrigaes dos empresrios. Ainda no h
parecer sobre os Livros I Da empresa, e Livro II Das sociedades
empresrias. Tambm foram emitidos pareceres pela aprovao dos Livros IV
Da crise da empresa, e Livro V Das disposies finais e transitrias, e sobre
direito martimo e agronegcio. Continua aberta consulta pblica, promovida
pelo Ministrio da Justia, para aperfeioamento o texto. Pesquisa disponvel
em: . Tendo em vista o adiantado do
processo para aprovao deste texto, mesmo que no seja votado em 2015,
como previsto, acredita-se que o este projeto seja mantido, em detrimento ao do
Senado Federal. 11
Em 11 de fevereiro de 2015 foram solicitadas s lideranas partidrias a
indicao de membros para compor a Comisso Temporria de Reforma do
Cdigo Comercial, sendo esta a ltima ao relacionada ao projeto de lei. O site
do Senado Federal disponibiliza consulta pblica para discusso do projeto de
Cdigo Comercial, disponvel em: <
http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoconsultapublica?id=81>. 12
Tanto o PLC quanto o PLS tratam da instituio de um novo Cdigo
Comercial, devendo obedecer ao processo legislativo relativo s leis ordinrias,
composto de trs fases: 1) introdutria (ou de iniciativa); 2) constitutiva
(discusso e aprovao, sano e/ou veto) e 3) complementar (promulgao e
publicao). Por tratar-se de processo bicameral, deve ser apreciado por uma
das Cmaras e revisado pela outra. Por possurem a mesma matria, devem
obedecer ao previsto no Regimento Interno do Congresso Nacional, que, ao
tratar da tramitao da mesma matria em ambas das Casas, artigos 139-A e
140, dispe que ter prioridade, para discusso e votao, o que primeiro chegar
reviso. (artigo 140). O Projeto da Cmara encontra-se na fase constitutiva,
enquanto o do Senado na introdutria.
42
seja, para a aplicao permanece a necessidade de anlise do contexto
ftico e outras condutas podem ser consideradas.
O conceito apresentado pelo projeto da Cmara de Deputados :
Concorrncia desleal o emprego de meios ilegais, imorais,
desonestos, fraudulentos ou repudiados pela generalidade dos
empresrios que atua no mesmo segmento de mercado., bastante
prximo ao do Senado Federal, que apenas exclui a expresso imoral
de seu texto.
Alm da LPI deve-se citar tambm a Lei 8.078, de 11 de
setembro de 1990, o Cdigo de Defesa do Consumidor, que em seu
artigo 4, vi, apresenta como um dos princpios da Poltica Nacional das
Relaes de Consumo a coibio e represso eficientes de todos os
abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrncia
desleal e utilizao indevida de inventos e criaes industriais das
marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar
prejuzos aos consumidores. (BRASIL, 1990)
Como observam Bertoldi e Ribeiro (2013, p. 146) sobre a
influncia do Cdigo de Defesa do Consumidor na represso
concorrncia desleal:
O Cdigo de Defesa do Consumidor, muito
embora seja diploma legal que objetiva,
primordialmente, o regramento das relaes de
consumo, igualmente afasta certas prticas que,
alm de prejudicarem o consumidor, retrata
situaes em que o fornecedor se coloca em
posio de vantagem a seus concorrentes,
justamente por se utilizar de artifcios ilegais de
atrao da clientela.
Destaca-se ento que a represso concorrncia desleal, cujo
objetivo defender as empresas, afetadas de maneira imediata com tal
prtica, alcana tambm, de forma mediata, os consumidores, como ser
apresentado no item seguinte.
43
2.1.2 Livre iniciativa e livre concorrncia
Para que seja abordado o alcance da represso concorrncia
desleal, imprescindvel que sejam anteriormente apresentados os
conceitos de livre iniciativa e livre concorrncia, vez que estes
configuram os limites e a abrangncia da proteo.
Ainda que a represso concorrncia desleal tenha como foco
principal garantir os direitos dos empresrios, nossa legislao, tanto
constitucional quanto infraconstitucional, apresenta preocupao com os
consumidores, com vistas a evitar prejuzos em razo da prtica de atos
de competio desleal.
Com a incluso da defesa dos interesses do consumidor no
mbito dos direitos de propriedade intelectual, ultrapassando a ideia de
que estes se fazem presentes apenas para resguardar os investimentos e a
clientela do empresrio, tais direitos tornam-se, ao mesmo tempo, de
interesse pblico e privado. (REQUIO, 1998, v. I, p. 214)
De fato, a represso concorrncia desleal tem por fim a defesa
dos interesses dos concorrentes, consumidores e de todo o
funcionamento do mercado, mantendo-o em vigor de forma clara e
honesta. Para Hurtado (2002, p. 338) se trata de proteger todos os
agentes do mercado de atos que possam prejudicar a livre concorrncia.
A livre concorrncia um dos princpios constitucionais da
ordem econmica, tendo como base a valorizao do trabalho e a livre
iniciativa, sendo a interveno estatal a forma de legitimar a atuao
dos sujeitos econmicos (SILVA, 2014, p. 719) e, para garanti-la, a
Constituio prev a possibilidade de represso ao abuso do poder
econmico que vise dominao dos mercados, eliminao da
concorrncia e aumento arbitrrio dos lucros (art. 173, p. 4).
Assim, a livre concorrncia e a represso aos atos de abuso de
poder econmico so dispositivos complementares para garantir a livre
iniciativa. A competio, ainda que agressiva, mas leal, um dos
pressupostos da concorrncia, sendo inclusive, saudvel para o mercado
e incentivada pelo Estado mesmo que de forma agressiva e acabe por
ocasionar o desvio de clientela e danos aos demais competidores, pois o
que se evita a deslealdade.
Pode-se afirmar, inclusive, que a concorrncia com a finalidade
de desviar a clientela alheia para que a empresa consiga uma melhor
posio no mercado, no s no reprimida pelo Estado como
inerente ao funcionamento do capitalismo, sendo incentivada em virtude
da sua capacidade de desenvolver o prprio mercado, beneficiando os
consumidores.
44
Sobre o assunto, assim se manifestou o Superior Tribunal de
Justia:
As atividades econmicas surgem e se
desenvolvem por fora de suas prprias leis,
decorrentes da livre empresa, da livre
concorrncia e do livre jogo dos mercados. Essa
ordem, no entanto, pode ser quebrada ou
distorcida em razo de monoplios, oligoplios,
cartis, trustes e outras deformaes que
caracterizam a concentrao do poder econmico
nas mos de um ou de poucos. Essas deformaes
da ordem econmica acabam, de um lado, por
aniquilar qualquer iniciativa, sufocar toda a
concorrncia e por dominar, em consequncia, os
mercados e, de outro, por desestimular a
produo, a pesquisa e o aperfeioamento. Em
suma, desafiam o prprio Estado, que se v
obrigado a intervir para proteger aqueles valores,
consubstanciados nos regimes da livre empresa,
da livre concorrncia e do livre embate dos
mercados, e para manter constante a
compatibilizao, caracterstica da economia
atual, da liberdade de iniciativa e do ganho ou
lucro com o interesse social. 13
Neste cenrio, a interveno estatal utilizada apenas para coibir
abusos, como formao de monoplios14
, oligoplios15
e prejuzos ao
13
BRASIL. Recurso Especial n 74.07. Recorrente: Unio. Recorrida: Denusa Destilaria Nova Unio S/A. Relator: Min. Luis Fux. Braslia (DF). 10 out. 2006. 14
Concorrncia monopolstica uma expresso que descreve uma estrutura de
mercado em que h muitas empresas vendendo produtos que so similares, mas
no idnticos. [...] Em um mercado competitivamente monopolstico cada
empresa tem um monoplio sobre o produto que produz, mas muitas outras
empresas fabricam produtos similares que concorrem pelos mesmos
consumidores. (MANKIW, 2009. p. 350) 15
A essncia de um mercado oligopolista que h apenas poucos vendedores.
Em consequncia, as aes de qualquer dos vendedores pode ter um grande
impacto sobre os lucros dos demais vendedores. Isto , as empresas
oligopolistas so interdependentes de uma forma que as empresas competitivas
no so. [...] Um exemplo o mercado mundial de petrleo cru: alguns poucos
45
consumidor. Para complementar, as palavras de Jos Afonso da Silva:
A atuao do Estado, assim, no nada mais nada menos do que uma
tentativa de pr ordem na vida econmica e social, de arrumar a
desordem do liberalismo. (SILVA, 2014, p. 718)
Pontes de Miranda (1983, v. XVII, p. 268) assinala que o objetivo
no limitar o excesso no exerccio, mas coibir as armas empregadas, os
embustes e as prticas desleais.
Ainda que o ambiente concorrencial deva organizar-se sem
interveno estatal, esta possui papel importante na represso aos atos
desleais dentro da concorrncia, tendo por objetivo zelar pelo interesse
da coletividade, por meio do direcionamento e coordenao das
atividades econmicas privadas.
A Constituio determina os princpios gerais do funcionamento
da economia, apontando a direo para legitimar o seu exerccio e
indicando as limitaes, por meio de instrumentos que permitem a
interferncia no processo quando necessria, conforme previsto em seu
artigo 174, caput: Como agente normativo e regulador da atividade
econmica, o Estado exercer, na forma da lei, as funes de
fiscalizao, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o
setor pblico e indicativo para o setor privado.
Como afirma Mnica Sousa (2011, p. 46), O liberalismo
econmico no prescinde do Estado. H necessidade de interveno,
para que as liberdades sejam garantidas e a prpria sobrevivncia da
sociedade perpetrada.
A coexistncia entre livre iniciativa e livre concorrncia est
inserida em uma moldura estatal. Dentro do determinado pelo Estado, os
agentes econmicos so livres para exercerem suas atividades e
competirem pelo mercado. Qualquer tentativa de ultrapassar tais limites
ser impedida por meio dos instrumentos de represso concorrncia.16
Busca-se efetivar a livre iniciativa, mas em um cenrio de
convivncia leal entre as empresas, beneficiando, deste modo, todos os
envolvidos, inclusive os consumidores, ou seja, o objetivo alcanar a
pases do Oriente Mdio controlam boa parte das reservas mundiais.
(MANKIW, 2009, p. 350) 16
Neste sentido: Nossa Constituio estabelece os princpios gerais da atividade econmica, atravs dos quais fixa as coordenadas fundamentais e
normas que conferem legitimao para o seu exerccio, apontando as limitaes
a esse mesmo exerccio, colocando disposio do Estado um conjunto de
instrumentos que lhe permite intervir no processo econmico. (BERTOLDI;
RIBEIRO, 2013. p. 143.)
46
concorrncia perfeita.17
No entanto, o que existe no mercado
justamente a concorrncia imperfeita, pois h distores pelos agentes
econmicos, servindo a interferncia estatal para corrigir, ou atenuar,
suas deficincias.
Este controle feito em duas esferas, tanto por meio do direito
pbico quanto do direito privado. Na esfera do direito pblico, h a
tutela geral do espao concorrencial, por meio da represso aos atos de
abuso de poder econmico antitruste, prevenindo-se os atos de concentrao que possam converter-se em dominao do mercado.
Quanto ao direito privado, se faz por meio da represso concorrncia
desleal e proteo ao fundo de comrcio. (BARBOSA, 1997, p. 255)
2.1.3 Mercado concorrencial
Para a verificao da concorrncia desleal, deve-se confirmar a
existncia de concorrncia, vez que a competio desleal tem de ser
entre concorrentes. Somente concorrem as empresas ou pessoas que
disputam o mesmo. H de ser o mesmo o gnero de indstria, ou de
comrcio, ou de atividade, e tal, que possa o ato ser desleal entre
concorrentes. (PONTES DE MIRANDA, 1983, v. XVII, p. 269)
Lembrando-se que, a princpio, concorrentes podem praticar atos
desleais, mas no crimes de concorrncia desleal. Estes so restritos aos
agentes que concorrem entre si, vez que a disputa, alm do pressuposto
da infrao, elemento integrante do tipo penal.
Diante disto, so considerados crimes prprios, por Celso
Delmanto (1975, p. 20), pois somente o concorrente pode figurar como
sujeito ativo. E, ainda, biprprios, pois exige a condio de concorrente
tambm para o sujeito passivo. necessrio que ambos possuam a
qualidade especial de competidores para que se verifique o tipo penal.
17
O modelo de concorrncia perfeita descreve um mercado no qual nenhum
agente tem capacidade para influenciar os preos. Assim, cada empresa age
individualmente, sem precisar ter em conta as decises das outras. Observando
o preo de mercado, decide que quantidade pretende vender a esse preo. Para a
verificao da concorrncia perfeita devem estar presentes os seguintes fatores:
1.Existem muitos produtores e muitos consumidores, negligenciveis em termos
individuais. 2. Os produtos das diferentes empresas so substitutos perfeitos, ou
seja, o produto homogneo. 3. Os agentes tm toda a informao relevante. 4.
Todas as empresas do mercado, tal como as que podem entrar, tm igual acesso
tecnologia e aos fatores de produo. 5. No existem barreiras entrada ou
sada do mercado. (MANKIW, 2009. p. 334)
47
Denis Barbosa inclui ainda dois outros requisitos, alm da
afinidade de ramo empresarial, a questo temporal e territorial.
H concorrncia quando distintos agentes
econmicos disputam a entrada, manuteno ou
predomnio num mercado, definido por servios
ou produtos que sejam iguais ou do ponto de
vista do consumidor substituveis entre si;
definido ainda pela efetividade dessa disputa num
espao geogrfico e temporal determinado.
(BARBOSA, 2011)
Sendo assim, em primeiro lugar, para que haja competio
necessrio que os produtos ou servios oferecidos sejam idnticos, ou
seja, possvel a substituio entre estes, o que se verifica pela anlise de
sua utilidade econmica.
Consideram-se alternativos os bens quando estes atendem a um
desejo ou necessidade comum do consumidor. Ou seja, a avaliao
subjetiva realizada por uma pessoa que consuma regularmente o bem
A, caso lhe seja oferecido B, ser a mesma. Isto , o valor percebido
com a utilizao de A ou de B equivalente.
Como exemplo pode-se citar o xarope de brodo utilizado para
adoar panquecas, bastante comum nos Estados Unidos. Este pode ser
substitudo por outros produtos, como mel, acar, geleia, os quais
cumprem a mesma funo: adoar panquecas. (HALL; LIEBERMAN,
2010. p. 66)Ou, o guarda chuva e a capa de chuva, os quais,
independente da escolha do consumidor, atendem a sua necessidade.
Ou seja, ainda que os produtos ou servios ofertados no sejam
idnticos, sero considerados concorrentes aqueles que competirem
pelos mesmos consumidores.
Alm da possibilidade de substituio acima apontada, para que
haja afinidade entre os bens, a possibilidade de troca deve ocorrer dentro
do mesmo nvel de consumo, atingindo o mesmo segmento de mercado.
(BARBOSA, 1997, p. 253) No h concorrncia entre bens que, ainda
que substituveis, so destinados a pblicos distintos. Neste sentido,
Lus Gonalves (2005, p. 345) fala em atender ao mesmo tipo de
clientela: No plano merceolgico, pode haver um acto de concorrncia
no s no caso de se procurar satisfazer as mesmas necessidades do
pblico consumidor, mas tambm quando as necessidades, apesar de
diferentes, se possam inserir no mesmo sector de mercado. Esta a
justificativa para que, por exemplo, manteiga e margarina no serem
48
considerados produtos concorrentes: mesmo possuindo a mesma
finalidade, atendem pblicos distintos.
O requisito seguinte que os bens estejam disponveis ao mesmo
momento. Assim, uma empresa que pretende se instalar, ou que no
mais atue no mercado, no concorrente daquelas em funcionamento. A
nica ressalva, justificvel mas com a qual deve-se ter cautela
(GONALVES, 2005, p. 345), em relao a empresas que, com
interesse potencial de entrar no mercado, ou de se proteger daquelas que
pretendem entrar, agem de modo agressivo e desleal, na iminncia ou
com o propsito de competir.
Como afirma Celso Delmanto (1975, p. 22), pode existir a
competio desleal, penalmente punvel, mesmo que um deles ainda no
tenha sua freguesia. E exemplifica com a hiptese de uma indstria de
sabonetes que, ao saber de uma concorrente instalando-se no mercado,
temendo o possvel sucesso do futuro rival, divulga falsas informaes a
respeito da qualidade daquela, a fim de denegrir a sua imagem. Da
mesma forma, a empresa que pretende se instalar no mercado em
relao ao competidor j atuante.
A jurisprudncia ilustrativa:
A concorrncia desleal pode ocorrer, em tese, at
mesmo quando algum, como concorrente
potencial, queira prejudicar a outrem, que, j
atuando na mesma rea, lhe possa afetar os
interesses futuros. E pouco importa que tais
concorrentes, um em potencial, outro j atuante,
integrem empresas vinculadas. R.E. conhecido e
provido para destrancamento da ao penal.18
Quanto ao requisito territorial, necessrio que a atuao dos
agentes econmicos ocorra no mesmo mercado geogrfico. A definio
deste, no entanto possui variaes a depender da atuao da empresa e
da localizao de seus compradores. Ainda que o mercado no seja
um local de fato, os seus participantes realmente vivem em alguma rea
geogrfica.
O cabeleireiro compete com aqueles instalados em seu bairro. O
hipermercado possui um mercado mais amplo, abrangendo todo o
18
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinrio criminal n 116089-RJ. Recorrente: Denco Participaes LTDA. e outros. Recorrido: John
Francis Philippis e outros. Relator: Ministro Sydney Sanches. Braslia (DF). 07
mar. 1989.
49
municpio e at cidades vizinhas. O fabricante de eletrodomsticos
vende seus produtos no Brasil, assim como seus competidores. A
Amazon, por sua vez, tendo sua atuao unicamente na Internet, tem
como mercado geogrfico o mundo todo, pois possvel ser acessada de
qualquer lugar, no havendo barreiras geogrficas.
Importa, ento, determinar qual o alcance dos produtos da
empresa a fim de se apontar seus concorrentes, especificando a rea
geogrfica onde vendedores e compradores se localizam, pois no so
todas as empresas que comercializam produtos afins que concorrem
entre si.
2.1.4 Atos desleais e concorrncia desleal
Tendo em vista que a opo por realizar determinada atividade
econmica feita, tambm, com base na anlise da concorrncia, cada
um dos agentes espera que os demais concorrentes atuem de maneira
honesta, para que seus objetivos sejam alcanados.
Como o exerccio da competio entre agentes do mercado
livre, veda-se apenas a deslealdade:
A conquista da clientela sempre feita custa dos
concorrentes mais fracos ou menos hbeis. [...]
Quando essa luta se desenvolve naturalmente,
empregando os concorrentes as suas prprias
fras econmicas e os seus recursos e meios
pessoais para formar sua clientela, ainda que
prejudiquem os negcios de seus competidores, a
concorrncia considera-se lcita, no havendo
lugar para a interveno da lei. Smente quando
os concorrentes em luta se desviam dsse terreno,
lanando mo de meios regulares condenveis,
quando expedientes desleais ou desonestos, que
se torna necessria interveno legal para
restabelecer o equilbrio de intersses rompido
pela ao reprovvel do concorrente
inescrupuloso. (GAMA CERQUEIRA, 1956, v.
II. t. II, parte III, p. 367) (grifos do autor)
Diante disto, como afirma Denis Barbosa (2011), a tutela da
concorrncia desleal est relacionada especialmente com a expectativa
razovel de um padro de competio, assim, necessria a anlise do
50
ato praticado a fim de verificar se este est de acordo, ou no, com o
comportamento esperado do competidor.
Necessrio ento verificar quais atos so considerados desleais,
lembrando-se que nem todos aqueles moralmente reprovveis, so
juridicamente condenveis (PONTES DE MIRANDA, 1983, v. XVII, p.
306), pois as prticas de comrcio so diversas, assim como o critrio de
apreciao pode variar, sendo comum que se considere concorrncia
desleal o que muitas vezes no passa de concorrncia incmoda(GAMA
CERQUEIRA, 1956, v. II. t. II, parte III, p. 374).
A Lei de Propriedade Intelectual, Lei n 9.279/92, indica os
seguintes atos como de concorrncia desleal:
Art. 195. Comete crime de concorrncia desleal
quem:
I - publica, por qualquer meio, falsa afirmao,
em detrimento de concorrente, com o fim de obter
vantagem;
II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa
informao, com o fim de obter vantagem;
III - emprega meio fraudulento, para desviar, em
proveito prprio ou alheio, clientela de outrem;
IV - usa expresso ou sinal de propaganda
alheios, ou os imita, de modo a criar confuso
entre os produtos ou estabelecimentos;
V - usa, indevidamente, nome comercial, ttulo de
estabelecimento ou insgnia alheios ou vende,
expe ou oferece venda ou tem em estoque
produto com essas referncias;
VI - substitui, pelo seu prprio nome ou razo
social, em produto de outrem, o nome ou razo
social deste, sem o seu consentimento;
VII - atribui-se, como meio de propaganda,
recompensa ou distino que no obteve;
VIII - vende ou expe ou oferece venda, em
recipiente ou invlucro de outrem, produto
adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para
negociar com produto da mesma espcie, embora
no adulterado ou falsificado, se o fato no
constitui crime mais grave;
IX - d ou promete dinheiro ou outra utilidade a
empregado de concorrente, para que o empregado,
faltando ao dever do emprego, lhe proporcione
vantagem;
51
X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita
promessa de paga ou recompensa, para, faltando
ao dever de empregado, proporcionar vantagem a
concorrente do empregador;
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem
autorizao, de conhecimentos, informaes ou
dados confidenciais, utilizveis na indstria,
comrcio ou prestao de servios, excludos
aqueles que sejam de conhecimento pblico ou
que sejam evidentes para um tcnico no assunto, a
que teve acesso mediante relao contratual ou
empregatcia, mesmo aps o trmino do contrato;
XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem
autorizao, de conhecimentos ou informaes a
que se refere o inciso anterior, obtidos por meios
ilcitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou
XIII - vende, expe ou oferece venda produto,
declarando ser objeto de patente depositada, ou
concedida, ou de desenho industrial registrado,
que no o seja, ou menciona-o, em anncio ou
papel comercial, como depositado ou patenteado,
ou registrado, sem o ser;
XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem
autorizao, de resultados de testes ou outros
dados no divulgados, cuja elaborao envolva
esforo considervel e que tenham sido
apresentados a entidades governamentais como
condio para aprovar a comercializao de
produtos.
Ainda que o artigo 195 da LPI apresente inmeras condutas como
desleais, a noo de concorrncia desleal no se limita a estas. Como se
observa no artigo 209, a proteo para qualquer ato que possa
prejudicar a reputao ou os negcios alheios, a criar confuso entre
estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de servio, ou
entre os produtos e servios postos no comrcio. Lus Gonalves (2005,
p. 347) afirma que a constatao de concorrncia desleal se d por
violao autnoma de normas sociais, no de normas legais, embora
existam atos desleais que tambm sejam ilegais, e cita como exemplo a
violao desleal de uma marca registrada.
Alm disto, como salienta Delmanto (1975, p. 18), no se trata de
um nico delito, mediante prticas alternativas, mas diversos itens
52
incriminadores, de diversas infraes, sob idntica nomenclatura: crimes
de concorrncia desleal. Sendo, inclusive, pluriofensivos.
Observa-se que o critrio determinante da competio desleal no
legal, mas ftico. preciso que os atos de concorrncia sejam
contrrios aos usos honestos em matria industrial ou comercial ou a
prticas comerciais honestas sempre apurados segundo o contexto
ftico de cada mercado, em cada lugar, em cada tempo. (BARBOSA,
2011)
Assim, necessrio verificar as circunstncias e caractersticas do
mercado no qual os competidores esto inseridos e o vnculo entre eles,
vez que a relao entre os que concorrem no , de modo nenhum,
jurdica, de modo nenhum se pode assimilar relao parental, se bem
que se possa comparar com a de vizinhana: relao ftica. (PONTES
DE MIRANDA, 1983, v. XVII, p. 270)
Deve-se analisar os usos e costumes do mercado a fim de
identificar a deslealdade dos atos praticados. Mas no so os hbitos de
todo o mercado, apenas do mercado no qual o agente est inserido,
tendo em vista as especificidades de cada um deles. Por certo as prticas
de comrcio do mercado de bens de consumo diferem daquelas
verificadas no de automveis, por isso a necessidade de contextualizar
os atos praticados.
Alm disso, como afirma Tinoco Soares (1980, p. 94), prticas
consideradas como de concorrncia desleal em um pas, podem ser
legalmente aceitas em outro, pois no h um padro a ser
universalmente seguido. O que se busca, em todos os lugares e todos os
cenrios, a represso como forma de garantir o livre desenvolvimento
do mercado.
Destaca-se que para a caracterizao da concorrncia desleal
considerado o ato em si, independente de sua motivao ou do alcance
de seu objetivo. Pois, se assim no fosse, todo ato de desvio de clientela
seria desleal, e os atos de concorrncia desleal que no atrassem os
clientes da concorrncia ou causasse danos, no seriam suscetveis de
represso. (GAMA CERQUEIRA, 1956, v. II. t. II, parte III, p. 374)
Muitas vezes os prejuzos advindos dos atos desleais no podem
ser apurados de imediato, vez que estes somente se manifestaro com o
passar dos tempos a diminuio da clientela, descrdito da empresa ou
diluio da marca, por exemplo, podem no ser observados no momento
da prtica do ato.
Portanto, o combate concorrncia desleal deve ser feito com o
intuito de cessar a ao desonesta, no com a apurao dos prejuzos,
pois a busca de vantagens pelo competidor feita visando obteno
53
de vantagens a merc dos prejuzos causados ou no a outrem
(SOARES, 1980, p. 24).
Assim, pode-se afirmar ser a concorrncia desleal o exerccio de
um direito legtimo (a competio pelos consumidores), mas de forma
ilegtima, por meio de prticas desleais, desonestas e com m-f.
A este respeito, Carnelutti (Apud DUVAL, 1976, p. 126) apresenta uma analogia que se entende pertinente. Para o jurista italiano,
a concorrncia desleal como uma competio esportiva na qual um dos
participantes pratica manobras anti-esportivas, com vistas a sagrar-se
campeo, a despeito do risco de ser desclassificado em virtude de tais
atos.
2.1.5 Direitos exclusivos e concorrncia desleal
Em relao aos direitos que contam com proteo de
exclusividade, como desenho industrial, patente ou marca registrada,
no h necessidade de comprovao de concorrncia efetiva ou dolo,
por no se tratar, a priori, de concorrncia desleal.
Neste caso, indiferente se o infrator ou no competidor, ou se
est em competio efetiva com o titular do direito. Pois justamente
esta a prerrogativa dos direitos exclusivos, a proteo contra qualquer
ameaa. (BARBOSA, 1997, p. 246)
Pontes de Miranda (1983, v. XVII, p. 274) defendia que, no caso
de direitos reais exclua-se a concorrncia desleal.19
Hermano Duval
(1976, p. 156), no mesmo sentido, afirmava ser a confuso ou erro do
consumidor o que distanciava a concorrncia desleal dos direitos de
exclusividade. Havendo induo ao erro, estar-se-ia diante de
concorrncia desleal, caso contrrio, os sinais distintivos seriam
protegidos de acordo com os direitos de exclusividade.
Denis Barbosa, por sua vez, reconhece as posies contrrias,
mas, com base na jurisprudncia, afirma ser possvel a cumulao entre
tais direitos. (BARBOSA, 1997, p. 247)
Esta parece ser a posio dominante, sendo que, na anlise de
conflito de sinais distintivos registrados, no h qualquer hesitao, por
parte dos julgadores, em aplicar cumulativamente os preceitos de
concorrncia desleal, como se pode observar do julgado a seguir:
19
Deve-se evitar falar de concorrncia desleal quando h direito real, porque a ao que se apresenta como adequada, a ao de ofensa a esse direito.
54
A empresa titular de marca anteriormente
registrada pode impedir que outra empresa use,
como nome comercial, expresso que tenha
semelhana grfica e fontica da aludida marca,
quando h, como na hiptese, identidade entre as
atividades exercidas por ambas, tudo a fomentar
confuso no esprito do mesmo pblico-alvo a que
ambas se dirigiam e disputavam, com
favorecimento, eventual e descabido, segunda,
que foi considerada pelas instncias ordinrias,
sem irresignao, neste ponto, como concorrente
desleal.20
No entanto, muitos dos sinais distintivos marcas no
registradas, ttulos de estabelecimento e insgnias, emblemas,
recompensas industriais, sinais e expresses de propaganda e, at
mesmo, nomes de domnio, como se ver adiante, no Captulo 4 deste
trabalho, so protegidos apenas pelas normas de concorrncia desleal.
E, a utilizao para falsear os termos da concorrncia, causando
confuso entre comerciantes, de modo a prejudicar a reputao ou
negcios alheios, suscetvel de gerar indenizao e medida judicial
para no ter seguimento. (PIMENTEL, 2012, p. 18)
Em relao a estes, deve-se atentar a possibilidade de erro ou
confuso nos consumidores, pois a represso concorrncia desleal tem
como objetivo evitar o risco de confuso ou denigrao da marca, no a
proteo da criao tecnolgica ou do sinal distintivo em si mesmo.
(BARBOSA, 1997, p. 147)
Nesta situao a possibilidade de confuso imprescindvel para
que seja caracterizada a concorrncia desleal. Assim:
APELAO. Concorrncia desleal. Imputao
r de prtica de concorrncia desleal, consistente
na imitao de slogan publicitrio, com o objetivo
de confundir consumidores e desviar clientela.
Uso das expresses Vivo Escolha pela autora e
Claro Escolha. Pedido da autora de absteno
de uso da expresso escolha pela r em sua
publicidade. Sentena de improcedncia.
Inconformismo. No acolhimento. Expresso de
20
BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n 32.263. Recorrente: Extravagance Confeces LTDA. Recorrida: So Paulo Alpargatas
S.A. Relator: Min. Cesar Asfor Rocha. Braslia (DF). 14 out. 1996.
55
uso comum, usada em contexto de concorrncia
de mercado, impassvel de apropriao por
registro de marca. A conduta perpetrada pela r,
embora possa ser tida como forma agressiva de
exerccio do direito de concorrncia, no chega a
configurar concorrncia desleal. Empresa que, ao
propor tambm ao consumid