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UFBA - UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Faculdade de Comunicao
Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneas
Msica eletrnica e Cibercultura
(Idias em torno da socialidade, comunicao em redes telemticas e cultura dodj)
Dissertao de Mestrado de Cludio Manoel Duarte de Souza
Orientador: Prof. Dr. Andr Luiz Martins Lemos
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Sistema de Bibliotecas - UFBA
Souza, Cludio Manoel Duarte de.
Msica eletrnica e cibercultura : idias em torno da socialidade, comunicao em redes telemticas e cultura do dj / Cludio Manoel
Duarte de Souza. - 2003.
182 f.
Inclui anexos e apndice.
Orientador: Prof. Dr. Andr Luiz Martins Lemos.
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Comunicao,
Salvador, 2009.
1. Computadores e civilizao. 2. Comunicao. 3. Msica eletrnica. 4. Comunidades virtuais. 5. Ciberespao. I. Lemos,
Andr Luiz Martins. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Comunicao. III. Ttulo.
CDD - 302.23
CDU - 659.3
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Cludio Manoel Duarte de Souza
Msica Eletrnica e CiberculturaIdias em torno da socialidade, comunicao em redes telemticas e cultura do dj
Dissertao apresentada por Cludio Manoel Duarte de Souza
ao Programa de Ps-graduao em Comunicao e CulturaContempornea da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), como requisito parcial para concluso de
Mestrado da Faculdade de Comunicao (FACOM)
Orientador: Prof. Dr. Andr Luiz Martins Lemos
Salvador, maio de 2003
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A minha me, Lindinalva Duarte, a meu amigo Gil Maciel e aos DJs do Coletivo
Pragatecno, pelo amor, presena constante e apoio.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo aos amigos, sempre no entorno e centro de minha existncia, dando
suporte, trazendo os timos momentos, ajudando a construir o presente, o futuro; a
Andr Lemos, mais que um orientador, parceiro, uma referncia fundamental em
minha vida; arte, musica que costuram meus dias.
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A eletrnica est alm das naes e das raas. Ela fala uma
linguagem que qualquer um pode entender e que expressa
mais do que s histrias, como as canes convencionais.
Com a eletrnica, tudo possvel. O nico limite o que
diz respeito ao compositor. (Hutter, Billboard, 1977)
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RESUMO
Esta dissertao, alm de fazer um levantamento sobre os elementos que compem a
cultura do dj, busca refletir sobre a relao entre comunidades da Msica Eletrnica
e a Cibercultura na construo de formas de comunicao no ciberespao. Busca,
ainda, analisar a interao entre a cena cultural do dj e suas formas de representao
no ciberespao, como instrumento de articulao entre a cena urbana, local, e avirtualidade como extenso do urbano. A dissertao traz ainda um estudo
cronolgico sobre o desenvolvimento da tecnologia para a msica, bem como um
mapeamento de sites focados na cultura do dj.
Palavras-chave: Cibercultura, Comunicao, Msica Eletrnica, Comunidades
Virtuais.
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ABSTRACT
This work, besides studying the elements of the djs culture, reflects upon the
relationship between communities of Electronic Music and Cyberculture in the
construction of forms of communication in cyberspace. It also aims to analyze theinteraction between the cultural scene of the DJ and their forms of representation in
cyberspace as a tool for linking the urban scene, place, and the virtual as an extension
of the urban. This work also brings a chronological study on the development of
technology for music, as well as a mapping of sites focused on the culture of the dj.
Keywords: Cyberculture, Communication, Electronic Music, Virtual Communities.
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SUMRIO
INTRODUO....................................................................................11
CAPTULO I: O plo de emisso em redes e as subculturas..............16
CAPTULO II: Cena, subcultura, underground e overground............25
CAPTULO III: Msica e tecnologias.................................................41
CAPTULO IV: Msica e ciberespao................................................65
CAPTULO V: A cultura do dj............................................................81
CAPTULO VI: Concluso................................................................106
REFERNCIAS.................................................................................109
GLOSSRIO
APNDICE
ANEXOS
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INTRODUO
A experimentao musical associada s tecnologias surge ainda em 1860.Desde ento, novas estticas sonoras foram sempre permeadas pela descoberta de
novos recursos. Esses recursos sofrem transformaes meramente tcnicas ou so
resignificados, a partir de sua reapropriao.
Hoje, a msica eletrnica, e todas as manifestaes que dela decorrem, o
resultado da reapropriao social das tecnologias contemporneas. uma das
expresses da Cibercultura. A essa msica esto associados no s o uso de
softwares, de produo simblica, mas a utilizao dos espaos de fluxos
(CASTELS: 1999) principalmente o ciberespao como instrumentos de
acelerao da cenas urbanas e locais. Isso foi possvel, essa acelerao, dado
implantao e liberao comercial da internet. As redes telemticas trazem como
pr-requisito para sua existncia a interatividade e a liberao do plo emissor da
informao (LEMOS: 2002), abrindo espao para as alteridades e consolidao
comunitria ligadas a elas.
Em torno dessa msica h um fluxo de informao que elege as redes
mundiais de computador como principal veculo de comunicao e de produo
cultural. O ciberespao assume uma relevante funo de instrumento comunicacional
(webzines, sites, ftps, chats e listas de discusso), de instrumento mercadolgico
(com suas lojas virtuais alternativas), bem como de instrumento de produo
simblica - onde se produz a arte, a msica ela mesma, inclusive com associaes e
parcerias distncia. Sites, chats, listas de discusso e outros fruns reforam noesde cena, subcultura, tribalismo, undergrounde Cibercultura fortalecem, enfim, as
tribos urbanas eletrnicas. Na cultura da msica eletrnica, o ciberespao uma
ambincia para a construo de sentido. Cibercultura e msica eletrnica, eis o tema
desta pesquisa. Mais do que aliadas da cena urbana da msica eletrnica, nesta
pesquisa pretende-se mostrar que as redes telemticas, com a liberao do plo
emissor, foi capaz de, no Brasil e principalmente no Nordeste brasileiro , acelerar
e at desenvolver as cenas locais.
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O ciberespao tem sido o principal canal para o fluxo de informao de cenas
musicais urbanas undergrounds. esse espao de circulao aberta da informao
que elegemos para discutir noes de underground antes associado quilo com
pouca circulao. Porm as redes telemticas tm desmontado a idia de
undergroundbaseado apenas no item "circulao", j que a ambincia gerada pelas
redes telemticas abre o acesso livre informao, de forma incontrolvel e
interativa. Aliados s redes telemticas, os flyers e fanzines suportes de "low
technology" so usados tambm como instrumentos para o fluxo de idias, de
informaes dessas cenas.
A cultura da msica eletrnica cumprindo a trade da produo, circulao e
consumo uma cultura identitria, forma tribos urbanas a partir de manifestaesprprias na produo de sentido, dentro e fora do ciberespao.
Se pensada essa cultura na ambincia das redes telemticas, torna-se
inevitvel a busca de uma conexo terica entre as noes dos Estudos Culturais e da
Cibercultura, e at de Filosofia da Tcnica.
A presente pesquisa faz um percurso para identificar quando surgiu o
interesse dos Estudos Culturais em pensar a msica pop(ular), em detrimentos de
estilos mais "clssicos", e a partir da definir noes como cena e subcultura. Uma
das idias transpor para o campo da Cibercultura essas noes, destacando como
corte a cena da msica eletrnica. Tambm discutimos a relao entre arte e
tecnologia nos processos criativos, bem como as principais manifestaes do que
chamado de "cultura do dj", a qual buscamos detalhar em um dos captulos, alm de
fazer um mapeamento da cena brasileira da msica eletrnica, representada em
diferentes suportes de comunicao no ciberespao.
Porm, a idia principal tomada como hiptese no presente trabalho mostrar
at que ponto as cenas locais da msica eletrnica, particularmente do Brasil, sofrem
uma acelerao por conta das redes telemticas e da liberao do plo emissor de
informaes, propiciados pela internet a partir de meados do anos 90, com a sua
comercializao e com o crescimento da web. Esse o tema do captulo primeiro,
onde fazemos um rpido documentrio sobre o surgimento da internet, suas 3 fases
at os dias atuais.
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No segundo captulo discutimos o que a cena eletrnica, como funciona a
trade produo/circulao/consumo e o que underground, overground e
subcultura. Este captulo tambm documenta as origens dessa cena e como ela tem
acontecido no Brasil.
No terceiro captulo, fazemos um mapeamento das tecnologias aplicadas
msica, desde os primeiro experimentos, at os softwares de simulao atuais.
Discutimos tambm a idia de apropriao e resignificao tecnolgica e, em
mapeamento histrico, mostramos a conexo inevitvel dos artfices, das invenes,
do objetos tcnicos com a experimentao sonora e de que forma essas novas
tcnicas de produo sonora - associadas s redes telemticas - podem se propagar e
construir formas de produo coletiva distncia.
No quarto captulo, o tema a msica e ciberespao, onde usamos as 3 bases
que constroem o movimento social da Cibercultura (interconexo, interatividade e
inteligncia coletiva) para pensar a cena da msica eletrnica no ciberespao, e fazer
um mapeamento dessa cena nas redes telemticas, em suas representaes em listas,
sites e outros fruns.
O quinto captulo se volta cultura do dj o que , o que a forma, em que se
baseia. A idia mostrar o carter amplo de uma cultura que centrada num
personagem, e que termina por promover e consolidar uma srie de outras aes,
inclusive mercadolgicas.
O sexto captulo, conclusivo, sistematiza algumas idias sobre liberao do
plo emissor de informaes atravs da internet e sua repercusso na cena da e-music
O fato de estar inserido na cena, como produtor e dj, atuante h mais de 5
anos, nos trouxe subsdios bastantes especficos para pensar em nosso objeto de
estudo de uma forma no apenas distanciada, reflexiva, mas com base na vivncia
pessoal, na experienciao. Por vezes, verdade, sentimos a dificuldade
metodolgica do distanciamento para uma reflexo menos envolvida. Menos afetiva,
por assim dizer.
Dentre nossas atividades na cena, destacaramos o fato de ser fundador de umdos primeiros coletivos brasileiros de djs, o Pragatecno, atravs do qual promovemos
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diversos eventos, desde oficinas, festas, raves, mostras de vdeos etc; produzimos a
coletnea Sombinrio #1 pela Utter Records (primeiro cd duplo de msica eletrnica
do Pas e o primeiro cd de msica eletrnica do Norte e Nordeste); organizamos e
mantemos uma das 3 maiores listas de discusso de msica eletrnica do Pas (Lista
PragatecnoBrasil1); incentivamos a criao de ncleos de djs em diversss cidades
(Belm, Fortaleza, Joo Pessoa, Recife, Macei, Salvador, Rio de Janeiro), com o
apoio do Pragatecno, com o objetivo de trocar informaes e acelerar as cenas
regionais, a partir do intercmbio entre esses ncleos, que, em recente evento
pioneiro, o Conex@o, em janeiro de 2003, em Salvador. Ele foi o primeiro evento
regional de encontro de ncleos do Norte e Nordeste, que estiveram reunidos
durantes 4 dias para consolidar suas relaes nascidas e desenvolvidas distncia,
via ciberespao, comprovando a idia de que o ciberespao canal de incrementao
de cenas locais. A nossa insero na cena da e-music nos possibilitou, enfim, aliar a
reflexo terica nossa prtica cotidiana de clubber, de dj, de promoter, de produtor
cultural. Gostaramos de documentar, inclusive, que a presente dissertao fruto
tambm de nossa paixo pela cultura da msica eletrnica e pela Cibercultura.
Como msico eletrnico de house music, pudemos experimentar o
funcionamento de um mercado mais especfico que envolve outras atividadesdiferenciadas da atuao do dj, nos trazendo novos subsdios para reflexo.
Frente escassa literatura especfica, acreditamos ter sido fundamental a
essas experincias de participao e observao participativa e o contato direto com
promoters, djs e produtores musicais da cena brasileira e internacional. Contatos que,
atravs de entrevistas, reforaram com depoimentos e novos dados as nossas
argumentaes em torno do tema desta pesquisa.
Mesmo com a escassa literatura sobre o assunto, elegemos um conjunto de
autores que esto mais prximos ao tema da Cibercultura, da arte, das tecnologias
contemporneas e dos Estudos Culturais. Os autores de maior referncia neste
trabalho so Pierre Lvy, Andr Lemos, Marcos Palcios, Pedro Nunes, Manuel
Castels, Walter Benjamin, Gilbert Simondon, Mathhew Collin, Jeremy Gilbert e
Ewan Pearson, Sarah Thorton, Ruth Finnegan, Will Straw, alm de artigos
1 http://groups.yahoo.com/group/pragatecnobrasil
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jornalsticos, pesquisas em sites, chats e listas de discusso. Inclumos ainda artigos
jornalsticos.
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CAPTULO I: O plo de emisso em redes e as subculturas
A frmula emissor/meio/receptor nos processos comunicacionais sofre umaruptura com o surgimento das redes telemticas. A centralizao da emisso das
informaes foge do controle dos detentores dos meios tradicionais de comunicao.
No ciberespao - ambincia onde o usurio seleciona e consome informao - a
ambincia onde ele (o receptor/usurio) emite: o novo campo para a reelaborao
da relao entre quem emite e quem recepciona a informao. O receptor agora
tambm proprietrio do plo de emisso, conforme atenta Lemos2: "o ciberespao
permite uma libertao do plo da emisso, onde cada um pode colocar suas idias,opinies e informaes sem passar por um centro editor como no caso dos mass
medias. a interatividade3 assegurada por essa nova ambincia que qualifica o
usurio comum antes sem poder de emisso - como ativo em sua relao com a
produo e a circulao da informao.
Em que sentido, ento, o poder adquirido pelo usurio comum do ciberespao
na produo, circulao e consumo de suas informaes contribuiu na construo de
culturas identitrias? De subculturas? Em que sentido as redes telemticas podem
implementar e acelerar a troca de informao e propor novos suportes para a
efervescncia de cenas urbanas?
Partindo do princpio de que as subculturas4 esto mais bem sedimentadas em
reas mais urbanas, onde a efervescncia cultural se coloca de forma mais presente.
O desenvolvimento dessas subculturas, no entanto, pode ocorrer em centros menos
desenvolvidos o que est colocado como premissa o acesso informao paraalimentar os focos de interesse (artistas, intelectuais, consumidores identificados com
2 http://linefeed.org/~dri/cibercultura.htm3 Existe uma enorme discusso sobre essa noo, mas nos apoiamos no fato de que a interatividade pressupe,conforme defende Vittadini, uma alterao de contedos e no uma mera manipulao de dados previamentecolocados como opes. Entendemos aqui a interatividade como a ao comum que ocorre entre dois ou maisagentes, onde os agentes envolvidos ter capacidade igualitria nessa ao, podendo alterar processos eresultados, propondo inclusive uma imprevisibilidade desses resultados, diferente do conceito de reatividade, queseria a reao da audincia atravs de um menu de opes (Williams). Para mais dados sobre esses conceitos lerVITTADINI, Nicoletta. Comunicar con los Nuevos Media. In: BETTETINI, Gianfranco; COLOMBO, Fausto. LasNuevas Tecnologas de la Comunicacin. Barcelona: 1995. Ler ainda PRIMO, Alex. Interao Mtua e Interao
Reativa: uma proposta de estudo. Trabalho apresentado no GT de Teoria da Comunicao, Intercom, Recife, 1998.4 O termo subcultura, o qual discutiremos em captulo a seguir, tem outras terminologias como "estilo de vida" e"cultura jovem", oriundos tambm dos Estudos Culturais.
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essas culturas). Essa conexo dos focos de interesses em centros urbanos menores se
d, no necessariamente com os centros maiores (geograficamente estabelecidos),
mas com o carter rizomtico e universal dessas culturais, usando o ciberespao
como localidade para sua auto-expresso "glocal"5.
O desenvolvimento (no o nascimento) da cena brasileira de msica
eletrnica, muito particularmente da cena no Nordeste do pas, est diretamente
relacionada com o prprio desenvolvimento da internet e com a apropriao social
das redes telemticas, ou pelo menos com um determinado uso dessas redes.
Basicamente a cena nesta regio, como veremos adiante, se acelera em fins dos anos
90 e, mais particularmente, no incio dos anos 2000, quando as redes telemticas
passam a ser o principal instrumento de pesquisa e informao dos clubbers,produtores, djs e promoters atuantes na regio, gerando comunidades atravs de
listas de discusses.
A frmula de emissor/meio/receptor ao se tornar ultrapassada com o advento
da internet (massiva e estruturada em suportes de interatividade) e a liberao do
plo emissor da informao no ciberespao incentivaram, a nosso ver, efervescncia
de subculturas em centros no to metropolitanos. Tecnologias associadas
comunicao tm um papel preponderante para a circulao mais gil da informao
e, quando apropriadas socialmente por agregaes subculturais, consolidam culturas
identitrias, resultando na efervescncia cultural urbana.
Se recorremos, historicamente, ao prprio desenvolvimento da internet,
conseguimos localizar que o que Lemos chama de liberao do plo emissor da
informao fruto de uma apropriao, ou resignificao, social da tecnologia da
Cibercultura. De uma rede voltada utilizao militarista, em sua origem, a uma redepara prticas tambm hedonistas, a internet o espelho do desejo social em t-la
como um instrumento de uso pessoal, inclusive. A prpria trajetria e
desenvolvimento da internet revela essa apropriao.
Criada em 1969 pelo DOD, Departamento de Defesa dos Estados Unidos, e
inicialmente chamada de Arpanet (rede da Arpa - Advanced Research Projects
5 Hbrido de global e local. O termo questionado por alguns autores como JANOTTI: "armadilhas de termos comoglocal, (...) minimiza as tenses que caracterizam a interdefinio entre os termos e as particularidades presentesem suas diversas articulaes". http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/404nOtF0und/404_25.htm
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Agency), essa rede tinha como idia inicial um instrumento de transferncia de
informao que no pudesse ser destrudo em caso de guerras e que fosse capaz de
interligar pontos estratgicos, incluindo ncleos cientficos e tecnologia, voltados
principalmente para pesquisas de proteo militarista. A Arpanet, coordenada pelos
pesquisadores J.C.R. Licklider e Robert Taylor, era resultado das tenses da Guerra
Fria. Licklider e Taylor propunham uma rede sem centro, sem estrutura piramidal, j
referenciados nos estudos de 1964, desenvolvidos pelo Rand (ncleo de pesquisas
anti-soviticas). Participam da instalao da Arpanet a Universidade da Califrnia-
UCLA, o Instituto de Pesquisas de Stanford e a Universidade de Utah. Entre o
primeiro teste, em 21 de novembro de 1969, e os anos que se seguiram, a progresso
de crescimento de novas mquinas conectadas era impressionante6: 1971, 24
mquinas em rede; 1974, 62 mquinas; 1981 (no surgimento da Internet), 200
mquinas.
O carter militarista da Internet (Arpanet), em sua fase primeira, vai, aos
poucos, e principalmente nos anos 80, com a entrada de vrias instituies de
pesquisa e universidades na rede, tomando outra feio: passa a ser um instrumento
de uso acadmico, principalmente. Aqui podemos documentar um primeiro momento
de apropriao social dessa tecnologia, resignificando o seu carter inicial militaristapara o uso dessa rede como suporte das pesquisas cientfico-acadmicas. Esse novo
carter da rede coincide com a expanso da microinformtica, tambm nos anos 80,
fruto do movimento dos cientistas californianos que defendiam computadores para o
povo, influenciados pelas idias da contracultura dos anos 60. A inveno do
Mosaic, em 1993, primeiro navegador para a web criado por um grupo de jovens
estudantes da Universidade de Urbana-Champaign, sob liderana de Marc
Andreessen
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(de apenas 21 anos), tambm teve uma contribuio marcante para umaproliferao mais massiva da rede. O Mosaic foi efetivamente a forma popular para
uma interface amigvel de comunicao via internet que colocava eficincia numa
outra inveno anterior, a www (world wide web), formato encontrado pelo cientista
Tim Berners-Lee, em 1990, do laboratrio suo CERN (Laboratrio Europeu de
Estudo de Partculas Fsicas), para facilitar a "navegao" pelas informaes em
rede, atravs de ligaduras entre texto, imagens e sons.
6 http://www.estado.estadao.com.br/edicao/especial/internet/internet.html, em novembro de 20027 Em 1995, apenas 2 anos aps ter inventado o Mosaic, Andreessen cria o Netscape Navigator (que chegou adominar 70% do mercado de browsers).
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Entre o ano de 1971, com apenas 24 mquinas conectadas, e o incio dos anos
90, com mais de um milho de usurios da rede, passando por suas primeira e
segunda etapa de desenvolvimento, a internet entra em sua terceira fase, a da
comercializao.
Essa nova fase, a comercializao da rede - ou seja o acesso livre e para uso
comercial e pessoal - promoveu definitivamente as redes telemticas como foco
autnomo e de florescimento das culturas identitrias, notadamente em regies fora
dos grandes centros urbanos.
No Brasil, podemos eleger como o marco inicial da internet o ano de 1988,
quando a Fapesp (Fundao de Amparo Pesquisa no Estado de So Paulo) fez suaprimeira tentativa de instalao da rede, tendo a frente o professor Oscar Sala, ento
conselheiro na Fapesp8. O servio, no entanto, s comea a funcionar no ano
seguinte, em 1989, conectando o Brasil internet, via Bitnet (Because is Time to
Network), com limitao de troca de arquivos e uso de correio eletrnico. Finalmente
em 1991, a Fapesp teve uma linha internacional dedicada conexo da internet,
liberando o acesso para entidades sem carter lucrativo e que trabalhassem com
pesquisa, incluindo-se desde rgos governamentais no ligados educao at
instituies de ensino. Em 1992 o Ministrio da Cincia e Tecnologia cria a RNP
(Rede Nacional de Pesquisa), sob a coordenao de Tadao Takahashi. A RNP teve
um papel fundamental pois implantou um tronco principal da rede no Brasil e pde
montar servidores nas capitais e coordenar a rede no Pas. A comercializao
acontece com uma portaria publicada em 1995 pelo Ministrio das Comunicaes e
do Ministrio da Cincia e Tecnologia, em maio de 1995. Essa portaria cria o
"provedor de acesso privado", abrindo a explorao comercial da rede no Brasil.
Podemos ento eleger o ano de 1995 como o marco zero para a abertura no
ciberespao para o surgimento de comunidades virtuais ligadas s subculturas. A
comunidade da msica eletrnica j estava atenta e j no ano seguinte, em 1996,
surge a lista Br-Raves ponto de encontro de clubbers e ravers brasileiros. Foi a
partir desse momento que djs, promoters, clubbers, produtores, designers, curiosos,
puderam compartilhar nacionalmente e pela primeira vez suas experincia e sua
8 Oscar Sala era ligado ao Fermilab, laboratrio de Fsica de Altas Energias de Chicago (EUA)
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cultura de identificao. Em 1997, apenas dois anos aps a liberao comercial da
internet brasileira, surge o mais importante site de eletrnica do Pas, o Rraurl9, que
dava visibilidade definitiva cena brasileira. No Nordeste, em Macei - e portanto
longe da cena que comeava a se consolidar em So Paulo, cidade tida como templo
da msica eletrnica - um pequeno grupo de amigos ouvia msica eletrnica, mas
sem relao com as cenas que se construam no Sudeste do Pas.
De Macei a So Paulo, a internet representava para a inicial cena eletrnica
brasileira a acelerao dos processos de informao sobre essa cultura, que tinha
como referncia outros suportes de informao como cds e revistas importados. A
rede mundial de computadores, mais que um aparato tcnico, era no s sinnimo de
intensificao dessas informaes mas um instrumento formador de uma comunidadebaseada em afinidades alm-geogrficas. Sem o acesso s informaes no site Rraurl
e na lista Br-raves, certamente as atuaes locais no seriam conhecidas de forma to
gil. Dois anos aps a instalao do site Rraurl, em janeiro de 1998, o grupo
Pragatecno (criado em Macei) se prepara para lanar seu site no ciberespao.
Sem o "descontrole" democrtico da emisso no ciberespao, a informao
acerca da cena que se instalava no Brasil no ganharia visibilidade. Mas que
instrumento de informao, a rede mundial se tornaria inclusive um recurso para a
criao artstica distncia, em projetos de produo coletiva. Esses projetos so
mantidos por duplas, no caso da msica eletrnica (djs ou produtores que vivem em
diferentes reas geogrficas), ou grupos inteiros. Uma das experincias mais
interessantes de criao coletiva o projeto Re:combo, criado em Recife (PE), com
participao de cerca de 20 integrantes, tendo frente, hoje, o produtor H.D.
Mabuse. O projeto se define como "mais que uma banda pop: um ensaio terico
sobre autoria e propriedade intelectual no sculo XXI feito para danar" 10. Um grupo
formado por msicos, artistas plsticos, engenheiros de software, djs, professores e
acadmicos, que trabalha em projetos de arte digital e msica de uma forma
"descentralizada e colaborativa". O grupo desenvolve-se em cidades como Recife,
Joo Pessoa, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, So Paulo e Caruaru,
recebendo imagens e sons de lugares to distantes quanto Lima e Bucareste.
9 www.rraurl.com. Site brasileiro dedicado cena dos djs, O rraurl.com foi criado em 1997 pelos djs Gil Barbara eCamilo Rocha, juntamente com a jornalista Gaa Passarelli. Comeou como um e-zine, "com a inteno de divulgara ento nascente cena rave no Brasil", conforme est afirmado no site.10 Em texto de apresentao no site www.recombo.art.br
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Sua idia principal produzir "msica criativa, democrtica e livre das
amarras do conceito criminoso e antiptico de propriedade intelectual"11. O
funcionamento simples. Em seu site disponibilizado um banco de dados (sons,
imagens...) para serem baixados pelos integrantes do projeto, os quais devolvem ao
site dados alterados para novos downloads e novas alteraes. Os arquivos alterados
(remixados) de som esto disponveis em mp3, com mais duas opes, uma do
arquivo aberto (para novas edies) e outro em arquivode formato Ogg12. Aliado
produo coletiva via internet, o projeto elege como um dos seus temas o direito
autoral. O Re:combo, usando das ferramentas digitais, prope uma inverso, ou uma
diluio, autoria e a transforma em autoria coletiva. Para seus integrantes, os
direitos autorais ou copyrights (direitos de cpia) funcionam hoje como uma fora
restritiva ao processo de criao intelectual: "Somos a favor do copyleft (deixar
copiar) em prol de uma diversidade de produo que independe das amarras desse
sistema de 'realizao de direitos' at ento vigente"13. H. d. Mabuse defende a idia
de "generosidade intelectual" que, alm de propor trabalhos coletivos distncia,
prope a liberao autoral, entendendo os produtos do Re:combo como dados sem
propriedade intelectual, disponveis na rede mundial de computadores para quem os
acesse e manipule:
"(...)logo quando topei entrar para o projeto
levantei a possibilidade de trocarmos arquivos de
forma aberta pela Internet, j que um ponto
pacfico era repensar o propriedade intelectual.
Saiu ao mesmo tempo, o site, com os arquivos
das msicas free e abertas, o primeiro release
(re:faa/re:combine) e o termo *GenerosidadeIntelectual*. Com menos de trs meses tnhamos
juntado uma quantidade suficiente de malucos
espalhados pelo Brasil e pelo mundo para ter um
lanamento mensal do Re:combo vindo toda vez
11 www.recombo.art.br12 O projeto Re:combo adota esse formato (Ogg Vorbis ) como "novo padro de arquivo de msica para
download". O formato tem uma compactao maior, alm de ser "aberto" (reprogramvel) e gratuito. No entanto oseu player no so os tradicionais do windows (winamp, real player etc) , sendo necessrio outros softwares pararodar os arquivos (http://www.vorbis.com/software.psp)13 www.recombo.art.br
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de um lugar diferente. claro que sem a Internet
isso seria impossvel. Tem uma citao que
sempre fazemos, sobre a idia de um Re:combo
em cada esquina do mundo. (...) a inteno de
trabalhar coletivamente a produo artstica e a
identidade do Re:combo"14.
A discusso sobre propriedade intelectual, trazida pelo projeto Re:combo, e o
uso de redes telemticas para produo e difuso de projetos culturais, reafirmam que
a comunicao mediada por computador provoca ou refora a formao de
comunidades com cultura identitrias, conforme atesta Lemos:
"A exploso da comunicao contempornea
deve-se aos novos media que vo potencializar
essa pulso gregria, agindo como vetores de
comunho, de compartilhamento de sentimentos e
de reliance comunitria. Isso mostra que a
tendncia comunitria (tribal), o presentesmo e
o paradigma esttico podem potencializar e ser
potencializados pelo desenvolvimento
tecnolgico. Podemos ver nas comunidades do
ciberespao a aplicabilidade do conceito de
socialidade, definido por ligaes orgnicas,
efmeras e simblicas. A Cibercultura, em todas
as suas expresses , precisamente, esta
reliance social potencializada pela tecnologia
micro-eletrnica"15.
Esses novos media destacam o ciberespao - uma rea etrea de circulao de
informaes, resultante de circuitos de impulsos eletrnicos onde circulam dados
digitais. Ao elegermos a cultura da msica eletrnica como tema para discutir os
14 Entrevista por e-mail (ver anexos). A partir desta pgina, citao/depoimento sem referncias tiveram origem ementrevistas por e-mail, disponibilizadas nos Anexos.
15 LEMOS, Andr. Ciber-Socialidade-Tecnologia e Vida Social na Cultura Contempornea.http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/txt_and3.htm, em outubro, 2002
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espaos de fluxos, listas temticas e sites funcionariam como os ns centros de
importantes funes estratgias e centros de comunicao.
Se espao o suporte material de prticas sociais de tempo compartilhado
(CASTELLS:1999), o ciberespao estabelece-se tambm como localidade para as
simultaneidades, para as prticas simultneas. Essas prticas sociais simultneas, na
sociedade informacional, do o tom para o afloramento de outros processos e formas
espaciais. De novo, recorrendo histria da internet, lembramos do impulso, do
desejo como motor (LVY:1999), que antecede criao da world wide web (novo
processo, nova forma espacial), que era a necessidade de facilitar a "navegao"
pelas informaes em rede, atravs de textos, imagens e sons. Um exemplo mais
particular de como as prticas sociais simultneas incentivam o desenvolvimento denovas formas espaciais e processos a criao do Napster16, associado ao MP317
formato digital capaz de reduzir o tamanho do arquivo, mantendo a qualidade de
leitura dos dados.
Programas de compartilhamento de arquivos, como o Napster e o Soulseek
so fundamentais para a circulao livre de arquivos de udio, como o MP3. Por
usarem da tecnologia p2p (peer-to-peer, ponto a ponto, mquina-a-mquina), no
necessitam sofrer qualquer tipo de censura ou controle de servidores, pois os
computadores abertos transformam o ciberespao num enorme computador coletivo
e aplicam a idia defendida pelos hackers iniciais de que "a informao quer ser
livre". Esses programas intensificam processos de produo cooperativa. Para o dj
Angelis Sanctus, o MP3 associado ao p2p coloca em xeque o poder das grandes
corporaes que sempre tiveram controle sobre a circulao da informao, inclusive
de udio.
"O underground deve querer a informao livre!
Defendo o MP3 e a tecnologia p2p pois os
mesmos so instrumentos a ser usados pelo
underground nas redes telemticas, e isso s
possvel devido liberao do 'plo de emisso'
16 Software para o compartilhamento de dados17 Mp3, ou arquivos MPEG1 Layer III so arquivos de udio compactados. 44 kHz, 16-bits, stereo (qualidade deCD) uma msica de 1 minuto, gasta-se em torno de 11Mb; em MP3, o arquivo reduzido em menos 12 vezes.
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da informao. Nas redes telemticas, podemos
ser tambm emissores e deixamos de lado o papel
passivo de consumidores de informao, imposto
pelas estruturas tradicionais das mdias fora do
ciberespao"18.
O que queremos registrar o fato de o ciberespao, como espao de fluxos
(CASTELLS), viabilizar no s a difuso de subculturas, a partir da liberao do
plo emissor da comunicao, como tambm abrir vias para o trabalho coletivo
distncia e incrementar a formao de comunidades temticas, identitrias -
implicando num aceleramento das prticas sociais urbanas. A msica eletrnica e sua
cena no fogem a essas regras19
.
18 http://www.rraurl.com/cena/especial.php?rr_especial_id=41519 A conexo entre a cultura da msica eletrnica e os objetos tcnicos tem ligao histrica desde os primeirosexperimentos (como veremos em captulo adiante), implicando em resultados estticos, mas igualmente emresultados de conformao sociolgica.
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CAPTULO II: Cena, subcultura, undergrounde overground
De que cultura estamos falando? Onde podemos pr a cultura da msicaeletrnica num possvel mapeamento das manifestaes do contemporneo? Qual sua
conexo com o mercado, com os aspectos da trade produo/circulao/consumo?
Os Estudos Culturais desenvolvidos nos anos 80 e 90, com a descoberta da
subjetividade, abriram efetivamente espao para aplicao desses estudos s
subculturas e cultura jovem, com destaque para os temas da subjetividade,
alteridade e diferena, as anlises de recepo e as configuraes identitrias.
Stewart Hall estabeleceu as bases entre o marxismo e a filosofia da
linguagem: pensar a cultura significa pensar a linguagem. Discutir linguagem
significa discutir tambm o signo. Por traz do signo h a discusso inerente sobre o
processo de construo do sentido: o signo ideolgico. Ele s signo quando
lido, sob alguma tica. Os Estudos Culturais se voltam aos estudos da recepo: de
que forma o leitor l o signo, que processo ideolgico h no leitor que o levar a
interpretar o signo (polissmico)?
H, a nosso ver, um avano fundamental desses estudos no momento, pois
retiram da prpria linguagem o poder de bastar em si mesma como expresso fsica
da comunicao e deslocam tambm para o receptor o domnio de fazer essa
linguagem existir. No so mais os signos apenas; mas se esses signos so
reconhecidos e de que forma o so. A interpretao fundamental; mais fundamental
do que a linguagem ela mesma. As alteridades, diferenas e manifestaes
identitrias passam a assumir um posto de destaque nos Estudos Culturais, pois a
partir dessas pontuaes que podemos pensar de uma forma mais concreta a
recepo, a linguagem, a interpretao dos signos.
Os Estudos Culturais se tornam mais interdisciplinares e pensam a
comunicao sob vrios aspectos, inclusive o antropolgico, identificando a
linguagem (e os estudos de recepo dos signos) com o comportamento de grupos
identitrios.
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o caso dos estudos da msica popular. Frith20 cita a pesquisadora Sara
Cohen e suas pesquisas de etnografia sobre os produtores de "young music"21 como
um marco para os estudos sobre o comportamento desses jovens, que produziam
msica pop em Liverpool (UK), durante os anos 80. Para Frith, Cohen e a
antroploga Ruth Finnegan22 criam as bases tericas para os estudos da cultura
jovem, envolvendo a comunicao, a antropologia, a sociologia urbana.
Frith, referenciado em Cohen e Finnegan observa que o envolvimento desses
jovens e sua arte se firma num corpo substancial de conhecimento e num ativo senso
de escolha por parte dos msicos e pblico - os quais tm um claro entendimento das
regras do gnero, das histrias, sem hesitao sobre fazer julgamentos do valor e
significado musical. Ou seja, existe uma cultura presente na "young music" que tembases internas, prprias, auto-referente, onde qualquer discurso "externo", miditico,
significaria passar por uma "aprovao" ou no, ser submetido a uma leitura da
recepo, nesse caso especializada. No caso da cultura da msica eletrnica esse
aspecto bem visvel. O conhecimento e o ativo senso de escolha est presente nos
consumidores dessa cultura, envolvendo djs, produtores musicais e pblico. Um
pblico especializado com capacidade de discernir sobre o que autntico e
underground do que gerado pela indstria cultural. Hoje esse conhecimento seespecializa cada vez mais e a verticalizao e a gerao de culturas musicais
eletrnicas mais especficas tem se dado pela consolidao dos gneros
musicais/estilos (como drum and bass e sua cultura, o house e sua cultura , o techno
e sua cultura, o trance e sua cultura, o rap e sua cultura ...).
Coloca-se a um alto valor na "originalidade" e auto-expresso: a msica
significa a identidade de cada um. Essa caracterstica tambm presente na cultura da
msica eletrnica: a eleio dessa arte como original aciona a formao de tribos, a
partir do compartilhamento de idias e do afeto.
Frith recupera a idia de Finnegan de que a "performance" (a apresentao, o
show) o ponto vital para os que fazem essa cultura, o principal ritual, onde tanto o
20 Ler FRITH, Simon. The cultural studies of popular culture IN Cultura Studies. Routledge, NY, 1991.21 O rock e as bandas pop22 Citada tambm por Frith no mesmo artigo
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pblico como os prprios msicos assumem enorme importncia. a circunstncia
onde acontece a verdadeira experincia da realizao.
Na cultura da e-music esse um ponto crucial. Djs, msica e danarinos
celebram essa cultura, experienciam a realizao nas technoparties e raves:
comprovam sua identidade, seu afeto, sua originalidade.
Frith23, em seu artigo "The cultural study of popular music", acrescenta que,
mesmo no nvel mais "local", tocar msica apenas uma parte de um conjunto de
tarefas mais elaboradas e relacionamentos que envolve o mundo musical. Para ele:
"...o mais simples grupo escolar ou banda de garagem torna-se uma 'banda' por
desenvolver uma rede de suporte de promoters, divulgadores, motoristas,carregadores e fs e seguidores dedicados". Em torno das bandas, monta-se uma
estrutura organizacional onde pessoas assumem tarefas e desenvolvem habilidades
especficas. Alm da noo de comunidade, comea a se estabelecer a a idia de
cena, de super-produo de uma comunidade.
Isso nos permite pensar que fazer msica, para esses jovens, uma expresso
de sociabilidade e socialidade24. Isso inclui novas formas de comunicao onde os
signos passam a ser mais comuns (e internos), produzidos e interpretados para uma
audincia com carter identitrio. Por um lado, os egos individuais e as "diferenas
musicais" presentes numa banda (ncleo de msica eletrnico) fazem com que os
msicos (djs e promoters) entendam que o envolvimento pessoal depende da
habilidade de fazer as coisas juntas. A conexo a msica, enquanto "trabalho" ou
diverso que exige "trabalho" coletivo. Por outro lado, est implcita nessas prticas
uma cultura que os coloca como espelho de si mesmos. A msica articula a
comunidade, juntado pessoas para uma experincia (com)partilhada, estabelecendovnculos efetivos e afetivos. O afeto conecta a tribo. No campo da cultura da msica
eletrnica no ciberespao, podemos pensar na noo de cibersocialidade, que para
Lemos uma juno da noo de Maffesoli associada s tecnologias do ciberespao,
numa relao dialgica.
23 Ler o artigo "The cultural study of popular music", in Cultura Studies. Routledge. Londres-New York (1991).24 Maffesoli entebnde a socialidade como um conjunto de prticas do cotidiano que ausentes de um controle sociale que se baseiam em idias afins em busca do aqui agora e que forma tribos em torno dessas idias.
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"(...) a socialidade contempornea vai investir nas
novas tecnologias. Uma imbricao entre a socialidade
(a partir da sociologia de M. Maffesoli) e a tcnica
contempornea (transformada em instrumento
convivial); a est o que parece caracterizar a ciber-
socialidade"25.
Frith, em sua concluso, faz um retorno a Gramisch ao pensar os promoters,
divulgadores, fs e seguidores como intelectuais "populares" (ou orgnicos), que
reforam e geram um processo "contra-hegemnico" de cultura, informao,
linguagem, comunicao, atravs da msica - a "young music", ou melhor, da cena
da msica.
"Cena" (scene) o que h em torno de um centro (a msica), exatamente pelo
carter amplificador da prpria expresso artstica (msica), envolvendo outros
nveis de trabalho e informao: um "mundo" alm da msica, ela mesma.
Straw (1991) afirma que o senso articulado dentro de uma comunidade
musical normalmente depende de um link entre dois termos: a prtica musical
contempornea, de um lado, e a herana musical. Um projeto esttico, cultural, quase
sempre sem reivindicao, mas consistente na sua informao especfica, na sua
subcultura, no seu capital subcultural.
Se a cena se daria a partir desse linkda prtica musical contempornea e da
herana musical, isso implica em uma corrente cultural que tem referncias
anteriores mas que se adequa e assimila novas mudanas. Cena ento definida por
Straw (1991) como "... aquele espao cultural em que uma escala de prticasmusicais coexistem, interagindo cada uma com outra dentro de uma variedade de
processo do diferenciao, e de acordo com trajetrias de mudana e auto-
fertilizao" 26 (traduo nossa)
Preferimos a noo de cena, para discutir a cultura da msica eletrnica, e no
de "movimento", pois esse ltimo implicaria num projeto poltico, com hierarquias
25 Lemos, A Ciber-Socialidade -Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporneahttp://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/txt_and3.htm, em maro de 200326 "..is that cultural space in which a range of musical practises coexist, interacting with each other within a varietyof process of differentiation, and according to widely varying trajectories of change and cross-fertilization"
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pr-estabelecidas e reivindicaes, estratgias e tticas. Na cultura da e-music,
produzida por uma prtica hedonista, no h reivindicaes, h manifestaes em
torno da arte (a msica) sem carter estratgico nem ttico, sem objetivos a serem
alcanados.
O punk rock quando surgiu, fazia uma ruptura com o prprio rock - trazia
uma nova esttica sonora, bem como novas formas de comportamento. O rock,
anterior ao punk, caminhava sedimentado por uma indstria de entretenimento
enorme, envolvendo grandes aparatos de luz e som potente para multides:
espetacularizao. O punk rock retoma o conceito de garage band, com pouca
tecnologia, poucos acordes e poesia inflamada. Nos anos 70 essa subcultura se torna
mais visvel, invade espaos pblicos, sai dos guetos, aparece nas mdias. Ao chegar mdia, e sem perder seu carter esttico, sua linguagem inicial, sai do underground
e se torna "overground" (Thorton). A visibilidade a cena - "a cena reggae", "a cena
rock", "a cena eletrnica". Cena , enfim, uma comunidade e sua cultura visvel. S
h cena quando h visibilidade, quando a trade produo/circulao/consumo se
consolida. A cena caracterizada pela temporalidade e pela localidade. Esses dois
elementos so fundamentais para a construo da comunidade e para a construo
do sentimento de pertencimento. A temporalidade a rotina no acionamento datrade produo/circulao/consumo e a localidade o ponto fsico (mesmo virtual,
em caso de listas) para essa rotina acontecer.
A cena a existncia de um grupo que elege um local para que suas
manifestaes aconteam com freqncia. Cena a efervescncia cultural contnua e
localizada de uma comunidade.
O tringulo que alimenta a cena - a produo, a circulao e o consumo ofundamento para a profuso de idias e produtos a serem consumidos. A produo se
refere aos produtos materiais (cd, livros, vinis, roupas/moda) e de bens simblicos
(idias, arte). Ao pensarmos em circulao, elegemos os caminhos por onde essa
cultura/arte tenta encontrar seus pblicos: mdias alternativas (sites, listas, fanzines,
flyers, pager, telefonia mvel), as lojas, os bares, as festas. Para existir o consumo
(de bens simblicos e materiais) preciso que exista uma comunidade. Produo sem
circulao, no forma comunidade; comunidade no se consolida sem produo
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contnua. Produo, Circulao e Consumo andam juntos na formao da cena. A
cena seria, ento, a superproduo de uma comunidade.
Apesar do surgimento dos djs acontecer nos anos 50, junto aos fs de jazz
(abordaremos essa questo em seguida), a cena liga msica eletrnica iniciada
com as festas em clubes gays e negros, com a house music, em 1985/86, em Chicago,
nos EUA. E se formos buscar as origens da house, ela se baseia na chamada Era
disco, nos anos 70 ainda, mas j associava sons balricos (qualquer estilo danante)
com destaque para o soul, disco, funk e R&B com as batidas eletrnicas de drum
machine (as atuais groove boxes). Foi o dj Frankie Knuckles quem iniciou as bases
para essa nova msica, no clube gay e negro Warehouse, que terminou dando nome
ao estilo (the house's music, a msica da house).
interessante registrar que, se a origem da cena eletrnica gay e negra e se
baseava em clubes noturnos e surgiu em Chicago (EUA), foi tambm nesta mesma
cidade que, na famosa noite de 12 de julho de 1979, num protesto homofbico e
racista contra a Disco, liderado pelo locutor Steve Dahl, o grupo Disco Demolition
convoca pessoas a, conjuntamente, destruir vinis, decretando a "morte da Disco"27.
Passados 6 anos deste episdio, a mesma cidade proclamaria uma nova msica, em
clubes gays e negros, e que se tornaria referncia universal: a house music. Nesse
mesmo perodo, em Detroit (EUA) as cabeas pensantes do techno (Juan Atkins,
Derrick May e Kevin Saunderson) produziam tambm sua msica experimental e
sinttica. Entre o techno de Detroit e a house de Chicago, a diferena eram os clubes,
onde os djs, em Chicago, mantinham o clima sado da disco, associando msica e
comportamento a cena, ela mesma.
No final dos anos 80, incio dos 90, uma outra cena chama a ateno domundo. E tem como base a Inglaterra. So as festas de "acid house", caracterizada
pela presena de djs e de house music, mas acontecendo em ambientes abertos em
campos ou galpes abandonados na periferia de Londres, sendo chamada de "raves"
(nome dado pela imprensa inglesa). Ao som da msica hipntica, as drogas como o
Ecstasy (ou MDMA, XTC, E., X, Adam) e o cido (LSD) tambm estavam
presentes. Como idias principais, os ravers acredita(va)m no dogma Plur (peace,
27 STERLING, Scott. Can You Fell it?. Revista URB, pgina 103, nov/dec/2002.
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love, unity and respect- paz, amor, unidade e respeito). A msica, "executada" em
pick ups (pratos toca-discos de vinil) por dee jays, envolvia ravers em danas por
horas a fio, numa grande celebrao tribal de alegria e xtase.
Acontecendo fora das mdias, essa cena sempre usou suportes de divulgao
independentes das mdias comerciais. Flyers, telefones mveis, sites, chats, listas de
discusso na internet eram - e so - os principais recursos de divulgao dos eventos
e idias em torno da msica eletrnica, sempre baseados na alta tecnologia. A cena,
portanto, marcada pelos conceitos do underground (msica experimental sem
carter comercial, formas alternativas de informao...) at que foi se tornando - as
raves, as technoparties - uma possibilidade de lucro, um negcio, um
empreendimento. Promoters mais comerciais entram na cena e levam-na para omainstream, para o mercado: as raves passam a ser produto de consumo e ganham
espao em mdias tradicionais.
Um dos artigos mais interessantes sobre a cena dita rave e a mdia o de
Sarah Thornton28 (1994). Ela se volta ao surgimento da cena na Inglaterra (em fins
dos anos 80 e incio dos 90) e retoma essa discusso nos Estudos Culturais,
discutindo o que ela chama de "pnico moral".
Thornton abre seu artigo criticando os estudos anteriores que sempre
procuram recuperar a idia de que "cultura" o que est fora das mdias. Ela acha
que a prpria academia refora esse equvoco quando utiliza termos que trazem um
discurso anti-mdia, com chaves "comercialXhegemonia", "produtor
vendvelXincorporado", "undergroundXsubcultura". Thornton quer, em seu artigo,
mostrar que sempre houve uma vinculao direta entre a mdia tradicional e as
culturas, inclusive as populares. E que uma no sobrevive sem a outra; uma necessitada outra para se fortalecer.
A cena "acid house" (primeiro nome das festas raves na Inglaterra, por tocar
principalmente acid house music e ter a presena de drogas como o LSD sempre
sofreu uma cobertura sensacionalista dos tradicionais tablides ingleses, que
destacavam o uso de drogas. Ao atacar a cena acid house, esses tablides publicizam
28 Ler o artigo "Moral panic, the media and british rave culture", in Microphone fiends. Routledge. Londres-NewYork (1994).
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cada vez mais a cena e terminam por fortalec-la. As festas, nessa poca chegam a
ter um pblico de 8 mil a 15 mil pessoas e aconteciam nos campos da Inglaterra.
Passaram a ser uma preocupao oficial a tal ponto que o governo britnico criou
legislao especfica que proibia festas fora da cidade com "msica repetitiva" 29.
Thornton afirma que, se a mdia fazia discurso sensacionalista e distorcia a
informao, isso por outro lado criava a necessidade da cena da acid house inventar
seus instrumentos de comunicao para rebater as informaes, fazendo surgir
suporte alternativos de mdia, como fanzines, flyers, e fazendo uso de redes de
computadores. Se a cultura underground tida como ilcita, a mdia (ao invs da
polcia) quem aprisiona, atravs da interpretao (construo de sentido) para as
outras camadas sociais. Da a necessidade de instrumentos de respostas. Nesse vai evem de discursos, de construo de sentidos, a prpria cena quem ganha espao,
quem cresce e o jornalismo sensacionalista vende. Ao desaprovar moralmente as
acid house parties, os tablides mostram um pnico moral que nada mais que a
"metfora que descreve uma sociedade moderna cheia de medos sobre suas prprias
virtudes" (THORTON:1994).
Para melhor entender essa relao de conflitos entre cultura jovem e mdia, de
discursos, de construo de sentidos, Thornton pede ao pesquisador que observe: 1.
de que forma o discurso jovem posiciona a mdia?; 2. como a mdia se
instrumentaliza diante dessa cultura? Thornton quer alertar que na verdade a
juventude se ressente mais se os mass media aprovam sua cultura: sua cultura
rebelde e no deve ser aprovada pela mdia, representante do status quo. Se a
juventude tiver sua cultura rejeitada, a sim, haveria radicalidade nela. Por outro lado,
os Estudos Culturais tendem a posicionar, segundo Thornton, a cultura jovem como
inocente vtima das verses negativas da mdia, quando a mdia trata a cultura jovem
como qualquer outro produto de mercado, vendvel, enquanto notcia.
Ela cita o exemplo de como se d o pnico moral. Enquanto a BBC londrina
afirmava atravs de um dj entrevistado que a cena acid house nada tem a ver com
29 No Brasil, em maro de 2003, numa medida indita, o governo de Santa Catarina suspendeu a liberao dealvars para a realizao de festas raves em todo o Estado. Segundo informativo do site Terra , "a medida tem porobjetivo frear o grande consumo de drogas sintticas. http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,5580,OI96813-EI306,00.html
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drogas30, o selo de vinil acid tracks descreve o som como "drug induced",
"psychedelic". O pnico moral se d sempre na relao entre mdia e cultura jovem,
mas , significativamente uma estratgia eficaz de marketing. A indstria cultural, ao
contrrio do que se defendia, gera idias e incita a prpria subcultura. o caso da
disseminao da droga Ecstasy (MDMA) que terminou amplamente sendo divulgada
pela prpria mdia, ao ponto da revista Melody Makerproduzir um guia de uso da
droga.
Thornton, na discusso sobre cultura jovem e mdia, afirma que os Estudos
Culturais exageram: vem de forma estereotipada os produtos da indstria cultural e
exageram a presena da resistncia (subculturas), quando os dois sempre estiveram
interdependentes historicamente. Os mass media tornam as subculturas politicamenterelevantes.
A cena no Brasil
Que marco podemos eleger como o incio da cena brasileira?
O dj Camilo Rocha acredita que no existe um marco mas vrios momentos
que foram decisivos para cena brasileira chegar onde est. "Nation (clube de SoPaulo) com Mauro Borges e Renato Lopes; Mau Mau e Renato no Sra. Krawitz, o
programa de rdio que eu e Renato fazamos na Nova Dance em 1993; a coluna
Noite Ilustrada, da Erika Palomino, os DJs Julio e Marky na periferia de So Paulo
etc"31. Para o dj, a principal diferena (entre a cena inicial e a de hoje) o dinheiro e a
existncia de pessoas que esto nisso por dinheiro. "Isso no existia antes porque
msica eletrnica no dava dinheiro. Colocado de outra forma, antes havia s o ideal
30 Drogas so uma longa discusso na cena, ou nas cenas ligadas juventude. Normalmente a mdia faz umaatribuio direta da droga msica. Foi assim com o Rock (cocana, maconha); assim com a e-music (ecstasy,lsd), ser assim com qualquer outra expresso artstica e cultural da juventude no futuro. As drogas estopresentes na cultura jovem e no numa associao direta ao estilo de msica, embora no se possa negar aausncia delas. Um dos pontos altos dessa associao, no Reino Unido, em 1994, leva as autoridades britnicas aaprovarem o famoso "Criminal Justice Act", que proibia festas ao ar livre com msica repetitiva. Uma lei anterior, de1990 (a "1990 Brighton Act) foi instrumento para uma das maiores prises em massa da histria britnica, com oencarceramento de 836 frequentadores de uma rave prximo a Leeds, em um armazm abandonado. 17 foram
autuados e o dj Rob Tissera permaneceu na priso por 3 meses. Ele oi acusado de incentivar o pblico a continuardanando. Na histria da cultura dance, um outro momento, em Nova York, o dj um fora da lei: o prefeito daquelacidade, Rudolf Giuliani, ordena a aplicao de cartazes com a inscrio "No dancing", em boa parte do bares.31 Entrevista cedida por e-mail (ver anexos)
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e a vibe; e hoje, embora ainda existam a vibe e o ideal, eles so muitas vezes
corrompidos pela ganncia"32.
Gaa Passarelli, jornalista, em matria "As primeiras raves a gente nunca
lembra", publicada na Dj World (no. 09, pgina 66), informa que, em 1992, a marca
de cigarros L&M realiza a The Dance Party em So Paulo, Porto Alegre e Curitiba,
com um pblico de 2 mil pessoas por cidade e apresentao dos estrangeiros Moby e
Altern 8. O dj Maurcio (hoje Mau Mau) era o nico que acompanhava a turn.
Segundo ele, essa foi a primeira rave brasileira. Na verdade, s em 1994 aparece a
primeira festa com caracterstica de rave (festa fora da cidade, ao ar livre, decorao
psicodlica, malabares) em Atibaia (interior de So Paulo) Naga Naja sob a
promoo dos ingleses Cullen e Shane Rughes, em visita ao Brasil, que reuniu, cercade 400 pessoas.
O Brasil entra atrasado na Cena mundial da Cultura da Msica Eletrnica.
Basicamente em 1994, o Hells Club de So Paulo (na poca com o nome de Velvet
Underground) marca com maior visibilidade o incio da Cena no Pas (msica
underground eletrnica, djs, comportamento de tribo, bebidas energticas, drogas,
etc). Nada impedia que, antes, djs, promoters e jornalistas tivessem acesso msica
"techno". Camilo Rocha escreve33 que, j em 1988, quando era dj do Club Nation
junto com o dj Renato Lopes, viu chegar, em meio a alguns vinis importados, a
coletnea The Sound of Detroit Tecno, provavelmente o primeiro a chegar em So
Paulo.
Os djs Mau Mau, Renato Lopes e Julio, de So Paulo, apostam no novo som
experimental e minimalista e influenciam novas geraes de djs. Mas s em fins de
95 acontecem as primeiras festas ao ar livre (em praias ou stios) dando incio scaractersticas de uma Cena rave brasileira. Comeam a surgir grupos organizados
(Avonts, Groove Babylon, Psycodelic Underground) intensificando a produo de
festas e a conseqente ampliao do pblico.
Passados alguns anos, o Brasil palco, no s em So Paulo e em outros nos
grandes centros urbanos, de manifestaes impressionantes em torno da msica
32 Citaes sem referncias, a partir de agora, foram originadas em entrevistas cedidas por e-mail (ver anexo)33 Ler Como tudo comeou, de Camilo Rocha, no site Rraurl, na urlhttp://www.rraurl.com/html/cena/textos/historia.html, em 21.09.1999.
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eletrnica. Raves em Cuiab, Macei, sul da Bahia, Salvador, Belo Horizonte,
Braslia, Rio de Janeiro, Belm, levam milhares de pessoas para pistas e ambientes
abertos recheados do som minimalista durante horas e horas. Djs nacionais
percorrem o Pas, djs estrangeiros fazem performance no Brasil. H uma intensa
produo de flyers, criao de sites, chats e listas de discusso. Webzines e fanzines.
Formam-se grupos organizados - os coletivos - (Pragatecno e Nois Mess, em
Macei; SoononmooN, em Salvador; EWMem Belm; BUM, no Rio de Janeiro) para
responder glocalmente ao chamado dessa cultura rizomtica. O Brasil finalmente
parece ajustar seu relgio com as horas da Cultura da Msica Eletrnica mundial.
Em 1998, o Mercado Mundo Mix (MMM) promoveu no Brasil, em So
Paulo, a primeira parada de rua, com trios eltricos, clubers e ravers, onde djstocavam msica eletrnica: a Parada da Paz, experincia baseada na Love Parade de
Berlim, voltou a acontecer em 1999, em novembro, e tem outra prevista para o ano
2000, sempre em So Paulo. Est previsto tambm para o carnaval do ano 2000 em
Salvador, na Bahia, em plena Praa Castro Alves, uma concentrao tecno com trio
eltrico, sob a coordenao do Mercado Mundo Mix. O undergroundquer ganhar as
ruas e massificar seu conceito, arregimentando novos clubbers e ravers para a Cena.
Um dado que chama a ateno a crescente produo de msica eletrnica
gerada por djs e msicos brasileiros. Habitants, M4J, Nude, Oil Filter, Ranilson
Maia, Renato Cohen, Mau Mau, Pink Freud, Friendtronik, Andr Gismonti, Sinister,
Cyberspace, In Project, Dj Dolores, M-Jop, Jason Bralli, Space Tribal, Currupyo,
Alpha 5, Dj Dolores, Level 202, Dr, Alm, Bid, Anderson Noise, Loop B , para citar
alguns. O Habitants, formado apenas por um msico - Renato Malin - vende 8 mil
cpias de seu cd caseiro Home (quantidade bem razovel se levado em
considerao o fato deste tipo de produo estar muito mais associada a dj e
clubbers). H empresas do mainstream que comeam a investir na difuso de
trabalhos mais experimentais: a Sony Music (que distribuiu o Habitantes e
Friendtronik) e a Trama Music.
Empresas do mainstream divulgando a produo independente? Esse cenrio
tende a crescer e at conviver com a msica de vanguarda, mais experimental. O
mainstream no vai querer perder esse filo. No foi toa a MTV ampliou a suaprogramao voltada para a msica eletrnica, com o especial AMP, ou revistas de
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tradio roqueira ou no abrem editorias para a eletrnica. Mas o mercado
independente tambm garantir os projetos mais undergrounds, tendo em vista a
autonomia e a centralizao dos processos de produo desta msica.
Coletneas so lanadas de forma independente e com qualidade profissional,
tanto em cd quanto em vinil. No Rio de Janeiro a Utter Records j produziu duas
coletneas (Utter Dance Collection I e II); o BUM34, duas (Underground Beats I e
II); o Mercado Mundo Mix tambm lanou duas coletneas (uma em cd - Eletronic
Music Brasil- e uma outra em vinil). O Pragatecno produz a primeira coletnea do
Norte-Nordeste em cd duplo, editado pela Utter Records. Surgem selos como o
Bossa Nova Records, Mundo Mix Music, Cri Du Chat, Innnerground, sem contar
com vrios selos caseiros no registrados - alis, caracterstica muito presente namsica eletrnica.
O Brasil tambm conta com excelentes djs profissionais, com elevado
conhecimento tcnico no djing e de excelente background (referncias e
conhecimento aprofundado da cultura disco e eletrnica). O fato de djs brasileiros
comearem a sair do Pas como profissionais um elemento ponderador dessa
qualidade - Marky, produtor e dj de drum and bass, sado da zona leste de So Paulo,
toca em vrias festas na Europa, sendo residente em clubes de vanguarda de drum
and bass em Londres.
Dj ingls Carl Cox (escolhido como o segundo melhor dj do mundo em 1998
pelos leitores da revista londrina DJ) elege uma faixa do brasileiro Mau Mau (This is
tropic) para seu set list- mostrando para o mundo que a produo do nosso Pas tem
qualidade exportao.
Um outro aspecto interessante a qualidade das festas e noites fixas em So
Paulo, sem dvida o principal centro de produo da Cultura da Msica Eletrnica
no Pas. Clubes como A Lca, Manga Rosa, Lov.E apostam na segmentao, no
amadurecimento da Cena, e trabalham com pblicos mais especficos, onde djs
fazem residncia (atuam como contratados, fixos) por dia e at por horrios,
34 O BUM o Brazilian Underground Movement do Rio de Janeiro. Um coletivo com cerca de 20 pessoas entredjs, promoters e monitores que organizam eventos (festas e raves) na Baixada Fluminense. Alm de eventos, elesproduzem cds e vinis e editam o Cena Brasil, um fanzine nacional sobre msica eletrnica e mantm um site na urlhttp://www.iis.com.br/~digital/bum.
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podendo o clube ter mais de um, dois, trs djs da casa; at mesmo numa nica noite.
O Clubes paulistanos Lov.E e o A Lca, por exemplo, contam com after-hours, alm
de sua programao normal noturna e com noites especializadas em estilos.
A Cena paulistaconta com bares de chill in (bares com msica ambiente, sem
pista) e tambm de chill out(bares para ps-festas, relaxamento, com msica menos
acelerada). As raves atuais, alm de uma programao que se extende das 23 horas
at o meio dia do dia seguinte, conta com vrias atraes, live pas (apresentao ao
vivo dos msicos) e diferentes pistas para os diferentes pblicos. As programaes
dos eventos no Pas esto sempre presentes na Internet (listas, chats e sites como o do
Rraurl, na url www.rraurl.com) que informa, por cidade, a hora e local dos eventos,
reforando a conexo tribos-msica-ciberespao.
O ano de 1999 trouxe tona uma face interessante em torno da Cultura da
Msica Eletrnica, da Cultura Rave, no Brasil. A Facom - Faculdade de
Comunicao - da Universidade Federal da Bahia, atravs do Grupo de Pesquisa em
Comunicao e Cultura no Ciberespao promoveu, em abril (20 e 30) o evento Soul
Cyber sobre msica tecno-eletrnica, com palestras L'Ame Sueur - O Funk e as
Msicas Populares do Sculo XX, com Olivier Cathus (GREDIN/Paris V, Sorbonne)
e a mesa redonda A Cultura Tecno-Rave Hoje com as presenas de Hermano Viana
(antroplogo/RJ), Andr Lemos, (UFBA), Messias Bandeira (UFBA) e Cludio
Manoel (Pragatecno/AL). O SoulCyber35 culminou com uma technoparty no Teatro
XVIII, no Pelourinho, em Salvador, reunindo cerca de 300 pessoas.
Em Macei, no Departamento de Comunicao Social da Universidade
Federal de Alagoas, o Ncleo de Pesquisas em Comunicao (Nepec) promove, em
23 de julho, o lanamento do Projeto Multireferencial36 sobre arte, cincia etecnologia e convida os djs Ender, Jesenska e Angelis dos Sanctus que fazem uma
apresentao no prprio campus com um set de house underground, techno, jungle e
big beat.
Em Braslia - onde acontece uma forte Cena de Msica Eletrnica -, no dia 21
de agosto do mesmo ano, foi realizado o evento Pensoteka, uma festa com
35 Foram realizadas mais duas edies deste evento, sempre com djs e msica eletrnica.36 O Projeto Multireferencial coordenado pelo professor-doutor Pedro Nunes Filho e est na urlwww.chla.ufal.br/multireferencial
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importantes djs da cidade (Mazeone, Oblonqui, Linkage, GHopper e Jason, dentre
outros). O Pensoteka contou com a palestra Techno ou msica como sintoma com o
filsofo Vladimir Sefatle e a debatedora ngela Lobato (psiquiatra). O evento, que
contou com computadores conectados na internet e direcionados para sites temticos,
aconteceu das 16h s 2h da manh em 3 ambientes (Djenios, Vivos e Falantes) e foi
transmitido pela Internet, atravs de webcam. Msica eletrnica, redes de
computadores e comportamento chamam a ateno de pesquisadores e so criados
fruns de reflexo, inclusive envolvendo pessoas diretamente ligadas Cena.
No ano de 2001, ao cena brasileira referncia fora do Pas. A cena brasileira
tem pista quente e djs talentosos. Primeiro foi o dj Marky. Surgido da cena leste de
So Paulo rea perifrica de So Paulo Marky j era consagrado no Brasil por suatcnica, repertrio e forma empolgante de tocar. Na parada da paz, de 2001, o carro
(trio eltrico) de Marky era o mais concorrido e foi o ltimo a encerrar as suas
atividades.
Era quase impossvel que, numa cena globalizada da eletrnica, seu nome no
fosse reconhecido em outros pases. A Inglaterra sempre foi o foco principal do drum
and bass, primeiro pelo fato de que o estilo ter surgido l, em meio aos guetos negros
da cena hip hop hardcore, segundo por manter vrias festas temticas (a Movement
a principal). E l estava o dj ingls Bryan Gee que viu Marky e fez sua introduo
em Londres, para o mesmo ter seu espao reconhecido internacionalmente.
O Bryan Gee o "embaixador dos djs brasileiros de drum and bass" no
introduzia apenas o dj Marky na cena mundial, mas a prpria cena brasileira de drum
and bass. O caminho foi aberto e outros djs so reconhecidos, como o dj Patife, com
seu drum and bass com bastante referncias de nosso samba e bossa nova.
Uma outra figura ilustre o dj Renato Cohen, de So Paulo, que esse ano teve
seu nome reconhecido e foi apresentado por nada menos que um cone do techno
internacional, o dj Carl Cox, respeitado por sua tcnica, estilo, pesquisa e sua longa
trajetria na cena mundial. Cox no s elogiou a produo de Cohen, em seu projeto
Level 202, mas incluiu sua msica no top 10, em seu repertrio principal.
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A festa Zen, que acontece em Vancouver (Canad), de sexta a domingo,
convidou 3 brasileiros para o evento: os djs Luis Pareto, Marco Morcef e Lcio K37.
os dois primeiros de house (SP) e o ltimo de drum and bass (RJ). Junto com eles,
gente como Pure Science e Asad Rizvi. Os brasileiros no conseguiram ir, por
burocracias de passaporte e visto.
Se o Brasil j circuito obrigatrio para djs internacionais, djs e produtores
brasileiros passam a ser mais constantes nos circuitos internacionais. O motivo
basicamente um: a pista brasileira animada e tem informao. No s em grandes
eventos como o Skollbeats (que reuniu 47 mil pessoas nu nico dia) ou Parada da Paz
(que reuniu em sua ltima edio de 2002, em So Paulo, cerca de 17 trios eltricos,
100 djs e 200 mil pessoas, segundo a Prefeitura de So Paulo). Mas em evento maisconceituais, como o projeto Fucked! de Luis Pareto e Marcos Morcerf, que traz djs e
produtores do selo (e sound-system) Reverberations, de Londres, que rene - Asad
Rizvi, Ravi McArthur & Tom Gillieron.
Em janeiro de 2003, em Salvador, numa comemorao aos 5 anos de
fundao do Pragatecno, djs e promoters de vrias cidades do Norte e Nordeste se
renem numa intensa programao de 4 dias, entre mostra de vdeos, palestras,
debates, shows, festas, lounges e workshops no evento Conex@o que se pretende
anual. O destaque desse evento o fato de ele ter reunido os integrantes da lista
PragatecnoBrasil pela primeira vez, comprovando a relao entre ciberespao e cenas
urbanas.
Toda essa informao em torno da cena brasileira da msica eletrnica
circulava atravs do ciberespao a partir da comercializao da internet no Brasil o
que viabilizou e a criao da lista de discusso Br-raves e do site Rraurl. Tanto alista quanto o site so frutos da liberao do plo emissor da informao propiciado
nas redes telemticas.
Se Brasil uma pista emergente no cenrio mundial com uma intensa
histria desde os anos iniciais da dcada de 90 - esta emergncia a representada no
ciberespao, referenciando vrias cenas locais, geograficamente distantes dos
grandes centros urbanos.
37 Por questes burocrticas de liberao de visto no conseguiram embarcar.
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Os Estudos Culturais, elegendo temas como cena, subcultura e underground,
nos ajudam a pensar o desenvolvimento da cena brasileira em sua conexo com a
cena mundial e nos do subsdios para aplicar essas noes ao ciberespao e sua
cultura. Cena, subcultura e underground s podem ser pensados em relao s redes
telemticas a partir da liberao do plo de emisso da informao essa liberao
que conforma a possibilidade de visibilidade da cena (em sites, listas de discusso
etc) e refora a idia de msica e tecnologia.
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CAPITULO III: Msica e tecnologias
Os primeiros botes
A referncia comum da deflagrao da msica eletrnica tem sido asexperincias da Eletroacstica nos anos 50, na Alemanha e, na seqncia, os anos 70,
tambm na Alemanha, com o Kraut Rock do Kraftwerk. Essa msica ganha mais
visibilidade nos anos 85/86, com a inveno do techno de Detroit e a house de
Chicago, nos EUA, associando msica e pblico, msica e cena.
No entanto, se fomos buscar historicamente as primeiras tentativas de gerao
de novos instrumentos sonoros para produo de sons sintticos, no acsticos,
encontramos referncia desde 1860. Objetos tcnicos foram criados desde ento para,
baseados em fontes eletrnicas, sintetizar sons. Interessante notar que, j nesta data,
o fsico e matemtico alemo Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz escrevia
sobre o tema. Era o histrico ensaio "Sensations of Tone: Psychological Basis for
Theory of Music"38, onde o autor se apoiava em experincias tcnicas para discutir a
relao entre tecnologia e som. Helmholtz construiu um controlador eletrnico
musical, chamado Helmholtz Resonator, para analisar combinaes de tons. Sua
pesquisa, no entanto, tinha carter meramente cientfico, tendo como referncia a
Fsica e no a Msica, ou seja, sem finalidades estticas. Tambm a essa poca, o
italiano Ferruccio Busoni, compositor e pianista, produziu o ensaio "Sketch of a New
Aesthetic of Music"39 esse sim, discutindo questes de carter esttico sobre as
"novas" tecnologias para a produo musical.
Em 1876, o inventor americano Elisha Gray cria o seu "The Musical
Telegraph". Aqui esto presentes dois elementos associados msica eletrnica.Primeiro, a gerao de sons sintetizados no acsticos; e, segundo, a sua
ordenao, a ordenao desses sons. Gray descobriu que poderia controlar o som a
partir de um circuito eletromagntico e gerar uma nota musical diferenciada, alm de
ter construdo um dispositivo de alto-falante para fazer suas notas audveis, podendo
ser transmitido atravs de linhas telefnicas eletromagnticas. O objeto tambm
38 http://www.obsolete.com/120_years39 Mais informaes sobre o ensaio podem ser encontrados em http://www-camil.music.uiuc.edu/Projects/EAM/busoni.html, em janeiro de 2003.
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chamado de "Harmonic telegraph" - uma pequena caixa com circuitos eletrnicos
e com teclados (piano).
Uma das grandes invenes aparece em 1917, na Rssia. Lev Sergeivitch
Termen cria o Theremin (tambm chamado de Aetherophone - som do ter). O
Theremin um instrumento musical que usa circuitos eletrnicos e produz tons
audveis. O incomum deste objeto a forma de manipulao. O Theremin (ainda
usado por bandas contemporneas como o projeto de trip hop Massive Atack)
controlado virtualmente pelos movimentos da mo. O msico no toca fisicamente
no objeto. O Theremin uma caixa com duas "antenas" as antenas captam o
movimento das mos do msico. O movimento de uma das mos controla o pitch
(rapidez da execuo da nota) e o movimento da outra mo controla o volume. interessante frisar que, nesta inveno, o carter experimental aparece em 3
momentos. Na inveno ela mesma; na elaborao de sons sintticos baseados na
eletrnica; e na forma de produo e controle dos sons. Como o movimento das
mos que produz o som - ou o movimento do corpo o Theremin abriu espao para
seu prprio desdobramento, sua prpria reinveno. Aparece em seguida o
Terpistone, um Theremin adaptado por Leon Termen, para ser usado por danarinos.
Os movimentos do corpo desses danarinos seriam captados pelas antenas damquina e gerariam a msica. Fica subentendido aqui que uma platia, e o seu
movimento coletivo dos corpos, poderia produzir msica, uma msica coletiva, a
partir do Terpistone40.
Nos anos 30, com a assimilao de novos objetos geradores de msica, o que
chama ateno nesse perodo o fato de compositores escreverem trabalhos
especificamente para esses instrumentos. O compositor Paul Hindemith escreve a
pea musical "Concertina for Trautonium and Orchestra". Ainda na dcada de 30
(1935) inventado o Magnetophone conhecido como o primeiro gravador de fita
magntica. Eis tambm uma das grandes invenes. Aqui aparece a primeira
possibilidade de armazenamento e um novo tipo de manipulao do som. Esse
equipamento foi reapropriado e resignificado. Sua funo principal era gravar
(arquivar) sons para posterior audio. Mas seu sistema mecnico possibilitava a
reverso dos sons, alterao da velocidade de reproduo e at a sobreposio de
40 http://www.obsolete.com/120_years/machines/theremin/index.html
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diferentes trechos sonoros. Havia, portanto, a possibilidade da utilizao deste objeto
tcnico como produtor (e no apenas reprodutor) sonoro, como instrumento musical,
criador de novas experimentaes, de inovaes estticas. O francs Edgar Varse ao
utilizar esses recursos, discute a relao entre a mquina e processos criativos. Ele
mostra que novas mquinas e funes tcnicas dessas no s interferem nos
processos criativos, mas alteram e propem novas estticas. Isso nos remete aos anos
80, com o surgimento da TB 30341. Esse instrumento serviria como um msico
virtual, a ser acompanhado por outros instrumentistas. No deu certo. As linhas
meldicas produzidas pela TB 303 saam distorcidas e esse objeto ser tornou lixo
industrial. Um erro de mercado. Um erro da indstria. Um erro? Lixo tecnolgico,
at que foi reapropriado pelos produtores de msica eletrnica no final dos anos 80,
incio dos 90. At aquele perodo, tinha-se duas principais vertentes (estilos)
predominantes de msica eletrnica: a house music de Chicago e o techno de Detroit
(incluindo o gnero Eletro). Com o uso da TB 303, a house music se reinventa em
um novo estilo chamado acid house, pela incluso de timbres cidos, agudos e
distorcidos, sados da TB 303. A acid house foi um momento de extrema importncia
para a cena inicial da msica eletrnica, principalmente na Inglaterra, onde as festas
de multides fora da cidade (de 5 a 15 mil pessoas) eram chamada de acid house
parties (antes de a imprensa sensacionalista inglesa denomin-las de raves).
A presena da TB 303 na produo musical eletrnica confirma dois aspectos
a serem destacados:
1 - As novas tecnologias sonoras determinam o avano esttico da msica
eletrnica. O surgimento de novos suportes digitais e at mesmo analgicos abrem o
leque da experimentao e descoberta de novos timbres sonoros e colagens.
2 - Novos suportes so capazes de propor novas estticas. A TB 303 teve uma
nova funo a ela conferida (no mais servir como base para um msico
acompanhar), mas o de ser tornar um instrumento de frente, a partir de sua
reapropriao por parte do msicos eletrnicos. bom lembrar que, em resposta aos
41 A indstria de instrumentos musicais eletrnicos produziu a famosa TB 303, uma caixa de sequenciamento delinhas de baixo
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timbres cidos da acid house, surge a vertente deep house42, com timbre amenos e
meldicos.
Podemos fazer aqui uma outra conexo dessas idias em torno da TB 303
com os toca-discos usados pelos djs. Criadas para "rodar" os discos, esses toca-
discos so resignificados: passam a ser usados como instrumentos musicais, como
instrumentos produtores de sons - e no apenar reprodutor. As pick ups e as tcnicas
que elas propiciam (scratch, back spin, back to back, acelerao ou diminuio do
pitch43) passam a ser instrumentos percussivos e de efeito, na performance do dj.
Essa correlao tcnica X esttica est sempre presente na histria da msica.
Desde o ensaio de Helmholtz a reflexo documentada. O surgimento de um novosuporte sempre coloca em discusso as formas de produo da arte envolvida. A
msica, a fotografia e o cinema, em suas histrias, so marcados por esse debate.
H, na histria da msica, momentos de sistematizao de idias interessantes
e sempre associadas a nova forma de usar ou ao surgimento de tecnologias, dando
base para no s um novo estilo musical, mas um movimento esttico. Em 1948, em
Paris, o pesquisador Pierre Schaeffer (1910-1995) sistematiza sua pesquisa sonora,
por exemplo, e a denomina Musique Concrte44, onde efeitos de gravaes e
manipulao sonora era a base esttica o processo de uso dos recursos tcnicos em
destaque.
Mas as experincias de maior expresso do ponto de vista da sistematizao
de idias sobre tecnologia e msica acontecem logo em seguida, na Alemanha. Em
1952, em Koln (Colnia), pesquisadores usam e desenvolvem um novo conceito
esttico. So jovens compositores, entre os quais Karlheinz Stockhausen e PierreBoulez. So os pensadores da Elektronische Musik ou msica eletrnica pura: sons
so sintetizados ou gerados utilizando-se aparelhos eletrnicos. Posteriormente, aps
os avanos desses estudos, surgem mais experimentaes e a Eletroacstica
42 Ver glossrio (Anexos)43 Scratch a tcnica de usar o vinil, em movimentos rpidos de vai-e-vem, como elemento de percusso. Backspin consiste na tcnica de volta abruptamente o vinil para trs. Pitch um dispositivo para aumentar ou diminuir avelocidade do prato toca-discos, facilitando a colocao de duas msicas de tempo diferentes na mesma bpm(batida por minuto, velocidade da msica) para gerar a fuso das mesmas.
44 Segundo Paulo Motta, " utilizando gravaes gramofnicas de efeitos diversos. Estes sons eram manipuladospela alterao da velocidade, superposio de timbres em vrios canais do gravador, corte e remontagem de fitamagntica (tendo em vista fixar a durao dos sons), dentre outros procedimentos", emhttp://www.artnet.com.br/~pmotta/5muealea.htm#5.1, set. de 2002.
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conceituada como a conexo entre timbres eletrnicos puros e timbres acsticos. A
pea Gesang der Jngling (O Canto dos Adolescentes), de Stockhausen, a principal
e pioneira referncia dessas experimentaes. O compositor alemo usa sonoridades
acsticas e naturais (a voz de uma criana) com sonoridades eletrnicas puras
(sadas de equipamentos eletrnicos).
Interessante documentar que, enquanto em 1944 se construa o primeiro
computador (o Eniac), j nos anos 50 aparecem as primeiras tentativas de construo
de softwares para produo musical. O software Music1-V & GROOVE, criado em
1957 por Max Mathews, do Bell Laboratories, teve sua segunda verso lanada
imediatamente e rodava em plataforma IBM 704, escrito em linguagem assembler.
MUSIC V foi desenvolvido por vrios outros programadores e as verses maisavanadas eram as produzidas por Barry Vercoe (do MIT) e John Chowning e James
Moorer da Stanford University, que criaram o MUSIC 10 software. Destacamos o
fato de, a exemplo da criao de novos suportes (hardware) para gerao de som, a
msica tambm motivou o processo de acelerado da criao de software,
participando e incrementando o avano da prpria informtica.
Em 1956 surge o primeiro sintetizador, o "The RCA Synthesiser", ou o RCA,
ou ainda The RCA MKII synthesiser, criado no Colombia-Princeton Electronic
Music Center. A inveno dos engenheiros Harry Olsen e Hebert Belar do RCA's
Princeton Laboratories. A inveno tinha o propsito de se tornar popular para a
produo musical, o que no aconteceu, mas motivou e inspirou um bom nmero de
jovens compositores eletrnicos nos anos 50. Fala-se que foi o documento "A
Mathematical Theory Of Music" (1949) que teria inspirado os engenheiros a criarem
o RCA. O documento propunha uma mquina para gerar msica baseada num
sistema de probabilidade rondnica (de reproduo aleatria repetitiva de um trecho
sonoro).
A teoria de popularizao por trs do RCA era simples: acoplar trechos de
msicas j criadas em sistemas de alternncia, baseado em sistemas da matemtica,
para gerar novas msicas, a partir da escolha do usurio mesmo leigo em teoria
musical - facilitando os processo de criao, da o carter popular do equipamento.
Identificamos aqui, primariamente, a idia do sample, da amostra sonora (um recorte
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de som a ser usado em conjunto com outros recortes), um dos elementos criativos da
msica eletrnica.
O RCA trazia os dos conceitos da msica eletrnica: o sample (a amostra
sonora e sua reutilizao) e o loop (a repetio contnua de um trecho musical).
Destacamos tambm a possibilidade de, j a, pensarmos a msica, essa intermediada
por mquinas, como um banco universal de dados sonoros. Dados sonoros dispostos
manipulao pelas tecnologias do digital, incorporando a perda do domnio total
sobre a autoria, na medida em que esses dados podem ser reelaborados, manipulados
infinitamente, diluindo o "original" e centrando a originalidade no modo de fazer, no
processo de confeco. A autoria estaria no processo e no no produto final, que