Misiones ante o avanço brasileiro: a fronteira Brasil-Argentina na visão de
Juan Bautista Ambrosetti (1891-1894)
Bruno Pereira de Lima Aranha 1
O avanço da fronteira na Argentina oitocentista 2
Situada no nordeste da Argentina, Misiones é a província mais oriental do território
argentino e uma das que mais tardiamente se integrou no processo de construção do Estado
nacional, tendo em conta o contexto político de anexação dos territórios ao norte e sul de
Buenos Aires que ainda não estavam sob o controle efetivo do Estado durante o século XIX.
Faz parte da região conhecida como “Mesopotâmia argentina”, justamente por se localizar
entre os rios Paraná e Uruguai, rios estes que também demarcam a fronteira entre Misiones e
dois países limítrofes à Argentina: respectivamente Paraguai (departamentos de Itapuá e Alto
Paraná) e Brasil (sudoeste do estado do Paraná, oeste de Santa Catarina e noroeste do Rio
Grande do Sul). Também se encontra inserida nas regiões fisiográficas do Alto Paraná e do
Alto Uruguai.
Misiones passou a ter importância para Buenos Aires devido à descoberta de
importantes extensões de erva-mate em seu território, o que despertou um grande interesse,
tendo em conta ao valor comercial desse artigo, sobretudo no final do século XIX. 3 A partir
desse interesse, o governo central de Buenos Aires iniciou um processo de federalização do
território com a intenção de subordiná-lo diretamente ao governo nacional, 4 o que ocorreu no
ano de 1881, com a criação do Território Nacional de Misiones. Foi somente em 1953 que
Misiones se tornou uma província argentina.
No fim do século XIX, durante o processo de federalização e ocupação desse
território, considerado “periférico” mas de certo modo estratégico, pelo governo de Buenos
Aires, várias expedições e viagens foram patrocinadas pelo governo argentino, em busca de
1 Mestre em Integração da América Latina pelo PROLAM-USP. Graduado em História pela Universidade de
São Paulo. E-mail: [email protected] 2 Agradeço a Bruno de Almeida Gambert pela leitura e pelos comentários que realizou durante a elaboração
deste texto. 3 Até então a Argentina era totalmente dependente da importação da erva-mate brasileira; com a descoberta dos
ervais em Misiones, paulatinamente a produção argentina foi tornando-se autossuficiente. Cabe ressaltar que
nessa época a exploração da erva-mate consistia numa forma de produção extrativista. Somente na década de
1920 é que foram desenvolvidas técnicas do cultivo da erva-mate. 4 A região de Misiones foi ocupada pelos jesuítas entre os séculos XVII e XVIII. Após a expulsão da ordem
religiosa, foi dominada por caudilhos regionais, além de também ter sido ocupada pelo Paraguai. Antes da
federalização, fazia parte do território da província de Corrientes.
2
maiores informações e relatos sobre essa área de fronteira, ainda pouco explorada, e que de
acordo com a mentalidade da época, era passível de desenvolvimento econômico.
O imaginário sobre as fronteiras era algo comum às novas nações americanas dotadas
de grandes espaços internos. Concomitante ao processo argentino de alargamento de suas
fronteiras internas, o historiador estadunidense Frederick Jackson Turner pensou a história
dos Estados Unidos a partir da história da fronteira. Para ele, o avanço da fronteira no sentido
oeste é o que, ao mesmo tempo, explica e dá uma conotação singular à formação do país.
(TURNER, 2004, pp. 23-54) Era também uma luta da civilização contra a barbárie, onde a
fronteira do desenvolvimento econômico teria de avançar e conquistar tudo o que
representava atraso, o que autor também considerava como barbárie.
Nesse caso, encontramos uma similaridade entre o modelo proposto por Turner para
explicar os Estados Unidos e o projeto de nação pensado pelo presidente argentino da época,
Julio Roca, 5 cujo objetivo foi o de avançar as fronteiras em direção ao sul (Patagônia) e ao
norte (Chaco e Misiones) de Buenos Aires.
Vemos que a problemática que envolvia a fronteira era de alta significância na
Argentina do século XIX. Não foi por acaso que um militar encarregado do comando de
postos de fronteira tenha chegado à presidência. Misiones estava inserida nesse contexto
fronteiriço, já que se tratava da fronteira nordeste da nação, além de ser também uma zona
que estava em litígio com o Brasil.
Sendo assim, a nacionalização desse território demandava um esforço urgente por
parte de Buenos Aires. A Argentina reivindicava um território bem maior para o que ela
considerava como parte de Misiones. Esse território incluía partes do território brasileiro onde
hoje se situam as partes oeste dos estados de Santa Catarina e Paraná. Para resolver esse
problema de litígio de fronteira, foi convocada uma arbitragem internacional sob o auspício
do presidente dos Estados Unidos, Stephan Grover Cleveland, que arbitrou em favor do
Brasil, assinando o Tratado de Palmas em 1895, estabelecendo assim a linha de fronteira que
perdura até os dias de hoje.
5 A trajetória de Roca está intimamente ligada à questão fronteiriça. Entre 1870 e 1874, foi jefe de fronteras na
província de Córdoba. Até 1878 atuou como comandante general de fronteras na cidade de Río Cuarto,
província de Córdoba, importante posto fronteiriço e “zona de contato” onde frequentemente ocorriam conflitos
entre criollos e indígenas desde o período colonial. Foi nomeado Ministro de Guerra y Marina em 1878, sendo o
artífice da Campaña al Desierto na fronteira sul argentina. (OLMEDO, El silencio militar en la frontera del Río
Cuarto a mediados del siglo XIX. Una clave para comprender el conflicto, v.4, nº 2 - 2006)
Sobre o conceito de “zona de contato”, ver: (PRATT, 1999)
3
A criação do Território Nacional de Misiones era também uma questão geopolítica, já que foi
considerada como uma resposta de Roca ao Império do Brasil que havia criado colônias
militares no lado brasileiro da fronteira. (MONIZ BANDEIRA, 2004, p. 44)
Mapa argentino datado de 1882 onde o então Território Nacional de Misiones incluía as áreas a leste dos rios San
Antonio e Pepirí Guazú, equivalentes atualmente às partes oeste dos estados do Paraná e de Santa Catarina.
Fonte: (AMABLE, ROJAS, & BRAUNIG, Historia Misionera: una perspectiva integradora, 2011, p. 154)
A expansão das fronteiras também respondia aos anseios de uma classe dirigente
argentina em contínua expansão. A crescente rentabilidade agropecuária na região dos
pampas decorrente das exportações de carne e cereais para a Europa implicava na conquista
de novas terras em nome dessa classe dirigente. Esse modelo agroexportador privilegiava a
região dos pampas ao sul de Buenos Aires, dotado de clima temperado e de uma geografia
ideal para o desenvolvimento de tal modelo produtivo. O desenvolvimento desse processo
guardou estreita relação com um processo paralelo de desenvolvimento de um mercado
interno que veio atender à demanda proporcionada pelo crescente poderio da elite pecuarista
portenha. Dessa maneira, províncias até então dotadas de economias isoladas se inseriram
nessa lógica do mercado interno. Misiones, detentora de uma grande área abundante em erva
mate, se inseriu nessa lógica na qual o consumo interno da erva se acentuou cada vez mais no
período. (ZOUVI, 2010, p. 3)
4
Os ingredientes para justificar o discurso do avanço da fronteira nordeste estavam
colocados em cena: por um lado, a abundância da erva mate em Misiones possibilitava que a
Argentina aspirasse a uma produção autossuficiente desse artigo. 6 Por outro lado, a ameaça
do país vizinho também pairava no ar, o que gerava um problema geopolítico que demandava
uma urgente presença efetiva do Estado Argentino nessa região.
O viajante a serviço da pátria
Durante a gestão do presidente Roca, emergiu um amplo ambiente intelectual que
alicerçou as diretrizes do seu governo. Essa geração que posteriormente foi denominada pela
alcunha de Generación del 80,7 defendia posturas positivistas, simbolizando sua atuação com
o lema de Auguste Comte, de ordem e progresso. Acreditavam cegamente no progresso,
identificando tal conceito com o crescimento econômico e com o advento da modernidade.
Esses ideais se encontravam em total consonância com as diretrizes do governo de Roca.
Foi em meio a esse contexto que se inseriram as expedições de vários viajantes que partiram de
Buenos Aires rumo a Misiones. Levar a civilização e o desenvolvimento para uma região de
fronteira, ainda considerada como bárbara e atrasada, era uma tarefa que julgavam realizar em
nome da pátria.
Um desses viajantes era Juan Bautista Ambrosetti, membro da alta sociedade portenha da
época. Seu pai era italiano, proprietário de terras em várias regiões do interior argentino, tendo
chegado também a ser presidente do Banco Italiano del Río de la Plata.
Desde a mais tenra infância Ambrosetti foi um aficionado por História Natural. Aos 17
anos foi aceito como membro ativo da Sociedad Científica Argentina pelo naturalista alemão
Carlos Berg, 8 então presidente dessa instituição científica. Tendo a idade de 20 anos, realizou sua
primeira expedição científica rumo ao interior da Argentina. A convite do Capitão Antonio
Romero, dirigiu-se para o norte da Província de Santa Fé, região conhecida como Chaco
Santafesino. O resultado dessa expedição foi publicado na obra Viaje de un Maturrango.
6 Para que se tenha uma ideia da dimensão da dependência das importações de erva mate brasileira, cabe
assinalar que no ano de 1860 foram importadas 5.018.488 kg de erva do Brasil. Doze anos depois esse número
subiu para 16.359.974 kg. Somente na década de 1930 do século seguinte é que a Argentina se tornou
autossuficiente em matéria de erva-mate. (BOLSI, 1980, p. 128) 7 A utilização do conceito da Generación del 80 - a qual também utilizamos aqui - começou a ser usado na
historiografia argentina a partir da década de 1920. Utilizamos tal conceito para efeito de um enquadramento
temporal, já que na prática, tal conceito abarca um grupo vasto e heterogêneo dentro do âmbito político e
intelectual de Buenos Aires. (BRUNO, 2004) 8 Naturalista alemão que chegou a Argentina em 1873, a convite do escritor e então presidente Domingo
Faustino Sarmiento, para lecionar na Academia Nacional de Ciencias de Córdoba, tendo desenvolvido toda a
sua carreira intelectual na Argentina até a sua morte em 1902.
5
Sua precoce inserção no meio científico argentino lhe rendeu a indicação do conhecido
naturalista argentino Pedro Scalabrini para o cargo de diretor do Museo de Historia Natural de
Paraná, capital da província de Entre Ríos. Após cinco anos de trabalho no Museu, voltou a
Buenos Aires. Animado pelo contexto das expedições científicas da época, empreendeu várias
viagens para diversos pontos do território argentino.
No entanto, Misiones reservou destaque especial para Ambrosetti, tendo empreendido três
viagens para essa região, tendo as mesmas dado origem a três relatos distintos. Paralelamente aos
relatos de viagem, publicou uma vasta obra de estudos etnográficos dos povos aborígenes da
região. Esses estudos pioneiros fizeram com que fosse mais tarde reconhecido como um dos pais
da antropologia latino-americana.
A primeira viagem a Misiones é datada de setembro de 1891, tendo explorado a região até
fevereiro do ano seguinte. O relato foi publicado em 1892 na Revista del Museo de La Plata sob o
título de Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay. Como o próprio título já indica, o
Brasil teve lugar de destaque no relato. Ambrosetti saiu de Buenos Aires e subiu até Misiones pela
via do rio Uruguai, rio este que demarca a fronteira com o Brasil. Sendo assim, realizou incursões
para o lado brasileiro em diversos momentos, dando um enfoque especial para a Colônia Militar
do Alto Uruguai, criada pelo Império Brasileiro em 1879. 9 A região do Alto Paraná foi pouco
citada nesse primeiro relato, mas as outras duas expedições tiveram foco total nessa região, com
destaque particular para a parte oriental de Misiones, zona de fronteira com o Brasil. Nessas duas
viagens o itinerário consistiu em subir pelo rio Paraná a partir de Buenos Aires.
A segunda viagem foi realizada em 1892, sendo parte da Expedición Nordeste del Museo
de La Plata. Devido às credenciais obtidas graças à primeira expedição, Ambrosetti foi incumbido
da direção da expedição do referido museu, que ainda era composta pelo francês Emilio Beaufils,
responsável pela parte zoológica, e pelo pintor suíço Adolfo Methfessel, responsável pela
elaboração de pinturas que posteriormente seriam incorporadas ao acervo do Museu. O segundo
relato foi publicado apenas em 1894 sob o título de Segundo Viage a Misiones por el Alto Paraná
é Iguazú.
A terceira expedição teve lugar entre fevereiro e julho de 1894. Além de Ambrosetti,
compunham a expedição Juan M. Kyle, do Gabiente de História Natural, e Carlos Correa Luna,
gerente dessa mesma instituição. Foi patrocinada pelo Instituto Geográfico Argentino com a
finalidade de completar dados sobre a região e colecionar objetos para o acervo do Museu que o
9 Atualmente corresponde à cidade gaúcha de Três Passos.
6
Instituto estava preparando. A expedição teve o apoio e o aval do presidente Luis Sáenz Peña, 10
que concedeu passagens até a localidade paraguaia de Tacurú Pucú, no Alto Paraná, além de uma
soma de seiscentos pesos. O relato da expedição foi publicado em 1895 pelo Instituto Geográfico
Argentino sob o título Tercer Viaje a Misiones.
A metodologia utilizada neste trabalho vai de encontro ao que se vem produzindo na
historiografia sobre os viajantes do século XIX. Como mostra Miriam Moreira Leite, os
10 O presidente Luis Sáenz Peña ascendeu ao poder em 1892, com o apoio de Roca. Mais adiante, devido a
divergências com o mesmo, foi pressionado a renunciar ao cargo em 1895.
7
relatos de viagem até a década de 1970, eram utilizados como fontes sem passar por uma
maior análise crítica. (LEITE, 1997) Por isso enxergamos a necessidade do relato passar por
uma maior análise crítica, pois cada viajante possui suas intencionalidades e são marcados
profundamente pelo contexto histórico no qual estão inseridos. As representações que o
viajante realiza sobre a fronteira misionera são de primordial importância nessa pesquisa, que
também leva em conta as intencionalidades evidenciadas nas entrelinhas do discurso do
viajante e nos seus interesses particulares que mobilizaram suas representações.
O Alto Uruguai
A fronteira política entre Argentina e Brasil na região do Alto Uruguai já representava
uma fronteira consolidada desde a assinatura do Tratado de Madri em 1750, que assinalava
que o rio Uruguai demarcava primeiramente a fronteira entre os domínios de Espanha e
Portugal, e mais tarde entre Argentina e Brasil. Não havia, portanto, litígio de fronteira nessa
região quando Ambrosetti a visitou pela primeira vez, mas a questão militarista presente no
lado brasileiro chamou bastante atenção de Ambrosetti no momento de sua chegada à cidade
gaúcha de Uruguaiana:
Uruguayana, como todas las ciudades brasileiras, tiene un tinte sui-géneris (…)
tiene algunos edificios notables, como la Municipalidad, el gran cuartel que se halla
en los suburbios (…) no se veían sino aprestos militares. Allí están siempre de
guarnición un regimiento de infantería y otro de caballería… (AMBROSETTI,
Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay, 1892, p. 8)
Tal aspecto continuou chamando a atenção do viajante no decorrer de sua visita às
demais localidades gaúchas que margeiam o rio Uruguai, assim registrou durante a sua estada
em Itaqui e São Borja:
(...) llegamos al pueblo brasileiro de Ytaqui; lo que llama en él la atención, es el
gran arsenal y la escuadra brasilera que se halla allí fondeada. (…) y al otro dia de
mañana anclamos en San Borja (…) En San Borja hay también otro gran cuartel
como el de Uruguayana, teniendo de guarnición un regimiento de caballería.
(AMBROSETTI, Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay, 1892, p. 9)
Para além das cidades militarizadas, havia a questão da Colônia Militar do Alto
Uruguai, cuja finalidade era a de guardar a fronteira nessa região, uma localidade dedicada
exclusivamente para este fim. Não é de se surpreender que o viajante tenha reservado todo um
capítulo intitulado “La Colonia Militar” para descrever a colônia militar com dados
minuciosos a respeito de sua localização, organização e ocupação. Tratava-se de informações
8
preciosas no que tocava à geopolítica e que deviam ser endereçadas às autoridades de Buenos
Aires, no sentido de alertá-las ante o expansionismo brasileiro na região. A colônia não se
localizava exatamente às margens do Uruguai, localizava-se mais ao interior, sendo conectada
até o rio por uma picada, caminho este descrito pelo viajante com uma ênfase no que toca à
organização e zelo por parte das autoridades militares brasileiras.
La region del monte cerrado, impenetrable, empieza allí para concluir en el
Uruguay y teníamos que atravesarla por la picada, carretera de nueve leguas de 60
cuadras cada una y de un ancho de 12 metros.
Fue abierta por los ingenieros militares del ejército brasilero y el gobierno tiene
votada una suma anual para su compostura y limpieza, asi es que en todo tiempo es
transitable. (AMBROSETTI, Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay,
1892, p. 62)
As notas relativas à posição defensiva da colônia registravam informações a respeito
da dificuldade de se atacar a localidade, que contava com um sistema natural de defesa que
dificultaria qualquer eventual ataque por parte da Argentina:
(...) llegamos á los Apretados, siendo ya de dia. Es un lugar único en su género;
para comprenderlo bien, es necesario compararlo á un inmenso terraplan de mas
de 100 metros y con caídas á uno y otro lado, sumamente grandes y rápidas; esta
obra de la naturaleza hace que en caso de cualquier evento la Colonia Militar está
defendida por tierra ; con atajarla picada en este punto es imposible la entrada por
allí. (AMBROSETTI, Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay, 1892,
p. 63)
Ambrosetti não deixou de descrever o modo de vida dos colonos que residem na
colônia militar, enfatizando o suporte dado pelo governo brasileiro no tocante ao uso da terra
para fins agrícolas:
El Gobierno se há reservado la propiedad de todos los terrenos del pueblo. Los
colonos pueden gozarlos mientras viven en él (…) también se muestra muy protector
de ellos; estos no solo tienen la tahona á su disposición sino también cuanta
herramienta pueden necesitar, bueyes, útiles, carros, etc, y á los 3 años de estar
establecidos, el título de propiedad de sus chacras para que no puedan ser
molestados mas.
Además los colonos tienen médico y botica gratis (…) (AMBROSETTI, Misiones
Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay, 1892, pp. 64-65)
Embora o viajante registrasse alguns aspectos da vida cotidiana da colônia, o que mais
lhe chamou a atenção era o seu aspecto militar. No entanto, a postura militarista por parte da
9
“República da Espada”, então vigente no Brasil, era motivo de críticas, já que, segundo ele,
não havia nada a ser atacado na costa argentina que seguia deserta e sem povoamento.
Se por um lado, Ambrosetti assinala que um ataque por parte do Brasil seria
desastroso para eles próprios - “en caso de un conflicto sería para ellos como salir de la
sarten para caer en el fuego” (AMBROSETTI, Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto
Uruguay, 1892, p. 66) - o viajante deixar transparacer o fato da Argentina estar atrasada no
processo de ocupação da fronteira no Alto Uruguai. O mérito dos brasileiros não era apenas o
de guarnecer a fronteira, mas sim de ocupá-la com elementos nacionais:
La Colonia Militar fué fundada por iniciativa del Baron del San Jacob, Coronel
Diniz Dias, quien se empeño con el Gobierno Imperial, siendo decretada su
fundacion en 1879.
El fin de esta Colonia no fuè simplemente la Agricultura, sino mas bien politico bajo
el punto de la Estratejia Militar, segun ellos, pero yo no veo qué importancia
estratégica puede tener, cuando cerca no hay poblaciones, la Costa Argentina
desierta é inaccesible (…)
El único beneficio que reporta esa Colonia es empezar á poblar la región del Alto
Uruguay, honor indiscutible que corresponde á los Brasileros; no por la prioridad,
sino por la forma que lo han hecho. (AMBROSETTI, Misiones Argentinas y
Brasileras por el Alto Uruguay, 1892, pp. 65-66)
O geógrafo argentino Alfredo Bolsi nos mostra em números o que diz respeito a
diferência demográfica entre os dois lados da fronteira no Alto Uruguai naquela altura.
Enquanto todo o território argentino de Misiones não alcançava 35 mil indivíduos, apenas o
Rio Grande do Sul já computava 170 mil habitantes. (BOLSI, 1980, p. 137)
No caso argentino, a marcha do progresso rumo a um território de fronteira, obscuro e
desconhecido conflitava com a seguinte situação: a falta de povoamento sedentário. O
viajante considerava a ocupação desse território como uma necessidade de primeira ordem.
Estabelecer núcleos urbanos era uma premissa essencial para se atingir o estágio da
civilização.
Considerando a perspectiva positivista da época, a baixa densidade demográfica era
vista como um empecilho para o progresso. Augusto Comte afirmava que em um ambiente
com baixa densidade demográfica, não seria possível o desenvolvimento do intelecto ideal
para o progresso. Uma região com população esparsa estaria condenada a uma
“subalternidade primitiva” (COMTE, 1989, p. 143 apud GALETTI, 2000, p. 58) O geógrafo
alemão Friedrich Ratzel, partindo desse mesmo contexto positivista, afirmava que: “a
10
densidade populacional produz não somente continuidade e certeza de um forte crescimento
mas também um imediato progresso da civilização (...). (RATZEL, 1891 apud GALETTI,
2000, p. 59)
Cruzar o rio Uruguai não significava somente cruzar uma fronteira política, era
também o momento onde se manifestava a questão da alteridade, era o ato de confrontar o
“outro” brasileiro no outro lado do rio. Para Tzvetan Todorov - estudioso da temática de
alteridade - a construção de uma identidade só existe a partir de uma premissa de comparação
do “eu” com o “outro”. (TODOROV, 1983) É justamente no momento simbólico de cruzar o
Uruguai que o sentimento de argentinidade é manifestado por Ambrosetti:
Al otro dia, debia cruzar al Brasil y quién sabe hasta cuando no vovería á ver un
pedazo de suelo argentino.
La Idea de ser extranjero en un país extraño, tan distinto e usos costumbres, me
hacía en ese momento querer mas mi tierra y pensaba en el porvenir grandioso que
tendrá la region que acababa de recorrer en tan pocos dias. (AMBROSETTI,
Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay, 1892, p. 29)
Ao penetrar no interior do Rio Grande do Sul, o viajante descreve o “outro” sempre
tendo como referência a sua própria identidade, seja no aspecto positivo, seja no aspecto
negativo. Tal identidade ia mais além de uma questão meramente nacional, Ambrosetti
diferenciava-se também por ser um homem “civilizado”, culto e avesso às superstições
populares. Quando esteve em São Miguel das Missões, assim descreveu o que considerava
como um costume peculiar por parte da população local, a lenda do Lobisomen:
La leyenda del Lovisoma está muy en boga y todos la creen á pies juntos; muchas
personas, serial al parecer, están convencidas de su verdad.
(...) y ha habido casos de haber ido algunos vecinos á la autoridad para pedirle que
hiciera desalojar á tal ó cual individuo que era una amenaza y un peligro para ellos
por que era Lovisoma, y tener ésta que hacer grandes esfuerzos para tratar
deconvencerlos que no existe tal cosa; pero los tales vecinos vuelven á insistir y el
pobre Lovisoma tiene que abandonar el lugar.
Hasta la poesía popular se ha encargado de cantar la fatalidad del lovisoma en
versos como estos:
Dentro en meu peito tenho
Uma dôr que me consomme;
Ando cumprindo ó meu fado
En trages de lobizome. (AMBROSETTI, Misiones Argentinas y Brasileras por el
Alto Uruguay, 1892, pp. 54-55)
11
Embora Ambrosetti não tenha mencionado o crédito da autoria do poema, cabe
assinalar que se trata de uma citação a João Simões Lopes Neto, escritor gaúcho do século
XIX, autor de uma grande produção literária sobre a cultura gaúcha e suas tradições. Se por
um lado, o olhar do viajante é depreciativo, por outro lado, encontramos um rico relato das
tradições gaúcho-brasileiras que pode ser muito valioso para os estudos de história regional.
Quando Ambrosetti reconhece o outro como semelhante, acaba por projetar a sua
própria identidade, isso acontece quando nota semelhanças entre a cultura gauchesca nos dois
lados da fronteira. No entanto, o termo brasileiro acaba por dar lugar ao “Rio Grandés”:
El campesino Rio Grandés, es un tipo muy parecido á nuestro gaucho; muy de á
caballo, valiente, sufrido, enérgico, vive en el campo trabajando en las estancias;
tiene siempre buenos caballos de silla y sobre todo muy bien cuidados.
(AMBROSETTI, Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay, 1892, p.
69)
Son muy aficionados á bailar y sobre todo á cantar con guitarra, y sus poesías son
muy parecidas á las de nuestros paisanos. Las hay muy apasionadas, otras llenas de
sentimiento, otras jocosas, otras de sátira mordaz. Muchas veces acostumbrado ya
al portugués, al oírlos cantar, me parecía oir á nuestros criollos. (AMBROSETTI,
Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay, 1892, p. 69)
Também existe outro olhar, onde as categorias nacionais caem por terra na medida em
que a categoria “misionero” englobava ambos os lados da fronteira no rio Uruguai. Nesse
caso, Misiones deixava de ser somente uma parte da Argentina e dava lugar ao “mundo
misionero”, englobando os dois lados da fronteira devido à herança comum do passado
jesuíta, característica essa que o viajante atrelava à barbárie, era um mal que deveria ser
erradicado de toda a região. Assim se manifestou Ambrosetti no momento em que esteve na
Colônia Militar do Alto Uruguai:
(...) en Misiones se necesita sangre nueva, hombres en cuyas fibras no se encuentre
la herencia de la semilla de plomo sembrada por los Jesuitas, hombres que sacudan
la inercia y la apatia que inculcaron con su dominacion despótica de 100 años. Ese
es el defecto y la desgracia de toda la región misionera que por un hombre
inteligente despreocupado y activo que se encuentra, uno tropieza con 200
negligentes, apáticos y llenos de ridículas preocupaciones. (AMBROSETTI,
Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay, 1892, p. 65)
O Alto Paraná
12
Se no primeiro relato o enfoque é a região do Alto Uruguai, nas outras duas
expedições o recorte geográfico mudou para o Alto Paraná, lugar onde naquela altura ainda
não existia uma fronteira oficialmente delimitada entre Brasil e Argentina, ao contrário da
primeira região visitada onde as linhas imaginárias que dividem os espaços nacionais já
estavam definidas desde o século XVIII.
O que unificava a visão de Ambrosetti a respeito das duas regiões era o fato de que em
ambos os lugares o lado argentino carecia de ocupação humana. Para ele, o lado brasileiro
assinalava que a nação vizinha estaria à frente na corrida pelo processo civilizatório, são essas
as impressões que registra ao cruzar a fronteira, no momento da chegada à Colônia Militar do
Iguaçu: 11
En la Colonia se notaba bastante movimiento. Aquel Pueblo formándose en medio
de la selva virgen tenía algo de norte-americano.
Por todas partes el sonido seco del hacha al herir los árboles, el ruído terpitante
finalizado con el golpe rudo junto con la quebrazon de ramas de estos al caer,
semejante á una fuerte detonación, los gritos de trunfo de los hacheros, el
chisporroteo de los rozados al arder, semejante á un fuerte tiroteo entre espesas
columnas de humo y al lado de eso, las sierras, martillos, etc., funcionando en la
construcción de los ranchos, y el chillido de las alzaprimas tiradas por bueyes
transportando madera, llenaba de animación en la construcción de los ranchos(...)
Ese espectáculo era muy bello para que no dejase de mortificarme al compararlo
con el otro salvage que ofrecia la costa Argentina del otro lado del Iguazú, cuando
un poco de buena voluntad de parte del Gobierno Nacional podria hacerse en muy
poco tempo lo mismo y más. (AMBROSETTI, Misiones - Segundo Viaje por el Alto
Paraná é Iguazú, 1894, pp. 133-134)
No rio Paraná, a costa argentina ainda considerada como “bárbara” pelo viajante, urgia
pelo processo civilizador, e Ambrosetti cobrava medidas por parte de seu governo. Se pelo
lado brasileiro da fronteira o Estado já se fazia presente, no lado argentino a falta de presença
estatal chamou a atenção do viajante. Nesse sentido, era uma situação parecida com a que foi
relatada no Alto Uruguai.
Outra similaridade entre as duas regiões era justamente o que tocava a questão
geopolítica. O fato de existir uma colônia militar no lado brasileiro da fronteira no Alto
11 Núcleo urbano que deu origem a cidade de Foz do Iguaçu, a Colônia Militar do Iguaçu foi fundada em 1889
sob a égide da administração militar do Império Brasileiro. Era parte de um amplo projeto de assegurar o
domínio brasileiro nas regiões de fronteira. (FREITAG, 2007)
13
Paraná em contraste com o lado argentino, sem ocupação, alertava o viajante para uma
situação desvantajosa no caso de um conflito armado com o país vizinho:
Si mañana ó pasado, cosa que no debemos desear, la fatalidad nos impele é una
guerra internacional con nuestros vecinos ¿para qué nos servirán nuestros soldados
cuando tengan que batirse en terrenos que no conozcan?
¿Es posible que el que nunca haya permanecido en las montañas, pueda logo
operar con éxito en los Andes? (AMBROSETTI, Misiones - Segundo Viaje por el
Alto Paraná é Iguazú, 1894, p. 110)
Convém assinalar que, provavelmente, o olhar do viajante estava influenciado pela
conjuntura da Guerra da Tríplice Aliança, embora tenham sido aliados no conflito contra o
Paraguai, o contexto do pós-guerra caminhava em uma direção que colocava Brasil e
Argentina com aspirações antagônicas na região do Prata. Alguns anos antes de Ambrosetti
escrever seus relatos sobre Misiones, o presidente Roca considerava inevitável uma guerra
com o Brasil devido a uma contraposição de interesses entre ambos países. Do lado brasileiro,
o Barão de Cotegipe, importante figura política do Império Brasileiro, defendia a necessidade
de uma “paz armada” em meio ao fervor da imprensa brasileira que acreditava em uma
iminente guerra. (ZUCCARINO, 2014, p. 17)
No entanto, ao mesmo tempo em que o vizinho era um possível inimigo, era também
um exemplo a ser seguido. Da mesma maneira que descreveu minuciosamente a Colônia do
Alto Uruguai, Ambrosetti também o faz com a Colônia Militar do Iguaçu, dedicando todo um
capítulo intitulado “La colonia Militar Brasilera del Iguazu” para relatar as atividades dos
brasileiros na região. Para Ambrosetti, as autoridades de Buenos Aires deveriam tomar nota
dessas informações e realizar o processo civilizatório na fronteira argentina. Era de
fundamental importância seguir o exemplo brasileiro e instalar colônias militares, tanto no rio
Uruguai, quanto no Paraná: 12
En ambos rios, una colonia militar dotada de ámplias franquias al principio,
absorverían las poblaciones cercanas (...)
Con poco trabajo y empleando los soldados como hacen los brasileros, se
mantendrían limpias las picadas y se abrirían otras nuevas, más racionales
buscando desvíos y evitando los altos cerros, para transformarlas en carreteras,
cosa que creo posible (…)
12 Antes mesmo de escrever essas palavras, Ambrosetti apontava tal preocupação em um artigo escrito para o
diário portenho La Prensa. AMBROSETTI, Población de Misiones: Colonias militares.“La Prensa,” 21/12/1892
e republicado no Boletin del Instituto Geográfico Argentino. Tomo XIII.
14
Me consideraría feliz si estas indicaciones prácticas y sujeridas nada más que por
el simple deseo de servir á la patria; fuesen leidas y tomadas en consideración…
(AMBROSETTI, Misiones - Segundo Viaje por el Alto Paraná é Iguazú, 1894, pp.
111-112)
Agora, perpassando a questão meramente geopolítica: qual seria a visão do “outro”
brasileiro relatado por Ambrosetti no Alto Paraná?
Cabe elencar que se tratava de um contexto geográfico distinto do Alto Uruguai, onde
predomina a pampa. No Alto Paraná não existia o típico gaúcho brasileiro, essa região de
selva era conhecida como a “pátria de la yerba mate” 13 onde vivia a “população ervateira”
que servia como mão de obra nos ervais, sendo composta por elementos dos três países da
região.
No segundo relato, quando o viajante descreve a população local, existem momentos
em que existe uma sensação de que as fronteiras nacionais não importam mais. Eram
basicamente “peones” ou simplesmente, população ervateira. Não lhe importava a sua
condição nacional, mas como essas pessoas poderiam ser úteis na exploração capitalista em
meio ao contexto do avanço da fronteira econômica pela região. Se por um lado, a condição
de “explorado” é claramente salientada pelo viajante, ao mesmo tempo, há uma espécie de
encanto pelo “bárbaro”, similar a que foi manifestada por Sarmiento em sua clássica obra
Facundo: Civilización y barbárie. Existem interpretações que não colocam civilização e
barbárie, tese apresentada por Sarmiento em Facundo, como uma dicotomia de termos
opostos. A explicação estaria no “e” do “civilização e barbárie”. De acordo com essas
interpretações, seriam termos complementares e não opostos. 14 Os defensores da teoria de
que Sarmiento não considerava civilização-barbárie como uma dicotomia de opostos, citaram
a maneira como ele descrevia o baqueano - pessoa conhecedora dos caminhos de uma região a
que habitualmente pertence - como um personagem indispensável para o processo
civilizatório: “El Baqueano es un gaucho grave y reservado que conoce a palmos veinte mil
leguas cuadradas de llanuras, bosques y montañas. Es el topógrafo más completo, es el único
mapa que lleva un general para dirigir los movimientos de su campaña.” (SARMIENTO,
Facundo: Civilización y barbarie, 2007, p. 54)
13 Referência à obra El Río Oscuro, do escritor argentino Alfredo Varela (VARELA, 2008) 14 Ver o prefácio escrito por Ricardo Piglia para a edição brasileira de Facundo: (SARMIENTO, Facundo ou
Civilização e Barbárie, Trad. e notas de Sérgio Alcides; prólogo de Ricardo Piglia; posfácio de Francisco Foot
Hardman, 2010, pp. 9-41)
Ver também (MÄDER, 2006, pp. 130-131)
15
Indo nessa mesma direção, Ambrosetti descreveu a população local como elemento
indispensável para o processo civilizador argentino a ser realizado na fronteira misionera:
En esas alturas la ciencia no vale nada y los únicos que pueden sacarlo á uno de
apuros son los peones.
Los peones del Alto Paraná son curiosos. En su mayor parte paraguayos,
correntinos ó brasileros, se conchaban para todo trabajo; tanto sirven para
manejar una canoa, lidiar con mulas ó bueyes, cargar á hombro, trabajar en el
monte, cocinar y hasta cazar tigres cuando se ofrece.
Al ser contratados para el Alto Paraná ya se entiende que es para todo trabajo y
uno no tiene más que mandarlos.
Es gente dócil, de buena índole, servicial cuando se sabe tratarla pero fácilmente
inútil si nota en el patrón orgullo ó falta de consideración.
Por eso digo y aconsejo á todos los que hagan expediciones, que sepan con disimulo
y habilidad, captarse las simpatías de esa pobre gente, que tanto la merece se si
tiene en cuenta lo penoso de los servicios y los múltiples peligros á que
constantemente se halla expuesta.
En trabajos fuertes debe se calcular en dos á dos medios kilos diarios la mantención
de un peón; fuera de un poco de caña que se les debe distribuir en los momentos
álguidos de los trabajos para animarlos un poco, sobre todo cuando hace mucho
calor y trabajan mojados en el agua.
En este clima que deprime á veces, el alcohol tomado en pequeñas dósis es un
estimulante saludable, que el peon agradece inmensamente. (AMBROSETTI,
Misiones - Segundo Viaje por el Alto Paraná é Iguazú, 1894, pp. 38-39)
O quesito nacionalidade voltou à tona quando Ambrosetti se encontrou com o seu
semelhante no outro lado da fronteira, mas não se tratava do gaúcho, pertencente à outra
circunstância geográfica. O viajante encontrava os seus na medida em que se relacionava com
os dirigentes da Colônia Militar, membros da burguesia brasileira que Ambrosetti reconhecia
como verdadeiros “caballeros” (AMBROSETTI, Misiones - Segundo Viaje por el Alto
Paraná é Iguazú, 1894, p. 108) ou como “excelente personas, sumamente amables é
ilustrados”. (AMBROSETTI, Misiones - Segundo Viaje por el Alto Paraná é Iguazú, 1894, p.
133) Tratava-se de goiano Edmundo Xavier de Barros - diretor da colônia militar - e do
médico sergipano Benjamin Fernandes da Fonseca, membro do corpo de saúde do exército
brasileiro, o qual é mencionado da seguinte maneira: “El Dr. Fonseca me há referido curas
maravillosas...” (AMBROSETTI, Misiones - Segundo Viaje por el Alto Paraná é Iguazú,
1894, p. 139)
16
Tratava os seus ilustres amigos brasileiros como iguais na medida em que os
reconhece como parte de uma elite intelectual da qual o viajante também se sentia fazer parte.
Nesse caso, a comunidade científica transpassa as fronteiras nacionais. Isso é nítido quando
menciona de forma constante o diretor da colônia como um dos seus, o descreve inclusive
como sendo um colega antropólogo: “En la Colonia Militar descubri junto com el Alferez
Edmundo Barros las urnas funerárias de los antigos habitantes del Alto Paraná...”
(AMBROSETTI, Misiones - Segundo Viaje por el Alto Paraná é Iguazú, 1894, p. 139)
O militar brasileiro recebeu todos os louros possíveis por ter nomeado os saltos das
Cataratas do Iguaçu, não somente do lado brasileiro, como também os saltos do lado
argentino: 15
El há bautizado los saltos brasileros dándoles los nombres de los prohombres de la
gran República Brasilera, no olvidándose de indicar los que le correspoden á los
nuestros, con un acierto tan feliz, que desde ya los propongo. El primero: Salto
Argentino, luego el Salto San Martin y para el del medio Salto Union Americana.
(AMBROSETTI, Misiones - Segundo Viaje por el Alto Paraná é Iguazú, 1894, p.
130)
Se nesse momento, os laços de fraternidade parecem ser latentes para com o país
vizinho, a ameaça da expansão da “gran República Brasilera” é evidenciada no terceiro e
último relato de Ambrosetti. Uma das preocupações registradas nesse relato refere-se à
expansão da influência do idioma português pelo lado argentino. Segundo o viajante, tal fato
não se restringia apenas à área de fronteira. San Ignacio, na parte ocidental de Misiones, é
descrita como uma localidade onde impera o idioma português:
En San Ignacio casi no se habla más que el portugués, la mayor parte de los
pobladores son brasileros y por eso en casa de don Marcelino no se oía sino ese
idioma (…)
El portugués se impone por la masa de población brasilera que lo habla, y como los
argentinos que allí viven pertenecen en su mayor parte a la provincia de Corrientes,
y por lo tanto son poco versados en el español, a causa del guaraní, prefieren
aprender mal el portugués que es el único idioma con el que pueden hacerse
entender con quienes tienen que estar en contacto. (AMBROSETTI, Tercer Viaje a
Misiones, 2008, p. 75)
15 Interessante apontar que, alguns anos depois, Edmundo Barros protestou contra a Argentina durante o
processo de delimitação dos saltos entre Brasil e Argentina em 1910. (KARPINSKI, Vol 15 - 2º semestre de
2011)
17
Algumas conclusões
Se por um lado, a questão geopolítica do alerta do avanço brasileiro unificava a visão
de Ambrosetti a respeito das duas regiões visitadas em Misiones, de outro lado, temos
distintas visões a respeito do “outro” brasileiro para cada região.
No Alto Uruguai, a questão da alteridade sofre transformações na medida em que o
viajante encontra proximidades entre o “eu” e o “outro” através da cultura gaúcha existente
em ambos os lados da fronteira. No caso do Alto Paraná, a questão da alteridade é bem
demarcada, justamente por aí não existir uma proximidade com a cultura gaúcha. A exceção é
feita quando Ambrosetti encontra os seus pares “cientistas” na Colônia Militar do Iguaçu.
Também existem os momentos em que as categorias nacionais deixam de existir para
o viajante. No caso da região do Alto Paraná, era a população ervateira, já no Alto Uruguai,
por vezes foi mencionada a categoria de “misionero” para designar a população residente em
ambos os lados da fronteira.
A conquista da fronteira do Alto Paraná era uma questão ambígua para a Argentina,
avançar selva adentro representava a conquista efetiva de um território litigioso com o Brasil.
No entanto, a legislação que Buenos Aires impunha sobre Misiones - no que tocava a
exploração da erva mate - prejudicava o povoamento da região leste misionera, além de ir
contra as prerrogativas de povoamento defendidas por Ambrosetti. As leis que proibiam o
povoamento das áreas próximas aos ervais tiveram como consequência direta a perda do
território litigioso para o Brasil. Isso explicaria o fato do presidente Cleveland ter usado a
teoria do Uti Possidetis 16 para justificar a maior presença de brasileiros na zona litigiosa
(AMABLE, Historia de la Yerba Mate en Misiones, 1989, p. 137) e ter arbitrado a favor do
Brasil pouco tempo depois da passagem de Ambrosetti pela região.
Bibliografia
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AMABLE, M., ROJAS, L., & BRAUNIG, K. (2011). Historia Misionera: una perspectiva
integradora. Posadas: Montoya.
16 Uti Possidetis é um princípio de direito internacional segundo o qual os que de fato ocupam um território
possuem direito sobre este. A expressão advém da frase uti possidetis, ita possideatis, que significa "como
possuís, assim possuais". Proveniente do direito romano, o princípio autoriza uma parte a contestar e reivindicar
um território.
18
AMBROSETTI, J. (1892). Misiones Argentinas y Brasileras por el Alto Uruguay. La Plata:
Talleres de Publicaciones del Museo.
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