1
Diretoria Legislativa
Seção de Assessoramento Temático
MANUAL BÁSICO DO PROCESSO LEGISLATIVO
NAS COMISSÕES PARLAMENTARES
Elaborado pelo Pesquisador Legislativo
Luiz Roberto Boettcher Cupertino.
Goiânia, novembro de 2015.
2
1. Introdução: O Estado Democrático de Direito e o Processo
Legislativo
No Estado Democrático de Direito, estabelecido nas sociedades
contemporâneas, e tal como organizado pela Constituição de 1988, tornou-se
fundamental o tratamento de novas temáticas, ligadas à proteção e à
manutenção de direitos fundamentais e sociais, que prosperaram sobretudo a
partir da necessidade do Estado moderno de abarcar, de modo mais ativo, a
pluralidade e a diversidade de modos de vida presentes nas sociedades
contemporâneas, com especial atenção à desigualdade econômica e social, e
à defesa do espaço das minorias sociais. O que define a base do Estado
Democrático de Direito, como o próprio nome diz, é o princípio da supremacia
da lei, em especial da Constituição como lei suprema, à qual estão submetidos
todos sem distinção. Tal princípio é oriundo das revoluções liberais do século
XVIII, que nos legaram os direitos de primeira geração, tais como o direito à
liberdade, igualdade, à vida, e à propriedade, com a finalidade de proteger os
cidadãos da opressão dos governantes, dando ensejo ao surgimento do Estado
liberal. Assim, com o avançar da História, uma massa de desassistidos foi
notada, gerando a necessidade de um Estado Social (Welfare State) sobretudo
a partir do pós-guerra, cuja característica principal é a intervenção estatal para
assegurar uma série de direitos de cunho social, como o direito à saúde e à
educação, e gerando uma mudança de perspectiva do Poder Público, que
passou a exercer um papel de prestação de serviços sociais à população,
tornando sua estrutura maior e mais complexa. Podemos dizer, em síntese,
que a ideologia constitucionalista reinante nos séculos XVIII e XIX, que era de
impor limites aos poderes do Estado, foi substituída pela ideia central da
garantia dos direitos fundamentais. O resultado dessa caminhada histórica são
os Estados de regimes constitucionais pluralistas. Esse aspecto garantista de
direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito contemporâneo se
reflete em todos os Poderes e na própria forma federativa. Reflete-se no
crescimento vertiginoso do papel do Executivo, desde então assumindo uma
prevalência inequívoca na organização do Estado, devido ao papel principal de
formulador e executor de políticas públicas, e se reflete, ainda, na maior
centralização dos poderes da União na divisão de competências nos Estados
Federados, o que reverbera, em última instância, no processo legislativo.
O processo legislativo, como série de procedimentos que têm como
finalidade a elaboração de atos normativos, passou, assim, por modificações,
na esteira das transformações comentadas acima, com o advento da
sociedade da informação e da proteção dos direitos prestacionais, agora
somados àqueles primeiros direitos conquistados nas revoluções burguesas,
relativos, sobretudo, à liberdade do indivíduo. Assim é que na própria
estruturação do Sistema de Comissões notaremos, no modo como estão
3
regrados os procedimentos, claramente a influência que o arranjo institucional
do Estado Democrático de Direito tem, em especial a prevalência do Executivo
e da União, e também sua missão de conciliar a pluralidade de interesses e de
modos de vida que integram as sociedades atuais. Ainda de se ressaltar a
complexidade das fontes de informação no mundo de hoje, a velocidade com
que surgem e se alastram, o que leva o Parlamento à necessidade cada vez
mais urgente de se organizar para filtrar esta rede infindável de conhecimentos.
Esse papel essencial é atributo do sistema de comissões, daí a importância de
sua evolução, como veremos a seguir.
Se a supremacia da constituição é o que assegura o Estado de Direito, o
princípio da legalidade assume, por óbvio, função primordial. O art. 5º da
Constituição Federal expressa o conceito deste princípio, no seu inciso II:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei;
Junta-se a este princípio fundamental, outro, também de extrema
importância para o processo legislativo e a organização das instituições de
modo geral: o princípio do devido processo legal, tal como a Constituição
expressa, no mesmo art. 5º, inciso X:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal;
O devido processo legal, como herança da Magna Carta inglesa do séc.
XIII, e aperfeiçoado posteriormente pelo Direito norte-americano, surge no
campo do direito penal, mas seus desdobramentos alcançam, num segundo
momento, todo processo em si, seja ele penal, civil ou, o que nos interessa
aqui, o processo legislativo. Ele assegura, de modo geral, o direito ao
contraditório e à ampla defesa. Quer dizer que ninguém será julgado
sumariamente sem ter direito de se defender adequadamente e de modo
equânime. O processo legislativo, como caminho para elaboração das leis,
desde sua iniciativa até sua promulgação, é procedimento em que concorrem
partes em conflito (parlamentares de diferentes colorações partidárias e
ideológicas), a fim de se chegar a consensos mínimos e aprovar-se leis que
representem a comunidade em que está inserida a Casa Legislativa. Como
sabemos, o princípio da representação é outro ponto seminal na razão de
existência do próprio Parlamento. O povo é o titular do poder, é o que diz o
princípio da soberania popular constante do parágrafo único do art. 1º da CF
(“todo o poder emana do povo”), mas ele não o exerce diretamente, salvo os
casos previstos de democracia direta1, senão por meio de representantes2.
1 Tais como o referendo e o plebiscito, e também a iniciativa popular, formas de participação direta do
povo no processo democrático.
4
Portanto, aos parlamentares, integrantes legítimos do Poder Legislativo, deve-
se assegurar o devido processo legal, que se convencionou chamar devido
processo legislativo. É o que garante o direito do parlamentar de participar dos
procedimentos de forma plena, não importando qual seja sua posição
ideológica. E é o que deve assegurar os regimentos internos das Casas
Legislativas. Podemos dizer, desta forma, que o devido processo legal
legislativo, que garante a participação paritária de todos os legisladores no
processo de formação das leis, é o que legitima a lei e o próprio exercício da
democracia. É ele quem assegura a participação de todos os setores da
sociedade, através da representação exercida pelo sufrágio (o voto direto,
secreto, universal e periódico). Deve, portanto, ser obedecido na formulação
dos regimentos internos, que são os regramentos que garantem, na prática, o
exercício do ideal democrático. A garantia da democracia no procedimento de
formação da lei, já ensinava Habermas, é viga mestra para garantir o Estado
Democrático.3
Soma-se a esses princípios outro de igual relevância. É o da
representação proporcional dentro dos parlamentos. Trata-se de princípio da
mais alta importância, porque é o que garante a relação mais pacífica possível
entre as maiorias e as minorias, assegurando o direito de participação e
deliberação também às partes menos numerosas e favorecidas da sociedade.
Conciliar o princípio da maioria, que é o que define as tomadas de decisão,
com a proteção das minorias é um dos aspectos basilares que devem pautar o
processo legislativo e os regimentos internos, como conjunto de regras que
regem o procedimento de elaboração legislativa. Assim é que a Constituição
Federal mandará que, na formação das comissões parlamentares, tal princípio
seja obedecido, para assegurar, tanto quanto possível, que a representação do
povo expressada no grande plenário seja também expressada, similarmente,
no âmbito das comissões.
O Estado brasileiro possui a forma de federação. Constitui-se, assim, da
junção consentida e sem direito de separação entre União, Estados-Membros,
Distrito Federal e Municípios, formando o pacto federativo. Este pacto,
expressado na Constituição, faz-se, fundamentalmente, através da distribuição
de competências legislativas e materiais4 (administrativas, ou de execução)
entre os entes que formam a federação, a fim de garantir a autonomia de cada
um deles e, ao mesmo tempo, manter a sintonia e a integração necessárias à
manutenção da forma federada. A autonomia dos Estados-membros e dos
Municípios é, por isso, limitada pelos preceitos constitucionais. Ela se desdobra
2 Não é por outro motivo que a função fiscalizatória é inerente ao Poder Legislativo: é nele que está
representado o povo e é o povo que deve manter vigília e controle em face dos atos praticados pelos
governantes 3 Ver HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 4 De se assinalar também a importância das competências tributárias. Não é tema, no entanto, do presente
trabalho.
5
nos poderes de autolegislação (existência de poder legislativo no nível regional
e local), auto-organização (poder de organizar-se por meio de constituições
estaduais e leis orgânicas municipais), autoadministração e autogoverno, e
deve, para ser legítima, obedecer aos mandamentos contidos na Constituição
da República, ou seja, deve manter-se em consonância com seus princípios e
regras. Assim, há competências, legislativas e administrativas, que serão
atribuídas à União, outras aos Estados e também aquelas que sobrarão aos
Municípios. De igual forma, entre Executivo, Legislativo e Judiciário será feita a
divisão funcional do poder5, estabelecendo suas funções precípuas, quais
sejam, ao Executivo a administração, ao Legislativo a fiscalização e o legislar,
e ao Judiciário a função jurisdicional de garantir a solução de conflitos em face
da lei. É o chamado sistema de freios e contrapesos, também surgido nos
tempos das revoluções liberais iniciadas no século XVII6, e que serve para
impedir que um só organismo detenha o todo do poder, impedindo assim o
surgimento de tiranias e arbitrariedades. Por óbvio, a divisão funcional do poder
não se afigura como pura; possui intersecções e não se apresenta, na prática,
de forma tão clara e definida, com as esferas de poder assumindo funções
típicas e atípicas. Basta citar o modo como o Executivo participa do processo
legislativo de forma ativa e dominante, exercendo, muitas vezes, atividade
tipicamente legislativa.
O entendimento adequado do modo como os chamados três poderes se
relacionam passa, inexoravelmente, pelo exame dos poderes de iniciativa
legislativa conferidos pela Carta Magna de 88. Esse entendimento também nos
auxiliará na compreensão da lógica do processo legislativo e do funcionamento
das comissões, já que define os traços do fluxo dos processos que tramitam no
Legislativo. A Constituição definiu quem tem o poder de iniciar o processo
legislativo e os tipos de iniciativa, o que trataremos mais à frente.
Passaremos, então, à análise do processo legislativo e do modo como
as Comissões se estruturam neste universo dado, com o objetivo de esclarecer
o papel do sistema de comissões na lógica democrática e jurídica vigente.
Antes, observamos que os princípios aqui tratados, presentes em nossa
Constituição, não são meros indicativos teóricos ou de intenções; a eles se
reconhece plena força normativa, conforme interpretação constitucional
dominante dos tempos atuais, conhecida como neoconstitucionalista7, surgida
5 A ideia de separação dos poderes é hoje pouco utilizada, uma vez que o poder é indivisível. Prefere-se,
assim, utilizar a expressão divisão funcional do poder, que denota apenas a divisão das suas funções, e
não do poder em si. 6 A bem da verdade, a divisão tripartite das funções do Estado já fora tratada por Aristóteles, na Grécia
Antiga. Foi Montesquieu, já no período moderno, no entanto, quem ficou conhecido por apresentar o
modelo de forma mais detalhada e desenvolvida. 7 Marcelo Novelino coloca entre as principais transformações do neoconstitucionalismo: “I) o
reconhecimento definitivo da normatividade da constituição e, por conseguinte, de todos os dispositivos
nela contidos, independentemente de sua estrutura; II) o papel central atribuído à constituição, não apenas
6
em meados do séc. XX. As regras e princípios contidos na Constituição Federal
têm caráter de máxima eficácia e aplicação impositiva, gerando os efeitos
necessários e característicos dos atos normativos por excelência. Antes de
adentrarmos no processo legislativo em si, importa compreender como, no
modelo de Estado Federal que se adota no Brasil, é realizada a repartição de
competências entre os entes federados, o que ressoa também no processo
legislativo.
2. Competências Legislativas
A federação, como forma de Estado, caracteriza-se por possuir uma
Constituição como Lei Suprema, que rege todo ordenamento, e que faz a
distribuição de competências entre os entes federados, a fim de promover tanto
a sua autonomia (limitada pelos princípios constitucionais) quanto a integração
entre todos. Fernanda Dias Menezes de Almeida nos diz que “na organização
federativa, atribuir competências à União e aos Estados significa capacitá-los
para o exercício dos poderes que a cada um incumbe nos termos da
Constituição”8. Competência é a capacidade para emitir decisões, sejam elas
legislativas, administrativas ou tributárias. Aqui trataremos da competência
como capacidade de deliberar sobre assuntos legislativos.
A repartição de competências legislativas é, por isso, instrumento
fundamental no equilíbrio de forças entre a União, Estados e Municípios,
procurando, neste equilíbrio, garantir a autonomia (o poder de autolegislação,
auto-organização, autoadministração e autogoverno) de todos os entes
federados. A Constituição Federal de 88 avançou na descentralização dos
fazeres e atribuições entre os entes federados, estabelecendo, além das
competências privativas e exclusivas de cada ente, aquelas que se realizarão a
partir da cooperação e da colaboração entre todos eles.
O critério utilizado para a repartição de competências é o da
predominância do interesse. Desta forma, os assuntos cujo interesse sejam
predominantemente nacionais cabem à União. Aqueles de interesse
predominantemente locais cabem aos Municípios. Aos Estados cabe legislar
sobre aquilo que não é do interesse local (municipal) e nem da União,
constituindo uma competência residual, como que veremos a seguir.
como estatuto organizatório-limitativo dos poderes públicos, mas também como mecanismo de resolução
de conflitos nas mais diversas áreas jurídicas; e III) a consagração de um extenso catálogo de direitos
fundamentais e de uma pluralidade de valores e diretrizes políticas tornando mais frequentes as colisões
entre direitos constitucionalmente protegidos.” In Curso de Direito Constitucional. Salvador: Ed.
Juspodivm, 2015. Pág. 65. 8 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas,
2013. P. 20
7
A CF/88 estabelece as seguintes modalidades de competências:
2.1. Competências Privativas Enumeradas ou Expressas
São aquelas que são próprias de determinado ente federativo, com a
exclusão dos demais e estão enumeradas, de forma expressa, no texto
constitucional. Assim, cabe à União legislar privativamente sobre os assuntos
contidos no art. 22 da Constituição Federal. No art. 21, estão expressas as
competências administrativas (materiais, executivas) da União, também
privativas. Isso significa que não cabe ao Estados-membros ou aos Municípios
legislar ou agir sobre os temas ali arrolados. Alguns autores, como o prof. José
Afonso da Silva, fazem diferenciação entre competências privativas e
exclusivas, sendo estas últimas aquelas que não podem ser delegadas, o que
entendemos ser diferenciação desnecessária, já que no próprio texto
constitucional há competências consideradas privativas que são indelegáveis
(art. 51 e 52). Parece-nos mais em sintonia com o texto constitucional a visão
de Fernanda Dias Menezes de Almeida, que considera a diferenciação pouco
producente. Ao atribuir competências privativas a uma esfera de poder, o
constituinte está lhe dando exclusividade para legislar sobre os aspectos gerais
e específicos de um tema.
2.2. Competências Privativas Residuais ou Remanescentes
Cabe aos Estados da Federação as competências que não lhe sejam
vedadas pela Constituição, o que configura o conceito de competência residual
ou remanescente. Ou seja, é o que sobra para legislar, uma vez definidas as
competências privativas da União e definidas, através do critério do interesse
local, as competências do Município (conforme art. 30 da CF, compete aos
municípios legislar sobre assuntos de interesse local). A competência residual
dos Estados está prevista no art. 25, §1º, da CF. Nele, reservam-se aos
Estados as competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição. Assim,
para compreendermos com profundidade o espaço de atuação legislativa dos
Estados, faz-se necessário o conhecimento das competências enumeradas e
privativas da União9, bem como a compreensão dos temas que adentram o
predominante interesse local, que são exclusividade dos Municípios.
Ressaltamos, ainda, o caráter privativo também dessas competências, pois
9 Ver arts. 21 e 22 da Constituição, em que se elencam as competências privativas materiais e legislativas
da União. Não se resumem a estes dois artigos, no entanto. Ver, ainda, o art. 48, que traz as competências
do Congresso Nacional, e nos informa sobre outras competências privativas da União.
8
naquilo que é competência residual do Estado, ou seja, a matéria que não está
nem no rol das competências privativas da União e nem se enquadra nos
assuntos de interesse predominantemente locais (que cabem aos Municípios),
e, ainda, por óbvio, não constem entre as competências concorrentes e
comuns, cabe ao Estado legislar com exclusividade. Convém também assinalar
que o Estado possui duas competências privativas expressas: a titularidade
sobre os serviços de gás canalizado e a competência para instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.
2.3. Competências Concorrentes ou Comuns
Diferentemente da competência privativa, em que um só legitimado pode
estabelecer as regras gerais e específicas sobre determinada questão, a
competência concorrente estabelece que à União caberá editar normas gerais,
cabendo aos Estados e aos Municípios a competência de suplementá-las
conforme sua especificidade regional ou local. Tal instituto surgiu na órbita de
uma mudança de abordagem do federalismo clássico e dual, passando para
um federalismo de cooperação, mais condizente com o Estado providencialista
de cunho social como temos atualmente. Pretende-se, com isso, descentralizar
as decisões, reforçando as autonomias dos Estados e Municípios. Assim,
reiteramos, no rol das competências concorrentes arroladas no art. 24 da CF,
devemos compreender que à União caberá estabelecer as normas gerais10,
cabendo aos Estados a suplementação destas normas, por meio de regras
específicas que se adequem às particularidades regionais. São, portanto,
competências que serão exercitadas de modo cooperativo entre os entes, com
a participação integrada de todos. Prevê-se, ainda, a chamada competência
supletiva: é quando não há norma geral sobre o tema e, logicamente, não há
como o Estado ou o Município suplementar normas gerais que ainda não
existem. Neste caso, o Estado pode legislar de forma plena sobre a matéria,
até que legislação federal posterior suspenda a sua eficácia.
Embora o caput do art. 24 preveja a competência concorrente para
União, Estados e Distrito Federal, sem citar os Municípios, também se
reconhece na Lei Maior a competência suplementar municipal, conforme o art.
30, II. Ainda, o art. 23, que trata das competências comuns entre União,
Estados e Municípios, é compreendido como tendo o mesmo viés das
competências concorrentes, com o único diferencial de que neste artigo estão
10 A conceituação do que seja norma geral sempre gerou bastante polêmica doutrinária. Entende-se, no
entanto, que sejam aquelas normas que definem princípios, bases, diretrizes gerais e que não possuam
dispositivos que especifiquem nem particularizem qualquer ordem social.
9
arroladas as competências materiais/administrativas comuns, enquanto no art.
24 estão arroladas somente competências legislativas. Por se tratar de
competências materiais, o rol do art. 23 prevê que lei complementar
estabelecerá o modo de cooperação e as formas possíveis de convênio entre
os entes para a execução dos dispositivos contidos ali, sem, desta forma,
afastar a predominância da lei federal como norteadora desta relação. Como
vimos, é bom lembrar, as competências materiais ou administrativas, conforme
o princípio da legalidade, projetam uma competência legislativa implícita, já que
todo ato realizado pela Administração Pública deve estar pautado por lei que o
oriente.
3. Do Processo Legislativo – Compreendendo alguns conceitos básicos
Expusemos, no tópico 1 acima, o conceito de processo legislativo.
Detalhemos mais como ele se dá. Consolidando o que nos diz a doutrina,
podemos dividi-lo em três fases: a introdutória (ou iniciativa), a constitutiva (ou
deliberativa) e a complementar (ou final). A fase introdutória é a que dá início
ao processo legislativo, através da elaboração de uma proposição. Na fase
constitutiva, o projeto passará pelo exame de uma comissão, posteriormente a
discussão, a votação, e o encaminhamento ao Executivo para sanção ou veto.
Compreende, pois, a deliberação parlamentar e a deliberação do executivo.
Por fim, terminada a fase constitutiva, a fase complementar contém a
promulgação e a publicação.
Façamos, primeiramente, breve análise da fase de iniciativa,
compreendendo melhor como se dá e os tipos de iniciativa reconhecidos pelo
direito constitucional brasileiro. Não se trata de tema que recebe tratamento
uníssono dos pensadores do Direito, por isso trataremos de condensar, ao
máximo possível, os mínimos entendimentos comuns. É importante sua
compreensão, porque, como vimos, vivemos num Estado federado em que a
Constituição é o norte supremo, daí que o defeito de iniciativa se configura
como afronta à Lei Maior, sujando de inconstitucionalidade o procedimento de
formação de uma Lei.
3.1. Iniciativa Legislativa
Não há processo legislativo, por óbvio, sem a elaboração de uma
proposição, sem o ato que o inicia e propõe inovação do Direito. A iniciativa
legislativa é o poder de escolha, tanto do modo quanto do tempo, de se criar
inovação no mundo jurídico preexistente, transformando anseios sociais em
normas escritas (positivadas) estabelecidas. É o direito de propor atos
10
normativos, dando início ao processo legislativo. “Sem iniciativa, os órgãos
incumbidos do poder de legislar não podem exercer sua função”, nos ensina
José Afonso da Silva11. Ao colocar em movimento o processo legislativo,
aquele que o inicia também tem o poder de escolher o modo como a matéria
será regrada e como os interesses envolvidos serão tutelados pela ordem
jurídica. No Brasil, a iniciativa legislativa pode se dar pelos seguintes tipos:
3.1.1. Iniciativa Geral ou Comum.
A iniciativa geral é a que não está restrita a um legitimado com
exclusividade. Ela nos informa sobre todos os detentores possíveis de poder de
iniciativa legislativa. Está expressa no art. 61:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer
membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do
Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal
Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos
cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (Constituição
Federal/88)
Pode se perceber da passagem constitucional acima que a iniciativa
pode ser tanto individual (membro do Congresso) quanto coletiva (Comissão
Parlamentar). Pode ser parlamentar (integrantes ou órgãos do Legislativo) e
também extraparlamentar (Presidente, Procurador-Geral da República,
Tribunais). O modo como a iniciativa geral será delimitada a um ou outro titular
depende da matéria a ser tratada. Por isso, alguns autores, como Manoel
Gonçalves Ferreira Filho12, ensinam-nos que, de fato, não há iniciativa geral,
pois os legitimados arrolados no art. 61 não podem, a rigor, propor projeto
sobre qualquer matéria. As matérias que cada um pode iniciar serão definidas
no âmbito da iniciativa reservada. Entende-se, assim, que o art. 61 nos traz, na
verdade, o conjunto de legitimados possível dotado do poder de iniciativa
legislativa em nosso ordenamento jurídico. As matérias sobre as quais poderão
iniciar legislação, no entanto, serão delimitadas conforme mandamento
constitucional. Por exemplo, os Tribunais de Justiça possuem poder de
iniciativa, mas não podem legislar sobre qualquer matéria, senão aquelas que
11 SILVA, op.cit., p.135. 12 Citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a iniciativa geral – regra de que a iniciativa reservada é a
exceção – compete concorrentemente ao Presidente da República, a qualquer deputado ou senador e a
qualquer comissão de qualquer das casas do Congresso. E, acréscimo da Constituição em vigor, ao povo.
Observa-se que, em face das reservas de iniciativa adiante examinadas, rigorosamente falando, no Direito
brasileiro ninguém possui realmente iniciativa geral. A designação vale simplesmente na medida em que
significa poder propor direito novo sobre qualquer matéria (exceto as reservadas), já que os titulares de
iniciativa reservada, salvo o Presidente da República, apenas possuem iniciativa para a matéria que lhes
foi reservada. In Do Processo Legislativo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012. Pág. 229.
11
dizem respeito aos seus servidores, sua organização administrativa e demais
assuntos de seu interesse interno. Do mesmo modo, os tribunais de contas.
O art 61 se refere ao poder de iniciativa no campo da União, mas o
princípio da simetria estende aos Estados a mesma inteligência. Desta forma,
onde se lê Câmara e Senado, nos Estados, teremos Assembleia Legislativa;
onde se lê Presidente da República, teremos os Governadores, e assim
sucessivamente.
3.1.2. Iniciativa Reservada
É quando o poder de iniciativa sobre determinada matéria é conferido a
um titular com exclusividade, com o impedimento de qualquer outro. Como
exemplo, só ao Presidente (e, no caso dos Estados e Municípios, aos
Governadores e Prefeitos, pelo princípio da simetria, que determina que as
regras básicas do processo legislativo devem ser seguidas pelos estados-
membros e municípios) se dá o direito de propor leis que disponham sobre a
organização administrativa da União. A iniciativa reservada pode assumir o
contorno de iniciativa vinculada. Isso se dá quando o poder de iniciativa deixa
de ser um direito, de cunho discricionário, e passa a ser uma obrigação. Assim,
é impositivo que os Chefes do Executivo proponham as leis orçamentárias nos
prazos determinados pela Constituição. As matérias que estão impostas pela
iniciativa vinculada, caso não sejam regradas pelo titular da iniciativa, poderão
ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou mandado de
injução.
3.1.3. Iniciativa Popular
A iniciativa popular é a possibilidade dos cidadãos iniciarem o processo
legislativo. Ela está expressa no art. 61, §2º, da CF, que determina que a
iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos
Deputados de Projeto de Lei subscrito por, no mínimo, um por cento do
eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos
de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Em Goiás, a
Constituição Estadual considera iniciativa popular lei enviada à Assembleia e
subscrita por, no mínimo, 1% do eleitorado do Estado. Também prevê
possibilidade de iniciativa popular em projetos de emenda à Constituição
Estadual, no que inova em relação à Constituição Federal, que não previu a
iniciativa popular para emendas constitucionais. É entendimento da maioria da
12
doutrina que a extensão do instituto da iniciativa aos cidadãos, no caso de
Proposta de Emenda Constitucional, previsão não contemplada na Carta
Magna, incorre em inconstitucionalidade13.
Consolidado está o entendimento de que não cabe iniciativa popular em
matéria de iniciativa reservada.
4. Espécies Normativas
Quais são as espécies normativas que habitarão o processo
legislativo? A Constituição da República de 1988 reserva uma Seção ao
processo legislativo, e é dela que emana todo regramento que deve ser
observado no procedimento de formação das leis. Antes de tecermos
comentários sobre as espécies normativas previstas, faz-se relevante o contato
com o art. 59, in verbis:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.
Essas são as espécies normativas que integram o processo legislativo.
A Emenda à Constituição, por ser instituto de modificação da Lei Maior, é o
processo mais solene, e integra o chamado processo legislativo especial. É
especial o processo que possui rito diferenciado do ordinário, seja pela
iniciativa legislativa diferenciada, ou pela exigência de quórum qualificado
(como de 3/5 ou 2/3), seja por exigência de prazo determinado, ou ainda
aquele de competência exclusiva das Casas Legislativas. A Emenda
Constitucional, assim, pela sua importância para o ordenamento jurídico,
possui artigo próprio da Constituição que regra seus procedimentos:
13 Pedro Lenza, por exemplo, tem entendimento diverso, defendendo que uma interpretação sistemática
da Constituição nos levaria a aceitar a iniciativa popular em Proposta de Emenda Constitucional. Para
isso, argumenta que é o povo o titular do poder, e a iniciativa popular uma forma de atuação direta,
conforme art. 14, III. Lembra-nos ainda, que dos 26 Estados da Federação, mais o DF, não menos que 16
estabelecem a iniciativa popular em PEC nas suas constituições estaduais. A interpretação contrária, no
entanto, é a de não aceitação de iniciativa popular nessa espécie, já que o constituinte restringiu a
iniciativa legislativa para reforma constitucional. Se houve restrição, cabe a regra de que direito estrito
não comporta interpretação ampliativa. In Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Ed. Saraiva,
2015. Pág. 681,
13
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
Apreendemos deste dispositivo o quórum qualificado de 3/5 para sua
aprovação e a definição dos legitimados para a proposição da proposta, a
saber, 1/3 dos membros da Câmara ou do Senado, mais da metade das
Assembleias, e do Chefe do Executivo14. O § 4º traz as cláusulas pétreas, ou
seja, aqueles temas que não podem ser objeto de deliberação, senão pelo
poder constituinte originário. Sobre eles, não cabe emenda.
As Leis Complementares são aquelas que complementam um
mandamento constitucional. Sempre que um dispositivo da Constituição
precisa de posteriores desdobramentos (o entendimento jurisprudencial é que
no texto constitucional, essa previsão deve ser expressamente enunciada), tal
instituto é realizado através de Lei Complementar. Pelo seu contato estreito
com as questões constitucionais, exige-se quórum qualificado de maioria
absoluta para sua aprovação.
As Leis Ordinárias são o resultado da atividade legislativa de modo
geral, constituindo o processo legislativo ordinário. São aquelas que não
necessitam de trâmite especial, constituindo o maior montante do processo
legislativo. Não exigem quórum qualificado, sendo aprovadas por maioria
simples. As Leis Delegadas são editas pelo Poder Executivo, quando a
14 Interessante observar que a Constituição do Estado de Goiás traz, entre os legitimados para iniciar
proposta de emenda constitucional, a iniciativa popular, no que se difere do texto da Constituição Federal.
Entende-se essa extensão como inconstitucional, pelo princípio da simetria. De fato, a definição da
iniciativa para emendas constitucionais, dada sua importância, é questão seminal, assim entende a
doutrina majoritária, e de observância obrigatória pelos demais entes federados.
14
delegação é repassada pelo Poder Legislativo, que possui a titularidade
legislativa e a concede sob circunstâncias específicas.
As Medidas Provisórias são espécies diferenciadas e se caracterizam
por serem emanadas exclusivamente pelo Poder Executivo, e se revestem da
eficácia, da força e do valor da lei. Devem ser elaboradas para casos de
relevância e urgência. Seus efeitos são imediatos, mas temporários (60 dias,
prorrogáveis, caso ainda não votada pelo Congresso, por igual período). Para
transformar-se em lei, deverão ser votadas no Congresso Nacional. Embora a
Medida Provisória seja um instituto criado no âmbito federal e não haja
autorização expressa de sua utilização no nível estadual, o Supremo entendeu
que, pelo princípio da simetria, não é vedada a utilização deste expediente
também nos Estados15. Pelo mesmo princípio, também aos Municípios não é
vedada a utilização de Medidas Provisórias.
O Decreto Legislativo é ato normativo que se estabelece para
disciplinar matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo. Como tal,
diferencia-se de outras espécies normativas por não precisar da sanção do
Poder Executivo. Sua promulgação é feita pelo Chefe do Poder Legislativo
(Congresso Nacional, Assembleias ou Câmaras Municipais). Já as
Resoluções são ato normativo para disciplinar determinadas matérias de
competência das Casas Legislativas, e, entende a doutrina, tratam de questões
interna corporis, ou seja, seus efeitos possuem alcance interno16.
Todas essas espécies normativas previstas no art. 59 da CF são
espécies do gênero Proposição. O Regimento Interno da Câmara dos
Deputados traz algumas Proposições não previstas no texto constitucional,
porque não constituem ato normativo stricto sensu, a saber, o Requerimento, a
Emenda, o Recurso, a Indicação e os Pareceres. A Assembleia de Goiás,
inspirada no RICD, também prevê o Requerimento, a Emenda e os Pareceres
de Comissão como Proposições, além das espécies normativas do art. 59 da
CF (exceção feita à Medida Provisória, não prevista no Estado). Temos, assim,
que Proposição é toda matéria sujeita à deliberação da Casa Legislativa,
conceito extraído do art. 100 do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados17.
15 É o caso dos Estados do Acre, Piauí, Tocantins e Santa Catarina.
16 Embora a doutrina majoritária entenda a Resolução como tendo efeitos internos, a Constituição prevê
casos a serem regrados por Resolução que exorbitam o âmbito interno, como na hipótese de delegação
legislativa ao Presidente da República pelo Congresso Nacional, contida no art. 68, §2º, ou na Resolução
prevista para suspender a lei considerada inconstitucional pelo STF (art. 52, X). 17 Adotando uma análise mais crítica dessa conceituação exposta pelo RICD, não nos parece que Parecer
seja uma proposição em sentido estrito, quando documento emitido por comissão sobre Projeto de Lei.
Um Parecer de Comissão é, antes, deliberação sobre uma proposição, não se constituindo como
proposição de per si. No máximo, subproposição, ao modo das subemendas (emendas sobre emendas).
Somente pareceres que versem sobre, por exemplo, resultados de investigação sobre programas de
governo, atribuição precípua das comissões, é que podem assumir, ainda que forçosamente, o condão de
15
5. Fase Constitutiva do Processo Legislativo: as Comissões
Parlamentares
Já vimos que o processo legislativo se constitui, nas palavras do prof.
José Afonso da Silva18, num ‘processo de atos necessários à concretização da
função legislativa do Estado”. Integra, deste modo, o conjunto de
procedimentos realizados pelas Casas Legislativas para a elaboração de atos
normativos, harmonizando interesses conflitantes dos legisladores envolvidos
no processo, que representam diferentes classes e concepções de mundo, e
garantindo condições de igualdade e paridade na participação de todos.
Assinalamos ainda como princípios do processo legislativo, continuando a lição
do eminente jurista, a publicidade, a oralidade (os debates por meio da voz), o
princípio da separação entre discussão e votação, o princípio da unidade da
legislatura19 e, o que aqui nos interessa em particular, o princípio do exame
prévio do projeto por comissão parlamentar. Este princípio nos informa que
qualquer proposição que ingresse no Poder Legislativo deverá passar,
necessariamente, pelo exame de uma comissão, antes que seja discutida e
votada em plenário. As comissões exercem, portanto, papel decisivo no
processo legislativo. Elas surgem da necessidade de se discutir de forma mais
detalhada as Proposições, esmiuçar suas razões, coletar informações sobre o
projeto em tramitação, e apresentar relatórios e pareceres que possam orientar
e instruir os parlamentares para a aprovação ou rejeição do projeto. Para que a
análise seja feita de forma eficiente e racionalizada, faz-se necessária a divisão
do plenário em grupos menores, que possam se especializar em determinadas
temáticas, formando comissões parlamentares. A ideia é que as comissões,
por serem constituídas por grupos menores de parlamentares, possam, com o
passar do tempo, especializar-se na obtenção de conhecimentos específicos,
razão pela qual o número de comissões que cada parlamentar poderá
participar deverá ser limitado. É justamente para que ele se mantenha atrelado
a temáticas determinadas e possa oferecer conhecimentos e informações mais
confiáveis sobre estes temas. A razão de ser das comissões, seu conceito, é
que um grupo menor de parlamentares se reúna e possa examinar mais
pormenorizadamente o tema objeto de Proposição (por exemplo, na área da
Educação), podendo melhor fundamentar e motivar a decisão dos outros
Proposição, pois constituem documento autônomo. Os regimentos, no entanto, não fazem essa
diferenciação, e adotam a conceituação exposta acima, qual seja, a de que Proposição é qualquer matéria
submetida à deliberação do Legislativo, o que entendemos ser tecnicamente impreciso. 18 SILVA, José Afonso da. Processo Constitucional de Formação das Leis. São Paulo: Ed. Malheiros,
2007. 19 O princípio da unidade da legislatura significa que cada legislatura forma um colegiado único, de
personalidade peculiar definida, autônomo com relação à legislatura anterior e à posterior, motivo pelo
qual os projetos e comissões temporárias, ao fim do período de quatro anos, são arquivados ou desfeitas,
salvo em caso de iniciativa extraparlamentar, como os projetos de iniciativa do Executivo, Judiciário, MP,
Tribunais de Contas e popular, justamente por não integrarem o colegiado parlamentar.
16
legisladores, auxiliando, por meio de pareceres e relatórios, no conhecimento
do teor do projeto, e deliberando sobre a conveniência, a oportunidade, bem
como sobre os aspectos formais da proposição, tais como sua adequação
constitucional, legal e regimental. Podem, ainda, realizar audiências públicas,
chamar autoridades para prestar esclarecimentos, receber petições,
reclamações, fazer oitivas com especialistas, investigar e acompanhar
programas de governo, enfim, todos meios que caracterizam a busca pela
instrução e o acúmulo de informações e conhecimentos necessários à
realização das funções do Poder Legislativo.
O fluxo do processo segue então a ordem: exame por comissão,
discussão e votação. Basicamente, os pontos básicos que são discutidos nas
comissões se referem a duas análises: a de constitucionalidade e a de mérito.
A primeira, efetuada pelas comissões de constituição e justiça20 dos
parlamentos, insere-se no controle preventivo de constitucionalidade, instituto
basilar do processo de feitura das leis. Significa que a comissão responsável
pela análise de constitucionalidade fará este controle, investigando se o projeto
proposto está de acordo com a Lei Maior, nossa Constituição, e se está sendo
proposto de acordo também com as regras regimentais. Perguntas como “A
Assembleia pode legislar sobre este tema ou é tema incluso no rol privativo da
União?” ou “O deputado pode iniciar projeto de lei sobre este tema ou está
incorrendo em vício de iniciativa?” devem ser respondidas, primordialmente, no
âmbito destas comissões. O controle preventivo se caracteriza por realizar a
análise de constitucionalidade na fase de formação das leis e atos normativos.
Assim, as comissões de constituição e justiça das Casas Legislativas
brasileiras têm, quase como unanimidade em todo território, caráter
terminativo. Isso quer dizer que, uma vez declarada a inconstitucionalidade de
um projeto analisado nesta comissão, ele não mais seguirá trâmite, atingido de
morte em seu intento, restando como único destino possível o seu
encaminhamento ao arquivo, exceto se houver decisão contrária expressa do
plenário. É bom frisar que, por tratar-se de Casa política, é possível que um
projeto seja considerado constitucional pela CCJ de algum Parlamento, por
motivos diversos que envolvem a doutrina das questões políticas, e que seja,
mais à frente, objeto de contestação quanto ao seu aspecto constitucional.
Para isso, ainda no âmbito do controle preventivo de constitucionalidade,
reconhecido está o veto jurídico do Chefe do Executivo, fundamentando as
razões da inconstitucionalidade do ato normativo enviado a ele pelo Poder
Legislativo. O veto, no entanto, não tem caráter definitivo e absoluto e pode,
conforme mandamento constitucional e regimental, ser derrubado pelos
parlamentares. Acontece, assim, de uma lei ser promulgada, mesmo sendo
inconstitucional. Entrará em jogo, a partir daí, o controle repressivo (típico) de
20 Os nomes dados a essas comissões de análise de constitucionalidade variam de casa para casa.
Adotamos a nomenclatura geral ‘Comissões de Constituição e Justiça’ para falar sobre este tipo de
comissão de modo geral.
17
constitucionalidade, desta feita levado a cabo pelo Poder Judiciário, que
declarará inconstitucional o diploma legal viciado.
O segundo ponto a ser discutido no âmbito das comissões, passada a
proposição pelo crivo das comissões de constituição e justiça21, é aquele
relativo ao mérito. Este é efetuado no interior das comissões temáticas, que
devem oferecer relatórios de mérito nos projetos em tramitação. Trata-se de
analisar, agora com relação ao conteúdo do projeto, se é conveniente e
oportuno – se está em consonância com o anseio de justiça da população a
quem se dirige. Não se confunde, portanto, com aquele exame realizado no
âmbito das comissões de constituição e justiça, este puramente formal. É
análise material, ou seja, de conteúdo, que irá investigar se a proposição se
encaixa nos critérios de conveniência, oportunidade e justiça. Assim, observa
Andyara Sproesser22:
A conveniência resulta da necessidade ou utilidade da medida em face do
interesse público, da sociedade, e dos indivíduos que a compõem. A
oportunidade, por sua vez, diz respeito à adequação da medida ao tempo
em que deve ser adotada. A justiça, por fim, prende-se à compatibilidade da
medida, especificamente, com o valor do Justo.
Tem-se a impressão, muitas vezes, que o juízo de constitucionalidade é
revestido de uma importância maior do que o juízo de mérito. Não é este o
caso, embora sigam ritos diferentes. Sobre este ponto, Gilmar Mendes
discorre:
Embora a competência para editar normas, no tocante à matéria, quase não
conheça limites (universalidade da atividade legislativa), a atividade legislativa
é, e deve continuar sendo, uma atividade subsidiária. Significa dizer que o
exercício da atividade legislativa está submetido ao princípio da necessidade,
isto é, que a promulgação de leis supérfluas ou iterativas configura abuso do
poder de legislar. É que a presunção de liberdade, que lastreia o Estado de
Direito democrático, pressupõe um regime legal mínimo, que não reduza ou
restrinja, imotivada ou desnecessariamente, a liberdade de ação no âmbito
social. As leis há de ter, pois, um fundamento objetivo, devendo mesmo ser
21 Importante observar que na Câmara dos Deputados, ao contrário da regra geral seguida nas
Assembleias e Câmaras Municipais, a CCJ é a última a opinar. Tal alteração partiu de proposta do
deputado Nelson Jobim, que, à época, argumentou que, se há projetos que ficam engavetados nas
comissões temáticas, não haveria porquê passá-los antes pela CCJ apenas para sobrecarregar esta
comissão. Argumenta-se, ainda, que sendo a CCJ a última a deliberar segue-se uma lógica mais exata, já
que as emendas e modificações realizadas no projeto pelas comissões de mérito seriam ordenadas e
organizadas pela comissão de constitucionalidade, última a recebê-lo. 22 Direito Parlamentar – Processo Legislativo. 2º Ed. São Paulo: ALES/SGP, 2004, p. 91-92.
18
reconhecida a inconstitucionalidade das normas que estabelecem restrições
dispensáveis23.
O juízo de mérito e o de constitucionalidade possuem ambos o poder de
rejeição da Proposição Legislativa, podendo até, como na lição acima,
andarem em conjunto. É preciso reconhecer, no entanto, embora a doutrina
assim lecione, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre
matérias de conveniência e oportunidade é pela consideração desta questão
como de foro político, cabendo apenas aos representantes eleitos sua
determinação. É o caso, por exemplo, quando da arguição dos requisitos de
urgência e relevância necessários à aceitação de Medidas Provisórias, que o
STF entende ser decisão que cabe ao Chefe do Executivo, obedecendo ao
princípio de separação dos poderes, salvo casos excepcionalíssimos de clara
subversão destes critérios.
O exame realizado pelas comissões de constituição e justiça, como
vimos, é, na maioria das Casas Legislativas, terminativo, ou seja, caso o
projeto seja rejeitado, será encaminhado ao arquivo, salvo interferência
expressa do plenário em sentido contrário. Na Assembleia de Goiás, após o
parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, o projeto é
encaminhado ao plenário para aprovação ou não do parecer. É acontecimento
raro, no entanto, que esse parecer seja modificado, dependendo de articulação
política sobre o projeto específico, o que, na prática, demonstra o aspecto
terminativo da manifestação daquela comissão, cujos pareceres desfavoráveis
interrompem a tramitação do projeto pelas comissões de mérito,
encaminhando-os ao arquivo. Na Câmara dos Deputados e na Assembleia de
Santa Catarina, por exemplo, o parecer contrário encerra a tramitação, sem
necessidade de deliberação do plenário, salvo recurso de 1/10 (um décimo)
dos deputados. Quando não há determinação expressa de manifestação
terminativa de uma comissão, a regra geral é possuírem caráter opinativo,
oferecendo aos parlamentares uma peça opinativa, uma recomendação, sobre
o tema a ser deliberado. Isso não exclui a possibilidade, legítima a todas as
comissões, de oferecer substitutivo ou apresentar emendas, que serão
analisadas num segundo momento, quando do envio do projeto ao plenário. A
Constituição de 88, influenciada neste aspecto pela Constituição italiana,
incluiu ainda um modo muito importante de deliberação: o conclusivo. Esta
manifestação é caracterizada pela discussão e votação de uma Proposição no
interior da própria comissão, sem necessidade de levá-la a plenário
posteriormente. Por isso, chama-se conclusiva, vez que seu processo é
concluído na própria comissão. Trata-se de delegação interna corporis, quando
a Casa Legislativa delega a um órgão interno a função legislativa plena. Hoje, a
maioria dos processos que tramitam na Câmara dos Deputados é resolvida
23 MENDES, Gilmar. Questões fundamentais de técnica legislativa. In Revista Diálogo Jurídico, Ano I,
Vol. I, nº5.
19
dentro das próprias comissões, sem necessidade de deliberação do plenário. O
Regimento Interno da Assembleia de Goiás prevê, em seu art. 44, I, o caráter
conclusivo das comissões, seguindo a Constituição da República, mas o
dispositivo é incompleto e não diz quais temas serão nelas tratados
conclusivamente, o que o torna meramente simbólico. Este é um instituto,
porém, de suma importância, pois desobstrui o trabalho do plenário, poupando-
o de analisar Proposições mais simples que podem ser decididas no campo
das comissões.
Um outro poder caro às comissões e ao próprio Poder Legislativo é o
poder de emenda. Conforme ensina José Afonso da Silva, “o direito de
emendas constitui parte fundamental do poder de legislar; sem ele o Legislativo
reduzir-se-ia a um simples ratificador da vontade do titular da iniciativa ou em
simples vetante”24. O poder de emenda vai, assim, no sentido de garantir ao
parlamentar a capacidade de modificar os interesses defendidos em
determinado projeto. A emenda é correção, alteração, que se propõe a
qualquer matéria sujeita à deliberação do Legislativo, especialmente projetos
de lei complementar ou ordinária, resolução e decreto legislativo. Podem ser
supressivas (quando retiram parte de uma proposição), aglutinativa (quando
duas emendas se fundem, ou quando emenda se funde ao texto), substitutiva
(quando altera substancialmente o texto do projeto), aditiva (quando acrescenta
dispositivo ao projeto) e modificativa (quando modifica parte não substancial da
proposição). A emenda advém da própria função legislativa dos parlamentos, e
não se confunde com a iniciativa legislativa, dado que esta é a capacidade de
definir as matérias, o tempo e a forma como os interesses envolvidos serão
tutelados. As emendas, por seu turno, devem guardar pertinência temática com
a matéria a ser emendada e são também limitadas por alguns mandamentos
constitucionais. Assim é que em projetos de iniciativa reservada não cabe ao
parlamentar oferecer emenda que aumente despesa, sendo livre o
oferecimento de emendas não dispendiosas, desde que não fuja da temática
do projeto. De se ressaltar ainda que a emenda é poder exclusivo do
parlamentar, não cabendo a outra esfera de poder oferecê-la. Quando o Poder
Executivo quer emendar projeto seu enviado à Casa Legislativa, deve fazê-lo
por meio de um instituto denominado Mensagem Aditiva, a ser enviada antes
do projeto ter sido votado em qualquer comissão, dado que nesse momento
passa a se constituir como vontade do colegiado legislativo, não cabendo mais
interferência mesmo do titular da iniciativa. Também se reconhece o poder de
emenda parlamentar aos projetos orçamentários, desde que se faça a
realocação de recursos e esta não incida sobre dotações de pessoal, serviços
da dívida ou transferências tributárias constitucionais, conforme o art. 166, §3º
da Constituição da República.
24 SILVA, op. cit., pág. 195.
20
O poder de emendas assume contorno de extrema relevância no
contexto organizatório do processo legislativo, com a ampla predominância de
projetos de lei de iniciativa do Poder Executivo. É através da emenda que o
Poder Legislativo pode modificar e propor alterações nos interesses tutelados
pelos projetos de lei do Executivo. Cumpre ainda ressaltar que é no âmbito das
comissões que o poder de emenda se exerce com mais intensidade. De toda
forma, caso seja oferecida em plenário, como veremos a seguir, é regimental
que tal se dê no momento da primeira discussão dos projetos, em que é
oportuna a proposta de emendar, cabendo à segunda discussão e votação a
discussão do projeto de forma global.
Passemos à análise mais detalhada do funcionamento das comissões,
na forma estabelecida pela Constituição Federal, Estadual e pelo Regimento
Interno.
5.1. Comissões Parlamentares na Constituição de 88 e na
Constituição Estadual
A primeira Constituição a tratar das comissões parlamentares de forma
mais detalhada foi a de 1934. Neste texto legal foram introduzidos princípios
que valem ainda hoje, como o da representação proporcional, e reconhecido o
poder de iniciativa legislativa, além de prever a instauração de comissões de
inquérito para apurar fatos determinados25. Esse caminho foi continuado pela
Constituição de 46, caminho retomado após a Carta de 37 – nesta o Legislativo
esteve achatado pelo rolo compressor de um Executivo autoritário – mas é na
Constituição de 88 que as comissões ganham contornos precisos e detalhados,
ganhando novas e relevantes atribuições. Trata-se da Seção VII, incluída no
Capítulo I, que trata do Poder Legislativo. Reproduzimos o art. 58 na íntegra:
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
§ 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.
§ 2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:
I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;
II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;
25 Constituição da República Federativa do Brasil de 1934. Arts. 26 e 36.
21
III - convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições;
IV - receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas;
V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão;
VI - apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.
§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
§ 4º Durante o recesso, haverá uma Comissão representativa do Congresso Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja composição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.
Vemos, nessa passagem da Constituição, arrolados os princípios de que
temos tratado. O §1º apresenta a determinação, tanto quanto possível, da
representação proporcional. O inciso I diz respeito à possibilidade de
manifestação conclusiva das comissões, sem necessidade de deliberação do
plenário. A experiência desse poder das comissões, tanto no Congresso
quanto nas Assembleias que a adotam de forma detalhada, é bastante rica e
desobstrui a ordem do dia do plenário, tornando mais célere o processo
legislativo. Veremos que a Assembleia de Goiás chegou a prever tal
competência para as comissões, mas a falta de delimitação das temáticas a
serem tratadas conclusivamente nas comissões acabou por gerar a inutilidade
do dispositivo26.
Notamos, com efeito, nos incisos II e III a previsão de atos que servem à
coleta de informação e conhecimento para instruir o trabalho legislativo, a partir
da previsão de audiências públicas e a convocação de auxiliares do Executivo
para o fornecimento de informações. Coaduna-se, como já vimos, com a
função precípua das comissões, qual seja a de acumular e filtrar informações e
conhecimentos sobre os temas de sua responsabilidade regimental, bem como
a de fiscalizar programas de governo. Os incisos IV, V e VI se adequam à
função de fiscalização e controle próprias do Poder Legislativo, como órgão de
26 Importa observar que grupo de trabalho instaurado pela Mesa Diretora, em 2013, para a reforma do
Regimento Interno da Assembleia Legislativa de Goiás corrigira esse vácuo, indicando os temas relativos
à declaração de utilidade pública e denominação de próprios públicos entre os temas que poderiam ser
tratados conclusivamente nas comissões, sem necessidade de ir a plenário, mas o Projeto de Resolução
com o novo Regimento Interno confeccionado por este grupo de trabalho não conheceu êxito.
22
representação popular27. A Constituição também nos torna cristalino o papel de
suma relevância desempenhado pelos regimentos internos, criados por
Resolução, que, conforme interpreta a doutrina, assume força de Lei Ordinária.
A Constituição Estadual, seguindo o princípio da simetria, que nos
informa sobre a necessidade de observância obrigatória das regras básicas do
processo legislativo no nível estadual e municipal, entendimento este já
solidificado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, trata de seguir as
mesmas orientações contidas na Constituição da República, realizando, por
óbvio, a adequação daquelas normais federais ao nível regional (no nível
regional, por exemplo, não trataremos de Ministros, e, sim, de Secretários de
Estado). Citamos, a título de informação, a íntegra do art. 17 da Constituição
Estadual:
Art. 17 - A Assembleia Legislativa terá comissões permanentes e temporárias na forma e com as atribuições previstas no regimento interno ou no ato de que resultar sua criação.
§ 1º - Na constituição da Mesa Diretora e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da Assembleia.
§ 2º - Às comissões, em razão de sua competência, cabe:
I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do plenário, salvo se houver recurso deferido de um décimo dos membros da Casa;
II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;
III - receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa, contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas;
IV - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão;
V - apreciar programas de obras, planos estaduais, regionais e setoriais de desenvolvimento e, sobre eles, emitir parecer.
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no regimento interno, serão criadas pela Assembleia, a requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para promoção da responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
§ 4º - Durante o recesso, haverá uma comissão representativa da Assembleia, eleita na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições definidas no regimento interno, cuja composição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.
27 O poder de legislar e iniciar leis, curiosamente, é uma atribuição que surgiu num segundo momento na
história do Poder Legislativo. Sua função primeira era a de fiscalizar, controlar e ratificar as atividades
dos reis e soberanos.
23
Desta forma, como pudemos notar nas passagens das Constituições
Federal e Estadual acima, é atribuído ao Regimento Interno o detalhamento
das atribuições e competências específicas das comissões no interior das
Casas Legislativas. Passamos a esta análise agora.
5.2 Comissões Parlamentares no Regimento Interno da Assembleia
Legislativa de Goiás
Da inteligência dos regimentos internos, extraiu-se a divisão das
comissões em permanentes e temporárias, realizada, no caso do Regimento
Interno (RI) da Assembleia de Goiás (ALEGO), em seu art. 25. As permanentes
integram a estrutura do Poder Legislativo e não são limitadas pelo fim das
legislaturas, assumindo o papel de órgãos estáveis que têm como função
primordial a realização de atividades técnico-legislativas, indispensáveis,
assim, ao processo legislativo. As temporárias são constituídas com finalidades
específicas e/ou especiais, para apuração de fatos determinados, podendo
assumir, no caso da CPI, a natureza de investigação própria das autoridades
judiciais28 e se extinguem assim que o objetivo de sua criação for cumprido ou
decorrido o prazo estabelecido de sua duração. Neste tipo também se inclui a
Comissão de Representação, que tem como razão de ser a representação do
parlamento durante o recesso.
As comissões permanentes da ALEGO serão compostas por 7 (sete)
membros, salvo as Comissões de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), a
de Tributação, Finanças e Orçamento (CTFO)e a de Organização dos
Municípios, compostas por 11(onze) membros, obedecido, conforme já
estudamos, o princípio da representação proporcional, para garantir, no interior
da comissão, o máximo quanto possível, a representação apresentada em
plenário. A CCJ e CTFO possuem dias e horários determinados para
realizarem reuniões semanais (CCJR às terças e quintas, às 14 horas e CFTO
às quartas, às 14 horas), pois são comissões que possuem grande fluxo de
processos, devido à sua função de analisar a constitucionalidade e aspectos
regimentais de todos os projetos, no caso da CCJR, e a de análise de questões
orçamentárias, financeiras e tributárias, também de grande monta, a cargo da
CTFO. As demais comissões temáticas devem se reunir uma vez a cada
quinze dias.
28 Essa competência não é ilimitada, no entanto. Como veremos, as CPIs não devem invadir os temas
protegidos pela reserva constitucional de jurisdição, cuja decisão é reservada apenas ao Poder Judiciário.
24
Para assegurar um princípio básico das comissões, a saber, o princípio
da colegialidade29, que determina que a comissão, para funcionar, deve contar
com pluralidade de membros, estabelece-se quoruns mínimos, seja para a
abertura da reunião, para possibilidade de deliberação, ou para a votação de
projetos. Para abertura, prevê-se a presença de 1/3 (um terço) dos membros.
Para deliberação, a presença da maioria absoluta deles. Já as votações
deverão ser decididas por maioria simples30. Cumpre-nos ressaltar que quorum
tem natureza de matéria constitucional, e sua inobservância acarreta a
inconstitucionalidade, error in procedendo, por desrespeito ao devido processo
legislativo, da lei aprovada por quorum distorcido31. As reuniões têm duração
de uma hora, podendo ser prorrogadas, por decisão da maioria absoluta dos
membros. O RI prevê possibilidade de dissolução de comissões que não se
reunirem nos prazos estipulados, bem como a destituição de membros,
inclusive do presidente e do vice, que faltarem a quatro reuniões consecutivas.
Uma vez aberta a reunião, os projetos serão distribuídos a relatores escolhidos
pelo presidente da comissão, cabendo a eles o exame do conteúdo e da forma
da proposição, oferecendo, ao final, parecer pela aprovação ou rejeição,
apresentação de possíveis emendas, adequação do texto à técnica legislativa,
à legalidade, ou à maior conveniência por meio de substitutivos32, ou ainda a
conversão em diligência do processo, por meio de relatório chamado
preliminar, para que se possa encaminhá-lo a algum órgão que tenha
capacidade de emitir parecer fundamentado, a fim de melhor instrução do
processo, ou que possua atribuição legal para deliberar sobre o assunto em
tela.
O caminho da Proposição, após ser apresentada e aprovada
preliminarmente em plenário, é o direcionamento à Comissão de Constituição,
Justiça e Redação, que emitirá parecer favorável ou não quanto ao aspecto
formal (de constitucionalidade, regimental, jurídico). Confeccionado este
relatório pelo relator escolhido pela presidência da CCJR, o momento será
oportuno para sua discussão e pedido de vista, com apresentação ou não de
voto em separado. Caso não haja pedido de vista ou voto em separado, vota-
se o relatório favoravelmente ou não. Caso o voto em separado apresentado
pelo deputado que pedir vista seja aprovado, considera-se este o novo
Parecer, caindo prejudicado o relatório original do deputado relator. O projeto
volta ao plenário para ratificação deste documento. Aprovado pelo plenário, é
então encaminhado, conforme o tema, à comissão a quem cumpre examinar a
questão, para elaboração de parecer quanto ao mérito. O RI da ALEGO
29 Ver ZACANI, G. As Competências do Poder Legislativo e as Comissões Parlamentares. São Paulo:
Malheiros, 2009. P.97 30 Maioria simples é mais da metade do número de presentes na reunião, também chamada de relativa. Já
a maioria absoluta constitui mais da metade do total de membros da Comissão. 31 SILVA, op. cit., p. 353. 32 Como o próprio nome indica, o substitutivo é o oferecimento de um novo texto que substitui o original
apresentado.
25
considera como Parecer o relatório aprovado na comissão, ou seja, uma vez
aprovado o relatório favorável, pela votação dos integrantes da comissão,
torna-se Parecer, e é novamente encaminhado ao plenário, desta feita para
entrar na ordem do dia e iniciar a primeira discussão e votação33. A partir dessa
fase, o projeto só volta às comissões caso seja emendado em plenário. Caso
não seja, seguirá tramitação normal à segunda discussão e votação e dali,
aprovado, à extração de autógrafo e envio à Governadoria para sanção ou
veto. Caso seja emendado, retorna à CCJR, até novo Parecer ser elaborado e
levado a plenário para as duas discussões e votações necessárias. Cabe
assinalar que Projetos de Resolução cumprem rito de discussão e votação
única, salvo o Projeto de Resolução para reforma do Regimento Interno, que,
conforme a força de lei que se assentou no entendimento doutrinário e da
própria jurisprudência do STF (PET 1.414-3/MG), e, dada sua força normativa
para direcionar os procedimentos do processo legislativo, conforme
mandamento constitucional, deve passar por duas discussões e votações. No
âmbito das comissões, portanto, o projeto pode ser aprovado, aprovado com
emendas, ou rejeitado.
A figura do Presidente de Comissão é de suma importância para a
realização dos trabalhos no sistema de comissões. Pela relevância de sua
atuação, reproduzimos abaixo, na integra, o art. 65, do RI:
Art. 65. Ao Presidente de comissão compete:
I – determinar, na impossibilidade de obedecer ao disposto no art. 31, os dias
das reuniões ordinárias da Comissão, dando ciência à Mesa, que fará publicar
o ato no Diário da Assembleia, com antecedência mínima de 24 (vinte e quatro)
horas;
II – convocar reuniões extraordinárias de ofício ou a requerimento de um terço
dos membros da Comissão;
III – presidir todas as reuniões da Comissão, nelas manter a ordem e a
solenidade necessárias;
IV – dar conhecimento à Comissão da matéria recebida, bem como dos
relatores designados;
33 Cabe aqui um pequeno comentário de ordem técnica. É que relatório não é avaliação nem julgamento.
Relatar significa narrar, descrever um trâmite, por isso entendemos que a expressão ‘relatório de mérito’ é
equivocada. Só é possível um parecer de mérito, já que o parecer, sim, envolve avaliação e deliberação.
O relatório é parte integrante do parecer, constitui sua fase inicial e instrui sobre o andamento do
processo, desde a iniciativa até o ponto em que está no momento da deliberação do relator. Tecnicamente,
portanto, não vislumbramos que um relatório se torne parecer pela mera aprovação de comissão. São duas
coisas distintas. Após a aprovação da comissão, o relatório, parte integrante do parecer, continua sendo
relatório, e o parecer, que é constituído pelo relatório e pelo voto do relator, também não modifica, como
num passe de mágica, sua natureza. Trata-se, aos nossos olhos, de impropriedade técnico-teórica do
regimento.
26
V – designar relatores e distribuir-lhes a matéria sobre que devam emitir
parecer;
VI – solicitar ao secretário que proceda à leitura da ata da reunião anterior,
submetendo-a à votação;
VII – conceder a palavra aos membros da Comissão, nos termos deste
Regimento;
VIII – advertir o orador que se exaltar no decorrer dos debates ou faltar à
consideração a seus pares ou representantes do poder público;
IX – interromper o orador que estiver falando sobre o vencido ou se desviar da
matéria em debate;
X – submeter à voto as questões sujeitas à Comissão e proclamar o resultado
da votação;
XI – assinar pareceres com o Relator e demais membros das comissões; XII –
solicitar ao Presidente da Assembleia substitutos para membros da Comissão,
no caso de vaga, ouvidos os respectivos líderes;
XIII – representar a Comissão nas suas relações com a Mesa, com as outras
comissões e com os Líderes;
XIV – resolver, de acordo com o Regimento, todas as questões de ordem
suscitadas na Comissão;
XV – conceder vista de proposição aos membros da Comissão, na fase de
discussão de matéria;
XVI – não permitir a publicação de conceitos, expressões e discursos
infringentes das normas regimentais.
Parágrafo único. O Presidente não pode atuar como relator nem terá direito a
voto a não ser em caso de empate, em votações nominais e secretas.
De se observar ainda a impossibilidade do autor da matéria em
discussão e votação na comissão ser o seu relator (art. 66), o que coaduna
com os princípios básicos da teoria geral do processo. Quanto aos
procedimentos deliberativos, adota-se nas comissões os mesmos
procedimentos do plenário, como o prazo de 10 (dez) minutos para discussão e
o de 5 (cinco) minutos para encaminhamento de voto.
Vimos que a Proposição, quando da apresentação do relatório na
comissão, pode sofrer pedido de vista e receber voto em separado. Aqui
anotamos um poder conferido pelo Regimento Interno ao Líder de Governo, na
esteira das ideias que temos discutido sobre a prevalência do Poder Executivo
sobre o processo legislativo. É que se determina, conforme o art. 37, que o
Líder do Governo terá direito a ser o último a pedir vista, o que demonstra a
condição histórica do agigantamento do Executivo na elaboração e na
27
condução do processo legislativo, fato este que é universal34, não
caracterizando somente o modo como se organiza o poder no Estado de
Goiás. Na mesma linha, o RI da ALEGO prevê a figura da Comissão Mista, de
natureza sui generis, que é formada por 3 (três) ou mais comissões, sendo
obrigatória a participação da CCJR, da CTFO e da comissão temática
responsável por discutir o assunto. Sua função é a votação de projetos em
regime de urgência e daqueles projetos cujos prazos para oferecimento de
parecer expiraram no âmbito das comissões temáticas. O rito, desta forma, é
mais acelerado. O prazo para relatar é de duas reuniões da Comissão Mista,
com interstício mínimo de vinte e quatro horas entre as reuniões. O prazo para
pedido de vista é de uma reunião, obedecido o mesmo interstício de vinte e
quatro horas. O RI prevê o máximo de oito matérias em tramitação simultânea,
sendo quatro de iniciativa parlamentar e quatro de iniciativa da governadoria.
Esse número pode ser relaxado por solicitação do Líder do Governo ou da
maioria dos Líderes de Bancadas, desde que submetidos a plenário. Ainda na
análise da participação ativa do Poder Executivo no processo legislativo, é
facultado ao líder do governo a participação nas comissões técnicas que
discutam Projetos de Lei de iniciativa do Governador. Destacamos, por fim, o
veto35 como forma de controle do processo legislativo por parte do Executivo,
vez que se tem como acontecimento incomum, embora aconteça, o de se
derrubar o veto em plenário, até pela condição de quorum exigido, necessária
maioria absoluta para o feito. Aos deputados, porém, é assegurado o escrutínio
secreto nesta votação, justamente para garantir-lhes a autonomia e evitar
constrangimentos políticos de integrantes da base de apoio do governo que
decidam pela rejeição do veto. O Poder Executivo é, com efeito, o grande
timoneiro do processo legislativo. Após a Constituição de 88, segundo estudo
realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, a taxa de
dominância (que mede o montante de Proposições que foram apresentadas
pelo Executivo em comparação com as apresentadas por parlamentares) é de
82%, e a taxa de sucesso (quantidade de projetos iniciados pelo Executivo e
aprovados pelo Legislativo) é de 73%. Nos âmbitos estadual e municipal, a
regra não muda muito, sendo sempre acima de 70% o valor das taxas de
dominância e sucesso legislativo.
34 José Afonso da Silva nos leciona que “A atribuição do poder de iniciativa das leis ao Poder Executivo
no direito constitucional contemporâneo constitui princípio universal.” SILVA, op.cit. p. 139. 35 O veto deve ser devidamente fundamentado, podendo suas razões se basearem em argumentação de
constitucionalidade ou de conveniência (mérito), seguindo as duas linhas de exame que vimos serem
feitas pelas comissões. Assegura-se também a possibilidade de veto parcial, ou seja, de apenas trecho do
texto da lei. Esse instituto foi criado para se evitar as chamadas “caudas orçamentárias” nos projetos de
leis orçamentárias. Isso se dava quando parlamentares incluíam nestes projetos toda sorte de interesses,
vez que a impossibilidade de veto parcial, somada à necessidade de aprovação do orçamento, fazia com
que leis neste campo fossem aprovadas com vários dispositivos inconvenientes e perigosos para a ordem
financeira pública. Ver Manoel Gonçalves Filho in Do Processo Legislativo. São Paulo: Ed. Saraiva,
2012. P.245.
28
Durante as reuniões das comissões, deve-se, salvo em caso de
processos especiais, observar a seguinte ordem:
1) Aberta a reunião, observado seu respectivo quorum, o Presidente
solicitará a leitura da ata anterior pela Secretaria, colocando-a em
apreciação;
2) Por solicitação do Presidente, a Secretaria da Comissão realizará a
leitura da matéria constante do expediente;
3) O Presidente procederá a distribuição para relatoria, das proposituras
recepcionadas pela Comissão;
4) O Presidente comunicará aos Deputados, membros da Comissão, a
oportunidade para devolução de relatórios e entrega de votos em
separado, bem como de apresentação de requerimentos;
5) Os relatórios entregues serão informados pelo Presidente,
disponibilizando-os no Portal da Assembleia, sendo estes incluídos na
ordem do dia da próxima reunião ordinária;
6) Os votos em separado serão respectiva propositura, para que possam
ser apreciados pelo mesmo, em relatório conclusivo, a ser entregue na
próxima reunião ordinária;
7) Os relatórios serão colocados em discussão e votação, separadamente,
respeitada a ordem do dia;
8) Na votação de relatórios, vota-se primeiramente e em conjunto tudo
aquilo que for consensual, passando posteriormente à votação dos
pontos divergentes;
9) Salvo disposição em contrário, as deliberações nas comissões serão
tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta dos
Deputados;
10) Nos casos omissos as comissões adotarão, por analogia e no que
couber, o estabelecido regimentalmente às sessões plenárias, ficando a
cargo do Presidente decidir conclusivamente em casos de dúvida,
visando resguardar o bom andamento das reuniões.
5.3. Comissões Parlamentares de Inquérito
Por fim, resta-nos tecer alguns comentários sobre as Comissões
Parlamentares de Inquérito, órgãos fundamentais na consecução da função
29
fiscalizatória, que pressupõe a investigação, do Poder Legislativo. Está ligada
também, intimamente, à sua função legislativa, já que se reconhece plena a
sua capacidade de iniciativa legislativa, se assim entender a conclusão de suas
investigações. Como comissões temporárias, são criadas com prazo definido e
investigarão fato determinado, sendo necessário Requerimento de 1/3 (um
terço) dos deputados para sua abertura. A Constituição da República não
define o que seja fato determinado, o que gerou bastante discussão doutrinária
sobre a necessidade de conceituação acurada desta expressão. Quem a
delimitou, de toda forma, foi o Regimento Interno da Câmara dos Deputados,
no que foi seguido pelas demais Casas Legislativas do país. Entende-se,
assim, por fato determinado, o acontecimento de relevante interesse para a
vida pública, a ordem constitucional, legal, social e econômica, que demande
investigação, elucidação e fiscalização. Esse escopo de investigação, o objeto
próprio da CPI, deve estar expresso de forma cristalina no Requerimento de
abertura. O prazo de sua duração deve ser de até 120 (cento e vinte) dias,
prorrogável por mais 60 (sessenta) dias. Obedecendo ao princípio da unidade
da legislatura, as CPIs não podem atravessar de uma legislatura para outra,
sendo o fim da legislatura o seu limite fatal.
Entende-se que dispõem de poderes próprios das autoridades judiciais,
no entanto há limites de atuação. Não podem as CPIs, por exemplo, invadir a
reserva constitucional de jurisdição, que são aquelas questões que só ao Poder
Judiciário é conferida competência de decisão. Assim, tem as CPIs, por
exemplo, como reconhece a jurisprudência, poder de quebra de sigilo bancário
e telefônico. Este último, porém, não alcança a modalidade de interceptação
telefônica, que é um dos quatro temas atingidos pela reserva de jurisdição. A
CPI poderá ter acesso apenas ao registro textual de chamadas, não podendo
fazer escuta de áudio em tempo real, o que é permitido apenas por decisão
judicial. Não pode a CPI, também, decretar prisão, já que não possui poderes
sancionatórios a priori. A decretação de prisão também se inclui na reserva
constitucional de jurisdição36. Vemos, comumente, pessoas que são
convocadas pela CPI se protegerem com habeas corpus preventivo, mas essa
proteção se dá apenas para evitar a prisão em flagrante, que não é abarcada
na reserva de jurisdição e é poder de qualquer cidadão brasileiro, evitando
assim, no momento do depoimento, evitar a prisão em flagrante por falso
testemunho, em caso de ser colocado em contradição.
Conforme o princípio federativo da autonomia dos entes que compõem a
Federação, não pode a CPI estadual imiscuir-se em questões federais ou
municipais, bem como intimar ou convocar autoridades federais e/ou
municipais. Da mesma forma, não pode intimar membros do Judiciário para
36 Constituem ainda temas da reserva de jurisdição a inviolabilidade do domicílio e a quebra do sigilo dos
processos.
30
prestar depoimento sobre a função jurisdicional, em obediência ao princípio da
separação dos poderes. Mesmo autoridades estaduais, como os Secretários de
Estado, apesar de se considerar seu comparecimento como obrigação, não
podem ser conduzidos coercitivamente caso não compareçam. Responderão,
no entanto, por crime de responsabilidade, conforme a Lei 1.079/50. Em
resumo, podemos dizer que a CPI poderá convocar Secretários de Estado,
autoridades da administração indireta, Conselheiros do TCE, e Deputados
Estaduais, e convidar autoridades federais, o Governador e o Vice, membros
do Tribunal de Justiça, membros do Ministério Público, Prefeitos e Vereadores.
Sobre os contornos da CPI, o trabalho realizado pelas procuradoras
Regiani Meira Marcondes e Ruth Pettersen, da ALEGO, é esclarecedor.
Citamos:
As CPI’s não acusam, não processam, não julgam, não condenam, não
impõem pena. Sua função é somente investigar, produzir provas acerca do fato
determinado que fundamentou a sua criação. O papel das CPI’s esgota-se na
elaboração do relatório final da investigação. Concluídas as investigações, se
forem apurados ilícitos, o relatório será encaminhado ao ministério público,
para que este promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Os
detentores dos “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”
não ganharam, com a constitucionalização dessa assertiva, atribuições de
autoexecutoriedade. A Carta de 1988 não conferiu ao inquérito parlamentar a
prerrogativa de executar certas deliberações, as quais devem sempre obedecer
ao limite da reserva constitucional de jurisdição.37
Finalmente, o RI da ALEGO prevê, no rol das comissões temporárias, a
Comissão de Sindicância, que tem por finalidade proceder à investigação
sumária de fatos determinados, referente ao interesse público, que não se
confunde com os poderes da CPI, e é, na maioria dos casos, formada para
investigar questões de cunho administrativo interna corporis.
6. Fase complementar do Processo Legislativo
Finalizada a discussão e a votação de um Projeto de Lei, este será
encaminhado para a extração de autógrafo, que é a autenticação de que o
projeto, quanto à fase deliberativa parlamentar, chegou ao fim, com as
emendas e modificações, ou não, aprovadas em plenário. Está pronto, desta
37 Comissões Parlamentares de Inquérito. Noções, competências e limites. ALEGO: disponível em
http://al.go.leg.br/arquivos/procuradoria/nocoes_sobre_cpi.pdf
31
forma, para ser enviado ao Poder Executivo, para que este se manifeste
através da sanção ou do veto. Dá-se, após a manifestação do Executivo pela
sanção, início à fase final do processo legislativo38, chamada constitutiva. Com
a sanção, cabe ao Chefe do Executivo a promulgação, que é a comunicação
de sua existência como direito novo. O Ato de Promulgação é, assim, sempre
iniciado com a expressão “Faço saber...”, ou seja, é ato que dá ciência aos
órgãos públicos de que o ordenamento jurídico foi inovado. À promulgação se
segue a publicação, que é a comunicação do ato promulgatório aos
destinatários da lei. É com a publicação que a promulgação é comunicada ao
público em geral e é a partir dela que a lei começa sua vigência.
Em caso de veto por parte do Governo, no Regimento Interno da
Assembleia de Goiás, o projeto retorna à Casa para cumprir tramitação, via
processo especial. É encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e
Redação para que, no prazo de cinco dias, emita-se parecer. Pronto o parecer,
o projeto será colocado na ordem do dia da primeira sessão a se realizar, e
será de trinta dias o prazo máximo para deliberação. A votação se dá em turno
único, sendo considerado o veto aprovado por maioria absoluta dos deputados.
Definida a votação, o projeto é enviado ao Governador para aí, sim, proceder à
promulgação e publicação. Se não o fizer dentro de 48 horas, como vimos,
caberá ao Presidente da Assembleia a promulgação. Se este não o fizer em
igual prazo, caberá ao Vice-Presidente da Casa fazê-lo, sob pena de crime de
responsabilidade.
38 Se o Executivo não a promulgar, cabe ao Presidente da Assembleia tal tarefa. Este não o fazendo,
caberá ao Vice-Presidente da Assembleia. Caso não o faça, incorrer