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A REVOLUO DOS BICHOS, DE GEORGE ORWELL:
TRADUO E MANIPULAO DURANTE ADITADURA MILITAR NO BRASIL
Christian Hygino Carvalho
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Christian Hygino Carvalho
A REVOLUO DOS BICHOS, DE GEORGE ORWELL:
TRADUO E MANIPULAO DURANTE ADITADURA MILITAR NO BRASIL
Monografia submetida aoDepartamento de Letras EstrangeirasModernas da Universidade Federal deJuiz de Fora, como parte dos requisitospara a obteno do grau de bacharelem Letras: nfase em Traduo -Ingls, elaborada sob a orientao da
Profa. Dra. Maria Clara Castelles deOliveira.
Juiz de ForaInstituto de Cincias Humanas e de Letras
Universidade Federal de Juiz de ForaMaro de 2002
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BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Maria Clara Castelles de Oliveira (Orientadora)
Prof. Eliana Martins Rocha
Prof. Dr. Maria Lcia Campanha da Rocha Ribeiro
Instituto de Cincias Humanas e Letras da UFJFJuiz de Fora, maro de 2002.
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DEDICATRIAS
Deus,
Por vezes, senti meu corpo fraquejar, e Tu estendeste Tua mo e ergueste-me. Porvezes, senti minha alma se abater, e Tu me deste coragem para prosseguir. Porvezes, senti meu esprito desvanecer, e Tu enviaste o Teu prprio esprito para meconsolar. Hoje, a vitria minha... e a Ti, meu Deus, toda honra e toda glria,eternamente, amm...
Prof. Dr. Maria Clara Castelles de Oliveira,
Pela orientao, dedicao, pacincia e apoio. Seus conselhos estarosempre presentes ao longo de minha vida profissional e pessoal.
Prof. Ana Cludia Peters Salgado,
Pela iniciativa de reativar nosso Bacharelado em Letras, conselhos e apoio.
Aos professores do Departamento de Lnguas Estrangeiras Modernas e do Institutode Cincias Humanas e Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora,
Muito obrigado por todo o conhecimento que vocs transmitiram em suasaulas.
Aos amigos discentes do curso de Bacharelado em Letras - nfase em Traduo -Ingls da Universidade Federal de Juiz de Fora,
Pela companhia em toda essa longa caminhada. Pelos momentos detristezas e alegrias que compartilhamos juntos. Pela fora que sempre mederam nos melhores e piores momentos de minha vida. "Aonde quer que euv", levo todos vocs em meus pensamentos. Muito obrigado.
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AGRADECIMENTOS
Deus, por me conceder a vida.
Em memria daqueles que prosseguiram em suas viagens: minha bisav Maria, meutio-av Francisco, Prof. Beatriz Gomes Guerra (Magistra), meus amigos lio eGilsandro, av Joaquim e av Magdalena, agradeo, de corao, pela fora quevocs me deram aqui, nessa vida, e pelas vibraes positivas que vocs tmenviado da. Vocs se foram, mas sempre carrego vocs em meu corao.
Ao meu pai lson, pela fora e amor que sempre me deu. Por no ter me deixadodesistir dos estudos. Por sempre me mostrar que sou capaz, que no h nadaimpossvel, que nosso esforo nos leva a lugares nunca dantes imaginados. Apesar
de nossas divergncias, me orgulho muito de voc, pai. Te amo! Ningum nuncaest sozinho!
minha me Angela, pelo amor e preocupao infindvel com relao ao meudestino. Muito obrigado, tambm, pela fora que, mesmo em seus momentos detristeza, conseguiu me fornecer para que eu me sentisse importante e forte. Adistncia fsica no representa nada se comparada aos nossos pensamentos. Teamo!
minha irm Aline e meu cunhado Fran Srgio (Shell), pela fora e amor quesempre me deram. Por cuidarem um do outro. E, agora, por estarem trazendo omeu/minha sobrinho(a). Que Deus ilumine vossos caminhos! Amo vocs!
minha namorada e companheira Cristina, por ter entrado no meu caminho. Por semostrar to bela. Por ter entendido todos aqueles "hoje, no poderei te ver..." "nosei se poderei ir...". Por abrir meus olhos quando eu insistia em fech-los. Por ter meoferecido seu ombro, quando eu fraquejava. Por me complementar. Por me amar.Por ter entendido que a minha "distncia" era fruto de muito trabalho e cansaomental. Te amo!
minha Orientadora Prof. Dr. Maria Clara Castelles de Oliveira, apesar de todo o
conhecimento que voc transmitiu em suas excelentes aulas e orientaes, agora,no tenho palavras para traduzir toda a minha gratido. Muito obrigado pelosconselhos, pela preocupao e fora. Tenho muita admirao pela sua tica eprofissionalismo. Sempre procurarei aproximar-me ao mximo daquilo que acreditoser realmente um exemplo de educadora e que, em voc, percebi ser o exemplomais fiel.
A todos os meus parentes e amigos, obrigado pela fora que vocs sempre mederam. Pela compreenso quando estive "sumido" por alguns tempos. Vocs somuito importantes para mim. No pensem que a importncia de vocs no togrande quanto a dos acima mencionados. Vocs so muitos e no haveria espao
suficiente se fosse agradecer um por um. Posso faz-lo pessoalmente. "Vocssabem quem so vocs".
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Ao final do sculo mais violento da histria, quandomesmo o ar que respiramos pode estar contaminado porforas desconhecidas e no vistas por ns, quanto maiscompreenso tivermos dos processos que moldamnossas vidas, mais esperanosos poderemos estar de umfuturo de maior integridade.
SUSAN BASSNETT E ANDR LEFEVERE
... a traduo, como todas (re)escrituras nunca inocente.
Existe sempre um contexto no qual a traduo acontece,h sempre uma histria da qual um texto emerge e dentroda qual um texto transposto.
SUSAN BASSNETT E ANDR LEFEVERE
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SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................................... 9
CAPTULO 1TRADUO E HISTRIA ........................................................................................ 13
CAPTULO2AS RELAES BRASIL - ESTADOS UNIDOS APS A 2 GUERRA MUNDIAL .. 18
2.1 OBRASIL ANTES DE 1964 ..................................................................................... 20
2.1.1 DE GETLIO VARGAS A JNIO QUADROS....................................................... 21
2.1.2 OGOVERNO DE JOO GOULART................................................................... 24
2.2 OBRASIL PS-64 .................................................................................................. 27
2.3 AREPRESSO EM SEU APOGEU -1968A 1974 ........................................................ 30
2.4 ACAMINHO DA ABERTURA...................................................................................... 33
2.5 ACAMINHO DA DEMOCRACIA.................................................................................. 35
CAPTULO 3PROCESSOS DE MANIPULAO NA IMPRENSA E NA TRADUO ................. 40
3.1 AMANIPULAO NOS MEIOS DE COMUNICAO........................................................ 41
3.1.1 OCOMPLEXO IPS-IBAD NO PERODO PR-E PS-64 ............................................ 44
3.2 TRADUO,MANIPULAO E PATRONAGEM............................................................. 493.2.1 OCONCEITO DE INTERPRETANTE................................................................... 56
3.2.2 ATRADUO E SEUS PARATEXTOS................................................................ 58
3.2.2.1 CAPA............................................................................................... 60
3.2.2.2 ORELHAS......................................................................................... 62
3.2.2.3 APRESENTAO............................................................................... 62
3.2.2.4 ANTE-ROSTO.................................................................................... 63
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3.2.2.5 FOLHA DE ROSTO............................................................................. 63
3.2.2.6 VERSO DA FOLHA DE ROSTO.............................................................. 63
3.2.2.7 PREFCIO........................................................................................ 64
CAPTULO 4A TRADUO DE ANIMAL FARM.......................................................................... 67
4.1 OANIMAL FARME O SEU AUTOR .............................................................................68
4.2 ANIMAL FARMNO CONTEXTO BRASILEIRO................................................................ 71
4.3 ANLISE DOS PARATEXTOS..................................................................................... 73
4.3.1 CAPA .......................................................................................................... 73
4.3.2 ORELHAS .................................................................................................... 75
4.3.3 APRESENTAO........................................................................................... 76
4.3.4 ANTE-ROSTO............................................................................................... 78
4.3.5 VERSO DO ANTE-ROSTO............................................................................... 79
4.3.6 FOLHA DE ROSTO......................................................................................... 80
4.3.7 VERSO DA FOLHA DE ROSTO......................................................................... 81
4.4 TTULO DO LIVRO................................................................................................... 81
4.5 REBELLION =REVOLUO? ................................................................................... 84
CONCLUSO ........................................................................................................... 97
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................100
ANEXOS .................................................................................................................104
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INTRODUO
Traduzir-se a literatura ocidental no Brasil ou na Amrica
Latina no um gesto inocente. Cada ato de traduotransporta a cultura ocidental - da, o duplo significado dese traduzir a literatura ocidental: a traduo reescreve ooriginal mas tambm reescreve a histria: a traduorepresenta o original mas tambm representa a histria.
ELSE VIEIRA
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O panorama da traduo no contexto brasileiro alterou-se por volta dos anos
30 do sculo XX, quando o pas comeou a editar os seus prprios livros. Nesse
momento, o volume de traduo em lngua inglesa passou a suplantar o volume de
traduo em lngua francesa, principalmente. Em outras palavras, o ingls passou a
assumir a posio de lngua de cultura. Simultaneamente, os Estados Unidos
assumiram uma posio de maior destaque no cenrio poltico e econmico
brasileiro, mais evidentemente aps a 2. Guerra Mundial, quando o mundo se
dividiu em dois grandes blocos, um dos quais liderados pelos norte-americanos.
A histria nos mostra o quanto a presena norte-americana no Brasil
determinou a ideologia que conduziu ao golpe militar de 64 e a sustentou durante os
anos da ditadura. Nesse sentido, este trabalho pretende discutir a traduo no
contexto da ditadura militar instaurada no pas em 1964, detendo-se,
especificamente, em uma obra publicada no mesmo ano e intitulada A Revoluo
dos Bichos, uma traduo do original Animal Farm, de George Orwell, concludo em
1944 e publicado um ano depois.
O livro A Revoluo dos Bichos foi resultado de um programa de tradues
implementado por uma instituio denominada Ips (Instituto de Pesquisa e Estudos
Sociais). Aos olhos dessa instituio, formada por civis e militares, Animal Farmera
uma obra que poderia ser usada como uma arma anticomunista pois, ao final da
mesma, com o autor tendo traado semelhanas entre homens e porcos, quando
governantes, acabava por ridicularizar todos aqueles que diziam lutar por uma
sociedade igualitria. Assim, os militares procuravam levar aos cidados brasileiros
o temor de uma nova corrente poltica que se dizia mais justa, igualitria e favorvel
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aos ideais populares, criando na mente dos brasileiros um sentimento de recusa ao
sistema comunista.
O trabalho a que me proponho a realizar constitui-se um suplemento ao
estudo feito por Liliam Mara Rodrigues Silva em sua dissertao de mestrado,
procurando fornecer uma nova camada interpretativa que se sobrepor ao original,
lembrando o conceito de traduo de Benjamim (1970) e a interpretao que dele foi
feita por Derrida (1985). Dessa maneira, atravs de textos de Perseu Abramo, Andr
Lefevere, Theo Hermans, Mary Snell-Hornby, Else Vieira, entre outros, procuro
mostrar os mecanismos de manipulao no processo de traduo de uma obra
escrita em outro tempo e em outro lugar, Animal Farm. Essa obra, anos mais tarde,
lembrada no contexto brasileiro atravs de uma traduo que visava aos
propsitos de sedimentar uma postura anticomunista e de sustentar a ideologia do
golpe militar de 1964. Alm de analisar os paratextos da traduo do livro de Orwell,
focalizo minhas atenes nas interpretaes surgidas na leitura do original e na
leitura da respectiva traduo brasileira, contrastando ambas. Acredito que esse
trabalho venha a fornecer uma compreenso mais elucidativa da histria poltico-
cultural do pas no perodo mencionado.
No captulo 1, demonstro como traduo e histria possuem relaes
intrnsecas, de tal modo que o estudo da traduo permite resgatar fatos no
revelados anteriormente em abordagens de perodos especficos da histria de uma
sociedade. Nesse entrelaamento de traduo e histria, utilizarei conceitos e idias
defendidos por Judith Woodsworth, Jean Delisle e Lia Wyler.
No captulo 2, apresento um panorama geral do Brasil em termos sociais,
polticos e econmicos aps a 2. Guerra Mundial, chegando at o final de 1989,
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quando, aps a ditadura militar, foi eleito o primeiro presidente atravs do voto
direto. Nesse captulo, procuro destacar a presena dos Estados Unidos da Amrica
na vida de nosso pas. Para tal, utilizei como fontes: 1964: A Conquista do Estado:
ao poltica, poder e golpe de classe, de Ren Armand Dreifuss; Brasil: de Castelo
a Tancredo, 1964-1985, de Thomas E. Skidmore, e O Golpe de 64 e a Ditadura
Militar, de Jlio Jos Chiavenato.
No captulo 3, abordo os processos de manipulao da informao
presentes nos campos da imprensa em geral e da traduo. Para isso, no que diz
respeito manipulao na imprensa, utilizo material encontrado na internet, de
autoria de Perseu Abramo. No que diz respeito manipulao no contexto da
traduo, trabalho com textos de Hermans, Lefevere, Snell-Hornby, entre outros.
Durante o presente captulo, apresento dados que confirmam o quanto, no momento
de preparao do golpe e durante o perodo da ditadura militar, a informao -
veiculada por diferentes meios - foi manipulada por institutos tais como o Ips,
mencionado anteriormente.
No captulo 4, apresento, de forma geral, os contextos ingls e brasileiro
quando da poca de lanamento da primeira edio do original e da traduo da
obra de George Orwell, respectivamente, Animal Farm e A Revoluo dos Bichos.
Aps essa localizao temporal, analiso os paratextos e extratos textuais da
traduo brasileira, explicitando a manipulao ocorrida nos mesmos sob a luz dos
conceitos apresentados no captulo 3.
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CAPTULO 1
TRADUO E HISTRIA
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Segundo Judith Woodsworth (1996), "em muitas disciplinas, o treinamento
inclui uma boa dose de histria" (p. 9), citando como exemplos disciplinas como a
histria da msica, a histria da cincia, a histria da medicina, etc.. Diz ela que tal
fato demonstra a importncia do estudo da historiografia em quaisquer reas do
saber. Assim, da mesma forma que acontece com os outros cursos, o mesmo
deveria acontecer com os de traduo, nos quais uma disciplina em tais moldes teria
por objetivo preencher lacunas deixadas pelos estudos pr-acadmicos, que deixam
a desejar em termos de conhecimentos gerais sobre as diferentes culturas de
tempos remotos e dos atuais (1996:11).
Avaliar o passado uma atividade de grande valia para a compreenso do
mundo atual, uma vez que o homem, atravs do conhecimento de erros antes
cometidos, adquirir o discernimento necessrio para se esquivar de situaes
semelhantes. Pode-se dizer que o conhecimento do passado via traduo
promover uma abertura para uma melhor compreenso da histria no momento em
que um texto estrangeiro aportou em seus domnios.
Woodsworth defende que, assim como as teorias lingsticas da traduo
foram estendidas, suplementadas ou, at mesmo, substitudas pelas teorias
culturais, a traduo dever ser analisada em seu contexto sociolgico e cultural
(1996:11). Essa "virada cultural" nos estudos da traduo pode ser considerada
como o incio dos estudos da histria da traduo, demonstrando que as atividades
tradutrias esto ligadas aos projetos intelectuais, religiosos ou ideolgicos e esto
intimamente relacionadas com eventos ou movimentos histricos maiores (1996:12).
Segundo Woodsworth, o estudo da histria da traduo estaria baseado na
anlise tanto da histria da prtica quanto da histria da teoria, pois, assim,
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poderamos descobrir quem eram os tradutores, quais textos eles traduziam; sob
quais circunstncias o faziam; como eles avaliaram seus trabalhos; o que eles
escreviam em seus prefcios e pesquisas e como as tradues foram avaliadas em
diferentes perodos da histria (1996:12-13).
Tanto para Woodsworth quanto para Jean Delisle (1995), desde quando os
homens comearam a desenvolver seus sistemas de escrita, os tradutores serviram
como ligaes vitais para a transmisso de conhecimentos entre pessoas separadas
por barreiras lingsticas. Assim, foram construdas pontes entre as naes, raas,
culturas e continentes, pontes entre o passado e o presente. Os tradutores, segundo
eles, tm a habilidade de atravessarem tempo e espao (p. 13).
Ainda segundo Woodsworth e Delisle, os tradutores costumavam ser
criticados pela sociedade, sendo chamados de traidores e oportunistas. Tal fato,
segundo eles, se deve ao medo que as pessoas das culturas receptoras apresentam
perante valores novos, estrangeiros e, s vezes, estranhos a elas. Desse modo, a
sociedade no estaria criticando o tradutor, mas a situao em que elas so postas
(1995:13). Os autores acrescentam que, essa situao, que coloca em questo
nossos prprios valores e nos fora a nos analisarmos, sempre nos deixa em uma
posio no muito confortvel (1995:14). Desse modo, "a construo de uma histria
da traduo traz luz o complexo trabalho dos intercmbios culturais entre os
povos, culturas e civilizaes atravs dos anos" (DELISLE, WOODSWORTH,
1995:15).
Dentro dessa perspectiva do estudo da histria da traduo como uma forma
de se resgatar fatos histricos de um pas, Lia Wyler, em Uma Perspectiva
Multidisciplinar da Traduo no Brasil (1999), alega que, por vrios sculos, a
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traduo permitiu, nos pases europeus, um intercmbio variado, cuja baixa
intensidade favoreceu uma assimilao lenta e fecunda dos produtos culturais que
se destacaram em cada poca, ao passo que, no Brasil, ao invs desse intercmbio
lento, variado e multidirecional, a traduo contribuiu para a construo de culturas
hegemnicas de substituio, ao invs de alimentar as culturas nacionais (WYLER,
1999:97).
Durante os 300 anos aps o descobrimento, poca em que o Brasil foi
proibido de imprimir e importar livros que no passassem por Portugal, os produtos
culturais da Frana acabaram reinando em nosso pas, uma vez que a produo
brasileira era insignificante. Essa hegemonia francesa ficou registrada nas canes
de gesta do folclore nordestino, nas conspiraes e revoltas do Brasil colonial,
principalmente nos sculos XVII e XVIII, inspiradas nas idias de pensadores
franceses como Rousseau, Montesquieu, Fnelon, Diderot e outros (WYLER,
1999:99).
A Abolio da Escravatura, a Proclamao da Repblica, a reforma de
ensino proposta por Benjamim Constant, o republicanismo autoritrio que
desencadeou o Estado Novo e a Revoluo de 1964, segundo Wyler, foram
influenciados pelo positivismo de Auguste Comte. Assim, percebemos que as
tradues serviram como foras modeladoras em nossa cultura, influenciando a
maneira de pensar do povo e dos nossos dirigentes.
A partir da 2. Guerra Mundial, como mencionado na introduo, os Estados
Unidos assumiram uma posio de maior destaque no cenrio poltico e econmico
brasileiro e, em meados da dcada de 60, o governo norte-americano passou a
investir de forma significante na indstria editorial brasileira, que havia perdido sua
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competitividade devido ao aumento dos custos grficos e de uma taxa de cmbio
que progressivamente favoreceu a importao de livros estrangeiros (WYLER,
1999:101).
Os Estados Unidos, cientes de tal aceitao do mercado brasileiro diante de
suas obras, criaram um programa de edio de livros norte-americanos a serem
traduzidos para o portugus. Segundo Wyler, a agncia responsvel por tal
programa "escolhia os autores do interesse do governo norte-americano, pagava os
direitos autorais, selecionava e subsidiava os tradutores e at financiava os custos
de produo dos livros no Brasil" (1999:101). Desse modo, levando-se em conta que
os Estados Unidos possuam interesses polticos e econmicos no Brasil, podemos
afirmar que as tradues, principalmente a partir da dcada de 60 e durante os anos
da ditadura militar brasileira, foram condicionadas por tais interesses.
A traduo, como uma forma de relatar fatos histricos, pode ser vista como
uma reescritura, um transplante de uma realidade que, talvez, j no mais exista, em
uma outra cultura. Diante dessa afirmao, poder-se-ia dizer que, assim como as
culturas se diferem uma das outras, suas maneiras de interpretar e fazer uso de
determinados fatos tambm sero diferentes, resultando, dessa maneira, em textos
que se diferem quanto s suas ideologias. Assim, um mesmo texto adquire vrias
roupagens ao sofrerem um deslocamento no tempo e no espao.
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CAPTULO 2
AS RELAES BRASIL - ESTADOS UNIDOS APSA 2 GUERRA MUNDIAL
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Nesse segundo captulo, levando-se em conta os governos ps-2. Guerra
Mundial, trao um panorama da interferncia norte-americana na vida econmica e
poltica brasileira. Pretendo, com isso, demonstrar que tal interferncia serviu como
uma forma de patrocinar e sustentar o golpe de 64. Com relao a essa interferncia
norte-americana no contexto brasileiro, Jlio Jos Chiavenato, em seu livroO Golpe
de 64 e a Ditadura Militar, afirma que os Estados Unidos, aps a deposio de
Vargas, interferiram em todos os golpes de Estado no Brasil, acrescentado que os
embaixadores norte-americanos, a partir da dcada de 60, conspiraram com os
polticos de direita e que o golpe de 64 no teria ocorrido sem tal apoio internacional
(1994:39).
Dessa maneira, podemos perceber que a influncia dos Estados Unidos em
nossa vida poltico-econmica era visvel, podendo tambm ser ilustrada atravs do
grupo de oficiais brasileiros que, influenciados pelo modelo da National War College
(Academia Nacional de Guerra) dos Estados Unidos, fundaram, em agosto de 1949,
a ESG (Escola Superior de Guerra). Essa escola, segundo Chiavenato, somente a
partir de 1963 transformou-se em importante clula pensante aglutinadora das foras
que posteriormente dariam o golpe (1994:45). Ela funcionava como um centro de
estudos polticos muito influente, que fornecia a civis e militares de destaque cursos
de um ano de durao, nos quais eram ensinadas tcnicas para o combate "guerra
interna". Essa teoria, que foi "introduzida pelos militares no Brasil por influncia da
Revoluo Cubana" (SKIDMORE, 1988:22), sustentava a idia de que a principal
ameaa ao pas estava dentro de seu prprio territrio. Segundo eles, os sindicatos
trabalhistas de esquerda, os intelectuais, as organizaes de trabalhadores rurais, o
clero, os estudantes e professores universitrios eram uma constante ameaa ao
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sistema capitalista vigente. Dessa forma, essas categorias deveriam ser
"neutralizadas" ou at mesmo "extirpadas atravs de aes decisivas" (SKIDMORE,
1988:22). Os diplomandos dessa escola recebiam como prmio "uma visita aos
Estados Unidos e uma honrosa entrevista com o seu presidente" (CHIAVENATO,
1994:46). Tudo isso subsidiado pelo prprio governo norte-americano.
2.1 OBRASIL ANTES DE 1964
Com o fim da 2. Guerra Mundial, em meados de 1945, o mundo se
bipolarizou em dois segmentos poltico-ideolgicos: de um lado estavam os pases
que seguiam o capitalismo, liderados pelos Estados Unidos, e do outro estavam os
que seguiam o comunismo, liderados pela Unio Sovitica. Os anos que se
seguiram foram representados pela disputa de poder entre essas duas principais
potncias. A Unio Sovitica, segundo Chiavenato, havia reconhecido o direito de os
Estados Unidos de controlarem a Amrica Latina (1994:59), o que levou esse pas a
exercer uma crescente influncia, principalmente sobre o Brasil, possuidor de um
grande, rico e bem localizado territrio. A partir de ento, o pensamento da elite
governante brasileira, principalmente o da representada pelos militares, como
tambm de grande parte do empresariado nacional, passou a ser norteado pelo
modelo poltico-econmico americano. Foi nesse momento tambm que os contatos
do Brasil com a lngua inglesa se fizeram mais fortes, transformando essa lngua em
principal fonte da literatura traduzida, em substituio ao francs, at ento
considerada a lngua de cultura no pas. O volume de tradues, nesse contexto,
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aumentou, assim tambm como houve uma aproximao cultural da lngua inglesa.
Desse modo, o estilo de vida norte-americano foi sendo paulatinamente incorporado
nossa cultura.
Durante esse perodo imediatamente ps-guerra, o presidente da repblica
foi Eurico Gaspar Dutra, um militar que havia sido o Ministro da Guerra de 1936 a
1945. Seu governo, que se iniciou em 1946 e terminou em 31 de janeiro de 1951,
no ser alvo de ateno desse trabalho, tendo em vista que, procurando levantar
dados que ilustrem as relaes entre os Estados Unidos e o nosso pas, considero
ser mais produtivo analisar o perodo que se inicia com o segundo governo de
Getlio Vargas. No entanto, importante mencionar o fato de Dutra ter decretado a
ilegalidade do Partido Comunista, dando um poder maior aos Estados Unidos e seu
sistema poltico em territrio brasileiro.
2.1.1 DE GETLIO VARGAS A JNIO QUADROS
De 1951, ano em que Getlio Vargas assumiu a presidncia, at 1954,
quando ele cometeu suicdio, temos um perodo reconhecido pela sua "poltica de
cunho nacionalista e populista" (SKIDMORE, 1988:26), que se caracterizou, entre
outros acontecimentos, pela queda dos preos do caf no mercado internacional,
pela luta em prol do monoplio nacional do petrleo, pela tentativa de melhorar os
salrios dos trabalhadores, enquanto, por outro lado, os dos militares "encolhiam".
Tais atitudes, fundamentadas no modelo dos partidos socialistas democrticos
europeus, nos quais se espelhava o partido de Getlio Vargas, o PTB (Partido
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Trabalhista Brasileiro), conduziram a um aumento da inflao interna, o que gerou
insatisfao popular. Surgiu, tambm, uma grande insatisfao por parte dos
militares, que viam a atual poltica brasileira como uma ameaa ao sistema
capitalista, e, conseqentemente, um apoio ao comunismo.
Em 1955, assumiu o poder Juscelino Kubitschek, que pautou o seu governo em
um rpido crescimento econmico, conduzido pelo lema "50 em 5"; pelas inovaes
(construo da nova capital federal em Braslia e criao da SUDENE, por exemplo);
pelo incentivo dado ao capital estrangeiro para investir em setores como a indstria
de automveis; pelo rompimento com o FMI (Fundo Monetrio Internacional), em
1959, e pelo conseqente despertar do nacionalismo no pas, o que, por sua vez,
causou insatisfao entre os polticos pertencentes UDN (Unio Democrtica
Nacional), principal partido conservador da poca, fundado para combater a ditadura
em 1945, e entre muitos militares que no simpatizavam com a poltica do partido de
Juscelino Kubitschek, o PSD (Partido Socialista Democrtico).
Assim, em 1960, a UDN escolheu como candidato presidncia Jnio
Quadros, um modesto ex-professor de So Paulo, com um excepcional carisma
poltico, que j havia sido eleito prefeito da cidade de So Paulo e governador do
estado de mesmo nome. A UDN, apesar de saber que a identificao partidria de
Quadros era mera convenincia e que ele j havia trocado algumas vezes de
partido, se interessou por ele, pois, segundo Skidmore, o mesmo professava muitas
das posies udenistas, como a intransigncia com a corrupo, a suspeita em
relao a obras faranicas, a preferncia pela livre empresa e a nfase nos valores
do lar e da famlia, alm de ser um poltico que conquistava facilmente muitos votos
e que prometia erradicar a inflao e racionalizar o papel do Estado na economia
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(1988:28). Com toda essa credibilidade, Quadros venceu as eleies em 1960 e, em
1961, assumiu a presidncia da Repblica, formando um governo com nomes que
estavam comprometidos com a poltica financeira do grande capital norte-americano.
Mas, por outro lado, Quadros comeou a proferir discursos demaggicos e
nacionalistas, que incomodaram os defensores do capitalismo. E ele no ficou
somente nos discursos. Segundo Chiavenato, o ento presidente:
... reatou relaes diplomticas com os pases do Leste Europeu;mandou representantes s conferncias de Cairo e Belgrado,defendendo posies hostis aos Estados Unidos; e, talvez o maisimportante, apoiou o ingresso da China Popular na ONU(Organizao da Naes Unidas).Com o presidente Frondizi, da Argentina, tentou formar uma frente ingerncia dos Estados Unidos na poltica dos pases sul-americanos. Recusou as presses de enviados do governo norte-americano (Adolf Berle e Moors Cabot) para "amenizar" sua polticaexterna. Convidou o governador do Rio Grande do Sul, LeonelBrizola (na poca, uma espcie de "demnio" para a direita), paraintegrar a misso brasileira na Conferncia de Punta del Este.Defendeu a libertao dos povos africanos, opondo-se polticaimperialista de Portugal, apoiada pelos Estados Unidos. Finalmente,condecorou o astronauta sovitico Iri Gagrin e, culminando, fez omesmo com Ch Guevara, o smbolo da Revoluo Cubana.Parecia um governo de esquerda... (1994:10).
Nesse clima de aparente apoio s idias socialistas, Jnio Quadros foi muito
pressionado, perdeu o apoio poltico que precisava para se manter no poder e, sem
condies de articular sua defesa, acabou renunciando Presidncia, quase sete
meses depois de sua posse.
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2.1.2 OGOVERNO DE JOO GOULART
Joo Goulart, o vice-presidente, deveria assumir o cargo deixado por
Quadros, mas Gabriel Grm Moss, Brigadeiro da Aeronutica, Odlio Denis, General
de Guerra, e Slvio Heck, Almirante da Marinha, ento ministros militares, vetaram a
posse de Goulart, que se encontrava em misso oficial na Repblica Popular da
China. O motivo alegado pelos militares foi o de que Goulart havia concedido
posies importantes em sindicatos trabalhistas a simpatizantes do comunismo,
quando ministro do ltimo governo de Getlio Vargas. Naquele momento, ele
tambm props o aumento salarial dos trabalhadores. Assim, no era de se
estranhar o medo que os militares tinham de deixar o poder em suas mos. Ao
tentar impedir a posse de Goulart, eles procuraram fazer uma eleio indireta para
colocar um general no poder, para impedir o que eles acreditavam ser uma "ameaa
comunista" e a conseqente perda do apoio poltico e financeiro dos Estados
Unidos. Os militares no conseguiram xito e a posse de Joo Goulart foi inevitvel.
Chegou-se soluo de que Goulart assumiria, mas com poderes reduzidos,
transformando, dessa maneira e atravs de uma emenda constitucional, o Brasil em
uma repblica parlamentar.
Goulart, ao mesmo tempo em que lutou para readquirir os poderes perdidos,
lutou tambm contra uma inflao altssima e contra a perda da credibilidade com os
credores internacionais, que estavam atentos s tendncias socialistas do governo.
Entre as marcas mais importantes desse governo encontram-se as reformas de base
apresentadas pelo prprio presidente. Segundo Chiavenato, "as reformas de base
abarcavam quase toda a sociedade. Existiam planos para as reas eleitoral,
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administrativa, tributria, urbana, bancria, cambial, universitria e, certamente a
mais polmica, a agrria" (1994:14). Uma das reformas, a urbana, buscava a
desapropriao de imveis excedentes desocupados, ou seja, um indivduo poderia
ter somente um determinado nmero de imveis, o restante seria desapropriado e
financiado pelo Estado para aqueles que no possussem ainda um imvel prprio.
Essa reforma colocava em pnico muitos proprietrios e especuladores. Outra
reforma seria a bancria, que tinha como objetivo a nacionalizao de todos os
bancos estrangeiros e a participao dos bancrios em sua direo. Uma terceira
reforma de importncia seria a eleitoral, que incomodou bastante as elites polticas e
a hierarquia militar, pois concedia direito de voto aos analfabetos e soldados. Mas,
segundo Chiavenato, "a proposta que mais sensibilizou a nao e irritou as elites
sociais - e religiosas - foi a Reforma Agrria (...) A mera divulgao de que o projeto
de Reforma Agrria estava sendo remetido ao Congresso praticamente derrubou o
presidente Joo Goulart" (1994:15). Concomitante a tudo isso, de acordo com
Skidmore, "em Washington, o assessor de Segurana Nacional, McGeorge Bundy,
monitorava pessoalmente o trfego telegrfico originrio do Brasil, sinal indisfarvel
da preocupao da Casa Branca de que o pas desse uma guinada para a
esquerda" (1988:20).
O governo de Goulart exerceu um controle mais rigoroso sobre as empresas
estrangeiras que se instalavam no pas somente para conquistar o poder
monopolista do mercado e, assim, enviar a maior quantia de lucros possvel para
suas matrizes no exterior. Esse controle pode ser exemplificado por uma lei,
aprovada pelo Congresso, em 1962, que tornava a poltica de remessa de lucros
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mais severa e que, por sua vez, demostrava o nacionalismo radical predominante no
Legislativo daquela poca.
A conspirao contra o governo de Goulart, que estava crescendo mais a
cada dia, j mostrava sinais de vitria: alguns polticos se apresentavam
publicamente como coniventes interveno dos Estados Unidos na poltica
nacional, os jornais j apresentavam o desejo da classe dominante como sendo de
toda a populao e o descontentamento com a situao era crescente entre os
militares, empresrios e toda a classe dominante. Em 1963, segundo Chiavenato,
cerca de 4 mil cidados norte-americanos obtiveram vistos para se fixarem no
nordeste brasileiro e outros 3 mil foram recusados. Em 1963, havia mais norte-
americanos nessa regio do que na Segunda Guerra Mundial, quando eles tinham
vrias bases no local (1994:66). O apoio dos Estados Unidos na formao de grupos
treinados para implementar o novo governo, contrrio ao de Goulart, era
incontestvel.
Assim, com todo o aparato poltico fornecido pelo governo norte-americano,
os militares, apoiados no s por membros da populao em geral, mas tambm por
institutos, sobre os quais se falar mais tarde, e empresrios, que se sentiam
ameaados pela "onda comunista", tomaram o governo em 31 de maro de 1964. O
golpe, segundo Chiavenato, teve incio com o deslocamento das tropas em Minas
Gerais, na madrugada do dia 31, onde o general Mouro Filho, chefe da IV Regio
Militar, em Juiz de Fora, justificou o movimento alegando que o presidente Goulart
tinha abusado do poder e devia ser afastado (1994:46). Aqui, vale ressaltar que,
segundo Dreifuss, o general, que h muito se destacava como contrrio ao governo
Goulart, apesar de ter sido uma pea-chave para o desencadeamento do golpe, no
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trabalhava dentro das instituies que se encarregavam da preparao do mesmo,
funcionando mais como um informante de suas prprias atividades do que um
receptor de informaes sobre qualquer movimento estruturado contra Joo Goulart
(DREIFUSS, 1981:374-375). Assim, como j haviam traado anteriormente tticas
para a derrubada do poder e a instaurao de um governo militar, os militares e
polticos de direita de todo o territrio brasileiro, apoiando a deciso do general
Mouro Filho e percebendo que o governo federal se encontrava incapaz de
qualquer reao ou ttica defensiva, fizeram com que o golpe repercutisse
rapidamente em toda a nao, mudando, dessa maneira, o rumo de toda a poltica
brasileira.
2.2 OBRASIL PS-64
Aps o golpe de 1964, a luta passou a ser a de decidir quem chefiaria o
novo governo militar. Nos bastidores, se esquivando de todos os trmites da
constituio, a maioria dos revolucionrios militares e civis escolheram o
coordenador da conspirao militar, o general Castelo Branco, como novo
presidente. O governo foi formado por administradores, polticos e representantes de
interesses econmicos ou sociais das classes dominantes.
Do golpe de 64 at 1968, temos quatro anos que se caracterizaram,
principalmente, pela promulgao dos atos institucionais, que foram uma maneira
encontrada pelos militares de exercerem o controle poltico-ideolgico, sem se
tornarem inconstitucionais. O primeiro Ato Institucional (AI-1), promulgado em 9 de
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abril, permitia, mediante investigao sumria e excluda a apreciao judicial, a
demisso, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que houvessem atentado contra
a segurana do pas, o regime democrtico e a probidade administrativa. Esse ato
conferia ainda ao Presidente a Repblica a faculdade de suspender direitos polticos
e cassar mandatos legislativos. O artigo 7 do AI-1 possibilitou o afastamento de
professores e cientistas de faculdades, o que promoveu a conhecida "evaso dos
crebros", tudo em prol da manuteno da chamada "segurana nacional"
(CHIAVENATO, 1994:66).
A represso militar no se restringiu aos atos institucionais. Ainda em abril
de 1965, a Universidade de Braslia foi invadida por soldados da Polcia Militar de
Minas Gerais, fortemente armados, que procuraram armas, levaram para a
delegacia universitrios e professores, os fizeram depor, os mantiveram presos e,
mais tarde, os indiciaram em Inqurito Policial Militar, que nada concluiu.
Em 1965, surgiu o AI-2, que extinguiu os partidos polticos, suspendeu
garantias constitucionais de estabilidade, vitaliciedade, inamovibilidade e previu a
possibilidade de decretao do estado de stio. Em novembro do mesmo ano, foi
criado o bipartidarismo, surgindo a Arena (Aliana Renovadora Nacional) e o MDB
(Movimento Democrtico Brasileiro). Assim, o governo tornava mais fcil a vitria de
seus candidatos e dificultava, conseqentemente, o ingresso de um esquerdista no
governo ditatorial.
A disposio do governo em favorecer os Estados Unidos se tornou visvel,
quando, em 1967, o Artigo 161 da Constituio do mesmo ano, considerou as
riquezas minerais como propriedade distinta do solo, permitindo a sua extrao por
sociedades organizadas no pas. Isso significava que as multinacionais que
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possuam filiais em territrio nacional tinham direito de explorar nossos minrios
(CHIAVENATO, 1994:72).
Em maro de 1967, Costa e Silva assumiu o cargo deixado por Castelo
Branco. Costa e Silva, que fazia parte da chamada "linha-dura", tornou o governo
ainda mais ditatorial: decretou uma nova constituio; promulgou a Lei de
Segurana Nacional, que transformava todo e qualquer cidado em um suspeito de
subverso; criou a Lei de Imprensa, "com restries brutais liberdade de
informao" (CHIAVENATO, 1994:66).
No entanto, o povo procurava cada vez mais formas de resistncia: lutas
clandestinas, greves, manifestaes estudantis e em fbricas. Essa insatisfao
resultou na Passeata dos 100 mil, em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro, que
reuniu estudantes, artistas, intelectuais, representantes do clero, sindicalistas e povo
em geral. Uma comisso foi criada para levar at o presidente as reclamaes da
sociedade civil. Para impedir manifestaes do tipo e outras mais extremas, o
governo promulgou, em dezembro de 1968, o AI-5, que autorizou o presidente da
Repblica a colocar em recesso o Congresso Nacional e as Assemblias
Legislativas estaduais e deu ao presidente plenos poderes para cassar mandatos
eletivos, suspender direitos polticos, demitir ou aposentar juzes e funcionrios.
Esse ato suspendeu o habeas corpus e autorizou o julgamento em tribunais de
crimes polticos. O AI-5, que nasceu para inibir as greves dos metalrgicos de
Contagem (MG) e Osasco (SP), conter manifestaes estudantis e anular a
crescente militncia dos trabalhadores, marcou o incio da mais severa poca para a
populao brasileira durante o perodo ditatorial.
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2.3 AREPRESSO EM SEU APOGEU -1968A 1974
O AI-5, diferentemente dos outros atos anteriormente promulgados, no
possua "prazo de validade", o que, praticamente, tornava eterna a ditadura
instaurada em 1964 (CHIAVENATO, 1994:77). Os militares, segundo exposto no
prprio texto do AI-5, deveriam governar "preservando a ordem, a segurana, a
tranqilidade, o desenvolvimento econmico e cultural e a harmonia poltica e social
do Pas comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionria" (AI-
5). Assim, tudo que fosse considerado contrrio ao governo, que pusesse em risco o
bem-estar da nao, era rotulado de subversivo.
O AI-5, ao conferir aos militares tais poderes, acabou se tornando um marco
do fim da "liberdade de expresso", antes assegurada pela Constituio a todo e
qualquer cidado. A anulao desse direito pode ser vista como o incio da censura,
uma palavra que, a partir desse momento, se tornou uma constante no cotidiano do
brasileiro durante o regime militar e que, do lado dos militares, se tornou a mais
poderosa arma contra o cidado que insistia em ter idias contrrias que
ameaavam a to aclamada segurana nacional.
Em agosto de 1969, a Junta Militar, composta pelo marechal Mrcio de
Souza e Melo (Aeronutica), pelo general Aurlio de Lyra Tavares (Guerra) e pelo
almirante Augusto H. Rademaker Grnewald (Marinha), assumiu a presidncia no
lugar de Costa e Silva, que foi afastado devido a uma trombose. O vice-presidente,
Pedro Aleixo, um civil com fama de "liberal", no pde assumir a presidncia por
motivos bvios (CHIAVENATO, 1994:77). Essa Junta Militar criou, em setembro de
1969, a Lei de Segurana Nacional que, juntamente com o AI-5, promoveu
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acusaes, perseguies e mortes de muitas pessoas que, diante dos olhos do
governo, atentavam contra a paz e o progresso da nao. Ela autorizou "o governo
federal a intervir em virtualmente qualquer nvel de atividade social se julgasse que a
segurana nacional havia sido violada" (SKIDMORE, 1988:219). Para tornar ainda
mais eficaz a represso aplicada pelo governo, os militares promulgaram, em 9 de
setembro de 1969, o AI-14, que autorizou a pena de morte para subversivos.
Diante dessa situao, em que o governo assumiu poderes arbitrrios
devido promulgao de atos institucionais e seus respectivos atos
complementares, o pas passou a se caracterizar pela censura a todo tipo de arte,
informao e cultura. Segundo Skidmore, a censura, que at meados de janeiro de
1969 foi exercida por oficiais do Exrcito, em setembro de 1972, foi assumida pela
Polcia Federal, que:
... passou a mandar suas ordens de censura aos editores, portelefone ou por escrito. Os assuntos geralmente proibidos eramatividades polticas estudantis, movimentos trabalhistas, pessoasprivadas dos seus direitos polticos e ms notcias sobre aeconomia. As notcias mais sensveis eram as referentes aosmilitares - o que quer que pudesse causar dissenso nas forasarmadas ou tenso entre os militares e o pblico (1988:267).
Em 25 de outubro de 1969, Emlio Garrastazu Mdici foi indicado para a
presidncia da Repblica, tendo tomado posse em 30 de outubro de 1969. O
governo Mdici recebeu "novos ministros, que eram principalmente administradores,
em contraste com outros Ministrios desde 1964, constitudos mais com polticos
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profissionais e representantes de interesses econmicos ou sociais" (SKIDMORE,
1988:213). Esse fato nos mostra o quo o governo militar estava envolvido com
empresrios, tecnocratas e outros defensores do capitalismo.
O governo Mdici se caracterizou, principalmente, pelo "milagre econmico",
que levou a classe mdia alta a um consumo desenfreado, e pela perseguio a
estudantes e professores, principalmente queles pertencentes ao meio acadmico.
Expulses, prises e torturas eram uma constante dentro das universidades e
faculdades. Vale ressaltar que as nicas faculdades que eram poupadas de tais
aes eram as de economia (SKIDMORE, 1988:220), talvez pelo simples fato de
que o governo militar era composto por muitos profissionais oriundos dessas
faculdades. Apesar da perseguio, o governo Mdici no deixou de dar assistncia
ao ensino superior e aumentou o oramento do mesmo, o que representou um
nmero maior de vagas nas universidades e a contratao de mais professores.
Tudo isso graas ao boomeconmico que caracterizou esse governo.
Enquanto, de um lado, o boom econmico do governo Mdici agradava
bastante aos Estados Unidos, por outro lado, as perseguies e torturas aos
subversivos incomodavam o pas chefe do capitalismo e principal investidor em
terreno brasileiro, a ponto de, em um editorial do New York Times, o redator ter
questionado se o Brasil precisava de represso para ser bem sucedido na economia
(SKIDMORE, 1988:308). Esse questionamento representou a opinio pblica norte-
americana a respeito da represso brasileira, mas no impediu que o governo norte-
americano considerasse o desenvolvimento brasileiro de acordo com suas
preferncias e permitisse seu secretrio de Estado, William Rogers, visitar o Brasil
em maio de 1973 e demonstrar a continuao do apoio norte-americano ao governo
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Mdici (SKIDMORE, 1988:308). Em 15 de maro de 1974, Ernesto Geisel, eleito
indiretamente pelo Congresso, assumiu a sucesso de Mdici. O seu governo foi
marcado pelo incio de uma poltica de abertura considerada lenta e gradual.
2.4 ACAMINHO DA ABERTURA
O governo Geisel tinha quatro metas principais. A primeira era continuar com
o apoio da maioria dos militares, ao mesmo tempo em que tentava reduzir o poder
da chamada "linha dura", restabelecendo o carter estritamente profissional dos
oficiais das foras armadas. Buscava-se o apoio de militares pois, em tal momento,
se o presidente no tivesse esse apoio, certamente no alcanaria seus objetivos e,
conseqentemente, no realizaria qualquer mudana poltica significativa. A
segunda meta do presidente Geisel era continuar com o controle dos subversivos.
Dessa maneira, o governo tinha que manter um equilbrio coerente entre essa e a
primeira meta. Deveria perseguir subversivos e centro-esquerdistas para adquirir a
confiana dos militares e, assim, posteriormente e/ou concomitantemente, pr em
prtica a primeira meta anteriormente mencionada. A terceira meta, que era bastante
delicada, consistia em retornar democracia. Isso no significava que Geisel
permitiria o ingresso da oposio no poder. Seu governo tinha em mente um sistema
democrtico, no qual o partido do governo continuasse a mandar sem contestao.
Para tal, deveria caminhar lentamente, executando um trabalho de tranqilizao
dos militares. A quarta meta do governo consistia em manter as taxas de
crescimento do pas em alta. Acreditava-se que, ao manter essas taxas em
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constante crescimento, o bolo cresceria de forma notvel e, conseqentemente, uma
diviso desse bolo em partes mais dignas e justas seria possvel sem que qualquer
camada social se sentisse prejudicada. Para ilustrar essa posio de abertura lenta
e gradual do governo Geisel, temos um discurso feito pelo prprio presidente no
princpio de 1975:
O que almejamos para a nao (...) um desenvolvimento integradoe humanstico, capaz, portanto, de combinar, orgnica ehomogeneamente, todos os setores - poltico, social e econmico -da comunidade nacional. Com esse desenvolvimento quealcanaremos a disteno (destaque do original) - isto , aatenuao, se no eliminao, das tenses multiformes, semprerenovadas, que tolhem o progresso da nao e o bem-estar do povo(GEISEL citado por SKIDMORE, 1988:343-44).
O interessante que, no mesmo discurso, segundo Skidmore, ele anunciou
que o governo no pretendia abrir mo dos poderes adquiridos por fora do AI-5.
Assim, ele fortalecia a idia de que, somente se os militares tivessem confiana no
governo e em sua poltica de manuteno da to aclamada segurana nacional, a
oposio poderia esperar "um retorno ao imprio da lei" (1988:344). Uma atitude
que, ao mesmo tempo em que tranqilizava os militares, agradava aqueles que
gostariam de viver em um pas verdadeiramente democrtico. Em termos de
reduo da poltica repressiva dos militares, tivemos, no governo de Ernesto Geisel,
como principais conquistas, a restaurao do habeas-corpus, a revogao do AI-5, o
retorno da grande maioria dos refugiados polticos e a suspenso da censura.
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Essa liberalizao do governo Geisel abriu um espao para que
manifestaes comeassem a surgir, reivindicando justia e o fim da represso, que
vinha sendo conduzida pelos militares. Dessa maneira, bombas em editoras,
associaes e outras instituies passaram a ser uma constante, assim como
passeatas e manifestaes. Como exemplos, temos os atentados Associao
Brasileira de Imprensa e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ambas no Rio de
Janeiro, em 19 de agosto de 1976; o atentado Editora Civilizao Brasileira, no Rio
de Janeiro, em 6 de dezembro de 1976; a passeata de cinco mil estudantes, saindo
do campus da USP e chegando at o Largo de Pinheiros, sob vigilncia de forte
aparato policial, em fevereiro de 1977; a Campanha pela Anistia Ampla, Geral e
Irrestrita, durante os anos de 1978 e 1979, e a greve dos metalrgicos no ABC, que
se alastrou por So Paulo, Osasco e Campinas, durante os meses de maio, junho e
julho de 1978, entre muitas outras manifestaes contra o governo ditatorial.
2.5 ACAMINHO DA DEMOCRACIA
Em outubro de 1978, o Congresso elegeu Joo Baptista Figueiredo como
presidente, que, por sua vez, comprometeu-se a dar continuidade abertura lenta e
gradual que havia se acelerado no ltimo ano do governo Geisel. Em um de seus
discursos, Figueiredo disse que reafirmava os compromissos da Revoluo de 1964
de assegurar uma sociedade livre e democrtica, reafirmando, tambm, seu
inabalvel propsito de fazer do Brasil uma democracia, garantindo a cada
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trabalhador a remunerao justa e o financiamento, pelos prprios brasileiros, dos
custos do desenvolvimento. (FIGUEIREDO citado por SKIDMORE, 1988:412).
O ano de 1979, segundo Skidmore, foi um perodo de negociao na poltica
brasileira. O pas enfrentava um ndice alto de inflao e vrios outros problemas de
ordem econmica, mas Figueiredo tinha outras preocupaes que, naquele
momento de abertura poltica, julgava serem mais importantes, por exemplo, a
anistia, que se tornou um tpico fundamental para o abandono do regime autoritrio
e a reintegrao na sociedade dos milhares de exilados polticos que tiveram que
sair foragidos do pas desde 1964. Manifestaes populares eram uma constante e,
onde quer que houvesse multides, os defensores da anistia apareciam para
protestar. Assim, em agosto de 1979, a lei da anistia foi aprovada pelo Congresso,
beneficiando todos os presos ou exilados por crimes polticos desde setembro de
1961 e devolvendo aos mesmos os direitos que haviam perdido quando da
promulgao dos atos institucionais (SKIDMORE, 1988:422-23).
O governo Figueiredo percebeu que, ao permitir somente a existncia de
dois partidos polticos (Arena e MDB), a oposio se tornava mais forte. Assim,
decidiu que seria mais seguro dissolver o bipartidarismo e promover a criao de
mltiplos partidos com elementos da oposio, mantendo as foras do governo em
um nico partido de novo nome e adquirindo, aos poucos, o apoio daqueles mais
conservadores. Dessa maneira, no ms de novembro do mesmo ano, um projeto de
lei com esse objetivo foi enviado ao Congresso e aprovado, efetivando a vontade do
governo (SKIDMORE, 1988:427-28).
Os anos seguintes, 1980 e 1981, foram marcados por exploses. Donos de
bancas de jornais eram ameaados e impedidos de vender publicaes de cunho
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esquerdista, uma carta-bomba foi enviada OAB, um carro explodiu no
estacionamento do Riocentro, onde se realizava um espetculo a favor das causas
esquerdistas, o que demonstrou a inquietao dos militares da direita frente
abertura poltica do atual governo, uma vez que fortes indcios demonstravam o
envolvimento dos militares nesse ltimo atentado.
A reforma partidria do governo foi um ponto chave para as eleies de
1982. O governo, que defendeu algumas medidas ligeiramente populistas,
procurava, dessa forma, fortalecer o PDS (Partido Democrtico Social), que era a
reformulao da antiga Arena. Entre tais medidas, podem ser mencionadas:
... alvio das restries sobre aumentos salariais, envio de recursospolticos para candidatos aos governos estaduais leais a Figueiredo,adiamento de qualquer aumento das contribuies de empregados eempregadores para o sistema de seguridade social financeiramentecambaleante e, mais importante, atenuar a poltica recessiva queestava reduzindo a produo industrial e aumentando o desemprego(SKIDMORE, 1988:445).
Ainda segundo Skidmore, o adiamento que havia ocorrido para as eleies,
de 1980 para 1982, obrigou os eleitores a votarem para todos os nveis, exceto opresidencial. A oposio conseguiu 59% do total dos votos populares, mas no
conseguiu fazer maioria no Congresso ou no colgio eleitoral, que devia escolher o
sucessor de Figueiredo. O governo havia perdido uma fora considervel, levando-
se em conta que se a oposio votasse unida podia vetar qualquer lei proposta pelo
governo (1988:454).
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O ano de 1984 representou o incio das grandes manifestaes a favor de
uma poltica eleitoral amplamente aberta, que permitisse a participao de todos os
brasileiros nas eleies presidenciais. No dia 25 de janeiro, houve um grande
comcio na Praa da S, em So Paulo, a favor de eleies diretas para presidente.
O governo, insatisfeito com tais manifestaes, obrigou as emissoras de rdio e
televiso a no transmitirem tais atos pblicos. No incio, as emissoras acataram ao
comando do governo, mas, depois de algum tempo, ao perceberem que estavam
perdendo uma matria jornalstica importante, assim como um relevante evento
poltico, passaram a transmitir na ntegra todos essas manifestaes que
reivindicavam uma efetiva abertura poltica. Nesse momento, foi criada para
posterior votao uma emenda constitucional que permitiria as eleies diretas. Ela
deveria ter dois teros dos votos da Cmara e do Senado para que pudesse ser
efetivada. Em 25 de abril de 1984, a emenda foi derrotada na Cmara, pondo fim
nas esperanas de uma eleio direta para presidente.
Como a eleio direta para presidente no aconteceria, a oposio
promoveu uma campanha para eleio indireta de Tancredo Neves, um ex-deputado
das dcadas de 60 e 70 e senador de 1978 a 1982, ministro da Justia (1953-54) no
governo do presidente Getlio Vargas, diretor do Banco do Brasil (1956-58) no
governo Juscelino Kubitscheck e primeiro-ministro durante o parlamentarismo. Em
15 de janeiro de 1985, o colgio eleitoral elegeu Tancredo Neves e Jos Sarney
como presidente e vice, respectivamente.
Tancredo Neves, que seria o primeiro presidente civil desde 1964, faleceu,
nas vsperas de sua posse, em conseqncia de um grave problema de sade.
Assim, assumiu em seu lugar Jos Sarney, diante de uma populao desiludida com
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a morte da figura que encarnava os ideais democrticos do povo brasileiro
(SKIDMORE, 1988: 491-93).
O governo Sarney, durante esse momento conturbado do pas, adotou
apenas algumas medidas importantes, como o fim da censura poltica, anistia aos
dirigentes sindicais destitudos de seus postos desde 1964, criando o clima de uma
Nova Repblica mais livre e democrtica. Posteriormente, focalizou seus esforos
para lutar contra a inflao, que j atingia nveis altssimos. Para tal, criou, atravs
de um decreto-lei, em 28 de fevereiro de 1986, o que, talvez, tenha sido a principal
caracterstica de seu governo: o Plano Cruzado, onde a antiga moeda, o cruzeiro, foi
substituda pelo cruzado; a indexao seria abolida; as hipotecas e aluguis
congelados por um ano, e os preos, por prazo indeterminado; e o salrio mnimo
seria reajustado pelo seu valor mdio nos ltimos seis meses, mais um abono de 8
por cento. O plano obteve apoio imediato do povo, transformando Jos Sarney e
Funaro, ministro da Fazenda, em heris nacionais (SKIDMORE, 1988:538-39).
Em junho de 1988, o Congresso aprovou 5 anos para Jos Sarney e marcou
as primeiras eleies diretas para Presidente da Repblica para 15 de novembro de
1989, quando Fernando Collor de Mello e Itamar Franco foram eleitos,
respectivamente, presidente e vice-presidente.
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CAPTULO 3
PROCESSOS DE MANIPULAO NA IMPRENSA ENA TRADUO
... a distoro da realidade pela manipulao dainformao deliberada, tem um significado e umpropsito.
PERSEU ABRAMO
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Neste captulo, traarei os principais aspectos que dizem respeito aos
processos de manipulao, mais especificamente, nos campos da imprensa e da
traduo.
3.1AMANIPULAO NOS MEIOS DE COMUNICAO
A imprensa, sendo um dos meios de comunicao de massa, formadora de
opinies, desempenhou um papel fundamental durante o perodo ditatorial brasileiro.
Vimos que perseguies a editoras, distribuidoras de livros, jornalistas e escritores,
por exemplo, foram uma constante, o que ilustra o poder dos meios de comunicao
sobre a sociedade.
Perseu Abramo (1988), que foi secretrio nacional de formao poltica do
PT (Partido dos Trabalhadores), em texto publicado na internet, argumenta que, de
forma geral, a imprensa se refere a uma realidade irreal, que ela contradiz os fatos.
Para ele, os responsveis pelos meios de comunicao criam um mundo artificial
para poderem exercer uma espcie de poder poltico sobre a sociedade. Ele
compara a mdia a partidos polticos, no que concerne sua estrutura e sua
ideologia. De acordo com seu ponto de vista, a imprensa manipula as informaes, o
que, por sua vez, se transforma em uma manipulao da realidade. Assim, ele
distingue pelo menos cinco padres de manipulao gerais para toda a imprensa.
Seriam eles: a ocultao, a fragmentao, a inverso, a induoe o padro global
ou especfico do jornalismo de televiso e rdio.
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O padro de ocultao seria aquele onde a imprensa separa os
acontecimentos do cotidiano em fatos jornalsticos e fatos no-jornalsticos. nesse
processo que, segundo Abramo, a "ocultao" de fatos reais se faz presente, pois,
medida em que tal classificao utilizada, fatos que na verdade eram para ser
considerados relevantes so deixados de lado por serem no-jornalsticos. Assim, a
notcia e a verdade so manipuladas, de tal maneira que os fatos so repassados de
uma forma irreal, mascarada por detalhes que se perderam ou que intencionalmente
foram includos.
O padro de fragmentao aquele no qual os fatos so particularizados,
reconectados e revinculados de forma arbitrria, perdendo a conexo com a
realidade e distorcendo a mensagem inicial. Ainda dentro desse padro, segundo
Abramo, existe a seleo de aspectos, que semelhante ao padro de ocultaoe
que funciona tambm como um elemento descontextualizador, que apagar o
significado original do fato em questo.
O padro de inverso responsvel pelo reordenamento das partes em que
foi dividido o fato jornalstico. atravs dele que ocorre a troca de lugares e de
importncia das partes. Esse padro dividido em quatro tipos: inverso da
relevncia dos aspectos, onde o que era considerado principal passa a ser
secundrio e vice-versa;inverso da forma pelo contedo, onde o texto passa a ser
mais importante que o fato que ele reproduz; inversoda verso pelo fato, onde as
declaraes da prpria imprensa ou de outras fontes passam a ser apresentadas
como o fato real. Dentro desse tipo de inverso temos o frasismo, que o abuso da
utilizao de frases ou trechos de frases sobre uma realidade para substituir a
prpria realidade, podendo ser visto como a manipulao levada ao limite; e o
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oficialismo, que a escolha de uma determinada verso para ser chamada de oficial
e, assim, adquirir a aceitao do pblico leitor. Essa verso escolhida seria a do
prprio rgo de imprensa ou daquele cujo pensamento chegasse mais prximo ao
dele. Por fim, temos a inverso da opinio pela informao, onde o rgo de
comunicao passa a tratar a opinio como sendo a verdadeira informao,
tornando aquela mais importante do que esta.
O quarto padro o da induo, responsvel pela passividade da populao
perante uma realidade artificialmente inventada e o resultado de todos os
mecanismos de manipulao. Atravs dele a populao induzida a acreditar em
fatos que, muitas vezes, no fazem parte da verdadeira realidade e sim de uma
realidade manipulada de acordo com interesses especficos.
E, por fim, o padroglobal ou padro especfico do jornalismo de televiso e
rdio, que tem por finalidade manipular as imagens e sons de forma que a
informao seja transmitida de tal maneira que agrade as autoridades que esto
interessadas nos efeitos que tais notcias surtiro no pblico.
Atravs dessa tipologia pode-se concluir, como Perseu Abramo mesmo
aponta, que a imprensa, em geral, no reflete nem a realidade nem a opinio
pblica. Portanto, a populao passa a consumir uma realidade artificialmente
inventada, resultante da utilizao dos mecanismos de manipulao apresentados.
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3.1.1OCOMPLEXO IPS-IBAD NO PERODO PR E PS-64
As informaes, de forma geral, eram uma preocupao dos militares, que
procuravam criar artifcios que tornassem eficaz a manipulao de idias almejada
por eles para, dessa forma, assumirem o poder. Para isso, eles buscavam de vrias
maneiras manipular toda e qualquer informao que chegasse ao Brasil antes de as
mesmas chegarem ao alcance da opinio pblica.
Dessa forma, durante o governo de Joo Goulart, os militares trabalhavam
s escondidas de maneira que o povo brasileiro fosse gradualmente preparado para
um golpe que, h algum tempo, eles j estavam planejado. Assim, os militares
utilizavam o Ips (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais)1, que funcionava desde
1962, como um dispositivo de investigao, planejamento e execuo de tarefas
anticomunistas. O Ips era formado por civis (em sua grande maioria empresrios de
grandes empresas multinacionais, tecnocratas e tecno-empresrios) e militares.
Tinha como funo divulgar notcias, promover aqueles que apoiavam a direita e
perseguir simpatizantes da esquerda. Para tal, os militares reuniram intelectuais de
renome, pagando-lhes direta ou indiretamente, para escreverem em artigos, ensaios
e at livros em defesa da democracia. Entre esses intelectuais estavam Augusto
Frederico Schmidt, Wilson Figueiredo, Rachel de Queiroz, Nlida Pigon e Jos
Rubem Fonseca, responsvel pela autorizao "do financiamento de documentrios,
selecionando cineastas e sugerindo roteiros" (CHIAVENATO, 1994:34) e pela
seleo de livros para publicao.
1Apesar de muitos autores nos apresentarem o nome do instituto como somente uma sigla (IPES) aproveito aqui
para manifestar o ponto de vista de Denise Assis em seu livro Propaganda e Cinema a Servio do Golpe , ondeela argumenta que a sigla de tal instituto recebe um acento devido aluso ao "Ip, uma rvore, smbolo dopas, resistente e que para florir perde as folhas" (2001:13)
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O Ips era um instituto muito bem estruturado, com subdivises e
profissionais gabaritados, possibilitando, dessa maneira, um considervel controle
da imprensa. Uma das subdivises do Ips era o GPE (Grupo de Publicaes /
Editorial) que, embora j existisse h algum tempo, s foi formalizado em agosto de
1962. Esse grupo tinha como funo escrever, traduzir, distribuir material impresso
anticomunista, antitrabalhista e antipopulista, assim como traduzir e reimprimir livros,
artigos e panfletos escolhidos. Atravs de sua Unidade Editorial, que era liderada
por Jos Rubem Fonseca, o instituto "inseria comentrios, debates e opinies na
imprensa, elaborava editoriais, divulgava notcias e artigos feitos de antemo por
agncias especializadas" (DREIFUSS, 1984:194). Aqui, vale ressaltar que o
programa de tradues implementado por esse grupo era feito pelo Coronel Octavio
Alves Velho que, alm de ter sido um ativista ipesiano, foi diretor da Mesbla S.A.
(DREIFUSS, 1984:194-5) e tradutor de obras como Tcnicas de Persuaso - Da
Propaganda Lavagem Cerebral, de James A. C. Brown; Mtodos de Investigao
Sociolgica, de Peter Mann; Teorias de Comunicao de Massa, de Melvin L. de
Fleur e Sandra Ball-Rokeach, entre outras, demonstrando, assim, a integrao dos
militares com o meio empresarial e com o ofcio da traduo. Enfim, o Ips, atravs
de sua subdiviso, o GPE, promovia todas e quaisquer publicaes "que
apresentassem contedo anticomunista e, de alguma forma, atingissem o governo
Goulart" (CHIAVENATO, 1994:35).
Uma outra subdiviso do Ips era o GAE (Grupo de Ao e de Estudo),
sediado em So Paulo, que compreendia quatro setores, dentre eles o
Departamento de Preparao Psicolgica das Massas, que, por sua vez,
compreendia as seguintes subsees: Imprensa, Rdio, Televiso, Propaganda
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(cartazes, produo e distribuio de manifestos, folhetos e panfletos) e
Organizaes Femininas. Com toda essa estrutura organizada, o Ips tinha controle
sobre a maior parte do que circulava no pas em termos de informaes.
O Ips agia juntamente com o IBAD (Instituto Brasileiro de Ao
Democrtica), que funcionava mais como uma unidade ttica, difundindo material
ideolgico anticomunista, reunindo polticos, artistas e intelectuais e financiando
instituies, companhias e cidados que estivessem de acordo com sua poltica.
Nesse contexto, o Ips funcionava como o centro estratgico.
Em 1962, foi criado, em So Paulo, o FAS (Fundo de Ao Social) para
receber dinheiro dos Estados Unidos, angariado pelo CLA (Council for Latin America
/ Conselho da Amrica Latina). O governo norte-americano e seus empresrios, que
haviam percebido ser o Brasil um pas de extrema importncia na Guerra Fria contra
a Unio Sovitica, perceberam, nesse momento, que o pas se encontrava em uma
situao "explosiva", devido ao fato de ter por presidente um poltico que tendia mais
para o lado comunista do que para o capitalista. Nesse mesmo ano, houve eleies
que, conforme constataes posteriores, tiveram o envolvimento dos Estados
Unidos, que enviou milhares de dlares para polticos defensores do capitalismo.
Dentre esses milhares de dlares que entraram no Brasil, grande parte foi para o
Ips / IBAD, para que esses pudessem angariar os custos e a promoo de
materiais para o conseqente controle de idias atravs da mdia.
O Ips, que foi elemento importante na orquestrao do golpe, passou a ser,
durante o governo dos militares, uma espcie de:
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... rgo intermedirio para a elaborao de diretrizes polticas.Operava como um mediador entre o Estado, onde tinha seushomens-chave em cargos vitais, e os grandes interesses privados,
dos quais seus ativistas eram figuras de destaque. Atuava como umforum [sic] para as discusses de empresrios, ministros e altosburocratas, com a funo explcita de "promover contato ntimo"entre eles. (...) O Ips tambm organizava seminrios e cursos paraa preparao ideolgica no s de empresrios e burocratasimportantes, como tambm de militares influentes na formao deopinio e na tomada de decises (DREIFUSS, 1984:449-50).
As relaes do Ips e do IBAD com editoras brasileiras so explicitadas por
Dreifuss, no apndice "B" de seu livro 1964: A Conquista do Estado: ao poltica,
poder e golpe de classe. Nesse apndice, ele apresenta as "ligaes econmicas da
liderana e associados proeminentes do Ips", das quais dou destaque somente s
editoras. Na extensa lista fornecida pelo autor, extra os seguintes nomes: Editora
Licca S/A, Editora Expresso e Cultura - TASEC S/A, Editoras de Guias LTB, Editora
Gazeta Mercantil, Editora Agir, Livraria e Editora Oscar Nicolai. No mesmo livro,
mais precisamente no apndice "H", h uma lista de contribuintes do Ips, da qual
eu extra alguns nomes como: Editor de Guias LTB S/A, Agir Livraria e Editora (Artes
Grficas Indstrias Reunidas S/A. Agir, Importadora Grfica Arthur Sievers, Editora
Vecchi Ltda., Editora Globo, Editora Paula de Azevedo, Kosmos Editora e Editora
Monterrey Ltda..
A relao do Ips com as editoras foi enfatizada por Dreifuss ao alegar que o
Ips, procurando fazer com que os editores se interessassem pela publicao dos
ttulos, se responsabilizava por adquirir certa quantidade das edies caso as
vendas no fossem bem sucedidas, evitando, assim, que as editoras tivessem receio
quanto publicao de tal obra, ao imaginar um possvel prejuzo (1981:195). No
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apndice "N" de seu livro, Dreifuss reproduz uma carta de Garrido Torres, membro
do Grupo de Estudos do Ips para o Comit Diretor do mesmo instituto, onde pode-
se verificar tal afirmao.
Denise Assis, em seu livro Propaganda e Cinema a Servio do Golpe
(1962/1964), faz um levantamento de fatos e materiais que comprovam a influncia
do Ips nos meios de comunicao e seu esforo em facilitar a tomada do poder
pelos militares e em promover uma relevante poltica de apoio ao governo ditatorial.
Segundo a autora, o Ips, financiado por pessoas jurdicas e fsicas, produzia filmes
e livros que causavam um impacto positivo na viso do povo em relao ao novo
governo. Os filmes eram de alta qualidade, produzidos por profissionais gabaritados
e eram exibidos antes dos principais filmes no cinema, tendo um "impacto decisivo
nas classes mais pobres e analfabetas" (ASSIS, 2001:25). Eram, em sua maioria,
curta-metragens, que manipulavam imagens brasileiras e do exterior, com o intuito
de degradar a imagem do comunismo e valorizar a dos militares e seu governo.
O Ips, ao produzir filmes, panfletos e livros, procurou montar, segundo
Denise Assis, um eficiente programa de propaganda para disseminar suas idias.
Entre os livros distribudos, constavam Continusmo e Comunismo, de Glycon Paiva;
Como os Vermelhos Preparam uma Arruaa,de Eugene Metherin; As Defesas da
Democracia,de Gustavo Coro, e 1984,de George Orwell (ASSIS, 2001:23), autor
do livro cuja traduo para o portugus analisarei neste trabalho, levando em conta
os processos de manipulao que condicionaram a sua publicao.
Domcio da Gama de Carvalho, um ex-integrante da Marinha de Guerra, que
pertencia, por indicao do General Goldbery do Couto e Silva, ao principal grupo de
atuao do Ips, o Grupo de Levantamento, ressalta, a existncia, dentro do Ips,
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de um grupo chamado de "Grupo Econmico", que era o maior de todos e ao qual
"cabia fazer a fachada, organizar os cursos, determinar que livros seriam editados e
convocar para reunies e palestras" (CARVALHO citado por ASSIS, 2001:42).
Segundo ele, havia tambm o "Grupo de Opinio Pblica, que cuidava da imagem
do Ips junto mdia, da divulgao e da distribuio dos produtos editados:
panfletos, livros e apostilas" (CARVALHO citado por ASSIS, 2001:42) e o Centro de
Bibliotecnia, que era responsvel pela divulgao e distribuio de livros de autores
americanos. Dessa forma, percebemos que a manipulao de informaes era feita
de forma muito meticulosa e profissional. Tudo era selecionado de forma que no
chegassem s mos da populao informaes que pudessem pr em risco os
ideais e a autoridade dos militares e do governo norte-americano.
3.2 TRADUO,MANIPULAO E PATRONAGEM
"As tradues no somente projetam uma imagem daobra que traduzida e, atravs dela, do mundo ao qual aobra pertence, mas tambm protegem seu prprio mundocontra imagens que so radicalmente muito diferentes,adaptando-as ou mascarando-as.
ANDR LEFEVERE
Assim como Perseu Abramo destaca a manipulao e seus mecanismos na
imprensa em geral e Denise Assis aponta para a manipulao no perodo ditatorial,
mais especificamente nas reas da propaganda e do cinema, vrios estudiosos da
traduo tambm chamam a ateno para tais procedimentos que so inerentes a
todo processo de reescritura. Assim, podemos dizer que, a presena de tais
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procedimentos visam a moldar o texto-fonte, de maneira que sua traduo atenda a
necessidades estabelecidas.
Theo Hermans defende que, "do ponto de vista da literatura meta, toda
traduo implica em um grau de manipulao do texto-fonte com um propsito
especfico" (HERMANS, 1985:11). Hermans, nesse mesmo ensaio, destaca o
trabalho de Andr Lefevere, onde o estudioso faz uma integrao dos estudos da
traduo com os estudos dos vrios tipos de "reescritura" e "refrao" que modelam
uma determinada cultura.
Lefevere, no ensaio "The system: patronage" (1992b), aponta para o fato de
que a traduo, vista atravs do conceito de sistemas, inicialmente introduzido pelos
formalistas russos e, posteriormente, desenvolvido por Itamar Evan-Zohar (1979),
seria uma espcie de reescritura, de sobrevivncia de muitos trabalhos literrios
consagrados anteriormente e que, devido ao trabalho dos tradutores, so
resgatados e colocados novamente dentro do sistema literrio por motivos
ideolgicos, poticos, ou ainda por relaes de poder, independentemente se os
escritores aceitam ou no a ideologia dominante. Para ele, um fator importante para
o resultado final de uma traduo seria o conceito de "patronagem", que seria algo
como os poderes exercidos por indivduos ou instituies que podem promover ou
retardar a leitura, a escrita e a reescrita da literatura (1992:15). Segundo Lefevere, a
patronagem, na maioria das vezes, est mais preocupada com a ideologia da
literatura do que com sua potica. Assim, o patrocinador delega uma autoridade ao
profissional, pois seu intuito o de regular a relao entre o sistema literrio e os
outros sistemas que, juntos, formam uma sociedade, uma cultura. Dessa maneira, a
traduo, se no regula a literatura em si, pelo menos "manipula" a sua distribuio
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atravs de academias, agncias de censura, revistas crticas e estabelecimentos de
ensino, aproveitando o termo utilizado por Hermans e entrelaando tais teorias
(1992:15).
Lefevere, no ensaio "Prewrite" (1992a), alega que a traduo o tipo de
reescritura mais obviamente reconhecvel e potencialmente mais influente, "por ser
capaz de projetar a imagem de um autor e/ou uma (srie de ) obra(s) em outra
cultura, erguendo tal autor e/ou tais obras alm dos limites de sua cultura de origem"
(1992a:9). Se, de acordo com tal teoria proposta por Lefevere, o tradutor trabalha
com as preferncias do seu patrocinador, ou seja, daquele que precisa de tal
traduo para um fim especfico, podemos dizer que o que ocorre uma
manipulao de um determinado texto, pois, medida em que o tradutor
desempenha sua funo, ele acaba manipulando, modificando, excluindo ou at
incluindo informaes para que, no fim, o texto atenda s expectativas de seu
patrocinador. Tal idia ressaltada por ele ao dizer que as tradues usurpam de
alguma forma a autoridade dos textos-fontes. Aqui, chamo a ateno para o fato de
que, em alguns momentos, quando o tradutor um dos interessados na
manipulao do texto-fonte, a sua figura acaba se misturando com a do
patrocinador, transformando-se em uma s. Nesse sentido, vale a pena lembrar
Monteiro Lobato, que, ao mesmo tempo em que traduzia, publicava, atravs de suas
prprias editoras, essas tradues.2
Segundo Lefevere, existem trs elementos que constituem a patronagem: o
ideolgico, que age como uma limitao na escolha e desenvolvimento tanto da
forma quanto do assunto; o econmico, onde o patrocinador cuida para que
2Um trabalho sobre Monteiro Lobato, o tradutor, est sendo desenvolvido pela aluna Denise Rezende Mendes,do curso de Bacharelado em Letras - nfase em Traduo/Ingls da Universidade Federal de Juiz de Fora.
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escritores e reescritores possam sobreviver, dando a eles uma remunerao ou
designando-os para algum ofcio; e o de status, onde a aceitao da patronagem
implica na integrao a um certo grupo de apoio e a seu estilo de vida. Para ele,
existem dois tipos de patronagem: a diferenciada e a no-diferenciada, sendo que o
sistema literrio pode ser controlado por ambos os tipos. A diferenciada, segundo
ele, aquela em que o sucesso econmico est relativamente separado dos fatores
ideolgicos e no necessariamente envolve status, ao passo que, a no-diferenciada
aquela que envolve os trs elementos: o ideolgico, o econmico e o de status em
um nico e mesmo patrocinador e ocorre quando os esforos desse esto
primeiramente relacionados preservao da estabilidade do sistema social com um
todo, pois seu poder est baseado na estabilidade de tal sistema. Lefevere ressalta
ainda que a patronagem no-diferenciada no precisa ser baseada principalmente
na ideologia, como acontecia no passado, mas o componente econmico, visando o
lucro, pode ser, da mesma maneira, um fator determinante em um sistema com
patronagem relativamente no-diferenciada (1992:16-17). O estudioso chama a
ateno para o fato de que, em sistemas com patronagem diferenciada, o resultado
a crescente fragmentao do pblico leitor em vrios subgrupos, ao passo que, em
sistemas com patronagem no-diferenciada, as expectativas dos leitores so mais
restritas em escopo e a interpretao "correta" de vrias obras tende a ser
enfatizada por meio de vrios tipos de reescritura (1992:19).
No captulo 4 de Translating literature: practice and theory in a comparative
literature context (1992c), Lefevere ressalta ser uma das funes da traduo a
preservao da auto-imagem da cultura-meta. As tradues, segundo ele, podem
ter, tambm, o propsito de protegerem seu mundo contra imagens que so
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radicalmente diferentes, adaptando-as ou mascarando-as (1992:125). Lefevere
tambm faz aluso importncia das tradues na transformao da cultura-meta,
ao dizer que os produtos importados tendem a possuir uma certa imunidade dentro
de tal cultura, pois esto situados na linha divisria entre o 'nativo' (e, portanto,
sujeitos fria total da potica dominante) e o 'estrangeiro' (e, portanto,
relativamente isento das regras da potica dominante). Esse status ambguo,
segundo ele, permite a traduo embarcar, atravs da infiltrao, em um caminho de
subverso (1992:129). Lefevere ressalta ainda que "um destino bom ou mal pode
acontecer a uma traduo como resultado do entendimento ou do mau
entendimento do universo do discurso do original" (1992:127).
Perseu Abramo, alm de traar uma comparao entre a mdia e os partdos
polticos, como apresentado no subcaptulo 3.1, defende a idia de que existe um
fator econmico na manipulao da informao pela imprensa em geral. Segundo
ele, existem duas explicaes para o fato de os empresrios da comunicao
manipularem e modificarem a realidade. A primeira razo estaria concentrada na
figura do anunciante privado ou estatal, onde o mesmo, por imposio, direta ou
indireta, obriga o empresrio a manipular e distorcer as informaes. A segunda
razo estaria na ambio de lucro do prprio empresrio, onde ele distorce e
manipula para agradar seus consumidores, e, dessa forma, vender mais material de
comunicao, aumentando seus lucros (ABRAMO, 1988). Dessa maneira, podemos
perceber que a manipulao na grande imprensa, de acordo com os conceitos
defendidos por Abramo, seria fruto de trs elementos: do ideolgico, levando-se em
conta que a imprensa se assemelha aos partidos polticos; do econmico, pois os
empresrios da comunicao tm ambio de lucro, e do status, uma vez que, ao
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almejar o lucro dentro do sistema econmico, os empresrios procuram adquirir um
status elevado dentro da sociedade na qual esto inseridos. Sendo assim, podemos
entrelaar a tipologia de manipulao de Abramo com os conceitos de patronagem
diferenciada e no-diferenciada, proposto por Lefevere. Uma vez que Abramo
defende a idia de que a manipulao na grande imprensa se faz motivada por
aspectos econmicos, polticos e de status, podemos defini-la, dentro dos conceitos
de Lefevere, como uma patronagem no-diferenciada.
A partir dessa mesma viso da traduo como uma reescritura, um
procedimento de transformao/manipulao do original, surgiram teorias como a
dos irmos Augusto de Campos e Haroldo de Campos. Else Vieira, em Fragmentos
de uma histria de travessias: traduo e (re)criao na ps-modernidade brasileira
e hispano-americana (1996), relata que Augusto de Campos, em seu livro Verso,
Reverso, Controverso (1978), diz que a sua maneira de amar os textos originais
traduzi-los, ou degluti-los, segundo a Lei Antropofgica de Oswald de Andrade.
Assim, para Augusto de Campos, traduzir se tornava um processo de absoro e
transformao luz do Movimento Antropofgico dos anos 20 (VIEIRA, 1996:72). A
traduo, ento, passa a ser vista como um dilogo entre vrias vozes textuais, uma
transtextualizao, desmistificadora da ideologia da fidelidade. Ela passa a
representar uma leitura da tradio universal e do acervo local, pois, segundo
Haroldo de Campos, se o tradutor no tiver sua disposio um estoque da melhor
poesia de sua poca, ele no pode remodelar sincrnica e diacronicamente a melhor
poesia do passado" (CAMPOS citado por VIEIRA, 1996:77).
Segundo Else Vieira, a atividade tradutria seria uma transformao, uma
transao atravs da qual uma terceira dimenso emergiria da relao dinmica
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entre original e traduo (1995:43). Tal pensamento ressoa post