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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ –
CAMPUS DE UNIÃO DA VITÓRIA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS
COLEGIADO DE MATEMÁTICA
JACKSON RODRIGO SOARES
JOGOS DE LINGUAGEM E SEMELHANÇAS DE FAMÍLIA EM ATIVIDADES DE
MODELAGEM MATEMÁTICA
UNIÃO DA VITÓRIA
2015
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JACKSON RODRIGO SOARES
JOGOS DE LINGUAGEM E SEMELHANÇAS DE FAMÍLIA EM ATIVIDADES DE
MODELAGEM MATEMÁTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para
obtenção do grau de Licenciado em Matemática pela
Universidade Estadual do Paraná, campus de União
da Vitória.
Orientadora: Prof. Dra. Michele Regiane Dias
Veronez.
UNIÃO DA VITÓRIA
2015
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus primeiramente, o amparo de todas as horas, por me proporcionar este
momento, que, ao indicar sempre o melhor caminho à seguir, tornou isso possível.
À minha família, por ser tudo o que eu tenho e necessito, por estarem comigo em cada
momento desta caminhada, me dando forças, me completando e me fazendo uma pessoa
melhor.
À minha orientadora, Michele Regiane Dias Veronez, por ser a melhor orientadora que
alguém poderia ter, por estar sempre disponível caso eu precisasse, pela sua paciência, por me
acompanhar neste estudo desde o início da graduação, e, por ser a maior incentivadora deste
trabalho.
Aos meus amigos, que tive a sorte de conhecer nesta caminhada, por serem os
melhores, por estarem presentes em cada etapa da construção deste trabalho, criticando,
incentivando, colaborando, enfim, por serem as pessoas que são.
Novamente aos meus amigos, colegas do quarto ano do curso de Licenciatura em
Matemática da UNESPAR, campus de União da Vitória, e, à professora Gabriele Granada
Veleda, por participarem desta pesquisa, pela compreensão e colaboração.
E à todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram com a construção deste
trabalho.
Agradeço à todos sinceramente.
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RESUMO
No ambiente de uma sala de aula de matemática, professores e alunos se deparam com a
necessidade de estabelecer uma comunicação em que todos os indivíduos se entendam da forma
mais clara possível e que se possa abordar os conceitos matemáticos de forma que ocorra
significação destes conceitos. Porém, a linguagem utilizada pelos sujeitos presentes na aula é
diversificada, variando entre a linguagem natural, que é a linguagem usada pelas pessoas ao se
comunicarem no dia a dia, e a linguagem matemática acadêmica, e, portanto, podem ser
analisadas a fim de ser compreendida. Alicerçados nos pressupostos teóricos do filósofo
Ludwig Wittgenstein apresentamos, neste trabalho, uma interpretação dos jogos de linguagem
e das semelhanças de família entre esses jogos, a partir das linguagens utilizadas por alunos e
professor em um ambiente de Modelagem Matemática.
Palavras-chave: Jogos de Linguagem; Semelhanças de Família; Modelagem Matemática.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Elementos que caracterizam uma atividade de Modelagem Matemática ................. 19
Figura 2: Material disponibilizado pelos apresentadores ......................................................... 24
Figura 3:Tabela disponibilizada pelo apresentador. ................................................................. 29
Figura 4: Material disponibilizados na Atividade 3. ................................................................ 34
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SUMÁRIO
SOBRE A PESQUISA .............................................................................................................. 7
1 LINGUAGEM: MEIO DE ACESSO AO MUNDO ........................................................... 9
1.1 A PERSPECTIVA WITTGENSTEINIANA DE LINGUAGEM .................................. 10
1.1.1 Jogos de linguagem: caracterização e relação entre uso e significado. .................... 11
1.1.2 Semelhanças de família ............................................................................................ 14
2 MODELAGEM MATEMÁTICA: CONCEPÇÕES TEÓRICAS PRESENTES NA
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ............................................................................................. 16
2.1 PROFESSOR E ALUNOS NO CONTEXTO DA MODELAGEM MATEMÁTICA .. 17
2.2 CARACTERÍSTICAS DE UMA ATIVIDADE DE MODELAGEM
MATEMÁTICA....................................................................................................................19
3 AS ANÁLISES: OPÇÕES METODOLÓGICAS E NOSSAS INTERPRETAÇÕES .. 22
3.1 UMA INTERPRETAÇÃO ACERCA DOS DADOS COLETADOS ........................... 23
3.1.1 Atividade 1: Energia Elétrica ....................................................................................... 23
3.1.2 Atividade 2: Horário De Verão. ................................................................................... 29
3.1.3 Atividade 3: Intensidade Sonora .................................................................................. 33
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 37
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 39
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SOBRE A PESQUISA
Em um ambiente de sala de aula a comunicação entre professores e alunos se faz
indispensável. Assim, os discursos produzidos nos contextos das aulas precisam ser
compreendidos e, nesse sentido, a linguagem, ou as linguagens recorrentes. Tais linguagens,
para além de atender a necessidade de comunicar conceitos matemáticos, precisam ser
compreendidas por alunos e professores.
Em uma sala de aula de matemática, Garnica e Pinto (2010) identificam duas
manifestações de linguagem: a da linguagem natural, materna, ou seja, a linguagem utilizada
no cotidiano e a linguagem matemática, da matemática acadêmica, que é familiar àqueles que
possuem formação específica. Considerando essa afirmação, é pertinente ao professor o
cuidado para que as linguagens que compõem os discursos da sala de aula ocorram de modo
que tanto locutores quanto interlocutores se façam entender da forma mais clara possível.
É esse contexto de linguagens que direcionou o desenvolvimento deste trabalho que
tem como foco a seguinte questão: quais são as linguagens recorrentes nos discursos de
professores e alunos nas aulas de Matemática?
Estudos feitos, durante a realização de um projeto de pesquisa, sobre os pressupostos
teóricos de Ludwig Wittgenstein, filósofo austríaco que viveu no século XIX, originaram o
presente trabalho que, se subsidia na sua obra intitulada Investigações Filosóficas, a qual trata
a linguagem a partir dos usos que fazemos dela. Ao discutir sobre os modos de conceber a
linguagem, esse renomado filósofo contemporâneo traz terminologias como jogos de
linguagem e semelhanças de família, e os denota como atividades que estão entrelaçadas ao uso
da linguagem e a sua totalidade.
Considerando o que foi elucidado, com este trabalho objetiva-se realizar uma análise
acerca dos jogos de linguagem e das semelhanças de família presentes nos discursos dos
acadêmicos do quarto ano de um curso de licenciatura em matemática. Esses discursos foram
transcritos e correspondem ao período de dez aulas da disciplina de Introdução à Modelagem
Matemática. Nosso interesse era, primeiramente, identificar nesses discursos as linguagens
presentes nas interações entre alunos e na interação deles com a professora durante o
desenvolvimento de atividades de modelagem matemática.
Em um segundo momento, buscamos semelhanças de família entre os jogos de
linguagem identificados, procurando estabelecer em que os jogos de linguagem assemelhavam-
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se uns aos outros, quais as características que cada jogo de linguagem possuía e em que medida
as linguagens materna e acadêmica apareciam e se completavam na formação dos registros e
discursos apresentados.
Diante dos objetivos estabelecidos, dividimos este trabalho em três capítulos além da
presente introdução e das considerações finais.
No capítulo 1 abordamos os pressupostos teóricos que embasaram as análises que
compõem este trabalho, ou seja, discutimos a concepção de linguagem trazida por Wittgenstein
na obra Investigações Filosóficas e elucidamos os conceitos de jogos de linguagem e
semelhanças de família adotados pelo autor.
No capítulo 2 fazemos considerações acerca da Modelagem Matemática, procurando
elucidar o que é uma atividade de modelagem matemática, bem como o papel do professor e
dos alunos nesse contexto.
As análises dos registros verbais das aulas que foram gravados e dos registros escritos
produzidos pelos alunos estão presentes no capítulo 3, ao longo do texto desse capítulo
procuramos apresentar as atividades de modelagem que forneceram os registros, bem como
analisamos tais registros a partir das intenções que compõem os objetivos deste trabalho.
Para finalizar, trazemos as considerações finais. Nelas são apresentadas as conclusões e
reflexões acerca das linguagens utilizadas pelos alunos no desenvolvimento das atividades,
levando em conta a questão que originou este trabalho.
Por fim, encontram-se as referências utilizadas neste trabalho.
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1 LINGUAGEM: MEIO DE ACESSO AO MUNDO
A linguagem faz parte da vivência de cada indivíduo, cantar uma música, ler, dar uma
ordem, contar uma história, são exemplos de usos da linguagem que realizamos no cotidiano.
Se faz tão presente, que é a partir dela que nos comunicamos e podemos interagir com o mundo
e com as pessoas.
O desenvolvimento da linguagem se deu com a necessidade dos seres humanos se
comunicarem e, desde então, pode-se perceber diversas formas de expressões linguísticas como
a oral, gestual, escrita, entre outras, enfim, tornou-se um meio do homem interagir com o
mundo. Mas o que é a linguagem?
A linguagem não é um simples veículo para expressar nossas ideias, nem uma simples
roupagem para vestir nosso pensamento quando o manifestamos publicamente. Ela é
a própria condição do nosso pensamento e, para entender esse último, temos que nos
concentrar nas características da linguagem em vez de contemplar o suposto mundo
interior de nossas ideias. Nosso conhecimento do mundo não se radica nas ideias que
dele fazemos; ele se abriga, sim, nos enunciados que a linguagem nos permite
construir para representar o mundo (Gracia, 2004, p. 33, apud VILELA e MENDES
2011, p. 8).
Vilela e Mendes (2011) acrescentam que a linguagem pode ser vista de duas formas:
como representação e descrição das coisas e como constitutiva das coisas.
Quando entendida como representação, seja de ideias, seja daquilo que se procura
discutir como sendo realidade, ela é colocada como descritiva do mundo, dos
conceitos e dos objetos. É um veículo que carrega e representa nossas ideias, num
lugar marginal em relação ao mundo que ela descreve ou ao sujeito que a usa. Outra
possibilidade é a linguagem ser vista em termos de atividade, como constitutiva das
coisas, e não como meramente “descritiva” delas (VILELA e MENDES, 2011, p.8).
Sendo a linguagem reconhecida como algo tão importante, alguns estudiosos
dedicaram-se a estudá-la. Entre eles, destaca-se o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein
(1889- 1951).
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1.1 A PERSPECTIVA WITTGENSTEINIANA DE LINGUAGEM
Segundo Condé (1998) o pensamento de Wittgenstein é dividido em duas fases
distintas marcadas pelas obras: Tractatus Logico-Philosophicos que se constitui na primeira
fase do pensamento wittgensteiniano e a obra Investigações Filosóficas, que é reconhecida
como sendo a segunda fase.
Na primeira fase do pensamento wittgensteiniano a linguagem era estudada com o
intuito de descobrir o que é a linguagem. Ou seja, a pergunta orientadora nessa fase era: qual a
essência da linguagem? Assim, o foco do estudo acerca da linguagem tratado na obra
Tractatatus Logico-Philosophicos, era o cerne da linguagem, de onde ela vinha e o que era. Já
na segunda fase, segundo Condé (1998), trazida na obra Investigações Filosóficas, o pensar
sobre a linguagem não está em pensarmos o que é a linguagem, mas no modo como ela
funciona, nos usos que fazemos dela. Nessa fase, Wittgenstein (2012) nos diz que não há uma
linguagem, mas linguagens, ou seja, diversos usos da linguagem. Nesse contexto, o estudo da
linguagem está focado nos usos que fazemos dela, em detrimento ao que subsidiava a primeira
fase, que focalizava uma definição para linguagem.
Para Wittgenstein, segundo Condé (1998), a linguagem está diretamente associada ao
uso que fazemos dela. Daí a afirmação de que a significação de uma palavra se dá no contexto
que em ela emerge.
No contexto dos usos da linguagem, na sua pluralidade de usos e nas regras que regem
os diferentes discursos, o que faz ou não sentido no uso da linguagem obedece às regras que
compõem a gramática.
Na filosofia de Wittgenstein, isso nos remete à noção de gramática e de proposição
gramatical que determina os usos possíveis e inteligíveis de uma palavra. A gramática,
nesse contexto, não tem seu significado usual. Ela comporta as regras e a estruturada
linguagem e, assim, indica como podem ser usadas as expressões em diferentes
contextos. Indica as regras de uso das palavras, o que faz sentido e o que é certo ou
errado (VILELA e MENDES, 2011, p. 13).
O exemplo proposto por Vilela e Mendes (2011, p. 14) em relação a palavra
“triângulo” esclarece que “seu significado depende do jogo de linguagem em que ocorre, isto
é, podemos falar em ‘triângulo amoroso’ ou numa figura geométrica denominada triângulo,
ambos pertinentes em nossa gramática e não associados necessariamente a um referente”. Ou
seja, podemos falar em triângulo em um jogo de linguagem, pertinente a nossa gramática, como
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sendo uma figura geométrica de três lados e, em outro jogo de linguagem, no qual a palavra
triângulo e amoroso remete à relação amorosa entre três pessoas, considerando outras regras
gramaticais estabelecidas.
Nesse exemplo, no caso em que a palavra “triângulo” foi utilizada como sendo uma
figura geométrica, está evidente o jogo de linguagem da matemática e na expressão “triângulo
amoroso” o jogo de linguagem do cotidiano, da língua materna.
Ao olhar para os usos da linguagem, Wittgenstein nos traz, na obra Investigações
Filosóficas, os termos: jogos de linguagem, formas de vida e semelhanças de família, que serão
tratados a seguir.
1.1.1 Jogos de linguagem: caracterização e relação entre uso e significado
Na obra Investigações Filosóficas, Wittgenstein denomina os diversos usos da
linguagem, cada qual inserido em um contexto, de jogos de linguagem,
podemos imaginar também que todo o processo de uso de palavras [...] seja um dos
jogos por meio dos quais as crianças aprendem sua língua materna. Quero chamar
esses jogos de “jogos de linguagem” [...]. Chamarei de “jogos de linguagem” também
a totalidade formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem
entrelaçada (WITTGENSTEIN, 2012, p. 18 e 19).
Nessa perspectiva, são os jogos de linguagem que definem então a linguagem ou as
linguagens que cada indivíduo emprega durante as diversas funções que precisa realizar na
interação com o meio em que vive. Baseado nesse pensamento, devido ao grande número de
jogos de linguagens, ocorre a existência de linguagens.
Essas linguagens, portanto, tem papéis diferentes, dependendo do contexto em que
estão inseridas e da forma que estão sendo utilizadas. Palavras, gestos e outras manifestações
da linguagem se modificam e ganham diferentes significados de acordo com o contexto em que
elas são usadas.
Os jogos de linguagem se constituem, então, com os usos que os indivíduos fazem da
linguagem, baseados em certas regras que estabelecem esse uso como um jogo. Sendo assim, o
indivíduo aprende que é preciso o conhecimento de regras específicas do jogo para sua efetiva
participação no jogo. Os jogos de linguagem fazem parte da vivência das pessoas e se baseiam
e se sustentam no que Wittgenstein (2012) chama de formas de vida. Nas palavras do filósofo:
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“a expressão jogos de linguagem deve salientar aqui que falar de uma língua é a parte de uma
atividade ou de uma forma de vida” (p.27).
Segundo Gottschalk (2008, p.80 apud Tortola 2012, p. 48) a expressão formas de vida
(Lebensformen) é utilizada por Wittgenstein “para designar nossos hábitos, costumes, ações e
instituições que fundamentam nossas atividades em geral, envolvidas com a linguagem”. Sendo
assim, as formas de vida se constituem através das ações dos indivíduos, nas atividades que eles
realizam com a linguagem (e com as linguagens) baseados em seus hábitos, crenças, modo de
viver.
As formas de vida elucidam, portanto, os usos da linguagem feitos pelos indivíduos e
determinam as regras que regem os jogos, pois os indivíduos presentes na forma de vida em
que o jogo de linguagem está inserido conhecem os hábitos, crenças e fatores necessários para
que o jogo seja entendido pelos jogadores. Segundo Condé (1998), as formas de vida são o
ancoradouro último da linguagem; onde a linguagem se assenta, ou seja, é na forma de vida que
a linguagem se sustenta, e as palavras que constituem essa linguagem (e o jogo de linguagem)
recebem significado. É no uso da linguagem, alicerçada na forma vida e nas regras estabelecidas
por essa forma, que a linguagem encontra significação.
Vilela e Mendes (2011, p. 12) expõem que “os significados se dão no contexto, como
parte do universo do discurso, e, nesse sentido, um novo uso sempre é possível, em oposição a
um significado previamente determinado, fixado independentemente da situação”. Para essas
autoras, a linguagem “traz uma lógica para ver o mundo e, ainda, pode ser reveladora porque
expressa o que é importante numa forma de vida; ela dá indícios das características culturais de
uma comunidade”. A linguagem utilizada em uma forma de vida pode influenciar, moldar as
interações entres as pessoas de uma comunidade, ou seja, entre as pessoas que compartilham
da mesma forma de vida.
Sendo assim, são nas formas de vida que as regras dos jogos de linguagem tomam
forma, já que as regras dos jogos precisam ser conhecidas por todos os indivíduos que estão
jogando. Caso contrário, a linguagem deixa de fazer sentido. Isso porque são nas formas de vida
que residem as características sociais e culturais; são nas formas de vida que ocorrem os usos
da linguagem e consequentemente significação.
Wittgenstein (2012) explica como se dão os usos da linguagem, quais são as
transformações que ocorrem quando nos comunicamos com as pessoas e como a linguagem se
dá nos diferentes discursos pautado no conceito de significação. Para o autor , o significado das
palavras e expressões que pronunciamos não está pré-determinado, ele depende do contexto (do
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jogo de linguagem) em que está inserido. Como nos diz Wittgenstein (2012, p.38), “para uma
grande classe de casos - mesmo que não para todos - de utilização da palavra “significado”,
pode-se explicar esta palavra do seguinte modo: O significado de uma palavra é o seu uso na
linguagem”.
Isso nos remete a pensar que o uso da linguagem depende do contexto em que a pessoa
está inserida, ou seja,
o uso depende de uma série de fatores, tais como meio, necessidades, desejos,
emoções, capacidades sensórias, que sugerirão quais conceitos são mais adequados.
O que uma pessoa expressa não depende só do que ela diz, mas das circunstâncias que
mostram qual jogo de linguagem está sendo jogado (ARAÚJO, 2004, p. 111, apud
TORTOLA, 2012, p.45).
De modo geral, as palavras podem servir para designar um objeto, rotulá-lo, mas
quando usamos a palavra em um contexto de uma linguagem (de um jogo de linguagem), seu
significado vai depender do contexto em que o indivíduo que faz uso da linguagem está e da
interpretação que as pessoas que participam do jogo de linguagem fazem do que foi expressado.
“Na prática do uso da linguagem, uma parte grita as palavras, a outra age de acordo com elas”
(WITTGENSTEIN, 2012, p.18). Essa consideração se assemelha às ideias de Vigotski (2008,
p. 156) quando expõe que “os significados das palavras são formações dinâmicas, e não
estáticas [..] se alteram em sua natureza intrínseca, então a relação entre o pensamento e palavra
também se modifica”. Sendo assim, é na variação dos usos das palavras e das manifestações
linguísticas em cada forma de vida, em cada jogo de linguagem e alicerçadas nas regras
gramaticais que aquele contexto impõe, que ocorre a atribuição de significado.
Se pensarmos, por exemplo, no uso da palavra “racional” em um contexto do dia a dia
pode-se associar a algo ou alguém que age de acordo com a razão. Porém, a palavra racional
no jogo de linguagem da sala de aula de matemática vai assumir outro significado. Isso porque,
os jogos de linguagem em que a palavra racional está sendo empregada são distintos; as regras
que regem ambos os jogos são diferentes.
Contudo, apesar dos jogos de linguagem serem distintos, alguns jogos podem
apresentar características em comum ou semelhanças. Tais semelhanças são denominadas por
Wittgenstein de semelhanças de família e são discutidas na próxima seção.
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1.1.2 Semelhanças de família
Wittgenstein (2012) ao falar sobre a pluralidade de usos da linguagem nas
manifestações linguísticas dos indivíduos em cada contexto, inseridos nas suas respectivas
formas de vida, ou seja, na existência de linguagens, nos coloca o seguinte questionamento: Se
os jogos podem variar dependendo do contexto, como caracterizar todos como jogos?
Por mais distintos que sejam, os jogos de linguagem passam por constantes
transformações atendendo às necessidades de cada “forma de vida” e a necessidade de
comunicação e adaptação das regras pelos indivíduos. Para Wittgenstein (2012), estes jogos
apresentam semelhanças, ou como o filósofo chama, “semelhanças de família”.
Não posso caracterizar melhor essas semelhanças do que por meio das palavras
“semelhanças familiares”; pois assim se sobrepõem e se entrecruzam as várias
semelhanças que existem entre os membros de uma família: estatura, traços
fisionômicos, cor dos olhos, andar, temperamento etc. etc. – E eu direi: os “jogos”
formam uma família (WITTGENSTEIN, 2012, p. 52).
Para elucidar essa caracterização de semelhança de família
olhe, por exemplo, os jogos de tabuleiro, com seus variados parentescos. Passe agora
para os jogos de cartas: aqui você encontra muitas correspondências com aquela
primeira classe, mas muitos traços comuns desaparecem, outros se apresentam. Se
passarmos agora para os jogos de bola, veremos que certas coisas comuns são
mantidas, ao passo que muitas se perdem. – Prestam-se todos eles ao
“entretenimento”? Compare o xadrez com o ludo. Ou há, por toda parte, ganhar e
perder, ou uma concorrência dos jogadores? Pense nas paciências. Nos jogos de bola
há ganhar e perder; mas, se uma criança atira a bola contra a parede e a agarra
novamente, neste caso este traço desapareceu. Veja que papel desempenham
habilidade e sorte. E quão diferente é habilidade no jogo de xadrez e habilidade no
jogo de tênis. Pense agora nas brincadeiras de roda: aqui se encontra o elemento
entretenimento, mas quantos dos outros traços característicos desapareceram! E assim
podemos percorrer os muitos, muitos outros grupos de jogos, ver as semelhanças
aparecerem e desaparecerem (WITTGENSTEIN, 2012, p. 51-52).
Sendo assim, as semelhanças de família seriam “parentescos” entre os jogos,
semelhanças que percebemos entre uns com outros, mas não necessariamente entre todos.
Podemos ver então cada jogo de linguagem como uma “peça” da linguagem, em que suas
semelhanças e familiaridades se tornam as linguagens.
As semelhanças presentes num determinado grupo de jogos de linguagem se estendem
a todos os seus componentes, como em uma família, podendo haver certas
semelhanças entre um primeiro e segundo jogo de linguagem, as quais podem
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desaparecer e dar lugar a novas semelhanças quando comparamos o primeiro, ou, o
segundo, com um terceiro jogo, e assim sucessivamente, esses entrelaçamentos se
estendem aos outros jogos de linguagem (TORTOLA,2012, p.48)
Os diversos jogos de linguagem encontrados em cada forma de vida e nas suas
variações não têm uma definição ou uma universalidade em todos os jogos, mas ocorrem
semelhanças, coisas que os jogos possuem em comum entre si, porém não necessariamente
comum a todos os jogos.
Assim, as semelhanças de família podem ser vistas como os traços mutáveis que
impedem que uma proposição ou conjunto de proposições que descrevam ou orientem
uma ação funcione(m) uniformemente como uma descrição. Essa noção de
semelhança de família tem a tarefa de descentrar o problema dos universais, baseados
na identificação de características comuns (BELLO, 2010, p. 544).
As semelhanças de família não são algo que universalizam os jogos de linguagem ou
as linguagens, nem algo que podemos encontrar em todos os jogos, mas são parentescos;
semelhanças que percebemos entre os jogos. Alguns jogos, apresentam semelhanças com
alguns jogos (são, de certa forma, aparentados à estes), mas podem ser completamente distintos
a outros, bem como alguns jogos de linguagem podem aparentar-se a outros apenas pelo
contexto (pela forma de vida) em que estão inseridos e quando, por conveniência, as regras do
jogo se modificam, as semelhanças com estes jogos podem desaparecer e tornar-se aparentados
(apresentar semelhanças de famílias) com jogos que antes eram totalmente distintos.
No próximo capítulo abordaremos algumas concepções teóricas de Modelagem
Matemática na Educação Matemática, além disso, descreveremos o nosso entendimento com
relação a uma atividade de modelagem, bem como o papel do professor e do aluno ao
desenvolverem modelagem matemática na sala de aula.
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2 MODELAGEM MATEMÁTICA: CONCEPÇÕES TEÓRICAS PRESENTES NA
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
A Modelagem Matemática no âmbito da Educação Matemática vem sendo discutida
por diversos autores e, por esse motivo, se apresenta sob diferentes perspectivas e se consolida
a partir de diversas concepções. Apresentaremos nesta seção uma breve descrição das
concepções de Dionísio Burak, Ademir Donizeti Caldeira, Lourdes Werle de Almeida e Jonei
Cerqueira Barbosa.
No trabalho de Klüber e Burak (2008), a concepção de Burak acerca da Modelagem
Matemática é descrita como um “conjunto de procedimentos” em que se objetiva tentar explicar
matematicamente fenômenos do cotidiano do ser humano, para ajudá-lo a tomar decisões. Esta
concepção de Burak é encontrada em sua tese em 1992, entretanto, durante a fase de mestrado,
em 1987, Burak entendia modelagem como um trabalho centrado na construção de um modelo,
ou seja, a prioridade da Modelagem Matemática era obter um modelo que melhor resolvesse o
problema que estava sendo estudado. Com o desenvolvimento da pesquisa na área, e dada sua
experiência em Modelagem Matemática, Burak repensou durante o doutoramento a concepção
citada anteriormente e ao centrar sua atenção às questões da Educação Matemática, focou sua
‘nova’ concepção no interesse do grupo e nas interações dos indivíduos envolvidos com a
modelagem.
A concepção de Caldeira, trazida em Klüber e Burak (2008), situa a Modelagem
enquanto uma concepção de Educação Matemática. Nesta concepção, professor e aluno se
inserem em um sistema de aprendizagem à medida que podem (re)conhecer aplicações da
matemática, elucidar conceitos e conferir-lhes sentido. Nesse entendimento a Modelagem
Matemática se configura como uma oportunidade de estudar aspectos da matemática presente
na vida das pessoas.
Para Almeida (2010), a Modelagem Matemática é uma atividade associada à busca por
uma solução para uma situação-problema e “pode ser descrita em termos de uma situação inicial
(problemática), de uma situação final desejada (que representa uma solução para a situação
inicial) e de um conjunto de procedimentos e conceitos necessários para passar da situação
inicial para a final” (ALMEIDA, 2010, p.399).
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Por sua vez, para Barbosa (2004, p.3), a Modelagem Matemática é assumida como
“um ambiente de aprendizagem no qual os alunos são convidados a problematizar e investigar,
por meio da matemática, situações com referência na realidade”.
Embora essas concepções pareçam se distanciar no modo como são descritas por esses
autores, podemos perceber que há convergências entre elas no que se refere à participação do
aluno no processo de modelagem e na abordagem da modelagem como meio de resolver
matematicamente problemas da realidade. Tais convergências oportunizam e favorecem o
crescimento da área de estudo no âmbito da Educação Matemática.
Visando esclarecer nosso ponto de vista acerca da Modelagem Matemática trazemos,
a seguir, a concepção de Modelagem Matemática que adotamos na realização deste trabalho,
bem como a caracterização de uma atividade de modelagem e o papel do professor e de alunos
nesse contexto.
2.1 PROFESSOR E ALUNOS NO CONTEXTO DA MODELAGEM MATEMÁTICA
Na abordagem das concepções identificamos que a modelagem está, de modo geral,
relacionada com o tratamento de problemas oriundos de situações do cotidiano, ou seja, com a
realidade, por meio da matemática. Sendo assim, como metodologia de ensino, o professor tem
a oportunidade de proporcionar aos alunos um ambiente no qual seja possível investigar
matematicamente uma situação de interesse dos alunos e que está presente no seu contexto de
vida.
De acordo com Almeida, Silva e Vertuan (2012, p.15):
segundo o dicionário Houaiss (2009), o termo “modelagem” significa dar forma por
meio de um modelo. Seguindo este entendimento podemos dizer que a Modelagem
Matemática visa propor soluções para problemas por meio de modelos matemáticos.
O modelo matemático, neste caso, é o que “dá forma” à solução do problema e a
Modelagem Matemática é a “atividade” de busca por essa solução.
Disto, neste trabalho, adotamos a Modelagem Matemática como sendo a atividade que
proporciona a busca de uma solução para um problema da realidade. Durante a transição da
situação inicial (que pode ser reconhecida como uma problemática) para uma situação final
(reconhecida como uma possível solução para a situação inicial) acontece a modelagem
matemática.
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No contexto de sala de aula, a atividade dos alunos na busca por uma solução para uma
problemática oriunda da realidade em que estão inseridos, orientados pelo professor, utilizando
conhecimentos matemáticos que já possuem bem como novos conceitos necessários para a
solução do problema, configura-se em uma atividade de modelagem matemática.
Como nos diz Meyer, Caldeira e Malheiros (2011), referente à modelagem em sala de
aula, o aluno tem a oportunidade de fazer as perguntas, a si mesmo, ao professor e aos demais
alunos, e junto com estes, aprender e usar ferramentas matemáticas já existentes, ao invés de
apenas usar ferramentas predeterminadas.
Com relação ao papel do professor na condução de uma atividade de modelagem
matemática, Almeida, Silva e Vertuan (2012), enfatizam que ele deve ser acima de tudo um
orientador, no sentido de indicar caminhos, sugerir procedimentos. Por outro lado, não deve
deixar os alunos sozinhos e favorecer que eles sigam exemplos, tampouco dar respostas prontas.
Um professor que trabalha com Modelagem Matemática jamais deve despir-se de suas
responsabilidades de ensinar. Veronez (2013, p.28) acrescenta que “em Modelagem
Matemática compete ao professor orientar os alunos, principalmente, no sentido de promover
que eles estabeleçam relações entre seus conhecimentos, seja da situação em estudo, seja da
matemática, ou entre ambos”.
Sendo assim, no desenvolvimento de atividades de modelagem em sala de aula o
professor deve assumir um papel de orientador, de mediador, intervindo no trabalho de
investigação do aluno, de modo a auxiliar na elaboração de estratégias e de proporcionar um
ambiente em que os alunos possam aprender matemática através da investigação de problemas
do cotidiano, “é na transição da situação inicial (problemática) para a situação final (solução
para a situação inicial) que o professor tem oportunidade de ensinar Matemática” (VERONEZ,
2013, p. 25).
Reconhecendo o professor como um orientador das ações dos alunos, no
desenvolvimento de atividades de modelagem matemática em sala da aula, ele deve fomentar
que os alunos assumam um papel mais autônomo, que se tornem resolvedores, “o aluno tem,
portanto, papel central no que se refere à articulação entre definição, investigação e resolução”
(ALMEIDA e SILVA, 2014, p.11).
No desenvolvimento de atividades de modelagem matemática na sala de aula, o aluno
tem o papel de, com o auxílio do professor, buscar soluções, por meio da matemática, para
situações que emergem da realidade, e nessa busca revisar e aprender novos conceitos.
19
2.2 CARACTERÍSTICAS DE UMA ATIVIDADE DE MODELAGEM MATEMÁTICA
Uma atividade de modelagem matemática
pode ser descrita em termos de uma situação inicial (problemática), de uma situação
final desejada (que representa uma solução para a situação inicial) e de um conjunto
de procedimentos e conceitos necessários para passar da situação inicial para a final.
Nesse sentido, realidade (origem da situação inicial) e Matemática (área em que os
conceitos e os procedimentos estão fundamentados) são domínios diferentes que
passam a se integrar, e, em diferentes momentos, conhecimentos matemáticos e não
matemáticos são acionados e/ou produzidos e integrados (ALMEIDA, 2010, p.399,
apud VERONEZ, 2013, p.21).
Sendo assim, conforme salientam Almeida e Dias (2007), primeiramente, é necessário
que haja a compreensão de uma situação-problema, organizando as informações referentes a
ela para, a seguir, levantar hipóteses e procurar analisá-las. Depois, é preciso definir as variáveis
envolvidas no problema, cujas relações conduzem ao problema matemático que se precisa
resolver. Por fim, se faz necessário avaliar e julgar as respostas encontradas.
Com relação aos elementos que permeiam uma atividade de modelagem matemática,
Almeida, Silva e Vertuan (2012) defendem que são quatro os elementos que caracterizam tal
atividade. Esses elementos estão ilustrados na Figura 1.
Figura 1: Elementos que caracterizam uma atividade de Modelagem Matemática
Fonte: ALMEIDA; SILVA; VERTUAN, 2011, p. 17.
A situação problema trazida enquanto um elemento de uma atividade de modelagem
matemática é entendida como sendo um problema com origem no cotidiano, na realidade, e da
qual são coletados dados que fornecem informações sobre as variáveis envolvidas no problema,
que, após um processo investigativo, por meio da matemática, são elaboradas estratégias que
levam à obtenção de modelos matemáticos que podem resolver o problema inicial. Para o
reconhecimento dessa solução como resposta ao problema é necessária uma avaliação da
20
respostas obtidas, bem como sua validação e isso somente é possível através de uma análise
interpretativa.
Sendo assim, em uma atividade de modelagem matemática partimos de uma situação
inicial – um problema da realidade –, coletamos dados referentes ao contexto do tema,
elaboramos estratégias que conduzirão à elaboração de um modelo matemático e, por fim,
analisamos se esse modelo pode vir a resolver o problema em estudo.
É a partir da definição do problema que ocorre a busca por modelos que melhor
solucionem a problemática inicial, e, segundo Almeida e Silva (2014), são abordados conceitos
matemáticos que evidenciam o problema matemático a ser resolvido, ou seja ocorre uma
transição da situação inicial representada em linguagem natural para outra, representada em
linguagem matemática.
A busca e a elaboração de uma representação matemática são mediadas por relações
entre as características da situação e os conceitos, técnicas e procedimentos
matemáticos adequados para representar matematicamente estas características
(ALMEIDA e SILVA, 2014, p.5).
Realizada a transição do problema inicial para um problema representado
matematicamente, ocorre o processo de investigação, onde são analisadas as informações
referentes ao problema, bem como os conceitos matemáticos que serão utilizados para a
construção do modelo que resolva a problemática inicial. Durante o processo investigativo, que
pode evocar conhecimentos matemáticos já vistos e também novos conceitos. Ao aluno cabe o
papel de criar conjecturas, revisar aspectos relevantes à resolução do problema, estabelecer
estratégias e então elaborar soluções que melhor atendam a problemática inicial.
Realizado o processo de investigação e elaboração das resoluções, Almeida, Silva e
Vertuan (2012) orientam que uma análise das respostas obtidas deve ser realizada com a
participação de todos os envolvidos na atividade. Essa análise deve ser no sentido de aceitar ou
não a solução encontrada, ou seja, ocorre uma avaliação das respostas obtidas, verificando se
elas respondem satisfatoriamente ao problema.
Com relação à importância da análise dos resultados e da análise das resoluções,
Veronez (2013, p.29) enfatiza que
é importante que os alunos comuniquem os resultados da atividade de modelagem
aceitos pelo grupo como resposta para o problema. É nessa comunicação que os alunos
têm oportunidade de argumentar acerca dos encaminhamentos assumidos por eles na
obtenção de tais resultados, além de se configurar em um espaço para os alunos se
convencerem e convencerem aos demais alunos da sala e ao professor de que a solução
21
obtida é consistente em relação aos conceitos matemáticos utilizados e à situação em
estudo.
Em atividades de modelagem matemática o aluno tem a oportunidade de interagir com
os outros alunos e com o professor, o que proporciona a utilização de linguagens diversas, tanto
matemática quanto língua materna, e dessa utilização diferentes jogos de linguagem podem se
fazer presentes. Na próxima seção, analisaremos os jogos de linguagem que emergiram nos
registros de alunos envolvidos com atividades de modelagem, buscando identificar possíveis
semelhanças de família entre eles.
22
3 AS ANÁLISES: OPÇÕES METODOLÓGICAS E NOSSAS INTERPRETAÇÕES
Neste capítulo apresentamos nosso olhar acerca dos registros obtidos1 durante a
realização de três atividades de modelagem matemática, em uma turma do quarto ano do curso
de Licenciatura em Matemática, que ocorreram em dez aulas da disciplina intitulada Introdução
à Modelagem Matemática. A interpretação ora apresentada foi realizada à luz dos jogos de
linguagem presentes nos discursos orais e registros escritos dos acadêmicos, enquanto
interagiam no desenvolvimento das atividades.
As três atividades de modelagem analisadas foram apresentadas, cada uma, por dois
alunos, e as discussões que orientaram o desenvolvimento das mesmas também foi de
responsabilidade das duplas. Cabe ressaltar que essas atividades estão presentes em artigos
científicos2 que foram disponibilizados para estudo pela professora responsável pela disciplina.
Como a turma foi dividida em duplas, outras atividades foram realizadas seguindo o
mesmo processo descrito no parágrafo anterior, entretanto, as três atividades presentes neste
trabalho foram selecionadas porque ocorreram no tempo determinado no cronograma do TCC
para a coleta de dados.
Os episódios que subsidiaram as nossas interpretações e que aparecem descritos nas
subseções deste capítulo são recortes das transcrições dos áudios utilizados como instrumentos
de coleta dos dados. Nem sempre os episódios apresentados seguem a ordem cronológica do
momento da aula, contudo, foram assim organizados por conterem informações consideradas
relevantes no nosso processo de análise. Como forma de explicitar o diálogo dos grupos usamos
nos episódios a designação A11 para se referir ao aluno 1 do grupo 1, da mesma forma, A21
refere-se ao aluno 2 do grupo 1 e A13 ao aluno 1 do grupo 3. Quando nos referimos aos alunos
1 Os alunos foram consultados se tinham interesse em participar da coleta de dados, e para isso, assinaram um
Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando o uso de suas falas e anotações produzidas
durante a aula. Vide TCLE no anexo A. 2 Atividade 1: TORTOLA, E.; REZENDE, V. Analisando a conta de energia elétrica: o estudo de função afim
por meio de uma sequência de atividades. In: IV EPMEM - Encontro Paranaense de Modelagem em Educação
Matemática. Maringá – PR, 2010.
Atividade 2: ALMEIDA, L.M.W.de; BRITO, D. dos S. Modelagem Matemática na sala de aula: algumas
implicações para o ensino e aprendizagem da matemática. In: XI CIAEM - Conferência Interamericana de
Educação Matemática. Blumenau – SC, 2003.
Atividade 3: ALMEIDA, L. M. W. de; Mapas conceituais e modelagem matemática: uma associação possível
na busca de um avançar na aprendizagem significativa do conceito de função. In: I CNEM - Congresso
Nacional de Educação Matemática. Anais...2008.
23
responsáveis por apresentar a atividade de modelagem matemática utilizamos a letra S e para a
professora da disciplina, que sempre participou das discussões orientadas pelos alunos
apresentadores, usamos a letra P.
Os temas que originaram as atividades de modelagem matemática descritas e
analisadas foram: energia elétrica, horário de verão e intensidade sonora. A que tinha como
tema a energia elétrica envolvia um estudo de função afim, a segunda, que buscava determinar
o dia mais adequado para o início e término do horário de verão sugeria um estudo de função
trigonométrica e a terceira, a partir de uma função exponencial, pretendia indicar o tempo que
um indivíduo pode ficar exposto ao som de uma furadeira pneumática sem sofrer danos à saúde.
3.1 UMA INTERPRETAÇÃO ACERCA DOS DADOS COLETADOS
3.1.1 Atividade 1: Energia Elétrica
Para a discussão dessa atividade de modelagem matemática os alunos apresentadores
disponibilizaram para os demais alunos da turma uma folha conforme Figura 2.
26
Neste material era sugerido o estudo da lei de formação e o comportamento da função
afim a partir do questionamento de como calculamos o valor da conta de energia elétrica, ou
seja, de que forma o valor a ser pago pelo consumo de energia é calculado. Além disso, era
solicitado que fosse realizado um estudo da função afim com relação às características desse
tipo de função (domínio, contradomínio e imagem, crescimento e decrescimento) e análise da
representação gráfica dessa função.
A questão que originou o desenvolvimento dessa atividade tinha como foco a
representação algébrica e gráfica do custo do uso da energia elétrica em um mês qualquer.
Assim, os acadêmicos que conduziram a atividade disponibilizaram o valor de R$ 0,72 como
sendo o valor de um quilowatt/hora, informação que se fez necessária na resolução da atividade.
A seguir trazemos alguns episódios segundo os quais identificamos diferentes usos da
linguagem e sob os quais fazemos uma interpretação, pautados no referencial teórico adotado.
Episódio 1
A11: como calcular o valor a ser pago em reais em uma conta de energia elétrica?
A21: consumo de energia em quilowatt multiplicado pelo valor do quilowatt...
A11: consumo de energia em quilowatts por hora multiplicado pelo valor do quilowatt hora...
A21: a energia que você gastou no mês vezes (...)
A11: expresse a função que você obteve para representar o valor pago em reais para calcular
o consumo em quilowatt...
A21: 0,72 vezes….
A11: o consumo de energia...
A21: o consumo de energia, daí a gente pode atribuir um valor, então vamos colocar o vezes
0,72...0,72 vezes x.
A11: quando x é igual ao valor do consumo de energia....
No Episódio 1 identificamos a presença do jogo de linguagem da língua natural e do
jogo de linguagem da linguagem matemática. Podemos perceber que os alunos utilizam o jogo
de linguagem da língua natural e da linguagem matemática, ao tentar procurar uma relação entre
o consumo e o preço do quilowatt/hora e quando se referem à relação que determina o custo
para um valor de quilowatt/hora qualquer. Neste diálogo identificamos semelhanças de família
da linguagem natural com o jogo de linguagem da matemática, de modo que os acadêmicos
procuram uma representação algébrica para o consumo de energia, e se referem a esse consumo
tanto na linguagem natural quanto matematicamente, porém nessa última utilizando a variável
x.
Na realização da atividade, quando solicitado que se representasse o domínio,
contradomínio e imagem da função, os alunos recorreram ao uso de palavras externas ao
contexto matemático como ilustrado no Episódio 2.
27
Episódio 2
A11: isso? Então, qual é o domínio, contradomínio e imagem dessa função? Especifique quais
os conjuntos numéricos...domínio.... Domínio é esse aqui? É daqui que leva pra lá...
A21: então vai ser os números...
A11: naturais?
A21: é, ou os inteiros não sei...
A11: mas eu posso consumir energia quebrada né, então os reais...
A21: a imagem também são os reais né, positivos...
A utilização da palavra “quebrada” representa uma semelhança de família do jogo de
linguagem da matemática com o jogo de linguagem da língua natural, de forma que a palavra
“quebrada” elucida algo que não está inteiro no contexto da língua natural e faz lembrar um
número decimal, quando usada no contexto matemático. Aqui fica evidente a influência da
forma de vida dos sujeitos que praticam o uso da linguagem.
Também, ao procurar elucidar a relação entre o domínio e contradomínio de uma
função o Aluno1 utiliza de linguagem natural para representar algo matemático. A expressão
“é daqui que leva pra lá” possui significado matemático, uma vez que faz alusão à relação
existente entre domínio e contradomínio. Notamos que ambos os alunos estão inseridos tanto
no jogo de linguagem da língua natural quanto no jogo de linguagem da linguagem matemática
porque eles parecem se entender no diálogo produzido. Entendemos, alicerçados nas asserções
de Wittgenstein (2012), que há semelhança de família nesses dois jogos de linguagem porque
a utilização dessa expressão faz com que o discurso venha carregado de significado.
Em outro grupo, os alunos, ao tentarem escrever o conjunto que representa o domínio,
contradomínio e imagem da função, encontraram alguns percalços na definição dos conjuntos
citados, como podemos observar no Episódio 3:
Episódio 3
A22: esse é o domínio? E essa é a imagem... qual que é a diferença de contradomínio e imagem?
A12: a imagem são os elementos que você pode pegar do contradomínio, a imagem são os
elementos específicos, essa é a imagem: todo o conjunto.
A22: então a imagem são todos os reais?
A12: o contradomínio são os reais e a imagem é esse conjunto aqui, daí o domínio pode ser
considerado os inteiros positivos mais o zero ou os naturais...
S: a reta do x é o domínio, do y é contradomínio e a imagem vai ser os pares ordenados.
A12: os pontos específicos.
Podemos perceber que ao procurar uma definição de cada conjunto os alunos recorrem
a expressões como: “pegar do contradomínio”, “a reta do x”, “a do y” que fazem parte do jogo
de linguagem da língua natural, mas que evocam ideias matemáticas. A expressão “pegar do
contradomínio” refere-se à ideia de selecionar elementos no conjunto do contradomínio
28
pertencentes à da imagem da função. Quando o aluno diz “a reta do y” e “a reta do x”, faz
referência ao eixo das ordenadas e o eixo das abscissas, respectivamente. Tais expressões
possuem significado no contexto do jogo de linguagem da matemática, muito embora não
tenham sido pronunciadas segundo o rigor matemático. Essas expressões vêm, portanto,
imbricadas de significado e, nesse sentido, podemos considerar que elas carregam as regras do
jogo de linguagem da matemática.
Como os alunos estão inseridos em ambos os jogos de linguagem e conhecem as regras
que regem os dois jogos, comunicam-se utilizando expressões que fazem parte de um jogo, mas
que possuem significado que é pertinente a outro. Além disso, ambos os alunos fazem parte da
mesma forma de vida em que os jogos de linguagem estão inseridos. Os hábitos, costumes e
crenças que compõem a forma de vida em questão são comuns aos dois alunos. Os jogos
ocorrem simultaneamente e o discurso que os compõem é entendido por cada jogador.
Com relação à atribuição de significado, enquanto a turma realizava uma discussão
acerca das respostas que consideram como solução para a atividade, ocorreram divergências
com relação à palavra “figura”:
Episódio 4
P: qual figura representa melhor os pontos distribuídos no gráfico? Qual é o problema com
essa pergunta?
A12: a gente colocou triângulo.
A13: eu escrevi reta...
A12: se for ver a figura que forma é um triângulo...
S: é, essa palavra figura que ficou meio estranho.
A13: eu coloquei reta, mas reta não é uma figura...
A21: é, reta é uma reta.
A11: mas podia ser tanta coisa, como não pediu pra traçar uma reta, podia ser só pontinhos...
Identificamos que houve diferentes interpretações com relação à palavra figura. Para
alguns alunos a figura solicitada era um triângulo, para outros uma reta, ou ainda, qualquer
coisa, sendo que não havia sido solicitado que fosse realizada a ligação dos pontos na malha
quadriculada. Concluímos então que a palavra figura não se caracteriza como semelhança de
família nos jogos de linguagem envolvidos, devido à falta de atribuição de um significado no
jogo de linguagem da matemática
No que se refere à atribuição de significado da palavra “figura”, alicerçados no que
Wittgenstein (2012) diz sobre significado de algo estar em relação ao uso que fazemos dele,
identificamos que o uso da palavra “figura” naquele contexto não produziu semelhança de
família entre o jogo de linguagem da língua natural com o jogo de linguagem da linguagem
29
matemática e que o uso desta palavra naquele contexto não trouxe significado a todos os
integrantes do jogo.
3.1.2 Atividade 2: Horário De Verão.
A segunda atividade desenvolvida, que consistia em determinar qual seria a data mais
apropriada para o início e o término do horário de verão, foi apresentada por um aluno, devido
ao fato de que o outro aluno que compunha a dupla desistiu de cursar a disciplina.
Para o desenvolvimento desta atividade a turma foi dividida em duplas e alguns trios.
Cada grupo recebeu uma tabela (Figura 3), contendo a duração do dia do nascer ao pôr do sol,
e a partir destes dados deveriam criar um modelo que indicasse a data mais apropriada para o
início e término do horário de verão.
Figura 3:Tabela disponibilizada pelo apresentador.
Fonte: ALMEIDA e BRITO, 2003, p.6
Enquanto os alunos discutiam a resolução da problemática inicial, a professora interviu
e questionou uma das duplas com relação às conclusões que eles haviam obtido até aquele
ponto, questionando-os com relação à função que poderia se configurar como modelo que
descreveria a resolução da situação estudada.
30
Episódio 5
P: que conclusão vocês chegaram?
A11: que vai ser uma função seno. A primeira ideia que a gente teve...primeiro a gente pensou
numa parábola, numa parábola crescente...
P: como assim uma parábola crescente?
A21: como assim se ela vai para os dois lados?
A11: então não. É uma função que descreve...
P: com uma concavidade para cima, que você tem um crescente até o vértice e do vértice ela é
decrescente, ok? E por que que não deu?
A11: esse valor aqui vai decrescer de novo...
P: vai voltar no início...
A11: vai ter um período... função seno...
P: por que não daria pra ser várias parábolas grudadinhas? porque isso aqui varia um ano,
né? E se o janeiro não poderia emendar aqui? Não sei, tô perguntando...
A21: não dá bem certinho... como é que ela vai se encontrar aqui?
No Episódio 5 reconhecemos que a professora recorre a termos como “grudadinha”,
“emendar” que fazem parte do jogo de linguagem da língua natural, utilizada no cotidiano, para
explicitar o fato de que, se o problema fosse descrito por uma função que possuiria períodos,
de modo que haveriam intervalos de crescimento e de decrescimento, os dados não
necessariamente deveriam ser traduzidos em termos de uma função trigonométrica, mas, que
estes intervalos poderiam ser representados por mais de uma função quadrática, representadas
graficamente por parábolas que se seguiam imediatamente umas ao lado das outras, que o
“grudadinha” dito pela professora procurava elucidar.
Na gramática presente nos usos da linguagem do Episódio 5, que comporta as regras
de determinados jogos, as palavras “grudadinhas” e “emendar” contém significado com
referência a algo matemático. Por outro lado, quando o A11 se refere à parábola como
“crescente”, as regras que regem o jogo de linguagem da linguagem matemática não são
obedecidas, já que matematicamente uma parábola não se classifica como crescente ou
decrescente.
Episódio 6
A12: imaginamos que ela passe aqui depois suba de novo. Uma parábola?
A22: sim.
A12: pode ser uma parábola, como pode ser uma função Seno de... Cosseno de...porque ela
tem um ciclo né...
A22: é ela volta na verdade, ela só tem isso aqui depois ela começa a repetir...
A12: mas tem que trabalhar com a do segundo grau...
P: talvez se vocês desenharem melhor, não sei que tipo de função é essa...concordo que
possivelmente vai repetir, vai emendar lá e ele vai ser sempre o mesmo comportamento, mas
que comportamento é esse?
31
Analisando esse episódio identificamos que no jogo de linguagem presente nos
discursos dos alunos e da professora, ao se referirem ao comportamento da função que descreve
a situação estudada, são usadas diferentes expressões que pertencem a diferentes jogos de
linguagem. As expressões como “passa aqui depois suba”, “tem um ciclo”, “ela volta” e “vai
repetir, vai emendar” procuram elucidar o comportamento da função e elas possuem significado
nos diferentes usos devido à semelhança de família caracterizada pela utilização destas
expressões, presente entre o jogo de linguagem da linguagem matemática com o jogo de
linguagem da língua natural. Como todos os integrantes do jogo de linguagem conhecem as
regras que regem os discursos e determinam a atribuição ou não de significado inferimos que a
utilização de diferentes termos ou expressões não limita a comunicação entre eles e ainda, que
eles atribuem significado nesses usos.
Após as duplas debaterem a fim de definir o melhor modelo para a situação, foi
realizada uma discussão geral, de modo que os grupos, juntamente com a professora e o aluno
responsável pelo encaminhamento da atividade, discutiram as conclusões obtidas pelos grupos
ao investigarem a situação problema.
Episódio 7
A13: Você pode observar que num período ele começa a... ele vai crescendo e daí ele chega
num ponto e decresce, daí ele começa a crescer de novo.
S: tem um período de máximo e de mínimo...e entre esse período tem o que?
A14: ponto médio?
A13: dia mais longo?
S: entre o período de máximo e de mínimo? Se você pensar numa função? O que vai acontecer?
A22: ponto de inflexão?
S: ponto de inflexão!
P: o que é um ponto de inflexão?
A22: ponto de inflexão no caso seria onde a minha função começa a mudar.
P: muda o que?
A23: o formato.
A11: o gráfico.
A22: o comportamento.
A13: era crescente passa a ser decrescente.
S: pode ser uma aplicação da derivada...
A12: o ponto da reta tangente...
A22: ele cai até aqui depois começa a subir de novo.
Ao serem questionados sobre o que era um ponto de inflexão, conceito matemático
que surgiu das observações realizadas em relação ao comportamento da função que descrevia
a situação problema em estudo, os alunos utilizaram-se da linguagem natural como forma de
32
elucidar o que entendem como sendo este conceito. As expressões: “a função começa a mudar”,
“o formato”, “o gráfico”, “o comportamento”, “era crescente passa ser decrescente” e “o ponto
da reta tangente” são diversos usos da linguagem, que neste contexto procuram assumir o
mesmo significado, ou seja, procuram definir o que os alunos entendem por ponto de inflexão.
As expressões que surgiram nos discursos presentes no episódio 7, fazem parte dos
dois jogos de linguagem identificados nos discursos obtidos durante a realização da atividade
de modelagem: o jogo de linguagem da linguagem matemática e o jogo de linguagem da língua
natural, a língua do cotidiano, e estas expressões possuem semelhanças de família, porque são
ditas em um contexto (uma forma de vida) que permite que sejam usadas para fazer
compreender algo matemático e mesmo compondo dois jogos de linguagens distintos, ocorre
a atribuição de significado por parte dos jogadores, já que estes conhecem as regras de cada
jogo e fazem parte da forma de vida em que os jogos estão acontecendo.
No decorrer da atividade, os grupos chegaram a uma função trigonométrica como
modelo para o problema proposto, mais especificamente a função Seno, entretanto, ocorreram
dificuldades com relação ao entendimento da forma genérica deste tipo de função e a influência
dos seus parâmetros. O Episódio 8 descreve a discussão realizada entre todos os grupos em
relação a interpretação da influência de um dos parâmetros da função Seno:
Episódio 8
P: e mais alguma coisa que faz?
Alunos: ela desloca....
P: desloca?
A12: no eixo vertical.
P: o que que é o eixo y? que tipo de deslocamento é esse?
A13: vertical.
P: vertical. Vamos ver como é que funciona, se eu colocar um, a minha função vai para cima
ou vai para baixo? No a? o que aconteceu?
Alunos: subiu.
P: quantas unidades?
A23: uma unidade.
P: então, o a se for positivo desloca... pra cima, se o a for negativo...pra baixo? Será? Bota lá
no menos um pra ver
(...)
P: então, se colocar o a no menos um deslocou uma unidade...
Alunos: pra baixo.
P: pra baixo. Então se eu quiser deslocar três unidades pra cima?
A21: o a tem que ser três.
P: hum? O a tem que ser três. E se eu quiser deslocar cinco unidades para baixo?
A21: a igual a menos cinco.
33
Neste episódio identificamos a presença do jogo de linguagem da língua natural no
discurso da professora e dos alunos ao tentar descrever o comportamento da função propondo
a alteração de um dos parâmetros, denominado, neste caso, de a. Além disso, encontramos
presente o jogo de linguagem matemático, de modo que nos discursos produzidos estão sendo
transmitidos conceitos matemáticos no que é pertinente à análise e interpretação gráfica de uma
função Seno.
Na elaboração dos discursos, por exemplo, nas expressões “bota lá no menos um pra
ver” e “se colocar no um”, que fazem referência à atribuição do valor menos um e um para o
parâmetro a na função Seno e da análise da influência destas atribuições na representação
gráfica, encontramos semelhanças de família entre o jogo de linguagem da língua natural com
o jogo de linguagem da linguagem matemática. A professora utiliza tais expressões que fazem
parte da língua natural, mas procura significar algo matemático.
Os discursos presentes no Episódio 8, são regidos pelas regras que compõem os jogos
identificados acima, e tais regras são conhecidas pelos integrantes dos jogos, sendo que os
jogadores destes jogos compõem, segundo o que nos traz Wittgenstein (2012), uma forma de
vida, já que todos os sujeitos que aparecem neste Episódio estão imersos em uma atividade de
Modelagem Matemática, atividade esta que determina o contexto em que os discursos são
formados e as linguagens produzidas decorrem das necessidades que permeiam a resolução do
problema.
3.1.3 Atividade 3: Intensidade Sonora
No início da atividade, que foi encaminhada por uma dupla de alunos, os demais alunos
da turma foram divididos em duplas, recebendo uma tabela (Figura 4) com os dados que seriam
necessários para a resolução do problema. Essa tabela contém o tempo máximo que uma pessoa
pode se expor à determinada intensidade sonora sem sofrer danos à saúde.
34
Figura 4: Material disponibilizados na Atividade 3.
Fonte: FONTANINI e ALMEIDA, 2008.
A atividade foi desenvolvida no laboratório de informática, de modo que foi possível
a utilização de softwares como auxílio na resolução da situação problema. Na realização da
modelagem em questão, um dos grupos de alunos percebeu que o quadro continha valores que
guardavam entre si uma relação de dependência e disto poderiam descrever uma função que
representasse esta dependência.
Episódio 9
A11: nível sonoro em função da hora né?
A21: quanto maior o nível sonoro menos horas.
A11: acho que daqui pra cá, quantos menos horas menor o nível.
A21: como seria a função?
A11: chama de t, vamos fazer assim, t o tempo máximo de exposição daí Db nível sonoro, agora
é t em função do Db... né.
A21: o tempo seria Db vezes algum valor, o tempo vezes alguma coisa?
S: isso, e quem depende de quem?
A11: o tempo depende do nível sonoro.
S: isso, então a primeira parte já dá pra escrever: t de Db, agora vocês podem usar o
computador...
Reconhecemos nos discursos produzidos que os alunos utilizam tanto de linguagem
natural quanto de linguagem matemática, ou seja, neste caso estão presentes ambos os jogos de
linguagem. Na fala dos alunos são utilizados termos que fazem parte da linguagem do cotidiano,
da língua natural, porém no contexto da matemática, de forma que os termos presentes no
35
discursos fazem referência à ideia da formação de uma função em termos de uma variável
dependente e independente, ou seja, da relação entre duas grandezas, caracterizando assim,
semelhanças de família entre a linguagem natural e a linguagem matemática e seus usos
caracterizam o jogo de linguagem jogado durante a descrição da função que resolveria o
problema.
Já que os alunos estão participando da atividade de modelagem, além dos alunos que
estavam responsáveis pelo encaminhamento da mesma, o contexto em que os discursos
ocorreram garante que possa ser tratados como “t” e “t de Db”, as variáveis presentes nos dados
utilizados e a relação entre eles respectivamente, de forma que quando tratados por “t”, “Db” e
“t de Db” o significado que estas expressões possuem fazem referência aos dados da tabela e a
relação entre eles.
Ao utilizarem um software com o objetivo de, a partir dos dados, construir uma função
que descrevesse a situação problema, os alunos se depararam com uma função que continha o
número irracional e.
Episódio 10
A12: dois e elevado....
A22: o que significa? Qual o significado desse e?
A13: o e é elevado...dois vezes dez...não, o e é dez, dois vezes dez elevado ao próximo número
A12: então como é, dois vezes dez elevado...
A13: à tudo isso aí.
S: e esse e ali?
A12: tem outro significado?
S: tem um valor né dele, mas ele tá no expoente?
A22: não, ele está junto com o seis aqui.
S: sim, o seis é o expoente do dez, mas e o e?
A22: o e ta multiplicando?
S: esse e ta...como que é uma função exponencial? Não é um valor elevado à outro? Então,
esse dez elevado a zero seis vai me dar dois milhões, não é isso que eu tenho...
Neste episódio observamos que os alunos procuram entender o porquê da presença do
número e na função que foi obtida, utilizando de linguagem matemática e linguagem natural ao
discutir o papel deste número na função, ou seja, se ele é uma constante multiplicada na função
ou um expoente. Dentro do jogo de linguagem em que estão inseridos durante a realização da
tarefa se fez necessária a utilização de ambas as linguagens para que pudessem traduzir
verbalmente suas ideias.
Além disso, um dos alunos responsáveis pelo encaminhamento da atividade, procura
explicitar o que seria uma função exponencial usando a expressão “um valor elevado à outro”.
Essa expressão descreve em linguagem natural a forma algébrica, evidenciando uma
36
característica da função exponencial, ou seja, mesmo não contemplando todos os aspectos de
uma função exponencial, a expressão utilizada pelo aluno apresentador, neste contexto (neste
uso), vem elucidar a forma algébrica desta função.
A expressão “um valor elevado à outro” pretende elucidar uma função do tipo
exponencial, que descreveria a função, entretanto em outro contexto poderia representar apenas
uma potência.
Episódio 11
A13: eu quero lembrar como que interpola...
A23: se você me falar o que você quer fazer talvez eu possa te ajudar...
A13: é que quando a gente interpola, a gente pega os valores entre esses caras e acha o valor
médio. Olha, eu tenho esse, um valor acima, um valor abaixo eu quero achar este cara do meio,
só que pra achar esse cara do meio eu tenho que considerar esses outros dois elementos.
A23: ah, se você pegar ali na proporção, noventa e sete pra cento e dois, seria dois de
diferença, eu poderia pensar que é meio, é metade, entre o três e o um virgula cinco.
A13:é que a interpolação é quase uma regra de três composta...que daí eu pego esse e diminuo
do primeiro, pego esse e diminuo do primeiro...que daí ele dá um arredondamento bem menor...
Para procurar esclarecer o processo de interpolação, o aluno A13 utiliza-se de
linguagem natural quando diz “o valor entre esses caras e acha o valor médio”, “quero achar
esse cara do meio”. Nesses dizeres procura elucidar uma ideia matemática, de como é realizada
a interpolação. Assim, o jogo de linguagem da linguagem matemática se faz presente porque
os discursos produzidos são elaborados a partir das regras dos dois jogos de linguagem, e
quando um dos jogadores faz uso de língua natural para representar algo matemático conhece
as regras dos dois jogos e quem ouve o que é dito também, para que o discurso seja
compreendido.
Outra maneira de explicar o que seria uma interpolação é mencionada por A11. Esse
aluno faz uso de termos que elucidam outro conceito matemático, ou seja, quando diz “quase
uma regra de três composta”, procura dentro do mesmo jogo de linguagem (o da matemática)
fazer relação com a ideia que pretende transmitir, sendo que nas regras que comportam o jogo
de linguagem da matemática, ao dizer “uma regra de três composta” traz significação, e seu uso
neste contexto tenta esclarecer o entendimento do que seria uma interpolação.
37
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os discursos presentes durante as interações em uma aula de matemática estão
alicerçados na língua natural, que é a linguagem utilizada no cotidiano, e na linguagem
matemática, que é a linguagem acadêmica, que possui rigor científico. Os indivíduos atuantes
na aula de matemática regida por atividades de modelagem matemática ao se comunicarem
utilizam de ambas as linguagens e desta utilização, que preserva as características das duas
linguagens citadas, surgem os jogos de linguagens. Ao jogar estes jogos, professores e alunos
se fazem compreender uma vez que estes jogos guardam semelhanças de família entre eles.
Com este Trabalho de Conclusão de Curso identificamos os jogos de linguagens que
permearam as interações entre os indivíduos que realizavam as atividades de modelagem
matemática e, consequentemente, as semelhanças de família presentes entre eles.
Uma das nossas observações é que quando os sujeitos que fazem parte de um ambiente
(forma de vida) de uma sala de aula, onde ocorrem atividades de modelagem matemática, se
comunicam, os discursos que são elaborados para se expressarem são formados por termos
próprios da linguagem natural, que é a linguagem que tais indivíduos utilizam para comunicar-
se no dia a dia, no cotidiano, e por termos próprios da linguagem matemática, que é o contexto
no qual os jogos de linguagem se formam.
Na interpretação que realizamos, ao interagirem em uma atividade de modelagem,
alunos e professora, utilizam-se de linguagem natural e de linguagem matemática para se
expressarem e exporem suas ideias e, em muitos momentos, fazem uso de expressões próprias
da linguagem natural para elucidarem um conceito matemático.
Ao jogarem com a linguagem em um ambiente de modelagem, professor e alunos
deixam transparecer que conhecem as regras que regem os jogos de linguagem suscitados e,
sendo assim, que os termos e expressões proferidas são compreendidas no processo de
comunicação.
As análises também indicaram que os jogos de linguagem presentes nas falas dos
sujeitos envolvidos com atividades de modelagem matemática guardam semelhanças de família
entre si, de forma que os discursos elaborados apresentam termos que carregam parentescos
entre os jogos de linguagem citados. Por exemplo, ao se referirem à objetos matemáticos, alunos
e professora faziam uso de termos da língua natural e suas falas eram entendidas, indicando que
os jogadores destes jogos conheciam as regras regidas por esses jogos, necessárias para atribuir
significado ao que era dito em cada jogo.
38
Podemos concluir que no encaminhamento de uma atividade de modelagem
matemática, professores e alunos se encontram imersos no jogo de linguagem da linguagem
matemática, que é a linguagem utilizada para procurar um modelo que resolva a situação inicial
e modele a situação matematicamente e no jogo de linguagem da língua natural, que é usada
para comunicar as ideias matemáticas. Em ambos os jogos os discursos ganham significado,
pois de um modo ou de outro carregam semelhanças de família.
39
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Anexo A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Tendo em vista a necessidade de coleta de dados para o desenvolvimento do trabalho de
conclusão de curso de Jackson Rodrigo Soares, acadêmico do curso de Licenciatura em
Matemática da UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná – Campus de União da Vitória,
declaro que consinto que o mesmo registre as minhas respostas durante as aulas de Introdução
à Modelagem Matemática bem como utilize, parcial ou integralmente, registros dessas aulas,
gravações em áudio ou vídeo de minhas falas ou imagem, minhas anotações, para fins de
pesquisa, podendo divulgá-las em publicações, congressos e eventos da área.
Referente à condição de anonimato, pode-se referir a mim usando de pseudônimos, ou se referir
a mim apenas como participante da pesquisa, garantido o anonimato no relato da pesquisa.
Declaro ainda, que fui devidamente informado (a) e esclarecido(a) quanto à pesquisa que será
desenvolvida.
União da Vitória, 14 de agosto de 2015.
NOME:_________________________________________
RG:____________________________________________
ASS.:___________________________________________
________________________________
Jackson Rodrigo Soares