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Os discursos de um “Sertão desconhecido”:A representação do “oeste” paulista no Mappa Chorographico da Província de São Paulo (1841)
Maio 2014
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“SERTÃO DESCONHECIDO”Seguramente, um dos aspectos
que mais chama a atenção de quem observa o Mappa Chorographico da Provincia de São Paulo é a representação de uma vasta área localizada no “oeste” paulista como um grande vazio, sobre a qual foi inserida a legenda “Sertão desconhecido”.
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Mappa Chorographico da Província de São PauloDaniel Pedro Müller, 1841.Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo
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Affonso d’Escragnole Taunay (1922)Para Affonso d’Escragnole Taunay, Daniel
Pedro Müller (1785-1841), representara a região como “Sertão desconhecido” em razão das poucas informações geográficas disponíveis à época sobre o sertão.
Para esse autor, tal carência de informações explicaria, também, os equívocos cometidos por Müller ao representar o interior da Província paulista em seu mapa. (Taunay, 1922, p. 7).
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Detalhe do Mappa Chorographico da Província de São Paulo (1841).Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo
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Airton José Cavenaghi (2003)
“Fruto de um isolamento existente na Província em relação às suas localidades, quer pela precariedade dos elementos de comunicação, como estradas, quer pela falta de interesse nesse processo” (CAVENAGHI, 2003, p. 288).
O desconhecimento da administração provincial em relação ao interior paulista se explicaria, então, pela permanência de um modelo de ocupação territorial que vinha desde o período colonial, marcado pelo isolamento das grandes propriedades agrícolas.
Nesse sentido, a carta produzida por Müller seria, também, um marco cartográfico ao permitir a observação do “início de um processo de substituição do modelo [de colonização] adotado até então” (CAVENAGHI, 2003, p. 288).
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José Rogério Beier (2014)Mais do que a escassez de informações
geográficas, defendidas por Taunay e Cavenaghi, entende-se nesse trabalho que a legenda “Sertão desconhecido” carrega consigo discursos que atendiam aos objetivos daqueles que encomendaram o mapa, nomeadamente, os deputados da Assembleia Legislativa da Província de São Paulo.
Discursos que, longe de serem neutros, estão presentes na ocultação, na invisibilidade ou, se preferir, nos silêncios da carta em relação às populações indígenas que viviam justamente sobre as terras catalogadas como desconhecidas.
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ObjetivoRefletir sobre os discursos ocultos por trás
da legenda “Sertão desconhecido” na representação do “oeste” paulista, por Daniel Pedro Müller no intuito de buscar compreender questões como:◦Teria Müller sido o primeiro a utilizar essa
expressão como afirma parte da historiografia?◦O “sertão desconhecido” representado em
mapas do século XVIII e XIX era, de fato, desconhecido?
◦Quais discursos podem estar ocultos por trás dessa representação?
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O “SERTÃO DESCONHECIDO” SERIA UMA NOVIDADE INTRODUZIDA POR MÜLLER?
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Não!Embora o termo “Sertão
desconhecido” apareça com grande destaque na carta de Daniel Pedro Müller, o mesmo não foi criado por este cartógrafo, como supõe parte da historiografia produzida sobre o assunto.
Mapas da Capitania de São Paulo elaborados no último quartel do século XVIII, já traziam essa legenda.
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Carta Chorographica da Capitania de São Paulo[João da Costa Ferreira] (1792)Fonte: Affonso d’Escragnole Taunay. Collectânea da Cartografia Paulista Antiga.
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Carta Chorographica da Capitania de São Paulo[João da Costa Ferreira] (1792)Fonte: Affonso d’Escragnole Taunay. Collectânea da Cartografia Paulista Antiga.
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Mappa da Capitania de São PauloJoão da Costa Ferreira (1811)Cópia realizada pelo Barão de Eschwege para seu uso pessoal (1817)Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo
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Mappa da Capitania de São PauloJoão da Costa Ferreira (1811)Cópia realizada pelo Barão de Eschwege para seu uso pessoal (1817)Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo
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Permanência de prática de representação cartográficaEvidencia-se, portanto, que a mesma
região identificada por Daniel Pedro Müller como “Sertão desconhecido”, já havia sido descrita da mesma forma por João da Costa Ferreira com, pelo menos, 44 anos de antecedência.
Assim, a representação de Müller trata-se muito mais da permanência de uma prática de representação cartográfica adotada desde o século XVIII, do que de uma ruptura.
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QUÃO “DESCONHECIDO” ERA O SERTÃO REPRESENTADO NOS MAPAS PAULISTAS?
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Relatos de viajantes, croquis, cartas geográficas, topográficas, corográficas...Desde o século XVII expedições
de sertanistas e viajantes descreviam a região em forma de relatos, croquis e cartas que localizavam as diferentes populações indígenas que habitavam os sertões.
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Relato do Conde de Azambuja
“deste rio [Taquari] para diante, há perigo de se encontrar gentio cavaleiro e paiaguá, costumam as tropas esperar nele uma pelas outras, pela facilidade de se manterem com caça; e dali vão juntas em conserva das canoas de guerra que vão sempre Cuiabá, escoltando as que saem e para conduzir as que vêm”.
Relato da viagem que fez o então governador da Capitania do Mato Grosso, D. Antônio Rolim, o Conde de Azambuja, no ano de 1751, partindo da cidade de São Paulo com destino à vila de Cuiabá.
Como se vê, nesse relato, o Conde de Azambuja destaca a presença do gentio Cayapó em um local conhecido como “Sanguessuga”, e também em toda região do rio Pardo.
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Mappa dos Sertões que se comprehendem de Mar a Mar entre as Capitanias de S. Paulo, Goyazes, Cuyabá, Mato Grosso e Pará [17??].Fonte: Fundação Biblioteca Nacional, RJ.
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Mappa dos Sertões que se comprehendem de Mar a Mar entre asCapitanias de S. Paulo, Goyazes, Cuyabá, Mato Grosso e Pará [17??].Fonte: Fundação Biblioteca Nacional, RJ.
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Conhecimento sobre as populações indígenas que habitavam os sertõesPortanto, relatos de viagem, como a do
Conde de Azambuja, e cartas produzidas por volta de meados do século XVIII já apontavam que os sertões paulistas não eram tão desconhecidos como “diziam” Ferreira e Müller em seus mapas.
Tampouco se ignorava a presença das populações indígenas que ali habitavam, sendo do conhecimento da administração não só os grupos específicos que viviam em cada região, mas também se tais grupos eram hostis ou não à população não índia.
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PAPEL DAS POPULAÇÕES INDÍGENAS NA EXPANSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PORTUGUESA
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O Uti Possidetis e as populações indígenasNa primeira metade do século XVIII,
mudança na forma de legitimar a soberania sobre os territórios.
Tratado de Madri (1750)Princípio do Uti PossidetisConsequência direta: ampliação do papel do
índio na garantia da soberania dos territórios ultramarinos de Portugal.◦Agora, como súditos do rei, a presença das
populações indígenas era imprescindível para a ocupação dos espaços e, também, para estender a administração portuguesa para os sertões.
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Políticas indigenistas séculos XVIII e XIXDiretório dos Índios (1758);Revogação do Diretório (1798);Guerras Justas (1808);Revogação das Guerras Justas
(1832);Regulamento das Missões (1845).
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Assimilar tanto os “índios bravos” dos sertões, quanto os aliados dos aldeamentos
Série de políticas que culminaram com a assimilação dos índios, mais acentuada no decorrer do século XIX.
A partir do Diretório dos Índios, cuja proposta objetivava transformar os aldeamentos indígenas em vilas e lugares portugueses, e os índios aldeados em vassalos do Rei, sem distinção dos demais. Diferentes práticas, como descimento, guerras justas ou extinção dos aldeamentos, passaram a integrar uma mesma política indigenista que procurava assimilar os “índios bravos” dos sertões e os índios aliados dos aldeamentos. (ALMEIDA, 2010, p. 108)
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Transição econômica vivida por São Paulo a partir de meados do XVIIIA partir de meados do século XVIII a Capitania de São
Paulo experimenta uma transição na qual passa de uma economia baseada na cultura de subsistência e de abastecimento interno, com poucas ligações com o mundo exterior e apoiada na exploração da mão-de-obra indígena, para uma economia baseada na cultura de exportação, apoiada na exploração da mão-de-obra africana com o estabelecimento de uma infraestrutura de comunicações mais moderna.
Momento que dá início a um novo processo de conquista e exploração dos sertões mais distantes e ameaça as terras das populações indígenas que ali habitavam.◦ A expansão da produção agrícola observada no período se
dá, sobretudo, através da compra de números cada vez maiores de escravos africanos e do avanço sobre terras novas, especialmente, à oeste da capitania/província.
![Page 27: II Simpósio Brasileira de História da Cartografia](https://reader036.vdocuments.site/reader036/viewer/2022062804/55cf8e3c550346703b8ff94d/html5/thumbnails/27.jpg)
QUAIS SÃO OS DISCURSOS POR TRÁS DE UM SERTÃO DESCONHECIDO?
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Conclusões IA representação do “oeste”
paulista como “Sertão desconhecido” por alguns cartógrafos desde o século XVIII, como se viu, é prenhe de significados e intenções, não apenas por tornar invisíveis as populações indígenas que habitavam aquela região, mas também por caracterizá-la como um amplo espaço vazio e desabitado visando atender interesses de grupos específicos.
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Conclusões IIColados a essa representação
identificam-se discursos como o de que o espaço em questão tinha dono sim, e não eram as populações indígenas que o habitavam, mas sim a Província de São Paulo, representada por sua Assembleia Legislativa (que encomendara o mapa), e pelo presidente da Província (a quem a carta era dedicada).
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Conclusões IIIPretendia-se, assim, disseminar a ideia de que, por
estarem sob o controle da administração provincial, as terras representadas como desconhecidas e desabitadas eram espaços aptos a serem transformados em territórios◦ A partir do desenvolvimento socioeconômico da
Província, aquele “fundo territorial” poderia ser disposto pela administração provincial para planejar a ocupação do sertão segundo os interesses das elites paulistas.
Assim, a necessidade de novas terras para a expansão da produção agrícola, direcionava o interesse da elite econômica paulista (que controlava a Assembleia Legislativa Provincial), na expropriação das terras a oeste (tanto ao Sudoeste, quanto ao Noroeste), onde habitavam as populações indígenas.
![Page 31: II Simpósio Brasileira de História da Cartografia](https://reader036.vdocuments.site/reader036/viewer/2022062804/55cf8e3c550346703b8ff94d/html5/thumbnails/31.jpg)
Conclusões IVA representação de um vasto espaço dito
desconhecido e desabitado, porém, circunscrito a uma área muito bem delimitada, era uma prática que vinha sendo utilizada desde os tempos coloniais.
No caso específico da representação de Müller, demonstra claramente a preocupação da administração provincial em garantir sua jurisdição sobre uma área tida como desocupada, mas que, em algumas partes, poderia despertar disputas com Províncias vizinhas.
Daí a importância de circunscrevê-la muito bem dentro dos limites provinciais e de se imprimir diversas cópias do mapa para enviá-las aos órgãos administrativos da Corte e das demais Províncias do Império.
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Conclusões VDaniel Pedro Müller foi um intelectual ligado às
questões de seu tempo. Tal como outros intelectuais brasileiros do período, Müller estava alinhado com a política assimilacionista que vigorava no século XIX.
Tal e qual um livro de José de Alencar ou um retrato de Debret, o Mappa Chorographico da Província de São Paulo pode ser visto como uma obra que reforça a imagem de que os índios deveriam ser assimilados e transformados em cidadãos do Império.
Uma vez assimilados os índios, o Império poderia contar com mais braços e, com a incorporação de suas terras ao Estado, seria possível levar a “civilização” e expandir o Império cada vez mais “para dentro”.