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Histria da Lngua
Florianpolis - 2012
Rodrigo Tadeu Gonalves
Renato Miguel Basso
6Perodo
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G635h Gonalves, Rodrigo TadeuHistria da lngua / Rodrigo Tadeu Gonalves, Renato Miguel
Basso. Florianpolis : LLV/CCE/UFSC, 2010.190p. : il.Inclui bibliografia
UFSC. Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia
ISBN 978-85-61482-32-91. Lngua portuguesa Histria. 2. Lingustica histrica.
3. Sociolingustica. 4. Ensino a distncia. I. Basso, Renato Miguel.II. Ttulo.
CDD 806.90(091)
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Sumrio
Apresentao ...................................................................................... 7
Unidade A - Do Latim ao Portugus ........................................... 9
1 Do Indo-Europeu ao Latim: primrdios da histria
das lnguas ......................................................................................................11
Introduo ..................................................................................................................11
1.1 O desenvolvimento da lingustica histrico-comparativa ................. 12
1.2 O protoindo-europeu e as lnguas indo-europeias ........................ ......13
1.3 Do protoindo-europeu ao latim ..................................................................192 Latim e latim vulgar, ou de onde mesmo vem o portugus? ......21
2.1 Brevssima histria do latim ..........................................................................21
2.2 Caractersticas do latim clssico e do latim vulgar ...............................26
3 A Expanso do Latim: a Romnia e sua Dissoluo .........................41
3.1 Conceituao de Romnia .............................................................................41
3.2 Inovaes panromnicas ...............................................................................43
3.3 Influncias do substrato, superestrato e adstrato nas lnguasromnicas ............................................................................................................44
3.4 As lnguas romnicas .......................................................................................48
Unidade B - Histria do portugus ...........................................59
4 A Pennsula Ibrica e sua formao lingustica .................................61
Introduo ..................................................................................................................61
4.1. Catalo .................................................................................................................61
4.2. Espanhol..............................................................................................................62
4.3 Formao histrico-lingustica da Pennsula Ibrica ........................... 65
5 O portugus arcaico ....................................................................................77
5.1 Periodizao .......................................................................................................77
5.2 O portugus arcaico ........................................................................................79
5.3 Textos comentados ..........................................................................................87
6 O portugus clssico...................................................................................97
Introduo ..................................................................................................................97
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6.1 Caractersticas do portugus clssico .......................................................98
6.2 Texto Dcadas da sia ..................... ........................ ........................ ...........103
7 O Portugus em Portugal depois de 1500 e a Lngua
Portuguesa no mundo ............................................................................107
7.1 O portugus europeu depois de 1572 ..................... ........................ .......108
7.2 Portugus no mundo ....................................................................................111
Unidade C - Histria do Portugus na Amrica ................. 117
8 Chegada do Portugus na Amrica: a delimitao das
fronteiras e a periodizao do portugus brasileiro....................119
8.1 A formao do territrio nacional.............................................................124
8.2 Panorama lingustico da Amrica portuguesa ..................... ................128
8.3 A periodizao do portugus brasileiro .................................................133
9 O portugus brasileiro e suas caractersticas ..................................135
9.1 Fase formativa (1550 a 1700) ......................................................................136
9.2 Fase diferenciadora (1700 a 1800) ................................. ........................ ...137
9.3 Fase de desenvolvimento da escrita e do ensino (1800 a 1950)....141
9.4 Fase de nivelamento (1950 em diante) ........................ ........................ ...144
10 Lnguas indgenas e africanas na formao do portugusbrasileiro, sua unidade e diversidade .............................................149
10.1 Indgenas, africanos, europeus e brasileiros: o caldeiro doportugus do Brasil .....................................................................................149
10.2 Unidade e diversidade no portugus falado no Brasil....................157
Eplogo ............................................................................................. 167
Concluso ........................................................................................ 171
Cronologia ...................................................................................... 173
Referncias ...................................................................................... 177
Glossrio .......................................................................................... 179
Apndice Atividades ................................................................ 181
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Apresentao
Este livro tem por objetivo introduzir o leitor ao vasto e diversifica-
do domnio da histria das lnguas. Nosso objeto aqui a lngua
portuguesa e sua histria. Procuraremos entender um pouco so-
bre as origens do portugus, sua relao com o latim, sua fixao enquanto
lngua de um Estado e, posteriormente, seu translado e fixao na Amrica,
na sia e na rica.
alvez a caracterstica que mais chame a ateno do leitor seja o ato de que
no possvel entender a histria de uma lngua sem levarmos em conta os
eventos polticos e histricos pelos quais passou o povo que alava essa lngua.
Usando os termos da lingustica histrica, para entender a histria internade
uma lngua, imprescindvel que levemos em conta sua histria externa. por
isso que em vrios momentos apresentamos a situao poltica de um determi-
nado pas, seus interesses econmicos e suas dinmicas populacionais.
O presente livro est dividido em trs unidades. Na primeira delas, traaremos
uma histria da lngua latina, de sua origem at o incio das lnguas romni-
cas, salientando as principais caractersticas da lngua latina, a expanso do
Imprio Romano e a ormao e dissoluo da Romnia. Na segunda unida-
de, olharemos para a histria da lngua portuguesa desde os seus primeiros
documentos at a chegada do portugus ao Brasil, pontuando cada uma das
grandes mudanas estruturais detectadas ao longo de sua histria. Finalmente,
na terceira unidade, apresentaremos a histria do portugus no Brasil, algu-
mas das hipteses sobre sua ormao e oereceremos um panorama da lngua
portuguesa no Brasil de hoje.
Ao longo deste livro, apresentaremos vrios excertos e textos antigos que sero
analisados, alm de mapas e imagens, para ajudar o leitor a se situar no longo
percurso histrico que o espera nas prximas pginas. No fim deste livro, o
leitor encontrar uma srie de atividades sugeridas para a sala de aula; procu-
raremos mostrar com as atividades que estudar a histria de uma lngua pode
servir como uma ponte interessante para as disciplinas de Histria e Geografia,
alm de despertar o interesse dos alunos sobre as razes de o portugus ser
como hoje, ter a ortografia que tem e suas caractersticas distintivas. Ain-
da para auxiliar nessas atividades, o leitor encontrar um Glossrio com os
Histria InternaAspectos relacionadoss mudanas estruturaisque uma lngua sofreuao longo do tempo.
Histria ExternaEventos de ordem nolingustica, polticos,econmicos, blicosetc. que influenciaramuma dada lngua.
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principais termos tcnicos utilizados e uma Cronologia com as datas mencio-
nadas no texto e outras que so importantes para a histria do portugus.
Antes de terminar a Apresentao, gostaramos de deixar registrado nosso agra-
decimento leitura cuidadosa e s vrias sugestes da proa. Izete LehmkuhlCoelho, que em muito contriburam para este livro.
Boa leitura!
Rodrigo Tadeu Gonalves
Renato Miguel Basso
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Unidade ADo Latim ao Portugus
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1.1 O desenvolvimento da lingustica
histrico-comparativa
Desde h muito tempo, diversos estudiosos viram semelhanas en-tre o latim e o grego clssicos que no podiam ser resultado do acaso. No
entanto, os estudos dos perodos anteriores ao sculo XIX eram muito
esparsos e baseados em suposies muitas vezes inundadas, como a de
que o latim derivava diretamente do grego, e este diretamente do he-
braico, a suposta lngua original cujo dialeto mais antigo Ado teria a-
lado. Aos poucos, as hipteses que ligavam o latim e o grego ao hebraico
oram sendo descartadas, em grande parte devido ao interesse crescente
pelas lnguas do Oriente, que passaram a ser mais bem conhecidas pelo
Ocidente europeu em virtude dos contatos crescentes entre os povos,
derivados de um trnsito comercial e colonialista mais intenso, acirrado
pelos movimentos expansionistas europeus.
Muitos estudiosos, principalmente aqueles que participaram dos
estudos lingustico-comparativos entre o sculo XIX e comeo do s-
culo XX, descobriram semelhanas tambm entre diversas lnguas da
Europa, organizando essas lnguas em amlias lingusticas, que, por sua
vez, tambm eram aparentadas entre si. Exemplos mais comuns so jus-tamente as lnguas romnicas, como o rancs, o espanhol, o italiano, o
romeno, o portugus etc., cujo percurso do latim at seu estado moder-
no oi documentado atravs dos mais diversos tipos de texto (polticos,
literrios, jurdicos etc.), e tambm as lnguas germnicas, como o in-
gls, o holands, o alemo, o islands, o dinamarqus etc., que descen-
dem de uma lngua chamada de protogermnico.
O parentesco entre o grego, as lnguas latinas (e o latim), as ln-
guas germnicas e outras da Europa j estava razoavelmente estabele-cido quando um jurista, fillogo e humanista ingls, Sir William Jones,
demonstrou, em 1786, que o snscrito, uma lngua bastante antiga da
ndia, era inequivocamente prximo ao latim, ao grego, ao protogerm-
nico e tambm ao persa, lngua alada no Ir. Seu discurso para a Socie-
dade Asitica (undada por ele mesmo em 1784), publicado em 1788, oi
considerado o pontap inicial da Lingustica Histrico-Comparativa.
Em uma passagem clebre, o fillogo afirmou que:
Para que voc possa
relembrar como os pes-quisadores estabelece-ram o parentesco entreas lnguas, sugerimos areleitura do livro-textode Histria dos Estudos
Lingusticos, de HeronidesMoura e Morgana Cam-brussi, especialmente o
Captulo 4 da Unidade A.
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O snscrito, sem levar em conta a sua antiguidade, possui uma estrutura
maravilhosa: mais perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais ex-
traordinariamente refinado do que ambos. Mantm, todavia, com estas
duas lnguas to grande afinidade, tanto nas razes verbais quanto nas
formas gramaticais, que no possvel tratar-se do produto do acaso. to forte essa afinidade que qualquer fillogo que examine o snscrito,
o grego e o latim no pode deixar de acreditar que os trs provieram de
uma fonte comum, a qual talvez j no exista. Razo idntica, embora
menos evidente, h para supor que o gtico e o celta tiveram a mesma
origem que o snscrito. (ROBINS, 1983, p.107)
Com tal descoberta, estava aberto o caminho para que o termo
indo-europeu osse cunhado, em 1813, pelo polmata ingls Tomas
Young. O sculo XIX oi o perodo em que uma srie de fillogos de-
senvolveu gramticas comparativas entre vrias lnguas indo-europeias,
entre eles Rasmus Rask, Jakob Grimm, Franz Bopp, August Schlegel,
Wilhelm Von Humboldt e August Schleicher. rata-se do primeiro ca-
ptulo da histria da lingustica moderna, que viria a culminar em abor-
dagens cada vez mais cientificizantes, como a dos chamados neogram-
ticosdo final do sculo, que abriram caminho para o estruturalismo no
incio do sculo XX.
1.2 O protoindo-europeu e as lnguas indo-
europeias
Entre as realizaes mais interessantes dos fillogos/linguistas
comparativistas do sculo XIX esto alguns estudos sobre mudanas o-
nticas das lnguas indo-europeias, como as Leis de Grimm, e tentativas
de reconstruo do protoindo-europeu, como a de August Schleicher,
que inclusive chegou a tentar escrever textos na lngua reconstruda.
Irmo de Wilhelm Grimm,com quem escreveu osfamosos contos de fadasdos Irmos Grimm.
Hermann Osthoff e KarlBrugmann so os maisconhecidos.
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Dos diversos estudos desses fillogos, linguistas, gramticos com-paratistas e humanistas, oi possvel descobrir que o latim e o snscri-
to eram aparentados o suficiente para terem uma origem comum, nos
moldes em que dizemos que o rancs e o portugus tm origem no la-
tim. A suposta lngua que deu origem ao latim, ao grego, ao snscrito, ao
protogermnico etc. oi chamada de protoindo-europeu. No entanto,
como dissemos, no h praticamente nenhum resqucio escrito da pas-
sagem do PIE para as lnguas da amlia indo-europeia e sua reconstitui-
Doravante, neste livro,abreviada como PIE.
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o eita com base nas mudanas lingusticas atestadas historicamente
e tambm na comparao entre as diversas lnguas indo-europeias. Os
estudiosos oram capazes de identificar os ramos da amlia indo-euro-
peia mais antigos, como o anatlico, que se desenvolveu provavelmente
por volta de 2000 a.C.; o indo-iraniano, por volta de 1400 a.C.; e o grego
por volta de 1300 a.C. ou mesmo antes. Assim, o PIE oi alado prova-
velmente antes de 2500 a.C., mas as dataes so todas muito diceis
de estabelecer e muito hipotticas. Para termos ideia da extenso cro-
nolgica envolvida nas transormaes entre as lnguas indo-europeias,
pode-se dizer que o latim tem origemem torno do sculo XI a.C.e o
snscrito entre 1500 e 1000 antes de Cristo. Vejamos abaixo exemplos
das semelhanas no vocabulrio de algumas das lnguas indo-europeias,
lembrando que em lingustica histrica, ormas marcadas com asteriscoso aquelas que no oram atestadas em documentos, mas reconstrudas
a partir de dados da histria da mesma lngua ou das que derivaram
dela; usaremos essa notao neste livro.
Portugus pai me irmo lobo
Latim pater mater frater lupus
Grego
Antigo
pater meter phrater lykos
Snscrito pitar matar bhratar vrkas
Espanhol padre madre hermano lobo
Francs pre mre frre loup
Ingls father mother brother wolf
Alemo Vater Mutter Bruder Wolf
PIE *phatr *mh
ater *bhrh
ater *wlk wos
Podemos ver como as palavras so semelhantes, e as reconstruesdo PIE apresentadas, embora paream estranhas por causa da notao
ontica, so muito prximas das lnguas antigas apresentadas cujos da-
dos oram atestados, o snscrito, o grego antigo e o latim.
O quadro a seguir ilustra as principais amlias lingusticasque se
originaram do protoindo-europeu:
O smbolo indica quese trata de uma lnguaque no tem mais falantesnativos, ou seja, de acor-do com a terminologiacorrente, trata-se de umalngua morta.
As inscries mais antigasencontradas datam dosculo VII, embora Romatenha sido fundada porRmulo, segundo as len-das, em 753 a.C.
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Protoindo-europeu
() ramo anatlico () assrio, () hitita
ramo helnico () grego antigo grego moderno
ramo indo-iraniano persa, () snscrito
ramo itlico () latimfrancs, romeno, italiano,portugus, espanhol etc.
ramo clticogals, galico irlands, galicoescocs, breto
ramo balto-eslavo() antigo prussiano, () proto-eslavo
leto, lituano, russo, tcheco,polons, ucraniano, croataetc.
ramo germnico () protogermnico
islands, noruegus, sueco,
alemo, ingls, holands,faros etc.
ramo armnio armnio
() ramo tocrio
ramo albans albans
Podemos ver a extenso da cobertura das lnguas indo-europeias
em seus espaos de ocupao originais no Mapa 1:
Indo-europeia - Romnica
Indo-europeia - Germnica Setentrional
Indo-europeia - Germnica
Indo-europeia - Eslava
Indo-europeia - Bltico
Indo-europeia - Helnica
Altaica- Turcomana
Urlica
Afro Asitica - Semtica
Mapa As lnguas indo-europeias em seus espaos originais. (Adaptado do mapa disponvelem: . Acesso em: 05 abr. 2010.)
Perceba que outras fam-lias lingusticas tambm
aparecem no mapa.
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O indo-europeu no , obviamente, a nica amlia de lnguas do
planeta. Lnguas como o rabe, o chins e o turco no so indo-euro-
peias e cada uma pertence a uma amlia lingustica, respectivamente,
o semtico, o sino-tibetano e o altaico. Os mtodos de comparao e
reconstituio de lnguas que oram empregados para o caso da am-
lia indo-europeia e que resultaram no protoindo-europeu poderiam,
a princpio, ser aplicados s outras amlias lingusticas do mundo, in-
cluindo certamente as lnguas indgenas brasileiras e do resto do conti-
nente americano. Qual seria o resultado de tal aplicao? Seria possvel
reconstituir todas as protolnguas? Se sim, o que isso nos mostraria?
eriam todas as lnguas uma mesma origem? Ou talvez no haja paren-
tesco entre as protolnguas e a linguagem surgiu em momentos, lugares
e com estruturas dierentes nos vrios grupos humanos?
O estabelecimento doturco na famlia altaica incerto, mas esta famliainclui tambm o coreanoe o japons, entre outras.
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1.3 Do protoindo-europeu ao latim
Uma histria do protoindo-europeu demandaria muito mais do
que pretendemos com este livro, mas algumas caractersticas impor-
tantes da passagem dos dados hipotticos reconstrudos para o que
conhecemos do latim sero importantes para entender alguns para-
lelos entre esse movimento e os movimentos posteriores da passagemdo latim ao portugus.
Na morologia, podemos verificar alguns enmenos interessantes
de simplificao ocorridos no percurso PIE-latim. Por exemplo, o PIE
declinava seus substantivos em nmero e gnero, como em portugus,
mas tambm em caso, como em latim, grego, snscrito e algumas ln-
guas modernas como o russo e o alemo. rata-se da flexo morol-
gica relacionada com unes sintticas, como a que vemos ainda nos
resqucios de morologia casual em portugus nos pronomes pessoaiseu (orma de sujeito) e me. Dizemos euvi o cachorro e o cachorro
meviu com ormas dierentes para o pronome eu por causa do mes-
mo enmeno. Considera-se que o PIE possua oito casos gramaticais,
sendo eles o nominativo(caso basicamente de sujeito), acusativo(caso
do objeto direto, como o me do portugus), ovocativo(o caso usado
quando chamamos um interlocutor), o genitivo(caso de posse, como o
genitivo womans da mulher do ingls), o dativo(caso do objeto indi-
Forma tona que serve,por exemplo, como obje-to; no prximo captulo
exploraremos mais afundo o conceito de casoe suas manifestaes.
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reto), o ablativo(caso usado geralmente para denotar aastamento espa-
cial, provenincia, entre outras coisas, como em ele veio da fazenda),
o locativo(caso que se usava para dizer algo como estou em casa) e o
instrumental(caso usado para especificar o meio ou o instrumento que
se usou para azer algo, como em ele quebrou a porta com o machado).
Outra caracterstica interessante para este panorama a da flexo
de nmero dos nomes. O PIE, assim como o grego antigo, flexionava os
nomes em singular, plural e dual. Este ltimo nmero denota dois obje-tos ou elementos. Assim, se casa significa basicamente uma casa em
oposio a casas, que podemos entender como mais de uma casa, o
PIE e o grego ainda tinham uma flexo para dizer duas casas. O latim
no conservou a categoria do dual como flexo dos nomes, que sobre-
viveu apenas em ormas como duo, dois, ambo, ambos, que tambm
temos em portugus e que denotam somente pares de objetos.
H vrias caractersticas do PIE que oram transmitidas ao latim
diretamente, como a terminao -m de acusativo singular, que deriva do
*-m PIE. Outro exemplo seria o *-a, terminao de neutro plural do PIE
que aparece exatamente dessa orma em latim. Se voc j estudou latim,
seria interessante lembrar ou retomar o que viu.
Isso no significa, demodo algum, que essas
sejam as mudanas maisimportantes nem as ni-
cas que ocorreram do PIEpara o latim.
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2 Latim e latim vulgar, oude onde mesmo vem o
portugus?Neste Captulo, fazemos uma breve histria do latim, identificando as
diferenas bsicas entre o que chamamos de latim clssico e latim vulgar, bem
como entre seus perodos histricos, como o latim arcaico e o latim tardio.
Alm disso, avaliamos algumas diferenas bsicas entre as estruturas do latim
clssico e vulgar.
2.1 Brevssima histria do latim
O latim era a lngua alada na regio central da Itlia, chamada de
Lcio, durante o primeiro milnio antes de Cristo e que, juntamente
com o Imprio Romano, estendeu-se por grande parte da Europa, pelo
norte da rica e por diversas regies da sia, at se transormar, atravs
do curso natural das lnguas, em dialetos incompreensveis entre si, que
acabaram dando origem s lnguas romnicas. Para entendermos a his-
tria do portugus, ser necessrio compreender o percurso que o latim
trilhou at se dierenciar em lnguas romnicas, especialmente porquea lngua que resultou nos romances e nas lnguas romnicas modernas
Bretanha
Espanha
Africa
Italia
RomaMacedonia
Grecia
Asia Menor
Mar Negro
Judeia
Egito
Rio Nilo
Mar Mediterraneo
Glia Mar Cspio
Mar Vermelho
Oceano Atlantico
Mapa O Imprio Romano no seu apogeu. (Adaptado do mapa disponvelem: . Acesso em: 05 abr. 2010.)
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no oi o mesmo latim que chamamos de clssico hoje, mas sim o latim
alado pelas pessoas comuns, no dia a dia, nas mais diversas interaes:
o chamado latim vulgar.
Para termos uma ideia do mpeto expansionista do Imprio Roma-no e de seu poderio, vejamos no mapa da pgina anterior as regies que
pertenceram a ele durante seu apogeu; nunca demais dizer que o latim
era levado a todas as regies conquistadas.
O latim que normalmente aprendemos hoje corresponde variante
literria e estilizada de um perodo muito importante para a histria
do Ocidente: o perodo que, de maneira geral, compreende os sculos I
a.C. e I d.C. Nesse perodo, grandes autores escreveram obras literrias
que ajudaram a moldar as bases culturais, polticas, sociais, filosficas ereligiosas da Europa e, consequentemente, do mundo ocidental. Den-
tre esses autores, podemos destacar o poeta Virglio, que, entre outras
obras, escreveu a Eneida no final do sculo I a.C. Nesse poema, Virglio
narra as origens histricas e mitolgicas da grandiosa Roma, governada,
no seu tempo, por Augusto. Aps longas dcadas de guerras civis, havia
sido declarado imperador em Roma, e criaria um perodo de paz e pros-
peridade para a capital de um Imprio que, se j vinha se expandindo
enormemente ao longo dos sculos precedentes, levaria as ronteiras deseus domnios para lugares to distantes quanto as Ilhas Britnicas, a
costa do Norte da rica (incluindo o Egito), e vrios territrios do atual
Oriente Mdio, at as bordas do Mar Negro.
Virglio sentado entre as musas Clio,da histria, e Melpmene, da tragdia.Sousse, sc. III d.C.
De nome Gaio Jlio CsarOtaviano, Augusto rece-
beu esse ttulo quando setornou o primeiro impera-
dor de Roma. Nasceu em63 a.C. e morreu no ano 14
da nossa era. Sob seu im-prio, cessam quase cem
anos de guerras civis entreos romanos, em especial a
mais importante, travadaentre seu tio, Jlio Csar, e
Pompeu.
Publius Vergilius Maronasceu no ano 70 a.C.
perto de Mntua, na GliaCisalpina, e morreu no ano
19 a.C.
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2.1.1 Latim arcaico
Os primeiros registros do latim escrito encontrados datam de VII
ou VI a.C. Mais tarde, por volta do sculo III a.C., comeam a ser pro-
duzidos textos literrios em latim, em grande parte atravs de um pro-cesso de assimilao da cultura e literatura gregas do perodo.
Roma, j ento uma potncia, conquistava territrios de vrios un-
dos culturais dierentes, e, em pouco tempo, por volta do sculo II a.C.,
o Mar Mediterrneo j era praticamente dominado pelos romanos.
desse perodo, por exemplo, o texto literrio mais antigo do qual
temos notcia escrito em latim: uma traduo da Odisseia de Home-
ro eita pelo escravo grego Lvio Andronico para propsitos educacio-nais. Do texto de Lvio sobreviveram apenas alguns ragmentos, e temos
acesso a menos de cem versos da obra completa. Nesse perodo, ainda,
outros autores produziram textos mais ou menos adaptados da tradio
grega, como as comdias de Plauto e erncio, de gosto popular, que se-
guem a tradio da Comdia Novagrega, e as tragdias (em grande par-
te perdidas) de Nvio e nio, por exemplo. Seguindo o caminho aberto
por Lvio, Nvio e nio tambm escrevem os primeiros textos picos
em latim, dos quais, inelizmente, tambm restaram apenas ragmentos.
O latim desse perodo ainda considerado menos polido e estilizado
do que o que viria a ser utilizado no perodo seguinte, quando a lngua
literria levada ao seu pice criativo.
2.1.2 Latim clssico
Convencionou-se chamar de latim clssico o estilo literrio culto da
lngua ao longo do primeiro sculo a.C. at o incio do primeiro sculo
da Era Crist. So desse perodo a prosa elaborada do poltico, filsoo e
orador Ccero; a poesia lrica e a pica nacional de Virglio, com as suas
Buclicase a sua Eneida; e a lrica amorosa de Catulo, Proprcio, ibu-
lo, Horcio e Ovdio, alm de textos de historiadores como ito Lvio.
Em geral, o latim que ensinamos hoje em dia a lngua literria desse
perodo, tanto por causa da beleza do estilo cuidadosamente trabalha-
do desses autores quanto pelo ato de que grande parte do corpusmais
substancial dos textos clssicos literrio, o que nos deixou sem muito
A Comdia Nova gregasurge no perodo davirada do sculo IV para oIII antes de Cristo e baseia-
-se em tramas familiares,convencionais, com perso-nagens caricaturais, comoo velho imbecil, seu filhosem responsabilidades e,em geral, apaixonado poruma moa que no podese casar com ele, o escravosagaz do velho que ajudao filho em suas desventu-ras etc. O principal autorgrego dessa tradio
Menandro.
Esttua do imperador Augusto. Museudo Vaticano
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acesso aos outros registros lingusticos do perodo. Ao contrrio do que
se pensa, no do latim clssico que as lnguas romnicas se desenvol-
veram, mas sim das variantes aladas ao longo da histria do latim.
2.1.3 Latim culto
O latim culto era a variedade alada pela classe culta de Roma.
Esse dialeto era a base do latim clssico, a variante literria, mas no
se conunde com ela. O latim culto era regido pelas mesmas regras
gramaticais atravs das quais estudamos latim, mas certamente muito
menos estilizado do que a lngua literria. Documentos escritos nessa
variedade lingustica so menos comuns, mas possvel encontrar esse
tipo de registro, por exemplo, em cartas de autores antigos, como as
de Ccero para seu irmo ou as de Sneca para sua me, nas quais a
estilizao e o trabalho esttico consciente com a linguagem so menos
intensos, ainda que presentes. Nas cartas, portanto, temos acesso ao
dialeto que as pessoas cultas escreviam quando no estavam preocupa-
das com a criao esttica.
2.1.4 Latim vulgar
A variedade do latim chamada de latim vulgar a lngua do povo
romano em geral. Os registros dessa lngua so mais diceis de encon-
trar, pois no se escrevia nessa variante de propsito, mas do testemu-
nhos muito interessantes da evoluo do latim. As inscries encontra-
das em muros, em banheiros pblicos, e at mesmo em obras literrias
que tentavam retratar avariedade lingusticanos mostram uma lngua
viva, muito requentemente aberta s mudanas que ocorrem natural-
mente nas lnguas, especialmente em se tratando da lngua de um im-
prio que se espalhou por regies com substratos lingusticos bastante
dierentes.
Um texto extremamente interessante o chamadoAppendix Pro-
bi, annimo, provavelmente datado do sculo III a.C., que se constitui
simplesmente de uma lista na orma de X non Y, que uncionaria para
evitar que os alantes usassem as ormas consideradas incorretas, Y, e
usassem as ormas cultas, X. Um dos exemplos interessantes doAppen-
dix a linha: auris non oricla. Essa linha nos diz muita coisa sobre como
Um exemplo de obra
literria que retrata varian-tes do latim o romancechamado Satyricon, de
Petrnio, autor do sculo Id.C., que apresenta longas
passagens que tentamsimular a lngua do povo
de Roma.
Sobre os substratoslingusticos das regiesromanizadas, veja-se o
Captulo III.
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as pessoas alavam e sobre como a lngua seguia seu curso de mudana
natural. A orma auris, em latim culto, que significa orelha, na ala po-
pular possivelmente recebia o sufixo diminutivo cula, resultando em
auricula, orelhinha. Da para a orma oricla, que deveria ser evitada,
temos a mudana do ditongo aupara simplesmente o, e a queda da vo-
gal uentre ce l.
Curiosamente, a pronncia de aucomoo, que j ocorria em latim,
como quando o prprio Ccero escreveu oriculaem suas cartas, em tom
jocoso, portanto j azendo parte do chamado sermo vulgarisouplebeius
(lngua vulgar ou do povo, denominao do prprio Ccero), acaba se
transormando em um ato ontico na passagem do latim vulgar para
as lnguas romnicas.
De onde vem, por exem-plo, auricular em portu-gus. Essa uma palavraque, como foi muitofrequente na histria doportugus, foi empresta-da do latim muito tempodepois de a forma orelha
j estar em uso pelosfalantes de portugus.Esse tipo de emprstimo considerado erudito,
pois os falantes voltamao latim para recuperarformas que, quando de-pois acolhidas pela lngua,vivem lado a lado comas formas populares que
j existiam. Os exemplosso muitos, como a formapopular maduro e a for-ma erudita maturidade,vindos do latim maturus,e a forma popular pai
que sobrevive juntamen-te com a forma eruditapatronmico, ambos dolatimpater,patris.
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2.1.5 Latim tardio
Aps o perodo do latim clssico, o latim continuou sendo usado
como lngua do Imprio Romano, que cresceu cada vez mais, e poste-
riormente tornou-se a lngua oficial da Igreja Catlica ocidental. Assim,ao longo de muitos sculos, o latim oi usado como lngua universal para
relaes internacionais, para a cincia, para administrao do Imprio
e da Igreja, e, durante a Antiguidade e a Idade Mdia, tudo que osse
importante era escrito em latim. Aos poucos, as comunidades oram de-
senvolvendo seus dialetos de orma que se aastassem mais e mais do la-
tim, dando origem a lnguas dierentes, mas a lngua escrita continuava
a seguir, na medida do possvel, os padres do latim culto, de orma que
temos muito material escrito em latim culto por alantes nativos deoutras lnguas ou de outras variedades do latim. Esses registros escritos
so bastante abundantes. Como exemplo, temos desde a traduo latina
dos textos bblicos, a Vulgata, vertida por So Jernimo para o latim nos
fins do sculo IV, at os documentos portugueses de administrao e
legislao, passando pela filosofia medieval e renascentista.
2.2 Caractersticas do latim clssico e do
latim vulgar
Uma vez que seria muito complexo e muito distante dos objetivos
desse livro apresentar um panorama vasto da estrutura do latim cls-
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sico, esta sesso apresentar as caractersticas mais importantes do la-
tim vulgar em contraste com o clssico para entendermos a histria das
lnguas romnicas, especialmente a do portugus. Os enmenos com
que lidamos aqui so relativamente comuns a quase todos os testemu-
nhos do latim vulgar encontrados, e sero ilustrados na sequncia comalgumas passagens do j citado Appendix Probi. Selecionamos apenas
algumas caractersticas do latim vulgar para comparar com o latim cls-
sico, e mais detalhes podero ser obtidos em Castro (2006), Ilari (1992)
e Renzi (1982), por exemplo. As caractersticas sero apresentadas nos
domnios da sintaxe, morologia, onologia e lxico.
2.2.1 Sintaxe
a) A ordem de palavras do latim clssico era relativamente livre,uma vez que a estrutura da lngua permitia variaes comple-
xas, que se aliavam estilizao dos textos literrios, resultando
em textos que apresentam bastante variedade de ordem. Isso se
devia ao fato de que a sintaxe no dependia apenas da ordem
das palavras na orao, mas tambm da caracterstica morfo-
lgica dos casos. No entanto, a ordem bsica, ou no marcada,
da orao era sujeito objeto/complemento verbo, ou SOV.
Assim, ao dizer uma frase como Pedro v Paulo, um romanoescrevendo em latim clssico utilizaria a ordem Petrus Paulum
videt. A ordem fundamental das palavras no latim vulgar passa
a ser sujeito verbo objeto/complemento, ou SVO. Essa ten-
dncia ser adotada por todas as lnguas romnicas.
b) A ordem de palavras no sintagma nominal no marcada no
latim clssico era determinante determinado, como quando
um substantivo modificado por um adjetivo:felix homo, ho-
mem feliz. No latim vulgar e nas lnguas romnicas derivadas,a ordem bsica passa a determinado determinante, como em
homo felix. Assim como com relao ordem fundamental da
frase, o latim clssico apresentava algumas variaes nas pos-
sibilidades dessa ordem, dependendo do tipo de determinante.
Contudo, no latim vulgar a ordem passa a ser mais fixa.
c) O latim clssico, como j dissemos, apresentava seis casos gra-
maticais para as palavras das classes nominais (substantivos,
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adjetivos e pronomes). Os casos se realizavam atravs de termi-
naes morfolgicas especficas que funcionavam para marcar
as funes sintticas das palavras na orao. Para exemplificar-
mos o funcionamento dos casos, vejamos as seguintes oraes:
1) Pedro v Paulo.
2) Paulo v Pedro.
Essas duas oraes dizem coisas bastante dierentes, pois cada uma
representa um evento dierente: na primeira, no se pode afirmar que
Paulo tambm v Pedro; e, na segunda, o contrrio se d. Isso acontece
em portugus em virtude da ordem das palavras, pois a estrutura do
evento de o sujeito ver o objeto depende em grande parte da posio
do sujeito antes do verbo e do objeto depois do verbo. Em lnguas comsistemas de casos plenamente desenvolvidos, como o latim, o sujeito da
orao ter que ser marcado com o caso nominativo e o objeto com o
caso acusativo. Assim, em latim clssico, as duas oraes vo apresentar
terminaes dierentes para os nomes, como podemos ver a seguir:
1a) Petrus Paulum videt.
2a) Paulus Petrum videt.
Como se pode observar, temos duas ormas para cada nome, Petrus
(sujeito) e Petrum (objeto), nos casos nominativo e acusativo, respecti-
vamente. A consequncia bsica desse sistema que a ordem de pala-
vras no determina sozinha a estrutura sinttica da orao, de modo
que (1a) pode ser reescrita em vrias ordenaes dierentes sem alterar
o significado bsico da orao:
1a) Petrus Paulum videt = Paulum Petrus videt = Paulum videt
Petrus = videt Paulum Petrus = Pedro v Paulo.
Em portugus, o nico resqucio do sistema de casos encontradonos pronomes pessoais, de modo que eu a orma de nominativo e
me a orma de acusativo, seguindo a declinao nominal latina, em
que havia ego(nominativo), me(acusativo), e mihi(dativo, que resultou
em mimno portugus). No temos problema para ormar rases como
Pedro me viu e Eu vi Pedro, por exemplo, e perceber que eu o su-
jeito da primeira e me o objeto da segunda. ambm no trocamos
as ormas, como Pedro eu viu e Me vi Pedro. A nica dierena que,
em latim clssico, todos os substantivos, adjetivos e pronomes se flexio-
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navam em seis possveis casos, no singular e no plural, em um sistema
um pouco mais complexo do que esse descrito.
Os outros casos, j mencionados no captulo anterior, eram o voca-
tivo, usado para interpelar o interlocutor, como em Petre, huc veni!, Pedro, venha c!; o genitivo, para indicar basicamente posse, como em
exercitus Petri fortis est, O exrcito de Pedro orte; o dativo, que deno-
ta normalmente complementos indiretos do tipo Petro donum do, Dou
um presente para Pedro; e o ablativo, que pode significar vrias coisas,
entre elas aastamento a partir de um local visto como ponto de reern-
cia, como em abi Petro, sai de perto do Pedro, instrumento/modo, como
em hoc scivi Petro, eu soube disso atravs de Pedro. Apesar de a orma
de dativo e ablativo serem a mesma para o substantivo Petrus, dierentesclasses de substantivos apresentam ormas dierentes para os casos.
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Assim, o sistema casual do latim vulgar apresentava-se muito mais
enxuto com relao ao do latim clssico, como podemos ver na compa-
rao entre dois paradigmas do mesmo substantivo:
Latim clssico dominus, i(segunda declinao, masculino, senhor):
Caso Singular Plural
Nominativo dominus domini
Vocativo domine domini
Acusativo dominum dominos
Genitivo domini dominorum
Dativo domino dominis
Ablativo domino dominis
Latim vulgar dominus, i, senhor:
Caso Singular Plural
Nominativo dominus domini
Acusativo dominum dominos
d) O latim clssico no possua a classe de palavras dos artigos
definidos e indefinidos como temos em portugus. Os subs-tantivos poderiam receber determinao atravs de pronomes,
e alguns deles significavam coisas prximas quelas que signi-
ficamos com os artigos, como o pronome quidam, um certo,
como em quidam Petrus, um certo Pedro, um tal de Pedro.
No latim vulgar, contudo, alguns pronomes demonstrativos co-
meam a ser usados com funes prximas s do artigo defi-
nido, como o pronome ille, illa, illud(aquele, aquela, aquilo),
que passa a cumprir a funo de artigo definido o, a, os, as,
ipse, ipsa, ipsum(o mesmo, a mesma), que tambm encon-
trado com o sentido mais prximo de o, a, os, as; e o pro-
nome unus, una, unum, anteriormente numeral, que passa a
ser usado como artigo indefinido um, uma, uns, umas. Como
veremos nos prximos captulos, a partir desses usos especfi-
cos do latim vulgar que as lnguas romnicas desenvolvem seus
artigos definidos e indefinidos.
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2.2.2 Morfologia
a) Declinaes nominais so conjuntos de nomes com a mesma
caracterstica morfolgica, como os nossos nomes cujo radical
termina em a, o, ou e (casa, carro, estudante). As decli-naes nominais em latim clssico eram cinco:
Na passagem do latim clssico para o latim vulgar, observa-se uma
simplificao dos paradigmas de declinao, antecipando os sistemas
nominais das lnguas romnicas, que manteriam as declinaes vulga-
res. Assim, temos o desaparecimento da quarta e da quinta declinaes
e o fim dos emininos em us, simplificando o sistema para algo mais
prximo do que temos em portugus:
femininos em a;
masculinos e neutros em us;
comuns (masculinos e femininos) em e.
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b) Juntamente com a simplificao das declinaes nominais,
desaparece o terceiro gnero dos nomes, o neutro, como pu-
demos perceber pelo resultado da declinao nominal simpli-
ficada acima. O gnero neutro distinguia-se morfologicamen-
te do masculino e do feminino, mas, com a simplificao das
declinaes e com a dificuldade de separao formal entre o
gnero neutro em oposio ao masculino e ao feminino, houve
a incorporao daquele s declinaes restantes. Assim, nomes
como templum, neutro da segunda declinao em latim, pas-
sam a masculino no latim vulgar, j que os temas em o, que
se realizam no nominativo como us ou um, se generalizam
como fundamentalmente masculinos.
c) Quanto ao sistema verbal, vrias mudanas foram percebidas
na passagem para o latim vulgar. Entre as mais importantes,
podemos mencionar a simplificao dos paradigmas de conju-
gao verbal. O latim clssico possua cinco modelos de conju-
gao, como podemos ver:
As dierenas undamentais entre as cinco conjugaes so o ato
de que as conjugaes temticas ou voclicas (primeira, segunda e quar-
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ta) possuem vogais longas na posio final do tema, o que az que ela
seja acentuada quando paroxtona (ou seja, habre tem acento tnico
na segunda slaba, enquanto dceretem na primeira). Alguns verbos de
conjugaes que no possuam vogal temtica (a terceira e sua deriva-
da, a mista) oram sendo incorporados pelas temticas, de modo que,
no latim vulgar, o sistema de conjugao verbal se simplifica para trs
modelos: os verbos de tema em a, os de tema em ee os de tema em i,
com alguns verbos ainda na terceira conjugao. Outros verbos, ante-
riormente no pertencentes a nenhuma conjugao por causa de suas
irregularidades, regularizam-se e passam a pertencer a alguma das con-
jugaes. Podemos citar como exemplos:
d) Quanto categoria de voz verbal, o latim possua as vozes ativa,
passiva e depoente. A voz depoente, derivada da voz mdia do
PIE, apresentava-se com morfologia de voz passiva e significa-
do de voz ativa, e os verbos da voz depoente no poderiam ser
flexionados em duas formas, ativa e passiva, como os verbos
normais. Assim, um verbo regular como amo, amo, poderiareceber morfologia de voz passiva, amor, para significar sou
amado. Os verbos depoentes, por sua vez, s apresentavam a
forma depoente, como minor, eu ameao, ou morior, eu mor-
ro, mori, morrer. No latim vulgar, a voz depoente desapare-
ce, e os verbos que anteriormente se apresentavam nesta voz
regularizam-se, como morio, eu morro, e morre, morrer.
O acento tnico no eramarcado ortograficamen-
te em latim, e o utilizamosaqui apenas para finsdidticos.
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e) A morfologia dos tempos verbais tambm sofre mudanas
substanciais, como o desenvolvimento de um futuro perifrsti-
co no lugar do futuro sinttico do latim clssico. Em latim cls-
sico, o futuro dos verbos se fazia da seguinte forma: para um
verbo como amo, o futuro do presente do modo indicativo era
feito com o infixo modo-temporal bo, bi, como em amabo,
amabis, amabit, amarei, amars, amar. Esse modelo era apli-
cado aos verbos da primeira, segunda e quarta conjugaes.
Para a terceira conjugao e sua derivada mista, o futuro era
feito com os infixos ae e, como em dicam, dices, dicet, direi,
dirs, dir. O latim vulgar deixa de usar essas flexes para o
futuro e desenvolve um futuro analtico (com perfrase verbal)
formado por infinitivo + habeo: amare habeosubstitui amaboedicere habeosubstitui dicam. desse futuro analtico do latim
vulgar que as lnguas romnicas desenvolvero seus tempos
futuros, como ocorreu em portugus, inicialmente com o au-
xiliar hei (derivado de habeo) aps o infinitivo, como cantar
hei, passando a formas como hei de cantar, at chegar em
cantarei.
f) Vrias outras mudanas ocorreram, como a perda davoz passi-
va sinttica, a perda de alguns tempos em alguns modos (como
o perfeito do subjuntivo), o desenvolvimento do modo condi-
cional, que no existia em latim clssico, atravs da perfrase
amare habebat, deveria amar, amaria.
2.2.3 Fonologia
a) Em latim clssico, as vogais poderiam ser, alm de tonas ou
tnicas, longas ou breves. Assim, uma vogal a longa seria per-
cebida diferentemente de sua correspondente breve, como se
se tratasse de uma nota musical mais longa em oposio a uma
mais breve. Convenciona-se marcar essa diferena na escrita
atravs dos sinais diacrticos mcron para as longas (, , ,
, ) e braquia para as breves (, , , , ). A diferena en-
tre as vogais longas e breves era fonolgica, ou seja, um par de
palavras como st e st apresentava significados diferentes (a
primeira, ; a segunda, come).
De amor, sou amado, olatim vulgar fez amatus
sum, sou amado, forma
que anteriormente signifi-cava fui amado.
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O latim vulgar perde a caracterstica onolgica da durao das vo-
gais e simplifica o sistema voclico da seguinte maneira:
LatimClssico
LatimVulgar a
(e aberto)
e(e fechado) i
o(o fechado) u
Com relao ao sistema onolgico como um todo, a consequncia
da perda da quantidade a fixao do acento de intensidade com valor
distintivo, como na distino entreprvenitepervnit, do latim vulgar,
que, em latim clssico, se dava em termos de vogal longa versus breve:
pervnitepervnit(chega e chegou).
b) Com relao ao sistema consonantal, ocorreram mudanasmuito profundas. Isso fica claro ao compararmos o sistema do
latim clssico com o sistema postulado como sendo o do latim
vulgar, conforme apresentado por Ilari (1992, p.77-87):
Latim Clssico
bilabiais lbio-dentais dentais-alveolares palatais velares uvulares
oclus. surdas p t k, k w
oclus. sonoras b d g, gw
nasais m n
laterais l
vibrantes r
fric. surdas f s h
fric. sonoras
semivogais w j*[kw] e [gw], grafados como que guso consoantes labiovelares.
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Latim Vulgar
bilabiais lbio-dentais dentais-alveolares palatais velares uvulares
oclus. surdas p t k
oclus. sonoras b d g
nasais m nlaterais l
vibrantes r
fric. surdas f s h
fric. sonoras v
semivogais w j
O contraste entre as duas tabelas acima apenas mostra uma pri-
meira dierenciao entre o sistema consonantal do latim vulgar com
relao ao latim clssico; mas, obviamente, as mudanas no pararampor a. Podemos dizer,grosso modo, que as lnguas romnicas alteram o
sistema do latim vulgar representado logo acima e fixam cada uma o seu
prprio sistema consonantal. No obstante, algumas outras mudanas
podem ser apontadas como tendo ocorrido, em dierentes graus, por
toda a Romnia; so elas:
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No podemos esquecer que tambm houve mudana e evoluo na
realizao dos vrios grupos consonantais latinos, como:
a) Grupos iniciais em s-, como sc-, st-, sp-;
b) Grupos de consoantes seguidas de -l, como pl-, cl-, tl-, fl-;
c) Consoante + [j] (com grafia i): ti, di, ki, li, ni, pi, bi etc.;
d) Consoante + dental: pt-, ps-, ct-, cs-, gn-, mn-, rs-, ns.
Novamente, cada lngua romnica evolui de modo prprio, mas
possvel identificar caractersticas gerais. Para o caso do grupo a), a so-
luo adotada pelo portugus, por exemplo, oi a insero de uma vogal
antes do grupo, e assim temos escrever do latim scribere. Para os gru-
pos b) e c) a soluo oi, via de regra, atravs de palatalizao; assim, em
portugus temos:
b) plenu > cheio
c) folia [folja] > folha
Por fim, para o grupo d) h s vezes queda e s vezes vocalizao:
d) fructa > fruta; derectu > direito
2.2.4 Lxico
ambm quanto ao lxico, o latim vulgar apresenta tendncias
claras de mudanas com relao ao latim clssico. O lxico das lnguas
romnicas deriva muito mais substancialmente do latim vulgar. Alm
disso, muitas palavras do lxico vulgar que, embora existissem, eram
menos comuns em latim clssico, oram as ormas que resultaram no
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lxico das lnguas romnicas. So exemplos desse enmeno termos
como casa, do latim vulgar, que, em latim clssico, significava um tipo
muito especfico de habitao, um casebre, enquanto que as ormas mais
tradicionais como domusou aedissignificavam casa de maneira mais
geral. , todavia, da orma vulgar que deriva o portugus casa, e no
do lxico clssico. Outros exemplos podem ser citados, como cavalo,
que deriva do latim vulgar caballus, e no do latim clssico equus; ou
campo, que vem de campusdo latim vulgar, que significava campina
em latim clssico, e no do termo mais comum do latim clssico ager.
importante apontar tambm para o ato de que, ao longo da histria da
lngua, quando necessrio, oram sendo eitos emprstimos de termos
mais eruditos para preencher unes semnticas dierentes. Assim, ao
lado de casa, temos domiclio e edificao, de domuse aedis; ao ladode cavalo temos equitao, de equus; e ao lado de campo temos
agricultura, de ager.
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3 A Expanso do Latim: aRomnia e sua Dissoluo
Aqui, investigamos o conceito de Romnia, enquanto unidade lingustico--cultural instaurada pela dominao romana em sua extenso de alcance
mximo. Avaliamos algumas caractersticas das inovaes comuns encontra-
das em toda a Romnia, e tambm apresentamos informaes bsicas sobre
algumas das lnguas romnicas.
3.1 Conceituao de Romnia
O termo romanusoi usado originalmente como sinnimo de ha-bitante da cidade de Roma. Mais tarde, com a expanso do imprio, o
termo oi estendido a todos os cidados romanos sob proteo do impe-
rador, em todas as provncias. Com o tempo, o termo passou a significar
aquele que no brbaro, ou seja, todos os no estrangeiros. O imprio
atingiu seu apogeu no incio do sculo II d.C., como se pode ver no
mapa da pgina 21, Captulo 2. Aps esse perodo, por vrios motivos,
que incluam a prpria vastido do imprio, os romanos passaram a ser
atacados requentemente por povos de origem germnica que vinham
do norte da Europa, pressionados pela invaso de outro imprio ao les-
te, o dos hunos. Ao conjunto de provncias que constituram o Imprio
Romano neste perodo d-se o nome de Romnia Antiga.
Com as invases germnicas no Ocidente e eslavas no Oriente,
ocorreu uma grande ragmentao poltica e lingustica, e os povos a-
lantes de latim localizados em provncias to distantes como a Dcia e a
Lusitnia mantiveram traos de romanizao em graus variados, que de-
pendiam, basicamente, da antiguidade da romanizao, do perodo emque ficaram submissas ao Imprio, e da proundidade dos contatos; es-
sas provncias, ento, acabaram desenvolvendo dialetos mais ou menos
prximos ao latim vulgar. O desenvolvimento da Romnia posterior, ou
Romnia Medieval, deu-se em parte por causa desses atores, mas tam-
bm dependeu dos contatos lingusticos com os povos alantes de outras
lnguas que j se encontravam nos territrios conquistados (alantes das
chamadas lnguas de substrato), com os alantes das lnguas dos povos
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que vieram a conquistar os territrios romanizados (alantes das lnguas
de superestrato) e com os povos alantes de lnguas como o grego, que
conviveram com os alantes de latim em vrias regies em situao de
bilinguismo por muito tempo (alantes de lnguas de adstrato).
Com a queda do Imprio Romano, em 476 da nossa era, o conceito
de Romnia passou, ento, a ser mais cultural e lingustico do que geo-
poltico, e as regies que tiveram mais contato com a romanizao aca-
baram por desenvolver dialetos derivados do latim vulgar, que viriam a
se transormar nas lnguas romnicas como as conhecemos. As regies
do Imprio que oram racamente romanizadas, como a Inglaterra, a
regio dos bascos, parte da Blgica, o norte da rica e os Blcs, aca-
baram desenvolvendo lnguas no romnicas, ainda que mantivesseminfluncias do latim vulgar como lngua de substrato.
A Romnia Moderna compreende todos os territrios de ala ro-
mnica aps o desenvolvimento das lnguas romnicas propriamente
ditas, que inclui todos os territrios dominados pelos pases de ala
romnica, como a Amrica do Sul, parte do Canad, alguns pases da
rica e da sia, onde vemos o portugus, o espanhol e o rancs como
lnguas oficiais at hoje.
Podemos ter ideia de como os alantes dos romances j no enten-
diam latim por volta do sculo IX atravs, por exemplo, do texto do Con-
clio de ours, convocado por Carlos Magno em 813, que apresenta a de-
ciso dos bispos de que se traduzissem as homilias (sermes religiosos)
para a rusticam romanam linguam aut Teodiscam, quo facilius possint
intellegere quae dicuntur, ou seja, para a lngua romana rstica ou para
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a lngua germnica, para que se possam entender mais acilmente as coi-
sas que so ditas. Isso j mostra a dierena radical entre a lngua latina
oficial da Igreja, artificial, e as lnguas aladas na regio da Frana.
J em 842 temos o texto dos Juramentos de Estrasburgo, documen-to mais antigo escrito em uma lngua romnica, que so juramentos de
ajuda mtua pactuados pelos netos de Carlos Magno, Carlos, o Calvo, e
Luis, o Germnico, contra seu irmo Lotrio. Esse o primeiro testemu-
nho do romance ento mais claramente dierenciado do latim, que viria
a se tornar a lngua rancesa. Vejamos um trecho dos Juramentos:
Pro deo amur et pro christian poblo et nostro commun salva-
ment, dist di in avant, in quant deus savir et podir me dunat, si
salvarai eo cist meon fradre Karlo et in aiudha et in cadhuna cosa,
si cum om per dreit son fradra salvar dist, in o quid il mi altresi
fazet, et ab Ludher nul plaid nunquam prindrai, qui meon vol cist
meon fradre Karle in damno sit.
Pelo amor de Deus e pelo povo cristo e nosso bem comum, a par-
tir deste dia, enquanto Deus me dar sabedoria e poder, eu darei socorro
a meu irmo Carlos com minha ajuda e toda outra coisa, como se deve
ajudar seu irmo por igualdade, condio que ele aa o mesmo pormim, e no passarei nenhum acordo com Lotrio que, de minha vonta-
de, possa ser prejudicial a meu irmo Carlos.
J se podem notar certos desenvolvimentos romnicos que viro a
se confirmar nas lnguas romnicas todas, como o uturo sinttico salva-
rai> salvare habeo e a sonorizao de oclusivas como emfradre>frater.
3.2 Inovaes panromnicas
Embora o desenvolvimento do latim vulgar para as lnguas rom-
nicas tenha dependido de muitos atores, como a durao da romaniza-
o nos territrios conquistados e o momento em que a romanizao se
deu em cada local, possvel verificar certa uniormidade em algumas
caractersticas das lnguas romnicas, que se deve a determinados en-
menos de inovao que chamamos de panromnicos. Entre eles, pode-
mos destacar os seguintes (c. CASRO, 2006, p.52):
Localidades muito dis-tantes, como a Dcia oua Lusitnia, tendem adesenvolver dialetos maisarcaizantes, por exemplo.
Texto disponvel em:. Acesso em: 05abr. 2010. Imagem dispo-nvel em: Acessoem: 05 abr. 2010. Traduonossa).
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3.3 Influncias do substrato, superestrato e
adstrato nas lnguas romnicas
Muitas das influncias locais que o latim alado recebeu nas regies
romanizadas se deveram s lnguas j existentes nessas regies anterior-
mente chegada dos romanos. A essas lnguas chamamos de lnguas
de substrato. natural percebermos que as populaes preexistentes ao
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domnio romano alavam outras lnguas e acrescentaram ao latim que
passaram a alar diversas caractersticas de suas lnguas, algumas ono-
lgicas, outras lexicais. As influncias oram maiores em regies onde o
latim ficou mais tempo em contato com as lnguas de substrato.
O substrato da pennsula itlica oi basicamente o das lnguas it-
licas, aladas pelas populaes que ali habitavam quando os romanos
comearam as conquistas territoriais. rata-se de lnguas do ramo it-
lico, aparentadas do latim, como osco, o umbro e o sablico. Uma das
caractersticas incorporadas dos itlicos na passagem para as lnguas
romnicas oi a assimilao de -nd- e -mb- em -nn- e -mm-, em regies
onde antes se alava osco, como o centro-sul da Itlia.
Os substratos mais importantes da regio da Frana, na regio
dos Alpes e na regio do vale do P oram as lnguas celtas dos gau-
leses. Os celtas invadiram grande parte da Europa por volta do s-
culo VI a.C. e se estabeleceram nas Ilhas Britnicas, na Ibria (onde
se mesclaram com os iberos, dando origem ao povo que conhecemos
como celtiberos), no norte da Itlia e at na Galcia, na sia Menor.Do celta antigo no restou nada a no ser pelo testemunho que deixou
no vocabulrio das lnguas influenciadas, mas as lnguas celtas que se
desenvolveram a partir dele sobrevivem ainda hoje no irlands, esco-
cs, gals, manques e breto.
Os superestratos mais importantes para as lnguas romnicas o-
ram, de um lado, os brbaros (germnicos no ocidente e eslavos no
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oriente da Romnia) no perodo de queda do Imprio Romano, e os
rabes, que invadiram e conquistaram o norte da rica, a Ibria e parte
da Siclia por volta do sculo VIII.
Dos povos germnicos que constituram reinos em lugares ondeanteriormente se alava latim, os mais importantes oram os visigodos,
os vndalos, os burgndios, os alamanos, os ostrogodos, os nglios e
saxes, os rancos, os normandos e os longobardos.
Os vndalos vieram da Hungria e conquistaram uma regio na Ib-
ria na qual ainda sobrevive o nome Andaluzia (derivado de Vandalucia).
Os visigodos conquistaram grandes pores das atuais Itlia, Frana e
Espanha, e oram aliados dos romanos por um perodo, at serem em-
purrados para a Ibria pelos Francos, que os tiraram da regio da Franaem 507. Ali, o reino romano-gtico dos visigodos resistiu aos outros rei-
nos brbaros at ser dominado pelos rabes em 711. A presena dos visi-
godos na Ibria exerceu muita influncia no lxico dos romances locais,
como na antroponmia (lvaro, Fernando, Aonso, Rodrigo, Gonalo),
nomes comuns (gans>ganso,fat> fato, raupa> roupa, entre outros).
Outro reino germnico importante como superestrato oi o dos
rancos (de cujo nome derivou o atual termo Frana), que conquistou
grande parte da Glia e posteriormente, vencendo os visigodos, parte
da Ibria. No sculo VIII, Carlos Magno instaura o Sacro Imprio Ro-
mano, um Estado ranco, numa tentativa de reunificar o Imprio, que
abrangeu a Frana, grande parte da Itlia e da Espanha.
Alguns emprstimos notveis dos povos germnicos oram ter-
mos como werra> port.guerra, r.guerre, borg> port. burgo, r. bourg,
it. borgo.
O superestrato rabe oi importante pela presena desse povo porvrios sculos em grande parte da Pennsula Ibrica e do Mediterrneo.
Aps conquistar o Egito e o norte da rica do Imprio Bizantino, os
rabes l se instalam e conquistam grande parte da Pennsula Ibrica,
onde ficaram do sculo VIII at o sculo XV, e de onde s saram aps
longas guerras instauradas pelo chamado movimento de Reconquista
(do qual alaremos no prximo Captulo). Muitas palavras dos roman-
ces dessa regio vieram como emprstimos do superestrato rabe, e eles
Tambm chamado Im-prio Romano do Oriente,que se inicia em 330 com
a fundao de Constan-tinopla pelo imperador
romano Constantino, paraservir como capital da
seo oriental do Imprioe que segue existindo
independentemente da
queda do Imprio doOcidente at a tomadade Constantinopla pelos
turcos em 1453.
FatoVestimenta, em portu-
gus europeu.
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so reconhecidos normalmente pelo incio al-, como lcool, lgebra, al-
caide, entre muitas outras.
O superestrato eslavo oi mais importante na seo oriental da ro-
mnia, especificamente na regio onde se desenvolveu o romeno. O ro-meno oi escrito com o alabeto cirlico por muito tempo e grande parte
do seu vocabulrio de origem eslava, em virtude das invases eslavas
na regio.
A influncia do latim culto nas lnguas romnicas se deu de modos
dierentes, em pocas dierentes, como os perodos do Renascimento
Carolngio (do imprio de Carlos Magno), o Renascimento propria-
mente dito a partir do sculo XIII, entre outros. Desse modo, em alguns
perodos, ormas vulgares oram substitudas por ormas cultas, como a
orma antiga portuguesa chor, que oi substituda pela orma latinaflor.
Dependendo do modo como o emprstimo eito, a lngua mantm a
palavra e recebe a outra em contextos especficos, como quando utiliza-mos cultismos como magnitude, do latim magnitudo, grandeza, mas
mantemos os vocbulos derivados de ormas mais populares, como as
derivadas degrandis, do latim vulgar.
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3.4 As lnguas romnicas
Portugus Espanhol
Catalo
Occitano Galo-Itlico
Frnces
Italiano
Rtico
Sardo
Romeno
Franco-Provenal
Portugus
Espanhol
Catalo
Occitano
Frnces
Franco-Provenal
Galo-Itlico
Legendas
Italiano
Rtico
Romeno
Sardo
Mapa Os sistemas dialetais na Romnia Antiga. Adaptado de Ilari (1992, p. 169).
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3.4.1 Romeno
A provncia romana da Dcia oi conquistada pelo imperador ra-
jano entre 101 e 106 da nossa era e oi abandonada pelo imperador Au-
reliano em 270, sob presso dos visigodos e dos srmatas. Embora aocupao romana tenha sido muito breve, ela oi prounda o bastan-
te para que um dialeto romnico se desenvolvesse ali. Dessa orma, as
outras regies continuaram a ter contato com o latim medieval, mas
a Dcia oi sendo ocupada por vrios povos, especialmente eslavos, o
que explica grande parte das caractersticas bastante conservadoras do
romeno. O eslavo oi a lngua de contato mais importante, pois a Igreja a
adotou como lngua escrita, enquanto a populao alava o romance que
viria a se tornar o romeno. Os primeiros textos em romeno so muitorecentes, tradues de textos religiosos do sculo XVI.
O romeno apresenta quatro dialetos principais, o daco-romeno,
alado hoje na Romnia e em algumas localidades prximas, na Bulg-
ria e Hungria; o macedo-romeno, ou aromeno, encontrado em algumas
regies na Grcia, Bulgria e Macednia; o megleno-romeno, alado na
regio da essalnica, na Grcia, e em algumas localidades isoladas da
sia Menor; e o strio-romeno, alado na pennsula da stria. O molda-
vo, lngua da Moldvia, uma variedade bastante prxima do romeno.
3.4.2 Dalmtico
Uma lngua romnica morta, o dalmtico oi alado na antiga re-
gio da Dalmcia, provncia romana situada na pennsula balcnica, e
seu ltimo dialeto, da ilha de Veglia, oi extinto no sculo XIX. O dal-
mtico mostraria que h uma continuidade dialetal entre o romeno e os
dialetos romnicos da pennsula itlica, mas oi suplantado pelo servo-
croata e por outros dialetos romnicos. Os documentos escritos em dal-mtico so pouco numerosos e os estudos se deveram principalmente
a esoros de romanistas como Mateo Bartoli, que documentou todo o
material existente nessa lngua.
3.4.3 Italiano
O grupo dos dialetos da regio da Itlia muito variado, e o ita-
liano padro hoje na Itlia o dialeto da oscana, que oi estabelecido
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como dialeto principal pelo esoro de autores como Dante, Boccacio
e Petrarca, que o elevaram categoria de lngua nacional. No entanto,
na pennsula itlica, bem como na Crsega, Sardenha e Siclia, muitos
dialetos bastante variados ainda convivem com o toscano. possvel
classificar esses dialetos em trs grandes grupos:
O italiano setentrional: piemonts, lombardo, lgure, venezia-
no, entre outros;
O italiano central: toscano, corso, mbrico;
O italiano meridional: campaniano, apuliano, calabrs, siciliano.
Os dialetos italianos comeam a se desenvolver separadamente do
romance por volta do sculo IX, e a prouso de maniestaes literriasa partir do sculo XII levou a um impasse, j que o grau de dierenciao
entre os dialetos da Itlia sempre oi bastante grande. Dante, contudo,
inspirado na lngua literria comum dos provenais, promoveu uma
tentativa de identificar o dialeto italiano que tivesse a maior quantida-
de de caractersticas comuns entre todos os dialetos, e acabou elegendo
uma mescla de dialetos de prestgio, como o toscano e o florentino, para
compor a sua Divina Comdia. Apesar da grande quantidade de pol-
micas sobre a influncia que o toscano-florentino passa a ter depois, por causa desse mesmo prestgio literrio que esse dialeto acaba se
tornando o dialeto preponderante da Itlia, dierentemente de outras
regies, em que a eleio do dialeto-padro acaba seguindo critrios
polticos, de prestgio ou de localizao.
3.4.4 Rtico
O que chamamos de rtico hoje , na verdade, um conjunto de
dialetos alados na regio do extremo-norte da Itlia e na Sua, rela-tivamente semelhantes entre si, e que oram identificados como rema-
nescentes de uma antiga aixa de dialetos reto-romance alados na pro-
vncia romana da Rcia (Raetia), invadida pelos alamanos no sculo V.
Os dialetos ali restantes acabaram sorendo presso das lnguas germ-
nicas ao norte e dos dialetos do italiano ao sul e acabaram se isolando
em trs pequenas regies na ronteira entre Itlia, Sua e ustria. A
variedade mais oriental do rtico, localizada no canto dos Grises, na
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Sua, compreende os dialetos chamados engadino e sobressilvano. A
partir de 1938, a Sua reconhece o rtico dos Grises (tambm chama-
do de romance) como lngua nacional, ao lado das trs lnguas oficiais,
alemo, rancs e italiano. A variedade central do rtico, o ladino, ala-
da no norte da Itlia e o riulano o dialeto rtico mais oriental, no nor-
deste da Itlia. O rtico oi abordado num importante estudo de 1873 de
G. Ascoli, chamado Saggi Ladini, que exps a questo da unidade dos
dialetos e sua caracterizao. Linguisticamente, os dialetos rticos no
se distinguem muito dos dialetos galo-itlicos e demais dialetos romni-
cos, mas h uma caracterstica em especial que bastante interessante, e
que aasta o rtico do romance oriental (italiano, romeno e dalmtico):
a manuteno do s final latino nos substantivos (pectus>pez, mas port.
peito, it. pettoe tempus > temps, mas port. tempo, esp. tiempo), cujaqueda, na maior parte dos dialetos orientais, gerou plurais em i (c.
italiano ragazzi, meninos, e romeno lupi, lobos).
3.4.5 Sardo
O que chamamos de sardo um conjunto de dialetos alados na ilha
da Sardenha, a oeste da Itlia. A Sardenha e a Crsega oram conquista-
das pelos romanos j em 238 a.C., que l permaneceram por muito tem-
po. Como a romanizao oi lenta, os dialetos do romance que se desen-volveram ali se mantiveram mais prximos ao latim em vrios quesitos,
de modo que o sardo uma das lnguas romnicas mais conservadoras
e arcaizantes. Podemos verificar, por exemplo, atravs do desenvolvi-
mento de algumas palavras do sardo, que ele no desenvolveu certas
mudanas que a maioria dos dialetos romnicos desenvolveu, como lat.
domum> sar. domo, casa, quando a maioria das lnguas romnicas de-
rivou casa do latim vulgar casa, como j vimos, e lat. scire> sar. ski-
re, saber, que as outras lnguas romnicas derivaram do latim vulgarspere, provar, sentir o sabor de algo. Vrios traos onticos gerais
corroboram esse carter arcaizante, como a manuteno da semivogal
i em palavras como iugum> iugu(o portugus palatalizou a semivogal
e ez jugo, assim como maior parte das outras lnguas romnicas), a
conservao da articulao velar de c, mesmo antes de ee i(Cicero,
em latim, era pronunciado Kikero; a maioria das lnguas romnicas
ricativizou o c antes de e e i, de modo que temos o som /k/ antes de
Diferentemente do sfinal do nominativo latinopresente na ortografiado francs, que no pronunciado, cf. fr. temps,pronunciado t.
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a, o, e u e /s/ antes de e e i). Outra caracterstica interessante do sardo
o desenvolvimento do artigo definido a partir do demonstrativo ipse,
ipsa, ipsum, do latim, ao invs do pronome ille, illa, illud, como ocorreu
nas outras lnguas romnicas. Assim, em sardo temos so, sa, sos, sas, e
em portugus, o, a, os, as.
Os dialetos mais importantes do sardo so o logudors, o mais re-
presentativo; o campidans, do sul da ilha; o galurs, no territrio da
Gallura, no nordeste; e o sassurs, ao redor da regio da Sassura, no
noroeste.
ALEMES
RTICOS
FRANCO-PROVENAIS
PROVENAIS
ITALIANOSSETENTRIONAIS
TOSCANOS
ITALIANOS CENTRO-MERIDIONAIS
GALURIANOS
CORSICOS
ESLAVOS
SARDOS
campidaneses
logudoreses
toscanos
italianos setentrionais (IS)
crsicos galurianos
sardos
provenais (Pr.) franco-provenais (FPr.) catales (C)
rticos
albaneses (Al)
gregos (G)
eslavos (E)
alemes (A)
romenos (R)
italianos centro-merdionais
calabreses
salentinos
lucanos
campanianos
aplicossetentrionais
abruzesesmolisanos
marquigianovsv
mbrios
lacais
genoveseslunigianos
piemontesesvnetos
lombardos friulanos eslovenos
croatasromenos
Carloforte (Gen.)
Alghero
Cargese
Bonifcio (Gen.)
Guardia (Pr.)
S. Fratello(IS)
Nicosia(IS)Piana dei Creci (Al)
S. Michele diGanzaria (Al)
NovaraPiazza (IS)
Bova (G)
Faeto
Badessa (Al)
(Al)
(Al)
(C)
(C)
(A)(A)
(A)
(A)
(Al)(E)
(G)
(Al)
(FPr)
Aosta
Gressoney
VII Comuni
XIII Comuni
CantonTicipo
Veglia
EmilianiRomagnoli
limite poltico anterior guerra
limite dialetais maiores
limite dialetais menores
Mapa Lnguas e dialetos na Itlia do sculo XX. Adaptado de Ilari, (1992, p. 186).
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3.4.6 Francs
O rancs a lngua romnica desenvolvida na regio da antiga G-
lia, derivada do conjunto de dialetos medievais identificados como lan-
gue doil, em oposio ao grupo identificado como langue doc (dialetosdo provenal). A oposio se d a partir do vocbulo utilizado para di-
zer sim, oilou oc, e a distribuio dos dois conjuntos geograficamente
marcante. A langue doil se desenvolveu no norte da Frana e Blgica de
ala romnica e apresentava muitos dialetos dierentes, que acabaram
por sucumbir ora poltica e cultural do dialeto de Paris. Assim, o
rancs padro culto hoje basicamente equivalente ao dialeto de Paris,
assim como o italiano padro, que se identificou com o dialeto toscano-
florentino. No entanto, isso se deu principalmente pela importncia po-ltica da Frana ao longo dos ltimos sculos, azendo com que muitos
dialetos doilossem incorporados pelo rancs literrio.
O rancs uma das lnguas romnicas que apresentaram mais
inovaes com relao ao latim. Isso se d em grande parte pela rapi-
dez com que certas mudanas, tpicas de todas as lnguas romnicas, se
deram em rancs. Um exemplo a tendncia das oclusivas surdas a se
sonorizarem e depois se transormarem em ricativas. O rancs apre-
sentou essas mudanas mais rapidamente, de modo que uma nova etaparequentemente se encontra aps a ricativizao: a perda da consoante,
seguida de encontros voclicos que se monotongam. Um exemplo ca-
racterstico aqua> eau(pronunciado ).
Uma das caractersticas inovadoras do rancs que decorrem da
rapidez nas inovaes onticas a obrigatoriedade da presena do
pronome pessoal na conjugao dos verbos: como muitas desinncias
nmero-pessoais tm a mesma pronncia, undamental a presena do
pronome jaime, tu aimes (sem pronunciar o s), il aime, ils aiment,
todos pronunciados igualmente, exceto pelo pronome.
ambm em virtude dessas inovaes onticas rpidas, a ortogra-
fia do rancs uma das mais peculiares entre as lnguas romnicas, pois
muitas palavras mantm ortografias mais antigas que no do conta de
representar a pronncia da palavra de modo mais aproximado.
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3.4.7 Provenal
O provenal, do antigo grupo chamado de langue doc, um dos
dialetos do ocitnico, com o qual muitas vezes se conunde, e alado
ainda hoje em uma extensa rea do sul da Frana. As dierenas prin-cipais com relao ao grupo das lnguas doil que, enquanto o norte
oi dominado pelos rancos, o sul oi dominado pelos visigodos. No sul
provenal, predominou o direito escrito, em oposio ao consuetudin-
rio do norte, o que avoreceu um contato maior com o latim culto no
sul, propiciando caractersticas mais conservadoras em oposio s mu-
danas onticas mais radicais no norte. Vrias caractersticas de con-
servadorismo ontico podem ser vistas nas comparaes a seguir: lat.
caprumcabra > prov. cabro, r. chivre, lat. canem, co > prov. can, r.chien, lat. cor, corao > prov. cor, r. coeur.
O provenal se desenvolve muito cedo, e j possvel encontrar tra-
os do lxico e rases soltas em documentos dos sculos VII a IX, e o pri-
meiro documento totalmente em provenal um testamento de 1102.
No entanto, uma grande tradio literria iria se desenvolver a partir
das poesias lricas dos trovadores, cujo auge se deu entre os sculos XI e
XIII. Uma das caractersticas mais interessantes do movimento literrio
dos trovadores o uso de uma espcie de koin(lngua comum) liter-ria, com pouca variao dialetal entre as regies e autores dierentes, e
mesmo trovadores de outras regies, como da Itlia ou da Catalunha,
escreviam nessa koinliterria provenal. A popularidade do provenal
durou at meados do sculo XIV, por causa de guerras contra os albin-
genses. Houve pelo menos dois grandes movimentos de renascimento
literrio do provenal: um no sculo XVI e outro no sculo XIX, e a
lngua ainda alada no sul da Frana, ainda que em um territrio bem
menor do que aquele ocupado entre os sculos XI e XIV.
3.4.8 Franco-provenal
O ranco-provenal um conjunto de dialetos alados no centro-
leste da Frana na ronteira com a Itlia e a Sua, pases em que tam-
bm h alguma extenso coberta por eles. No possvel caracterizar o
ranco-provenal como rancs ou como provenal porque ele apresenta
caractersticas de ambos, e constitui uma lngua dierente. H vrios do-
So conhecidos nomes demais de 400 poetas lricos
provenais!
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cumentos escritos j nos sculos iniciais da independncia do romance,
mas pouca literatura oi escrita em ranco-provenal.
Como caractersticas lingusticas importantes, temos o vocalismo,
que se aproxima do provenal, e o consonantismo, que se aproxima dorancs. Assim, do latimpanetemos em ranc.prov.pan, em prov.pan,
mas em rancs pain, e do latim casa temos ranc.prov. chieu, r. chez,
mas prov. casa. O ranco-provenal mantm o o final latino, enquanto
que o provenal e o rancs, no, por exemplo lat. vulg. quattro> ranc.
prov. quatro, r. quatre e prov. quatre. Outra caracterstica do ranco-
provenal a grande quantidade de elementos pr-romanos no lxico,
em virtude do isolamento geogrfico da regio, em geral montanhosa.
Langue doil
Breto
Basco
Angevino
Valo
Picardo
Normando
D. de Berry
Borgonhs
Alemo
Flamengo
Romando
Lyon
Italiano
Provenal
Bearns
Linguadcio
Bordus
Limosino
Pictavo
Auverns
Saboiano
LorensParis
frncico
Franco provenal
Langue doc
Mapa Os dialetos galo-romnicos antes da absoro pelo francs. Adaptado de Ilari (1992, p. 183).
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rataremos das lnguas ibero-romnicas, o catalo, o castelhano e o
portugus, no prximo captulo, em virtude da maior afinidade temti-
ca. Por ora, vejamos a tabela e os mapas apresentados a seguir como um
resumo das lnguas romnicas, suas filiaes e sua geografia.
Classificao das Lnguas Romnicas
Balcano-Romnico Italo-Romnico Galo-Romnico Ibero-Romnico
Romeno
DalmticoItalianoRticoSardo
FrancsProvenalFranco-provenal
CataloEspanholPortugus
Mar Mediterrneo
Mar Mediterrneo
MarNegro
Daco-Romeno
Megleno-Romeno
Catalo
Galego
PortugusCastelhano
Basco
Gasco
Frnces
Provenal(Occitano)
frica
Sardo
Corso
Malts
Italiano
GrciaTurquia
Bulgria
Moldavo
Hungria
Iugoslvia
MacedniaMcedo-Romeno
Albnia
Crocia
BsniaVeglioto
Eslovnia
ustria
AlemanhaBlgica
Inglaterra
Irlanda
Sua
Franco-Provenal
Oceano Atlntico RticoCentral
RticoOcidental
RticoOriental
MarTir
reno
MarAdritic
o
Dalmtico
Limites polticos
Limites lingusticos
Istrio-Romeno
Mapa As lnguas romnicas e alguns de seus dialetos na Europa atual. Adaptado de Basseto,(2005, p. 379).
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CAPTULO03
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Resumo
Nesta unidade, fizemos um percurso sobre a histria do latim, in-
vestigando suas origens no protoindo-europeu, suas dierentes ases e
sua ragmentao nos vrios dialetos que posteriormente resultaram
nas lnguas romnicas. Vimos tambm algumas noes-chave da lin-
gustica histria como a histria interna e a externa, regras de mudanas
ontico-onolgicas etc. com essas erramentas que abordaremos a
histria do portugus nas prximas unidades.
Leia mais!
Se voc quiser se aproundar sobre a lingustica romnica, ou seja, sobreo estudo da ormao e estrutura das lnguas romnicas, h vrios livrosmuito bons sobre o assunto, alguns dos quais citamos nas Referncias.O leitor interessado pode comear, por exemplo, por Lingstica Rom-nica, de Ilari (1992), que um manual introdutrio voltado a um stempo histria externa e interna das lnguas romnicas. De um pontode vista mais filolgico, o leitor pode consultar Elementos de FilologiaRomnica, de Bassetto (2005), no qual encontrar mais inormaessobre a histria externa. H ainda o importante manual de Lausberg(1974), intitulado Lingstica Romnica; e Introduccin a la Filologa Ro-
mnica, de Renzi (1982), ambos bastante amplos e ao mesmo tempoproundos. Certamente h inmeros outros livros e artigos que lidamcom a lingustica romnica e com a ormao das lnguas romnicas,mas o leitor pode comear pelos livros citados e, a partir deles, um ver-dadeiro mundo de estudos se abrir.
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Unidade BHistria do portugus
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A Pennsula Ibrica e suaformao lingustica
O objetivo deste captulo abordar a Pennsula Ibrica como um todo,apresentando as principais lnguas que ali se desenvolveram. Tambm proce-
demos a uma histria especfica do desenvolvimento lingustico das lnguas
romnicas da Pennsula.
Introduo
Continuando o captulo anterior, voltaremos agora nossa olhar
para as principais lnguas romnicas da Pennsula Ibrica. Na sequn-cia, apresentaremos um histrico da ormao da Pennsula e do desen-
volvimento dessas lnguas.
4.1. Catalo
O catalo , hoje, a lngua nativa de mais de 5 milhes de pessoas.
a lngua oficial de Andorra e de vrias regies da Espanha, especial-
mente da comunidade autnoma da Catalunha, no nordeste, alm dealguns territrios na Frana e na Itlia, nas proximidades da ronteira
com a Espanha.
O catalo uma lngua derivada do chamado pan-ibero-romance,
o romance alado na Pennsula Ibrica que, por volta do sculo X, ainda
era relativamente uniorme ao longo da pennsula. Ao longo do perodo
da Reconquista, o catalo acaba se dierenciando bastante do espanhol e
do portugus. A histria do catalo se divide em trs ases: a ase nacio-
nal, dos primrdios at o sculo XV; a ase da decadncia, at o sculoXVIII; e a ase do renascimento, do sculo XIX em diante. Durante a
ase nacional, o catalo era alado pela maioria dos habitantes do reino
de Arago e rivalizava com o latim literrio e com o provenal, lngua