Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 6384
FONTES PARA O ESTUDO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO ESTADO NOVO EM PERNAMBUCO (1937-1945)1
Aline Cristina Pereira de Araújo Ramos2
Nathalia Cavalcanti da Silva3
Introdução
Este artigo foi elaborado a partir de alguns resultados obtidos nas dissertações de
mestrado das respectivas autoras, intituladas “O homem “novo” para um novo Pernambuco: as
práticas educacionais na construção do Estado Novo em Pernambuco (1937-1945)” e “Cartas para
Agamenon: Interventoria, trabalhadores e educação formal no limiar do Estado Novo (1937-1939)”,
defendidas pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de
Pernambuco. Tendo por base a leitura de um mesmo período e com objetos de pesquisa que
se complementam em suas fontes documentais, traçamos um debate acerca das políticas
empreendidas pelo Estado Novo em Pernambuco com a Interventoria de Agamenon
Magalhães para o setor educacional e, em contrapartida, buscamos trazer a voz de alguns
trabalhadores e pessoas vinculadas à educação formal por meio das cartas enviadas ao então
governador.
Os registros dos documentos citados nesta pesquisa foram obtidos através da
fotodigitalização da documentação selecionada, e posteriormente, foi feita a transcrição, de
forma simples e completa (ARÓSTEGUI, 2006). A respeito da documentação oficial,
abordamos: Relatórios dos Governadores de Pernambuco, Programas de Ensino – século
XIX e XX–, Revista da Educação e o Fundo de Interventoria, pertencentes ao acervo de
Arquivos Permanentes, Documentos Impressos e Documentos Escritos do Arquivo Público
Estadual Jordão Emerenciano (APEJE).
1 Agradecemos a orientação das nossas dissertações, realizada pela Professora Dra. Adriana Maria Paulo da Silva,
membro do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco; a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia de Pernambuco (FACEPE) pela concessão das bolsas de pesquisa durante o mestrado.
2 Aline Cristina Pereira de Araújo Ramos é Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco e membro do grupo de pesquisa Práticas educativas no mundo ibero-americano contemporâneo. E-Mail: <[email protected]>.
3 Nathalia Cavalcanti da Silva é Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco e membro do grupo de pesquisa Práticas educativas no mundo ibero-americano contemporâneo. E-Mail: <[email protected]>.
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Na série Relatórios dos Governadores de Pernambuco, componente do acervo de
Arquivos Permanentes – Documentos Impressos do APEJE– encontramos três relatórios da
Interventoria de Agamenon Magalhães em Pernambuco, datados de 1939, 1940 e 1942. Esses
eram apresentados à presidência da República em virtude do Art. 46 do decreto-lei Federal
nº1202, Lei dos Estados e Municípios, que informavam as políticas administrativas e
socioeconômicas executadas em Pernambuco, ao Departamento Administrativo incumbido
de legislar nas matérias de competência do Estado e dos Municípios. Entre os programas
citados no relatório de 1939 e o de 1940 encontra-se: finanças do Estado, educação, justiça,
saúde pública, Municípios, viação e obras públicas, segurança pública, força policial do
Estado e Instituto de Previdência dos Servidores do Estado.
Já o relatório de 1942, além de dar ênfase às estratégias educacionais da capital e
cidades do interior, também fez menção: às políticas econômicas, ao sistema penitenciário,
agricultura e pecuária, obras públicas, políticas assistenciais, liga social contra o mocambo,
refeitórios, serviço de música e canto orfeônico, cinema educativo, prédios escolares,
matrícula e frequência nas escolas estaduais de 1942, seminário pedagógico, Revistas ,
higiene mental social, defesa do patrimônio histórico e artístico, entre outros assuntos.
As séries “Programas de Ensino - século XIX e XX” e “Revista da Educação”, pertencem
ao Fundo Educação. Na primeira série, localizamos os Programas de Ensino Primário de
1939, 1940 e 1945; os Programas de Ensino de 1937, 1938, 1939 e 1940. As proposições
contidas nestes documentos oferecem uma perspectiva da organização e do funcionamento
das escolas públicas de ensino primário em Pernambuco, durante o Estado Novo.
A Revista da Educação foi editada pelo governo de Agamenon Magalhães, sob a direção
do professor Rui Belo, Diretor da Escola Normal, sendo lançada em 1940. Ela tinha como
objetivo, segundo suas diretrizes, estimular os estudos dos problemas da educação e difundir
o ensinamento da ciência e da verdadeira filosofia contendo oito volumes ao total, de 1940 a
1946. Tratava-se de uma revista semestral e tinha como corpo redacional: o diretor do
Departamento de Educação, os professores do Ginásio Pernambucano e da Escola Normal e
os diretores da Biblioteca Pública, do Museu do Estado, das Escolas Profissionais Masculina e
Feminina e da Escola Rural
No Fundo de Interventoria, encontramos recortes de jornais sobre o referido governo;
as petições das secretarias do Estado; troca de correspondências do Interventor com seus
secretários. Pretendeu-se através destes documentos, buscar referências sobre as políticas
educacionais estabelecidas, como forma de ter acesso às medidas tomadas pelo governo e de
demonstrar as continuidades e rupturas com relação às diretrizes iniciais.
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Através da leitura dos relatórios identificamos que a concepção de mundo defendido
pelo governo de Agamenon Magalhães, no período estudado, defendia o ensino profissional
em Pernambuco, o qual foi dividido em: Ensino Industrial, Ensino Rural e o Ensino
Doméstico. Cada uma dessas modalidades visava formar o novo brasileiro, um novo
trabalhador, segundo as premissas nacionalistas do Estado Novo.
Por outro lado, as fontes referentes às cartas enviadas pelos trabalhadores revelaram
outras perspectivas tanto sobre a educação, quanto sobre as relações entre governantes e
governados, quase sempre caracterizadas pela historiografia tradicional como repreensivas e
manipuladoras, explicadas ou pelo viés do populismo ou totalitarismo (WEFFORT,1978)
(IANNI, 1975).
Para isso, apresentamos a documentação encontradas no Arquivo Público Estadual
Jordão Emerenciano, totalizadas em 450 cartas enviadas ao gabinete do interventor
Agamenon Magalhães. Dessas 450, 415 estão presentes no Fundo da Secretaria do Governo,
volume 764. Este conjunto documental, tem como recorte temporal os anos finais do século
XIX e o início da década de 1990, abriga grande parte da documentação referente ao governo
do estado no que se refere aos ofícios recebidos e expedidos pelas secretarias e pelas câmaras,
portarias, atos, decretos, ordens de pagamento, relatórios, petições, requerimentos,
inquéritos, documentos da contabilidade, recibos, processos, boletins da receita e sobre as
despesas municipais, telegramas e cartas. E 35 cartas também foram localizadas no fundo da
Interventoria, localizado no APEJE, volume I53, conjunto com diversos documentos oficiais,
entre 1938 e 1945, relativos a protocolos, ofícios, telegramas, livros-caixa, petições, atos,
decretos, inquéritos, requerimentos, talões de passagens, papeletas, boletins, portarias e
recortes de jornais.
Como auxílio para compreensão das fontes, dialogamos com uma renovada
historiografia, que enxerga essas relações a partir da existência de práticas políticas
autônomas por parte dos trabalhadores. Dialogamos com as pesquisas que conectaram o
discurso varguista do pós-30 às demandas dos trabalhadores no pré-30; e os que trouxeram à
tona aspectos contidos nas relações de troca entre governantes e governados, considerando
esses dois lugares sociais como igualmente atuantes do processo de construção e
conscientização da identidade coletiva da classe trabalhadora (GOMES, 2005) (FERREIRA,
2011). Tais fontes possibilitaram um trabalho alinhado justamente a esta historiografia, que
rompeu com a ideia de que os trabalhadores foram apenas sujeitos consumidores e
reprodutores da propaganda governista (como “massa de manobra”), destituídos de
posicionamentos políticos próprios.
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Em sua maioria, as missivas trataram de assuntos relativos ao mundo do trabalho.
Dentre as cartas encontramos correspondências de trabalhadores dos mais variados setores:
funcionários públicos, militares, ministros, médicos, advogados, comerciantes, costureiras,
operários, agricultores, promotores, professores (empregados e desempregados), pais de
alunos, bedéis, amanuense, estudantes, funcionários da administração educacional, tabeliães,
enfermeiras, escrivães, juízes, escriturários, representantes do setor privado, prefeitos,
representantes da Igreja Católica, um presidiário, um fiscal do jogo do bicho e até um artista.
As demandas dos que escreviam para tratarem de assuntos do mundo do trabalho
foram várias, dentre elas destacamos: melhoramento ou pagamento de salários; restituição
de cargos retirados em anos anteriores ou a partir do Estado Novo por motivos “injustos” ou
sem justificativa; cobrança de determinações judiciais não cumpridas; recomendações de
pessoas para nomeação a um cargo ou função pública; pedido de emprego para parentes
(filhos, esposa, marido) ou amigos; agradecimentos por indicações de Agamenon ou Arnóbio
Tenório para cargos ou promoções; cobrança de respostas às cartas enviadas; acusação e
justificativas de prefeitos por exonerações ou afastamentos realizados; pedidos para
substituição de prefeitos.
Dentre tantas coisas, as missivas nos informam sobre as condições de trabalho, as
demandas salariais, as dificuldades de conseguirem empregos, denúncias relacionadas à
gestão de escolas, denúncias de professores que não seguiam os programas de ensino,
participação dos pais na vida escolar, concepções de ensino e questões sobre o
funcionamento das instituições responsáveis pela regulação e inspeção da educação. O
contato com o interventor foi um dos mecanismos encontrados pelos trabalhadores para
denunciarem suas situações de vida e trabalho, solicitarem ajuda e cobrarem o princípio de
assistência tão defendido pelo estadonovismo.
As diferentes práticas educativas no Estado Novo em Pernambuco
A intenção desse item no artigo é demonstrar como o Estado Novo em Pernambuco,
sob a Interventoria Federal de Agamenon Magalhães, concebeu um projeto político-
pedagógico, o qual possuía como orientação uma educação voltada para o trabalho (à
semelhança do que ocorreu em outros estados do país) e quais seus objetivos nesse período
de emergência da industrialização do Brasil. Inicialmente, analisamos as práticas educativas
na formação do operário no Estado Novo Brasileiro. Em seguida, discute-se a educação
profissional na Interventoria de Agamenon Magalhães em Pernambuco.
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Para compreendermos os conceitos de homem e educação almejados no período
estadonovista, é indispensável entender aquilo defendido pelo regime como homem integral,
cujo conceito fundamentava-se na necessidade da aliança de três aspectos formativos do ser:
o físico, o moral e o intelectual. Desta maneira o “homem integral” deveria ser valorizado por
possuir qualidades como: agilidade, destreza, resistência muscular, percepção rápida,
disciplina, espírito de solidariedade e de cooperação desinteressada (PRADO, 1995).
A educação para a integração do homem à vida no Estado passava pelo compromisso
com o trabalho e também pelo compromisso com o país, notando-se que o nacionalismo foi
uma das categorias mais marcantes na ideologia do Estado Novo. O papel do Estado naquela
conjuntura era de, por meio da educação, transformar o homem no Estado em homem para o
Estado.
O governo Vargas implementou várias medidas junto ao sistema escolar primário e
secundário, no sentido de propagar o sentimento de patriotismo e de valorização da
nacionalidade. Os currículos e as práticas escolares foram modificados de modo que tais
estratégias repercutissem diretamente no ensino moral. Desta forma, o projeto político
vigente requereu uma identidade nacional a qual estava impreterivelmente associada à
necessidade de renovar hábitos e de modernizar o povo brasileiro através da educação, saúde
e do saneamento (FREITAS & BICCAS, 2009).
O ensino superior e secundário foi direcionado “às mentes condutoras da nação”, e os
pobres foram direcionados ao ensino primário e profissionalizante. O tema de racionalização
do trabalho, baseado nas ideias de organização racional do trabalho do Taylorismo e do
Fordismo mobilizavam, além dos industriais, alguns grupos ligados ao governo. Defendia-se
que a aplicação daqueles princípios arrancaria o Brasil do seu arcaísmo e projetaria a nação
em direção a um futuro efetivamente moderno. Tanto no âmbito
“das relações de trabalho, quanto no universo das realizações educacionais se embaralhavam as falas que pediam que o país arcaico pudesse ser “filtrado” num novo industrialismo e que a infância e a juventude, enquanto tempos sociais, recebessem escolarização conforme variações de aptidão, mérito e, na voz de muitos, conforme variações no “lugar social” de cada um”. (FREITAS E BICCAS, 2009, p. 124-125)
Concordamos com Freitas e Biccas (2009), que nesse período “o Brasil oficializou a
existência de uma modalidade de educação para os alunos pobres: a educação profissional”
(FREITAS & BICCAS, 2009, p. 127). Desta forma, constituiu-se um sistema pedagógico
completo, tendo “o trabalho” como ideal educativo. Essa fórmula podia ser sintetizada,
segundo Ângela de Castro Gomes, no “aprender fazendo”, a qual foi implantada por medidas
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como a adição dos trabalhos manuais nas escolas e a difusão e valorização do ensino
profissionalizante (GOMES, 1999).
Conforme Horta, desde o início da Era Vargas a educação ocupou um lugar importante
no discurso, destacando-se temas que, mesmo não tendo constituído um programa
educacional estruturado, denotaram o caráter autoritário do regime. Tanto no discurso, como
na legislação, o tema educacional foi encaminhado no sentido de colocar o sistema
educacional a serviço da implantação da política autoritária (HORTA, 1994).
A Interventoria de Pernambuco utilizou as políticas públicas para educação como
instrumentos para a construção de um consenso e da legitimação social do regime
inaugurado em 1937. A proposta educacional do Interventor Agamenon Magalhães esteve em
sintonia com a proposta do governo federal, sob os auspícios de Gustavo Capanema, ministro
da Educação e Saúde (1934-1945).
Para os trabalhadores, em particular, o Estado nos anos 1930 e 1940 tornou-se
produtor de bens materiais e simbólicos, a fim de obter deles a aceitação e o consentimento
ao regime político. O governo patrocinou políticas públicas voltadas exclusivamente para os
operários, instituindo novas relações entre Estado e classe trabalhadora (FERREIRA, 2011).
Segundo o relatório de 1939 foi instaurado o ensino profissional em Pernambuco, o
qual devia ser divido dividido em: Ensino Industrial, Ensino Rural e o Ensino Doméstico.
Cada uma dessas modalidades visava formar o novo brasileiro segundo as premissas
nacionalistas do Estado Novo, além de defender que cada um ocupasse seu “local social”,
fator crucial para a instauração da ordem desejada (MAGALHÃES, 1939, p. 37-57).
Para execução do programa, em Pernambuco, no caso relativo à profissionalização,
caberia o professor expor aos alunos o valor das profissões como meio de subsistência e
combate à ociosidade e ao vício. Além disso, devia mostrar a aplicação concreta e abstrata dos
conhecimentos adquiridos sobre as diferentes profissões, simultaneamente, por meio de
exposição de desenhos, de modelagem, das construções, declamação, palestras. Devemos
lembrar que estava em voga nesse período o Taylorismo, com sua teoria de Organização
Racional do Trabalho, a qual pregava a necessidade da sistematização metódica do espaço do
trabalho, bem como a necessidade em combater a vadiagem do trabalhador.
Das diversas modalidades de ensino profissional, só o industrial recebeu maior
destaque do Ministério da Educação e Saúde durante esse período. Devemos considerar que
essa organização do ensino industrial ocorreu no mesmo período, no qual foi implantada
uma ampla legislação trabalhista, previdenciária e sindical, a qual pretendia reordenar o
mercado de trabalho, possibilitando a implementação de um projeto político de nação e de
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desenvolvimento econômico, baseado na industrialização. Assim, Gomes (2005) explica a
adesão dos trabalhadores a essa política do regime varguista através da existência de uma
“dupla lógica”. Por um lado esta adesão, podia ser explicada pela lógica material, ou seja, os
interesses nos benefícios trazidos pelos direitos trabalhistas e, por outro podia ser
compreendida por uma lógica simbólica de formação e mobilização de identidade.
Em âmbito nacional, defendia-se que o sistema educacional deveria corresponder à
divisão econômico-social do trabalho. A educação devia servir ao desenvolvimento de
habilidades e mentalidades de acordo com os diversos papéis atribuídos às diversas classes
ou categorias sociais. A educação deveria estar, antes de tudo, a serviço da nação.
Encontramos no Fundo da Interventoria um manuscrito intitulado “O desenvolvimento
educacional de Pernambuco sob a Administração do Interventor Agamenon Magalhães”
(PERNAMBUCO, 1944). Todas as folhas avulsas estavam em papel timbrado do
Departamento Estadual de Impressa e Propaganda e sua estrutura demonstra que se tratava
de mais um relatório do governo. Observamos nele uma alusão às diferentes estratégias
educacionais praticadas no período estadonovista em Pernambuco.
Nesse período, como afirmam Freitas e Bicca (2009), no Brasil constituiu-se um
sistema pedagógico completo, tendo “o trabalho” como ideal educativo (PERNAMBUCO,
1944). Segundo a documentação estudada foi criado, em Pernambuco um ambiente escolar
para colocar as crianças em contato com as realidades das profissões, com ênfase na
agricultura e na construção civil. Por meio da prática, apresentavam-se aos alunos as técnicas
desses campos de atuação profissional.
É sabido que Estado Novo defendeu diversas políticas direcionadas à disciplinarização
do trabalho. Existe uma historiografia que o caracterizou como um governo trabalhista,
assim, temos a “Invenção do trabalhismo”. Nessa perspectiva, estruturou-se no Brasil, nesse
período, uma ideologia política de valorização do trabalho. Ora essa, sabemos que o primeiro
cargo de Agamenon Magalhães no governo getulista foi o de Ministro do Trabalho, Indústria
e Comércio, de 1934 a 1937. Não iremos nesse artigo nos prolongar sobre seu papel nesse
ministério e sua relação com a política trabalhista, contudo, o panorama apresentado mostra
um Agamenon Magalhães relacionado à ordenação do trabalho e à defesa da instrução como
forma de erradicar os males sociais.
Era interesse da Interventoria em Pernambuco, seguindo os princípios defendidos pelo
regime estadonovista, forjar um sentimento de identidade nacional, condição essencial para o
fortalecimento do Estado nacional. Para isso, investiu em determinadas políticas de
educação. Eram enormes as esperanças postas na educação por meio do trabalho nas
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primeiras décadas do século XX; e diferentes grupos esperavam, cada qual à sua maneira,
que o Ministério da Educação desempenhasse um papel central na formação profissional,
moral e política da população brasileira, e na constituição do próprio Estado nacional.
Por cartas, a Educação chega às vistas do Interventor
Defronte a documentação das cartas de pessoas comuns, uma questão de faz
inquietante: como as políticas educacionais da Interventoria e do regime varguista foram
“apropriadas” pelos sujeitos que as viviam cotidianamente?
Com relação aos docentes missivistas, o que pleitearam como a comunicação pelas
cartas? Aqui apresentamos as cartas do professor Manoel Damasceno Lima (PERNAMBUCO,
1938), atuante no município de Escada, atualmente localizado a 63 km do Recife, na zona da
mata sul, cuja intenção foi solicitar a intercessão do interventor para que não fosse
transferido para uma escola do povoado de Frecheiras, descrito nas correspondências como
“afastado” do centro da cidade.
O conjunto no qual se encontra o caso do professor Damasceno é composto por três
cartas, duas escritas pelo professor e uma pelo prefeito da cidade de Escada, todas
direcionadas ao interventor do Estado. As correspondências foram enviadas no prazo de um
mês, entre os dias 14 de janeiro e 10 de fevereiro do ano de 1938. Isso demonstra que o tempo
entre o recebimento das cartas e a produção das respostas às mesmas foi bastante breve,
mesmo se pensarmos em termos atuais.
A primeira carta, contendo duas laudas, foi escrita pelo próprio professor. Nela
Damasceno contou que estava sendo perseguido pelo prefeito do município de Escada nos
seguintes termos:
Considerando a injustiça do chefe do Executivo deste Município que, por capricho, perseguição e vingança horripilante me fez remover a cadeira para o povoado de Frecheiras […]. Além da desconsideração do “não equiparo”, este homem me persegue sistematicamente, cassando até os meus direitos de funcionário. Sei que é abusar a S. Excia., porém estou reclamando meus direitos e bradando Justiça. (PERNAMBUCO, 1938)
O discurso inconformado do professor acusou o prefeito da cidade de Escada de
executar o ato de sua remoção foram bastante enfáticos. O trabalhador se disse revoltado
com os atos de “injustiça, violência e desconsideração” cometidos contra a ordem do
interventor por parte do Prefeito. Nessa perspectiva, Damasceno, ao mesmo tempo,
construiu sua defesa no caso, clamando a intervenção de Agamenon e aproveitou o espaço da
carta para acusar o prefeito de não seguir as ordens geradas pela Interventoria. As acusações
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inferidas contra o prefeito tornaram-se o principal argumento usado por ele para sustentar
seu pedido de justiça ao governador.
Afirmou que sua dedicação à causa da instrução e da educação popular podia ser
atestada pelas autoridades fiscais do ensino e solicitou ao interventor que elas atestassem sua
eficiência no trabalho. O apelo de Manoel se estendeu não somente à sua permanência na
sede, mas ele também anunciou seu desejo de ser transferido para a capital: “Folgaria se V.
Excia. me colocasse aí na Capital, em qualquer outro trabalho”. Segundo os termos do
professor Damasceno, havia uma participação pessoal ativa e regular do Interventor dando
atendimento às decisões relativas aos processos dos funcionários públicos: “Vim, em
conspecto, me entender com V. Excia., mas não houve audiência hoje”. Mesmo se tratando de
um Município do interior do estado a figura de Agamenon se fazia presente não só enquanto
refúgio para o apelo do trabalhador, mas enquanto parte decisória nos rumos os quais o caso
poderia tomar: “É confiado na retida da Justiça de V. Excia. que estou certo de que esta
injustiça não será praticada” (PERNAMBUCO, 1938).
Como anexo dessa carta, escrita de próprio punho, o professor apresentou uma cópia
do decreto promulgado pelo prefeito, ordenando sua substituição por uma professora do
povoado, para seu cargo de professor. A esse respeito Damasceno apontou: “Essa professora
não tem concurso, leciona a título de proteção. Incompatibilizou-se com o meio porque pais
de alunos reclamaram faltas da referida professora que não sabe ensinar, nem praticar”
(PERNAMBUCO, 1938). Desqualificando sua “colega”, o professor comentou a atitude da
substituição reprovando a professora escolhida. Com isso, o trabalhador aproveitou seu caso
para denunciar o sistema de influências de parentesco nas decisões e encaminhamentos do
serviço público, bem como mostrar os privilégios dados a professora e negados a ele
enquanto esteve no cargo.
Com três laudas, a segunda carta (PERNAMBUCO, 1938) foi enviada pelo prefeito da
cidade de Escada com o intuito de esclarecer o caso ao interventor, a quem as prefeituras
eram submissas. Muito provavelmente, por ter esse conhecimento, os trabalhadores
apelavam diretamente para a figura de Agamenon.
O prefeito montou uma argumentação contra o professor e em defesa de si próprio,
pois a carta de Damasceno, além do apelo, apresentou denúncias a respeito da gestão do
município. Afirmando agir de acordo com os “imperativos de ordem administrativa”, os quais
estavam “acima de quaisquer interesses de ordem particular”, o prefeito afirmou que o
professor Damasceno, havia algum tempo, não estava agindo “como de direito, com os
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deveres do cargo que ocupa[va], cometendo faltas graves e procurando tornar a cadeira que
ocupa[va], uma dependência de sua vontade” (PERNAMBUCO, 1938).
Segundo o Prefeito, o professor atuava em duas escolas, uma pública e outra,
particular, mas privilegiava a particular, em detrimento da escola pública e dos alunos
públicos, “como se a sua principal obrigação não fosse a cadeira do Município”. Também por
opinião própria, o professor:
[...] cometeu o abuso de fazer por sua própria conta, um programa de ensino [...], ponto de parte o programa oficial, que é o mesmo adotado pelo Estado, fazendo crer abertamente aos outros professores e alunos, que sua vontade seria respeitada e estava acima da vontade do Prefeito [...]. (PERNAMBUCO, 1938)
O problema foi que os alunos do professor Damasceno foram submetidos aos exames
públicos (promovidos anualmente para a verificação da capacidade e do aprendizado dos
estudantes e entrega da certificação, desde o século anterior) em presença do delegado de
ensino da região, o qual “protestou” contra o que viu naquela mesma ocasião e atribuiu notas,
algumas ruins, aos estudantes que foram prejudicados pela “desconexidade” entre o
programa inventado pelo professor e o programa oficial.
Não satisfeito, disse o prefeito, o professor Damasceno foi ainda mais ousado,
“alterando todas as notas escritas pelo Delegado de Ensino [aos alunos], depois do mesmo
devidamente assinado pela banca examinadora, cometendo um atentado que por si só [...] diz
[d]o zelo e competência do mesmo” (PERNAMBUCO, 1938).
Aquele professor, nas palavras do Prefeito, também era desleixado com o livro de
matrícula da sua escola, o qual era considerado o principal registro do seu trabalho, que se
encontrava na seguinte situação:
[com] nomes cancelados, páginas riscadas, tinta de todas as cores, matrículas feitas a pena e a lápis, folhas inteiras feitas pelos alunos, brincadeiras escritas, erros de escrituração, sem termo de abertura e encerramento, enfim, verdadeira imundice, que bem prova o que tem sido o citado professor na regência da cadeira que ocupa[...]. (PERNAMBUCO, 1938)
Além disso, o professor não participou da Semana da Pátria, deixando a escola
fechada naquele período e àquele respeito disse o prefeito: “Em vez de ser o funcionário
zeloso e cumpridor dos seus deveres, é um desrespeitador de ordens e um mau elemento
dentro da classe, dando péssimos exemplos como professor e cidadão” (PERNAMBUCO,
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1938). Resumindo a situação, o professor era relapso, desrespeitoso, voluntarioso, adulterou
documentos e, ainda por cima não cumpria o calendário cívico da nação.
Além de lecionar, cabia ao professor dar o exemplo de sua cidadania e de sua
cooperação com os princípios do regime. Esta cooperação, segundo o prefeito, era uma marca
da sua gestão e ninguém, até aquele momento, com as suas palavras: “[...]nunca ouviu de
minha boca qualquer referência contrária às ordens dessa Interventoria, porque não podia
sê-lo uma vez que estaria em contraposição com o cargo, onde, dentro dos bons princípios,
procuro acatar com o máximo respeito as ordens emanadas” (PERNAMBUCO, 1938). Por
aqueles motivos o prefeito considerava que sua atitude de afastar o professor havia sido
acertada:
Não teve outro intuito, senão salvaguardar o interesse público educacional e corrigir o mesmo, que não soube cumprir com seus deveres, mantendo também o princípio de autoridade que deve ser respeitado, para o bom andamento do serviço público. (PERNAMBUCO, 1938)
Como anexo da carta estão duas cópias de ofícios enviados pelo Delegado de Ensino
do município e pelo Inspetor Regional. As notificações, datadas de 9 de junho e 3 de
setembro do ano de 1937, destacam a não participação do professor na Semana da Pátria e o
fato dele ter registrado a matrícula de alunos em idades avançadas em suas turmas. Estes
problemas foram expostos na carta do prefeito e usados como argumentos para justificar sua
ação contra o professor
O professor enviou a última carta (PERNAMBUCO, 1938) denunciando que a
perseguição e a vingança sofridas por ele não passavam de um capricho do prefeito. Além
disso, o trabalhador falou das vezes que procurou o prefeito e não foi atendido. Damasceno
relembrou a desconsideração do político quando recebeu as ordens da Interventoria com o
“não equiparo”, afirmando que o prefeito o perseguia “sistematicamente, cassando até os
[seus] meus direitos de funcionário” (PERNAMBUCO, 1938).
Na terceira correspondência do conjunto, o professor acusou o prefeito de agir contra
ele e em benefício próprio. Além de reafirmar seu apelo para ficar em Escada, Manoel
Damasceno, mais uma vez, criticou os benefícios concedidos à professora que lhe substituiria
pelo fato dela ter pessoas ligadas à administração pública lhe protegendo.
Mudar-me não posso, não disponho de meios para isto, entretanto, para a professora removida, por ser parente da noiva do Secretário e ansiosa para deixar aquele povoado, aliás sem concurso, como já o disse e sem habilitações, como provocou os habitantes do povoado onde lecionara cerca
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de 2 a 3 anos, tudo lhe foi favorável: caminhão, carro de passeio etc., tudo a título de proteção e de represália à minha pessoa, pela reclamação feita sobre argumento. (PERNAMBUCO, 1938)
Não tendo mais esperança de mudanças no seu quadro devido as acusações do
prefeito, ele criou outra tática para alcançar seu objetivo, solicitando ao Interventor que seu
caso fosse julgado por outra autoridade, fazendo a provocação de que seu drama encontrava-
se em meio às injustas relações de poder:
Informação das partes acusando e acusado nada prevalece, salvo ambas em conspecto uma da outra. Ponha a juízo, entregando ao Sr. Arthur Moura, advogado sem jaça, que julgará pelo mérito do direito e não pelo da força, do poder e da vingança como entende o chefe do poder executivo deste Município. (PERNAMBUCO, 1938)
Assim como na primeira carta, o professor demonstrou sua confiança na intervenção
de Agamenon para a resolução do caso, acrescentando ao pedido de justiça o sentido do dever
do governante e o direito de defesa dele: “Confio na Justiça de S. Excia. certo que não deixará
de olhar pelo prisma luminoso da Justiça, do Dever e do Direito da razão”. A procura pelo
interventor foi justificada pelo professor sob a alegação de que Escada “é uma terra que se dá
o direito a quem se quer proteger” (PERNAMBUCO, 1938). Portanto, o professor também
sabia quais eram os direitos que lhe assistiam e de como a proteção política influenciava nas
questões que envolviam o sistema público da época.
Mesmo não dispondo da carta enviada por Agamenon ao prefeito, citada por ele na
primeira correspondência, diante das escolhas argumentativas do professor e da carta do
prefeito, que nega as acusações e reúne diversas acusações contra o trabalhador, podemos
supor que Damasceno não foi um sujeito alheio aos trâmites públicos. Ele esteve consciente
das questões políticas e se rebelou alegando sofrer injustiça e represália, o que nos leva ao
questionamento sobre a passividade dos trabalhadores no Estado Novo. Esses não só
brigaram pela garantia de seus direitos, como fizeram valer os meios, como as cartas, para
mostrar que não iriam se calar diante das “injustiças” sofridas.
Na Interventoria pernambucana administrada por Agamenon Magalhães a
estruturação de um “novo homem”, um tipo específico de trabalhador, contou com a
educação como um dos seus meios de efetivação. Para o regime, os professores eram figuras
centrais dentro desse processo de construção e, nesse sentido, o controle dos conteúdos e
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metodologias foram realizados a partir da divulgação dos Programas de ensino a serem
cumpridos pelos docentes.
Como já mencionado no item anterior deste artigo, a construção, aperfeiçoamento e
doutrinação do trabalhador passaram a ser algumas das principais metas do Estado. A
necessidade desse controle comportamental incentivou a elaboração de estratégias para esse
fim e objetivou garantir o apaziguamento dos conflitos sociais. A exaltação do valor do
trabalho, também em Pernambuco, esteve nos planos da Interventoria que teve como uma de
suas finalidades a transformação do homem em cidadão/trabalhador, assegurando o
desenvolvimento econômico e a paz social com o combate à pobreza.
O “homem novo” deveria ter três aspectos privilegiados em sua formação: o físico, o
moral e o intelectual. A criação desse homem “para o Estado” encontrou na educação sua via
privilegiada de elaboração no trabalho organizado em bases científicas, repleto de valores
morais e tecnicamente produtivo. Foram criados espaços educativos e ações pretensamente
assemelhados aos diferentes ambientes de trabalho e direcionados, fundamentalmente, aos
filhos e filhas das classes trabalhadoras.
De acordo com os Programas de Educação Primária vigentes em Pernambuco, as
políticas educacionais do Estado de Pernambuco, durante a Interventoria de Agamenon
Magalhães, objetivaram despertar nos alunos e alunas o desejo de trabalhar e os sentimentos
de respeito e valorização do trabalho. Os conteúdos dos programas de ensino tinham como
finalidade orientar os estudantes nas suas escolhas profissionais com atividades elaboradas
para “conscientizá-los” a respeito do que encontrariam no mundo do trabalho, sendo tarefa
do professor “fixar” aqueles conteúdos nos alunos. Para isso, o papel das indústrias e fábricas
deveriam estar contidos dentro das matérias, atrelado à figura destacada do operário,
caracterizado como membro formador da vida econômica do município e do país.
Nos relatórios de 1939, 1940 e 1942 - apresentados para demonstrar suas ações ao
presidente Vargas-, Agamenon Magalhães argumentou de que maneira encontrou a
administração do governo pernambucano, enfatizando sua capacidade de organização e de
restauração política do estado, claramente com a intenção de demonstrar sua adesão ao
projeto estadonovista e a harmonia criada com as diferentes classes para realizar as
transformações projetadas pelo novo regime.
Dentre outras questões, com relação à educação, indicou o funcionamento de oficinas-
escolas, cujo objetivo era a formação de mão de obra para as indústrias por meio de uma
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formação profissional destinada aos jovens a partir dos 14 e até os 16 anos (exigência da lei
trabalhista), que possuíssem o diploma do ensino primário completo (de acordo com o novo
sistema de ensino), selecionados através de testes.
Observamos ainda o quanto a educação foi usada para a disciplinarização do
trabalhador de acordo com o Programa de Educação Primária, lançado em 1938, pelo
Departamento de Educação, dirigido por Nilo Pereira – com relação aos objetivos, conteúdos
e orientações –, notando o direcionamento de uma orientação cristã e nacionalista do ensino,
a qual oferecia ao aluno uma escola de civismo e valorizava o homem a partir de sua servidão
à pátria e a Deus. Os conteúdos das cadeiras de Trabalhos Manuais, transformada em 1941
na disciplina de Pré-orientação profissional, trazia assuntos referentes ao mundo do
trabalho, com o objetivo de incutir no aluno sua importância. O ambiente escolar era visto
como o local propício para aquisição de costumes de sociedade, pelos hábitos de polidez e
solidariedade, que deviam ser criados entre os alunos, aos quais se transmitia o
conhecimento das instituições sociais e políticas, das leis, do governo, de ordem e disciplina.
Já a educação no campo teve como uma de suas principais finalidades o combate ao
êxodo rural, através da fixação do homem na zona rural, principalmente, para expandir sua
área de atuação e atender as necessidades da produção agrícola, levando, via educação,
técnicas para a produção rural e a educação sanitária. Para isso foram criados os Clubes
Agrícolas Escolares, que buscaram desenvolver nos alunos o gosto pela agricultura e o
entendimento da vida no campo, educando, inclusive, economicamente as crianças por meio
da venda dos produtos resultantes das hortas cultivadas; e as Missões Ruralistas Escolares,
estas responsáveis pela fiscalização e orientação dos trabalhos realizados pelos Clubes, além
da aproximação entre os meios urbano e rural, levando as novidades pedagógicas adotadas
na capital para o “interior”.
Diversas atividades faziam parte do programa das Missões, entre elas: reuniões com o
professorado, aulas de orientação ruralista para as professoras, aulas práticas de avicultura,
jardinagem, apicultura, horticultura, pré-orientação profissional, fundação de clubes
agrícolas, jornais e cooperativas escolares, etc. Além dos programas destinados ao ensino
rural, o governo pernambucano estabeleceu também a regularização do Curso Normal Rural,
visando a formação de professores segundo os princípios defendidos para as zonas
interioranas, evitando o risco de que conteúdos “desnecessários” fossem ensinados, devendo
o professor estar preparado para estimular seus alunos a se fixarem em suas localidades e
auxiliar as atividades para uma maior desenvoltura para a produção no campo.
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Vale ressaltar que as práticas que envolviam os projetos educacionais em
Pernambuco, não devem ser vistos como pioneiros ou exclusivos do período e da
Interventoria Agamenosiana, tal como era destacado por seus construtores. Muitas das
concepções educacionais, como o ensino primário rural para o desenvolvimento econômico
do campo e do estado e a regularização das Escolas Normais nas zonas rurais eram demandas
previstas ainda nas décadas e no século anterior. O que pode ser destacado como
exclusividade do período é a responsabilidade tomada pelo governo em sistematizar as
práticas educacionais primárias em todo o país, incorporando os princípios gerados por
intelectuais e instituições de sua época às diretrizes do ensino.
É importante destacar que os Programas de ensino são fontes governamentais e
privilegiaram as intenções da Interventoria, o olhar do legislador, e não as práticas que
ocorreram nos espaços educativos de fato. Portanto, tratou-se de uma perspectiva a respeito
das propostas para o desenvolvimento de habilidades domésticas, e mesmo da ratificação de
um discurso restrito em relação ao exercício das profissões destinada aos homens ou as
mulheres.
As correspondências do caso do professor Manoel Damasceno abriram um espaço
para “denúncias” contra o docente: o desleixo com o trabalho, sua “astúcia” em criar o
próprio programa e em se negar a pôr em prática as atividades de demonstração cívica, nesse
caso, servindo de exemplo e estímulo ao patriotismo dos alunos.
O professor Damasceno não nos parece ter sido um dos trabalhadores consumidores
da propaganda do regime, por exemplo, por meio dos seus Programas de ensino, pelo
contrário! A julgar que o prefeito tivesse razão, ele se negou a cumprir as determinações
oficiais e usou de bastante autonomia no exercício do magistério. Ao descumprir os
programas, o professor estava “batendo de frente” com uma das políticas primordiais da
Interventoria e atrapalhando os meios – a educação em sala de aula – e os fins da construção
do tipo ideal de cidadão.
Mas, mais importante do que ter sido “verdadeiro”, este caso nos interessa por ter
sido considerado “plausível”, ou seja, mesmo durante o Estado Novo e a Interventoria de
Agamenon, pode ter havido docentes que se negaram a cumprir, ipsis literis, a proposta
educativa governamental. Nesse ponto, lembramos sobre os conteúdos e metodologias dos
Programas de ensino adotados pelo Departamento de Educação de Pernambuco nos anos,
que atravessam o Estado Novo, tenderam a se repetir. Esse fato, provavelmente, significou
uma tentativa de obter, por repetidas vezes, aceitação dos professores às determinações
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oficiais. Juntando esse ponto ao caso de Damasceno, nos questionamos se os casos de
descumprimento dessas instruções não eram recorrentes entre os professores públicos do
estado.
Em suas correspondências, o professor contornou as acusações destinadas a ele, se
adequando aos discursos oficiais para pedir não só sua permanência no centro do município,
como também uma vaga no Recife. O que ele não queria era perder seu emprego, sua forma
de sobrevivência. As críticas ao modelo administrativo aparecem de forma sutil. Ele exerce
sua crítica acusando a figura do prefeito e não diretamente ao governo do estado, sabendo de
sua subordinação aos mandos e desmandos do interventor.
É possível notar o fato das visitas do Delegado de Ensino e do Inspetor Regional
terem sido feitas no ano anterior ao regime, mas as medidas administrativas tomadas para
“sanar” os atos cometidos pelo professor só foram efetivadas depois do estabelecimento do
Estado Novo em Pernambuco, reforçando o argumento desse caso se enquadrar nas
determinações estaduais de afastar os funcionários discordantes de seus princípios.
O caso de Manoel Damasceno Lima ilumina as medidas administrativas tomadas pelo
governo no combate à “desordem” e na organização do serviço público, tendo como base os
princípios da ideologia estadonovista. Por outro lado, também nos mostra que essas medidas
não foram encerradas com o afastamento daqueles sujeitos. Pelas correspondências
analisadas, observamos a existência de reações. Os trabalhadores não se calaram diante
daquilo que lhes era enfiado “goela abaixo”. Lutaram por espaços de atuação, por seus meios
de sustento e de sobrevivência.
Ressaltamos que não nos cabe avaliar quem contou “a verdade dos fatos”, mas
perceber como ambas as partes apresentam acusações que eram plausíveis naquele momento
e utilizaram seus argumentos de acordo com o que julgavam ser coerente com as
determinações e expectativas da Interventoria. Ambos acusavam, um ao outro, mas também
buscaram afirmar sua reciprocidade com a ideologia governante com a finalidade de manter
seus cargos.
Por fim, não há como negar a importância desses formadores para a “construção” do
cidadão almejado pelo regime, mas essa importância refletia nas suas condições de trabalho?
O que significava ser professor/professora no Estado Novo? Bem, se não uma reverberação
do real, os discursos nas cartas, ao menos, podem nos trazer alguns presságios de como eram
essas condições ou aquelas escolhidas para relatar. Devemos sempre estar atentos para
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relativizar essas indicações, sobretudo quando temos em mente o quanto de interesse havia
por trás da escrita.
Em relação às cartas de professores encontradas no fundo documental, algumas
demandas foram comuns a mais de um deles, outras foram individuais, mas em todas vimos
participação política, reclamações trabalhistas, busca de reconhecimento de suas formações
magisteriais e cobrança governamental. Contudo, ao que parece, não havia uma consciência
de classe, pois nenhum brigou pela categoria como um todo, eram questões individuais. Não
retiramos a possibilidade disso ser uma tática preventiva, pois vivia-se num período de
controle de manifestações classistas, mas preferimos limitar nossas interpretações até onde a
nossa documentação nos leva. Deixemos a dúvida para outros pesquisadores.
Considerações Finais
Os documentos do governo permitem demonstrar a intenção da Interventoria, a qual
concebeu um projeto político-pedagógico, que possuía como orientação uma educação
voltada para o trabalho (à semelhança do que ocorreu em outros estados do país). O governo
de Agamenon Magalhães, em consonância com o discurso governamental nacional,
argumentou sobre a centralidade da educação na constituição desse “novo” brasileiro. A
formação dos novos sujeitos esperados era entendida como condição de sobrevivência de
Pernambuco e estava diretamente relacionada a uma ideologia de valorização do trabalho e
do trabalhador, da disciplina, de dedicação e lealdade ao Estado. Constituiu-se uma cultura
pedagógica baseada nesta ideologia e numa determinada visão “científica” e racional para o
controle das práticas sociais.
Ao nos debruçarmos sobre a documentação referente à formação do “operário”, pela
Interventoria, identificamos uma repetição de temas relacionados à educação para o
trabalho, à educação por meio do trabalho. As orientações seguiam uma mesma lógica
argumentativa: valorizar o trabalho simples e apresentar os operários como membros
formadores do novo país que se pretendia erguer.
Por outro lado, as cartas nos dão a possibilidade de ver as consequências geradas por
essas políticas no cotidiano dos trabalhadores e como eles passearam por entre as brechas de
tais determinações, buscando, por vezes, certa autonomia no exercício do magistério. Além
disso, as correspondências nos deu a oportunidade privilegiada de entrar em contato com a
voz do próprio trabalhador que, com suas próprias expressões e palavras, falaram de si, da
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sua profissão, dos seus dilemas, de como concebiam as políticas estadonovistas, os seus
relacionamentos com a Interventoria Agamenosiana e suas condições de vida e trabalho.
A partir desse entrecruzamento de fontes, notamos o quanto, para a Interventoria
Agamenosiana, a educação foi elemento fundamental para o regime lançar seus objetivos
propagandísticos e, assim, tentar cooptar as mentes da população. Essa perspectiva não
passou despercebida e foi aproveitada pelas pessoas que escreveram para narrar seus casos,
pedindo, reclamando ou denunciando as questões do mundo educacional.
Nesse sentido, foram utilizadas diferentes estratégias para forjar nesses sujeitos os
elementos entendido pela Interventoria como basilares para a formação almejada, por
intermédio dos expedientes práticos educacionais, que envolviam o cotidiano, as vivências,
problemas e anseios dos trabalhadores, como as condições de trabalho, salários, a falta de
fiscalização das leis trabalhistas e os desvios que faziam das determinações oficiais.
Referências
Fontes Manuscritas:
Fundo da Secretaria de Governo:
PERNAMBUCO. Cartas de Particulares. Volume 764. Gabinete do Governador.
Fundo da Interventoria:
PERNAMBUCO. Ofícios e Cartas. Volume I53. Gabinete do Governador.
PERNAMBUCO. Departamento Estadual de Impressa e Propaganda. O desenvolvimento educacional de Pernambuco sob a Administração do Interventor Agamenon Magalhães, Imprensa Oficial, 1944.
Fontes Impressas:
Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE)
Fundo de Educação
Programas de Educação Primária:
PERNAMBUCO. Secretário do Interior. Departamento de Educação. Programas de Educação Primária. Recife: Imprensa Oficial, 1938, APEJE, Recife- PE.
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