MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA DO TOCANTINS
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO TOCANTINS
Ref.: Procedimento Administrativo nº 1.36.000.00498/2008-68
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos procuradores da
República signatários, no uso de suas atribuições legais, com fundamento nos
nos artigos 37, § 4º, 127 e 129 da Constituição Federal, na Lei n.º 8.429/92, no
artigo 6º da Lei Complementar 75/96 e no Código de Processo Civil, vem, à
presença de Vossa Excelência, propor
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
em face de
MARCELO DE CARVALHO MIRANDA, brasileiro, casado,
Governador do Estado do Tocantins, inscrito no CPF sob o nº
281.856.761-00, nascido aos 10 de outubro de 1961, filho de
Marly Carvalho Miranda, residente e domiciliado na 404 Sul,
Alameda 02, Lotes 02/04/06, nesta capital;
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HENRIQUE BARSANULFO FURTADO, brasileiro, nascido
em 1º de janeiro de 1953, filho de Leontina Alves Furtado,
inscrito no CPF sob o nº 907.562.588-04, residente na 1.112
Sul, Alameda 05, QI-J, Lote 04, nesta capital, tel. 3217-4280;
PETRÔNIO BEZERRA LOLA, brasileiro, médico, nascido aos
27 de março de 1941, filho de Josefa Maria da Conceição,
inscrito no CPF sob o nº 048.877.119-34, residente na Quadra
106 Norte, Alameda 16, Lote 22, Plano Diretor Norte, nesta
capital;
MÁRCIO JUNHO PIRES CÂMARA, brasileiro, Procurador do
Estado do Tocantins, nascido aos 11 de maio de 1963, filho
de Aldenora Pires Câmara, inscrito no CPF sob o nº
055.686.068-38, residente na Quadra 704 Sul, Alameda 7,
Lotes 32/34, centro, podendo também ser encontrado na
Procuradoria-Geral do Estado do Tocantins, sita na Praça dos
Girassóis, s/nº, nesta capital;
BRUNO BARRETO CESARINO, brasileiro, nascido aos 18
de abril de 1977, filho de Lenira Aparecida Barreto Cesario,
inscrito no CPF sob o nº 002.863.566-35, residente na
Quadra 306 Sul, Alameda 08, Lote 08, nesta capital, tel.
8401-5151;
JOSÉ RENARD PEREIRA DE MELO, brasileiro, Procurador
do Estado do Tocantins, nascido aos 02 de julho de 1949,
filho de Hortencia Gomes Pereira, inscrito no CPF sob o nº
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058.520.301-63, residente na Quadra 106 Sul, Alameda 30,
Lote 15, centro, podendo também ser encontrado na
Procuradoria-Geral do Estado do Tocantins, sita na Praça dos
Girassóis, s/nº, nesta capital;
THAÍS RAMOS ROCHA, brasileira, Procuradora Distrital,
nascida aos 01/09/1965, filha de Clara Lúcia Cardoso Ramos
Rocha, inscrita no CPF sob o nº 070.439.588-65, residente na
Rua Alecrim, Lote 03, Apartamento 501, Aguas Claras,
Taguatinga-DF, podendo ser encontrada na Procuradoria-
Geral do Distrito Federal, sita na SAIN, Bloco I, Brasília-DF;
EDUARDO HENRIQUE SARAIVA FARIAS, brasileiro,
casado, nascido aos 03 de fevereiro de 1955, fiho de Maria
Eunice Saraiva Farias, inscrito no RG 320.947 SSP/DF, e no
CPF sob o nº 116.348.711-20, residente na Quadra SQN 309,
Bloco O, Apartamento 308, Asa Norte, Brasília, Distrito
Federal.
OSCIP BRASIL – pessoa jurídica de direito privado, sem fins
lucrativos, com sede no SEP/Norte Quadra 513 BI D- sala
214, asa norte, Brasília-DF e filial neste Estado do Tocantins à
Quadra 103 sul, Av. Juscelino Kubitschek, nº 160, conj. 02,
lojas 01 e 05, Palmas-TO, fone 215.6066, devendo ser citada
na pessoa de seu Diretor-Executivo, Eduardo Henrique
Saraiva Farias, brasileiro, casado, RG 320.947 SSP/DF,
pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
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1 – Dos Fatos
O Estado do Tocantins, por ordem do demandado MARCELO MIRANDA, atuando por meio da Secretaria de Estado da Saúde, cuja gerência
competia a HENRIQUE BARSANULFO FURTADO, procedeu à transferência da
gestão e da administração de 14 hospitais do Sistema Único de Saúde para a
iniciativa privada, firmando Termo de Parceria1 com a OSCIP BRASIL, com vistas
ao atendimento da população, levando adiante e de forma contundente a sua
política de privatização dos serviços públicos.
Por tal ajuste, o Estado do Tocantins pagou à OSCIP BRASIL o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) mensais para que a entidade
administrasse os hospitais de referência, utilizando-se, para tanto, de recursos
vinculados ao Sistema Único de Saúde.
Além destes valores, o Estado firmou alguns convênios para
repasse de verbas federais, num total de mais de R$ 9.500.000,00 milhões de
reais. Por fim, cadastrou a OSCIP BRASIL como entidade filantrópica perante o
sistema SUS/FNS, passando a OSCIP a receber diretamente do SUS/FNS os
recursos sem mais necessitar de convênios.
1.2 – Da contratação da OSCIP BRASIL
O Governador do Estado do Tocantins MARCELO MIRANDA determinou e a Secretaria de Estado da Saúde, por meio do secretário
HENRIQUE BARSANULFO FURTADO firmou, no dia 27 de agosto de 2003,
1 Cf acordo celebrado entre a OSCIP BRASIL e o Estado do Tocantins a fl. 261 do PA. nº 1.36.000.00498/2008-68
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Termo de Parceira com a OSCIP BRASIL, instituição privada, sem fins lucrativos,
com objetivo geral de promover a compra de serviços de administração hospitalar,
especificamente nos 14 (quatorze) hospitais comunitários2 integrantes da rede
pública do Estado do Tocantins, tudo pelo valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil
reais) mensais. Posteriormente, fora firmado um termo aditivo, alterando algumas
cláusulas, mas persistindo o mesmo objeto (fl. 341/344).
Tal processo iniciou-se por meio do documento a fl. 147 –
Solicitação de Compras – Serviços/Materiais –, datado de 26 setembro de 2003,
em que o então Secretário de Saúde, o demandado PETRÔNIO BEZERRA LOLA, solicita ao governador MARCELO MIRANDA autorização para firmar
termo de parceria para o gerenciamento e administração dos hospitais de
referência, no valor estimado de R$ 14.400.000,00 (quatorze milhões e
quatrocentos mil reais), no que obteve o aval do comandante máximo do estado.
No entanto, PETRÔNIO BEZERRA LOLA já havia
encaminhado à Procuradoria Geral do Estado – em 14 de agosto de 2003 – na
figura do demandado JOSÉ RENARD, plano de gestão para os hospitais de
referência do estado do Tocantins, elaborado pela OSCIP BRASIL.
Tal documento (fl. 149/243), elaborado pelo demandado
EDUARDO SARAIVA, foi submetido a análise (fl. 244/245) por parte da
Procuradoria do Estado, a qual se manifestou pela juntada aos autos de 2 Os hospitais públicos que tiveram sua administração repassada à OSCIP BRASIL são: 1)Hospital Comunitário de Palmas; 2)Hospital Dona Regina – Centro Integrado de Assistência à Mulher e à Criança; 3)Hospital Comunitário de Araguaína / Hospital de Doenças Tropicais; 4) Hospital Comunitário de Gurupi; 5)Hospital Comunitário de Augustinópolis; 6)Hospital Comunitário de Xambioá; 7)Hospital Comunitário de Arapoema; 8)Hospital Comunitário de Guaraí; 9)Hospital Comunitário de Miracema; 10)Hospital Comunitário de Paraíso; 11)Hospital Comunitário de Porto Nacional; 12) Araguaçu; 13)Hospital Comunitário de Arraias; 14)Hospital Comunitário de Dianópolis.
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manifestação da SESAU acerca da proposta formulada pela OSCIP BRASIL, “no
que tange à sua viabilidade técnica e ao interesse público em concretizá-la, e se
tal entidade possui capacidade de operacionalizar de forma plena e eficiente as
atividades a que se propõe a executar em parceria com o Estado”.
A resposta a tal indagação veio em singelo ofício em que o
Secretário Estadual de Saúde HENRIQUE FURTADO e o Sub-Secretário
PETRÔNIO BEZERRA informaram que: “durante contatos mantidos com a
diretoria da Oscip Brasil, esta Secretaria de Saúde constatou que aquela
Organização dispõe de estrutura organizacional e operacional adequadas,
experiência na gestão de processos e uma equipe de consultores e técnicos
capacitados em gestão em saúde, alguns nos quais com larga experiência no
SUS, ao qual estaremos vinculados, fatores que consideramos favoráveis e
indicam a viabilidade técnica da parceria proposta (...). Pelo exposto acima,
somos de parecer que a Oscip Brasil dispõe de qualificação, responsabilidade e
competência para implementar e operacionalizar as atividades propostas no
sentido de cumprir adequadamente as recomendações do Sistema Único de
Saúde no Estado do Tocantins.” (fl. 247)
Foi o que bastou para que o demandado MÁRCIO JUNHO PIRES CÂMARA emitisse parecer pela total legalidade da contratação da OSCIP BRASIL, obtendo a aprovação do demandado JOSÉ RENARD (fl. 249/252).
Destarte, com base na autorização do governador e do
parecer jurídico acostado pela procuradoria, o demandado HENRIQUE FURTADO firmou com a ré OSCIP BRASIL o Termo de Parceria de fls. 261 e ss.
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Assim, os gestores da saúde pública do Estado do Tocantins
revelaram o desejo e efetivamente transferiram a gestão e a administração de
várias unidades hospitalares públicas para a iniciativa privada, assumindo a
Secretaria de Saúde a condição de mero ente fiscalizador.
Levando adiante a sua política de terceirização da saúde,
através dos convênios nº 035/2003 e nº 040/2003, o Estado do Tocantins
comprometeu-se a repassar à OSCIP BRASIL o montante de R$ 9.574.665,91
para a execução da prestação de ações e serviços de saúde e manutenção dos
hospitais, restando definido o procedimento de transferência de recursos alocados
no orçamento Ministério da Saúde. Estes dois primeiros convênios foram firmados
para custear a manutenção dos hospitais administrados nos meses de agosto,
setembro e outubro/2003, já que os repasses a partir de novembro passaram a
ser automáticos para a conta da OSCIP.
Importa observar que a transferência da gestão de unidades
públicas de saúde no Tocantins para organizações privadas teve início com a Lei
n.º 762, de 26 de junho de 1995, aprovada pela Assembléia Legislativa estadual,
que estabelece ficar o “Poder Executivo, por intermédio da Secretaria de Estado
da Saúde, autorizado a celebrar convênios de concessão de uso de bens móveis
e imóveis pertencentes a rede hospitalar do Estado do Tocantins, para os
Municípios, entidades Filantrópicas e Associações sem fins lucrativos, com o
intuito de promover a descentralização das Ações de Serviço de Saúde, conforme
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).”
Tal Lei, e atos administrativos praticados pelo Governo do
Estado do Tocantins, para fins de privatização e terceirização das ações e
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serviços de saúde, foram contestados judicialmente perante esta Justiça Federal
através das ações civis públicas nº 2003.43.00.000227-2 e nº
2004.43.00.000821-5 movidas pelo MPF contra o Estado do Tocantins e a PRÓ-
SAÚDE (primeira demanda) e contra a União, o Estado do Tocantins e OSCIP
BRASIL (segunda demanda). Ressalte-se, desse modo, que a presente ação visa
imputar responsabilidades aos envolvidos por tais atos, já que eles, além de
nulos, configuram a prática de improbidade administrativa.
1.3 – Dos convênios firmados com recursos do Fundo Nacional de Saúde
Para manter os 14 hospitais que administrava, a OSCIP
firmou convênios com o Estado do Tocantins para o repasse de recursos públicos
oriundos do FUNDO NACIONAL DE SAÚDE/MINISTÉRIO DA SAÚDE. Os
convênios estão relacionados abaixo:
1.3.1 – Do Convênio nº 035/2003
Objetivando a manutenção dos hospitais que administrava, a
OSCIP e o Estado do Tocantins firmaram dois convênios para custear os gastos.
Do primeiro, o de n.º 035/2003, transcreve-se a cláusula terceira:
“CLÁUSULA TERCEIRA – DOS RECURSOS FINANCEIROS
A CONCEDENTE, por força deste Convênio, na medida em que for disponibilizado pelo Fundo Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, transferirá a CONVENENTE, recursos financeiros no
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montante de R$ 2.800.000,00 (Dois milhões e Oitocentos Mil Reais), conforme discriminação abaixo:
Programa de trabalho
Fonte ND Natureza de Despesa
Valor Total (R$)
103020143419 6 00 04938/2003 33.50.43 2.800.000,00
...”
Segundo a cláusula sétima, este convênio teria 78 (setenta e
oito) dias de vigência, e mais 15(quinze) dias para apresentação da prestação de
contas.
1.3.2 – Do Convênio nº 040/2003
Um outro convênio foi firmado pelo Estado do Tocantins com
a OSCIP BRASIL, cujo objeto era também o repasse de verbas advindos do
Fundo Nacional de Saúde. Trata-se do convênio 040/2003, cuja cláusula terceira
assim encontra-se estampada:
“CLÁUSULA TERCEIRA – DOS RECURSOS FINANCEIROS
A CONCEDENTE, por força deste Convênio, na medida em que for disponibilizado pelo Fundo Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, transferirá a CONVENENTE, recursos financeiros no montante de R$ 6.774.665,91( Seis Milhões, Setecentos e Setenta e Quatro Mil, Seiscentos e Sessenta e Cinco reais e Noventa e Um Centavos), conforme discriminação abaixo:
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Programa de trabalho
Fonte ND Natureza de Despesa
Valor Total (R$)
1030201434196 00 05402/2003 33.50.43 6.774.665,91
...”(Grifos originais)
Segundo a cláusula sétima este convênio teria sua vigência
até 15 de janeiro de 2004 e mais 15(quinze) dias para apresentação da prestação
de contas.
Atente-se que estes dois convênios foram firmados para
custear as despesas com a manutenção dos hospitais enquanto a OSCIP não
tinha sido cadastrada no sistema SUS/FNS como entidade filantrópica prestadora
de serviços. A partir do mês de janeiro de 2004, não mais precisou-se realizar
convênios face o repasse direito do sistema SUS/FNS para a conta da OSCIP.
1.3.3 – Do convênio firmado com recursos do Fundo Estadual de Saúde visando compensação com recursos do Fundo Nacional de Saúde
Um terceiro convênio fora firmado entre o Estado do Tocantins
e a OSCIP BRASIL. O convênio 043/2003 fez a transferência de recursos à
OSCIP BRASIL visando custear despesas com manutenção e aquisição de
equipamentos, mobiliários e demais materiais médicos e hospitalares necessários
ao fortalecimento e melhoria dos serviços oferecidos nos Hospitais de Referência
do Estado do Tocantins. A cláusula terceira, que cuida do montante de recursos,
assim encontra-se estampada:
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“CLÁUSULA TERCEIRA – DOS RECURSOS FINANCEIROS
A CONCEDENTE, por força deste Convênio, na medida em que for disponibilizado pelo Fundo Estadual de Saúde/SES, transferirá a CONVENENTE, recursos financeiros no montante de R$ 4.070.000,00 ( Quatro Milhões e Setenta Mil Reais), conforme discriminação abaixo:
Programa de trabalho
Fonte ND Natureza de Despesa
Valor Total (R$)
1030201434196
1030201433054
00 05675/2003 33.50.43
44.50.42
200.000,00
3.870.000,00
...”(Grifos originais)
Vê-se, desse modo, que o Estado do Tocantins repassou
milhões de reais à OSCIP para que a entidade privada providenciasse a compra
de equipamentos hospitalares sem licitação.
1.4 – Dos repasses diretos
Além destes convênios, a OSCIP recebeu diversos repasses
direitos do Ministério da Saúde.
Tais fatos restam evidentes quando se analisa o banco de
dados Dossiê Integrado da Receita Federal. Assim, verifica-se que, a partir de
janeiro de 2004, a OSCIP passou a receber recursos diretamente do FUNDO
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NACIONAL DE SAÚDE, já que habilitada para tanto pelo órgão estadual. Nesse
sentido, veja-se a comprovação dos repasses do FNS a fl. 588 (relacionados ao
hospital de Araguaçu); a fl. 590 (relacionados ao hospital de Arapoema); a fl. 592
(relacionados ao hospital de Arraias); a fl. 595 (relacionados ao hospital de
Augustinópolis), a fl. 598 (relacionados ao hospital de Dianópolis); a fl. 601
(relacionados ao hospital de Guaraí); a fl. 606 (relacionados ao hospital de
Gurupi); a fl. 608 (relacionados ao hospital de Miracema do Tocantins); a fl. 612 e
fl. 621 (relacionados a dois hospitais de Palmas); a fl. 614 (relacionados ao
hospital de Paraíso do Tocantins); a fl. 617 (relacionados ao hospital de Porto
Nacional); a fl. 619 (relacionados ao hospital de Xambioá); e a fl. 625
(relacionados ao hospital de Araguaína).
1.5 – Do termo aditivo
A partir de outubro de 2003, a Secretaria de Saúde do
Tocantins firmou o 1º Termo Aditivo ao Termo de Parceria com a OSCIP BRASIL.
Novamente, para a Assessoria Jurídica da SESAU, o malsinado Termo revestia-se
da mais absoluta legalidade (fl. 340), conforma parecer da lavra do demandado
BRUNO BARRETO CESARINO.
Na mesma linha do parecer do assessor jurídico da SESAU,
mesmo diante da evidência da ilegalidade, a Procuradoria Geral do Estado deu
parecer favorável à celebração do termo aditivo (cf. fls. 349/350 e 352).
Entretanto, analisando os termos de tal ajuste, os técnicos do
TCU bem constataram que: “A partir da edição desse termo aditivo, a
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Secretaria de Saúde, órgão que tem a função constitucional de gerir a
saúde, no âmbito estadual, não tinha mais razão de existir, pois não lhe
restou mais nenhuma função. A OSCIP assumira todas as tarefas da
Secretaria de Saúde”. [sic] grifo nosso (cf. fl. 503).
1.6 – Da recomendação e da suposta rescisão do Termo de Parceria
Diante de várias irregularidades constatadas no processo de
contratação da OSCIP BRASIL, em meados do ano e 2004, o Ministério Público
Federal enviou recomendação3 ao Sr. Secretário de Saúde do Estado do
Tocantins objetivando que o mesmo, dentre outras coisas, viesse a rescindir o
inusitado Termo de Parceria.
A suposta rescisão fora anunciada aos quatro cantos pelos
veículos de comunicação. Parecia que o Estado tinha se curvado à imposição
legal; porém, ao tempo que o MPF tomou conhecimento do interior teor do “termo
de rescisão” da parceria entre Estado do Tocantins e a OSCIP BRASIL, viu-se
que a rescisão não tinha passado de um desconcertante engodo pregado à
população Tocantinense. E mais, representou uma estratégia macabra para o
Estado repassar recursos públicos federais/estaduais para os cofres da OSCIP
sem maiores alardes, já que, para todos os efeitos, não mais existia o Termo de
Parceria com a OSCIP.
Constava no corpo da suposta rescisão:
3 Cf fl. 633
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Preâmbulo e cláusula primeira – neste dois pontos o termo insinua que está rescindo o termo de parceria, porém quando da análise do parágrafo único da cláusula primeira veremos que tal só ocorrerá em 10 de maio 2004. E mais: veremos também nas demais cláusulas que o Estado do Tocantins repassará à OSCIP neste curto espaço de tempo mais de R$ 9.500.000,00 (Nove milhões e quinhentos mil reais), além de permite-lhe que gaste outros R$ 2.700.000,00 já depositados na conta da OSCIP.
Clausula segunda – da análise das obrigações ainda a cargo da Secretaria de Saúde do Estado do Tocantins vê-se claramente que o Termo de Parceira continua em pleno vapor. Apesar de no inciso I, letra “a” e “b” o Estado preveja que retomará de imediato os processos de compras de materiais e medicamentos dos hospitais e que notificará imediatamente ao SUS sobre o encerramento e rescisão do contrato de parceria, vemos que nas alíneas seguintes a idéia de rescisão é contraditada por diversos fatores. Vejamos as alíneas:
c) efetuar o pagamento à OSCIP, do valor previsto na Cláusula Quarta do Termo de Parceria, até o término dos compromissos ajustados neste Termo de Rescisão;
d)Providenciar recursos para a quitação de quaisquer valores que ainda estiverem em aberto e que não foram contemplados nos Anexo I e II (item C) e que foram incorridos pelos hospitais, no período de outubro/2003 a fevereiro/2004;
e)Disponibilizar recursos financeiros para liquidar as dívidas decorrentes do encerramento dos contratos de serviços terceirizados, vinculados à manutenção dos hospitais e que sejam reconhecidos pela SESAU como tal;
g)disponibilizar recursos, caso os que se encontram depositados em conta-corrente e vindouros oriundos de convênios em andamento não sejam suficientes para quitação dos débitos referidos no item II, letra “a”, inciso “i’ e ‘ii”;
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Ora, viu-se desde logo que o Estado do Tocantins pretendia
continuar a fazer repasses ilegais de recursos públicos oriundos do Fundo
Nacional de Saúde, mesmo após ter sido recomendado pelo MPF e após ter
divulgado através de publicação oficial a rescisão da parceria.
Ainda na cláusula segunda – que trata das obrigações dos
parceiros – o inciso II trazia em suas alíneas o que cabia à OSCIP ainda executar.
É de se destacar as alíneas “a” e “b”:
a) efetuar, com os recursos disponíveis em conta-corrente e ainda com os vindouros, oriundos de convênios em andamento, o pagamento dos débitos com fornecedores de materiais e medicamentos, adquiridos pela OSCIP, para abastecimento dos hospitais públicos, no período de outubro de 2003 a fevereiro de 2004:
i. Notas fiscais que se encontram em poder da OSCIP Brasil, e cujo montante está estimado em R$ 4.191.358,62 (Quatro milhões cento e noventa e um mil, trezentos e cinqüenta e oito reais e sessenta e dois centavos), conforme demonstrativo apresentado no Anexo I;
ii. Notas fiscais que se encontram em poder da SESAU, que serão neste ato entregues a OSCIP, cujo montante está estimado em R$ 5.754.081,00 (cinco milhões setecentos e cinqüenta e quatro mil e oitenta e um reais), conforme apresentado no Anexo II.
b) Efetuar até 30 de abril do corrente ano, a compra dos equipamentos para o HGP, limitando os gastos ao valor efetivamente repassado pela SESAU, conforme convênio específico de n.º 043/2003, depositados na conta corrente n.º 33.417-0, Banco do Brasil S/A, agência 1505-9, da OSCIP Brasil, observando os critérios estabelecidos pela Comissão de compras instituída pela
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OSCIP para essa finalidade.
Como visto, os réus pretendiam continuar a repassar recursos
públicos federais para a OSCIP, o que evidencia que a cláusula décima segunda
– figurante em todos os convênios descritos – não seria cumprida pelo Estado. Tal
cláusula permitia que o Estado determinasse o bloqueio dos recursos
transferidos, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis e penais em
caso de inadimplência por parte da OSCIP.
Nas alíneas transcritas acima, é curioso notar a redação da
alínea “a” item “ii” ao estipular que as notas fiscais em poder do Estado seriam
repassadas para a OSCIP. Ora, para o Estado teria sido mais benéfico, lógico e
coerente com a idéia de rescisão do termo de parceria, que ele próprio fizesse o
pagamento dos débitos constantes em notas, ao invés de repassá-las para a
OSCIP e depois transferir recursos para a liquidação. Segundo a cláusula sexta
de todos os convênios, as notas, faturas e recibos relativos ao objeto avençado
deveriam ser emitidos em nome da OSCIP e devidamente identificados com o
número do convênio.
Ora, uma vez ciente que era ilegal a transferência de recursos
para a OSCIP, pois não se cuida de promoção gratuita da saúde – como alertado
que foi pela recomendação 001/2004 do MPF – no mínimo deveria o Estado do
Tocantins ter se acautelado e não mais repassado recursos a tal ente. Porém, o
contrário é o que exatamente pretendia o ente público: com as notas em mãos,
poderia o Estado aferir a legitimidade das mesmas e realizar suas quitações; mas,
não contente em descumprir a Lei 9790/99 e ludibriar os órgãos de controle e à
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população com a suposta rescisão do termo de parceria, o Estado do Tocantins
pretendia entregar as notas para a OSCIP e repassa-lhe recursos para quitação,
tudo isto estando a OSCIP inadimplente com o próprio Estado, posto não ter
prestado contas de um só centavo dos vários milhões que adentraram em seus
cofres.
Tal atitude afrontou a Lei 9790/99 em seu artigo 10, inciso VI,
que prevê a não liberação de recursos caso a OSCIP ainda não tenha
apresentado a devida prestação de contas do recursos recebidos no exercício
passado. E tem mais: o parágrafo único da Cláusula décima primeira estabelecia
que, no caso de rescisão, a OSCIP seria obrigada a restituir ao Estado, no prazo
máximo de 10 (dez) dias, o saldo dos recursos transferidos e não utilizados.
Porém, como visto, é o contrário o que iria acontecer: o Estado pretendia repassar
mais e mais recursos à OSCIP.
É de se ressaltar que os R$ 9.945.439,62 em notas fiscais
seriam pagos com recursos federais do sistema SUS/Fundo Nacional de Saúde
disponibilizados pelos convênios e por repasses diretos.
Entretanto, em razão da Ação Civil Pública impetrada pelo
MPF, os repasses de recursos à OSCIP previstos no Termo de Rescisão foram
abortados em razão de liminar, depois confirmada em sentença, concedida pela
1ª Vara Federal desta Subseção Judiciária.
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2 – Da prática de atos de improbidade administrativa
Como exaustivamente dito, os réus procederam à
terceirização ilegal da saúde do Estado do Tocantins, mediante a prática de atos
administrativos nulos, o que, a par do reconhecimento da nulidade, já declarada
pela sentença proferida nos autos nº 2004.43.00.000821-54, dá ensejo à
responsabilização pela prática de improbidade administrativa.
Ressalte-se que se tem nesta demanda a narrativa de
diversos atos de improbidade administrativa que, a rigor, dariam azo ao
ajuizamento de mais de uma ação. É o que o professor CÂNDIDO DINAMARCO
chama de cúmulo de fundamentos:
“Ao cumular dois ou vários fundamentos destinados a apoiar o mesmo petitum, o objetivo do demandante é um só – obter o bem da vida identificado neste – mas a dualidade ou pluralidade de fundamentos alarga as possibilidades de julgamento. Em casos assim, o juiz pode conceder o provimento pedido, mediante o acolhimento de todos os fundamentos postos pelo autor, ou de um só deles, ou de alguns, sempre sem transgredir a regra de limitação aos elementos da demanda proposta (art. 128).Pode ocorrer cumulação de fundamentos mediante a narrativa de dois ou mais contextos de fatos integrantes da mesma categoria jurídica, ou mediante a invocação de duas ou mais categorias jurídicas, naturalmente com a narrativa de fatos compatíveis com cada uma delas. Sempre que cada um desses fundamentos de direito ou de fato seja autonomamente suficiente para conduzir à conclusão do demandante, ter-se-á um cúmulo de fundamentos. A primeira hipótese ocorre quando o autor pede do contrato por coação e alinha fatos acontecidos separadamente, cada um deles capaz de caracterizar esse vício de consentimento; ou quando um cônjuge pede a separação judicial por adultério do outro e narra dois ou mais episódios de infidelidade, acontecidos em dias diferentes, lugares diferentes, com parceiros diferentes etc. Tem-se a segunda hipótese na demanda de anulação do contrato por erro e por coação,
4 Cópia a fls. 416 e ss.
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mediante a narrativa de fatos que caracterizem concretamente cada um desses vícios de consentimento; ou quando, a amparar o pedido de declaração de inexistência concreta de dada exigência tributária, alega o autor que o recurso exigido é inconstitucional porque carece de fato gerador legítimo e também porque a sua exigência no caso está a infringir o princípio constitucional da anualidade etc. Em qualquer desses casos, o acolhimento de um só dos fundamentos basta para que o juiz pronuncie a procedência integral da demanda, não-obstante rejeitados os demais Tal é o concurso objetivo direitos (Liebman).” 5
Assim, assentado que a presente demanda se funda em mais
de uma causa de pedir, é mister enumerá-las:
2.1 – Da prática de ato de improbidade administrativa que causou lesão ao erário (primeira causa de pedir)
Como se viu, o Governo do Estado do Tocantins, visando
terceirizar os serviços de saúde pública, firmou termo de parceria com a OSCIP BRASIL. Contudo, a análise de tal termo faz crer que, na verdade, tratava-se de
contrato administrativo, o qual deveria ter sido formalizado após regular
procedimento licitatório.
A análise dos termos do ajuste deixa claro que, de um lado,
encontrava-se o Estado do Tocantins e, de outro, a OSCIP, já que ao Estado
interessava a prestação do serviço, enquanto à OSCIP interessava a
contraprestação que recebia mensalmente.
Ressalte-se o caráter oneroso do Termo de Parceira. A
cláusula quarta do Termo de Parceira dispõe que:
5 DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil II, , Ed Malheiros, fls. 173/174.
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“CLÁUSULA QUARTA – DOS RECURSOS FINANCEIROS
Para o cumprimento das metas estabelecidas neste TERMO DE PARCERIA:
Para o Programa referente à Gestão Hospitalar, O PARCEIRO PÚBLICO estimou o valor mensal de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), a ser repassado antecipadamente à OSCIP, até o quinto dia útil de cada mês.
Subcláusula Primeira – O PARCEIRO PÚBLICO, no processo de acompanhamento e supervisão do TERMO DE PARCERIA, poderá recomendar a alteração de valores, que implicará na revisão das metas pactuadas ou recomendar revisão das metas, o que implicará na alteração do valor global pactuado, tendo como base o custo relativo, desde que devidamente justificado e aceito pelos PARCEIROS, de comum acordo, devendo, nestes casos, serem celebrados Termos Aditivos.
Subcláusula Segunda – Os recursos repassados pelo PARCEIRO PÙBLICO a OSCIP, enquanto não utilizados, deverão ser aplicados no mercado financeiro, devendo o resultado dessa aplicação ser revertido exclusivamente à execução do objeto deste TERMO DE PARCEIRA.
Subcláusula Terceira – Havendo atrasos nos desembolsos previsto no cronograma estabelecido no caput desta cláusula, a OSCIP poderá realizar adiantamentos com recursos próprios à conta bancária indicada pelo PARCEIRO PÚBLICO, tendo reconhecidas as despesas efetivadas, desde que estejam previstas no Programa de Trabalho específico e em montante igual ou inferior aos valores não desembolsados.
Subcláusula quarta – Na hipótese de formalização de Termo Aditivo, as despesas previstas e realizadas no período compreendido entre a data original de encerramento deste TERMO DE PARCERIA e a formalização da nova data de início serão consideradas legítimas, desde que cobertas pelo respectivo empenho.
Subcláusula Quinta – As despesas ocorrerão à conta do orçamento vigente, cabendo ao PARCEIRO PÚBLICO identificar,
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no extrato do TERMO DE PARCERIA a ser publicado, sua classificação programática e econômica, assim como o número e a data da nota de empenho. As despesas relativos a exercícios futuros correrão à conta dos respectivos orçamentos , devendo os créditos e empenhos ser indicados por meio de:
a) registro por simples apostila, dispensando-se a celebração de Termo Aditivo, quando se tratar apenas da indicação da dotação orçamentária para o novo exercício, mantida a programação anteriormente aprovada; e
b) celebração de Termo Aditivo, quando houver alteração dos valores globais definidos no caput desta Cláusula.” . (grifos nossos)
Por esta leitura, vê-se que a OSCIP BRASIL tinha se
transformado apenas numa prestadora de serviços e não numa parceira do
Estado. Mensalmente, a “empresa” recebeu R$ 300.000.00 somente para gerir os
14 hospitais públicos do Estados – este valor não inclui as despesas de
manutenção. Todo este valor se destinava a suportar os gastos administrativos da
própria OSCIP. Deste dinheiro, nenhum centavo era destinado à manutenção dos
Hospitais. Para este fim foram firmados alguns convênios.
Nesse sentido, deve-se ressaltar a gritante ilicitude dos
repasses promovidos pelo Governo do Estado do Tocantins à OSCIP BRASIL a
título de contraprestação. Ao ensejo, veja o substancial estudo do E.
Subprocurador-Geral da República Wagner Gonçalves acerca do tema em
análise:
4.3 - Do contrato ou convênio para a terceirização dos serviços de saúde. Concessão de serviços públicos e licitação. Concessão de uso. Implicações. O art. 24 da Lei nº 8080/90, ao admitir que o Sistema Único de Saúde possa recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada, ou seja, daqueles ofertados pela capacidade instalada desta, prevê, no seu
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parágrafo único, que a utilização de tais serviços privados "será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público."
Sendo tais contratos ou convênios de direito público, editou o Ministério da Saúde, em 26 de outubro de 1993 (DOU de 03.11.93) a Portaria MS nº 1.286, que "dispõe sobre a explicitação de cláusulas necessárias nos contratos de prestação de serviços entre o Estado, o Distrito Federal e o Município e pessoas naturais e pessoas jurídicas de direito privado de fins lucrativos ou filantrópicas participantes, complementarmente, do Sistema Único de Saúde.
Nos consideranda de tal Portaria reconhece-se a necessidade de se recorrer à iniciativa privada, "quando suas disponibilidades (do Estado) forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial necessária", e o Anexo I, da mencionada Portaria, é a minuta do contrato de prestação de serviços, cujo cabeçalho assevera que referido "contrato guarda consonância com os artigos 196 e seguintes da Constituição, as Leis nºs. 8080/90 e 8.142/90 e as normas gerais da lei federal de licitações e contratos administrativos e demais disposições legais e regulamentares." 8
Por tal contrato, é vedada a cobrança por serviços médicos, hospitalares e outros; o pessoal (médico e de nível médio) é de responsabilidade exclusiva da contratada; menciona-se que os serviços serão "executados pelo HOSPITAL .....situado na rua.....do Estado"; prevê-se que o contratado "é responsável pela indenização de dano causado ao paciente, aos órgãos do SUS e a terceiros a eles vinculados, decorrentes de ação ou omissão voluntária, ou de negligência, imperícia ou imprudência praticadas por seus empregados, profissionais ou prepostos, ficando assegurado ao contratado o direito de regresso."
Dentro desses mesmos parâmetros, fixou o Ministério da Saúde, via Portaria nº 944, de 12.5.94, publicada no DOU de 13.5.94, as regras para a participação das entidades filantrópicas nos serviços do SUS. Pelo art. 2º do referido diploma, nota-se (mais uma vez) a forma complementar de participação dessas entidades, bem como o interesse do Poder Público em utilizar a capacidade instalada das mesmas para prestação de serviços de saúde pública. Eis o que diz o art. 2º:
"Art. 2º - Depois de esgotada a capacidade de prestação de ações e serviços de saúde, pelos órgãos e entidades da Administração Pública direta, indireta e fundacional, a direção do Sistema Único de Saúde em cada esfera de governo dará preferência, para participação complementar no sistema, às entidades filantrópicas e às entidades sem fins lucrativos, com
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as quais celebrará convênio."Vê-se, portanto, que antes de se falar em organização social ou terceirização, o Ministério da Saúde, via referidos documentos de direito público, já havia previsto, em consonância com a Constituição e a Lei nº 8080/90, os instrumentos adequados, minuta de contrato e convênio – de natureza pública - pelos quais a iniciativa privada, com ou sem fins lucrativos, poderia participar, com suas unidades hospitalares, no Sistema Único de Saúde.
Na realidade, as terceirizações citadas neste trabalho, que estão sendo implementadas em vários Estados, sob a denominação de convênio, não passam, na realidade, de contratos de prestação de serviços (com concessão de uso, transferência de pessoal, etc), sem que sejam respeitadas as normas de direito público, seja na formação dos mesmos (a contratação é feita diretamente, sem licitação, com ofensa ao art. 175 da CF), seja na sua execução (não exigência de licitação para compra de material, não exigência de concurso público para contratação de pessoal, etc.) Frise-se, aliás, que convênios não se confundem com contratos, porque os primeiros são "acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes." 9
Algumas características dos "convênios" firmados pelos Estados, objetivando a transferência dos serviços de saúde pública, são mais do que suficientes para demonstrar que são verdadeiros contratos, nada significando denominá-los como convênios.
Eis, no ponto, o que distingue ambos, na lição de doutrinadores:
"Convênio é acordo, mas não contrato. No contrato as partes têm interesses diversos e opostos; no convênio os partícipes têm interesses comuns e coincidentes. Por outras palavras: no contrato há sempre duas partes (podendo ter mais de dois signatários), uma que pretende o objeto do ajuste (a obra, o serviço, etc.), a outra que pretende a contraprestação correspondente (o preço, ou qualquer outra vantagem), diversamente do que ocorre no convênio, em que não há partes, mas unicamente partícipes com as mesmas pretensões. Por essa razão, no convênio a posição jurídica dos signatários é uma só, idêntica para todos, podendo haver apenas diversificação na cooperação de cada um, segundo suas possibilidades, para a consecução do objetivo comum, desejado por todos." 9
"Grosso modo, pode-se dizer que a distinção mais precisa entre o
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contrato e o convênio é quanto à reciprocidade de obrigações (bilateralidade). Enquanto no contrato uma das partes se obriga a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, mediante pagamento previamente acertado (caso mais comum dos contratos de compra e venda, para não nos alongarmos na extensa doutrina dos contratos), no Convênio os interesses são comuns e a contra-prestação em dinheiro não precisa existir. O que se faz é ajuste de mútua colaboração para atingimento de objetivo comum." 10 (grifamos)
Vê-se, de conseguinte, que uma análise perfunctória dos contratos de terceirização, com as características antes mencionadas, evidencia, à larga, que eles são verdadeiros contratos e não convênios. No caso, por exemplo, do Estado de Tocantins, o contrato prevê inclusive, além do pagamento pelo gerenciamento de hospitais, outra importância mensal como contra-prestação pela assessoria gerencial a ser prestada a determinadas unidades hospitalares. Assim, a maioria das organizações sociais, principalmente cooperativas e associações de médicos, que não dispõem de qualquer patrimônio ou estrutura hospitalar, ao efetuarem contratos (e não convênios) com a Administração Pública, estão atrás de vantagens pessoais para seus associados, que, no mínimo, de servidores públicos, passam a gestores da coisa pública (sem licitação ou concurso), obtendo salários melhores e inúmeras outras vantagens, inclusive a possibilidade de se utilizarem da estrutura pública dos serviços de saúde para atendimento de clientes particulares, como é público e notório6.
Desse modo, resta evidente que, na verdade, o termo de
parceria firmado com a OSCIP BRASIL tem a essência de CONTRATO
ADMINISTRATIVO, sobretudo porque, conforme amplamente mencionado, previa
o pagamento mensal à OSCIP de R$ 300.000,00.
Por sua vez, o próprio TCU, no ponto, decidiu que:
“a previsão de um repasse mensal de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) à OSCIP, constante da Cláusula IV do Termo de Parceria, a título de pagamento pela gestão da rede hospitalar estadual. Tal
6 Parecer emitido quando do exercício do cargo de Procurador Federal dos Diretos do Cidadão, acostado ao processo nº 08100.002351/98-15, com trâmite perante a Procuradoria Geral da República.
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pagamento, conforme observou a equipe, configura desfalque de dinheiro público, tendo em vista que o contrato destinava-se a formar vínculo de cooperação entre as partes, de acordo com o art. 9º da Lei nº 9.790/99. Os pagamentos à OSCIP, nesse título, atingiriam o montante de R$ 1.980.000,00 (um milhão e novecentos e oitenta mil reais, referentes aos sete meses de vigência da parceria” 7
(grifo nosso).
Desse modo, resta evidente a prática de ato de improbidade
administrativa causadora de dano ao erário em razão da falta de licitação para a
celebração do ajuste.
Nesse sentido, têm-se a literalidade do artigo 10, III, da Lei de
Improbidade Administrativa:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(...)
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
No entanto, mesmo que se considere que o Termo de
Parceira não se tratava de contrato administrativo, percebe-se que, ainda assim, a
contratação da OSCIP BRASIL reveste-se da pecha de ato ímprobo, na forma do
inciso III do art. 10 da Lei de Improbidade8, já que decorreu da prática de atos
ilegais e imorais, conforme narrativa que se segue.
7 Trecho do voto do Ministro Valmir Campelo, no bojo do TC-003.094/2007-8 – fl. 557, item 10.8 III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos
ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
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2.2 – Da prática de improbidade administrativa decorrente da dolosa ofensa à legalidade e à moralidade administrativa (segunda causa petendi)
Pela análise dos autos, percebe-se claramente que os
demandados ignoraram completamente o dever constitucional, sancionado na
forma da Lei de Improbidade Administrativa (art. 11), de obedecer os parâmetros
legais e morais no ato de gerir a coisa pública, inobservando diversos
mandamentos constitucionais/legais.
Com relação à ofensa a tais princípios, tem-se, no caso, de
desdobrar a conduta dos réus em dois momentos distintos: 1º – ofensa à
legalidade e à moralidade no ato de transferir à iniciativa privada a gestão dos
hospitais públicos, terceirizando inconstitucional e ilegalmente a saúde pública; 2º
– ofensa à legalidade e à moralidade decorrente da contratação da OSCIP BRASIL sem se respeitar os comandos da lei de regência das oscips e dos
Termos de Parceria (Lei nº 9.790/99).
2.2.1 – Da inconstitucional terceirização da saúde como ato configurador da improbidade administrativa
Os demandados MARCELO MIRANDA, HENRIQUE BARSANULFO FURTADO e PETRÔNIO BEZERRA, gestores da Saúde Pública
no Estado, visando subtrair do direito público a gestão da saúde, deixando, por
exemplo, de realizar licitação para a aquisição de materiais e serviços, bem como
a realização de concursos públicos para a contratação de pessoal, transferiram
toda a gestão dos hospitais do Tocantins para uma organização da sociedade civil
de interesse público – OSCIP BRASIL – ignorando, assim, toda a sistemática
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constitucional e legal configuradora do Sistema Único de Saúde.
Tal constatação é demonstrada, às escâncaras, quando se
tem em mente que a gestão da saúde deve ser feita pelo Poder Público
(Administração Direta), admitindo-se a participação do setor privado apenas de
forma complementar. Não é outro o entendimento do Subprocurador-Geral da
República Wagner Gonçalves9, ao qual se socorre novamente:
4) Da inconstitucionalidade e ilegalidade da terceirização. Para se abordar, especificamente, a inconstitucionalidade e a ilegalidade da terceirização, com vistas a responder as questões levantadas no início deste trabalho, faz-se necessário visualizar, na inteireza, o Sistema Único de Saúde - SUS, como previsto na Constituição de 1988 e na Lei nº 8080, de 19 de setembro de 1990, e as implicações decorrentes em função da terceirização.
4.1 - Do Sistema Único de Saúde - SUS. O direito à vida, como direito humano básico, é o fundamento primeiro de qualquer Constituição que se queira democrática, pluralista, onde prevaleça (ou deva prevalecer) a igualdade e a justiça, como valores supremos da sociedade.
Quando a Constituição de 1988 elege fundamentos como dignidade da pessoa humana e cidadania (incs. II e III, art. 1º); sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza (incs. I e III, art. 3º), prevalência dos direitos humanos (inc. II, art. 4º) e, finalmente, direito à vida (art. 5º) está ela falando, primordialmente, de SAÚDE, porque sem esta tais valores seriam, como são, inexistentes.
Saúde é básica, porque é, no fundo, tudo, condição primeira para a existência de qualquer outro direito. Daí o fato de a Constituição Brasileira estabelecer que SAÚDE É DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO – Art. 196. No dizer do art. 2º, da Lei nº 8080/90:
"Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício."
Previu a Constituição um Sistema Público de Atendimento à Saúde da População, intitulado Sistema Único de Saúde, que é de
9 Parecer emitido quando do exercício do cargo de Procurador Federal dos Diretos do Cidadão, acostado ao processo nº 08100.002351/98-15, com trâmite perante a Procuradoria Geral da República
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responsabilidade do Estado, facultando a prestação de serviços de saúde também à iniciativa privada.
Os serviços públicos de saúde, como dever do Estado, são (ou devem ser) garantidos "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação." - art. 196.
Referido Sistema, como ações e serviços de saúde, "integram uma rede regionalizada e hierarquizada", com descentralização, atendimento integral e participação da comunidade (art. 198, CF), sendo assim definido na Lei nº 8080/90:
"Art. 4º - O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direita e Indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS."
O Sistema é financiado com recursos públicos (União, Estados e Municípios) sendo facultada à iniciativa privada a participação complementar.
A Constituição e a Lei nº 8080/90, ao fixar os parâmetros do Sistema de Saúde Pública, facultou que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada (art. 199 da CF). Ou seja, sem participar do Sistema Único de Saúde, do SUS, pode a iniciativa privada, mesmo assim, prestar serviços de assistência à saúde. Tais serviços, como é lógico, são também de relevância pública, como definido no art. 197 da Constituição.
Entretanto, quando a entidade privada, com ou sem fins lucrativos, participa do Sistema Único de Saúde, mediante contrato ou convênio, ela o faz de forma COMPLEMENTAR.
Agora pergunta-se: o que quer dizer essa forma complementar e qual o alcance do disposto no art. 197 da CF, que estabelece que a EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE PODE SER FEITA DIRETAMENTE "OU ATRAVÉS DE TERCEIROS e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado" ?
Para alguns, como o Estado do Rio de Janeiro, o art. 197 serviu para editar lei justificadora da transferência de hospitais à iniciativa privada, pretendendo retirar-se (o próprio Estado), na prática, da prestação direta de serviços de saúde. É o que pretendem os demais Estados, antes citados, entendimento esse que guarda consonância, aliás, com a política do atual Governo. Não se presta serviços de saúde diretamente à população, mas compra-se tais serviços, que passam a ser prestados somente pela iniciativa privada, sob o
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argumento de a mesma não ter, no caso, fins lucrativos.
A interpretação sistemática da Constituição Federal e da Lei nº 8080/90 leva-nos a raciocínio inverso, ou seja:
1º - o Estado deve prestar serviços de saúde diretamente;
2º - quando a capacidade instalada das unidades hospitalares do Estado for insuficiente, tais serviços podem ser prestados por terceiros, ou seja, pela capacidade instalada de entes privados , tendo preferência entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (§ 1º, art. 199 CF);
3º - pode prestar tais serviços por intermédio de entidades com fins lucrativos, desde que estas se subsumam às regras do SUS. Aqui também de forma complementar e para que o Estado possa, no atendimento da Saúde pública, utilizar-se também da capacidade instalada destes entes privados.
Daí porque o art. 24 da Lei nº 8080/90 estabelece que
"quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde – SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada."
Previu o Sistema, de conseguinte, que otimizada e em pleno funcionamento a capacidade instalada pública de prestação de serviços de saúde, mas sendo esta, em determinada área, insuficiente, seriam chamados, para participar, de forma complementar, a iniciativa privada com sua capacidade instalada, ou seja, com seus médicos, instalações, prédios, equipamentos, know how, etc. O que está acontecendo, na prática, com a terceirização dos Serviços de Saúde Pública?
Não há aumento da capacidade instalada, pelo contrário. O Estado transfere suas unidades hospitalares, prédios, móveis, equipamentos, recursos públicos e muitas vezes pessoal para a iniciativa privada, que passa a dispor dos mesmos como se seus fossem, recebendo, em contrapartida, recursos públicos, gerindo-os como se particulares fossem. Não efetua sequer licitação para compra de material ?
Ora, no âmbito do SUS, quis a Constituição e a Lei nº 8080/90, que a iniciativa privada (com ou sem fins lucrativos) ocupasse o papel de simples coadjuvante do Poder Público. Por isso, só excepcionalmente, quando patenteada a insuficiência das disponibilidades estatais, admite-se a participação de entidades
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privadas na prestação de serviços de saúde no âmbito do SUS, e, mesmo assim, somente para, com sua capacidade instalada, complementar a atividade estatal, nunca para substituí-la completamente, como vem ocorrendo por intermédio das chamadas terceirizações.
Eis, no ponto, o que leciona Maria Sylvia Zanella di Pietro, ao analisar o art. 199, § 1º da CF: 5
"No entanto, a própria Constituição faz referência à possibilidade de serem os serviços públicos de saúde prestados por terceiros, que não a Administração Pública. Com efeito, o art. 199, § 1º, estabelece que "as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos."
"A Constituição fala em contrato de direito público e em convênio. Com relação aos contratos, uma vez que forçosamente deve ser afastada a concessão de serviço público, por ser inadequada para esse tipo de atividade, tem-se que entender que a Constituição está permitindo a terceirização, ou seja, os contratos de prestação de serviços dos SUS, mediante remuneração pelos cofres públicos. Trata-se dos contratos de serviços regulamentados pela Lei nº 8.666, de 21.6.93, com alterações introduzidas pela Lei nº 8.883, de 8.6.94. Pelo art. 6º, inc. II, dessa lei, considera-se serviço "toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse da Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais."
"É importante realçar que a Constituição, no dispositivo citado (art. 199, § 1º), permite a participação de instituições privadas "de forma complementar", o que afasta a possibilidade de que o contrato tenha por objeto o próprio serviço de saúde, como um todo, de tal modo que o particular assuma a gestão de determinado serviço. Não pode, por exemplo, o Poder Público transferir a uma instituição privada toda a administração e execução das atividades de saúde prestada por um hospital público ou por um centro de saúde ; o que pode o Poder Público é contratar instituições privadas para prestar atividades-meio, como limpeza, vigilância, contabilidade, ou mesmo determinados serviços técnico-especializados, como os inerentes aos hemocentros, realização de exames médicos, consultas, etc.; nesses casos, estará transferindo apenas a execução material de determinadas atividades ligadas ao serviço de saúde, mas não sua gestão operacional. " (grifou-se)
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"A Lei nº 8080, de 19.9.90, que disciplina o Sistema Único de Saúde, prevê, nos arts. 24 a 26, a participação complementar, só admitindo-a quando as disponibilidades do SUS "forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área", hipótese em que a participação complementar "ser formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público" (entenda-se, especialmente, a Lei n° 8.666, pertinente a licitações e contratos). Isto não significa que o Poder Público vai abrir mão da prestação do serviço que lhe incumbe para transferi-la a terceiros; ou que estes venham a administrar uma entidade pública prestadora do serviço de saúde; significa que a instituição privada, em suas próprias instalações e com seus próprios recursos humanos e materiais, vai complementar as ações e serviços de saúde, mediante contrato ou convênio."4.2 - Da natureza dos serviços de saúde. Os serviços e ações de saúde, inclusive aqueles prestados pela iniciativa privada fora do âmbito do SUS, são de relevância pública. Entretanto, os serviços públicos de saúde prestados pelo Estado têm natureza específica de serviço público. Não poderia ser de outro modo, já que é dever do Estado prestá-lo - art. 196 da CF.
Trata-se, ademais, de um serviço público, que, em seu substrato material, constitui-se na prestação consistente, aos administrados em geral, de utilidade ou comodidade material que o Estado assume como própria, por ser reputada imprescindível, necessária ou apenas correspondente a conveniências básicas da sociedade em dado tempo histórico. Enquadrando-se no conceito de serviço público, a atividade reger-se-á pelo regime de direito público ("Dizer que em determinada hipótese existe serviço público equivale a dizer que os agentes públicos, para dar satisfação regular e contínua a certa categoria de necessidades e interesse geral, podem aplicar os procedimentos de interesse público, isto é, um regime jurídico especial ...") 6
No dizer de Hely Lopes Meirelles:
"Serviços próprios do Estado são aqueles que se relacionam intimamente com as atribuições do Poder Público (segurança, polícia, higiene e saúde pública etc) e para a execução dos quais a Administração usa da sua supremacia sobre os administrados. Por esta razão, só devem ser prestados por órgãos ou entidades públicas, sem delegação a particulares. Tais serviços, por sua essencialidade, geralmente são gratuitos..." 7 (grifou-se)
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Sendo um serviço público, as ações e a execução da prestação dos serviços de saúde, dentro do âmbito do SUS, estão sujeitas às regras dos arts. 37 e 175 da Constituição Federal, no que se referem à necessidade de prévia licitação, ao recrutamento de pessoal mediante concurso público e ao respeito ao princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. A não ser assim, os tradicionais instrumentos de fiscalização concebidos para evitar o desvio de recursos públicos deixarão de ser aplicados, ficando a União desguarnecida de mecanismos que possibilitem o controle sobre o uso das verbas do SUS. (...)”
Nesse mesmo sentido, anote-se o entendimento do
Desembargador Federal Tourinho Neto, quando afirmou, no bojo da PETIÇÃO
2001.01.00.004229-7/MA - Processo na Origem: 200037000096817, que:
“(...) entendo que os serviços de saúde não podem ser terceirizados. São atividades próprias, típicas e fundamentais, do Estado, como são os de Segurança Pública e de Justiça. As conseqüências com a terceirização são graves. Por exemplo, jamais o Estado deixaria de atender o paciente. Todavia, com a terceirização, em que as empresas prestadoras de serviço almejam, acima de tudo, lucros, vem inevitavelmente a cláusula contratual: “a empresa contratada ficará exonerada da responsabilidade pelo não atendimento do paciente, na hipótese de atraso superior a noventa dias no pagamento devido pela CQV/Gerência de Desenvolvimento Regional...”. Pode o Estado se socorrer da empresa privada para complementar os serviços de execução material. Tenho, assim, que o interesse público maior é preservar as atividades típicas do Estado. Interesse de toda sociedade. A meu sentir, não é válida a argumentação de que na “falta de servidores públicos que manifestem interesse em permanecer nos hospitais do interior do Estado, especialmente médicos e enfermeiros ...”. E como a empresa privada isso vai conseguir? O Estado do Maranhão quer evitar a aplicação da Lei Complementar n. 101, de 04 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), uma vez que sua despesa total com pessoal já está comprometida em 59,7% (o máximo seria 60% - art. 19). Mas será isso certo? Enxugamento por via indireta ou reflexa. Pergunta então o Estado do Maranhão: deverá ser a população penalizada? Não, evidentemente. Os cortes deverão ser feitos em outras áreas.”
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Desse modo, tem-se que os demandados, ao decidir transferir
toda a gestão dos hospitais públicos do Tocantins a uma oscip, incorreram em ato
ímprobo, já que infringiram a legalidade constitucional e administrativa, com o fim
único de afastar a gestão da saúde das regras moralizadoras do direito público.
2.2.2 – Da ofensa ímproba à legalidade e à moralidade no ato de contratação da OSCIP BRASIL sem se respeitar os ditames da Lei Federal nº 9790/99
Os demandados, além de contratarem, sem licitação,
entidade autodenominada sem fins lucrativos, pagando a ela milhões de reais de
forma absolutamente ilícita, promovendo a ilegal terceirização da saúde, não
tiveram o cuidado de, nem mesmo, respeitar a Lei que rege as OSCIPs, bem
como o decreto que a regulamenta, o que faz concluir que, mesmo que se de
termo de parceria se tratasse, e não contrato, ou mesmo que fosse possível
terceirizar a saúde pública, ainda sim ter-se-ia no presente caso ofensa à Lei de
Improbidade Administrativa.
De fato, como se sabe, as oscips estão regulamentadas na
Lei Federal nº 9790/99, a qual dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de
direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, além de instituir o Termo de Parceria e dá outras providências.
Estas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público –
OSCIP – são uma forma de ONG que buscam auxiliar o Estado em tarefas que
não lhe sejam exclusivas, pautando as suas atividades em um prévio Termo de
Parceira firmado entre estas pessoas jurídicas e o Estado. As OSCIP’s fazem
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parte do denominado terceiro setor.
A lei disciplinadora das oscips traz inúmeras vedações à
qualificação de pessoas jurídicas como OSCIP e também delimita a área de
atuação das mesmas.
O art. 3.º da Lei 9790/99 estipula que somente pode
qualificar-se por OSCIP aquelas pessoas jurídicas que tenham por objetivo
sociais, pelo menos um das finalidades ali elencadas. Leia-se:
“Art. 3o A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:I - promoção da assistência social;II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;V - promoção da segurança alimentar e nutricional;VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;VII - promoção do voluntariado;VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;
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XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo.Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins.”
Examinando o Estatuto da OSCIP BRASIL, bem como sua
primeira alteração, no art. 2.º, vê-se que a entidade, entre as demais finalidades,
busca à promoção gratuita da saúde10.
Uma primeira ilegalidade que surge deste contexto se refere à
onerosidade do Termo de Parceria. Assim, como OSCIP, a referida entidade, ao
firmar acordo com o Estado do Tocantins na área da saúde, só o poderia fazê-lo
para a sua promoção gratuita e de forma complementar.
O art. 3.º, inciso IV é preciso e claro: promoção gratuita da
saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações
de que trata esta Lei.
Advirta-se que a Lei 9790/99 não impede que recursos
públicos sejam canalizados para as OSCIPs, desde que os termos de parceira
não sejam voltados para a área de educação e saúde, pois, nestes casos, a
10 Vide cópias do Estatuto e sua alteração às fls. 33 e ss
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promoção da saúde e da educação têm que ser gratuitas por imperativo legal.(art.
3.º, incisos III e IV da Lei 9790/99).
O conceito de promoção gratuita da saúde não advém de
fonte doutrinária ou jurisprudencial, mas da própria legislação de regência, posto
ter o decreto 3.100/99 - que regulamenta a Lei 9790/99 – estipulado em seu art.
6.º e incisos o que se entende por prestação gratuita da saúde e da educação:
Art. 6o Para fins do art. 3 o da Lei n o 9.790, de 1999 , entende-se:I - como Assistência Social, o desenvolvimento das atividades previstas no art. 3o da Lei Orgânica da Assistência Social;II - por promoção gratuita da saúde e educação, a prestação destes serviços realizada pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público mediante financiamento com seus próprios recursos.§ 1o Não são considerados recursos próprios aqueles gerados pela cobrança de serviços de qualquer pessoa física ou jurídica, ou obtidos em virtude de repasse ou arrecadação compulsória.§ 2o O condicionamento da prestação de serviço ao recebimento de doação, contrapartida ou equivalente não pode ser considerado como promoção gratuita do serviço.
É, pois, de uma clareza estupefante a ilegalidade havida na
pactuação do Termo de Parceira entre o Estado do Tocantins e a OSCIP BRASIL. Simplesmente transformaram o que a lei exige que seja gratuito em um contrato
oneroso de prestação de serviços.
Não se pode sequer alegar errônea interpretação legal, já que
o Estado e a OSCIP poderiam entender por prestação gratuita da saúde o fato da
OSCIP não cobrar pelo atendimento aos usuários do SUS. Porém, a legislação
não deixa dúvidas.
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Outro aspecto ilegal ainda não tratado, mas não menos
importante, diz respeito à ofensa ao princípio da impessoalidade quando da
contratação da OSCIP BRASIL. De fato, quando da escolha da organização que
iria executar a terceirização engendrada pelos demandados MARCELO MIRANDA, HENRIQUE BARSANULFO FURTADO e PETRÔNIO BEZERRA, deveria ter sido realizado um processo transparente para a escolha da entidade, o
que não ocorreu, já que a OSCIP BRASIL foi a contemplada sem qualquer
justificativa plausível para tanto.
Marçal Justen Filho, em magistério relacionado à celebração
de contrato de gestão com organizações sociais, expõe que:
“(...) não é admissível afirmar que a Administração seria livre para realizar o contrato de gestão, sem maiores parâmetros jurídicos. O contrato de gestão não é uma espécie de porta aberta para escapar das limitações do direito público. Portanto e até em virtude da regra explícita do art. 37, inc. XXI, da CF/88, o Estado é obrigado a submeter seus contratos de gestão ao princípios da prévia licitação. Ressalte-se que incidem, no caso, os dois princípios fundamentais da licitação. Em primeiro lugar, há o postulado da indisponibilidade dos interesses sob a tutela estatal. Como decorrência, a Administração não pode ceder bens, pessoal e recursos a terceiros por mera liberalidade. (...) Em segundo lugar, há o princípio da isonomia. Todas as organizações socais tem o direito de ser tratadas igualmente. Não se admitem distinções fundadas em escolhas meramente subjetivas. Isso impede que algumas organizações socais mereçam tratamento privilegiado, sem que tal seja resultado de diferenças efetivas e compatíveis com os valores constitucionais. (...) Se houver pluralidade de sujeitos em situação de competição pela realização do contrato de gestão, o princípio da isonomia exige a observância de um procedimento seletivo, em que o julgamento deverá fazer-se segundo os princípios constitucionais da objetividade, moralidade e economicidade. (...)
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Deve-se partir do ponto de que, havendo possibilidade de competição, será exigível a licitação. A inexigibilidade poderá derivar da ausência de pluralidade de potenciais interessados em participar da contratação. Mas, para tanto, será imperioso que o Estado divulgue sua intenção de promover contratos de gestão om determinado objeto. Não é possível que as contratações de gestão façam-se às ocultas, sem cumprimento do requisito da publicidade. Para tanto, o Estado terá o dever de estabelecer as condições básicas previstas para o contrato de gestão. Em última análise, a existência de um único interessado somente poderá ser apurada mediante a realização de procedimento de natureza seletiva, ao qual tenham acesso todos os possíveis interessados”11 (fl. 267/268) grifos nossos.
Quanto à aplicação de tais preceitos às organizações da
sociedade civil de interesse público, afirma textualmente o autor que: “À
organização da sociedade civil de interesse público se aplicam todas as
considerações realizadas acima a propósito da contratação com organizações
sociais, naquilo em que forem compatíveis com a sua natureza. Nem seria a
utilização da denominação termo de parceria que desnaturaria o vínculo jurídico
pactuado com a Administração. (...) Portanto e nas condições antes expostas,
deve adotar-se licitação para seleção de uma entidade a ser beneficiada por
recursos e verbas públicas.”12
Neste ponto, aliás, verifica-se, talvez, o maior absurdo
relacionado à contratação da OSCIP BRASIL. Explica-se:
Quando o gestor público visa transferir a execução de uma
determinada política pública para uma ONG, o que se presume é que ele vá
11 FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Dialética, 11ª ed. Pag. 267/268.
12 Ib idem. Pag. 268/269.
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escolher uma entidade que tenha condições de bem desenvolver a missão. Nada
mais óbvio. Contudo, não foi o que ocorreu no caso da OSCIP BRASIL.
Como já dito, após instados pela Procuradoria do Estado a se
manifestarem acerca da capacidade da OSCIP BRASIL – que, àquela altura, já
havia sido escolhida sem qualquer critério claro –, os demandados PETRÔNIO BEZERRA e HENRIQUE FURTADO se dignaram a encaminhar um ofício de
apenas uma página, desacompanhado de qualquer documentação, cingindo-se a
dizer que se constatou(?), por meio de contatos(?) com a diretoria da OSCIP, que
ela possuía estrutura, experiência, etc, para bem desempenhar a enorme missão
de gerir todos os hospitais estaduais do Tocantins.
Ora, poder-se-ia indagar se tal documentação já não estaria
acostada aos autos e, portanto, a manifestação da procuradoria não seria apenas
excesso de zelo. Ocorre que, ao se analisar a documentação acostada, o único, repita-se, o único, certificado de serviços prestados pela OSCIP, desde sua
constituição, refere-se a um contrato com o Banco do Estado do Espírito Santo –
BANESTES S.A., cujo objeto era realizar “ações na área de tecnologia de
processos bancários, com vista a solucionar problemas operacionais e agregar
patrimônio intelectual e de mercado ao BANESTES (...)” [fl. 232]
Ou seja, ao contrário do afirmado, a OSCIP não detinha
qualquer experiência na área da saúde, não havendo qualquer elemento que
pudesse recomendar sua contratação.
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Aliás, ao se debruçar sobre os objetivos sociais da OSCIP BRASIL, constantes em seu estatuto (cf. fls. 50, 75), verificar-se-á um objeto
amplíssimo, abrangendo, talvez não por coincidência, todo o rol de possíveis
atuações das oscips abrangidos na legislação que as regula.
Ora, parece claro que a simples análise do estatuto social da
OSCIP BRASIL demandaria cautela dos agentes públicos que visassem contratá-
la, já que não é razoável supor que qualquer entidade seja capaz de bem
desempenhar todos os objetivos constantes no estatuto social da OSCIP. Seria
prudente, diante de um estatuto “guarda chuva”, averiguar quais serviços a
OSCIP, de fato, teria prestado, a quais órgãos, e se eles foram prestados a
contento. Ademais, seria mais condizente com os princípios constitucionais da
moralidade, impessoalidade e, sobretudo, da eficiência, analisar os quadros da
OSCIP, a fim de verificar se, realmente, havia neles pessoas com competência
para gerir todos os hospitais do Tocantins.
Ocorre que, como se viu, não foram essas as atitudes
tomadas pelos gestores da saúde pública do Estado, preferindo eles contratar a
OSCIP BRASIL de forma absolutamente temerária, dando, na verdade, um “tiro
no escuro”, já que não havia qualquer garantia de que a OSCIP iria gerir todos os
hospitais do Tocantins com o profissionalismo que se exige diante do trato de tão
fundamental direito social.
Ademais, a análise da movimentação bancária da OSCIP, visualizada por meio do banco de dados Dossiê Integrado da Receita Federal (fl.
564 e ss), bem demonstra que ela, antes do termo de parceria com o Estado do
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Tocantins, tinha movimentação financeira pífia, tendo tido movimentação elevada
apenas nos meses em que esteve vigente o ilegal termo de parceria, o que bem
demonstra que ela sequer havia prestado outros serviços de relevo a quem quer
que seja.
A gestão temerária dos recursos públicos é tão evidente que,
mesmo depois de quatro anos do fim do termo de parceria, o OSCIP BRASIL não
prestou contas dos recursos recebidos, o que impede aos órgãos de controle
aferirem se os recursos repassados foram desviados ou aplicados nos hospitais.
Tal gestão catastrófica foi reconhecida, inclusive, pelo
Procurador Geral do Estado à época, o demandado JOSÉ RENARD, que, em
despacho acostado aos autos do Processo nº 2004/3055/003465 da Secretaria de
Saúde, o qual viabilizou a contratação de empresa para a prestação de serviços
ao Hospital de Referência de Gurupi, salientou, para justificar a contratação
emergencial e direta, que:
“É fato público e notório a situação de quase colapso em que entrou a rede pública hospitalar do Estado em face dos problemas advindos com a OSCIP-Brasil, tendo sido, inclusive, bloqueado os recursos pela Justiça Federal.
É sabido também, que os fornecedores viram-se na contingência de suspender os fornecimentos de medicamentos aos Hospitais, bem como a prestação de serviços em face do não pagamento.
Assim, outra alternativa não restou à Secretaria da Saúde, senão assumir o gerenciamento de todos os hospitais, mister se faz providenciar o restabelecimento do fornecimento de medicamentos e serviços, muitos indispensáveis à manutenção da vida de vários pacientes.
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(...).”13 [sic]
Assim, resta claro que os demandados praticaram atos de
improbidade administrativa, uma vez que, ante a necessidade constitucional de
promover seletiva para a celebração do termo de parceria que se visava firmar,
atuaram às escondidas, sem dar publicidade ao intento estatal, atuando pelo mais
puro subjetivismo, e, assim, escolhendo a OSCIP BRASIL sem qualquer critério
jurídico plausível.
Além de tudo o que foi dito, o princípio da legalidade ainda foi
arranhado em vários casos. Cita-se os artigos da Lei 9790/99 e do Dec. 3100/99
violados pelos Réus.
a) Art. 10, § 2.º, incisos II da Lei 9790/99 – uma vez não estipulou os
prazos de execução ou cronograma para o atingimento das metas e
resultados propostos;
b) Art. 10, § 2.º, incisos III da Lei 9790/99 – um vez que não previu os
critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados;
c) Art. 10, § 2.º, incisos IV da Lei 9790/99 – uma vez que na previsão
de receitas e despesas não estipulou item por item as categorias
contábeis usadas pela OSCIP e nem detalhou as remunerações e
benefícios de pessoal a serem pagos com os recursos vinculados
ao Termo de Parceira;
d) Art. 10, § 2.º, incisos V da Lei 9790/99 – uma vez que a OSCIP não
13 Cf fl. 631.
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apresentou o relatório de execução do objeto do Termo de Parceria;
e) Art. 10, § 2.º, incisos VI da Lei 9790/99 – uma vez que a OSCIP não
fez publicar o demonstrativo da execução física e financeira do
termo de parceria; já o Estado do Tocantins não providenciou o
bloqueio dos recursos;
f) Art. 11 e seus parágrafos da Lei 9790/99 – uma vez que o Conselho
Estadual de Saúde não vem acompanhando e/ou fiscalizando a
execução do Termo de Parceira; encontra-se totalmente alijado na
suas funções;
Com relação aos artigos do Dec. 3.100/99 infringidos pelo
Estado e pela OSCIP, cite-se:
a) Art. 10 e seus § 4.º - uma vez que o extrato do termo de parceria
fora publicado no triplo do prazo previsto legalmente e ainda assim
sem todos os requisitos exigidos.
b) Art. 12 e seus incisos – uma vez que a OSCIP ainda não prestou
contas, apesar de já solicitada a fazê-lo;
c) Art. 17 e seus parágrafos – uma vez que o Conselho Estadual de
Saúde não teve conhecimento formal da pactuação entre o Estado e
a OSCIP;
d) Art. 18 – uma vez que o prazo máximo concedido pela lei foi
extrapolado;
e) Art. 19 – uma vez que referida auditoria independente deveria ter
sido executada, pois o seu resultado deve acompanhar a prestação
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de contas;
f) Art. 20 – uma vez que o Conselho Estadual de Saúde não indicou
ninguém para integrar a referida comissão de avaliação; como já
posto anteriormente, o Conselho estava à margem do processo de
pactuação do Termo de Parceira;
g) Art. 21 – uma vez que a OSCIP só fez publicar o seu regulamento
de compras num prazo superior ao dobro do previsto na legislação;
h) Art. 22 – uma vez que a OSCIP não fez constar na publicação do
extrato do Termo de Parceria o dirigente responsável pela boa
administração dos recursos púbicos recebidos;
É importante mencionar que o TCU já se manifestou acerca
das ilegalidades promovidas pelos réus e assentou que: “o Termo foi assinado
para a escolha da contratada sem consulta ao Conselho Estadual de Saúde,
conforme prevê o §1º do art. 10 da Lei nº 9.790/99 e §1º do art. 10 do Decreto n°
3.100/99; e também não efetuada a verificação prévia do funcionamento regular
da OSCIP, nos termos do disposto no art. 9º do Decreto n° 3.100/99”.14
Resta claro, deste modo, que foi completamente ignorado o
mandamento constitucional da postura administrativa conforme a legalidade, a
moralidade, a impessoalidade e a eficiência, situação ensejadora da
responsabilização por ato de improbidade administrativa.
2.3 – Da não prestação de contas dos recursos repassados à OSCIP BRASIL
Com a transferência da gestão da saúde do poder público 14 Trecho do voto do Ministro Valmir Campelo, no bojo do TC-003.094/2007-8
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para organização não governamental, houve sério comprometimento da gestão
dos recursos públicos vinculados à saúde.
Tal se dá porque não se sabe até hoje qual o real destino dos
recursos repassados à OSCIP, tendo a Secretaria de Saúde informado, em ofício
datado de 10 de junho de 2008 (fl. 430) que: “não constam relatórios de
prestação de contas da OSCIP BRASIL, no quer ser refere aos autos
citados.” [sic]
Ora, competia à OSCIP, a teor do que constava na Cláusula
Quinta do Termo de Parceria (fl. 265), prestar contas dos recursos prestados, nos
moldes das duas subcláusulas do item, o que não ocorreu na espécie,
exsurgindo, assim, a hipótese de responsabilização capitulada no art. 11, inc. VI
da Lei de Improbidade Administrativa.
Desse modo, certo é que os demandados malversaram as
verbas que lhe foram confiadas, abstendo-se integral e dolosamente de prestar
contas acerca de sua efetiva aplicação.
Deve ser ressaltado que, apesar da obrigação da prestação
de contas recair sobre a OSCIP, tem-se que os gestores da saúde pública
contribuíram efetivamente para este estado de coisas, já que, em nenhum
momento, cobraram da OSCIP a comprovação dos gastos efetuados, tendo, pelo
contrário, repassado milhões de reais a ela mesmo sem a prestação de contas
dos recursos anteriormente transferidos à sua conta bancária.
Assim, deve-se concluir pela gestão anormal daqueles
recursos federais, devendo os acionados responderem pela inobservância de
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preceitos comezinhos da administração de valores públicos transitoriamente
submetidos a seu encargo.
3 – Da individualização das condutas
Apesar de já suficientemente caracterizada a participação de
cada demandado nos atos ímprobos narrados, mister resumir suas principais
atitudes à guisa de conclusão.
Com relação ao governador MARCELO MIRANDA, percebe-
se que ele, como líder do executivo estadual e responsável maior pela gestão da
saúde pública, desconsiderou por completo os preceitos constitucionais e legais
que orientam e balizam a gestão de SUS ao entregar à iniciativa privada, valendo-
se de uma ONG sem a menor credibilidade, a gestão plena de todos os hospitais
de referência do Tocantins, repassando a ela milhões de reais sem exigir qualquer
garantia de que esses recursos estavam sendo efetivamento utilizados na área da
saúde.
Assim, sua responsabilidade decorre de sua decisão de
terceirizar a gestão da saúde, firmando termo de parceria quando o correto seria a
celebração de contrato administrativo, após regular licitação, o que possibilitou a
malversação de milhões de reais.15
MARCELO MIRANDA deve responder também pela contínua
remessa de recursos à ONG, mesmo ela estando omissa quanto ao seu dever de
prestar contas, tendo contribuído para esta omissão por nunca ter tomados 15 Cf. a fl. 147, documento que comprova a autorização do governador, bem como fls. 332, 360, 374, 388,
que comprovam a aquiescência do demandado aos pagamentos ilegais feitos à OSCIP.
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atitudes de forma a cobrar da OSCIP BRASIL a devida comprovação dos gastos
realizados.
Quanto à conduta dos demandados PETRÔNIO BEZERRA e HENRIQUE FURTADO, ressalte-se que ambos exerceram o cargo de Secretário
de Saúde em algum momento em que a OSCIP BRASIL esteve à frente dos
hospitais do Tocantins, devendo se verificar que PETRÔNIO, quando não estava
no cargo de Secretário, ocupava o cargo de Subsecretário da Saúde. Assim, foi
ele que, na condição de Secretário, deflagrou o processo de contratação da
OSCIP BRASIL.
Quando da assinatura do termo de parceria, o secretário e,
por isso, o signatário do acordo pelo Estado do Tocantins, foi HENRIQUE FURTADO, tendo, contudo, PETRÕNIO assinado o Anexo I-A de tal acordo. Após
a contratação da OSCIP BRASIL, PETRÔNIO voltou ao cargo de Secretário,
sendo um dos responsáveis pelos pagamentos irregulares efetuados à oscip. Da
mesma forma que o Governador, devem responder pela terceirização da saúde
pública, pela contratação irregular da oscip, bem como pela falta de prestação de
contas dela, a qual, em nenhum momento, foi instada para tanto.
Quanto aos demandados MÁRCIO JUNHO PIRES CÂMARA, BRUNO BARRETO CESARINO, JOSÉ RENARD PEREIRA DE MELO e THAÍS RAMOS ROCHA, suas responsabilidades decorrem do fato de terem dado
suporte jurídico, via pareceres, a transações manifestamente ilegais, quais sejam,
a celebração de Termo de Parceria firmado entre o Estado do Tocantins e a
OSCIP BRASIL, bem como seu primeiro termo aditivo.
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JOSÉ RENARD, Procurador Geral, em todas as
oportunidades que instado a se manifestar, encampou pareceres ilícitos
realizados por seus subordinados, apondo seu aprovo.
MÁRCIO JUNHO, com sua manifestação que desconsiderou
por completo o ordenamento jurídico, possibilitou a celebração do termo. Já
BRUNO BARRETO deu suporte pseudo-jurídico ao Primeiro Termo Aditivo do
Termo de Parceria no âmbito da SESAU. Por sua vez, THAÍS ROCHA, agindo em
nome da Procuradoria Geral, produziu parecer ímprobo viabilizando o Termo
Aditivo.
Por fim, exsurgem evidentes as condutas ímprobas da OSCIP BRASIL, gerida pelo demandado EDUARDO SARAIVA. De fato, tais pessoas
foram a verdadeiras beneficiárias dos atos praticados, tendo atuado desde o início
das fraudes, conforme se verifica no ofício a fls. 149 e ss., encaminhado ao
Governador, em que se enaltecem as qualidades da oscip. Competem a eles,
também, responderem pela não prestação de contas dos recursos recebidos,
dever básico de todo aquele que gere bem alheio.
4 – Do dano moral coletivo
Deve-se ter presente que as condutas dos demandados, além
de configurarem improbidade administrativa, rendem ensejo à responsabilização
pelo dano moral coletivo causado ao Estado do Tocantins e à população
tocantinense, já que ambos se viram compelidos a ver, na direção de seus
hospitais, organização sem a menor credibilidade e competência, a qual só
assumiu tal mister por puro subjetivismo dos gestores da saúde pública e que
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nem mesmo se dignou a prestar contas dos recursos recebidos.
Além disso, o desastrado ato das autoridades estaduais
geraram inúmeros danos à gestão da saúde pública, de modo que, durante o
período em que a OSCIP BRASIL esteve à frente dos hospitais, houve
desabastecimento em razão da falta de pagamentos aos fornecedores, o que
gerou a prática de inúmeras outras irregularidades. Nesse sentido, veja-se as
conclusões dos técnicos do TCU:
“Dentre as constatações, verificou-se que, no período avaliado, a gestão do órgão auditado [Secretaria de saúde] foi pautada pela tentativa de fugir dos processos licitatórios. Assim, para eximir-se da obrigação de realizar licitações, primeiramente, a Secretaria de Saúde do Tocantins repassou, em agosto de 2003, a gestão da saúde para uma entidade privada, mediante contrato de terceirização.
Até março de 2004, com sete meses à frente da gestão da saúde, incompetência gerencial da entidade terceirizada levou-a à inadimplência para com os seus fornecedores, inviabilizando a manutenção da rede hospitalar estadual. Esse foi o principal motivo que levou à rescisão unilateral do contrato16 de terceirização, sendo a Secretaria de saúde, diante disso, obrigada a assumir a gestão da saúde, como deveria ter feito desde o princípio.
A equipe constatou que, desaparelhada e às voltas com os problemas deixados pela entidade terceirizada, a Secretaria Estadual passou a gerir as despesas necessárias à manutenção de de sua rede hospitalar, mediante usos de expedientes pouco ortodoxos. Foi constatado que houve abuso de suprimento de fundos, de valores elevados, contratação sem licitação, além da contratação verbal e da celebração de convênios com entidades privadas para a realização de objetos típicos de licitação. O resultado do excesso de convênios foi que a Secretaria, em 31/01/2006, tinha mais de R$ 70.000.000,00 (setenta milhões de reais) de recursos de convênios, cujas contas ainda não haviam sido
16 Apesar dessa constatação do TCU, tem-se que, na verdade, além do motivo alegado, a rescisão também se deu por pressão do MPF, o qual expediu recomendação à Secretaria para que ela rescindisse o termo de parceria, conforme dito supra.
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prestadas.” (fl. 545).
Tais fatos são, inclusive, confessados pelo próprio réu JOSÉ RENARD, conforme despacho reproduzido acima (cf. fl. 632).
Sendo assim, consumou-se o que qualquer pessoa com o
mínimo de bom senso e boa-fé poderia prever ao analisar a forma e as
credenciais da OSCIP BRASIL: A GERÊNCIA DOS HOSPITAIS DO TOCANTINS DE FORMA COMPLETAMENTE DESASTROSA E A MALVERSAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS, o que, sem dúvida alguma, gera danos morais coletivos
que devem ser indenizados.
Quanto à possibilidade de pleitear dano moral coletivo em
face de ofensa a bens transindividuais, deve-se ter presente que tal possibilidade
se afigura perfeitamente aceitável diante de nosso ordenamento jurídico.
De fato, a mera alegação de que dano moral não pode ser
transindividual, por caracterizar-se pela noção de dor e sofrimento psíquico, não
se sustenta.
Ora, é sabido que o Direito, enquanto ciência reguladora das
relações humanas, é dinâmico e, por isso, deve acompanhar as mutações sociais.
É assim que, hodiernamente, sob a égide do Estado Democrático de Direito,
vivemos sobre o primado do interesse coletivo em detrimento do individual.
Tanto é desta forma que, atualmente, são diversas as
possibilidade de se tutelar os chamados bens de uso comum do povo, como o
Meio Ambiente, o Patrimônio Artístico, Paisagístico e Cultural, o Direito do
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Consumidor.
Nesse sentido, vale trazer à lume as preleções de Carlos
Alberto Bittar Filho, Procurador do Estado de São Paulo e Doutor em Direito pela
Universidade de São Paulo. Vejamos:
“Sob o prisma coletivo, também se vislumbra claramente a honra - aliás, em ambas as modalidades (objetiva e subjetiva). Ora, assim como cada um goza de reputação e respeito no meio em que vive, também a comunidade - agrupamento de pessoas e, portanto, de núcleos de valores - deve ser respeitada nas suas relações com coletividades outras, ou com indivíduos, ou com pessoas jurídicas (honra objetiva); assim como cada homem tem estima de si próprio, também a coletividade apresenta sua auto-estima.(...)Com supedâneo, assim, em todos os argumentos levantados, chega-se à conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa). (45-46)Ocorrido o dano moral coletivo, que tem um caráter extrapatrimonial por definição, surge automaticamente uma relação jurídica obrigacional que pode ser assim destrinchada: a) sujeito ativo: a coletividade lesada (detentora do direito à reparação); b) sujeito passivo: o causador do dano (pessoa física, ou jurídica, ou então coletividade outra, que tem o dever de reparação); c) objeto: a reparação - que pode ser tanto pecuniária quanto não-pecuniária. Sobre essa relação incide a teoria da responsabilidade civil.SEJA PROTEGENDO AS ESFERAS PSÍQUICAS E MORAL DA PERSONALIDADE, SEJA DEFENDENDO A
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MORALIDADE PÚBLICA, A TEORIA DO DANO MORAL, EM AMBAS AS DIMENSÕES (INDIVIDUAL E COLETIVA), TEM PRESTADO E PRESTARÁ SEMPRE INESTIMÁVEIS SERVIÇOS AO QUE HÁ DE MAIS SAGRADO NO MUNDO: O PRÓPRIO HOMEM, FONTE DE TODOS OS VALORES. ”17 (grifamos).
Nesse mesmo sentido, posicionam-se EMERSON GARCIA e
ROGÉRIO PACHECO ALVES, para quem:
“É plenamente admissível, assim, que o ato de improbidade administrativa venha a macular o conceito que gozam as pessoas jurídicas relacionadas no art. 1.º da Lei n.º 8.429/92, o que acarretará um dano de natureza não-patrimonial passível de indenização." (sem grifos no original) (in Improbidade Administrativa. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. cit. p. 349)
Por seu turno, admitindo a possibilidade de se reconhecer a
presença de dano moral coletivo, o Eminente Ministro do Superior Tribunal de
Justiça LUIZ FUX relatou acórdão conforme ementa abaixo descrita, a qual,
apesar de não ter sido acolhida pela Turma, representa uma tendência que, sem
dúvida, irá se firmar no Tribunal no futuro. Ademais, toda a argumentação
relacionada ao meio ambiente pode perfeitamente ser substituída pela de
patrimônio público, interesse difuso tal como o ambiente:
RECURSO ESPECIAL Nº 598.281 - MG (2003/0178629-9) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. DANO MATERIAL E MORAL. ART. 1º DA LEI 7347/85.1. O art. 1º da Lei 7347/85 dispõe: "Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:I - ao meio ambiente;
17 BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 559, 17 jan. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6183>. Acesso em: 19 abr. 2007.
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II - ao consumidor;III - a bens e direitos de valor artístico. estético. histórico. turístico e paisagístico;IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;V - por infração da ordem econômica."2. O meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável para a humanidade, tendo por isso alcançado a eminência de garantia constitucional.3. O advento do novel ordenamento constitucional - no que concerne à proteção ao dano moral - possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade.4. No que pertine a possibilidade de reparação por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio ambiente amparam-na o art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, do CDC.5. Com efeito, o meio ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto inapropriável uti singuli. Consectariamente, a sua lesão, caracterizada pela diminuição da qualidade de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou lesões à saúde da coletividade, revelando atuar ilícito contra o patrimônio ambiental, constitucionalmente protegido.6. Deveras, os fenômenos, analisados sob o aspecto da repercussão física ao ser humano e aos demais elementos do meio ambiente constituem dano patrimonial ambiental.7. O dano moral ambiental caracterizar-se quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo - v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano.8. Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental.9. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um
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ambiente sadio e equilibrado.10. Sob o enfoque infraconstitucional a Lei n. 8.884/94 introduziu alteração na LACP, segundo a qual passou restou expresso que a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a quaisquer dos valores transindividuais de que cuida a lei.11. Outrossim, a partir da Constituição de 1988, há duas esferas de reparação: a patrimonial e a moral, gerando a possibilidade de o cidadão responder pelo dano patrimonial causado e também, cumulativamente, pelo dano moral, um independente do outro.12. Recurso especial provido para condenar os recorridos ao pagamento de dano moral, decorrente da ilicitude perpetrada contra o meio ambiente, nos termos em que fixado na sentença (fls. 381/382).
Assim, pode-se afirmar hodiernamente que os atos de
improbidade também podem gerar, em conjunto ou não com danos patrimoniais,
danos morais. São fatos que atingem a moralidade administrativa, o direito dos
cidadãos à probidade na Administração Pública. Também nesse sentido, e de
forma elucidativa, o seguinte julgado da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal:
Ementa: “CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. VEREADORES: REMUNERAÇÃO: FIXAÇÃO: LEGISLATURA SUBSEQÜENTE. C.F., art. 5º, LXXIII; art. 29, V. PATRIMÔNIO MATERIAL DO PODER PÚBLICO. MORALIDADE ADMINISTRATIVA: LESÃO. I. - A remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores será fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subseqüente. C.F., art. 29, V. Fixando os Vereadores a sua própria remuneração, vale dizer, fixando essa remuneração para viger na própria legislatura, pratica ato inconstitucional lesivo não só ao patrimônio material do Poder Público, como à moralidade administrativa, que constitui patrimônio moral da sociedade. C.F., art. 5º, LXXIII. II. - Ação popular julgada procedente. III. - R.E. não conhecido.” (sem grifos no original) (RE 206889/MG, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, 2.ª T. – STF, j. 25.3.1999, unânime, pub. DJ 13.6.1997, p. 26718)
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Assim, é de se reconhecer que a atitude dos réus,
exaustivamente narrada nesta inicial, maculou a imagem do Estado do Tocantins
perante a sociedade, além de ter causado, utilizando-se de expressão contida no
voto citado do Ministro FUX, sofrimento à comunidade, já que, na esteira do que
assentou o TCU, a Secretaria de Saúde repassou todas as suas atribuições à
oscip, abstendo-se até mesmo de gerir os recursos públicos federais advindos do
Fundo Nacional de Saúde, os quais, ao invés de serem encaminhados ao Fundo
Estadual de Saúde, eram diretamente creditados na conta bancária da oscip por
meio de ordens bancárias.
Com isso, a SESAU se tornou apenas um fantoche nas mãos
da OSCIP BRASIL, a qual a manipulava a seu bel prazer, conforme bem
demonstrado quando se narrou a forma pela qual a SESAU queria rescindir o
termo de parceria, cambiando para a ong milhões de reais, mesmo após o termo,
fato que só não ocorreu em razão de liminar obtida por este MPF nesse Juízo
Federal.
5 – Dos pedidos
Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal pede a
Vossa Excelência que JULGUE PROCEDENTE a presente DEMANDA para:
a) declarar a prática de atos de improbidade administrativa por parte
dos réus MARCELO DE CARVALHO MIRANDA, HENRIQUE BARSANULFO FURTADO, PETRÔNIO BEZERRA LOLA, MÁRCIO JUNHO PIRES CÂMARA, BRUNO BARRETO CESARINO, JOSÉ
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RENARD PEREIRA DE MELO, THAÍS RAMOS ROCHA,
EDUARDO HENRIQUE SARAIVA FARIAS e OSCIP BRASIL, condenando-os, em conseqüência, ao ressarcimento integral do
dano, à perda da função pública que estejam exercendo à época do
proferimento da sentença, à suspensão de seus direitos políticos, à
proibição de contratar com os poderes públicos, à proibição de
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, e pagamento de multa civil;
b) a condenação dos Réus ao pagamento de custas processuais e
demais verbas de sucumbência;
c) no caso de serem julgados procedentes os pedidos aqui
formulados, sejam oficiados o Tribunal Superior Eleitoral no caso de
suspensão dos direitos políticos, o Banco Central do Brasil — para
que comunique às instituições financeiras oficiais a proibição de
contratar com o poder público e receber incentivos e benefícios
fiscais ou creditícios — e, para o mesmo fim, seja determinada a
inclusão do nome dos Réus no Cadastro de Créditos Não Quitados
de Órgãos e Entidades Federais – CADIN.
d) a condenação dos demandados MARCELO DE CARVALHO MIRANDA, HENRIQUE BARSANULFO FURTADO, PETRÔNIO BEZERRA LOLA, MÁRCIO JUNHO PIRES CÂMARA, BRUNO BARRETO CESARINO, JOSÉ RENARD PEREIRA DE MELO,
THAÍS RAMOS ROCHA, EDUARDO HENRIQUE SARAIVA FARIAS e OSCIP BRASIL ao ressarcimento do dano moral coletivo
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ocasionado em razão de suas condutas ímprobas, cujo valor deve
ser mensurado pelo prudente arbítrio de Vossa Excelência;
Requer-se, ainda:
a) seja esta petição inicial autuada juntamente com os documentos
que a acompanham, notificando-se os Réus para apresentarem
suas manifestações nos termos do artigo 17, § 7º, da Lei nº
8.429/92, no prazo de quinze dias;
b) após o oferecimento de tais manifestações, ou transcorrido o
prazo legal sem suas apresentações, seja recebida esta petição
inicial por esse douto Juízo, citando-se os Réus para oferecimento
de contestações, sob pena de revelia, no prazo ordinário de
quinze dias, conforme disposto no 17, § 9º, da Lei nº 8.429/92;
c) sejam a UNIÃO e o Município de ESTADO DO TOCANTINS notificados, por
seus representantes legais, para que tomem ciência do
ajuizamento desta ação e para que, querendo, integrem o pólo
ativo da mesma, conforme autorizado pelo artigo 17, § 3º, da Lei
nº 8.429/92;
Embora já se tenha apresentado prova pré-constituída do
alegado, protesta o Ministério Público pela produção de prova documental,
testemunhal, pericial, e até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias
ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se
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vier a formar com a apresentação da contestação.
Protesta também, por eventual emenda, retificação e/ou
complementação da inicial.
Dá-se à causa o valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões
de reais).
Palmas, 1º de agosto de 2008.
RODRIGO LUIZ BERNARDO SANTOS
Procurador da República
BRUNO BAIOCCHI VIEIRA
Procurador da República
JOÃO GABRIEL MORAIS DE QUEIROZ
Procurador da República
ALEXANDRE MOREIRA T. DOS SANTOS
Procurador da República
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